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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1890

Presidencia do ex.mo sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os ex.mos srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira do Sousa

SUMMARIO

Ao ler-se a acta, houve um pequeno dialogo entre o sr. Eduardo Abreu, que entendia que não estava numero sufficiente de srs. deputados na sala para a approvarem, e o sr. presidente, que dizia que abriu a sessão com sessenta e um srs. deputados; mas que, quando mesmo não estivessem agora tantos presentes, bastavam quarenta e quatro, que era a quarta parte da totalidade, quantidade com que a sessão se podia abrir, por deliberação tomada em 20 de março de 1884. -Entrando na sala differentes srs. deputados, foi a acta approvada sem mais reclamação. - Leu-se na mesa um officio do ministerio do reino, remettendo as actas e mais papeis relativos, á eleição de um deputado pelo circulo de Margão
(India). - Teve segunda leitura uma proposta apresentada na sessão anterior pelo sr. Ruivo Godinho. - O sr. Cancélla pediu providencias sobre acontecimentos, que considerava graves, que se tinham dado em Aveiro. - O sr. Baptista de Sousa referiu-se á proposta sobre os alcoois, e fez algumas considerações sobre as fabricas existentes e as que se podem vir a estabelecer, em prejuizo da fazenda nacional. - O sr. João Pinto chamou a attenção do governo para a situação precaria em que se encontra o professorado primario, e manda para a mesa um requerimento. - Responde-lhe o sr. ministro da instrucção publica. - 0 sr. Ignacio do Casal Ribeiro sentiu que não estivessem presentes os srs. ministros da agricultura e da marinha para interrogar, o primeiro sobre a distribuição de bacellos americanos, e o segundo com relação á expedição do tenente Valladim e á expedição que foi a Angoche. - O sr. Eduardo Abreu apresentou alguns documentos e duas representações da municipalidade da Villa da Praia da Victoria e de um grupo numeroso de habitantes de Lagos, contra os novos impostos, e fez algumas considerações contra o augmento de despezas publicas. - O sr. João Maria de Figueiredo apresentou seis requerimentos de alferes reformados, pedindo melhoria de vencimento. - O sr. Lobo d'Avila pediu á commissão de verificação de poderes que désse o seu parecer sobre as eleições por accumulação. - O sr. Pedro Victor, por parte da commissão, responde-lhe que esta não tinha duvida em dar o seu parecer sobre as eleições em que o resultado da Horta, que ainda faltava, não podesse influir. - O sr. Manuel de Arriaga apresenta um requerimento do sr. Eduardo Maia, e fez algumas considerações sobre o direito de reunião. - Responde-lhe o sr. ministro da instrucção publica. - O sr. Moraes Sarmento apresenta, por parte da commissão de verificação de poderes, os pareceres sobre as eleições dos circules de Nova Goa e Sotavento de Cabo Verde. Foram approvados, e seguidamente proclamados deputados os srs. Arthur Urbano Monteiro de Castro e Henrique da Cunha Matos de Mendia. Apresenta tambem o parecer sobre a eleição do circulo de Margão, para que o respectivo processo fosse enviado ao tribunal de verificação de poderes. - O sr. José Julio Rodrigues desejou saber que medidas tomou o governo para acudir á crise alimentícia de Cabo Verde, e qual o resultado dos trabalhos feitos pelo cavalheiro que foi, commissionado pelo governo, á Madeira e Açores estudar assumptos agrícolas. - Responde lhe o sr. ministro da instrucção publica. - O sr. Carrilho, por parte da commissão de fazenda, apresenta dois requerimentos, é o sr. Elvino de Brito outro, pedindo certos documentos, pelo ministerio das obras publicas.
Na ordem do dia (primeira parte) elegem se as commissões de guerra e de obras publicas. - O sr. Moraes Sarmento, por parte da commissão de verificação de poderes, apresenta um parecer, concluindo por que seja chamado a tomar assento na camara o sr. Christovão Pinto, deputado pela Índia na legislatura anterior, até que seja decidido o processo de Margão. Foi approvado. - O sr. Luciano Cordeiro participa a constituição da commissão do ultramar, e requer que lhe sejam aggregados os srs. Antonio Manuel da Costa Lereno e Abilio Eduardo da Costa Lobo. Assim se resolveu.
Na ordem do dia (segunda parte) continua a discussão do projecto de lei n.º 109 (bill de indemnidade), e coube a palavra ao sr. Francisco Beirão, que fallou até ao dar da hora seis e meia da tarde). Apresentou uma moção do ordem, que foi admittida .- No fim da sessão apresentou o sr. Moraes Sarmento pareceres sobre as eleições por accumulação; mas ficou para se resolver na sessão seguinte, por já não haver numero na sala.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 61 srs. deputados. São os seguintes: - Abilio Eduardo da Costa Lobo, Adolpho Ferreira Loureiro, Adriano. Augusto da Silva Monteiro, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho; Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Ribeiro doa Santos Viegas, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Teixeira de Sousa, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto José Pereira Leite, Barão de Paçô Vieira (Alfredo), Bernardino Pacheco Alves Passos, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Estevão Antonio de Oliveira Júnior, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Francisco de Almeida e Brito; Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco de Barros (Joelho e Campos, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Xavier de Castro, Figueiredo de Faria, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João Pinto Moreira, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Simões Pedroso de Lima, João de Sousa Machado, Joaquim Germano de Sequeira; Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José do Azevedo Castello Branco, José Christovão Patrocínio de S. Francisco Xavier Pinto, José Estevão de Moraes Sarmento, José Freire Lobo do Amaral, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Julio Rodrigues, José Maria Greenfiel de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, José Victorino de Sousa o Albuquerque, Julio Antonio Luna de Moura, Manuel Pinheiro Chagas, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho e Pedro Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro; Adolpho da Cunha Pimentel, Adriano Emílio de Sousa Cavalheiro, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo Cesar Brandão, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, António José Arroyo; Antonio José Ennes, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto Ma ria Fuschini, Augusto Ribeiro, Carlos Lobo d'Avila, Carlos Roma de Bocage, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Côvo, Conde de Villa Real, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Elvino José de Sousa e Brito, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro do Castro, Francisco de Castro Mattozo da Silva Corte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alves Bebiano, João Cesario de Lacerda, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José Dias Ferreira, José Elias Garcia, José Frederico

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Laranjo, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, Julio Cesar Cau da Costa, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro,. Luciano Cordeiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz do Mello Bandeira Coelho, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Manuel do Oliveira Aralla e Costa, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Marianno Cyrillo de Carvalho, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Visconde de Tondella o Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alfredo Mendes da Silva, Antonio Maria Cardoso, Antonio Pessoa de Barrou è Sá, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, João de Paiva, José Antonio de Almeida, José Domingos Ruivo Godinho, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Luiz Antonio Moraes e Sousa, Manuel Vieira do Andrade, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Matheus Teixeira de Azevedo, Roberto Alves do Sousa Ferreira e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Leu-se a acta.

O sr. Eduardo Abreu: - Tenho a ponderar a v. exa. que na camara não está o numero sufficiente de srs. deputados para se approvar a acta.
O sr. Presidente: - Segundo o regimento, não havendo reclamação contra a acta, considera-se esta approvada, sem que para isso seja necessario consultar a camara.
O Orador: - Mas eu faço essa reclamação, fundado em que na camara, actualmente, não está o numero de deputados sufficiente para approvar ou rejeitar.
O sr. Presidente: - Acaba de se fazer a chamada e estava o numero legal de srs. deputados.
O Orador: - Peço perdão; não duvido que estivesse o numero legal, mas actualmente não está.
0 sr. Presidente: - Pela chamada verificou-se que estavam presentes os srs. deputados.
Se v. exa. tem a reclamar contra a acta, a reclamação não pôde ser resolvida sem haver numero.
O Orador: - A reclamação que tenho a fazer sobre a approvação ou rejeição da acta era fandada em não estar actualmente na camara o numero legal de deputados, para se approvar ou rejeitar qualquer medida.
O sr. Presidene: - Estavam á chamada os srs. deputados.
O Orador: - Não estão agora; v. exa. tem a bondade de mandar proceder á contagem ?
O sr. Presidente: - Nos termos da deliberação tomada na sessão de 20 de março de 1884 a sessão pôde abrir com a quarta parte do numero total.
A quarta parte dos srs. deputados é 44, estão mais do que isso.
O Orador: - É sobre esse ponto que eu tinha duvidas.
Parece-me que só depois que eu comecei a fallar é que começaram os srs. deputados a entrar.
Foi approvado a acta.

EXPEDIENTE

Officios

Um officio do ministerio do reino, remettendo as actas e mais papeis, relativos á eleição de um deputado pelo circulo de Margão.
Para a commissão de poderes.

Segundas leituras

Proposta

Proponho que quando a inscripção para se fallar antes da ordem do dia se não esgotar no dia em que é feita, continue no seguinte, de modo que o sr. deputado que não póde fallar em um dia o possa fazer no seguinte sem risco do que o que o preteriu no primeiro dia o não pretira tambem nos seguintes. = 0 deputado, Ruivo Godinho.
Foi admittida e enviada a comissão do regimento.

REPRESENTAÇÕES

Da camara municipal da Villa da Praia da Victoria e de habitantes de Lagos, pedindo á camara que não vote o augmento de impostos.
Apresentadas pelo sr. deputado Eduardo Abreu, enviadas á commissão de fazenda e mandadas publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que pelo ministerio do reino, sejam enviados os seguintes documentos:
1.º- Copia das actas das sessões da misericordia do Fundão, de 12 de fevereiro e de 30 de março do 1890.
2.º Correspondencia trocada entra o presidente da mesma misericordia e o fornecedor da casa José Alves Monteiro. = O deputado, João Pinto dos Santos.

Requeira que, pelo ministerio das obras publicas, me seja remettida copia das conclusões approvadas na conferencia internacional de protecção aos operarios, realisada em Berlim, no corrente anno, cora a designação das recusas feitas pelos delegados do governo portuguez em relação ás mesmas conclusões. = O deputado, Elvino de Brito.

Requeiro, por parte da commissão de fazenda, que, sobre os adjuntos projectos da lei n.ºs 112-D e 113-D seja ouvido o governo, pelo ministerio da guerra. = A. Carrilho.

Requeiro que seja ouvido o governo, pelo ministerio da fazenda, ácerca do projecto de lei n.° 112-E, pedindo-se-lhe, tambem, que faça consultar a direcção do monte pio official sobre o assumpto, para que ella informe, não só sobre qual o augmento de encargo, como tambem as vantagens ou desvantagens que podem resultar da approvação do mesmo projecto de lei. = Carrilho, secretario.
Mandaram-se expedir com urgencia.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos alferes reformados Agrippino de Sousa Nogueira, Joaquim Jorge, João dos Santos Rodrigues, José Joaquim Rodrigues Coelho, José Antonio Gomes da Silva, Patricio Exposto, pedindo melhoria de vencimento.
Apresentados pelo sr. deputado João Maria Figueiredo e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De Eduardo Maia, pedindo a interpretação do § 3.° do artigo 7.° da lei de 29 de março ultimo, respeitante ao direito de reunião.
Apresentado pelo sr. deputado Manuel de Arriaga e enviado á commissão de legislação civil.
O sr. Paulo Cancella: - Sr. presidente, consta-me que em Aveiro, no commisaariado de policia se têem dado

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factos de grande importancia e eu desejava chamar para esses factos a attenção do sr. ministro do reino.
Alguns jornaes têem accusado o commissario de policia, ou empregados de policia de terem espancado varios presos, causando-lhes ferimentos importantes.
Eu não sei, sr. presidente, até que ponto são verdadeiros os fatos a que me refiro; mas peço ao sr. ministro da instrucção publica a fineza de chamar a attenção do sr. ministro do reino: sobre estes fatos, pois que, me consta que muitos presos têem sido espancados e feridos no commissariado de policia de Aveiro.
Em vista d'estes acontecimentos, parecia-me conveniente que s. exa. sr. presidente, do conselho e ministro do reino mandasse proceder a uma syndicancia, pois que os factos a que me refiro são de summa importancia.
O sr. Baptista de Sousa: - Sr. presidente, eu desejava fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda; mas, não o vendo presente e não podendo deixar para mais tarde o chamar a attenção do governo para um assumpo que é de muita urgencia, vou fazel-o na presença do sr. ministro da instrucção publica, esperando que s. exa. se dignará, pelo menos, fazer sciente das minhas singelas considerações o seu collega da fazenda.
Sr. presidente, entre as propostas apresentadas á camara pelo illustre ministro da fazenda, ha uma, a do n.° 5.°, destinada á tributação novamente da aguardente e alcool produzidos no continente e ilhas adjacentes, e que, para ser verdadeiramente util como medida fiscal, prohibe de futuro a installação de novas fabricas de quaesquer bebidas alcoolicas dentro das barreirasse Lisboa, Porto e Villa Nova de Gaia, bem como o augmento do machinismo de producção dasjá ali existentes.
Ora, sr. presidente, entre á apresentação da proposta, e a sua discussão, conversão era, lei e publicação no Diario do governo vae tempo bastante para se instalarem novas fabricas e para as actuaes augmentarem os seus meios de producção, não se conseguindo o fim, que se tem em vista na proposta, ou vindo os interesses particulares a prevalecer sobre, os do estado;
Parece-me, sr. presidente, que, á similhança do que se tem feito em outras occasiões, nomeadamente pela lei de 28 de abril de 1887, se podiam acautelar as receitas pucas por meio de, uma lei transitoria, que ordenasse desde já aquelles prohibições até um determinado dia, que seria fixado attendendo-se á demora provavel da conversão em lei da proposta ministerial.
Quando aqui foi em 1887 apresentada a proposta de reforma da pauta geral das alfandegas, o sr. Arroyo, que então era deputado da, opposição, fazia ver á camara a necessidade de se acautelarem os interesses da fazenda publica, mandando entrar desde logo em deposito a differença a maior dos direitos entre a pauta proposta e a que então vigorava, para que o commercio se não locupletasse com grandes antecipações á custa do estado e dos consumidores.
A isso attendeu a lei, a que já me referi, de 28 de abril de 1887,
Em janeiro d'esse anno havia o governo progressista procedido do mesmo modo por um decreto na transição do antigo para um novo regimen de tabacos.
Parece-me, pois, que agora havia tambem necessidade de se acautelarem os interesses da fazenda, começando já as prohibições consignadas na proposta, pois até para algumas eventualidades valeria a pena aos particulares fazer alguma cousa, que justificasse indemnizações, não devendo esquecer a que deu occasião o projecto para expropriar as fabricas de tabacos pagando lucros cessantes!
O sr. ministro da fazenda não está presente; mas o sr. ministro da instrucção publica dignar-se-ha, certamente, communicar estas observações ao seu illustre collega.
Ser-me-ia bem facil apresentar eu proprio um projecto de lei
Parece-me, porém, que, se o meu pensamento não for repellido pelo governo, este apresentará a respectiva proposta, quo por ser de iniciativa ministerial terá em breve parecer, o qual em breve será discutido e votado.
Se o illustre ministro da instrucção publica, todavia, poder dizer desde já qual o pensamento do governo sobre o assumpto então peço a v. exa. que me reserve a palavra, para depois da resposta dizer o que se me afigurar conveniente.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Em primeiro logar, direi ao illustre deputado o sr. Cancella, que transmittirei ao sr. ministro do reino as observações feitas por s. exa., relativamente, aos factos que indicou como occorridos no districto de Aveiro.
Quanto ás observações feitas pelo illustre deputado o sr. Baptista de Sousa, a camara comprehende bem que, pelo caracter especial d'ellas, constituindo a apreciação de uma das propostas de fazenda, eu não devo antecipar a manifestação de qualquer opinião que, ácerca do assumpto, o meu collega da fazenda possa ter de emittir.
O que posso é dizer ao illustre deputado, que, reconhecendo que realmente o assumpto é grave e importante, eu me apressarei a chamar para esse ponto a attenção do meu collega o sr. ministro da fazenda.
O sr. Baptista de Sousa: - Agradeço ao sr. ministro da instrucção publica a amabilidade da sua resposta, e aguardo à presença do sr. ministro da fazenda para ouvir de s. exa. a opinião do governo sobre o importante assumpto a que me referi.
O sr. João Pinto dos Santos. - Começo perguntar a v. exa. se já vieram os documentos que eu pedi no dia 10 do corrente, relativamente á dissolução da misericordia do Fundão.
(Pausa.)
O sr. Presidente: - Ainda não vieram.
O Orador: - Então peço a v. exa. que de novo inste pela remessa d'esses documentos.
O sr. Presidente: - Mandarei instar novamente.
O Orador: - Mando igualmente outro requerimento, pedindo novos documentos; mas devo dizer que, se esta demora na remessa de documentos continuar, eu creio que o melhor é adoptar então o systema do illustre deputado o sr. Francisco Machado, isto é, fallar todos os dias no mesmo assumpto. A maioria não gosta de que o illustre deputado interrompa assim a marcha dos trabalhos; mas a verdade é que não ha outro expediente a tomar, desde que se pedem documentos e o governo os não manda. Parece impossivel que em dez dias não houvesse tempo de copiar os documentos que eu pedi, que são muito simples. Eu não queria seguir o systema d'aquelle illustre deputado, e preferia habilitar-me com os documentos officiaes, para de uma vez liquidar a questão, e não estar todos os dias a fallar do mesmo assumpto; mas ver-me-hei obrigado a isso, se o governo continuar a demorar a remessa dos documentos que se lhe pedem.
Aproveito a occasião de estar presente o sr. ministro da instrucção publica, para chamar a attenção de s. exa. sobre um assumpto importante! Estou certo de que s. exa. empregará todos os seus esforços para remediar um inconveniente que tem sido já apontado n'esta casa do parlamento em varias sessões legislativas. Os professores de instrucção primaria todos os annos reclamam a proposito dos magros vencimentos que têem.
O meu illustre collega o sr. José Julio Rodrigues já levantou esta questão, pedindo ao sr. ministro da instrucção publica que tomasse a peito o augmento dos ordenados aos professores de instrucção primaria.
Estou certo que o sr. ministro não deixará de attender a um assumpto tão importante como este. Quando se estão augmentando os ordenados á varios funccionarios e se paga muito bem a outros que pouco trabalham, não é justo que se remunere tão desgraçadamente outros, como os profes-

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sores de instrucção primaria, que tanto trabalham e que tanto jus têem a iguaes benefícios.
Estou certo que o sr. Arroyo, logo que termine a discussão do bill e esteja legalmente creado o ministerio da instrucção publica, não deixará de empregar todos os seus estorces para apresentar uma proposta de lei tendente a remediar este grandíssimo inconveniente, porque o professorado, sem ser bem remunerado, não pôde ligar á instrucção publica os cuidados de que ella carece, tendo, portanto, de entregar-se a outros misteres para não morrer de fome, como tem succedido a alguns professares.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Quando o sr. deputado José Julio Rodrigues se referiu ao assumpto para o qual acaba de chamar a minha attenção o sr. deputado João Pinto dos Santos, eu não estava presente n'esta casa; todavia tive conhecimento pelo extracto da sessão, e pelas noticias que os jornaes deram, do discurso e das considerações apresentadas pelo sr. José Julio Rodrigues.
Renova as agora o sr. João Pinto dos Santos sobre o ponto particular dá situação em que está o nosso professorado de instrucção primaria.
Direi a s. exa. uma cousa. Em primeiro logar, que a situação dos professores de instrucção primaria está longe de ser aquella que esses funccionarios têem direito, e que é conveniente para a boa manutenção das condições normaes d'aquelle fundamental ramo de ensino. Em segundo logar, é todavia certo que já alguma cousa se tem feito relativamente á situação do professorado primario.
Posso annunciar á camara, e posso annuncial-o com completa certeza do facto, que os antigos debitos dos professores primarios deixaram de existir, graças á idéa verdadeiramente feliz da instituição dos fundos de instrucção primaria creados pela lei de 1888 e regulados pelas instrucções regulamentares do mesmo anno.
Em terceiro logar tenho a declarar a v. exa. que entendo que o problema da instrucção primaria é um d'aquelles em que só se deve bolir com completo conhecimento e estudo reflectido do assumpto. Declaro a v. exa. outra cousa.
Sendo o problema capital da instrucção um d'aquelles que mais completamente absorvem a attenção dos estadistas que nos paizes estrangeiros se têem occupado d'este assumpto, é, todavia, tão complicado e difficil do se acudir aos variados pontos que tal problema em si encerra e contem que, por exemplo, a França, com as suas leis de reformação de instrucção primaria em 1881, ainda ha muitissimo pouco tempo pôde produzir uma lei relativa á parte financeira.
Por estes e outros motivos que eu poderia expor á camara, se não estivessemos na discussão abreviada antes da ordem do dia, limito-me a dizer a s. exa. que acompanho em todos os seus votos para attender ás necessidades do ensino primario e que me dedicarei a esse estudo, logo que outros assumptos de natureza mais urgente e de necessidade mais inadiavel m'o permitiam.
Tenho concluído.
O sr. Ignacio Casal Ribeiro: - Pedi a palavra para dirigir algumas perguntas ao governo, mas continuo a ser pouco feliz porque, embora veja presente dois srs. ministros, o da instrucção publica e o da fazenda, é justamente a s. ex.ªs que não tenho pergunta absolutamente alguma a fazer. Como quero porém approveitar o ensejo de estar cora a palavra vou dirigir me ao sr. ministro da instrucção publica, não para formular qualquer pergunta que diga respeito ao seu ministerio, mas que diz respeito ao pedido que formulei a s. exa. na ultima sessão.
Rcsumindo pergunto se foi tão condescendente para commigo que tivesse tido amabilidade de communicar ao seu collega das obras publicas, que eu desejava a sua comparencia para formular perguntas ácerca da distribuição dos bacellos americanos.
Se s. exa. foi tão amavel para commigo, como creio, que transmitisse este meu desejo e pedido ao sr. ministro das obras publicas, muito tenho a lamentar que s. exa. não esteja hoje presente.
As perguntas, que os deputados, quer da maioria quer da opposição façam, têem sempre mais ou menos a opportunidade e a minha está n'este caso. D'aqui a quinze, vinte ou trinta dias pôde o sr. ministro das obras publicas apparecer, mas será então mal cabida a minha pergunta, que aliás julgo perfeitamente cabida na occasião presente.
Lamentando, pois, que o sr. ministro das obras publicas não esteja presente e certíssimo de que o sr. ministro da instrucção publica communicará novamente o meu desejo ao seu collega, e sem querer abusar da benevolencia de s. exa., espero dever lhe a amabilidade de lhe repetir o meu pedido para que appareça n'esta casa, antes da hora do dia e com a maior brevidade, a fim de que eu acabe d'uma vez com as perguntas que lhe desejo fazer sobre o assumpto a que me referi.
Agora direi que estando presente o sr. ministro da instrucção publica e outro membro do gabinete, eu declarei tambem na ultima sessão que era um cesto de perguntas que tinha a fazer ao governo, e desejo ser methodico n'este despejar do cesto. Pergunto aos dois ministros presentes o que ha com respeito ás expedições africanas?
Refiro-me aos dois ministros, porque receio que o sr. ministro da instrucção publica me responda do mesmo modo que respondeu quando foi perguntado pela voz illustrada do sr. Carlos Lobo d'Avila e pela voz auctorisada do sr. Emygdio Navarro.
A resposta de s. exa. era: «Taes assumptos não correm pela minha pasta, mas communicarei ao meu collega da marinha os desejos dos deputados da opposição, pois é justo que se saiba o que ha de verdade a respeito d'essas expedições».
Tenho aguardado, silencio até hoje, esperando que o governo se apressasse em dizer ao parlamento, e especialmente á camara dos deputados, e que ha de positivo a respeito do tenente Valladim, e se o governo tomou ou não as providencias necessarias para evitar maiores desgraças, caso seja verdade ter fallecido tão corajoso official.
O governo ainda não participou quaes as providencias que tomou; nada nos tem dito, ignoro mesmo se tomou quaesquer providencias, por consequencia formulo as minhas perguntas, que são as seguintes:

governo tomou já algumas providencias ácerca das expedições respeitantes ao tenente Valladim, bem como á de Angoche, aonde se diz terem fallecido os officiaes Albuquerque e Semedo? Se' essas providencias foram tomadas, quaes foram?
Se nada fez nem sabe, lamento este facto, e lavro o meu protesto como deputado da opposição, contra este silencio, pois entendo que em assumptos d'esta ordem o governo deve ter muito a peito dar explicações completas e cabaes ao parlamento. (Apoiados,}
Peço a v. exa. que me reserve a palavra se o sr. ministro das obras publicas ainda hoje comparecer, porque desejo formular lhe perguntas que reputo de interesse publico.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Eduardo Abreu.
O sr Casal Ribeiro: - Eu não deixo de estranhar que o sr. ministro da instrucção publica não se dignasse responder-me.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Eu não respondi porque ás perguntas do illustre deputado não era necessario dar resposta,
S. exa. disse que, relativamente á primeira parte, tinha a certeza de que eu communicaria ao meu collega das obras publicas a expressão do seu desejo.
Relativamente á segunda parte, foram feitas por s. exa. perguntas já proferidas por outros srs. deputados, e a que o meu collega da marinha já deu as precisas explicações.

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O sr. Casal Ribeiro: - Eu perguntei se o governo tinha tomado algumas providencias de que podesse dar contas á camara.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Quando o sr. presidente me conceder a palavra eu explicarei então por completo o meu procedimento.

O sr. Eduardo Abreu: - Mando para a mesa um protesto relativo á eleição de Margão.
Peço a v. exa. me diga, se sabe, se uma representação da cidade da Guarda que eu há poucos dias aqui apresentei, protestando contra os impostos, já foi, conforme eu pedi, publicada no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Vou mandar saber á secretaria.

O Orador: - Eu não a vi ainda publicada. Digo isto porque ha dois annos fiz tambem um proposta para serem, publicados, no Diario do governo uns documentos, proposta que, creio eu, foi unanimemente approvada e taes documentos não appareceram publicados.

Não sei o que a tal respeito houve, porque, repito, não appareceram esses documentos publicados, como aliás a camara soberana unanimemente tinha deliberado.

Agora trata se de representações que os povos estão fazendo contra as medidas, apresentadas pelo sr. ministro da fazenda.
Eu hei de de andar, vigilante, apesar de que não será preciso por v. exa. me dar toda a garantia de que essas representações hão de ser publicadas; como v. exa. tem muito que fazer, peço-lhe que me releve se eu algum dia fizer notar a exa. que essa representação não appareceu no Diario do governo;

O sr. Presidente:- Declaro ao sr. deputado que mandei já á secretaria saber o que havia a tal respeito, e tenha s. exa. a certeza que no caso de não se ter. mandado publicar eu darei as convenientes, ordens, para que o seja.

O Orador: - Agradeço a v. exa.
Mando ainda outra representação assignada por grande numero de cavalheiros de Lagos, onde figuram repreentantes de todos os partidos politicos, da politica progressista, da politica regeneradora; da politica republicana e não sei se da esquerda dymnastica, se é que ainda existe essa politica (Riso.), representando contra as medidas de fazenda propostas pelo actual sr. ministro, mas em termos tão correctos e tão dignos que póde ser publicada no Diario do governo.
Se eu visse de entre essas medidas de fazenda apresentar algumas cortando nas despezas publicas, creia o nobre ministro que não tomaria tanto a peito este assumpto e não me daria por gloriado, em vir aqui apresentar representações contra essas propostas; mas as despezas publicas estão augmentando de uma maneira extraordinaria (Apoiados.)

S. exa. querendo fazer pesar a sua reflexão e a sua energia sobre o orçamento geral do estado tem ali muito onde corte, para mostrar que se um ministro verdadeiramente energico e está á altura da situação, gravissima em que se encontra o nosso credito interno e externo. (Apoiados.) É uma cousa espantosa que se está dando Não se fazem economias algumas em nenhum dos ministerios. Olho para a phisionomia, aliás simpathica, do sr. ministro da instrucção publica e vejo que s. exa. está triste. O que significa isto? E que s. exa. não tem mãos a medir com as cartas que está recebendo, de todos os pontos, com os pedidos que
o assaltam dentro e fora do ministerio para os empregos que elle tem de dar para as differentes repartições do ministerio da instrucção publica e bellas artes. Desde que se abriu o parlamento não se vê senão d'este e d'esse lado da camara apresentarem-se projecticulos para augmentos de despeza. Affirmo a v. exa., como deputado da opposição que tenho Vinte e tantos requerimentos de individuos com pretensões que importam augmento de despeza, mas não os apresento e n'está parte, separo-me com plenamente da opposição n'esta camara, e de todos, porque
não hei de apresentar um só requerimento para augmento de despeza. Se o governo só pensa em espadas e sonha com cornetas e tambores, quer construil-os e lhes falta a pelle e quer tiral-a ao contribuinte, póde ter-a certeza de que não o consegue.

0 contribuinte ha de vir para a rua, e a pau e a pedra hade defender o pouco que lhe resta.

Vozes: - Ah!

O Orador: - Nos mesmo. Em todo o caso vou mettendo carvão para a machina.
Peço a v. exa. que consulte a camara se permitte, que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Como estou com a palavra vou apresentar uma representação tambem de uma camara municipal contra o mesmo assumpto.
É tambem a primeira camara municipal que protesta contra estes impostos, e tão significativa e esta representação que peço licença, á camara para a ler.(Leu.) O sr. Presidente: - Peço licença ao illustre deputado para lhe dar uma informação.

A representação apresentada, por v. exa. contra as medidas de fazenda foi publicado no Diario do governo n º 109 de 17 de maio de 1890. (Riso)
O Orador: - Pois eu leio os Diarios do governo e as suas entrelinhas, mas este escapou-me completamente.

Isto mostra que ainda não ando sufficientemente vigilante sobre a publicação de differentes documentos, e por consequencia hei de andar mais attento.
Tenho dito até amanhã.
(S. exa. não reviu as notas do seu discurso}

O sr. João Maria de Figueiredo: - Mando para a mesa alguns requerimentos de officiaes reformados pedindo que lhes seja applicada a tarifa a que se refere a carta de lei de 25 de junho de 1889.
Este pedido é tão justo que me dispenso de fazer quaesquer considerações sobre elle, esperando, que a camara faça inteira e completa justiça a estes officiaes do nosso exercito.

O sr. Carlos Lobo d'Avila: - Pedi a palavra unicamente para dirigir um pedido á primeira commissão de verificação de poderes.
A camara está reunida ha mais de um mez e todos sabem que ainda faltam os deputados eleitos por accumulação que têem direito a estar aqui.
Eu sei que a commissão ainda não apresentou os seus trabalhos, porque o resultado de algumas ilhas, como por exemplo a da Horta, ainda não chegou; mas eu pedia á commissão que fosse. Organisado já a synopse dos candidatos que foram votados por accumulação, porque o resultado que falta não influo na votação, de alguns d'aquelles candidatos.

O sr. Pedro Victor: - Tenho a declarar ao illustre deputado que a primeira commissão de verificação de poderes tem toda a boa vontade em trazer aqui, o mais breve possivel, o parecer acerca dos deputados eleitos por accumulação. A unica razão por que ainda não apparece o resultado final do seu trabalho, porque ainda falta o resultado da, Horta que se tem demorado muito tempo, e porque nos ultimos deputados que fazem parte da lista de accumulação existe uma differença muito pequena entre os votados, de maneira que não se sabe qual d'elles terá a maioria para poder obter o numero de votos precisos para ser deputado.
Entretanto a commissão não tem duvida em fazer esse apuramento por partes, e se algum dos cavalheiros que foram candidatos por accumulação tiver um numero do votos sufficiente para poder ser proclamado deputado, embora não se conheça ó resultado da eleição da Horta, mas se saiba que esse resultado não póde, vir a influir na eleição geral, em tal caso digo, não ha duvida em a commissão

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360 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fazer o apuramento e apresental-o á camara para ella resolver o que tiver por melhor.
Se a camara concorda, a commissão não tem duvida em lavrar o parecer n'esse sentido.
O sr. Manuel de Arraiga: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento do sr. Eduardo Maia, que foi candidato a deputado pelo circulo de Setubal b para o qual chamo a attencão da camara.
Diz esse requerimento.
(Leu.)
Segundo se vê d'este requerimento, o sr. Eduardo Maia deseja saber se n'uma reunião de eleitores onde tenciona comparecer para lhes agradecer, os votos que lhe deram, lhe é permittido em publico, diante de mais de vinte pessoas, em virtude do $ 3.° do artigo 3.° do decreto dictatorial que regula o direito de reunião, dizer que continua a preferir o ideal republicano cada vez com mais convicção e enthusiasmo, apresentando os motivos que para isso o animam, ou se os agentes da auctoridade estão armados de instrucções para lhe impedir o uso da palavra, e dissolver a reunião.
Deseja saber se os decretos dictatoriaes são vigiados pêlos executores da lei por tal fórma que elle não possa expender as suas idéas, decretos que são completamente contrarios e oppostos aos principios mais rudimentares do direito de associação e de reunião.
Pergunta, portanto, o sr. Eduardo Maia, se elle atacando por meio da discussão, o systema monarchico e administrativo, a auctoridade está armada com instrucções do governo para dissolver aquella reunião.
O sr. Eduardo Maia dirige-se ao parlamento, porque é elle que tem competencia para resolver este ponto.
Eu pergunto aos srs. ministros se os agentes da auctoridade podem ir atacar por meios violentos o exercicio de um direito que está garantido nas leis do paiz.
Pela minha parte eu desde já declaro que onde me apresentar, hei de manter as minhas idéas e não obedecer a alguem que me quizer impedir o uso de um direito que me é garantido pela constituição do paiz.
Isto é uma queestão de honra para todos nós.
Os decretos dictatoriaes não são leis, mas são leis desde já para os agentes da auctoridade.
Desejo que o governo me dê uma resposta clara, para eu a transmittir a quem requer a esta casa.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se auctorisa a publicação d'este requerimento no Diario do governo.
O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Antes de responder ao sr. Arriaga permitta-me v. exa. e permitta-me a camara que eu acrescente algumas palavras áquellas que proferi com relação a umas observações do sr. Casal Ribeiro.
S. exa. sabe muito bem, pela fórma por que costumo proceder, e pela muita consideração que tenho para com todos os membros d'esta camara, que eu era incapaz de praticar para com o illustre deputado um acto tão incorrecto como o que me foi attribuido.
Tão correcto tem sido o meu procedimento quanto a levantar-me para responder aos srs. deputados que até ás vezes se tem feito a esse respeito considerações que se podem chamar de physica recreativa. (Riso. - Apoiados.)
Tenho a dizer ao sr. Casal Ribeiro que as suas observações só referem a dois pontos.
Umas dizem respeito á pasta das obras publicas, e n'ellas o illustre deputado declarou estar convencido de que eu as transmittiria ao meu collega.
S. exa. tem visto que o sr. Arouca tem comparecido a quasi todas as sessões, tomando parte em alguns incidentes.
Se hoje não compareceu ainda, é de certo porque algum motivo de serviço publico a isso se oppõe.
As outras considerações do illustre deputado referem se ás expedições africanas.
S. exa. deve estar sciente de que taes observações já foram respondidas por mim, estando ausente o sr. ministro da marinha; e que depois foram repetidas perante o sr. ministro da marinha que lhe respondeu tambem.
Seria, portanto, uma segunda repetição.
Foi esta a rasão por que não me apressei em responder, o que aliás sempre faço, por motivos de delicadeza e pela muita consideração que me merecem todos, os srs. deputados.
Ao sr. Manuel de Arriaga, que mandou para a mesa um requerimento e que pediu acerca d'elle a opinião do governo, devo dizer que me parece que é este o ensejo mais opportuno para o parlamento poder dar uma interpretação ao decreto a que o requerimento se refere.
S. exa. sabe muito bem que a interpretação que se póde dar é ou judicial ou authentica.
A interpretação judicial só a póde dar o poder judicial, e quanto á interpretação authentica ou official creio que o ensejo mais opportuno para a dar é este em que se está discutindo o bill.
Como a camara decidiu que houvesse duas discussões, uma destinada mais particularmente para a questão política, e outra para apreciação dos decretos, creio que sobretudo a segunda discussão é o ensejo mais opportuno para se dar a interpretação a que o sr. Arriaga se referiu.
O sr. Manuel de Arriaga: - Quaes são as ordens que o governo dá aos seus agentes?
O Orador: - As ordens que o governo dá aos seus agentes é que cumpram os diplomas dictatoriaes, que saíram da iniciativa governamental, segunda a letra e o espirito d'esses mesmos diplomas.
O sr. Manuel de Arriaga : - O que pergunto é se póde ou não discutir-se o systema monarchico e comparal-o com o systema republicano ?
O Orador : - Respondo a s. exa. aquillo que já disse.
No momento em que se está discutindo o bill, tratar d'este assumpto antes da ordem do dia, permitta-me s. exa. que lhe diga que me parece alterar-se assim a ordem da discussão. (Apoiados.)
O sr. Manuel de Arriaga : - Ah! então está suspenso o decreto?!
O Orador: - O decreto está-se executando e a discussão do decreto prosegue e proseguindo a discussão do decreto, s. exa. alcançará inteiras e completas informações, que estou certo influirão no seu ponto de vista quando partam sobre tudo dos bancos do poder. (Apoiados.)
O requerimento foi enviado á commissão de legislação civil:
O sr. José Julio Rodrigues: - Pouco direi n'este momento, visto não estarem presentes os srs. ministros, a quem desejo pedir alguns esclarecimentos; como, porém, está presente o sr. ministro de instrucção publica, dirigir-me-hei a s. exa., certo de que s. exa. se dignará communicar aos seus collegas as minhas breves ponderações.
É sabido infelizmente, que, era Cabo Verde, ha actualmente uma verdadeira crise alimenticia, que constitue um facto gravíssimo, que reclama a immediata e disvellada attenção dos poderes publicos, obrigando o governo-a medidas promptas e de um alcance consoante ao mal que se pretende e deve, quanto antes, remediar.
Desejava saber, portanto, se ha já providencias convenientemente tomadas n'este sentido, ou' se se esperam ainda informações officiaes destinadas a elucidarem o governo sobre o seu procedimento e processos perante a crise de fome a que alludo.
E, a proposito d'este assumpto, desde já declaro á camara, que a seu tempo me proponho esplanar perante ella certos pontos da nossa historia colonial e da sua vida economica presente, que me parece, devera merecei tanta at-

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Tenção dos poderes publicos e de nós todos, como ou pontos, aliás da maxima ponderação, para os quaes, n´este momento, se dirige a attenção do governo e, com iguaes fundamentos e attenção do paiz.
Já que estou com a palavra, desejava, tambem ser informado sobre o que haja, ácerca estudos officiaes, sobre economia agricola ou sobre a situação agraria da ilha da madeira considerada sob o seu aspecto economicoe juridico. Parece que, ha pouco tempo, foi nomeado um cavalheiro para estudos d'esta especie e que segundo me consta, já partiu para o Funchal. Não sei se isto é absolutamente, verdade, como porém muito me interessa o assumpto, rogo a v. exa. se digne Solicitar do sr. ministro das, obras publicas que logo que quaesquer documentos officiaes se apurem sobre este assumpto, sejam presentes á camara, quando não tenham, a indole de confidenciaes, pois que d'elles hei de carecer para estudar as bazes de projectos, que são absolutamente accommodados ao fim que, me parece, se tem em Vista promovendo aquelles estudos.
O sr. Moraes Sarmento: - Por parte da commissão de verificação de poderes, mando, para a mesa os pareceres sobro as eleições dos circulos de Nova Goa Sotavento de Cabo Verde. Não havendo protesto algum sobre estas eleições peço a y. exa., que consulte a camara, se permitte que dispensado o regimento entrem desde já em discussão.
Mando tambem para a mesa o parecer da mesma commissão, relativo á eleição do circulo de Margão que é o seguinte:
(Leu.)
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre-se permitte que se dispense o regimento e que entre desde já em discussão.
Assim se resolveu.
Leram-se na mesa e entraram em discussão os seguintes pareceres.

PARECER N.° ll6.
Circulo de Nova Goa

Senhores. - A vossa commissão - de verificação de poderes examinou o processo eleitoral do circulo de Nova Goa, dá qual se vê haver sido numero de votantes de 12:571 obtendo votos os seguintes cidadãos:

Arthur Urbano Monteiro de Castro 12:501 votos

atino Coelho 20
Ascanio Sebastião da Costa 5 "
Antonio Mathias Gomes 2 "
José Henrique de Mello 8 "
Balerisria Givagy Sinay Cundaiscar 9 "
José Maria da Costa Alvares 25 "
José Antonio Ismael Gracias. 1 "

Não tendo havido protesto: nem reclamações, é a vossa commissão de parecer que deve ser proclamado deputado o cidadão mais voiado, Arthur Urbano Monteiro do Castro, que apresentou diploma em fórma legal.
Sala da commissão, 24 de maio de 1890.= Pedro Victor da Costa Sequeira. = Barão de: Paço Vieira (Alfredo) = L. Bandeira Coelho. = José Estevão de Moraes Sarmento.

PARECER. N .º 1I7.

Circulo de sotavento de Cabo Verde

Senhores.- A vossa commissão: de verificação de poderes, havendo examinado o processo eleitoral do circulo de Sotavento de Cabo Verde, verificou que o numero de votantes foi de 6:411, tendo obtido votos os seguintes cidadãos:

Henrique da Cunha Matos de Mendia 6:254 votos
João Paes do Vasconcellos 151 "
Manuel Arriaga 2 "
Consiglieri Pedroso 2 "
João Cesario de Lacerda 1 "
José Maria Latino Coelho 1 "

Não havendo protestos nem reclamações é á vossa commissão de parecer que devo ser proclamado deputado o, cidadão mais votado Henrique da Cunha Matos Mendia que apresentou diploma, em fórma legal.
Sala da commissão 24 de maio de 1890 = Pedro Victor da Costa Sequeira = Marcellino Mesquita = Barão de Paçô Vieira (Alfredo) = L. Bandeira Coelho = José Estevão de Mordes Sarmento.
Pedida e obtida a dispensa do regimento foi admittido á discussão.
Em seguida foram approvados os pareceres e proclamados deputados os srs. Henrique da Cunha Matos do Mendia e Arthur Urbano Monteiro de Castro.
Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte:

Parecer n.° 114

Circulo de Msrgão

Senhores. - Á vossa commissão de, verificação de poderes foi presente o, processo eleitoral do circulo de Margão (India) e bem assim dois diplomas passados, um a favor do cidadão José Christovão Patrocínio de S. Francisco Xavier Pinto.
Acompanha este processo, um requerimento assignado por dezeseis srs. deputados, da nação em que pedem para que o referido processo, eleitoral seja enviado ao tribunal de verificação de poderes, nos termos do artigo 11.º da lei de 21 de maio de 1884.
Pelo exame de uma das actas das assembléas de apuramento verifica-se que houve protesto apresentado pelo cidadão Joaquim Filippe da Piedade Soares e assignado pelo cidadão, João Ignacio do Loyolla, eleitor do respectivo circulo. Á vossa commissão offereceram-se duvidas se porventura o julgamento dos processos eleitoraes nos circulos do ultramar póde ou não ser declinado da camara para o tribunal de verificação de poderes, visto a lei de 21 de maio de 1884 e o mappa que d'ella faz parte se referirem especialmente aos circulos eleitoraes do continente do reino e ilhas adjacentes.
Considerando, porém, que o citado artigo 11.º está redigido de modo a poder comprehender todos os circulos do paiz;
Considerando que o pensamento, que presidiu á elaboração d'aquella lei foi dar garantias ás opposições parlamentares no julgamento dos processos eleitoraes contestados.
Considerando ainda que é menos equitativo usarem os deputados do continente do reino e ilhas adjacentes das referidas garantias com exclusão das do ultramar;
Considerando que o processo eleitoral cio circulo de Margão se acha nas condições do referido artigo, 11.°:
E a vossa commissão de parecer que aquelle processo seja enviado ao tribunal de verificação de poderes, marcando-se o praso de vinte dias para o seu julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 13.° da lei citada.
Sala da commissão, 23 de maio de 1890. = Pedro Victor da Costa Sequeira = Barão de Paçô Vieira (Alfredo)= L. Bandeira Coelho = José Estevão de Moraes Sarmento.
Foi appravado.

O sr. Ministro da Instrucção Publica (Arroyo): - Pedi a palavra para dar uma resposta ao sr. José Julio Rodrigues.
Quauto ao assumpto, a que s. exa. se referiu relativo á pasta das obras publicas prevenirei o meu collega das considerações feitas, por s. ex.ª; relativamente porém ás suas considerações com respeito á fome em, Cabo Verde, não posso dar informações circumstanciadas porque não

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sou ministro d´aquella pasta. Mas posso declarar, que ainda eu geria a pasta da marinha, quando chegaram noticias do governo de Cabo Verde, de que na realidade a situação economica da ilha era má; esta situação aggravára-se, havendo receio de que se estabelecesse uma crise em toda a ilha e que apparecesse a fome.
N'estas circumstancias gravissimas, porque acima d'essa questão não ha absolutamente nenhuma, que mais se imponha, o governo apressou-se a abrir um credito que entendeu conveniente, ao governo d'aquella possessão, para dar começo a algumas obras publicas novas, e poder offerecer trabalho, a fim de attenuar os effeitos d´aquella triste situação. (Apoiados.)
Esta medida tomada pelo governo n'essa epocha attesta a disposição em que se acha, de prestar a attenção devida a um assumpto que se impõe tanto a este ministerio como a qualquer outro, com a sua extraordinaria importancia.
O sr. Presidente: - Vae entrar se na primeira parte da ordem do dia.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

Feita a chamada para a votação da eleição da commissão de guerra e corrido o escrutinio verificou-se terem entrado na urna 63 listas, saindo eleitos os srs.:

Adriano de Sousa Cavalheiro 63 votos
Alexandre Alberto Serpa Pinto 63 "
Antonio Eduardo Villaça 63 "
Carlos Roma du Bocage 63 "
Eduardo Xavier da Cunha 63 "
Francisco F. Dias Costa 63 "
José A. P. Avellar Machado 63 "
José E. Moraes Sarmento 63 "
José Gonçalves Pereira dos Santos 63 "
José Gonçalves Figueiredo Mascarenhas 63 "
José M. Greenfield de Mello 63 "
Luiz A. Pimentel Pinto 63 "
Marquez de Fontes Pereira de Mello 63 "
Manuel Pinheiro Chagas 63 "
Sebastião Dantas Baracho 63 "

Feita a chamada para a eleição da commissão de obras publicas e corrido o escrutinio, verificou-se terem entrado na urna 72 listas, saindo eleitos os srs.:

Antonio José Arroyo 72 votos
Augusto Carlos Lobo Poppe 72 "
Augusto Fuschini 72 "
Emygdio Julio Navarro 72 "
José Alves Avellar Machado 72 "
José Maria Greenfield de Mello 72 "
Luciano Affonso Monteiro 72 "
Manuel d'Assumpção 72 "
Manuel Francisco Vargas 72 "
Marquez de Fontes Pereira de Mello 72 "
Pedro Victor da Costa Sequeira 72 "

O sr. Moraes Sarmento: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes; para que continue a tomar assento n'esta camara o illustre deputado por Margão, na legislatura anterior, o sr. Christovão Pinto.
(Leu.)
Peço a v. exa. que consulte a camara se dispensa o regimento, para entrar immediatamente em discussão.
Dispensado o regimento leu-se na mesa aparecer. É o seguinte:

PARECER N.º 115

Senhores. - Tendo a camara dos senhores deputados resolvido em sessão de hoje, que fosse enviado ao tribunal de verificação de poderes o processo eleitoral do circulo de Margão (India), é a vossa commissão de verificação de poderes de parecer, em harmonia com o disposto no artigo 113.° da lei de 30 de setembro de 1852, que continue a tomar assento na camara por aquelle circulo o deputado da anterior legislatura José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, emquanto aquelle tribunal não julgar o alludido processo eleitoral.
Sala da commissão, 24 de maio de 1890. = Pedro Victor da Costa Sequeira = Marcellino Mesquita = Barão da Paçô Vieira (Alfredo) = Luiz Bandeira Coelho = José Estevão de Moraes Sarmento.
Foi approvado.

O sr. Luciano Cordeiro: - Participo a v. exa., que se constituiu a commissão do ultramar, elegendo seu presidente o sr. Pinheiro Chagas e fazendo-me a honra do mo eleger seu secretario.
Por parte da mesma commissão, peço a v. exa. a que consulte a camara sobre se consente que sejam aggregados a ella os srs. António Manuel da Costa Lereno e Abilio Eduardo da Costa Lobo.
Mando para a mesa a proposta.
Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Proposta

Proponho que sejam aggregados á commissão do ultramar os srs.:
Antonio Manuel da Costa Lereno e Abilio Eduardo da Costa Lobo = Luciano- Cordeiro.
Foi approvada.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto relativo
ao bill de indemnidade

O sr. Francisco Beirão: - A moção que tomo a liberdade de submetter á illustrada deliberação d'esta camara, é a que passo a ler:
"A camara, reconhecendo não ter poderes sufficientes para alterar o n.° 1.° do segundo acto addicional e artigo 145.°, $ 3.° da carta constitucional e provendo como é justo nos termos do artigo 139.° da mesma carta, revoga os decretos n.° l e 2 de 29 de março ultimo, publicados pelo ministerio do reino, e o n.° l da mesma data, publicado pelo ministerio da justiça, relativos ao direito de reunião e associação, á manifestação de pensamento pela arte scenica e pela imprensa, e continua na ordem do dia."
Sr. presidente, cumprindo-me n'este momento apreciar o complexo de actos legislativos - chamemos-lhe assim publicados pelo governo parlamentar, aquillo que o meu illustre amigo e valiosissimo correligionario, o sr. Emygdio Navarro, incisivamente denominou mais uma dictadura", eu não começarei invocando a magestade da lei offendida para em nome d'ella, condemnar o attentado do governo, que a violou, nem tão pouco exhibindo alguma theoria, em que haja o casuísmo sufficiente para servir hoje ao ataque na opposição, ámanhã á defeza no governo.
Todos os partidos políticos d'esta terra, direi melhor, todos os homens publicos d'este paiz, que têem passado pelo poder, praticaram mais ou menos desculpavelmente actos dictatoriaes. Eu proprio, que estou fallando, tenho o meu voto como representante da nação, ligado já á approvação, já á rejeição de providencias d'essa ordem, e como ministro deixei a minha responsabilidade vinculada á penultima dictadura que se praticou n'este paiz.
Parece, como muito bem disse o sr. Emygdio Navarro, que a dictadura entrou no chamado jogo regular das instituições, e que em vez de ser accidente imprevisto, extraordinario, ao contrario constitue expediente vulgar e normal de administração a que governo algum póde, ou quer, eximir-se. É mau, é pessimo: - e por isso torna-se mister

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que por uma vez se ponha ponto n'uma fórma do governar que é a exautoração completa, systematica e premeditada do parlamento. Eu sei que as leis são impotentes para cohibir dictaduras e que é simples utopia imaginar a possibilidade de providencias legislativas que impeçam futuros governos de praticar actos, dictatoriass. A constituição não prevê que o governo, n'um momento dado, possa assumir os poderes ordinarios do poder legislativo; e se houvesse uma lei tão cautelosamente redigida que tomasse todas as providencias a este respeito essa lei seria completamente inefficaz, por isso que da propria essencia da dictadura é collocar o governo fóra da lei constitucional. Não podemos, portanto, recorrer a simples providencias legislativas.

O que é preciso, sr. presidente, é que hoje mais do que nunca, e accentuo bem estas palavras, hoje mais do que nunca, por motivos que a sagacidade da camara facilmente presumirá e que logo terei de desenvolver, tratemos de realisar uma reforma completa, profunda, radical nos nossos costumes politicos.

Ha-se mister de que todo o cidadão e toda a assembléa política se resolvam por uma, vez a exercer, exclusiva escrupolusamente os seus direitos e que os governos se limitem ao rigoroso, cumprimento dos seus deveres.
N'essas condições não será possível praticar mais d'estes actos dictatoriaes. (Apoiados.)

Era esta uma boa occasião para que todos os partidos que todos têem responsabilidades do governo e responsabilidades de opposição, esquecendo mesquinhas dissenções se compenetrassem bem de quanto importa mudar de systema e tomassem o compromisso solemne de respeitar as leis e tornarem impossivel quaesquer ulteriores dictaduras. (Apoiados.)

No dia em que a nação se decida a eleger livremente os seus representantes, em que o governo quizer, accentuo bem, quizer só administrar, e em que o parlamento defenda ciosamente o seu direito de legislar e exerça escrupolusamente o seu dever de fiscalisar os actos do executivo, n'esse dia terão acabado as dictaduras.

É que governo algum se atreverá então a exhorbitar, porque encontrará diante de si o parlamento' livremente eleito pela nação que opporá o seu veto ás demasias do ppoder executivo. (Apoiados.)

Hoje, mais do que nunca, repito, era necessario que todos os partidos politicos tomassem perante a nação esse compromisso solemne.
Pois que, não vimos nós ha pouco a nação, esquecendo todas as suas dissensões politicas, congregar se em torno da bandeira, nacional para fazer respeitar a independencia do paiz? Que muito era, pois, que nos congregassemos tambem hoje em torno da liberdade, fazendo por ella o que hontem fizemos pela patria?
Hoje, mais do que nunca, era occasião do empenharmos essa lucta, pois que é uma verdadeira lucta pela vida politica constitucional.

Eu ainda tenho esperança, e tanto que, para isso, quizera contar com o apoio de todos os agrupamentos politicos, com o auxilio de todos os homens sinceros e liberaes, porque esses mesmos, a cujo espirito parece ter vindo o desanimo, fico por elles, serão os primeiros a cooperar n'esta verdadeira obra de regeneração moral e, politica, pois sei bem que o desanimo, que lhes vae n'alma não procede de tibieza de animo ou de fraqueza de convicções, mas sim da falta do estimulo da lucta, e que por isso, iniciada esta, elles virão occupar o seu posto do honra.

E n'esta altura seja-me licito dirigir algumas palavras ao illustre deputado que iniciou a discussão por parte da opposicão republicana;. E faço-o excepcionalmente, e o mais concisamente que ser possa, porque eu entendo que os differentes, grupos da oppsição estão aqui para combater o inimigo commum, o governo, e não para nos discutirmos uns aos outros, (Apoiados;) porque isso seria fazer o jogo do ministério que teria pela divisão continuado a dominar.
Isto posto, permitta-me s. exa. que lho diga que o sr. Emygdio Navarro, meu illustre amigo, nunca disse aqui que ás demonstrações populares e democraticas os governos respondiam oppondo lhes actos dictatoriaes. Não o disse
porque não estava isso decerto no seu espirito e nem o podia dizer porque não seria a expressão da verdade. O que s. exa. fez foi notar a coincidencia fatal que se dá entre as explosões, das grandes coleras populares e os excessos di ctatoriaes do governo. Nada mais. Nunca podia dizer que todos quantos tinham exercido a dictadura o haviam feito para reprimir as aspirações populares, e só para continuar a obra, no dizer do illustre deputado, começada em Villa Franca e continuada em Belém, porque nunca seriam collaboradores d'essa obra homens como Mousinho da Silveira, Passos Manuel; Fontes, bispo de Vizeu e outros, entre os quaes o proprio sr. Latino Coelho, que tambem foi dictador, e cuja honrada dictadura eu apoiei. (Apoiados.)
Ponhâmos termo de vez n'este fatal e funesto systema de administrar por meio de dictaduras.

E agora direi por que, entendo ser hoje occasião mais do que nunca apropriada a isso. Seria esse o unico beneficio, que poderia advir da ultima dictadura.
É que o governo mostrou praticamente que dictadores podem não só remodelar leis, reorganisar serviços, transformar a administração augmentar a despeza, assumindo para isso as faculdades ordinarias do parlamento, mas podem ir mais longe, e arrogando-se verdadeiros poderes constitucionaes, alterar disposições fundamentaes do pacto constitucional que respeitam aos direitos politicos e individuaes dos cidadãos, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade.

Isto é um perigo enormissimo, porque todas as nossas liberdades, todos os nossos direitos e todas as nossas franquias ficam á mercê e ao capricho de qualquer governo que ámanhã possa querer alterar disposições constitucionaes, que até as camaras não podem alterar sem poderes especiaes!
Isto e muito perigoso, repito.

Seria, pois, um verdadeiro beneficio para o paiz, produzido na presente dictadura, se esta camara nova, ha pouco eleita, que ainda não ligou a sua responsabilidade politica aos actos do governo, compenetrando-se do perigo a que todos os nossos direitos se acham d'ora avante expostos, provesse no caso por modo a fazer receiar a futuros governos o veredictum parlamentar. E até debaixo d'este aspecto poderia absolver o governo comtanto que lhe dissesse como o julgador diz ao criminoso que absolve-Vae em paz mas não tornes a delinquir. Que profira, porém, essa sentença com trato successivo, isto é, para comprehender não só este governo, mas todos os que se lhe seguirem. Então sim, então podiamos bera dizer que estavamos aqui assistindo a umas exequias, não ás do parlamento, mas ás da ultima dictadura.
A ultima dictadura dividiu bem accentuadamente n'esta terra dois grandes partidos politicos.

Dizia-se que entro nós os partidos não se diffençavam nos seus principies politicos e que a unica distincção entre essas agremiações casuaes e fortuitas que para ahi existiam, eram os systemas de administrar, mas que fundamentalmente todos os partidos políticos d'esta terra tinham as mesmas idéas, aspirações iguaes e identicas tendencias.
O governo veiu mostrar que esta não era a verdade.

Para mim como para todos quantos não se contentando com a apparencia dos factos os procuram estudar na sua realidade, já de ha muito havia o convencimento d'essa verdade. A existencia de dois grandes partidos é, não poda deixar de ser, facto constante na vida dos povos. Um d'elles tem de ser mais ou menos retrogrado, o outro mais ou menos progressista. Está na propria natureza das cousas.

Macaulay, o celebro historiador, tratando do apparecimento dos dois grandes partidos inglezes, dizia que, embora só em certa data, que eu não quero precisar n'este

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momento, se manifestasse essa distincção, era certo que sempre existira, e ha de sempre existir.

É que essa divisão tem a sua origem na diversidade de temperamentos, de intelligencias ou de interesses que se encontra em todas as sociedades, e que sempre se ha de encontrar emquanto o espirito humano não deixar de ser arrastado em direcções oppostas pelo encanto do costume e pelo encanto da novidade. E acrescentava, com a justeza de estylo que faz a sua gloria como escriptor, que nos sentimentos d'essas duas classes de homens ha sempre alguma cousa a approvar. Das duas, porém, os melhores exemplares são os que se encontram não longe da fronteira commum. Na extrema de um d'esses partidos encontram-se as velhas superstições e na do outro os empyrismos vãos e superficiaes.
Assim devia ser, assim era entre nós.

Eu conheço bastante o meu paiz e os seus homens politicos para saber quaes as tendencias, pelo menos, de alguns d'aquelles que hoje occupam o poder. E os actos que elles hoje praticam, de harmonia com seus precedentes, conquanto me não agradem, acho que os honrara e que são provas da lealdade dos seus principios, da sinceridade das suas crenças e da franqueza do seu proceder.
Sabia bem por isso que no governo actual estava representada fundamentalmente uma corrente contraria ás idéas progressistas. Podia, porém, para outros haver quaesquer duvidas a este respeito; os decretos da ultima dictadura vieram dissipal-as e mostrar a toda a luz que o governo não representa de modo algum uma politica liberal. E n'esses termos devo acrescentar que o ministerio não póde representar o antigo partido regenerador.

O partido regenerador era aquelle que não encontrando definido na carta constitucional o direito de reunião, vinha propor ao parlamento para o reconhecer constitucionalmente, e pretendia fazel-o assegurar por meio de uma disposição de caracter constitucional, conseguindo a final fazel-o inscrever como um dos direitos politicos do cidadão, e o governo actual por um simples decreto limita, o exercicio do direito de reunião a ponto tal que quasi o in-utilisa!

O partido regenerador era aquelle que fazia inscrever entre os direitos originarios do cidadão o direito de associação, e determinava que só podesse ser limitado por lei formal e expressa, e o actual governo por um simples decreto reduz esse direito a condições taes, que bem pude dizer-se o torna dependente do arbitrio da auctoridade!

O partido regenerador era aquelle que, quando se publicou o decreto de 1852 que acompanhava o codigo penal em que se limitou extraordinariamente a intervenção do jury, veiu pouco depois, em maio seguinte, á camara dos deputados, e pela palavra honrada do sr. Casal Ribeiro, propunha a immediata revogação d'esse decreto como restrictivo de uma das garantias do cidadão, e o governo actual por um simples decreto recua, no intuito de restringir a intervenção do jury, ainda alem de 1852!

O partido regenerador era aquelle que, n'esta mesma casa, pela voz eloquentissima de José Estevão, dizia que a regeneração tinha dado o exemplo exemplo que se não devia perder - e a demonstração de ser o governo do estado possível cm todas as condições e para todos os effeitos com uma imprensa excessiva e latitudinaria: - o este governo, deixa perder esse exemplo, e por um simples decreto amesquinha, se não annulla a liberdade de imprensa!
Não, não é, não podo ser, o partido regenerador o que está representado no governo; será um outro partido, o regenerador não é, não o reconheço. Procure o ministerio entre os titulos o que na opinião retrograda melhor se ajusta ao seu cambiante politico, mas não continue a dizer-se regenerador que o não póde ser.
E dirigindo-me só ao governo, muito de proposito o faço para não me referir nem á maioria nem ao partido que o apoia, e isto não só porque os ministro é que são responsaveis paru comigo, para com o parlamento e para com a nação, mas tambem porque não devo por emquanto suppor outras pessoas envolvidas nas suas responsabilidades.

Porque attentou o governo contra as liberdades publicas, porque é que foi offender todas as franquias populares?
Para alcançar resposta a esta pergunta eu não recorri nem aos relatorios dos decretos, que são diversos e curiosos, nem ao parecer do illustre relator, que tambem é notavelmente extraordinario.

As rasões que o governo teve para assim proceder, apresentou-as o Sr. presidente do conselho e essa foi que á primeira obrigação do governo, era, não diria manter a ordem publica, porque isso não era difficil, mas provar ao publico e á nação que o governo tinha força para a manter. E provou-a rasgando a constituição e attentando contra as franquias populares Procedendo assim não era força que mostrava ter, porque os governos fracos são os que recorrem a esses meios, o que mostrava ter era audacia.
Singular coincidencia esta dos governos que em opprimir a liberdade pretendem mostrar ter força!

Um outro governo houve, sr. presidente, que tambem appellava para o unico poder que a seu juízo, tinha a força. A opposição, a da imprensa designadamente, logo que appareceram os ultimos decretos dictatoriaes, entrou de os comparar ás celebres ordenanças de triste e illiberal memoria.

Mais de uma vez a camara havia de ler em jornaes a comparação feita entre as ordenanças de 1830 e os decretos dictatoriaes de 1890; não lhes quero chamar outra cousa. Não foi simples casualidade que levou o espirito publico a comparar aquellas com estes, não; e os que conhecem as circumstancias especiaes em que foram as primeiras promulgadas, ficaram de certo pasmados de ter visto, se não a identidade, a completa analogia entre as circumstancias que precederam e acompanharam, a publicação das ordenanças de 1830, e as circumstancias que precederam e acompanharam a publicação dos decretos dictatoriaes do actual governo.!

No relatorio que precede as ordenanças appellava se como disse, para o unico poder que tinha força, para prover á segurança das instituições, reprimindo os abusos que havia, sobretudo na imprensa periodica, e pondo um dique á anarchia moral que reinava na nação; e concluia-se manifestando os ministros a convicção de que força, ficaria ao que elles julgavam ser justiça. Tambem agora se nos vem dar como rasão da dictadura de 1890, ser necessario provar que o governo tinha força para manter a ordem e as instituições!

Também n'aquelle paiz havia n'essa occasião um conflicto aberto com uma grande potencia, e essa potencia era a Inglaterra, e a pendencia era por causa de reclamações africanas; e eu escuso de lembrar á camara, porque é recordação dolorosa, que tambem os decretos dictatoriaes de 1890 coincidiram com o facto de não serem as nossas relações e por causa da questão africana com aquella grande potencia, as mais cordiaes.

Tambem lá havia uma camara dos deputados, eleita pouco tempo antes, e que ainda não se tinha pronunciado ácerca da politica governamental; e o governo o que fez? Dissolveu essa camara, e a opposição entendeu que essa dissolução não era o exercicio legitimo de um poder constitucional, mas apenas o cassar a vontade do povo. por isso que os representantes do paiz ainda não tinham aberto conflicto algum que tornasse necessaria a dissolução da camara. Escuso de lembrar que tambem entre nós se deu a coincidencia notavel de que os decretos dictatoriaes foram precedidos da dissolução da cambra dos deputados, sem que ella tivesse aberto conflicto algum governo, (Apoiados) e quando, ao contrario, tinha declarado que estava prompta a dar ao governo todos os meios indispensaveis para governar.

Tambem em 1830, em França havia uma legislação elei

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toral, em virtude da qual eram escolhidos os representantes do paiz; e o governo, tambem por uma das ordenanças, alterou fundamentalmente a legislação eleitoral d'esse paiz. Pois a camara sabe tambem que, pôr uma das providencias dictatoriaes d'este governo, foi alterada a nossa legislação eleitoral.

Mais. O mysterio, o segredo que havia, ácerca da occasião cm que appareceriam aquellas celebres ordenanças era tal, que a auctoridade de Paris, a quem estava confiada a suprema administração policial e a suprema direcção militar, ignorava na vespera que as ordenanças tinham ido para o Jornal official. A camara sabe que appareceram com surpreza para todos, um dia no Diario do governo, esses decretos quando poucos dias antes a nação tinha procedido á eleição para deputados.

Tambem outra coincidencia notavel, embora, menos importante, e era que o presidente do conselho de lá, como cá, se tinha encarregado da pasta da guerra e licenciado o respectivo ministro.

Quem escreveu o celebre relatorio das ordenanças foi o Sr. Chatelanze, ministro da justiça, e nos decretos a que me estou referindo, o relatorio foi escripto pelo sr. Chantelanze de cá, o sr. Lopo Vaz, que é tambem ministro da justiça.
Mas ainda ha mais, foi preciso em França dividir em dois o ministerio do reino para crear uma pasta nova, a das obras publicas, para nomear um novo ministro. o mesmo succedeu cá, desentranhando-se do ministerio do reino uma nova secretaria para poder accommodar o sr. Arrojo.

Eu felicito o sr. ministro da marinha, que eu sempre tive na conta de homem profundamente liberal, por não ter estado presente á assignatura dos decretos, pois se assim não fosse, poderia talvez ter n'essa occasião de repetir as palavras do ministro da marinha de França, o qual, depois de assignadas ás ordenanças, perguntado por alguem sobre o que parecia procurar, respondeu "procuro se não haveria por acaso aqui algum retrato de Strafford".

Devo, sr. presidente, acrescentar que n'este ponto acaba para mim a anologia entre a publicação das ordenanças de 1830 e a dos decretos de 1890. E digo isto, porque em presença da nova dietadura estou de tal modo receioso de recorrer a recordações historicas, que tenho medo que as queiram levar mais longe do que o ponto em que eu as quero acabar. Fique portanto, bem entendido, que n'esta altura, termino a comparação E termino-a aqui, porque ademais assim é justo, pois ainda confio da camara, e das instituições do meu paiz, que não será necessario para revogar ou modificar esses decretos, fazer aquillo que as circumstancias obrigaram as França a fazer. Confio e espero em que dentro da legalidade, possamos convencer o governo de que entrou em um caminho que não é liberal, e que por isso não é, no fim do seculo, pratico nem viavel.
Ah! Sr. presidente que seria dos homens mais eminentes que apoiaram a antiga regeneração á sombra d´estes decretos praticassem hoje os actos que em outras occasiões, os honraram e glorificaram?! Alexandre Herculano se fosse presidir a um comicio contra a reação elerical, poderia ver-se obrigado a sair d'essa reunião entre dois policias, desde o momento em que qualquer assistente dirigisse uma phrase a outro que a julgasse injuriosa.(Apoiados.)

Se José Estevão fosse estabelecer uma associação para ahi acolher os desvalidos que até então só eram recebidos em associações de outro caracter, essa associação podia ser dissolvida se entre os quadros existentes em alguma sala houvesse uma gravura em que alguma pessoa visse uma offensa a um poder constituido. (Apoiados.) Antonio Rodrigues Sampaio, se escrevesse agora alguns dos seus artigos responderia em policia correccional. (Apoiados.)

Fosse o illustre presidente do conselho assignar um documento contra o decreto ácerca da imprensa em que dissesse que não queria que o seu nome passasse á postoridade com a mancha de cobardia ou connivencia por não ler protestado contra aquelle decreto! Estou certo que s. exa., e digo isto sem monoscabo da sua respeitabilidade de caracter e sem querer offendel-o, se não fosse hoje um irmão converso d'esta nova confraria politica em que entrou o governo, teria de ser relaxado ao braço secular do seu collega da justiça. (Apoiados.)
O sr. Barjona... esse teria sido queimado como um novo Giorclano Bruno, por ter sustentado essas enormissimas heresias que se chamam liberdade de imprensa e de associação, liberdade municipal de Lisboa e tantas outras de que é réu convicto o relapso. (Apoiados.)

Que se atrevesse o illustre relator da commissão a fazer agora a reprise do seu Drama do povo, e veria como a auctoridade poderia talvez achar um ou outro traço em que visse uma critica injuriosa ao systema monarchico representativo, ou offensas ás instituições do estado, delictos fulminados no decreto sobre censura theatral.

O partido regenerador, repito, não está no governo.
A camara tem ainda, felizmente, todas as faculdades para inutilisar esta dictadura, e incutir assim fundo receio a futuros dictadores. E n'este ponto entro no objecto especial da moção que mandei para a mesa.

A camara não tem poderes sufficientes para revalidar os actos d'esta dictadura que contendem com os direitos politicos do cidadão. Quando o quizesse, o que eu não creio, não o podia fazer, e ainda, quando o podesse, não deveria fazel-o, porque se tornava cumplice do governo no attentado contra a liberdade. Confio ainda no seu, espirito liberal que ella, ha de, ou por uma excepção de incompetencia, declinar de si a confirmação de taes actos, ou então pôr de parte os decretos attentatorios da liberdade. Eis o que vou procurar demonstrar.
A carta constitucional diz no artigo 144.°:

E só constitucional o que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes políticos e aos direitos politicos e individuaes dos cidadãos. Tudo o que não é constitucional póde ser alterado sem as formalidades requeridas pelas legislaturas ordinarias."

As formalidades a que o artigo se refere são os doa artigos 140.° e 143.°, entre os quaes figura a dos deputados virem munidos com poderes especiaes para a pretendida alteração da reforma.
No artigo 140.° diz a carta:

"A inviolabilidade dos direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela constituição do reino pela maneira seguinte:.
$ 3.° Todos podem communicar os seus pensamentos por palavras e escriptos, e publical-os pela imprensa sem dependencia de censura, comtanto que hajam de responder pelos abusos que cometterem no exercício d'este direito nos casos e pela fórma que a lei determina.
A lei e não um decreto. (Apoiados.)

Mais. O $ 28.° do mesmo artigo relativo ao direito de petição foi substituido, pelo partido regenerador, por 10.º artigo 10.º do 2.° acto addicional, em cujo final se lê o seguinte:
O direito de reunião é igualmente garantido e o seu exercício regulado por lei especial.
Por lei e não por decreto. (Apoiados.)

Ora, isto posto, se a inviolabilidade dos direitos politicos forma uma garantia constitucional, e se o seu exercício não podo ser determinado e regulado senão por lei, se este artigo é eminentemente fundamental e essencialmente constitucional, e se os artigos constitucionaes, como diz a carta, não podem ser alterados sem que n'esta camara tenha sido apresentada e approvada a respectiva proposta, publicada depois a lei competente, e convocadas camaras com poderes constituintes, como é que o governo póde fazer o que o proprio parlamento não podia fazer? (Apoiados.)

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Pois se o parlamento não podia auctorisar o governo a, por um decreto, regular o exercicio do direito da imprensa nem o direito de reunião, porque não tem poderes para isto, como é que o governo póde fazer por um decreto aquillo que o parlamento não póde fazer? (Apoiados.)

Não comprehendo. E é claro que, se o governo não póde publicar decretos a este respeito, menos os póde confirmar o parlamento. (Apoiados.) E é por isso que eu digo que a camara não tem sufficientes poderes constitucionaes para confirmar e determinar que continuem em vigor similhantes decretos, que são eminentemente anti-constitucionaes. (Apoiados.)

Mas eu estou a ouvir o que me dirão os meus illustres contradictores, estou a prover como argumentarão: desde que o governo entendeu que devia publicar estes decretos assumiu todos os poderes legislativos, e fez por decretos aquillo que a camara póde fazer por leis.

É este o argumento que eu estou a ver levantar-se triumphantemente contra mim. Mas a este argumento respondo eu com a propria carta. A constituição do paiz não preveniu as dictaduras ordinarias, porque nunca imaginou a indispensabilidade de que o governo arrogasse a si poderes legislativos ordinarios; mas previu e preveniu muito cuidadosamente os casos em que o governo podia ter necessidade de assumir poderes constituintes, com respeito aos direitos individuaes e para este caso determinou como é que se havia de proceder. (Apoiados.)
Portanto, o argumento cae pela base.

O governo arrecciava-se dos artigos que os jornaes tivessem de escrever? O governo suspeitava que se iam convocar comicios em que se protestasse contra as instituições e independencia do paiz? O governo temeu que n'um theatro qualquer houvesse uma explosão revolucionaria? O governo receiava que alguma associação estivesse em condições de poder machinar contra a ordem publica?
A constituição dava-lhe todo o direito de intervir n'este caso, mas dizia-lhe como devia intervir.
Artigo 145.°:

"§ 33.° Os poderes constitucionaes não podem suspender a constituição no que diz respeito aos direitos individuaes, salvo nos casos e circumstancias especificadas no paragrapho seguinte.

"§ 34.° Nos casos de rebellião ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do estado que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-ha fazer por acto especial do poder legislativo. Não se achando, porém, a esse tempo, remidas as forem, e correndo a patria perigo imminente, poderá o governo exercer esta mesma providencia, como medida provisoria e indispensavel, suspendendo-a immediatamente cesse a necessidade urgente; devendo n'um e outro caso remetter as cortes, logo que reunidas forem, uma relação motivada das prisões e da outras medidas de prevenção tomadas..."

Se pois o governo precisava acautelai1, a tranquillidade publica, defender a ordem e proteger as instituições, se havia n'uma palavra rebellião, cumprisse restrictamente a constituição e haveria conseguido esse fim.
Mas o governo não queria só isso, foi o sr. presidente do conselho que, com uma ingenuidade adoravel, o disse, queria mais, queria provar, que tinha força!
E por isso, executando a constituição, teria mostrado apenas respeito pela lei, mas não a força, de que carecia dar provas ao publico e á nação.
Para isso era mister violar a constituição, e isso foi o que o governo fez.
Esta é a rasão por que o governo não se soccorreu ao meio legal que lhe dava a constituição e se arrogou poderes que nem as proprias camaras, sem faculdades extraordinarias, podiam declinar n'elle. (Apoiados.)

Esta não é theoria nova que eu inventasse para combater a presente dictadura, é theoria já conhecida, posta por obra n'este paiz, e auctorsada até com os proprios exemples da França em 1830. E acrescento, tem até em seu abono os precedentes do partido regenerador. Não me proponho, pois, dar novidades á camara, seria pretensão descabida que não tenho, mas apenas fundamentar a minha moção e auctorisar o meu voto.
Vamos por partes.
Comecemos pelo direito de reunião.
O direito de reunião não se achava incluido na carta como um direito inviolavel do cidadão portuguez.

O direito de reunião foi reconhecido, digamol-o assim, também por uma dictadura, o que prova que as dictaduras também fazem avançar os povos no caminho da liberdade. Foi a dictadura de 1870 que, no decreto de 15 de junho, referendada por todos os respectivos ministros, um doa quaes vejo entrar n'este momento na sala, e que se me augura tambem não ser dos dictadores dispostos a continuar qualquer obra começada em Villa Franca, proclamou esse direito. Se me refiro, sr. presidente, ao illustre deputado o sr. Dias Ferreira, foi por ter sido publicado pelo ministerio do reino, então a seu cargo, aquelle decreto, parecendo ate ser de s. exa. o respectivo relatorio. Ora, o governo de então não queria de modo algum attentar contra as instituições, e tanto que, publicando aquelle decreto, declarava fazel-o no intuito de apertar mais os vinculos entre o throno e o povo. Tal era, sr. presidente, a idéa com que o governo d'essa epocha publicava o decreto sobre direito de reunião.

Mas o partido regenerador não estava satisfeito com que esse direito politico estivesse formulado e reduzido n'um simples decreto, apesar de confirmado pelo parlamento. O partido regenerador desejando pois fazer inscrever na constituição do paiz esta garantia para os cidadãos, veiu á camara trazer uma proposta em que reconhecia a necessidade da reforma do artigo 145.° $ 28.° da carta constitucional relativo ao direito de petição a fim de também introduzir n'elle o direito de reunião.

Vamos a ver quaes eram os fundamentos d'essa proposta e a camara verá como os fundamentos de então são a condemnação dos actos de hoje.
0 relatorio da proposta governamental, datado de 30 de janeiro de 1833 e assignado ate por tres dos ministros de agora, os srs. Serpa, Hintze e Vilhena, dizia o seguinte:

Pensa o governo que e necessario introduzir n'este artigo o direito de reunião que embora exercido na conformidade de um decreto com força de lei, não se encontra definido na carta. Reconhecer constitucionalmente o principio é garantil-o e assegural-o, evitando que as cortes com poderes ordinarios possam revogar ou alterar a lei existente com prejuizo da liberdade dos cidadãos. Providencias legislativas deverão regular o exercido d'este direito.
Providencias legislativas, mas não decretos. (Apoiados.)

A commissão competente deu o parecer sobre a respectiva proposta de que foi relator o actual sr. ministro da justiça; e comquanto a respeito d'este ponto não se encontra no parecer trecho algum importante, é certo que o respectivo artigo foi incluido no respectivo projecto, e este convertido posteriormente, na lei de 15 de maio de .1884. Convocadas, em seguida, as constituintes o governo apresentou a sua proposta de reforma politica, na qual se comprehendia o direito de reunião. No relatorio d'essa proposta, já tambem assignado pelo actual sr. ministro da justiça e pelo illustre relator do parecer que estamos discutindo, dizia-se o seguinte:

Sendo o direito de reunião, ou podendo ser preparatorio do direito de petição, de reclamação e de queixa, consignado no $ 28.° do artigo 145.°, da carta, parece opportuno e digno de um povo livre, assegural-o por meio de uma disposição que tem caracter constitucional e que por isso não poderá ser revogada por uma lei ordinaria.

O modo de conciliar o viso d'este direito com a manutenção da or-

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dem publica, que importa manter no interesse da liberdade de todos, fará objecto de uma lei organica... "

A disposição, pois, relativa ao direito de reunião, não poderia ser revogada por: uma lei ordinaria, e seria regulada por uma lei e não por um decreto. (Apoiados.)

Seguiu-se o parecer da commissão e esse parecer tambem se refere especialmente a este ponto. Reza assim:

O artigo 11.° finalmente firmou, para não ficar sujeito, ás fluctuações da vontade dos governos, o direito de reunião que é um dos mais valiosos meios para velar pelos fóros populares e pugnar pelas conquistas democraticas. Direito que tem o seu fundamento em a natureza humana e que não podem deixar de garantir as constituições, democraticas, porque é um elemento necessario para o exercicio de liberdade, um elemento indispensavel em todo o systema de isenções, liberaes. E posto que já estivesse em Portugal garantido por leis, era todavia indispensavel introduzil-o no codigo político para que ficasse reconhecido como inalienavelAS
Aqui. temos, pois, compendiada a opinião do partido regenerador ácerca do direito de reunião. E depois d'isto diga-me a camara se não se conclue logicamente que o governo não devia, nem podia, alterar por um decreto o exercicio d'esse direito, sobretudo quando sob color de o regular vae mais longe, muito mais longe, e, sé o não annulla por completo, difficulta-o extraordinariamente, como eu provarei á camara.

Isto quanto ao direito de reunião. Passemos agora á liberdade de imprensa.
A liberdade de imprensa era um direito individual o político do cidadão garantido na constituição, e por isso mais de uma vez, durante as nossas convulscies partidarias, os governos d'este paiz entenderam, debaixo da sua responsabilidade, que em bem da ordem e das instituições era necessario determinar a fórma do seu exercício e até suspendel-o.

Mas como procederam esses governos? Vieram, ao parlamento e, pediram auctorisação para suspenderem por um praso determinado as garantias individuaes, prohibindo-se inclusivamente a publicação dos jornaes.

Foi o que se fez pela lei de 6 de fevereiro do 1844, por occasião da revolta de Torres Novas e pela lei do 20 do abril de 1846, por occasião da revolta do Minho. O governo, repito, veiu pedir ao parlamento auctorisação para suspender por algum tempo o uso da lei da liberdade de imprensa.
E quem era, este governo que se mostrava assim respeitoso da constituição e dos direitos dos cidadãos? Era o governo de que fazia parte o sr. Conde de Thomar! Esse era que nos casos previstos na constituição vinha pedir á camara, á representação nacional, auctorisação para suspender o, uso da liberdade de imprensa.

Antes de proseguir, porém, permitta-me a camara que eu ainda volte ao direito de reunião, para tocar n'um ponto que ha pouco me escapou.
Quando se discutia o projecto de lei que ficou garantindo o direito de reunião, houve um deputado da maioria regeneradora que hoje faz parte d'esta camara e me esta ouvindo, o qual, cautelosamente apresentou uma moção para evitar que uma lei posterior viesse cercear o uso rasoavel d'este decreto. Eu'leio o pequeno discurso do illustre deputado.
(Leu.)

Parece-me que o artigo tal qual está redigido póde dar logar a que uma lei organica venha depois cercear o uso rasoavel do direito de reunião, e por isso acho conveniente que se fixem os fundamentos geraes para que não possam ser. alterados por uma lei especial. Desejava que se consignasse muito expressamente em relação ás reuniões particulares pacificas e para fins legaes que não precisavam ser communicadas á auctoridade, nem esta poderia fazer-se ali
representar, e as publicas nas mesmas condições deviam apenas ficar sujeitas á prévia communicação á auctoridade.

E, em conclusão do seu discurso, mandava para a mesa a seguinte proposta:
Proponho que em seguida ás palavras - regulado por lei especial - se acrescentem as seguintes - as reuniões particulares é pacificas não carecem de ser previamente communicadas á auctoridade, nem esta póde ali fazer-se representar.

N'este ponto encontro um lapso, que não posso preencher. Quem respondeu a este
discurso foi o illustre relator da commissão que vejo presente, mas nem da acta nem do Diario da camara consta qual a substancia do discurso do illustre deputado, e por isso não podemos saber a rasão por que a camara não acceitou a moção.

Já n'esta occasião havia em alguns espiritos o receio de que uma lei especial podesse cercear o uso rasoavel do direito do reunião; e o illustre deputado nem sequer podia lembrar-se do que isso viria a acontecer não por lei mas por um
simples decreto d'este governo.

Fechemos, porém, o parenthesis, e voltemos á liberdade de imprensa.
Disse eu e demonstrei que se algumas vezes os governos se têem visto na necessidade de suspender, o exercício da livre manifestação do pensamento por meio da imprensa, todas, essas vezes os ministerios, mesmo os mais conservadores que tom havido n'este paiz, têem vindo pedir ao parlamento que auctorise esta suspensão.
Este exemplo é duplicadamente concludente.
Elle mostra que os governos têem a este respeito prestado homenagem aos fóros e prerogativas parlamentares, e que a este dever se, não têem ousado eximir os governos, conservadores.
Mas ha mais.

De todos os diplomas publicados com relação á imprensa não ha que ou saiba, senão um unico que não seja publicado com a intervenção do parlamento, e essa mesma excepção como mostrarei confirma a generalidade da regra.
Assim eu vejo a liberdade do imprensa regulada pela caria de lei de 22 do dezembro de 1834, pela caria de lei de 10 de novembro de 1837, pela carta de lei de 19 de outubro de 1840, pela carta de lei de 3 de agosto de 1850 e pela carta de lei de 17,de maio de 1866.
Todas cartas de leis, insisto, approvadas pelas côrtes.
Encontro, porém, ainda com respeito á liberdade de imprensa um decreto, o de 25 de maio de 1851.

Póde parecer que este exemplo dê, n'este momento armas a alguem que me queira contradictar. Elle, porém, voltar-se-ia exactamente contra os meu a contradictores.

O que fez esta decreto? Este decreto, não fez mais do que suspender a celebre lei de 1850, que é conhecida na historia política d'este paiz por um nome que eu não quero repetir n'este momento, e n'esta casa.

Mas ainda mais. Porque fez o governo isto? Com que fundamento o fez?
Foi porque, triumphante uma revolução, o ministerio assumira poderes extraordinarios. Em virtude d'elles publicou esse decreto, como no seu contexto se diz, usando de poderes extraordinarios, que consta officialmente de outro documento . coetâneo, publicado no intuito de fazer perante o paiz essa declaração.

Por haver uma revolução triumphante e por haver, o governo assumido todos os poderes, é que elle n'aquella occasião suspendeu a lei de 1850, por meio de um decreto.
Por consequencia, até o unico exemplo que ha de alteração da lei de imprensa por meio de um decreto, mostra que ella não póde ser alterada senão por uma lei.
O diploma que aida hoje, em parte, fica regulando a imprensa, é a lei de 17 de maio de 1866. E esta no artigo 14.° diz:
Fóra do caso do artigo 4.° e do de suspensão das garantias constitucionaes nos termos dos §§ 33.° e 34.° do

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artigo 145.° da carta constitucional, não poderá ser suspenso qualquer periodico, ou outra publicação."

Taes são os precedentes nacionaes; esta a tradição portugueza a similhante respeito. É não se tocar no direito de reunião, - e, quando me refiro a este direito, não quero dizer só a reunião accidental, quero dizer tambem a reunião permanente, a associação, é não se tocar na liberdade de manifestação de pensamento, é, igualmente quando me refiro a manifestação de pensamento, fallo tanto por meio da imprensa corno por meio da arte scenica -, senão em virtude de lei.

É isto, como disse, não só entre nós, e agora é occasião, mais uma vez, de me referir ao que se passou em França quando foi da publicação das celebres ordenanças de 1830.

Corrêra voz, suspeitava-se que o governo ia por meio de simples decretos alterar as disposições reguladoras da liberdade do imprensa e dos collegios eleitoraes. Pois bem, o tribunal de appellação do Paris, e muitos outros condemnaram os editores da Association Bretonne, como auctores de ultrages ao governo. É que o juizo considerára como affrontosa a supposição de que o governo podesse regular por meio de simples ordenanças, materias ácerca das quaes só a auctoridade da lei podia ser reconhecida.. E n'este ponto devo fazer notar á camara que o ministerio de 1830 invocava para proceder, como procedeu, não só um poder preexistente ás leis, mas até pretendia usar apenas da disposição do celebre artigo 14.° da carta franceza, artigo do qual, se bem me recordo, Chateaubriand dizia que só elle dava pretexto para a suppressão da toda a constituição.
Mas ha mais. Publicadas as ordenanças appareceu logo contra ellas o celebre protesto dos jornalistas, documento notavel em cuja redação collaborou Thiers, e assignado, entre muitos, por elle, Mignet, Cerrie, Rémusat, e outros homens de letras, que de certo não eram anarchistas nem até radicaes, protesto que fôra precedido até de uma conferencia de jurisconsultos no escriptorio de Dupin. E o que se encontra sustentado n'esse protesto?

Precisamente a mesma theoria que estou sustentando, isto é, que o governo não póde alterar as disposições que garantem o exercício dos direitos políticos e individuaes por um decreto, que esses decretos são nullos e que contra ellee havia direito do resistencia. (Apoiados.}

É o que está n'este documento publico.
Ainda mais. Um juiz, presidente do tribunal de primeira instancia, passou mandado a gerentes de certos jornaes a fim dos donos de imprensas lhes facultarem as typographias para a publicação de jornaes não auctorisados, justificando assim o poder judicial o direito de desobediencia as ordenanças.
Tudo isto prova que, tanto no estrangeiro como no paiz, se entendeu sempre que o direito de livre manifestação do pensamento não póde nem deve estar sujeito, como em tempo se disse n'esta camara, ás fluctuações da vontade dos governos, e que sendo, como para muitos é, illegislavel, só lhe póde tocar a nação representada nos seus legítimos mandatarios e com poderes especiaes para isso. Esta era a tradição lá, onde um' governo se atreveu a attentar contra esse direito por meio de ordenanças, cá onde o ministerio ousou amesquinhal-o por meio de decretos.

Parece-me, portanto, ter demonstrado quanto pude, que a camara não tem poderes constitucionaes sufficientes para confirmar este decreto. Mas o que deve fazer? Deve fazer aquillo que lhe diz à carta constitucional tambem, e leio o artigo, visto ella estar tão esquecida que é preciso estar constantemente a cital-a, para que o governo ouça n'estes artigos e disposições que invoco a sua própria condemnação. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)

"Art. 139.° As côrtes geraes, no principio das suas sessões, examinarão se a constituição política do reino tem sido exactamente observada, para prover como for justo.

Ora havendo eu demonstrado que a constituição politica d'este reino não tem sido exactamente observada como devia ser, d'ahi vem para o parlamento o direito ou melhor, a obrigação de prover, como é justo, e isso não póde ser senão revogando
in limine estes decretos. (Apoiados)

E de mais, sr. presidente, não seria esta a primeira vez, que vindo ao parlamento um bill de indemnidade, o parlamento se recusasse a confimar certos e determinados decretos.

Na dictadura de 1870, estará de certo a camara lembrada, que o parlamento não confirmou alguns decretos dictatoriaes.

Procedendo pois, a camara, como é justo, e até como é da sua obrigação, o que tem a fazer? Revogar os decretos. E se o governo entender depois, que é necessario, como muito bem disse o Sr. Emygdio Navarro, providenciar acerca da liberdade de manifestação do pensamento e do direito de reunião, a camara, na plenitude da sua competencia, ouvirá o governo, examinará as propostas da sua iniciativa, que aqui vierem, para então as discutir reflectidamente, e poder-se d´ast´arte tocar por lei organica, no exercicio d'esses direitos inviolaveis. Antes não.

Assim, ainda que os decretos se propozessem só regular o exercicio de direitos de manifestação de pensamento e de reunião, seriam inconstitucionaes. Mas é certo que foram mais longe e sob colôr de regular o exercicio, cercearam esses direitos na sua própria essência, como mais de espaço ainda mostrarei, e por isso são inconstitucionalissimos.

Demonstrada como fica a procedencia da minha moção, terminada está com essa demonstração a primeira parte do meu discurso, reservando-me na segunda parte expor á camara as considerações que mostram, que' ainda que a camara tivesse os poderes necessarios para validar todos esses decretos, elles são de tal modo attentatorios dos direitos dos cidadãos e das franquias populares, que nenhum partido liberal os póde sanccionar. (Apoiados.}

E n'esta parte espero no meu proposito ser acompanhado não só pelo partido, em cujas fileiras tenho a honra do militar, mas por todos aquelles que pôem acima das mesquinhas dissensões de momento o culto do direito e o amor a liberdade.
N´esta occasião portanto farei, o exame especial de cada um d'estes decretos a que mo refiro.

Começarei pelo decreto respectivo ao direito de reunião.
Referi já á camara como e quando se tinha estabelecido entre nós, entre as garantias dos cidadãos, o direito de reunião.

Isto posto cumpre-mo responder n'este momento particularmente ao que o sr. presidente do conselho expoz em nome do governo, com respeito ao decreto relativo ao direito de reunião. Disse s. exa. que quando tivera de mandar pelos meios burocraticos lavrar o decreto em que se contivesse essa providencia, um funccionario que se tinha encarregado de dirigir este trabalho, dissera depois de o ler que não encontrara n'elle nada de novo, e acrescentou: não ha n'esta providencia nada de novo, póde ser que tenha caído em desuso, mas o que é facto é que as disposições d'estas providencias se acham espalhadas por diversos diplomas e até no codigo administrativo da responsabilidade do partido do illustre deputado o sr. Navarro.

Tudo quanto está no decreto, já estava nas leis! Note a camara que o governo, no intuito de mostrar que tinha força, começava a legislar, sem saber se o que estava fazendo estava ou não nas leis! Note mais que o governo mandava lavrar o decreto relativo ao direito de reunião, que é uma das mais preciosas conquistas da democracia moderna, a um funccionario, e era esse quem lhe dizia que no que o governo gizava nada havia de novo! Qual seria a surpreza do illustre presidente do conselho, é facil de suppor, mas mais surprehendido vae ficar s. exa. quando lhe disserem que o seu decreto é deveras original, e que as disposições n'elle contidas se não acham espalhadas por

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outros diplomas! Tanto assim que no proprio relatorio se não allega similhante facto. Por mais respeitavel que seja o funccionario a quem o sr. presidente do conselho, se dirigiu, com o que para nós é anonymo, e eu não posso discutir com elle; só me cumpre fazel-o com o sr. presidente do conselho, que fez suas as observações que lhe foram apresentadas.
Como pois por parte do governo se declarou que não ha innovações nas providencias contidas n'este decreto dictatorial, e que estes já estavam antes espalhados por diversas disposições; eu desejo que me digam quaes são esses documentos, que data têem, e quando foram publicados? Eu desejaria que por parte do governo se mostrasse que as providencias que estão contidas n'este decreto dictatorial já estavam antes d'isso contidas em quaesquer diplomas legislativos, porque não ás conheço. É natural que as haja desde o momento em que o affirma uma pessoa tão respeitavel, como o sr. presidente do conselho; fundando-se para isso na opinião de pessoa tão competente como deve ser o funccionario a quem se dirigia: eu porém é que as não conheço
Eu leio o relatorio:
«E no intuito de assegurar a existencia d'estes bens inseparaveis da liberdade de ordem publica e do respeito ás instituições.»
(Interrompendo a leitura)
Este respeito ás instituições apparece tão repetidas vezes, quer no relatorio especial d'este decreto, quer no parecer da commissão, quer em outros, diplomas a cuja especialidade não posso referir-me n'este logar, porque no parlamento só responde o governo do meu paiz, que tambem havemos de dizer alguma cousa a respeito d'este modo extraordinario de defender as instituições e mostrar com documentos qual foi a impressão, o effeito que estas declarações fizeram no estrangeiro e de cuja repercussão talvez o sr. ministro da fazenda esteja ainda sentindo os resultados.
(Continua a ler.)
«que temos a honra de propor a Vossa Magestade o seguinte projecto de decreto que na maxima parte das suas disposições não faz mais do que reduzir a prescripções claras e definidas o que até hoje vigorava como interpretação e corollario de outras leis, e que por isso podia dar logar a duvidas e, reclamações.»
Mas isto é muito differente do que o tal funccionario disse ao sr. presidente do conselho.
Eram interpretação, corollario de outras leis que os governos tiravam, mas porque eram responsaveis perante o parlamento, e o paiz tinha o direito de exigir-lhes a respectiva responsabilidade. Não eram prescripções definidas que obrigassem os cidadãos. E por isso não póde dizer-se que esta interpretação, esse corollario, fizessem parte do nosso, direito escripto.
Mas, sr. presidente, se assim não era se tudo o que está no decreto relativo ao direito de reunião se achava disperso n'outras leis, o governo limitou-se a fazer uma simples compilação, e nada mais! Pois para isto era preciso dictadura? (Apoiados.) Pois isto é que é mostrar ter força? (Apoiados.) Mas isso apenas revelaria no governo talentos de colleccionador. Para compilador será sufficiente mas para dictador é pouco. (Apoiados.)
Mas vejâmos se o decreto innovou ou compilou só.
Antes de publicado o decreto pelo actual governo, como estava, estabelecido na lei o direito de reunião? Talvez haja outros diplomas a invocar - o sr. presidente do conselho consultará sobre isto o seu assessor e elle dirá quaes são - mas que eu conheça, que regule o direito de reunião, só o decreto dictatorial de 15 de agosto de 1870, confirmado posteriormente pelo parlamento. O que dispunha esse decreto a respeito do direito de reunião? Garantia o direito de reunião em toda a sua plenitude, independentemente de licença previa de qualquer auctoridade.
Havia, ampla liberdade de convocação, mediante uma simples participação á auctoridade, e restricções á faculdade de dissolução, que só era permittida em certos e determinados casos, quaes eram quando, a reunião se desviasse do fim para que tinha sido convocada, ou quando por qualquer fórma perturbasse a ordem publica.
Leio os artigos:
«Artigo 1.° É garantido-o direito de reunião em toda a sua plenitude, independentemente de licença previa de qualquer auctoridade.
«Artigo 2.° As reuniões publicas devem ser communicadas á auctoridade policial do conselho ou bairro, com antecipação pelo menos de vinte e quatro horas.
«Artigo 5.° As reuniões publicas podem ser dissolvidas pela auctoridade, se se desviarem do fim para que foram convocadas, ou se por qualquer fórma perturbarem a ordem publica.»
Tal era o nosso direito.
E como o governo, representado pelo sr. presidente do conselho, disse que não havia alteração alguma fundamental nas disposições que regulavam o exercicio d'este direito, vamos comparar as disposições do decreto dictatorial com as disposições da nova legislação, e veremos se ha ou não alterações fundamentaes.
Continuará a ser garantido o direito do reunião, independentemente da licença prévia da auctoridade? Não.
O governo começou por fazer distincção entre reuniões que hajam de celebrar se nas ruas, praças, passeios e mais logares publicos e reuniões que tenham de effectuar-se em recintos fechados.
Para o primeiro, caso, o das reuniões publicas, chamemos-lhe assim, que, até aqui dependiam apenas de uma simples communicação á auctoridade; o governo o que dispõe? O seguinte:
«As reuniões publicas, procissões civicas e cortejos cívicos, não podem ter logar-nas ruas, praças, passeios e mais logares publicos, sem prévia auctorisação escripta do governador civil nos concelhos das capitais dos districtos, e do administrador de concelho nos outros.»
Pergunto simplesmente á camara se entre o systema de permittir estas reuniões independentemente de licença prévia da auctoridade, e o de só as consentir com prévia auctorisação por escripto do governador civil ou administrador do concelho, ha paridade?
O governo pois, que sob a informação de um funccionario por certo competente, veiu affirmar que n'este parte nada innovou, que nos diga qual era a disposição do nosso direito escripto, que impunha ao convocador de uma reunião a obrigação de pedir licença prévia por escripto ao governador civil no districto, e aos administradores dos concelhos. E se o não disser, como não póde dizer, eu tenho o direito de sustentar que se alterou profundamente não só o exercicio, mas a essencia do direito de reunião, e creio poder acrescentar que o não alterou em sentido liberal.
Quanto ás reuniões particulares, dêmos-lhe, por brevidade, esta denominação, permitte o governo que ellas se realisem nos termos fixados no decreto de 1870, isto é, com a simples communicação á auctoridade, duplicando, porém, o praso para esta se fazer representar.
Mas ha umas palavras no respectivo artigo, que é o 3.°, para as quaes eu desejaria chamar a especial attenção do governo, e depois da camara, porque me trazem muito suspeitoso.
São as seguintes:
«... quando o fim a que se destinarem, não seja contrario ás leis e regulamentos.»
Ora, pelo nosso direito criminal sabemos que as reuniões celebradas, em contravenção das condições legaes de que dependem são illicitas, e como taes punireis. Parece, pois, que estando esta hypothese prevista na lei penal, as palavras citadas não poderão referir-se a ella mas sim a outra. De facto os convocadores ou promotores de taes re-

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uniões commettem um crime, e por isso não ha mais que levantar auto, e processal-os. Se as palavras querem, pois, dizer só isto, como nas leis se deve evitar o escusado, o governo que acceite e a camara que approve a sua eliminação. Conservar essas palavras seria auctorisar a sua ampliação e mais alguma cousa, por exemplo, e quaesquer reuniões convocadas, como as que tem havido, e ate na capital, para protestar contra leis e regulamentos. A minha observação, é, pois, em resumo, que se as palavras querem apenas dizer que não possam haver reuniões, em contravenção das condições legaes, que sendo já pelo codigo penal illicitas, não precisavam de ser acauteladas no decreto, e que por isso se as palavras «fins contrarios ás leis e regulamentos» querem dizer isso mesmo devem ser supprimidas; mas se se quizer ir mais longo, então o decreto é ainda mais innovador, no sentido illiberal, do que parecia. E n'este ponto é necessario que não reste duvida alguma, pois contende com os direitos mais sagrados do cidadão.
Isto emquanto ao simples acto da convocação; mas ainda não é tudo, porque o mais grave vem legislado n'um artigo posterior.
Até agora havia plena liberdade de convocação, repito, mas hoje quem quizer convocar um meeting terá de sujeitar-se a provas durissimas. E não sei para que não estas providencias draconianas contra os meetings, que nunca fizeram mal algum aos governos ou ao paiz! Antes eram uma valvula aberta ás aspirações e ás coleras populares. De ora avante quem quizer convocar um meeting ou, o que vale o mesmo, promover uma reunião, assume responsabilidades assas importantes, porque fica sujeito a responder criminalmente pelos actos, e não digo criminosos, porque já vamos esmiuçar essa parte do decreto, mas pelos actos de terceiro, que o decreto põe a seu cargo. Ainda hoje vimos, sr. presidente, as duvidas que se podem levantar ácerca da interpretação d'este diploma quando um illustre deputado da opposição, apresentou uma representação a tal respeito.
O promotor da reunião assume, pois, a responsabilidade não só dos seus actos, o que é justo, mas dos actos que forem praticados por terceiros!
De maneira que assim como o peccado original se vae transmittindo de paes para filhos, o peccado de qualquer assistente a um comicio passa da pessoa d'elle para a do respectivo promotor!
O promotor de um comicio não responde só pelos seus actos, responde tambem pelos actos praticados pelos que assistem! E por quaes actos? Os respeitantes á perturbação da ordem publica, os discursos sediciosos, ou outros que possam recair sobre a lei penal!
Ora, se houver um governo que queira comprometter o promotor de um meeting, e d'este facto previno os meus collegas que, como eu tenho feito muitas vezes, costumam promover ou frequentar essas reuniões, que é bom pesarem a responsabilidade em que incorrem. E faço esta prevenção porque todas estas disposições vem englobadas com tantas outras cousas differentes que a muita gente podem ter escapado. Seguem as responsabilidades:
«A auctoridade poderá exigir aos promotores que assignem termo, em que se responsabilisem pela manutenção da ordem na reunião, e por que não sejam proferidos discursos sediciosos, nem outros que por qualquer fórma recaiam sob a lei penal.
«Esta responsabilidade obriga, ao pagamento de uma multa de l00$000 réis, imposta em processo par contravenção, quando na reunião se pratiquem quaesquer factos attentatorios da ordem publica, ou se profiram palavras que recaiam sob a lei penal.»
O sr. Pinto Moreira: - Então estâmos a discutir a especialidade?
O Orador: - Sinto muito incommodar a maioria; não é esse o meu proposito, mas estou a defender as minhas opiniões e a sustentar as garantias individuaes.
Eu disse que o parlamento não tinha poderes para confirmar estes decretos, e disse mais que, quando os tivesse, não os devia empregar n'esse sentido, e estou a mostrar que os não deve empregar.
No cumprimento do meu dever sou inexoravel, e sinto incommodar qualquer pessoa; mas quem tem a culpa é o governo que, para mostrar força, adoptou disposições, como as que estou analysando.
Só com o que até aqui tenho exposto já havia muito que discutir; mas eu deixo em claro outras disposições, e vou ao modo por que a auctoridade póde pôr fim a uma reunião, que e a chave de oiro:
«As reuniões poderão...
Note v. exa., poderão; é facultativo.
«As reuniões poderão ser prohibidas ou dissolvidas pela auctoridade, quando assim o exijam as necessidades da ordem ou da tranquillidade publica; e serão sempre dissolvidas...
Note v. exa., serão dissolvidas: dever imposto á auctoridade.
«Serão sempre dissolvidas: quando n'ellas se exponham idéas tendentes a derrubar o systema monarchico representativo, fundado na carta constitucional e seus actos addicionaes; se incite a infracção da lei ou dos regulamentos; se profiram phrases injuriosas para o alludido systema, para o Rei e Rainha, os membros da familia real, os poderes constituidos, ou para qualquer pessoa ou classe de pessoas, ou quando por qualquer outra fórma se desviem do fim para que forem convocadas.»
De maneira que, só em um comicio qualquer uma pessoa dirige uma phrase que é tida como injuriosa por outra, e note a camara que eu não fallo de injuria, que é um crime definido e classificado na lei penal, sirvo-me da expressão phrase injuriosa do que usa o decreto, a reunião será necessariamente dissolvida.
Ora, nós todos sabemos o que ha de vago e indeterminado nas expressões phrases injuriosas. Um deputado, por exemplo, muitas vezes no calor do improviso dirige uma phrase, que póde parecer injuriosa, a qualquer dos seus collegas, e desde que a presidencia lhe faz a minima observação, ou elle cáe em si e reconhece que se excedeu, retira a phrase. Só não sabe isto quem nunca frequentou assembléas publicas. Pois se se proferir n'um comicio uma phrase que se considere injuriosa, o comicio é dissolvido!
Pergunto, onde fica o direito de reunião? Não será isto arbitrario e caprichoso? Póde o exercicio de uma das garantias constitucionaes do cidadão, estar á mercê de uma phrase, que qualquer reputa injuriosa? E por ultimo, qual era a lei anterior em que se achava similhante disposição?
N'esta parte, sr. presidente, posso eu mostrar á camara a origem de similhante prescripção, e talvez aquelle funccionario que informou o sr. presidente do conselho se referisse a ella; mas não é uma lei, é uma simples proposta de lei. Foi apresentada ao parlamento em 1884 pelo sr. ministro da justiça, que já n'aquella occasião exercia esse cargo.
É n'este momento eu não posso deixar de me referir ao sr. ministro da justiça e dizer que, entre as qualidades distinctas que possue, uma das que mais lhe admiro é a lealdade dos principies que sempre tem sustentado, a sinceridade e franqueza das suas convicções e a coherencia com que procura fazel-as vingar. O seu procedimento é sempre perfeitamente logico e coherente.
S. exa. trouxe em 1884 ao parlamento dois projectos de lei importantissimos. Um em que eram revistas as principaes disposições do codigo penal, de maneira a proporcionar o castigo ao crime e a proscrever ou reduzir as penas cuja severidade era reputada como duvidosa e iniqua. A este nada havia em principio a dizer que não fosse em seu abono, no tocante á parte geral do codigo, pois é

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trabalho que faz honra a s. exa. e ao paiz. Na parte especial haveria que notar, mas é certo que o que só viu n'essa occasião foi quasi exclusivamente que n'essa diminuição sensivel de penas se pretendia diminuir as attribuições do jury. Não precisava o illustre ministro procurar obter indirectamente, esse, fim quando s. exa. em um outro projecto de lei, que apresentara á camara, atacava de frente, esta questão e mostrava francamente que as suas idéas com respeito ao jury eram de limitar-lhe a competência aos crimes a que correspondessem penas, maiores. Ora n'aquella primeira proposta substituia-se o disposto no codigo penal, artigo 177.°, em que se tratava de ajuntamentos ou reuniões do povo, por outras disposições, e dizia-se entre ellas o seguinte:
«Se em algum ajuntamento ou reunião incriminada n'este capitulo, se praticarem actos para que esteja estabelecida pena mais gravo do que as mencionadas para o mesmo ajuntamento ou reunião, os que os praticarem serão considerados segundo as regras especiaes estabelecidas para a accumulação de crimes, mas a responsabilidade...
Note a camara:
«mas a responsabilidade criminal por esses actos recairá presumptivamente nos chefes ou promotores do ajuntamento ou reuniões, havendo-os, em quanto se não descobrirem os auctores.»
E aqui tem o sr. presidente do conselho qual a origem d'esta disposição, d'esta innovação no nosso direito penal. Não era lei,, porém era simples proposta de lei.
Um illustre deputado o sr. Dias Ferreira, creio não ficou, ao que parece, muito satisfeito com esta disposição, e discutiu-a, e o sr. ministro da justiça explicou-a.
Dizia assim:
«Já vê v. exa. que o § 4.° do artigo 177.° não é; em caso algum applicavel aos promotores de, comicios convocados em conformidade da lei, quando, porém haja sedição ou assuada parece-me uma boa medida de ordem publica que o seu promotor responda por tudo quanto tumultuariamente se fizer, emquanto se não provar que outro foi o auctor de qualquer facto punivel, mas se apezar d'isso...
Note a camara:
«mas se apesar d'isso a assembléa entender que, esta disposição, que me parece boa é de ordem publica, é perigosa sob qualquer ponto de vista, na sua vontade estará, o modifical-a ou supprimil-a.»
E que fez a camara? Supprimiu-a.
Logo, é porque imaginou que essa disposição era perigosa. (Apoiados.)
Entretanto hoje renasce, e em condições muito mais, amplas do que no projecto de 1884, porquanto então o preceito abrangia só os promotores de certos comicios, e hoje comprehende os de todos!
Por isso eu digo que o sr. ministro da justiça tem o grande merecimento da coherencia.
Sirva ao menos isto para prova de que o parlamento, apesar do tudo que contra elle se diz, ainda vale para alguma cousa, porque esta disposição que não passou em côrtes, achou logar apropriado n'um decreto do poder executivo (Vozes: - Muito bem.)
E, se, parece que o parlamento não serve para edificar, ao menos vê-se que póde servir para resistir, para obstar aos commettimentos contra os direitos populares e contra a liberdade. (Apoiados.)
Ora, depois d'isto, diga-me a camara se o decreto sobre o direito de reunião não modificou e alterou essencialmente a legislação existente, e se póde vir dizer-se aqui que a esse respeito nada se tinha innovado, e que o que se decretou já estava legislado!.
Vamos agora ao direito de associação.
O direito de associação tambem foi inscripto n'uma lei organica d'este paiz pelo partido regenerador, pelo de então, como um dos direitos originarios do cidadão. O codigo civil assim o considera, no artigo 359.°, e depois de ter dito no artigo 365.° em que consiste; determina no artigo 368.° o seguinte:
«Os direitos originarios são inalienaveis, e só podem ser limitados por lei formal e expressa.»
E entretanto o governo, pelo decreto que venho analysando, mas na parte relativa ao direito de associação, legislou de modo que bem póde dizer-se que não só o limitou mas fez com que elle deixe de existir. (Apoiados.)
De facto, o direito de reunião talvez ainda se possa exercer; mas o direito de associação, esse é que ficou completamente inutilisado, como a camara vae ver. (Apoiados.)
Tambem o sr. presidente do conselho podia ter encontrado a filiação de parte, do decreto a respeito do direito de associação n'aquella proposta de reforma penal, porque algumas das suas disposições, embora modificadas, são reproduzidas n'este decreto.
Tambem em 1884 se pretendeu alterar o codigo penal n'esta parte, e no artigo 282.° definia-se o que eram associações licitas e illicitas, e depois d'isso no § 2.° dizia-se:
«As associações declaradas no n.° 2.° (isto é, as que tendo um fim licito se constituiram contravindo ás condições expostas nas leis ou regulamentos, ou faltaram áquellas de que legalmente depende a continuação da sua existencia) serão mandadas dissolver pela auctoridade administrativa, etc.»
O direito de dissolução n'este caso ficava pertencendo á auctoridade administrativa.
Não encontro declaração alguma positiva, expressa nos registos parlamentares com respeito ao que aconteceu a essa proposta, mas o que é certo é que o artigo correspondente do codigo penal, não soffreu a minima alteração, e d'aqui posso eu concluir que a camara não approvou essa proposta, pois não tratou na legislação respectiva do direito que diz respeito ao direito de reunião.
Vejâmos, agora o que o governo fez no decreto relativo ás associações e que passo a ler, não porque queira entrar na especialidade, mas para continuar a mostrar á camara como o governo attentou contra a liberdade e contra os direitos individuaes e politicos do cidadão.
«As sociedades, as associações o quaesquer corporações ou collectividades, que se desviem do fim conforme com as leis e regulamentos para, que foram constituidas, ou se convertam em instrumentos de propaganda ou de acção, para derrubar o systema monarchico dynastico, fundado na carta constitucional e nos actos addicionaes, podem ser dissolvidas, ainda que tenham sido legaes os termos da sua constituição, quer tenham a denominação de cluhs, gremios ou outra qualquer.»
Isto quer dizer, qualquer associação que entre n'este caminho póde ser dissolvida administrativamente. Até aqui, note-se, póde haver logar á dissolução. É uma simples faculdade de que o governo póde ou não usar.
Agora vae ver a camara quando a dissolução é obrigatoria. Não farei largos commentarios, e quasi me limito a ler:
«A dissolução terá sempre logar:
«1.º Quando se profiram discursos ou se leiam, distribuam ou estejam expostos á venda, á leitura, ou á vista dos associados ou do publico, escriptos, impressos, desenhos, estampas ou gravuras, que envolvam offensa ao Rei, á Rainha, a qualquer membro da familia real, á constituição, aos poderes constituidos ou a qualquer, corporação, pessoas ou classe de pessoas.»
De maneira que eu tenho todo o direito de, se entrar n'um, gremio e vir algum desenho ou gravura que repute injurioso, como por exemplo, se me fizessem a honra de me caricaturarem, e eu por isso me offendesse, tenho todo o direito, repito de me dirigir á auctoridade, para que mande dissolver essa associação.

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A mim a caricatura não me offende, mas póde haver alguem mais susceptivel a quem a caricatura offenda e está no seu direito de se dirigir á auctoridade para que dissolva esse gremio.
E pergunto, todos aquelles quadros notaveis que reproduzem episodios da revolução franceza, como o assassinato da princeza de Lambale, não serão tidos como offensivos para a constituição, ou para os poderes constituidos?
Deixar á mercê de interpretações cerebrinas que hoje fizera rir, mas que ámanhã podem fazer chorar, a vida das associações, não é serio.
O governo, pois, esperando que a camara lhe confirme e valide este decreto ao menos como está, conta com uma benevolencia que eu faço ainda á maioria a justiça de acreditar que ella não terá. (Apoiados.) Isto quanto ao direito de associação.
Em seguida o governo, recordando o que se passara nos tempos hellenicos, e alludindo talvez principalmente á tradição aristoplianesca, e isto não mostra senão que o sr. presidente do conselho é ministro do reino, a cuja pasta especial pertenço o decreto a que me refiro, foi e é ainda hoje um litterato distinctissimo, recordando, pois, repito os precedentes do theatro grego, entendeu que devia tambem prevenir os abusos que a manifestação de pensamento pela arte scenica póde dar aso e publicar outro decreto em que se diz o seguinte:
«São prohibidos os espectaculos publicos ou representações theatraes, que contenham offensas ás instituições do estado ou seus representantes e agentes, provocação ao crime, criticas injuriosas, ao systema monarchico representativo fundado na carta constitucional e seus actos addicionaes, caricaturas ou imitações pessoaes, referencias directas a quaesquer homens publicos ou pessoas particulares, ou offensas ao pudor ou á moral publica.»
E aqui abro um parenthesis. Quando em tempo eu dirigi um officio ao cavalheiro que exercia então as funcções do procurador geral da corôa e fazenda, o conselheiro Cardoso Avelino, cujo passamento todos nós lamentâmos, (Apoiados.) tive de occasião de chamar especialmente a attenção do ministerio publico, para os ultrages á moral publica, com os quaes entre nós e no estrangeiro só estava exercendo há muito tempo vergonhosa especulação mercantil. Lembra-me que n'essa occasião foi combatida esta parte do officio, porque se dizia que o governo se propunha exercer censura sobre um certo genero de litteratura e até invocando-se o nome, aliás glorioso, de um escriptor francez, Emilio Zola, perguntava-se-me o que falla o ministerio progressista em presença das publicações, traducções e reproducções do romances d'aquelle grande escriptor contemporaneo. Ora eu, sinceramente, nunca comprehendi o que tivesse a punição e repressão dos crimes de ultrage á moral com as manifestações de uma escola litteraria que todos podemos criticar, mas que ninguem tem direito a considerar como fazendo reclamo da obscenidade. Se eu quizesse usar tambem hoje d'este argumento adduzido então pelos meus adversarios politicos, podia tambem perguntar ao governo se se propõe fazer censura das obras de arte até onde póde ir essa chamada offensa ao pudor e A moral publica e por isso qual a extensão do direito de intervenção da auctoridade nas obras litterario-theatraes? Fechemos, porém, este parenthesis e refiramos-nos só ás offensas ás instituições do estado, provocação ao crime, criticas injuriosas ao systema monarchico representativo, caricaturas ou imitações pessoaes, referencias directas a quaesquer homens publicos ou pessoas particulares.
Leio a disposição, sr. presidente, reflicto sobre ella e digo a v. exa. que não sei até onde se estende, o direito da auctoridade à intervir em uma representação scenica; em todo o caso, porém, o que desde já me parecia bom ao menos como interpretação do decreto era saber-se se depois da sua publicação não têem continuado a exhibir-se em algum theatro da capital caricaturas, imitações pessoaes e referencia directa a homens publicos? porque o governo não precisa só mostrar que tem força, precisa empregal-a-(Apoiados.) Assim eu desejaria que o governo, ou a pessoa que me respondesse, me dissesse se depois de ter sido publicado o decreto de censura theatral, não tem havido d'estas exhibições. Desejaria saber tambem se o gosto publico se depurou de tal modo que a litteratura dramatica se levantou entre nós a ponto de não se achar actualmente em scena tragedia drama, comedia, ou faça alguma era que a moral ou o pudor possam ser beliscados, e que os respectivos auctores tenham bem merecido o premio Monthyon.
Quanto a este decreto pareceu-me ouvir ao sr. presidente do conselho allegar que as disposições d'elle são melhores que as existentes em outros paizes. Mas eu achei isto pouco. Desejaria que elle fosse bom, e não me contento com que fosse melhor; e quando digo bom, digo tanto quanto o póde ser uma obra humana.
No tocante a este assumpto, desejava tambem saber se alguma empreza theatral de Lisboa e Porto submetteu já á apreciação da commissão de censura theatral, ou seja á censura prévia, algum original que tencionasse fazer representar, bem como só a auctoridade já teve alguma vez de intervir se houve recurso da respectiva prohibição, para a relação litteraria theatral, e se os illustres desembargadores que a compõem já proferiram algum accordão. (Riso)
Sr. presidente, estamos chegados naturalmente ao decreto de todos aquelles que segundo disse o sr. presidente do conselho constituem pedra de escandalo, o mais importante, o que maior celeuma tem levantado: o celebre decreto a respeito da liberdade de imprensa.
Antes de mais direi que, ao ler-se o relatorio que precede este decreto parece que eu sou o seu editor susceptivel de imputação, e que se me quiz dar a gloria da paternidade d'este diploma, paternidade illegitima que eu não reconheço nem acceito.
É verdade que no officio a que ha pouco me referi, expondo as minhas idéas, as idéas do governo do que eu fazia parte, as idéas do partido progressista, emfim, quanto aos principios fundamentaes da liberdade da imprensa, eu deixei bem entender que queria a maxima liberdade acompanhada não só de alguma responsabilidade, com a qual se contenta o sr. presidente do conselho, mas da maxima responsabilidade. (Apoiados.)
Quero que aquelle que injuria, diffama ou calumnia no jornal, responda sempre pela injuria, pela diffamação e pela calumnia, e, se é possivel, com uma pena ainda superior áquella que se applica a um desgraçado ignorante é sem habilitações, que n'um momento de excitação calumniou, diffamou ou injuriou. (Apoiados.)
São estes os principios fundamentaes que nós sustentámos com respeito á liberdade de imprensa. (Apoiados.) N'essa ordem de idéas escrevi eu n'esse officio que a legislação reguladora da imprensa, se, quanto á liberdade de que esta gosa pouco podia carecer de reforma, deixava comtudo a desejar quanto á responsabilidade a impor aos que d'ella abusarem. O governo pretende que não fez senão sustentar estes principios, isto é, que não tinha cerceado a liberdade e que tinha apenas tornado effectiva a responsabilidade.
E assim dizia o illustre presidente do conselho:
«Eu sou, como sempre fui, partidario da ampla liberdade «de imprensa, e a nossa legislação sobre o assumpto continua a ser uma das mais liberaes, senão a mais liberal do «mundo. O que se fez foi tornar effectiva a responsabilidade, e n'este ponto admitto a idéa do deputado que me precedeu. Eu quero para a imprensa a maxima liberdade com alguma responsabilidade. (Apoiados.)»
E antes d'esta declaração feita na camara escrevia o governo no citado relatorio que se propozera a ardua tarefa

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de prover de remedio no assumpto cohibindo os abusos sem prejudicar a livre discussão e a livre critica.
Ora no desempenho da obrigação que me impende n'este momento, eu vou procurar demonstrar á camara que o governo não só cerceou a liberdade de imprensa, prejudicando a livre, critica, e a livre discussão, e que não tornou a responsabilidade effectiva mas só arbitraria, o que é muito differente.
Sr. presidente quando, ante hontem saia da camara, um dos nossos mais illustres collegas, fallando commigo, como era natural a, respeito, da discussão pendente, perguntava-me se eu tinha conhecimento das idéas expostas ha pouco por mr. Jules Simon no prefacio do ultimo Annuaire de la presse, ao que respondi negativamente.
Todos conhecem, a individualidade a que me refiro. É um escriptor illustre, antigo presidente do conselho, philosopho distincto, mas sobretudo moralista dos mais levantados do nosso, tempo, um homem que aliás já não está novo nem anda envolvido nas luctas accesas da politica. Pois bem esse notavel escriptor francez, referindo-se á proposta, sobre liberdade de imprensa, em que se procurava dar armas ao governo contra a licença dos jornalistas, e que creio achar-se agora em discussão no corpo legislativo francez, proposta em que se intenta cercear a liberdade de imprensa e sobretudo substituir o julgamento do jury; pelo julgamento de tribunaes collectivos - e accentuo bem a phrase, substituição do julgamento do jury, pelo julgamento de tribunaes correccionaes e não pelo juizo singular-nota que passemos o tempo a pedir a liberdade de imprensa, quando a não temos, e quando a temos a pedir que nos livrem d'ella.
N'esse prefacio que é uma preciosa joia litteraria e politica e a glorificação calorosa da liberdade do jornalismo que o escriptor elegantemente diz ser a rasão armada de todas as seducções e todos os raios do espirito: lêem-se, com respeito á argumentação dos que pretendem substituir o jury pelo juízo, os seguintes trechos:
«Eu que continuo fiel á liberdade de imprensa apesar dos seus abusos, tenho duas cousas para responder a essa argumentação.
«A primeira é que por sem, duvida, alguma rasão ha para substituir os jurados por juizes, e que essa rasão não é por certo garantir a segurança aos jornalistas dando-lhes julgadores justos. É assegurar a repressão dando-lhes por juizes, inimigos. Se não se contasse com isso não se teria apresentado a proposta. O juiz é o inimigo do jornal processado, porque é seu proposito deliberado defender o governo e habito seu garantir a segurança do cidadão. É parcial por lealdade o que é o mais temivel genero de lealdade.
«A minha segunda objecção contra o projector de lei é que elle tende a nada menos do que a tornar impopular a magistratura. Far-nos-íam pagar bem caro o prazer de escapar ás asserções dos jornalistas, destruindo-se na opinião o respeito pela justiça. Supprimimos já á religião e agora vamos supprimir a lei, pergunto com que é que ficâmos? Irei longe demasiado? Será hypothese por demais arriscada avançar que os juizes correccionaes, conhecendo dos crimes de imprensa, julgarão em causa propria, e que um governo, batido por elles, tem todos os meios de se vingar, competem todos os meios de pagar deferencias? Nada reccieis, porém, eu não direi mal da magistratura franceza, primeiro porque não penso d'ella senão bem, e depois porque ainda que lhe reconhecesse defeitos, teria a cautella de os não divulgar. Ella precisa de ser respeitada, e nós precisâmos que o seja: digo bem alto que o merece, e acrescento que ainda contra os mais honrados, não se deve dar bom jogo á calumnia.»
Applico á magistratura portugueza as palavras que dizem respeito á magistratura: franceza.
N'estas palavras não ha a minima offensa á magistratura, entendendo-se que o juiz acostumado a defender a segurança dos cidadãos, propende sempre nos processos do liberdade de imprensa para o lado da repressão, na plena convicção que lhe dá a sua consciencia da que melhor serve assim a causa publica.
Jules Simon conclue:
«Accreditae-me amigos: conservemos a liberdade, é a salvação e é o dictame. É o direito, mais sagrado, o sentimento mais necessario do progresso. E o principio mesmo da, philosophia, a conquista principal de 1789»'
«Aqui está o que uma simples modificação no julgamento de certos delictos de imprensa tirando-o, ao jury para o dar aos tribunaes collectivos, fez dizer a Jules Simon no fim de uma vida honrada, consumida na defeza das instituições, e sacrificada sempre ao que é o titulo de um dos seus mais gloriosos livros - o dever. Isto que elle prensa a respeito da proposta de lei, que creio ser a mesma já votada no senado francez e que eu tenho a fundada esperança de que, apropositadamente para nós e por extraordinaria coincidencia, será rejeitada no corpo legislativo.
E é no momento em que uma republica dá este exemplo de respeito á liberdade, que o governo de uma monarchia constitucional vem aqui apresentar como unica maneira de defender as instituições do seu paiz o cerceamento dos direitos individuaes! (Apoiados.)
Esta comparação é que os governos d'este paiz não deviam nunca auctorisar. (Apoiados.)
Sabe acaso o governo o que se disse lá fóra a respeito de todos estes documentos? (Apoiados.) Tenho aqui artigos de jornaes estrangeiros, e não dos somenos, mas dos mais lidos e considerados, como a Revue des deux mondes, o Temps e a Independance belge. Todos condemnam as providencias dictatoriaes do, governo. Não as leio á camara para a não cansar, concluindo-se; d'elles e um é de mr. Charles de Narade, que o governo entendia ser a repressão a só maneira de defender as instituições.
Pois não haverá meio de defender as instituições se não violando-as? Por certo que sim.
E foi o governo que deu a entender isto aos estrangeiros. (Apoiados.) E esta a grande responsabilidade que impende sobre as cabeças dos ministros, porque as instituições, entre nós não se defendem por decretos arbitrarios, violando a carta constitucional e todas, as franquias da liberdade; (Apoiados) pelo contrario ellas podem coexistir. (Apoiados.) E seria um exemplo glorioso, para nós que, ao mesmo tempo que a republica franceza discute a idéa de cerceamento das prerogativas da imprensa livre, o parlamento portuguez não confirmasse o decreto em que a liberdade da imprensa é tratada por igual modo (Apoiados.) Quando se publicou a celebre lei de 3 de agosto de 1850, conhecida na nossa historia, politica por uma denominação que eu não quero aqui repetir agora, o governo, que só seguiu ao que a propozera, revogou-a como ha pouco disse, pelo decreto de 22 de maio de 1851 e revogou a pelos seguintes motivos: porque o resto de liberdade que aquella deixára desappareceria; pela classificação dos delictos, pela imposição de novas penas por que ella viciava a saudavel instituição do jury, e tirava garantias de defeza e estabelecia innovações oppressoras na composição e organisação dos tribunaes e na fórma do processo cujos rigores exarcebava, reputando-a por isso o ministerio de até como attentatoria da lei fundamental do paiz.
Eram estes os fundamentos porque foi revogada a lei de 1850; e homens de letras, auctores e jornalistas, portuguezes de então, como haviam feito vinte annos antes os jornalistas francezes, por occasião das celebres ordonnances, publicaram, contra o respectivo projecto, um conciso mas eloquente, protesto, que acabava por estas palavras:
«Os abaixo assignados limitam-se a um protesto simples, mas quanto n'elles cabe, energico e solemne, contra todas as disposições do dito projecto de lei em que são postergados os direitos e garantias inalienaveis da liberdade do pensamento, ficando assim seguros de que se essa liberdade

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tem de perecer, ao menos os nossos nomes não passarão deshonrados á posteridade com a mancha de covardia ou connivencia em similhante attentado.»
Entre os nomes dos signatarios lê se o do sr. presidente do conselho, e eu hoje não pergunto a s. exa. qual é a situação em que fica desde que appõe a sua assignatura no citado decreto da imprensa. (Apoiados - Vozes: Muito bem.)
Pois todos os defeitos que o decreto de 1851 notava na legislação de 18050 dão-se e acrescentados no presente decreto dictatorial. (Apoiados.)
Um illustre advogado, que era uma das glorias do fôro lisbonense, que fôra em tempo um dos mais ardentes deputados, liberaes, e que apesar de se achar de ha muito retirado da politica activa seguia com interesso e como lhe cumpria o movimento legislativo do paiz, foi encontrado por alguem, poucos dias antes de morrer, estudando o ultimo decreto relativo á liberdade de imprensa, e manifestando n'esse momento a impressão que elle lhe causava, declarou que elle era muito peior do que a lei de 3 de agosto de 1850.
O decreto de 22 de maio de 1851 accusava a lei de 3 de agosto de 1852 de ter classificado delictos e augmentava as penas, e o decreto de 1890 é ainda peior, augmenta os delictos e as penas.
E como nada digo sem o demonstrar vou ler á camara as disposições do decreto que comprovam a minha asserção.
Antes, porém, farei notar que os crimes de imprensa, definidos e puniveis na legislação anterior ao decreto, eram a injuria, a diffamação e a calumnia, e a aggressão injuriosa ao systema representativo.
A estes só se refere a lei de 1866.
Depois, em virtude da reforma penal de 1884, addicionou-se a estes mais o crime de offensa contra o Rei ou Rainha reinante, successor immediato da corôa, regente do reino, ou membro da familia real.
Nenhum mais havia. Isto posto, eu abro o novo decreto é encontro o seguinte:
«Artigo 5.°, § 5.° Nos casos de ofensa, diffamação, injuria, ou aggressão injuriosa, dirigida por meio de pseudonymo, ou por phrases allusivas ou equivocas, ou recorrendo, a allegorias de pessoas ou paizes suppostos, ou a recordações historicas, ou a quaesquer ficções ou artifícios tendentes a encobrir ou a evitar a responsabilidade jurídica, procede a accusação, quando a allusão for manifesta; ou quando por parte da accusação se prove que essas offensas, diffamações, injurias ou aggressões injuriosas se referem ao offendido.
«Fica assim substituido o disposto no § 3.° do artigo 13.° da lei de 17 de maio de 1866.»
Ora o paragrapho substituído não falla senão em injuria ou diffamação, dirigidas por meio de pseudonymo ou por phrases allusivas ou equivocas, tendentes a encobrir a responsabilidade juridica, e assim vamos ter a mais, como puníveis, a offensa, e esta a injuria, diffamação o calumnia, por meio de allegorias, recordações historicas, ficções ou artificios.
Mais:
«Artigo 7.°, § 2.° A ofensa, quer seja feita por meio de publicação, quer por outro qualquer meio, a algum dos poderes politicos legitimamente constituidos, ou a qualquer auctoridade ou empregado publico, ou a qualquer membro do exercito ou da armada, ou a qualquer corporação ou corpo collectivo que exerça auctoridade publica ou funcções publicas, ou faça parte da força publica, ou a qualquer membro das camaras legislativas, relativa a exercicio das suas funcções ou a proposito d'esse exercicio, será punida com prisão correccional até seis mezes, salvo se pena mais leve estiver estabelecida na legislação em vigor á data d'este decreto.»
Temos, pois, que a offensa, que só era punivel quando commettida contra as pessoas acima enumeradas, ficou extraordinariamente ampliada nas duas disposições que acabei de ler.
Esta palavra offensa começou a apparecer na reforma de 1884, em que por exemplo se diz o seguinte:
«Art. 169.° A offensa commettida de viva voz, ou por escripto ou desenho publicado ou por qualquer meio de producção contra, o Rei ou Rainha reinante... etc.
«§ 1.° O crime declarado n'este artigo commettido contra as outras pessoas designadas nos artigos antecedentes... etc.»
E ainda os artigos 181.° e 182.° que não lerei por não se referirem a offensas por meio da imprensa.
É certo, porém, que já na celebre lei do 1850 apparecia o crime de offensa.
Note v. exa. que na lei de 1886, da iniciativa do sr. Barjona de Freitas, mantinha-se com todo o rigor a terminologia juridico criminal; não se fallava quanto a crimes senão em diffamação e injuria, e calumnia, e se se fallava em aggressão injuriosa ao systema representativo, acrescentou-se logo explicitamente n'um paragrapho ao artigo, que isto não implicava a discussão e a critica da lei fundamental, ou de outras. Esta era a cautela que se tomava ao empregar um novo termo na lei reguladora da imprensa.
O que é, porém, que se quiz significar, e o que mais é, incriminar, com o emprego da palavra offensa? É innovação.
Com effeito não se póde dizer que na palavra offensa se queria comprehender a diffamação e a injuria, porque então bastava, ou empregal-a só, como indicativa do genero, ou só as outras duas, como significativas de especies. Mas empregando-se todas tres conjunctamente a conclusão é que a offensa é crime diverso da injuria e da diffamação. A isto não ha fugir. Mas a final o que é a offensa? Onde acaba o direito da critica do jornalista e começa a prohibição? O decreto não o diz, e o direito penal anterior não o explica.
O codigo penal fóra dos casos de offensa ás pessoas, a que já me referi, e que são em numero limitado, serve-se no artigo 413.° da palavra ofensa, mas visivelmente se refere á offensa corporal, e no artigo 414.° falla de facto offensivo de condemnação, determina-o, porém, não só pelas pessoas a que se refere mas tambem como comprehendido na penalidade, e por isso no crime de diffamação.
A palavra offensa, pois, empregada sem mais explicação, e applicada a todas, as pessoas, e entidades referida no § 1.° do artigo 7.° deixa margem a que se possam considerar crimes de abuso de liberdade de pensamento apreciações que podem ser apenas criticas mais ou menos apaixonadas dos actos dos poderes publicos e collectivos, e funccionarios, e que por isso ha de corresponder a um delicio novo: é a chamada offensa.
Na reformado 1884 tínhamos já, é verdade, o prime de offensa, mas era limitado ao Rei e ás mais pessoas reaes que enumerei. Hoje amplia-se a todas quantas pessoas e entidades eu acabei de indicar á camara.
Mas em que consiste a offensa pela imprensa?
As disposições do codigo penal que deixo apontadas corrigem o que póde haver de vago e indeterminado n'esta palavra pelo limitado numero de pessoas á que ella é applicada, mas o decreto ampliando-a a tantas pessoas e entidades, deixa a porta aberta a todas as interpretações, ainda as mais latitudinarias.
Mais ainda. No § 4.° temos o seguinte:
«§ 4.° A reproducção de ofensas, diffamações, injurias, aggressões injuriosas ou de quaesquer artigos que por outro motivo recaiam sob a esphera da lei penal é para todos os effeitos considerada como offensa, diffamação, injuria, aggressão injuriosa ou artigo punivel, salva a responsabilidade do originario auctor, e dos responsaveis pelo perio-

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dico que fez a anterior publicação, quando não tenham auctorisado essa reprodução.».
Punida mais a reprodução, e repetida a palavra ofensas.
Continuemos:
«Artigo 7.° § 3.° Ao incitamento a qual auctoridade ou empregado publico, ou a qualquer membro, do exercito, e da armada, ou a qualquer corporação ou corpo collectivo, que exerça auctoridade publica ou funcções publicas, ou que faça parte da força publica, ou a quaesquer cidadãos designadamente ou indeterminadamente para que infrinjam as leis e os regulamentos, é applicavel a pena de prisão correccional até seis mezes se o facto não estiver previsto e punido com pena mais grave pela legislação em vigor á data d'este decreto. As phrases subversivas da segurança do estado ou da ordem publica, publicadas em qualquer periodico, posto que não constituam incitamento ou provocação ao crime, serão punidas com prisão correccional por um até tres mezes.»
Temos mais incriminado o incitamento, mas deixemos isso, e notemos bem a nova incriminação das phrases subversivas da segurança do estado ou da ordem publica que extensão têem estas palavras?
E o sr. José Luciano de Castro, já aqui perguntou na camara em 1884, quando pela primeira vez despontaram no horisonte parlamentar expressões analogas, isto por occasião da discussão da reforma penal, se quem desse vivas ao partido progressista estando, como agora no poder o actual ministerio, soltava gritos subversivos. E eu hoje pergunto, essas palavras escriptas serão palavras subversivas?
Continua ainda:
§ 5.° É prohibida, sob pena de desobediencia, a abertura de subscripções publicas para occorrer ás despezas relativas a processos e fianças criminaes.»
Delicio novo ou então renovação, de delicto.
E realmente, valeu a pena ir buscar esta innovação A lei da imprensa da republica franceza, quando infelizmente esta podia ter vindo buscal-a ao nosso direito, á lei do conde de Thomar. (Apoiados.)
Parece-me, pois, que com o que tenho exposto já tenho mostrado á camara que não só se classificara delictos; mas que se inventam novos crimes e contravenções.
O mesmo quanto a penas.
A pena de prisão é em regra diminuida; mas, em compensação as multas são augmentadas. E se aquella é abreviada, o fim é fazer com que o jornalista nem ao menos possa ficar sujeito ao novo processo correccional, e deixar de responder em policia correccional, tendo de ir até, durante certo tempo, ao commissariado de envolta com todos os vadios e reincidentes que forem capturados. (Apoiados.)
Novos crimes, novas penas; tudo como em 1850! Não levantarei por ora mão d'este ponto sem chamar a attenção da camara para uma disposição que julgo grave.
Já o emprego da palavra offensa sem lhe fixar o significado é cousa grave, porque o termo é vago, e não se sabe bem o que seja; mas ha outras disposições que nem se chegam a comprehender. São as do artigo 8.°, § 1.º
Eu esperei errata, mas a este respeito não a houve que eu soubesse. Procurei erratas, repito, porque este mesmo decreto as teve, e em outro não houve só erratas, houve verdadeiras suppressões. Refiro-me ao decreto das incompatibilidades. N'este não houve erratas, houve, suppressões. (Apoiados.) Singular anthitese ainda! Fontes Pereira de Mello, o glorioso chefe do partido regenerador, se vivesse, ver-se-ía forçado, ao menos, na intenção do governo que não felizmente na realidade dos factos, pela doutrina d'este decreto, a sacrificar a sua honrada mediania se quizesse entrar nos conselhos da corôa. Vejâmos o que diz o citado artigo:
«§ l.° Nos crimes por abuso de liberdade de imprensa comprehendidos nos artigos 169.°, 170.°, 171.° e 483.° do codigo penal e seus paragraphos, no artigo 7.° do presente decreto ê seu § 3.°, a pena de multa nunca será inferior a 100$000. réis; e nos casos de reincidencia ou de accumulação de dois ou mais dos referidos crimes será sempre applicado o maximo da pena de prisão, e á pena de multa não será inferior a 250$000 réis. Todos os crimes especificados n'este paragrapho são considerados da mesma natureza para o effeito da punição da reincidencia.»
Abusos de liberdade de imprensa nos casos do artigo 159.°, em que se inclue a offensa por escripto ao Rei, Rainha e a outras pessoas da familia real, e do artigo 483.° em que se comprehende a provocação ao crime feita por escripto, percebe-se. Mas a citação, dos artigos 170;° e 171.°, como envolvendo crimes, por abuso do liberdade de imprensa, é que eu, não logrei comprehender, nem sei explicar.
Eu vou ler a, camara o que dizem estes artigos, para ella ficar bem ao facto dos actos que elles incriminaram. E ainda uma vez, achei a citação d'elles tão despropositada, que procurei nos Diarios seguintes ao que publicou o decreto saber se viria depois alguma rectificação, mas não encontrei errata alguma, repito.
Vejâmos:
«Art. 170.° Aquelle que tentar destruir ou mudar a fórma do governo ou a ordem de successão á corôa, ou depor ou privar de sua liberdade pessoal o Rei ou o regente, ou os regentes do reino, será punido, com a pena de prisão maior cellular por seis annos seguida de dez de degredo, ou, em alternativa, com a pena fixa de degredo por vinte annos.
«Art. 171.° Serão punidos com a mesma pena do artigo antecedente:
«1.° Aquelles que tentarem destruir, á integridade do reino;
«2.°, Os que excitarem os habitantes de territorio portuguez á guerra civil e se deverem considerar auctores, segundo as regras geraes da lei;
«3.° Os que excitarem os habitantes de territorio portuguez ou quaesquer militares ao serviço portuguez de terra ou de mar, e levantarem-se contra á auctoridade real ou contra o livre exercicio das faculdades constitucionaes dos ministros da corôa, e se deverem considerar auctores, segundo as regras geraes da lei;
«4.° Os que por actos de violencia impedirem ou tentarem impedir a reunião ou à livre deliberação de alguma das camaras legislativas.»
Ora, eu pergunto se os actos indicados constituem, ou podem constituir crimes de liberdade de imprensa? Deixo á consciencia da camara a resposta. Mas supponhamos que os crimes referidos passavam a ser dos novos delictos, que felicidade para os perpetradores! Porque até aqui tinham pena de prisão cellular por seis annos, é mais degredo por dez, e agora, como a camara acaba de ouvir, parece que a multa passa a ser de 100$000 réis!
Mas que multa, se não a ha para o caso no codigo penal? E ficam estes actos tendo só multa?
Parece-me que, a ser assim o governo teria sido por demasiado benevolo.
Quando se faz uma lei que contende com os direitos mais sagrados dos cidadãos, redigil-á por fórma que póde dar logar a estes embaraços para não dizer absurdos, é cousa que não se póde admittir.
Eu chamo a attenção da camara e da commissão para estes verdadeiros erros. E Deus nos livre de que não sejam erros! (Apoiados.)
E com o que tenho exposto parece-me haver até aqui respondido, a parte, do discurso do sr. Antonio de Serpa em que s. exa. disse:
«Nas disposições d'este decreto não ha nada que restrinja a ampla liberdade de discussão, mas ha a responsabilidade effectiva que cohibe os abusos.»
E para contestar salvo o respeito, esta objecção, bas-

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taria perguntar ao governo onde fica a liberdade de discussão, em vista da punição do simples ofensas, cujo significado se não conhece.
Mas eu vou mais longe.
Para mim é completamente igual, que me limitem previamente o uso de um direito, ou que m'o permitiam em condições taes e de tal maneira, que o exercicio que d'elle faça possa ser continua e arbitrariamente reprimido.
Ora o que vae acontecer com a repressão?
O meu illustre amigo o sr. Navarro disse que é necessario que respondam pelos abusos de liberdade de imprensa, o auctor que praticou um crime, o editor que praticou outro, bem como todas as pessoas que como agentes do crime podem concorrer para elle se praticar.
Estou perfeitamente de accordo com s. exa. estou de accordo, bem como de accordo estou com o sr. Antonio de Serpa em que a especulação mercantil, seja punida e precisamente onde mais lhe doer, e por isso de accordo estou eu que as emprezas que ao têem fundado á sombra do jornalismo, sejam reprimidas sobre tudo pelas multas. Estou inteiramente de accordo com aquelle illustre deputado quando diz que é necessario tornar effectivo o paga monto das multas, como estava na nossa legislação, substituída pela reforma penal, em que as multas tinham hypotheca legal, com preferencia a todas, sobre os bens do proprio contraventor e o que, direi de passagem, não ficou bem accentuado, no decreto.
Perfeitamente de accordo, mas aqui não se torna efficaz a repressão, torna-se arbitraria, como a camara vae ver, o que é de todo o ponto differente, senão contrario.
Um exemplo muito comesinho mostrará a todos o que vae ser a futura repressão segundo o decreto dictatorial, repressão que já o sr. Navarro a achou menos perfeita.
Um jornalista de temperamento mais energico ou vigoroso, como o têem alguns dos nossos, publica um artigo em que vem uma palavra que póde parecer offensa a algum dos poderes politicos, ou ainda a certa pessoa, ou a uma corporação, nos termos incriminados. O jornalista é intimado para responder em policia correccional. Naturalmente póde pretender sustentar que não ofendeu e apenas criticou, talvez um pouco mais violentamente, é certo, mas sem animo de ir mais longe do que a censura é permittida. N'esses termos desejaria o jornalista contrariar o despacho do juiz singular, que o sujeita pelo menos ao grande vexame do se sentar no banco dos réus, mostrando que o facto imputado não é prohibido nem justificado crime por lei, e para isso tem de recorrer. O que vae porém, acontecer?
O governo, por um decreto também dictatorial, entendeu dever revogar uma das disposições mais justas e liberaes que eu como ministro tive a honra de apresentar ao parlamento, (Apoiados.) em virtude da qual, nos processos correccionaes, se o réu entendesse que o facto imputado não é prohibido, nem qualificado crime por lei, podia interpor aggravo, com effeito suspensivo, do despacho, que o mandou responder em juizo, e assim qualquer não teria de se sentar no banco dos réus, emquanto os tribunaes collectivos superiores não entendessem que havia verdadeiramente crime no acto imputado. Pois o governo, accentuo, supprimiu esta disposição que estava escripta na lei de fianças, lei que a camara votou unanimemente, e creio até que a unica pessoa que a discutiu e não para combater, foi o actual sr. ministro das obras publicas!
O governo, repito, pelo seu arbítrio, supprimiu esta disposição, de maneira que o jornalista, pelo simples facto de o accusarem de haver praticado uma offensa, e v. exa. vê quanto isto é vago e indeterminado, tem forçosamente que se sentar no banco dos réus e responder em processo de policia correccional!
Mas isto não é tudo. O jornalista responde e é condemnado. Se o for, a nada menos do que a prisão ou desterro por um mez e multa de 60$000 réis; quer appellar e o decreto diz-lhe que n'este caso não cabe appellação! (Apoiados.)
Oh, sr. presidente, isto é que é tornar effectiva a repressão? Não será antes tornal-a arbitraria?
Pois o que deixo exposto não é a subversão completa de todos os principios reguladores do direito individual?
Não importará tudo isto o tirar garantias á defeza, como da celebre lei de 1850 dizia o preambulo, do decreto de 1852, sendo esse um dos fundamentos porque a revogou?
De certo: isto é, um verdadeiro attentado, contra a legitima defeza.
E eu tenho pena de ter talvez fatigado a camara, mas é indispensavel fazer estas comparações. (Apoiados.)
Vozes: - Não fatiga.
O Orador: - Mas ainda não é tudo quanto ha com respeito a este gravissimo ponto.
E ao juiz singular, que por julgar haver offensa obrigou o jornalista a responder era policia correccional, embora este tal intenção não tivesse, que fica a faculdade do reduzir a penalidade aos termos referidos de modo a obstar ao recurso.
De facto não é quando no codigo penal ou n'outra lei, se applica, separada ou cumulativamente, a qualquer acto as penas de um mez de prisão ou desterro, multa até um mez, ou até 60$000 réis, reprehensão e censura, que deixa de haver appellação.
Similhante preceito comprehendia-se.
O legislador escolhia certas contravenções ou delidos, tão pouco importantes que lhes fixava penas minimas e julgava que para o julgamento d'aquelles e imposição d'estes bastava o juizo inferior singular e um processo rápido e até relativamente barato.
Era o que acontecia entre nós, em que a alçada dos juizes de direito, era de 10$000 réis ou um mez de prisão e á dos antigos juizes ordinarios de 2$000 réis e tres dias de prisão.
Ora, de todas e quaesquer sentenças ou processos de policia correccional, sobre crimes a que pela lei correspondesse pena mais grave do que a da alçada do juiz que a proferisse, cabia recurso de appellação, ainda mesmo que essas penais, tivessem sido reduzidas na sentença aos termos d'aquellas alçadas. Este o nosso direito, que não deixava á faculdade de um juiz o inutilisar o recurso, contra a defeza do réu.
E quer a camara saber o que se passava quando em tempo pareceu ir-se attentar contra tal disposição? Vae ouvir. Em 1884 publicava-se uma lei de iniciativa do actual sr. ministro da justiça, em que se dispunha que da sentença condemnatoria, proferida em processo de policia correccional, havia sempre recurso com effeito suspensivo até ao supremo tribunal de justiça, quando, a pena applicada. noto a camara quando a pena applicada ao crime excedesse a alçada do juiz, se se não tivesse prescindido do recurso no principio do julgamento. Publicada a lei, e podendo suscitar-se duvidas sobre se a pena applicada era a pena effectivamente imposta pelo juiz ou a pena designada na lei, e cumprindo evitar taes duvidas, o sr. ministro da justiça, levado por um sentimento liberal e justo, publicou, como lhe competia, uma portaria, que tambem peço licença para ler á camara, porque esclarece a boa doutrina, e mostrará o que vae ser a futura repressão da imprensa periodica.
(Pausa.)
Não á tenho presente, e por isso a não leio, mas a camara póde verificar a exactidão do que vou dizer, pois quasi conservo de memoria os termos, da portaria.
O sr. ministro da justiça dizia que as palavras «pena applicada ao crime» se referiam a pena applicada pela lei, e não a effectivamente imposta pelo juiz na sentença condemnatoria.
E porque pretendia resolver o ministro quaesquer duvidas a este sentido? Porque se assim não fosse, devia ficar

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em muitos casos dependente do arbitrio do julgador a faculdade do recurso, o que era absolutamente contrario aos principios que regem o direito da defeca. Mas hoje?!
O decreto não deixa pretexto a duvidas que possam vir a ser equitativamente resolvidas.
É que não ha pensamentos para poder sustentar que a pena applicada é a designada na lei e não á imposta na sentença.
E quer v. exa. saber porque? Não se publicou portaria, alguma, explicativa, como em 1884, e que aliás no caso era desnecessario, pois que a disposição é clara e terminante. Assim o artigo 5.° do decreto n.º 2, que é aquelle a que me estou deferindo, diz na sua disposição geral:
«Art. 5.° Das sentenças proferidas pelos juizes de direito, não cabe appellação quando, as penas applicadas aos crimes, ás contravenções ou ás transgressões forem separada ou cumulativamente algumas das seguintes:
«1.ª Prisão até um mez;
«2.ª Desterro até um mez;
«3.ª Multa até um mez, ou até 60$000 réis, quando lei fixar a quantia; «4.ª Reprehensão;
«5.ª Censura.»
Penas applicadas, note a camara.
E logo no mesmo artigo no § diz o seguinte:
«§ unico. Das decisões dos juizes municipaes cabe sempre recurso: para a relação do districto, qualquer que seja a pena applicavel ao crime, á contravenção ou á trangressão da postura ou regulamento municipal
Pena applicavel.
As palavras foram, pois, pesarias e meditadas, e a mesma disposição faz inteira differença entre a pena applicada e a applicavel!
Portanto, vê-se bem, que no corpo do artigo é a pena applicada pela sentença e não a pela applicada pelarei.
Assim, pois desde que processa ainda o crime mais grave da escala correccional, e a que corresponda maior penalidade tambem correccional, logo que o julgador reduzir a pena até aos mínimos apontados, o jornalista não tem appellação ha de cumprir um mez de prisão e pagar a multa!
Isto sinceramente não é tornar a repressão efficaz nem effectiva; isto é perfeitamente tornal-a prepotente caprichosa e, arbitraria!
E agora pergunto, não importará tudo isto estabelecer innovações oppressoras, e exarcurbar o vigor dos processos, como da celebre lei de 1850, dizia, e para annullar, o decreto de 1851?. Por certo.
Ás disposições relativas ao novo processo correccional se ligam estreitamente as relativas á liberdade de imprensa bem como as outras a que já me referi. Cumpre não, perder de vista esta ligação e estudal-as no seu complexo, para se fazer bem idéa do que vae ser a futura repressão. Este decreto que teve em mira? Simplesmente isto: supprimir o jury, tanto quanto, era possivel.
Lembro ainda uma voz á camara, que logo se publicou o decreto de 10 de dezembro de 1852, que era melhor do que o decreto actual, veiu o sr. conde do Casal Ribeiro á camara pedir a immediata revogação d'esse decreto, e professores como Nazareth e Justino de Freitas, magistrados como Mello e Carvalho, Novaes, Vellez Caldeira e muitos outros de cujos nomes me não lembro, que ninguem póde ter, creio eu, como eivados de radicalismo, apresentaram logo um parecer, em que, attendendo á que o julgamento pelo jury é garantia muito importante formularam um, projecto que constituiu depois; a lei de 18 de agosto de 1853 que derogou n'aquella parte o decreto de 1852.
Depois d'isso trouxe o sr. Moraes Carvalho mais de uma vez, creio, um projecto á camara tendente a revogar essa legislação. Esse projecto logrou ter parecer da commissão de legislação. Pois não foi approvado pela camara!
O sr. Luciano de Castro apresentou, também, outra proposta n'este sentido, como um expediente forçado de occasião, porque s. exa., liberal como é, nos fundamentos da sua proposta dizia que a sua idéa era que houvesse tribunaes collectivos para todos os crimes correccionaes; mas como as angustias do thesouro não o permittiam, recorria ao só expediente que lhe restava, apresentar uma proposta qual o actual sr. ministro da justiça diz que fui buscar o seu ultimo decreto. Mas o sr. Luciano de Castro, fazia isto quando não tinha havido a reducção sensivel nas pennas o codigo penal, e por consequencia se não tinha iniciado este barbarismo que foi introduzido na nossa legislação a correccionalisação dos processos crimes - barbarismo que ainda o é mais na essencia do que na fórma. Pois essa proposta não foi convertida em lei.
O que se quer é attentar contra o jury. O sr. ministro justiça, repito, é perfeitamente coherente, porque taes idéas já sustentou n'esta casa a respeito do jury que o sr. Emygdio Navarro viu-se obrigado a apresentar uma moção que foi approvada por toda a camara sustentando que a instituição do jury devia ser mantida como garantia de recta administração de policia, e solido apoio das liberdades, publicas.
O sr. ministro da justiça, coherente sempre, fez agora o que as camaras nunca quizeram fazer.
Se a camara percorrer, como eu fiz, os artigos do codigo penal, verá que o jury fica hoje reduzido á mais simples expressão possivel. É a consequencia o decreto ultimamente publicado pelo ministerio da justiça.
Eu sei, devo dizel-o, que no nosso paiz ha uma corrente outra o jury; mas essa corrente se bem se examinarem as accusações feitas deve dizer-se não é contra a instituição é contra, a organisação. N'este ponto entendo que o governo impede a obrigação de melhorar as condições do jury mas não a de supprimir esta garantia essencial á administração da justiça. (Apoiados.)
O sr. ministro da justiça, ainda sob colôr de liberalisar as disposições do decreto, tornou obrigatorio o recurso do juiz singular para o tribunal collectivo, e esta disposição ha de ter, a meu juízo, funestas consequencias. Para ella se tornar effectiva manda-se escrever com a maior concisão possivel os depoimentos.
Para que se mandou escrever e até da maneira mais concisa possivel os depoimentos das testemunhas? Para o tribunal superior julgar a questão de facto, pela prova testemunhal que possa haver. Ora isto importa, quanto a mim, o renascimento do reprovado systema do provas legaes, para destruir completamente o qual se recorreu á instituição do jury.
O magistrado para julgar, tem de formar a, sua convicção legal. Logo que; haja testemunhas que nos termos legaes provem um facto, o juiz de direito é obrigado a julgal-o. O jury não, porque esse tem deformar a sua convicção moral, o que é preciosa garantia para os cidadãos. Póde julgar sem provas legaes, e até contra ellas.
O seu veredictum só de si e da sua consciencia depende, de ninguem, de nada mais.
Desde o momento pois, em que o juiz singular por mais honrado que seja tiver diante de si testemunhas que lhe affirmem um facto criminoso e os depoimentos tenham de ser, escriptos, como é que o juiz, embora tenha a consciencia da innocencia do réu póde absolvel-o? Como justificar-se perante o tribunal superior, se os autos o condemnam?
O sr. ministro da justiça vae na sua corrente, não o estranho. S. exa. entende, que a instituição do jury representa uma expressão incorrecta, imperfeita e porventura, inconsciente de um principio bom, que é a separação do julgamento de facto do de direito; o que queria era que houvesse uma magistratura como a dos juizes de direito que julgasse as questões de facto.
Pois eu quero a magistratura para julgar pontos de di-

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378 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

reito e o jury para decidir as questões de facto, sobretudo no tocante á responsabilidade criminal.

Reformem o jury, de accordo; ao seu lado me hão de encontrar. Na proposta da reforma judiciaria, que tive a honra de apresentar ao parlamento, tomavam-se providencias a tal respeito.

Reformem o jury, repito, mas não anniquillem, nem sequer amesquinhem a instituição.

Não se comova a opinião só porque houve uma outra absolvição proferida pelo jury; pois esse argumento podia transformar-se contra a magistratura, de futuro, quando condemnasse.

Não sabemos quaes são as rasões imperiosas que impressionam a consciencia de um cidadão para absolver aquelle que foi sujeito ao seu veridictum. Respeita-mol-o não o julguemos, e muito menos o condenemos.

Conserve-se a instituição do jury como uma garantia individual.
Pois esta garantia, que nunca poude ser amesquinhada no parlamento, foi-o agora pelo governo dictatoriamente: (Apoiados.)

Tenho analysado os decretos que entendo representam mais especialmente a politica illiberal do gabinete e constituem perigo para a liberdade, e attentado; aos direitos dos cidadãos e ás franquias populares: Fil-o movido de convicção sincera, que outra não trago a esta tribuna.
Procurei demonstrar que a camara não tinha poderes, suficientes para determinar que este decreto continue em vigor.
Confio em que a maioria, que tem dado provas de espirito recto e liberal, não ha
de querer confirmar actos que attentam contra as garantias individuaes do cidadão.
Acrescentei que ainda que a camara tivesse poderes para isso, o espirito illiberal dos decretos os devia sujeitar sua reprovação.
Isto posto vou fechar com mais algumas, poucas palavras serie, de considerações que tenho feito.

O governo entrou n'um caminho novo, desconhecido nos ultimos annos no nosso paiz, qual o da politica de repressão. Eu hei de combatel-o tanto quanto poder, e entendo que o devo fazer, porque acho essa politica perigosa para o meu paiz.
Conservemos a fé nos principios, não tratemos de os amesquinhar ou pôr de parte como cousas vãs ridiculas e impertinentes.
Assim como o homem não vive só do pão, o povo não vive só do fomento; é preciso inspirar-lhe crenças quo o norteiem, no meio das amarguras da vida, robustecer-lhe o amor aos principios que o hão de guiar no, uso dos seus direitos e confirmar-lhe occulto da justiça e da liberdade.

O governo pretende da contrario amesquinhar principios, cercear direitos, diminuir liberdades; e por isso o combato com toda o sinceridade da minha convicção, e com toda a energia das minhas forças.
E preciso que em torno das nações haja um ambiente amplo, lucido, transparente atravez de cujas camadas possam passar os raios brilhantes, e os vividos, clarões d'essas luminosas constellações que nossos pães, primeiro, viram surgir no horisonte, e que se chamam liberdade de pensamento, direitos de reunião, de associação, julgamento pelo jury. E se ha alguem n'este paiz,- o governo-que intente fazer parar, e até recuar ,o astro luminoso que já vae em pleno meio dia, eu, apontando-o, tenho o direito, em nome da liberdade, paraphraseando palavras já agora historicas, dizer: o inimigo... o inimigo, está, ali.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

O sr. Moraes Sarmento: - Por parte da primeira commissão de verificação de- poderes, mando para a mesa o parecer da mesma commissão sobre as eleições de accumulação, e peço a v. exa. que consulte, a camara, se dispensado o regimento, entre o referido parecer desde já em discussão.
Leu-se na mesa o parecer.

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo sr. deputado Beirão.
Leu-se na mesa e é a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo não ter poderes sufficientes para alterar o n.° 1 do segundo acto addicional e artigo 145.°, § 3.° da carta constitucional e procedendo como é justo nos termos do artigo 139.° da mesma carta, revoga os decretos n.ºs 1 e 2 de 29 de março ultimo, publicados pelo ministerio do reino, e o n.° 1 da mesma data, publicado pelo ministerio da justiça, relativos ao direito de reunião, á associação, á manifestação do pensamento pela arte scenica e pela imprensa e continua na ordem do dia. = O deputado, Francisco Beirão.
Foi admittida.

O sr. Presidente: - Não ha numero na sala para deliberar e submetter é apreciação da camara o pedido de urgencia feito pelo sr. Moraes Sarmento, por parte da commissão de verificação de poderes.
A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia da tarde.

Por ter saido com algumas inexactidões, novamente se publica o seguinte:

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- Ha muito que o estado da India reclama varias alterações e modificações no serviço judicial. O presidente da relação e o governador geral têem instado por elles. O conselho do governo discutiu e aceitou n'este sentido um projecto que uma commissão de competentes havia formulado.
As juntas de justiça de Moçambique e Macau não têem rasão de ser.
E necessario acabar de vez com as questões constantes, que se levantam no seio da relação, solvendo as duvidas suscitadas acerca da existencia legal de juizes supplentes.

Todos têem conhecimento das decisões contradictorias a que, ainda em tribunaes superiores, em processos de natureza identica, têem dado logar essas duvidas, com gravissimo transtorno do serviço judicial, immenso prejuizo dos litigantes, e grande desprestigio de um dos mais respeítaveis poderes do ésfado.
O districto judicial de Nova Goa-abrange, alem do estado da India, as provincias de Moçambique e Macau. É pois justo que todas estas contribuam para a despeza que se faz com o tribunal da relação.

O movimento judicial das praças do norte não justifica a existencia de uma comarca em Damão.
Os antigos julgados independentes satisfazem ás exigencias do serviço.
A tabeliã dos emolumentos e salarios judiciaes actualmente vigente vexa muito os povos. Reconhecido este facto pelos primeiros funccionarios judiciaes da província, de accordo com elles se formulou ali uma nova tabella,, a qual o governador geral em conselho do governo e com auctorisação do ministro respectivo promulgou em 28 de agosto de 1884, mas não tem tido execução.
Essa tabella está publicada em supplemento ao n.º 190 do Boletim official da provincia, de 1884.

Taes São os fundamentos do seguinte projecto de lei que tenho a honra de submetter á vossa sabia consideração, abstendo-me de justificar, por desnecessario, as suas restantes disposições,

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Artigo 1.º A relação da Nova-Goa comprehende o districto judicial oriental, e tem a organisação constante do decreto de 14 de novembro de 1878.

Art. 2.º São extinctas as juntas de justiça das provincias de Moçambique e de Macau e Timor.

§ 1.º Os juizes de direito das referidas provincias julgarão de facto e do direito em primeira instancia os crimes communs, cujo conhecimento e julgamento pertencia aquellas juntas.

§ 2.º A relação de Nova-Goa compete conhecer ou julgar, por via de recurso, os mesmos crimes.

Art. 3.º É mantido o disposto no regimento da justiça de 1 de dezembro de 1866 em relação aos supplentes criados para supprirem as faltas ou impedimentos dos juizes da relação.

Art. 4.º A despeza com o pessoal da relação e sua secretaria será paga igualmente pelas provincias do estado da India, Moçambique e Macau comprehendidas no districto judicial de Nova-Goa.

Art. 5.º Haverá em cada uma das provincias do estado da India, Moçambique e Macau um supremo conselho de justiça militar para conhecer e julgar, em segunda e ultima instancia, dos crimes commettidos por militares.

Art. 6.º São restabelecidos os antigos julgados independentes de Damão e Diu com a organisação dada pelo regimento de justiça de 1 de dezembro de 1866.

§ único. É extincta a comarca judicial de Damão.

Art. 7.º As comarcas judiciaes de Goa continuam a ter o pessoal actual.

Art. 8.º Os dois substitutos dos juizes de direito serão vitalicios, tendo o primeiro d'elles direito á aposentação.

Art. 9.º Estes substitutos poderão, por delegação do juiz de direito, praticar todos os actos do processo preparatório crime entrando a pronuncia, todos os actos do processo civel, exceptuando a sentença ,final, e exercer a jurisdicção orphanologica até o despacho da forma de partilha exclusivamente.

§ único. Esta delegação deverá ser dada em cada um dos processos, com a expressa declaração dos actos ou termos em que deve ser exercida.

Art. 10.º São restabelecidos em Goa os antigos julgados ordinários com a organisação constante do regimento de justiça de 1 de dezembro de 1866.

§ 1.º As circumscripções, e sedes destes julgados serão determinadas pelo governador geral em conselho do governo, depois de ouvidos os juizes, de direito, as camaras municipaes, o presidente da relação, b procurador da corôa e fazenda, e ajunta geral da provincia. § 2.º. São extinctos os actuaes julgados criados nos termos da carta de lei de 16 de abril de 1874.

Art. 11.º Os juizes ordinarios e os dos julgados independentes têem direito á aposentação, quando tenham servido o tempo necessario exigido na lei para a sua concessão.

Art. 12.º Em cada julgado haverá um escrivão que seja igualmente tabellião de notas, e tres officiaes de diligencias.

Art. 13.º É approvada a tabella de emolumentos e salarios judiciaes no estado da índia, promulgada pelo governador geral em conselho em portaria provincial n.º 454 de 28 de agosto de 1884.

Art. 14.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 19 de maio de 1890.= O deputado por Salsete, Christovam Pinto.

Lido na mesa foi admittido e enviada á commissão do ultramar e ouvida, a de fazenda.

Projecto de lei

Senhores. - Como complemento da idéa consignada no projecto apresentado na sessão de 17 do corrente ácerca do ensino publico no estado da India, tenho a honra de submEtter á vossa sabia consideração o seguinte projecto de lei relativo ao ensino de direito n'aquella provincia.

Este projecto foi muito discutido e acceite no seio de uma grande commissão a que presidiu o governador geral, e da qual fizeram parte alguns juizes da relação de Goa. Na sessão de 8 de junho de 1887 foi tambem votado na junta geral da provincia.

Não necessito fundamentar a necessidade da promulgação d'esta medida, que, demais, tem a vantagem de não affectar os recursos financeiros da provincia.

Artigo 1-.º É livre no estado da India o ensino de direito.

Art. 2.º Este ensino abrange as seguintes disciplinas, que serão lidas em tres annos pela forma seguinte:

1.º Anno:

Princípios geraes de direito publico interno e externo, e instituições de direito constitucioual portuguez;
Historia das instituições romanas;
Direito civil portuguez, primeira parte;
Direito administrativo portuguez e legislação da administração ultramarina.

2.º Anno:

Direito civil portuguez, segunda parte;
Direito commercial, portuguez;.
Direito, ecclesiastico, publico, commum e privativo da igreja lusitana. ,

3. Anno:

Direito penal portuguez;
Processo-civil commercial e criminal.

Art. 3.º Haverá tres exames, que versarão sobre as disciplinas dos referidos annos respectivamente.

§ único. Estes exames poderão ser feitos conjunctamente em uma e mesma epocha ou em epochas successivas.

Art. 4.º Os exames serão annualmente feitos em epochas fixas, na capital da provincia, em mez de janeiro, sendo os dias designados, pelo governador geral em conselho de instrucção publica.

Art. 5.º Haverá um jury de exames, e compor-se-ha de tres membros escolhidos dentre os magistrados judiciaes, ou do ministerio publico, formados na universidade de Coimbra.

Art. 6.º Este jury será annualmente nomeado pelo governador geral em conselho de instrucção publica.

§ único. Cada um dos vogaes do jury vencerá dez rupias por cada dia util, pagas pelo thesouro publico.

Art. 7.º O governador geral em conselho da instrucção publica, determinará osprogrammas do curso, designando e delimitando as matérias que devam reconstituir as provas do exame.

Art. 8.º É requerida para a matricula da admissão para o primeiro exame do curso a habilitação em todas as disciplinas que constituem o curso preparatorio da secção de letras, nos estabelecimentos do ensino secundario.

Art. 9.º A propina ou matricula de cada exame será de doze rupias, que constituirá receita do estado.

Art. 10.º O diploma de habilitação obtido mediante os sobreditos exames, constituo titulo legal para o exercicio da advocacia em todos os tribunaes judiciaes e administrativos do ultramar, sem dependencia de qualquer outra formalidade, e sem limitação do numero; e é requisito essencial para o provimento dos diversos cargos administrativos e judiciaes, que não devam por lei ser providos em bacharéis formados na universidade de Coimbra.

Art. 11.º Ficam salvos os direitos adquiridos pelos actuaes advogados.

Art. 12.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara, 19 de maio de 1890. = O deputado por Salsete = Christovam Pinto.

Lido na mesa, foi addimittido e enviado á comissão do ultramar, ouvida a de fazenda.

O redactor = Rodrigues Cordeiro.

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