SESSÃO N.°22 DE 7 DE FEVEREIRO DE 1896 227
uma avença em virtude da qual as fabricas ficavam muito a salvo. Jurei uma negra vingança. Passou-se o verão, mas jurei que o inverno não entraria som tomar essa vingança. E quando se abriu a camara, em janeiro, apresentei uma proposta de lei para serem tributadas com uma certa severidade as fabricas de manteiga artificial. Isto passava-se no negregado tempo dos accordos. Os meus collegas do ministerio ficaram enthusiasmados com a proposta.
Era o maior beneficio que se podia fazer á agricultura nacional e defendia-se da fraude o consumidor. Todos estavam, portanto, cheios de enthusiasmo fallei com alguns deputados da opposição, que não eram mui to propensos a accordos, assentando todos num accordo geral, em vez de se travar uma discussão mais ou menos acerba. O projecto devia passar sem nenhuma difficuldade. Passou-se tempo e fui avisado por um deputado da opposição regeneradora, que alem de um grande talento tem um caracter extremamente leal, de que a questão estava perdida para mim e tambem para elle, que não podia satisfazer a um tal ou qual compromisso que tinha tomado, porque a opposição opponha difficuldades ao projecto sobre a manteiga artificial, e eu não podia fazel-o vingar. Supponho que alguns collegas meus do ministerio já estavam tambem convertidos á doutrina contraria. Ora, eu sou pertinaz quando me dá para isso. O mesmo deputado regenerador lembrou-me que na outra camara se poderia metter na lei de meios o imposto sobre a manteiga artificial, porque como se estava no fechar da sessão a lei havia de passar por força. Foi o projecto para a commissão de fazenda d'aquella casa do parlamento, e no seio da commissão pedi, innocentemente, que num artigo relativo ao alcool se mettesse o imposto sobre a manteiga artificial. O projecto veiu da commissão para a camara, e ahi o sr. visconde de Moreira de Rey, - cuja recordação a todos causa saudade, pelo excellente companheiro que foi n'esta e na outra camara, pelo seu grande talento e bondoso caracter - ía-me matando o projecto com este argumento:
"Isto é contra todos os preceitos da arte de legislar! Querer introduzir no mesmo projecto, no mesmo artigo, o alcool e a manteiga artificial, é uma especie da torre de Babel! Não podem introduzir-se no mesmo projecto e no mesmo artigo materias que não tenham entre si intima ligação. O ministro da fazenda e a commissão metteram a manteiga artificial no artigo do alcool. Que relação intima, proxima ou remota ha entre manteiga e alcool?"
Eu fiquei embaraçado com o argumento. Pedi, como pude, recurso á imaginação - que eu tinha então mais fertil do que hoje, - e lembrou-me dizer com grande entono:
"O digno par sr. visconde de Moreira de Rey teria muita rasão se tivesse tantos conhecimentos chimicos como de direito, mas esqueceu-se que as substancias gordas são monoatomicas e o alcool é polyatomico."
O sr. visconde de Moreira de Rey ficou tão embaraçado como eu... se tentasse apresentar uma allegação juridica. O caso é que o imposto sobre a manteiga passou e ainda hoje se paga.
Aqui está como às vezes é preciso haver uma certa latitude e não exigir uma ligação demasiadamente intima, mesmo porque ha cousas que na apparencia, parecendo intimas não o são, e outras sendo-o não o parecem.
Para nos livrar-mos, portanto, de embaraços de ligação, supponho melhor eliminar o artigo.
O sr. Teixeira de Sousa: - Proponho a eliminação do artigo 124.°
Foi votada a eliminação.
Foram em seguida approvados sem discussão os artigos 125.°, 126° e 127.°
Leu-se o
Artigo 128.° Na discussão da materia dada para ordem do dia, o deputado que não estiver presente quando lhe couber a palavra, segundo a ordem da inscripção, será logo inscripto de novo pelo presidente em ultimo logar.
O sr. Arroyo: - Lembro ao sr. relator a conveniencia de eliminar as palavras "da materia". Com o viso da palavra "materia" póde dar-se um qui pro quo na interpretação do artigo a respeito da discussão dada para ordem do dia, de forma a comprehender tanto a inscripção da materia como na ordem.
O sr.. Teixeira de Sousa: - Concordo com a eliminação das palavras "da materia".
Votou-se o artigo com a eliminação.
Leu-se o
Artigo 129.° Sobre cada projecto de lei versará uma só discussão, que recairá seguida e separadamente sobre cada um dos seus artigos. Os titulos, paragraphos ou numeros não são considerados artigos para os effeitos da discussão e votação em separado.
O sr. Marianno de Carvalho: - Não me opponho absolutamente a que n'um grandissimo numero de casos se supprima a discussão na generalidade.
Ha nas camaras estrangeiras a este respeito variados exemplos. Evidentemente faz-se uma ou outra cousa, conforme os casos. Entretanto prohibir a discussão na generalidade, isto é, a forma de apreciar o conjuncto da lei, póde ter grandes inconvenientes.
O artigo 129.° estabelece uma só discussão. Passa-se ao artigo 130.° e vê-se:
Ora, quantas vezes eu rejeito o artigo 1.° de um projecto de lei sem rejeitar os outros artigos; e quantas vezes tem acontecido na camara, que eu tenha memoria, ser approvada a generalidade, menos o artigo 1.°, por um motivo qualquer que ninguem póde prever?
Parece-me, portanto, excessiva a suppressão da discussão na generalidade, estabelecendo ao mesmo tempo que, rejeitado o artigo 1.° de um projecto, fica rejeitado tudo o mais.
O sr. Presidente: - Eu lembro ao sr. deputado que a doutrina do artigo 130.° ainda não está em discussão.
O Orador: - Eu sei que não está em discussão, mas eu preciso interpretar o artigo 129.° pelo artigo 130.° O artigo 129.° estabelece uma só discussão; o artigo 130.°, sua consequencia e cuja apreciação influe no antecedente, determina que, rejeitado o artigo 1.° de um projecto, tudo o mais se considera rejeitado.
Parece-me isto inconvenientissimo; e eu pediria ao sr. Franco Castello Branco, que intervem n'este assumpto como deputado e não como ministro, eu pediria a s. exa., que tem uma larga pratica parlamentar, que me respondesse se isto realmente não póde trazer comsigo graves inconvenientes.
Reduzir as discussões a uma só e estabelecer que só no artigo 1.° se possam apresentar questões políticas; determinando-se alem d'isso que, rejeitado o artigo 1.°, tudo se considera rejeitado, é estabelecer uma grande confusão no debate: 1.°, porque não posso discutir na generalidade; 2.°, porque se quizer discutir a generalidade hei de discutir conjunctamente o artigo 1.°; e, finalmente, ver-me-hei obrigado a, se quizer o adiamento do artigo 2.º, a rejeitar o artigo 1.°, pois só assim farei desapparecer es outros artigos com que não concordar!
Creio que o pensamento da commissão foi afastar tudo que seja obstruccionismo; e eu estou de accordo com esse pensamento. Mas é necessario tambem guardar á discussão verdadeiros limites.
Referir-me-hei ainda á rejeição do artigo 1.° e á impossibilidade de interpor o adiamento senão a proposito do artigo 1.°; e direi que me parecia possivel dar á camara o direito de, com um simples requerimento por um certo