SESSÃO N.° 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 369
consignava um pedido de auctorisação a fim do governo poder hypothecar ao pagamento da juros doo credores externos o rendimento do estado, que julgasse mais conveniente.
A unica differença que havia n'esta lei em relação ao projecto actual, é que ahi a auctorisação era ampla, para quaesquer rendimentos, emquanto que aqui é restricta aos das alfandegas; mas essa circumstancia é insignificante e completamente indifferente para a presente discussão. Porque uma de duas: ou o governo d'então, armado d'essa auctorisação, queria dar uma garantia seria, uma garantia que reputasse valiosa, e n'esse caso tanto fazia que fosse o rendimento das alfandegas como qualquer outro rendimento do estado; ou escondia n'essa auctorisação vaga e ampla, uma burla, o que se não póde acreditar, e isso representaria um acto menos digno da nossa nacionalidade! Ora, o sr. Dias Ferreira, presidia a um ministerio composto de caracteres honrados e cavalheirosos. S. exa. é tambem um estadista de reconhecida correcção e seriedade; e não póde, portanto, suppor-se, que sob essa auctorisação, ampla e indefinida, se quizesse encobrir uma burla aos credores!
Essa lei de 26 de fevereiro de 1892 corresponde, pois, nos seus effeitos, exactamente á auctorisação que se consigna no artigo 2.° d'este projecto.
Veiu depois o decreto de 13 de junho de 1892, e esse, ao contrario do que disse o meu amigo o sr. Avellar Machado, com approvação d'aquelle lado da camara, diz no artigo 6.º:
"Ficam em vigor todos as garantias, estabelecidas na legislação actual, para assegurar o pagamento dos encargos da divida publica tanto externa como interna."
D'onde se vê que este artigo renovou exactamente os garantias e auctorisações que estavam consignadas na lei anterior do sr. Dias Ferreira.
E veiu tambem depois a lei de 20 de maio de 1893, que diz no artigo 1.° o seguinte:
"São confirmadas e declaradas definitiva" as disposições do decreto de 13 do junho de 1792, salvas as modificações, constantes dos paragraphos seguintes."
Em nenhuma d'essas modificações se encontra uma unica disposição que invalide o preceito da legislação anterior.
Se v. exas. querem ver, aqui está a legislação, que eu não leio porque não quero fatigar a camara, e verão de ahi que, ao contrario de haver qualquer modificação ao preceito d'aquelle artigo 1.°, ha ainda no § 6.º uma referencia que justifica a minha doutrina.
Fica, portanto, assente que pela lei de 20 de maio de 1883, cuja responsabilidade é do partido regenerador, partido que eu respeito pelas suas tradições, pela sua actividade e bons desejos de cooperar na salvação da patria, fica assente digo, que este partido pediu por essa lei uma auctorisação exactamente igual á que está no projecto.
Quem collaborou mais de perto na confecção d'esta lei? Todos os deputados e ministros da situação regeneradora, e nenhum d'elles renegara a responsabilidade d'esse acto, como nós não renegamos a responsabilidade que estamos agora tomando. Na commissão, porém, que elaborou esse parecer, figuram os illustres membros d'essa camara e da actual, os srs. João Franco, Jacinto Candido, Teixeira de Vasconcellos, Avellar Machado, Oliveira Guimarães e Dantas Baracho.
Ora, tendo o sr. Avellar Machado figurado n'essa commissão e acceitado, no projecto que precedeu a mesma lei de 1893, expressamente a garantia que nós consignâmos no artigo 2.° d'este projecto, tinha a sua responsabilidade
directa compromettida n'esta discussão. (Apoiados.}
E por isso repito, como já disse, que, á primeira vista,
parecia andar s. exa. divagando com um pensamento irreflectido por cima da questão: mas que na realidade andou com muita habilidade e intelligencia, porque tendo da fallar, para fazer as honras do partido a que pertence, precisava de fugir á responsabilidade a que estava preso, divagando sobre cousas insignificantes que, nada prendiam com a coherencia do seu procedimento anterior.
Sobre este ponto tenho respondido a s. exa
Ha outro ponto em que s. exa tocou, que tambem desejo rebater, é o que se refere ao deposito do rendimento das alfandegas no banco de Portugal. E desejo responder tanto mais que vejo correr no publico uma noção completamente errada e perigosa a respeito d'esta disposição, que, a final, nada tem de affrontosa e vexatoria para nossa nacionalidade. Vou demonstrar isto em poucas palavras.
Já tive occasião do dizer á camara que o banco de Portugal tem empregados mais habilitados, mais espalhados e mais competentes que os do estado, para fazerem o pagamento e o serviço das suas operações. Bastava só essa circumstancia, para que nós preferissimos esse, empregados do banco aos do estado, que não têem a mesma escola, a mesma aprendizagem e a mesma competencia, e cujo serviço não póde aproveitar-se com tanta economia do thesouro; desde o montante em que não resulte d'esta preferencia nenhum inconveniente para o estado.
E haverá effetivamente alguns inconvenientes? Disse o sr. Avellar Machado que havia dois. O primeiro é que as caixas filiaes que o banco estabelecer no estrangeiro, podem ter administradoras estrangeiros, e que estes administradores podem ingerir-se na administração do proprio banco na metropole; de onde resulta a fiscalisação externa sobre os interesses do paiz.
Ora o estabelecimento d'essas caixas filiaes e a nomeação d'esses administradores, pela propria lei ou regulamento que o sr. Avellar Machado leu, só podem ter logar de accordo com o governo. Por consequencia, n'esse accordo, está o correctivo da acção central sobre quasquer desmandos ou a prevenção de quaesquer perigos. (Apoiados.}
O segundo inconveniente que s. exa. encontrou é que a essas agencias ou caixas filiaes no estrangeiro se pode abrir fallencia; e foi esto tambem um argumento apresentado pelo meu querido amigo o sr. Luciano Monteiro.
Ora este argumento póde ser verdadeiro até certo ponto; mas ha ha aqui uma confusão, que eu vou desfazer.
Na legislação francesa, pela propria reforma de fallencias de 1838, artigo 488.°, é, pelo menos, duvidoso que, nos circumstancias do que se trata podesse abrir-se fallencia á caixa filial do uma sociedade anonyma estrangeira; pela legislação allemã, hollandeza, e creio que ingleza, póde, segundo supponho, ser-lhe aberta a fallencia, como succede pela nossa legislação. Mas, se se abrisse fallencia a essas succursaes, ou caixas filiaes do banco, arrollando-se, haveres que n'ellas existissem, desde que o governo tivesse fornecido o devidamente o dinheiro para pagar aos credores, como deve fornecer pela consignação dos rendimentos das alfandegas, elle não perdia nada com isso, e só o banco perderia os haveres que tivesse n'essas caixas filiaes, (Apoiados) por culpa sua, por não ter dado áquelle dinheiro o destino devido.
E então, só o estado fosse egoísta, como s. exa. o classificou, poderia optar por esta clausula, porque mais valia abrir-se fallencia a caixa filial do banco do que declarar-se a bancarota do estado.
O estado, que é soberano, não está certamente sujeito á alçada dos tribunaes communs estrangeiros; mas, se elle deixasse de pagar, ficava-lhe aberta moralmente a bancarota. E, se ao governo compete proteger o defender os interesses do banco de Portugal, comtudo, para mostrar que procede da melhor fé, e quer restabelecer o nosso credito abalado, deve tambem dar aos credores todas as garantias de que os nossos compromissos hão do ser fielmente respeitados.
Creio ter respondido ao sr. Avellar Machado; e não me allongo mais, porque, na minha posição de relator, não devo