370 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
protelar o debate, nem prejudicar a palavra dos oradores que estão inscriptos.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Cabral Moncada: - Tenciono não fatigar a attenção da camara, se ella alguma me dispensar, e eu alguma lhe merecer.
Começarei respondendo a algumas das considerações feitas pelo sr. relator, relativamente ao artigo em discussão. Não me foi possivel tomar apontamentos de todas, e muitas a memoria me não reteve. As mais salientes, porém, tenho-as aqui indicadas, e essas, asseguro a v. exa. e á camara, que não passarão sem o meu reparo.
S. exa. mais uma vez usou de um processo já conhecido á força de usado: o de trazer como argumento para justificar, o que actualmente se pretende, alguns dos factos analogos que se praticaram no nosso passado. Devo dizer com absoluta sinceridade e franqueza qual é o meu pensar a tal respeito.
Desde o momento em que a situação afflictiva e angustiosa em que nos encontramos, é consequencia ligitimamente derivada d'esse passado, penso que aqui só poderão com boa rasão invocal-o aquelles que, deplorando-o, queiram argumentar pela necessidade de uma vida politica e administrativa inteiramente nova (Apoiados); aquelles que pretendam evitar na actualidade e no futuro a pratica de factos similhantes aos que nos crearam a situação presente.
A lição que nos vem do passado impõe-nos a renuncia aos emprestimos e outras operações ruinosas que o constituiram.
Attentado é pois contra o bom senso, e, peior ainda, contra a patria, vir aqui invocal-o para, como precedente, abonar o projecto em discussão, tão ruinoso na sua economia como contradictorio dos bons e sãos principios de moralidade administrativa que a crise actual tão instantemente impõe (Apoiados). O passado, forçoso é renuncial-o; criminoso seguil-o (Apoiados.)
Como v. exa. vê por estas brevissimas palavras, o meu ponto de vista n'esta questão não é nada partidario. Eu não quero saber o que se fez hontem; penso apenas no que se discute agora, o no que se fará no futuro para remediar uma situação tão difficil, tão afflictiva, tão apertada, tão dolorosa para todos nós como é a presente. (Apoiados.)
Acompanhando o illustre relator nas suas considerações, começarei por me referir á parte do artigo em discussão, que respeita á entrega em deposito das receitas aduaneiras ao banco de Portugal.
Disse s. exa. que não considerava absolutamente nada perigosa a transferencia, transferencia não digo bem, a entrega dos rendimentos consignados a favor da divida externa ao banco de Portugal, por isso que, embora elle viesse a ter agencias em França, a lei francesa não dava competencia aos seus tribunaes para julgarem fallidas as agencias de sociedades estrangeiras; se d'esse a fallencia das agencias não importava a do banco; e finalmente, que ainda no caso d'este fallir, o thesouro publico não seria affectado.
Ouvi com sentidissima mágua estas palavras proferidas por um illustre jurisconsulto, que allia uma tão larga como comprovada competencia a uma não menos larga e intensa pratica de negocios forenses; porquanto, sr. presidente, a verdade é que, embora o artigo 438.° da lei commercial franceza, por s. exa. citado, não dê expressa a competencia aos tribunaes francezes para julgarem fallidas as agencias de sociedades estrangeiras, esta competencia está no espirito da lei, e assente pela unanimidade dos julgados nos tribunaes da França, como s. exa. verá em qualquer commentador, e nomeadamente em Vavasseur quando commenta o artigo a que acabo de me referir.
Entregues, pois, ao banco do Portugal as receitas aduaneiras, consignadas em hypotheca ao serviço da divida publica nos mercados externos, o estabelecida na França e nas praças de Berlim, Londres, etc., as agencias cuja necessidade derivará d'este proprio ramo do serviço, e cujo estabelecimento apenas depende de simples decreto do governo, em conformidade com o § unido do artigo 1.° do decreto de 31 de dezembro de 1891, ao primeiro motivo ou pretexto a fallencia d'ellas será decretada, na França por effeito do espirito da lei e jurisprudencia assente, e nos outros paizes como consequencia da letra da propria lei, a este respeito clara como o nosso proprio codigo commercial; e as consequencias que de ahi advirão para o banco, verdadeiro thesoureiro do estado, estão tanto na intuição de todos e na consciencia profissional de muitos, que facil é de calcular o damno que de ahi advirá á nossa já tão deploravel e apertada situação.
"Que a fallencia do banco era um caso indifferente para o thesouro"! Ouvi isto o custa-me a crer que se dissesse. Para o thesouro, e mais ainda do que; para elle, para a dignidade e autonomia da nossa patria querida, tal acontecimento seria simultaneamente um damno irreparavel e um desaire sem nome.
Os debitos do thesouro ao banco e todas sabemos quanto elles são valiosos, só em divida fluctuante ascendem, penso eu, a 24:000 contos, e tornar-se-íam desde logo exigiveis.
Por outro lado os syndicos que tomassem conta da massa fallida das agencias, estrangeiros por certo, credores ou seus representantes, ficariam directamente com a consignação dos rendimentos das nossas alfandegas, o que seria o mesmo que proclamar desde logo a administração estrangeira. (Apoiados.)
Se mais não houvesse, isto, sr. presidente, bastaria para que com toda a energia da minha alma, d'este parlamento e em toda a parte, protestasse vivamente contra similhante projecto, ruinoso e deprimente como outro ainda não vi. (Apoiados.)
Mais uma vez o illustre relator d'este projecto, a quem me é grato tributar n'este parlamento o preito da minha homenagem pelo seu talento e pelo seu caracter (Apoiados) se deixou cegar pela sua incondicional obediencia aos principios de disciplina partidaria, vindo produzir, em defeza do governo e do projecto em discussão, argumentos com os quaes a sua esclarecida consciencia profissional não póde estar de accordo.
Já que estou fallando do banco de Portugal deixe-me v. exa. dizer o seguinte: é que, como muito bem o disse á pouco o meu esclarecido collega e antigo parlamentar, o sr. Avellar Machado, este deposito das receitas consignadas no banco é um facto em si bastante extraordinario, mas mais extraordinario ainda o torna o facto de no relatorio do projecto não se dizer nem uma só palavra justificativa d'esse medida, o que a final é de larga significação.
Não se comprehende, sr. presidente, que uma medida d'esta importancia se estabeleça n'um projecto d'esta ordem, sem que a commissão tenha para, com a camara a attenção de lhe explicar no relatorio as ponderosas rasões por que assim fez, e porque, procedendo; assim, renunciou á que estava consignado na lei e na pratica anteriores. Alguma rasão inconfessavel por certo lhe assistiu. O capricho não basta.
Não ha queixas contra a junta que, segundo é publico e notorio, e consta mesmo de varios diplomas, tem sempre procedido por fórma a excluir qualquer receio de que ella deixe um dia de cumprir pontualmente os seus deveres, ou de offerecer aos portadores da divida toda a solida garantia que a sua respeitabilidade lhe tem assegurado.
sabido que o zêlo e o escrupulo que, ella tem sempre observado no desempenho do seu serviço lhe tem chegado mesmo por vezes a crear attritos, que, pela sua natureza, inutil de referir por sabida, constituem o seu mais eloquente elogio.
Qual é pois a rasão por que se lhe tem as suas attribuições, transferindo-as para o banco de Portugal, e isto sem uma palavra que justifique este acto, que constitue