O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 361

N.° 22

SESSÃO DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Manuel Telles de Vasconcellos
Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral

SUMMARIO

Lida a acta, pondera o sr. Dantas Baracho que ella não parece estar em harmonia com o que se passou, no que respeita a votação e approvação do artigo 1.º do projecto de lei n.º 5. Explicação do sr. presidente. Approva-se a acta. - Communicação do sr. presidente. - Expediente. - Apresenta um projecto de lei o requerimentos o sr. Francisco Machado - Tambem apresentam requerimentos, pedindo esclarecimentos, os srs. Montenegro e Avellar Machado. - Considerações do sr. Ferreira da Fonseca em referencia ao actual processo de arrecadação das receitas municipaes para o fundo de Instrucção publica. Resposta do sr. ministro da justiça. - O sr. Eusebio Nunes dirige uma pergunta ao sr. presidente. Resposta. - Manda para a mesa uma representação e um projecto da lei o sr. Antonio Cabral. - Observações do sr. Oliveira Matos em referencia a umas declarações feitas na discussão do projecto da conversão. Declaração do sr. ministro da fazenda sobre o assumpto.- Pergunta do sr. Moncada, a que responde o sr. ministro das obras publicas.

Na ontem do dia continua em discussão o artigo 8.º do projecto de lei n.º 6 (concordata com os credores externos), usando em primeiro logar da palavra o sr. Avellar Machado, que apresenta uma moção. Responde-lhe o sr. relator, Adriano Anthero. - O sr. presidente da conhecimento á camara de dois officios do ministerio das obras publicos, recebidos n'esse momento. - Combate detidamente o artigo em discussão o sr. Maneada. - A requerimento do sr. Luciano Monteiro verifica-se, pela chamada, não haver numero para poder continuar a sessão, que é em seguida levantada.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada, 45 srs. deputados. São os seguintes: - Abel da Silva, Adriano Anthero de Sousa Finto, Alexandra Ferreiro Cabral Paes do Amaral, Alvaro de Castellões, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Arnaldo Novaes Guedes Rebello, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto José da Cunha, Bernardo Homem Machado, Conde da Serra de Toureia, Conde de Silves, Eduardo João Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco de Almeida e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Machado, Francisco Pestanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral do Oliveira Moncada, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, João Abel da Silva Fonseca, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira da Vasooncellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Ornellas de Matos, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Casta Fortuna Rosado, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Capello Franco Frazão, José da Cruz Caldeira, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Frederico Laranjo, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Matos, José Mathias Nunes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Manuel Pinto de Almeida, Manuel Telles de Vosconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde de Melicio.

Entraram durante a sessão os srs.: - Antonio Eduardo Carlos Augusto Ferreira, Conde de Burnay, Elvino José de Sousa e Brito, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Frederico Ressano Garcia, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, Joaquim José Pimenta Tello, José Adolpho de Mello e Sousa, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Pereira de Lima, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro e Sertorio do Monte Pereira.

Não compareceram á sessão os srs..: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alfredo Cesar de Oliveira, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto Cesar Claro da Ricca, Carlos José de Oliveira, Conde do Alto Mearim, Conde de Idanha a Nova, Conde de Paçô Vieira, Francisco Barbosa de Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Manuel de Almeida, Francisco Silveira Vianna, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jacinto Candido da Silva, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Antonio de Sepulveda, João Baptista Ribeiro Coelho, João Catanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João Lobo de Santiago Gouveia, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues da Santos, Joaquim Paes de Abranches, José de Abreu de Couto Amorim Novaes, José Augusto Correia de Barros, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Bento Ferreira de Almeida, João Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, Jose Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Luiz Ferreira Freire, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Libanio Antonio Fialho Gomas, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira. Manuel Antonio Moreira Junior, Marianno Cyrillo de Carvalho e Visconde da Ribeira Brava.

Leu-se a acta.

O sr. Dantas Baracho (sobre a acta):- Como v. exas. devem estar lembrados, na ultima sessão declarou-se que tinha sido submettido á votação da camara e approvodo o artigo 1.° do projecto de lei n.° 5; mas a este respeito levantaram-se duvidas, havendo quem dissesse que o artigo não fôra votado. Na acta, porém, está perfeitamente consignado o facto de ter sido esse artigo submettido á votação e approvado.

Ora, a acta é documento que faz fé. Ainda quando para isso não houvesse outro motivo, bastava, no caso presente,

Página 362

362 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

o facto de v. exa. presidir aos trabalhos d'esta casa do parlamento, e merecer, como não póde deixar de merecer, toda a nossa consideração. (Muitos apoiados.)

No entretanto, eu não podia deixar de chamar a attenção de v. exa. e da camara sobre este ponto, por me parecer que houve as duvidas a que me referi.

O sr. Presidente: - Em resposta ao sr. deputado Baracho, devo dizer que efectivamente foi posto á votação da camara e approvado o artigo 1.° do projecto do lei n.° 5; mas como havia na camara algum susurro, em virtude de um incidente que se levantou, por a mesa não pôr á votação a proposta de substituição, assim classificada, que fôra apresentada pelo sr. conde de Burnay, aconteceu que alguns srs. deputados julgaram que o artigo 1.° do projecto que se discutia, não tinha sido submetido á votação, e approvado; e um d'elles veiu á mesa e teve a lealdade de me dizer, que não tinha ouvido a minha declaração de que estava votado o artigo 1.°

Respondi immediatamente a esse sr. deputado com a verdade da factos, declarando-lhe que tinha sido votado o artigo 1.º sem prejuizo de quaesquer propostas ou emendas, as quaes seriam enviadas á commissão respectiva, conforme a camara tinha deliberado. E fui tão cauteloso n'este assumpto, que desde o momento que me communicaram que alguns srs. deputados não sabiam que se tinha votado e approvado o artigo 1.°, declarei, como a camara se deve lembrar, que estava em discussão o artigo 2.º Não houve reclamações. (Apoiados.)

Estando a hora muito adiantada, declarei que ficava para a sessão immediata a discussão do artigo 2.°, e ainda porque tinha de dar a palavra a alguns srs. deputados antes de se encerrar o debate.

Pelo que acabo de narrar, que é a verdade dos factos, vê-se que foi efectivamente submettido á votação da camara e approvado o artigo 1.° do projecto que se discute, como a acta hoje diz com inteira exactidão.

Dadas estas explicações, agradeço a s. exa. as palavras do benevolencia que dirigiu á mesa.

Approvou-se a acta.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio do reino, remettendo os documentos pedidos pelo sr. deputado Ribeiro Coelho, em sessão de 31 de janeiro ultimo.

Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Pereira de Lima, o processo original da syndicancia feita á irmandade das almas do concelho do Loures.

Para a secretaria.

Do ministerio da fazenda, satisfazendo no requerimento, feito pelo sr. deputado Marianno de Carvalho, em sessão de 11 de janeiro ultimo.

Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, satisfazendo ao requerimento feito pelo sr. deputado Teixeira de Sousa, em sessão de 14 de janeiro ultimo.

Para a secretaria.

Do ministerio da marinha, acompanhando um exemplar do supplemento ao n.° 50 do Boletim official da provincia de Moçambique, e outro exemplar do n.º 51 do mesmo Boletim, em que vem rectificadas as providencias tomadas pelo commissario regio, regulamentando a permutação de fundos por meio de vales do correio; e determinando que o guarda mór de saude de Lourenço Marques fique subordinado ao capitão do porto respectivo.

Para a secretaria.

Do sr. deputado Joaquim Paes de Abranches, participando que não póde comparecer na camara hoje, nem em alguns dos dias seguintes, por motivo de doença.

Para a secretaria.

Do Br. deputado Dias Ferreira, solicitando auctorisação da camara para partir sem demora para Paris em consequencia de doença gravissima de sua filha.

O sr. Presidente: - Parece-me que interpreto os sentimentos da camara, concedendo a auctorisacão pedida pelo sr. Dias Ferreira no officio que, acaba de ser lido. (Apoiados geraes.)

Tambem a camara fica inteirada pela communicação que agora foi lida, do que o sr. deputado secretario Paes Abranches, por motivo de saude não póde comparecer á sessão de hontem, e que pela mesma rasão não poderá comparecer a mais algumas.

O sr. Francisco José Machado: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte projecto de lei, que tem por fim crear um logar de tabellião de notas na villa da Mealhada;

"Senhores. - Na villa da Mealhada, séde do concelho do mesmo nome, havia, desde ha muitos annos, tabelliães de notas, porque, sendo a dita villa séde de um julgado, os escrivães d'este accumulavam com as suas funcções as de tabellião.

"Extincto, porém, o julgado e tendo fallecido ha mezes o ultimo escrivão d'elle, que, depois da referida extracção, ficára exercendo unicamente o tabellionato, ficou o conceito da Mealhada sem tabellião.

"A villa da Mealhada, senhores, é o centro de uma região viticola importante, e como a propriedade está muito dividida fazem-se muitos contratos de transmissão d'ella, sendo por isso necessario recorrer muitas vezes ao tabellião para fazer as respectivas escripturas, o que actualmente se torna difficil, por terem de ír a Anadia, séde da comarca, que dista 7 kilometros da Mealhada e 15 de algumas freguezias do concelho. São obvios os inconvenientes para os povos da difficuldade em poderem fazer as escripturas dos seus contratos e sobretudo em poderem fazer testamentos, por não permittirem estes, quando a doença do testador é grave, demora na chegada do tabellião, e por isso tenho a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

"Artigo 1.° É creado no concelho dar Mealhada, com séde na villa d'este nome, um officio de tabellião de notas.

"Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

"Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 25 de fevereiro de 1898. = O deputado, F. J. Machado.

r. presidente, a villa da Mealhada dista 7 kilometros da séde do concelho, e tem outras povoações de muito maiores distancias, algumas a 15 kilometros.

Comprehende v. exa. os transtornos que podem resultar para os povos d'aquella localidade da falta de um tabellião que legalise os seus contratos.

A propriedade está ali muito dividida; ha por isso numerosos e frequentes contratos e testamentos, e é facil de ver que aquella falta póde occasionar enormes prejuizos. Parece-me que a existencia de um tabellião n'aquella localidade se impõe de tal modo, que não deixará de merecer a approvação da camara o projecto, que apresento.

Mando tambem para a mesa um projecta de lei que tem

Página 363

SESSÃO N.º 22 DE 25 FEVEREIRO DE 1898 363

por fim pedir á camara para que seja contado como tempo de serviço ao capellão de cavallaria n.º 10, Antonio Joaquim Baptista Cordote, o tempo que serviu como parocho collado em duas freguesias, pelo espaço de vinte e annos, uma no bispado
outra no de Beja.

E este um caso resultante da bella lei dos limites de idade,

Este parocho está proximo a fazer setenta annos de idade, e apesar de ter treze annos de serviço militar e vinte e seis de serviço parochial não póde gosar das vantagens da primeira reforma, que é dos quinze annos e é posto fóra pelo limite de idade!

Serviu o estado vinte e seis annos como parocho collado, serviu ainda mais treze annos no exercito, mas, não tendo tempo para a primeira reforma, é, como digo, mandado embora sem meios alguns para poder viver.

Pergunto a v. exa. como se na de remediar um caso destes? Bem porventura justo deixar morrer de fome um funccionario do estado, só porque se arranjou uma lei tendo unicamente por fim arranjar vagas, e onerar o thesouro?

É evidente que, quando este individuo se dedicou ao serviço militar, não havia o tal decantado limite do idade, e de certo, pelo se o houvesse, elle não se teria dedicad a esta carreira e continuaria a parochiar a sua freguezia, onde d'aqui a pouco íria gosar em descanso a sua velhice com uma aposentação vantajosa.

Se este parocho tivesse vindo para a vida militar logo no começo da sua carreira, teria perto de quarenta annos de serviço e setenta de idade, e tinha portanto direito a uma reforma compensadora. N'este caso seria hoje capellã de 1.ª classe e reformar-se-ia com 54$000 réis mensaes.

Pois, em virtude da lei actual - a dos limites de idade - tem de ser mandado embora sem 5 réis!

E note v. exa. que este padre está ainda bastante apto para desempenhar o serviço. Mandam-no embora porque attingiu o limite de idade!

E do que póde elle viver? Deixo a resposta á consciencia da meus collegas.

Se um caso desta ordem se não impõe a attenção da camara, então nenhum outro ha que se imponha.

Mando para a mesa o projecto de lei, acompanhado com os documentos comprovativos da exposição que fiz á camara.

Senhores. - O capellão do exercito Antonio Joaquim Baptista Cardote vão attingir brevemente o limite de idade. Tem sessenta e nove annos, trinta e oito dos quaes tem sido zelosa e dedicadamente consagrados ao serviço da religião e do estado, já como parocho das freguesias do Troviscal desde 10 de junho de 1860 até julho do 1871, e de Aljustral desde essa data até 8 de julho de 1886, já como capellão militar desde então até agora.

"Como parocho tinha garantido por lei o seu direito de aposentação. Reformado, porém, como capellão militar ficará reduzido á miseria, se lhe não for levado em conta, para essa reforma, o largo tempo que consagrou ao arduo e benemerito serviço parochial.

"Não é justo proceder assim para com um tão digno funccionario.

"Por isso tenho a honra de submetter á vossa illustrada apreciação o seguinte projecto de lei:

"Artigo 1.° Ao capellão do exercito Antonio Joaquim Baptista Cardote é levado em conta, paiz a sua reforma, o tempo que serviu as funcções parochiaes.

"Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

"Sala das sessões, 25 de fevereiro de 1898. = F. J. Machado.

Já que estou com a palavra mando ainda para a mesa os seguintes requerimentos:

"Tendo sido nomeado pelo illustre ministro da guerra uma commissão composta de distinctos officiaes do exercito, a fim de estudar as bases para uma nova lei de promoções que regule o accesso dos officiaes das differentes armas e do corpo do estado maior, e constando-me que a essa commissão foi apresentado pelo distincto coronel de artilheria, Paulino Correia, um importante trabalho para servir de base a esse estudo, trabalho que se acha já impresso e distribuido pelos referidos officiaes: requeiro que
pelo ministerio da guerra seja enviado a esta camara exemplares d'esse trabalho para serem distribuidos pelos srs. deputados, a fim de que possam ter d'elle conhecimento, pois se consta conter materia de meditada ponderação. = O deputado, F. J. Machado.

"Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me seja enviada copia do occordão do supremo tribunal administrativo, que deu provimento ao recurso interposto pelos officiaes do exercito ao serviço do ministerio das obras publicas, contra a applicação que lhes foi feita da carta de lei de 13 de maio de 1896 o que se refere aos limites de dado.

"Requeiro igualmente copia do parecer da repartição competente do ministerio da guerra que serviu de base ao d'espacho ministerial, que reformou pelo limite de idade, os officiaes acima mencionados. = O deputado, F. J. Machado."

Peço a v. exa. a fineza de lhes mandar que os requerimentos tenham destino conveniente.

Tenho dito.

Os projectos de lei ficaram para segunda leitura.

Os requerimentos mandaram-se expedir.

O sr. Montenegro: - Pedi a palavra para mandar fóra a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que sejam envíados a esta camara, com a maior urgencia, copias da sentença proferida pelo supremo tribunal administrativo a proposito dos recursos interpostos por alguns officiaes do exercito em serviço estranho ao ministerio da guerra, contra a applicação da lei de 13 de maio de 1896, e bem assim dos informações dos ministerios das obras publicas e da guerra, que segundo o disposto no artigo 4.º da lei de 23 de abril de 1883, deviam acompanhar os mesmos recursos. = Arthur Montenegro.

Mandou-se expedir.

O sr. Avellar Machado: - Mando para a mesa os seguintes requerimentos:

"Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara os seguintes documentos, originaes ou copia:

"1.º Processo do concurso documental aberto para o provimento do logar de terceiro astronomo de 1.º classe do real observatorio astronomico de Lisboa, vago pela exoneração concedida ao dr. Gomes Teixeira.

"2.° Processo da nomeação de fiel da Fonseca Viterbo para o logar de astronomo de 2.º classe do mesmo observatorio.

"3.° Nota detalhada das despesas feitos com a acquisição e installação do graudo equatorial da torre central do referido observatorio.

"4.° Nota das observações feitas com o mesmo equatorial, sendo a sua installação até ao 1.° de setembro de 1897.

"5.° Nota detalhada das despesas feitas com a acquisição e metallação do primeiro nestical do mencionado observatorio.

"6.° Nota detalhada das despezas feitas com a construcção de um gazometro annexo ao dito observatorio e para serviço d'este. = Avellar Machado."

"Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados

Página 364

364 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

a esta camara os seguintes documentos originaes ou copias:

"1.° Requerimento do bacharel Alberto Nunes Ricca, pedindo permissão para se matricular no 5.º anno da faculdade de theologia da universidade de Coimbra, sem apresentar certidão de approvação no exame da lingua hebraica, com as informações prestadas ácerca d'esta pretensão, despachos e portarias que com ellas se relacionarem.

"2.° Requerimento de Alfredo Finto da Cruz da Rocha Peixoto para poder frequentar no lyceu do Coimbra as disciplinas de latim e para a frequencia da lingua latina dos 5.º e 6.° annos do curso complementar de letras no corrente anno lectivo. Informações e despachos relativos a esta pretensão. = Avellar Machado."

Peço a v. exa. se digne instar para que sejam satisfeitos com a maior brevidade possivel estes requerimentos.

Mandaram-se expedir.

O sr. Dantas Baracho: - Declaro a v. exa. que deitei na caixa de petições requerimentos de tres capitães do exercito, os srs. Gouveia, Lopes da Cunha e Pereira de Magalhães, os quaes pedem lhes seja contados tempo de serviço que fizeram como majores do brigada.

Espero que as petições vão á commissão respectiva, para serem consideradas devidamente, dispensando-me por agora de fazer quaesquer considerações referentes ao assumpto, porque tenho de me occupar d'elle em occasião opportuna.

No emtanto, sempre direi que me parece que estas petições estão muito mais conformes com a justiça do que outras que foram attendidas, durante o interregno parlamentar, porque o sr. ministro da guerra se suppunha habilitado para isso. Essas reputo eu serem prejudicialiassimas ao exercito, como provarei, quando este assumpto venha á discussão.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O sr. João Abel da Silva Fonseca: - Embora não esteja presente o sr. ministro do reino, como se trata de uma reclamação de interesse immediato para os concelhos que represento no parlamento, não hesito em usar da palavra na sua ausencia, esperando que s. exa., ao ter conhecimento das minhas considerações pelo extracto da sessão, não deixará de adoptar as providencias que o caso requer.

Sr. presidente o processo actualmente em vigor de arrecadação das receitas municipaes, pertencentes ao fundo de instrucção primaria, é vexatorio e injusto.

As camaras que lançam addicionnes sobre as contribuições geraes do estado são obrigadas a satisfazer por uma, só vez, logo que se abram os cofres para a primeira prestação, toda a verba em que foram collectadas pelas tabellas annexas ao decreto de 24 de maio de 1897, tanto a proveniente do imposto especial para a instrucção, como a deduzida das suas receitas geraes ordinarias. Sendo estas verbas relativamente elevadas, pois que na maior parte dos concelhos representam um terço das suas receitas totaes comprehende-se quanto esta exigencia colloca em serios embaraços e grandes difficuldades as camaras, que, por esda fórma se vêem privadas, durante largo período, atá ao pagamento da segunda prestação, dos recursos indispensaveis para pagarem nos seus empregados e satisfazerem as outras despesas a que têem de attender.

Collocadas n'estes apuros, só dois recursos lhes restam optar: ou suspender pagamentos, abrindo um largo parenthesis na administração munícipal, ou contrahir um emprestimo, lançando-se no caminho da dívida fluctuante, que, mais tarde ou mais cedo, as levará á ruina financeira.

Ao passo que se faz esta exigencia áquellas camaras, a outras que estão em melhores condições e por isso mesmo carecem de recorrer ao imposto directo, é-lhes facultado pagarem a verba deduzida das suas receitas ordinarias em duodecimos mensaes.

Evidentemente ha aqui uma injustiça é ama desigualdade flagrante.

Por outro lado, tendo as camaras de pagar por uma só vez o producto calculado do imposto especial para instrucção, é bem do ver que o estado recebe liquida e sem deducção uma receita que é illiquida, ficando a pesar no orçamento das municipalidades todos os desfalques, annullações e falhas de cobrança.

Contra este estado de cousas têem as Camaras municipaes representado varias vezes e ainda em 1896 o fizeram as do districto da Guarda, lembrando-me que, n'essa occasião, como presidente da camara, firmei uma d'essas representações.

Fundavam-se ellas não só nos principios de justiça que acabo de expor, mas ainda em dois textos legaes: o artigo 99.° do codigo vigente, que manda transferir para a caixa geral de depositos as receitas da, instrucção nos mesmos termos em que se transferem as da viação municipal, isto é, mensalmente e a proporção, que se cobram, e o artigo 70.° do mesmo codigo, que faz pesar as falhas de cobrança, proporcionalmente, nas collectas do estado e nas municipaes.

Estas disposições de lei têem sido letra morta e as reclamações feitas não foram attendidas, porque ha alguns annos a esta parte vae-se accentuando nas estações superiores a tendencia para uma excessiva centralisação administrativa, que se não limita a cercear regalias e privilegios, mas até affecta as proprias receitas, chegando o exagero a ponto de o ultimo ministerio regenerador decretar uma nova tabella de quotas de cobrança, para diminuir as dos impostos indirectos que pertencem exclusivamente ao estado e elevar as dos impostos directos em que o estado tem partilha com os municipios, isto é, o estado quer pagar aos escrivães de fazenda e recebedores á custa das camaras.

Mas, sr. presidente, se as reclamações não foram attendidas, nem por isso a questão está finda antes pelo contrario se tem aggravado e é o que me obriga a usar da palavra n'este momento.

Ha concelhos restaurados, e tenho um no meu circulo, cujas camaras não têem saldos disponiveis, que hão de viver com os recursos que lhes proporciona o decreto de 9 de janeiro e que se reduzem, para a maior parte d'elles, ás percentagens votadas para a gerencia do corrente anno.

Comprehende-se bem que, se o estado receber logo no principio todo o producto da contribuição para a instrucção primaria, as camaras ficam sem receita para acudirem ao mais insignificante expediente.

E para este facto que chamo a attenção do governo, pois me parece que está nas faculdades do poder executivo providenciar como o caso reclama. Embora o fundo escolar fosse constituido por uma lei com data de 9 de agosto de 1888, é certo que outra lei, de 18 de março de 1897, que reorganisou todos os serviços da instrucção primaria, auctorisou o governo a regular differentes assumptos e entre esses comprehende-se a arrecadação das receitas e sua applicação ás despezas da instrucção.

Póde o governo, no uso d'essa auctorisação, providenciar por fórma diversa do que actualmente se pratica, publicando um regulamento que remedeie este estado de cousas e harmonise os interesses do estado com os das corporações administrativas locaes.

A este respeito parece-me não haver duvidas, nem duas opiniões diversas, sobre o modo de elaborar esse regulamento.

O imposto directo deve ser transferido para a caixa geral de depositos mensalmente, em proporção da cobrança realisada e a verba deduzida das receitas geraes do municipio, paga em duodecimos, como actualmente se pratica para as camaras que não recorrem ao imposto directo.

Página 365

SESSÃO N.° 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 365

E, sr. presidente, parece-me que não é só n'este assumpto que deve fazer-se sentir a acção reformadora do governo.

Muitos outros capitulos da instrucção estão reclamando uma reforma immediata, sendo este, com certeza, um dos assumptos que hoje mais se impõem á consideração dos poderes publicos.

É indispensavel acabar por uma vez com a situação deprimimente em que, sendo Portugal um dos paizes que, relativamente á população, tem maior numero de escolas, estando n'este ponto superior a França, é todavia aquelle em que ha maior numero de analphabetos, fallando n'esta parte abaixo da Turquia.

Não faltando no paus as escolas, forçoso é attribuir o nosso atraso ao seu mau funccionamento, e isso, quanto a mim, provem do excesso de centralisação que desde 1890 se estabeleceu no serviço da instrucção primaria. Extinguiu-se a inspecção permanente, subtrahiram-se os professores á fiscalisação das auctoridades locaes, tirou-se-lhes todo o estimulo, acabando com as gratificações de frequencia e fez-se da concessão de augmento de ordenados mera questão de expediente, e não, como devia ser, uma recompensa ao merito e ao trabalho. O resultado é que essas escolas que realmente o estado subsidia e sustenta, estão desertas e os professores não são com certeza os mais interessados em lhes assegurarem uma grande frequencia.

Por outro lado, chama-se contra o mau estado das escolas, por não terem installações proprias, mobilia, nem material escolar. Isto, infelizmente, é uma grande verdade. Mas não se pense que é absolutamente impossivel que o estado, embora com o auxilio das camaras municipaes, possa exercer uma fiscalisação efficaz em tantas escolas disseminadas pelo paiz.

Diz-se que o governo vae apresentar á camara uma reforma de instrucção primaria. Folgo que assim aconteça, porque sendo o nobre presidente do conselho o preclaro estadista a quem mais deve a instrucção nacional, visto serem da sua responsabilidade as leis de 9 de agosto de 1888 e 11 de junho de 1880, que assignalaram um progresso notavel n'este ramo de serviço, tenho a plena certeza de que a reforma que s. exa. apresentar ha de certamente orientar-se nos verdadeiros principios de descentralisação, tanto mais que, como s. exa. disse ha poucos dias n'esta casa, são essas as naturaes tendencias do seu espirito.

É indispensavel descentralisar a instrucção o restituir á escola o caracter que nunca devia ter perdido, uma instituição local, creada, mantida e fiscalisada pelos corpos administrativos locaes.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Ouvi com toda a attenção as considerações feitas pelo illustre deputado, com respeito a dois pontos importantes: o primeiro, quanto á arrecadação das receitas que constituem o fundo escolar, e o segundo, em relação á necessidade de introduzir algumas providencias na reforma da instrucção publica.

Como s. exa. sabe, não corre pela minha pasta o negocio sobre que dissertou tão proficientemente, mas encarrego-me de transmittir ao sr. presidente do conselho as considerações do illustre deputado.

O sr. Silva Fonseca: - Agradeço ao sr. ministro da justiça a sua declaração.

O sr. Eusebio Nunes: - Participo a v. exa., sr. presidente, que vou lançar na caixa respectiva um requerimento do capellão do forte da Graça, pedindo uma gratificação extraordinaria pelo serviço extraordinario que prestou na escola d'aquelle forte.

Parece-me incontestavel a justiça d'este pedido.

Desde que todos os outros têem gratificação, o requerente tambem a deve ter pelos serviços extraordinarios que prestou, como professor da escola dos encorporados disciplinares.

Espero que a commissão de guerra [ilegivel.] este pedido, pois que o sr. ministro da guerra tem, conhecimento d'este facto, e foi s. exa. mesmo quem aconselhou o impetrante a recorrer ao parlamento, que saberia fazer justiça a tão justo pedido.

Como estou com a palavra, peço licença para dizer a v. exa. que desejo me faça a mercê de dizer se o meu, projecto de lei sobre a creação de um julgado municipal em Campo Maior, apresentado na sessão passada, e que em agosto preterito v. exa. mandou para a imprensa nacional, assim como o respectivo parecer, já veiu impresso, e no caso affirmativo se o manda distribuir pelos membros d'esta casa.

O sr. Presidente: - Vou informar-me, e depois procurarei satisfazer aos desejos do sr. deputado.

O sr. Antonio Cabral: - Mando para a mesa uma representação da junta de parochia de Lamaçães, do districto de Braga, pedindo para que lhe seja concedido vender o edificio em ruinas, que foi a antiga residencia parochial, e uns terrenos juntos, para applicar o seu producto á compra do terreno necessario para a edificação de uma nova casa para a residencia parochial.

Peço a v. exa. que contralto a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario ao governo.

Mando tambem para a mesa um projecto de lei que se refere ao assumpto desta representação. Leio apenas o relatorio e como n'elle se justifica o projecto, não tomarei por mais tempo a attenção da camara.

(Leu.)

Foi auctorisada a publicação da representação e o projecto ficou para segunda leitura.

O sr. Oliveira Matos: - Pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para um assumpto que reputo importantissimo, pedindo a s. exa. que, ouvindo-me, se digne dar a resposta que o caso merece.

Em uma das ultimas sessões, creio que na de ante-hontem, em que se discutia na ordem do dia o projecto da conversão, entre muitas das declarações aterradoras e menos convenientes que se tem feito por parte da opposição para atacar o projecto, algumas das quaes tem impressionado o espirito publico por suppor que ellas possam ter algum fundamento do verdade, foi affirmado que sendo approvado o referido projecto, os portadores da divida interna ficariam privadas de receber os seus juros, pelo menos nos dois ou tres annos mais proximos, visto que os oradores externos tudo levavam dos rendimentos publicos!

Pelo conhecimento que tenho do projecto, pela discussão que aqui tenho ouvido, e pelas declarações e intenções do governo, em que acredito, estou convencido de que aquella insensata o alarmante affirmação não é exacta, e que foi lançada mais como um argumento de effeito rhetorico, para produzir sensação, do que por convencimento da parte de quem ousou fazel-a!

Mas o que é certo é que produziu o seu pessimo resultado e causou inquietações a muita gente.

Sr. presidente, similhante declaração de uma tal importancia, feita n'esta casa, sem ter logo o desmentido categorico que merecia, alarmou com toda a rasão os interessados que são muitos, póde dizer-se que o paiz inteiro, e todos os portadores da nossos titulos de divida interna, e todos os inumeros estabelecimentos de caridade que se sustentam dos juros seu unico rendimento, se julgaram ameaçados, feridos de morte, nos seus mais legitimos interesses!

Embora lhes repugnasse acreditar que tão inconveniente e perigosa declaração fosse verdadeira, ou tivesse algum fundamento, tambem não podiam crer que só por um effeito de rhetorica, por parte da opposição, que só por facciosismo politico imperdoavel em tal assumpto, que só por accintosa guerra a um projecto de lei da magnitude do que

Página 366

866 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

se debata [ilegivel.] no parlamento taes asserções, sem rogo se ver o funesto resultado.

Custa a acreditar, mas o lamentarei facto deu-se!

O certo é que nos pontos mais afastados da capital, dos centros da politica e da politiquice, lá ao longe, aonde se não comprehende que se lance mão de taes artes e expedientes de má lei, só para atacar um projecto em discussãO, a insidiosa noticia causou profundo alarme e levantou duvidas, a ponto de se ter perguntado da provincia, que rasão ou fundamento ha para que tal se diga e affirme!

E isto não admira, sr. presidente, desde que aqui se diz o projecto é tão mau, prejudicial e odioso, que chega á extrema crueldade de ír roubar o pão aos orphãos, ás viuvas, aos hospitaes e estabelecimentos pios, e a todos aquelles que têem direito a receber o juro do papel de credito que adquiriram e é o seu único rendimento!

É extraordinario que tal cousa aqui se diga, e que se
não queira pesar a enorme responsabilidade de quem assim de animo leve espalhou o tenor e pretende augmentar o descredito dos titulos da divida publica!

Para mim não ha duvida alguma de que a inexacta affirmação que tão asperas censuras merece, feita pelos illustres deputados opposicionistas, não tem o minimo valor, não passando de uma transparente artimanha para pretender justificar os seus violentos ataques ao projecto que combatem, mas que não discutem nem procuram melhorar.

Entretanto, entendo conveniente e indispensavel mesmo, que o nobre ministro da fazenda para tranquillisar a opinião alarmada, o espirito publico mal impressionado, faça com a anotoridade da sua palavra e a do logar que occupa, a declaração sincera, leal e honrada, que o importante assumpto exige, e se digne dizer á camara e ao paiz, em seu nome e no do governo, se pelo facto de se approvar e converter em lei o projecto em discussão a que me estou referindo, poderá advir algum prejuizo para os credores da nossa divida interna, que affecte ou diminua o valor dos seus títulos ou o dos juros que actualmente recebem, e se esses juros poderão deixar de ser integralmente pagos no praso marcado, como se ousou affirmar, dizendo-se não haver meios para se fazer face ao pagamento n'estes tres annos mais proximos...

Uma voz: - Correm esse risco.

O Orador: - Não correm tal! A approvação do projecto não lhes tira nenhuma garantia, nem lhe diminue o rendimento.

Outra voz: - Lá vem no projecto a consignação das receitas.

O Orador: - Receitas especiaes e muito inferiores aos encargos. Eu sei tudo isso; mas não se podia nem devia fazer uma tal affirmação infundada e sem base justificavel, que augmentou a desconfiança dos portadores da divida interna, lançou a perturbação no mercado, nas bolsas, e deu mais um golpe no nosso já enfraquecido credito, espalhando um panico que podia ter consequencias graves. (Apoiados.)

O governo respeita igualmente e ha de manter, todos os direitos dos credores internos e em nada perigará a sua situação, creiam! (Apoiados.}

Uma voz: - Retirem o projecto. (Apoiados.}

O Orador: - Não é o projecto que se deve retirar, que esse é destinado a poder-se remediar o grande mal presente que nos assoberba e muitos futuros que se finge não ver! O que se deve retirar e evitar dizer, são argumentos insidiosos, pregões de descredito, affirmações menos exactas e proprositadamente feitas para irritar a opinião publica lá fóra, para dar vulto a suspeições injustas, para accender odios que a todos podem attingir, para inconveniente, criminosa e anti-patrioticamente fomentar a desordem e a revolta, sem se attentar nos perigos de se estar brincando com o fogo o fogo, este systema de opposição, é que era preciso retirar, corrigir, emendar, discutindo serena e proficientemente o projecto.

(Áparte do sr. Luciano Monteiro, que não ouviu bem.}

Não é preciso berrar; mas é preciso fallar claro e alto, e dizer-se a verdade toda! Se os ouvidos de s. exa. se melindram com ouvil-a, sinto-o muito más não estou resolvido nem a callar-me, nem a deixar passar sem protesto energico e digno, esse acervo de insinuações malevolas, de insidias, de invenções phantasiosas, de falsidades, com que menos correctamente se está pretendendo malsinar o governo e a maioria, a proposito de um projecto que não podem, não querem, ou não sabem discutir, para o corrigir, aperfeiçoar ou substituir por cousa melhor!

Em logar de repetidas e estafadas bravatas patrioticas, que para nada servem, em tom mais ou menos violento, tetrico e aterrador, evitando o debate, melhor fôra que estudassem, analysassem e apreciassem devidamente o projecto submettido ao seu exame, criticando-o com argumentos serios e attendiveis, é não com adjectivos bombasticos, com indignações á sopreposae, com declamacões banaes, fugindo cautelosamente do assumpto principal!

Isto é que era patriotico, digno, correcto, e á altura da elevada missão que a opposição tem a cumprir n'esta assembléa!...

O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que falle e para a presidencia.

Uma voz: - Não se irrite o illustre deputado.

O Orador (voltado para a opposição): - Eu não me irrito, está v. exa. enganado; fallo muito serenamente e digo o que penso e sinto, no tem um pouco acalorado do meu feitio e temperamento. Mas é que já me vae enfadando como a toda a camara, e a tolerancia tem limites, esta inutil campanha, de palavriado, em que ha tantos dias se está, sem nenhum proveito para a discussão do projecto, dizendo-se d'esse lado da camara o que aqui se não póde nem deve dizer, afeiando o triste quadro da nossa situação e contribuindo cada vez mais para o nosso descredito lá fóra, e dando cá dentro mais armas aos nossos inimigos e das instituições para ámanhã nos ferirem desapiedadamente...

O sr. Presidente: - Tem a bondade de fallar para a presidencia.

O Orador: - Sim, senhor, fallo para a presidencia e muito serenamente, como v. exa. está vendo. E se me dirigi aos meus illustres collegas da opposição, é que não posso deixar de responder aos seus continuos ápartes e interrupções, que sempre lhes permitte, que em nada me incommodam, e que a v. exa. parecem infundir receios que não tem rasão de ser.

Não é a primeira vez que tenho a honra de occupar este logar, e não sendo parlamentar novato, nem timido, se me falta a competencia que a tantos illustra, tenho a boa vontade e a experiencia, que alguma, cousa valem, e costumo não deixar nunca sem a condigna resposta, é dos meus habitos, os que me fazem a honra de se me dirigir. Sabe-o v. exa. e a camara. E tambem não costumo nunca exceder-me mesmo quando tenho muita razão, nem eximir-me a quaesquer responsabilidades.

O sr. Presidente: - Peço licença para lembrar ao sr. deputado que, embora esteja no uso pleno do seu direito, pois que antes da ordem do dia se póde qualquer sobre qualquer assumpto de interesse geral, e portanto abrangendo o que está dado para ordem do dia, é certo no entretanto que geralmente não se pratica isso, e assim tem sido interpretado o regimento.

Pedia, pois, ao sr. deputado a possivel concisão, e ainda porque pouco tempo falta para se passar á ordem do dia.

O Orador: - Peço perdão a v. exa. Parece-me que não fui alem do que é permittido, usando de um direito
que me assiste, referindo-me a um projecto que se discute na ordem do dia.

Página 367

SESSÃO N.º 22 DE 25 FEVEREIRO DE 1898 367

A advertência ou consideração de v. exa., que sei não á censura,, parece-mo que não colhe, embora eu a acate e respeite muito. Mas eu vou restringir-me ao assumpto, e mais tarde na ordem do dia tratarei em largas considerações de justificar o que hoje tenho dito resumidamente, visto que me é indifferente fallar antes da ordem do dia, durante ella, ou depois, quando estiver convencido de que posso e devo fallar, mal ou bem conforme sei, mas conscienciosa e dignamente, na defeza dos interesses e dos creditos do paiz que represento.

O sr. Presidente: - Isto não é uma advertencia. Declaro que ainda não adverti o sr. deputado e espero não ter que o fazer, no rigor, que a palavra indica.

O que disse ao sr. deputado foi que o assumpto a que a. exa. se referia estava dado para ordem do dia, e pedia-lhe por isso que fosse, quanto possivel conciso, tendo aliás declarado que o sr. deputado tratava de um assumpto de interesse geral, embora esse assumpto estivesse dado para ordem do dia.

O Orador: - Eu fiz o meu pedido, que entendi justo e justificado, ao sr. ministro da fazenda e respondi aos ápartes e interrupções que me foram dirigidos por alguns srs. deputados da opposição.

Se tive que tomar mais tempo do que tencionava e era preciso, a culpa não foi minha. Não sou d'aquelles que se intimidam ou se calam diante dos Apartes, interrupções ou considerações de amigos ou adversarios. Disse o digo sempre aquillo que entendo, e como posso e sei com verdade e em boa fé na minha sincera convicção; e peco desculpa ao meu prezado amigo e collega o nr. Luciano Monteiro, se porventura os seus melindrosos ouvidos se ressentiram e ficaram molestados por eu ter fallado mais alto e com o calor de quem tem rasão; mas deve tambem attender a que en tenho ouvido muito pacificamente sem explosões de irritação, que seriam bem cabidas, o que s. exa. e os seus collegas têem querido dizer n'esta questão.

Não digo isto, como de resto nada costumo dizer, com intenção de maguar ou irritar os illustres deputados da opposição, nem para provocar conflictos. E visto que a isso sou reptado, não tenham duvida de que estou prompto á entrar no debate e decerto entrarei, na ordem do dia, e que ahi na larga margem que me for dada, tirei de minha justiça e melhor ou peior defenderei o projecto segundo os ditames da minha consciencia e do meu patriotismo, que não considero inferior ao dos illustres deputados.

Sr. presidente, termino aguardando á resposta das perguntas que tive a honra de fazer ao sr. ministro da fazenda, e que de certo estão destinadas a tranquillisar o espirito publico e, pôr cobro a uma deploravel especulação politica que muito lamento.

O sr. Ministro da Fazenda (Ressano Garcia): - Este assumpto está dado para ordem do dia e á essa a occasião mais propria de o discutir largamente; mas como o illustre deputado deseja conhecer a minha opinião pessoal a esse respeito, eu, pela muita consideração que tenho pelo illustre depntado, vou dizer desde já qual ella é, e terei occasião de a explicar mais largamente, quando me chegar a vez de fallar na discussão do projecto.

Digo ao illustre deputado é á camara que, se o projecto que esta em discussão, for convertido em lei, melhora consideravelmente a situação dos credores internos.

E tambem devo declarar que o governo não pensa de modo nenhum um reduzir o juro da divida, interna.

(O orador não reviu.)

O sr. Cabral Moncada: - Peço a v. exa. a fineza de me declarar se ia foi remettida para a mesa a planta relativa a umas celebres concessões de terrenos no Ribatejo, que foi solicitada pelo meu illustre collega o sr. dr. Luciano Monteiro.

O sr. Ministro dos Obras Publicas (Augusto José da Cunha): - Não sei se a planta foi hoje enviada para a mesa; ou, pelo menos, assignei um officio de remessa do documento relativo a essas tão celebres concessões de terrenos; e em relação á celebridade veremos qual ella é, se acaso os illustres deputados quizerem discutir esse as assumpto.

Repito, já assignei o officio de remessa, e se a planta ainda não está sobre a mesa, não tardará a chegar.

O sr. Cabral Moncada: - Em vista da declaração do sr. ministro, nada mais tenho a dizer.

Mas como s. exa. sublinhou a phrase celebridade, com respeito ás taes concessões, devo dizer que acho infundado e reparo de s. exa.

Este assumpto tem sido tratado não só n'esta casa e na imprensa, mas lá fora tem-se fallado muito n'estas concessões e só por esta rasão ellas serão celebres!

O sr. Presidente: - Os documentos a que s. exa. se referiu ainda não estão na mesa, mas provavelmente chegam hoje, em vista da declaração do sr. ministro das obras publicas.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projeoto de lei n.º 5 (concordata com os oradores externos)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.º para entrar em discussão.

É o seguinte:

"Artigo 2.° Nos termos do artigo 10.° da carta de lei de 26 de fevereiro de 1892, serão, feito o accordo de que trata o artigo antecedente, especialmente consignadas, em primeiro grau, ao pagamento integral e regular dos juros e amortisacão da divida fundada externa, sujeita ao novo regimen resultante do referido accordo, as receitas, no continente e ilhas adjacentes, tanto dos direitos de importação de todos ou generos e mercadorias com excepção de tabacos e cereas, como doe direitos de exportação.

"§ unico. Ás receitas a que se refere este artigo serão entregues, á medida da sua cobrança, para conta do deposito especial, ao banco de Portugal que terà a seu cargo o serviço da divida nas praças estrangeiras, onde hoje cala fixado o seu pagamento e onde for conveniente fixal-o do futuro.

O sr. Avellar Machado (sobre a ordem): - Antes de ler a sua moção, pergunta o que está em discussão.

O sr. Presidente: - Responde que está o artigo 2.° do projecto.

O Orador: - Observa que o projecto da lei, apresentado pelo sr. conde do Burnay, e que a mesa classificou do substituição, resolvendo a camara que fosse á commissão, trata dos materiaes contidas, nos differentes artigos do projecto. Mas sabe, portanto, se tambem esta em discussão o artigo 2.° d'essa proposta conjunctamente com o artigo 2.° do projecto.

O sr. Presidente: - Entendo que, embora a camara resolva que qualquer propostos, de qualquer denominação, additamentos ou substituições, etc., sejam enviadas á commissão de fazenda, isso não impede que o orador, durante a discussão, se refira a essas propostas, em discussão conjunctamente com o projecto.

O Orador: - O que vê é que a proposta do sr. conde de Burnay está simultaneamente em discussão na commissão a na camara.

O sr. Presidente: - Só depois de terminada a discussão do projecto, é que este e os propostos são enviadas á commissão.

O Orador: - Parece-lhe que a resolução da camara, para que a proposta fosse á commissão, foi anterior á votação do artigo 1.° do projecto.

O sr. Presidente: - Insiste em dizer ao sr. deputado que, quando a camara approva um projecto ou artigos de qualquer projecto, sem prejuizo de quaesquer emendas ou substuições, isso quer dizer que o projecto e as propostas

Página 368

368 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTAD0S

vão á commissão respectiva, e com o parecer d'esta volta o projecto e proposta á camara para novo debate. É isto o que se pratica.

A proposta do sr. Burnay ou quaesquer outras que se apresentem serão, n'esta conformidade, mandadas á commissão de fazenda.

O Orador: - Lê a seguinte moção:

"A camara, reconhecendo que o assumpto que se debate deve estar fóra da acção politica partidaria, e merece ser tratado com toda a serenidade e circumspecção, continua na ordem do dia. = Avellar Machado."

Não lhe tendo chegado a palavra sobre o artigo 1.°, deseja fundamentar o seu voto, porque, tratando-se de um assumpto tão vital para o paiz, que d'elle depende o seu futuro, não quer responsabilidades collectivas.

Rejeita in limine o projecto, porque, a seu ver, se elle for votado, seguir-se-lhe-ha a bancarrota material e moral: a bancarrota material, porque não podemos com os encargos que vamos tomar, e a bancarrota moral, porque estamos a illudir os governos estrangeiros, com promessas que não podemos cumprir.

Alem d'isto, por detrás do projecto, vê-se a administração estrangeira, e é quanto basta para que elle não deva ser approvado.

No seu entender, o projecto, que vem desacompanhado de todos os esclarecimentos, é apenas mais uma prova do egoismo do governo.

Dominado por este egoismo, o que é que elle tem feito?
Prometteu manter a liberdade de reunião, e prohibiu meetings; prometteu manter a liberdade de imprensa, e no anno da sua gerencia tem havido mais querelas do que nos vinte annos anteriores; promettêra tambem melhorar as circumstancias economicas do paiz, e o que tem feito é entreter-se com a questão da freguesia da Palhaça e com refermecas sem importancia.

O orador, proseguindo n'esta ordem de idéas, trata de mostrar que o governo, no seu egoismo feroz, é elle proprio que, para se manter mais algum tempo no poder, vae entregar os pulsos ás algemas, offerecendo a consignação do rendimento das alfandegas, que é a receita mais importante do paiz.

O que se vá é que se pretende regressar á lei de 26 de fevereiro de 1892, na parte já revogada, para se entregar ao banco de Portugal a arrecadação das receitas para pagamento dos encargos da divida no estrangeiro.

E aqui que está o grande perigo, porque, como aquelle banco póde ter caixas filiaes no estrangeiro, com administradores estrangeiros ou nacionaes, que podem interferir em todas as operações; e, como n'ellas, até se podem abrir fallencias, é claro que atrás de tudo isto póde estar a ruina do banco e a administração estrangeira.

Discreteia ainda o orador largamente para frisar os perigos que podem resultar da consignação do rendimento das alfandegas ao pagamento dos encargos da divida externa, assim como do facto de não se fixar um agio qualquer, quando é certo que não é possivel saber-se até onde poderá elle ír no mercado.

A consequencia será não se poderem pagar, dentro em pouco, os encargos da divida interna, o que representa incontestavelmente uma grande desigualdade.

Concluindo, diz que o projecto representa um grave erro economico e um grande perigo para o paiz. Se o governo teimar em o levar avante, a responsabilidade será exclusivamente sua.

(O discurso será publicado na integra, se exa. o restituir.)

O sr. Adriano Anthero (relator): - O illustre deputado que me precedeu entreteve-se mais em considerações geraes sobre a economia do projecto, de que na discussão especial do artigo 2.°; e por isso tambem durei poucas palavras em resposta a s. exa.

Com relação á economia geral do projecto, começou s. exa. por dizer que o sr. Mello e Sousa tinha demonstrado por projecto resultariam graves inconvenientes para o paiz, e que o mesmo sr. Mello e Sousa estava prompto a repetir ainda agora, e quantas vezes quizessem, essa demonstração.

Eu creio que, numa das vezes em que tive a honra de fallar n'esta assembléa sobre esta questão, provei, tambem com calculos irrefutaveis, que li e serão publicados como meu discurso, que da approvação d'este projecto resultava vantagem para o thesouro. Mas, para não fallar na minha argumentação, contraporei agora á argumentação do sr. Mello e Sousa a do meu amigo, o sr. Villaça.

Direi por isso, em resposta ao sr. Avellar Machado, que tambem o sr. Villaça demonstrou com calculos irrefutaveis e verdadeiros que effectivamente da approvação do projecto resultavam vantagens para o thesouro; e que s. exa. - creio eu, não contestará as minhas palavras - está prompto a repetir, uma e quantas vezes for preciso, essa demonstração.

D'esta maneira parece-me ter respondido cabalmente áquella consideração do meu amigo o sr. Avellar Machado.

S. exa. apresentou ainda outras considerações geraes para demonstrar que o projecto é inconveniente.

Uma "é que o sr. presidente do conselho não morre de amores pela freguezia da Palhaça! "

(Riso.)

Este argumento é claro que não carece de refutação. Outra "é que em geral todo o ministerio tem um grande egoismo e em especial o sr. ministro das obras publicas não tem apresentado medidas de fomento que dêem impulso vigoroso ao paiz!"

Ainda se não discutiram todas as medidas de fomento, apresentadas ao parlamento pelo senhor ministro das obras publicas; algumas param ainda no seio das respectivas commissões; e, como já tive occasião de dizer aqui, no anno passado, d'essas medidas ha de resultar augmento de receita e uma impulsão fertilisadora no paiz. (Apoiados.)

Mas seja como for, esse objecto é estranho ao assumpto que se debate.

A outra consideração apresentada por s. exa. "é que o sr. ministro da justiça não elaborou uma lei de imprensa, que correspondesse ás necessidades da opinião publicas."

V. exa., sr. presidente e a camara comprehendem bem que estes argumentos não tem resposta; e, quando digo isto, não quero de modo algum faltar ao respeito e consideração que devo ao meu illustre amigo, o sr. Avellar Machado. Pelo contrario, tenho a declarar que, embora e á primeira vista pareça impertinente similhante argumentação, é certo que s. exa., apresentando taes argumentos, mostrou simplesmente uma grande coherencia de caracter e um grande talento, porque já tinha o seu voto comprometido sobre esta materia, como eu farei ver; e assim, não podendo atacar de frente a questão, viu-se obrigado a ladeal-a por essa fórma.

Entrando sobre a especialidade do artigo 2.° do projecto, e emquanto a garantia dos rendimentos das alfandegas, s. exa. estranhou apenas que nos referissemos á lei de 26 de fevereiro de 1892, no sentido d'ella consignar garantia igual aquella aqui estatuida, quando, diz, essa lei está revogada pelo decreto de 18 de junho de 1892! Ora a citada lei de 26 de fevereiro de 1892 não está ainda revogada, e por isso e porque a auctorisacão que d'ella consta, em relação á garantia de que se trata, foi renovada na lei de 20 de maio de 1893, esse lado da camara e o governo transacto tem tambem a sua responsabilidade presa a esta disposição do projecto, exactamente como o governo actual. N'isto não lhes quero irrogar censura; trago este argumento porque folgo de me reforçar com tão valiosas auctoridades.

Vamos a ver a verdade d'esta affirmação.

Como v. exa. sabe, a lei de 26 de fevereiro de 1892

Página 369

SESSÃO N.° 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 369

consignava um pedido de auctorisação a fim do governo poder hypothecar ao pagamento da juros doo credores externos o rendimento do estado, que julgasse mais conveniente.

A unica differença que havia n'esta lei em relação ao projecto actual, é que ahi a auctorisação era ampla, para quaesquer rendimentos, emquanto que aqui é restricta aos das alfandegas; mas essa circumstancia é insignificante e completamente indifferente para a presente discussão. Porque uma de duas: ou o governo d'então, armado d'essa auctorisação, queria dar uma garantia seria, uma garantia que reputasse valiosa, e n'esse caso tanto fazia que fosse o rendimento das alfandegas como qualquer outro rendimento do estado; ou escondia n'essa auctorisação vaga e ampla, uma burla, o que se não póde acreditar, e isso representaria um acto menos digno da nossa nacionalidade! Ora, o sr. Dias Ferreira, presidia a um ministerio composto de caracteres honrados e cavalheirosos. S. exa. é tambem um estadista de reconhecida correcção e seriedade; e não póde, portanto, suppor-se, que sob essa auctorisação, ampla e indefinida, se quizesse encobrir uma burla aos credores!

Essa lei de 26 de fevereiro de 1892 corresponde, pois, nos seus effeitos, exactamente á auctorisação que se consigna no artigo 2.° d'este projecto.

Veiu depois o decreto de 13 de junho de 1892, e esse, ao contrario do que disse o meu amigo o sr. Avellar Machado, com approvação d'aquelle lado da camara, diz no artigo 6.º:

"Ficam em vigor todos as garantias, estabelecidas na legislação actual, para assegurar o pagamento dos encargos da divida publica tanto externa como interna."

D'onde se vê que este artigo renovou exactamente os garantias e auctorisações que estavam consignadas na lei anterior do sr. Dias Ferreira.

E veiu tambem depois a lei de 20 de maio de 1893, que diz no artigo 1.° o seguinte:

"São confirmadas e declaradas definitiva" as disposições do decreto de 13 do junho de 1792, salvas as modificações, constantes dos paragraphos seguintes."

Em nenhuma d'essas modificações se encontra uma unica disposição que invalide o preceito da legislação anterior.

Se v. exas. querem ver, aqui está a legislação, que eu não leio porque não quero fatigar a camara, e verão de ahi que, ao contrario de haver qualquer modificação ao preceito d'aquelle artigo 1.°, ha ainda no § 6.º uma referencia que justifica a minha doutrina.

Fica, portanto, assente que pela lei de 20 de maio de 1883, cuja responsabilidade é do partido regenerador, partido que eu respeito pelas suas tradições, pela sua actividade e bons desejos de cooperar na salvação da patria, fica assente digo, que este partido pediu por essa lei uma auctorisação exactamente igual á que está no projecto.

Quem collaborou mais de perto na confecção d'esta lei? Todos os deputados e ministros da situação regeneradora, e nenhum d'elles renegara a responsabilidade d'esse acto, como nós não renegamos a responsabilidade que estamos agora tomando. Na commissão, porém, que elaborou esse parecer, figuram os illustres membros d'essa camara e da actual, os srs. João Franco, Jacinto Candido, Teixeira de Vasconcellos, Avellar Machado, Oliveira Guimarães e Dantas Baracho.

Ora, tendo o sr. Avellar Machado figurado n'essa commissão e acceitado, no projecto que precedeu a mesma lei de 1893, expressamente a garantia que nós consignâmos no artigo 2.° d'este projecto, tinha a sua responsabilidade
directa compromettida n'esta discussão. (Apoiados.}

E por isso repito, como já disse, que, á primeira vista,
parecia andar s. exa. divagando com um pensamento irreflectido por cima da questão: mas que na realidade andou com muita habilidade e intelligencia, porque tendo da fallar, para fazer as honras do partido a que pertence, precisava de fugir á responsabilidade a que estava preso, divagando sobre cousas insignificantes que, nada prendiam com a coherencia do seu procedimento anterior.

Sobre este ponto tenho respondido a s. exa

Ha outro ponto em que s. exa tocou, que tambem desejo rebater, é o que se refere ao deposito do rendimento das alfandegas no banco de Portugal. E desejo responder tanto mais que vejo correr no publico uma noção completamente errada e perigosa a respeito d'esta disposição, que, a final, nada tem de affrontosa e vexatoria para nossa nacionalidade. Vou demonstrar isto em poucas palavras.

Já tive occasião do dizer á camara que o banco de Portugal tem empregados mais habilitados, mais espalhados e mais competentes que os do estado, para fazerem o pagamento e o serviço das suas operações. Bastava só essa circumstancia, para que nós preferissimos esse, empregados do banco aos do estado, que não têem a mesma escola, a mesma aprendizagem e a mesma competencia, e cujo serviço não póde aproveitar-se com tanta economia do thesouro; desde o montante em que não resulte d'esta preferencia nenhum inconveniente para o estado.

E haverá effetivamente alguns inconvenientes? Disse o sr. Avellar Machado que havia dois. O primeiro é que as caixas filiaes que o banco estabelecer no estrangeiro, podem ter administradoras estrangeiros, e que estes administradores podem ingerir-se na administração do proprio banco na metropole; de onde resulta a fiscalisação externa sobre os interesses do paiz.

Ora o estabelecimento d'essas caixas filiaes e a nomeação d'esses administradores, pela propria lei ou regulamento que o sr. Avellar Machado leu, só podem ter logar de accordo com o governo. Por consequencia, n'esse accordo, está o correctivo da acção central sobre quasquer desmandos ou a prevenção de quaesquer perigos. (Apoiados.}

O segundo inconveniente que s. exa. encontrou é que a essas agencias ou caixas filiaes no estrangeiro se pode abrir fallencia; e foi esto tambem um argumento apresentado pelo meu querido amigo o sr. Luciano Monteiro.

Ora este argumento póde ser verdadeiro até certo ponto; mas ha ha aqui uma confusão, que eu vou desfazer.

Na legislação francesa, pela propria reforma de fallencias de 1838, artigo 488.°, é, pelo menos, duvidoso que, nos circumstancias do que se trata podesse abrir-se fallencia á caixa filial do uma sociedade anonyma estrangeira; pela legislação allemã, hollandeza, e creio que ingleza, póde, segundo supponho, ser-lhe aberta a fallencia, como succede pela nossa legislação. Mas, se se abrisse fallencia a essas succursaes, ou caixas filiaes do banco, arrollando-se, haveres que n'ellas existissem, desde que o governo tivesse fornecido o devidamente o dinheiro para pagar aos credores, como deve fornecer pela consignação dos rendimentos das alfandegas, elle não perdia nada com isso, e só o banco perderia os haveres que tivesse n'essas caixas filiaes, (Apoiados) por culpa sua, por não ter dado áquelle dinheiro o destino devido.

E então, só o estado fosse egoísta, como s. exa. o classificou, poderia optar por esta clausula, porque mais valia abrir-se fallencia a caixa filial do banco do que declarar-se a bancarota do estado.

O estado, que é soberano, não está certamente sujeito á alçada dos tribunaes communs estrangeiros; mas, se elle deixasse de pagar, ficava-lhe aberta moralmente a bancarota. E, se ao governo compete proteger o defender os interesses do banco de Portugal, comtudo, para mostrar que procede da melhor fé, e quer restabelecer o nosso credito abalado, deve tambem dar aos credores todas as garantias de que os nossos compromissos hão do ser fielmente respeitados.

Creio ter respondido ao sr. Avellar Machado; e não me allongo mais, porque, na minha posição de relator, não devo

Página 370

370 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

protelar o debate, nem prejudicar a palavra dos oradores que estão inscriptos.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O sr. Cabral Moncada: - Tenciono não fatigar a attenção da camara, se ella alguma me dispensar, e eu alguma lhe merecer.

Começarei respondendo a algumas das considerações feitas pelo sr. relator, relativamente ao artigo em discussão. Não me foi possivel tomar apontamentos de todas, e muitas a memoria me não reteve. As mais salientes, porém, tenho-as aqui indicadas, e essas, asseguro a v. exa. e á camara, que não passarão sem o meu reparo.

S. exa. mais uma vez usou de um processo já conhecido á força de usado: o de trazer como argumento para justificar, o que actualmente se pretende, alguns dos factos analogos que se praticaram no nosso passado. Devo dizer com absoluta sinceridade e franqueza qual é o meu pensar a tal respeito.

Desde o momento em que a situação afflictiva e angustiosa em que nos encontramos, é consequencia ligitimamente derivada d'esse passado, penso que aqui só poderão com boa rasão invocal-o aquelles que, deplorando-o, queiram argumentar pela necessidade de uma vida politica e administrativa inteiramente nova (Apoiados); aquelles que pretendam evitar na actualidade e no futuro a pratica de factos similhantes aos que nos crearam a situação presente.

A lição que nos vem do passado impõe-nos a renuncia aos emprestimos e outras operações ruinosas que o constituiram.
Attentado é pois contra o bom senso, e, peior ainda, contra a patria, vir aqui invocal-o para, como precedente, abonar o projecto em discussão, tão ruinoso na sua economia como contradictorio dos bons e sãos principios de moralidade administrativa que a crise actual tão instantemente impõe (Apoiados). O passado, forçoso é renuncial-o; criminoso seguil-o (Apoiados.)

Como v. exa. vê por estas brevissimas palavras, o meu ponto de vista n'esta questão não é nada partidario. Eu não quero saber o que se fez hontem; penso apenas no que se discute agora, o no que se fará no futuro para remediar uma situação tão difficil, tão afflictiva, tão apertada, tão dolorosa para todos nós como é a presente. (Apoiados.)

Acompanhando o illustre relator nas suas considerações, começarei por me referir á parte do artigo em discussão, que respeita á entrega em deposito das receitas aduaneiras ao banco de Portugal.

Disse s. exa. que não considerava absolutamente nada perigosa a transferencia, transferencia não digo bem, a entrega dos rendimentos consignados a favor da divida externa ao banco de Portugal, por isso que, embora elle viesse a ter agencias em França, a lei francesa não dava competencia aos seus tribunaes para julgarem fallidas as agencias de sociedades estrangeiras; se d'esse a fallencia das agencias não importava a do banco; e finalmente, que ainda no caso d'este fallir, o thesouro publico não seria affectado.

Ouvi com sentidissima mágua estas palavras proferidas por um illustre jurisconsulto, que allia uma tão larga como comprovada competencia a uma não menos larga e intensa pratica de negocios forenses; porquanto, sr. presidente, a verdade é que, embora o artigo 438.° da lei commercial franceza, por s. exa. citado, não dê expressa a competencia aos tribunaes francezes para julgarem fallidas as agencias de sociedades estrangeiras, esta competencia está no espirito da lei, e assente pela unanimidade dos julgados nos tribunaes da França, como s. exa. verá em qualquer commentador, e nomeadamente em Vavasseur quando commenta o artigo a que acabo de me referir.

Entregues, pois, ao banco do Portugal as receitas aduaneiras, consignadas em hypotheca ao serviço da divida publica nos mercados externos, o estabelecida na França e nas praças de Berlim, Londres, etc., as agencias cuja necessidade derivará d'este proprio ramo do serviço, e cujo estabelecimento apenas depende de simples decreto do governo, em conformidade com o § unido do artigo 1.° do decreto de 31 de dezembro de 1891, ao primeiro motivo ou pretexto a fallencia d'ellas será decretada, na França por effeito do espirito da lei e jurisprudencia assente, e nos outros paizes como consequencia da letra da propria lei, a este respeito clara como o nosso proprio codigo commercial; e as consequencias que de ahi advirão para o banco, verdadeiro thesoureiro do estado, estão tanto na intuição de todos e na consciencia profissional de muitos, que facil é de calcular o damno que de ahi advirá á nossa já tão deploravel e apertada situação.

"Que a fallencia do banco era um caso indifferente para o thesouro"! Ouvi isto o custa-me a crer que se dissesse. Para o thesouro, e mais ainda do que; para elle, para a dignidade e autonomia da nossa patria querida, tal acontecimento seria simultaneamente um damno irreparavel e um desaire sem nome.

Os debitos do thesouro ao banco e todas sabemos quanto elles são valiosos, só em divida fluctuante ascendem, penso eu, a 24:000 contos, e tornar-se-íam desde logo exigiveis.

Por outro lado os syndicos que tomassem conta da massa fallida das agencias, estrangeiros por certo, credores ou seus representantes, ficariam directamente com a consignação dos rendimentos das nossas alfandegas, o que seria o mesmo que proclamar desde logo a administração estrangeira. (Apoiados.)

Se mais não houvesse, isto, sr. presidente, bastaria para que com toda a energia da minha alma, d'este parlamento e em toda a parte, protestasse vivamente contra similhante projecto, ruinoso e deprimente como outro ainda não vi. (Apoiados.)

Mais uma vez o illustre relator d'este projecto, a quem me é grato tributar n'este parlamento o preito da minha homenagem pelo seu talento e pelo seu caracter (Apoiados) se deixou cegar pela sua incondicional obediencia aos principios de disciplina partidaria, vindo produzir, em defeza do governo e do projecto em discussão, argumentos com os quaes a sua esclarecida consciencia profissional não póde estar de accordo.

Já que estou fallando do banco de Portugal deixe-me v. exa. dizer o seguinte: é que, como muito bem o disse á pouco o meu esclarecido collega e antigo parlamentar, o sr. Avellar Machado, este deposito das receitas consignadas no banco é um facto em si bastante extraordinario, mas mais extraordinario ainda o torna o facto de no relatorio do projecto não se dizer nem uma só palavra justificativa d'esse medida, o que a final é de larga significação.

Não se comprehende, sr. presidente, que uma medida d'esta importancia se estabeleça n'um projecto d'esta ordem, sem que a commissão tenha para, com a camara a attenção de lhe explicar no relatorio as ponderosas rasões por que assim fez, e porque, procedendo; assim, renunciou á que estava consignado na lei e na pratica anteriores. Alguma rasão inconfessavel por certo lhe assistiu. O capricho não basta.

Não ha queixas contra a junta que, segundo é publico e notorio, e consta mesmo de varios diplomas, tem sempre procedido por fórma a excluir qualquer receio de que ella deixe um dia de cumprir pontualmente os seus deveres, ou de offerecer aos portadores da divida toda a solida garantia que a sua respeitabilidade lhe tem assegurado.

sabido que o zêlo e o escrupulo que, ella tem sempre observado no desempenho do seu serviço lhe tem chegado mesmo por vezes a crear attritos, que, pela sua natureza, inutil de referir por sabida, constituem o seu mais eloquente elogio.

Qual é pois a rasão por que se lhe tem as suas attribuições, transferindo-as para o banco de Portugal, e isto sem uma palavra que justifique este acto, que constitue

Página 371

SESSÃO N.° 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 371

um verdadeiro ultrage áquella instituição, por tantos titulos credora do respeito e da deferencía nos poderes publicos? (Apoiados.)

Porque tirar á junta, istituição profundamente nacional, contra a qual os credores externos e internos nada reclamam, e que, pela maneira por que tem procedido, bem merece do paiz, as attribuições que constitituiam o seu serviço e a sua rasão de ser ? Qual é o plano que assiste ao governo, procedendo assim?

Queria antes desconhecel-o, sr. presidente, mas presinto-o nas palavras do sr. ministro, escriptas no seu relatorio referente a proposta de lei que, convertida em projecto na sessão passada aqui foi votada, e o anctorisou a reformar o banco de Portugal, sobretudo quando aproximo d'essas palavras o facto que, ha dias, aqui foi narrado pelo illustre estadista o sr. Dias Ferreira, agora ausente por um motivo que sentidamento deploro, facto seja narrativa ouvimos todos, segundo penso, com idignada surpreza.

Refiro-me á louca exigencia dos credores externos, quando por occasião do convenio de 1892, malogrado por nosso bem, pretendiam a remodelação do banco, por fórma que a sua administração ficasse de futuro constituida com dois franceses, dois ingleses, dois allemães, dois hollandezes, dois portuguezes a um belga.

Sr. presidente; o governo está munido de uma auctorisação para reformar o banco, introduzindo modificações no regimen propriamente dito da circulação fiduciaria, e alterando a organisação administrativa d'este estabelecimento, a que, repare v. exa. e a camara, no dizer do proprio governo, tem de adaptar-se á remodelação dos serviços do thesouro, derivados das diversão operações em via de realisação. São estas as palavras do nobre ministro no relatorio com que antecede a sua proposta de reorganisação do banco, apresentado ás côrtes na sessão passada.

O governo, porém, ainda não reorganisou os serviços e a administração do banco; aguarda a opportunidade e esta depende, como diz, de diversas operações em via de realisação.

Entre as operações em via de realisação estava e permanece a impropriamente chamada conversão da divida publica externa, base do todo o plano financeiro do governo. Ora, n'estes termos, sr. presidente, tencionando o governo remodelar a organisação administrativa do banco, para o que já está auctorisado por lei; aguardando apenas a opportunidade que depende da conversão; sendo sabido pelas suas declarações que tem negociações pendentes com os credores externos, que muito naturalmente pretendem a favor dos seus interesses o que em 1892 impunham, e no sentido do que já alguma cousa no projecto tranluz, visto a consignação especial dos rendimentos aduaneiros e a entrega d'estes ao banco, pergunto - é para deferir a pretensão ultrajante a que acabo de referir-me, e cuja acceitação seria para o paiz a ignominia da administração estrangeira, que o governo trabalha?

Não o acredito, sr. presidente. Se assim fosse o nosso logar não seria aqui, mas nas ruas, lançados na revolução, de armas na mão, porque mais valia esfriar morto num campo, de batalha do que ter de supportar tão affrontoso villípendio. (Apoiados.}

Não acredito, sr. presidente, porque faço a todos que aqui vejo a justiça de acreditar que são, como eu, igualmente dedicados ao bem da sua patria; e creio, sr. presidente, que esta apparencia de cousas, ou veiu de uma triste illusão minha ou de uma não menos triste obcecação do governo, que, tão longe vão, que chega a envolvel-o n'uma apparencia que não póde corresponder á realidade dos seus sentimentos.

Sr. presidente; muitas outros passagens do relatorio a que me referi e até aquelle que antecede a proposta do conversão, eu poderia ler em abono das minhas apprehensões.

Não o foco, porém, pelo receio de fatigar a camara, cuja benevolencia desde já agradeço.

Sr. presidente. Não tencionava começar as minhas considerações a respeito d'este projecto na parte a que me estou referindo. Obrigou-me a começar por aqui o meu desejo de seguir o illustre relator a quem estou respondendo na ordem que deu á exposição dos seus argumentos a favor.

Visto porém que assim é, vou ainda dizer algumas palavras sobre o que constitue o maior dos perigos que nos ameaça, o perigo da administração estrangeira, para qual este projecto, doloroso é reconhecel-o, imprudentemente e ignominiosamente abre mais de uma porta.

O sr. Avellar Machado, meu illustre collega, já aqui se referiu aos inconvenientes e perigos que havia na votação d'este projecto nos termos em que se encontra, porquanto a sua simples votação, embora o sr. ministro da fazenda não faça remodelação alguma do banco de Portugal, implica o que constitue a administração estrangeira! Desculpe-me v. exa. se vou repetir alguns argumentos, mas elles foram ditos, não foram destruidos, e por consequencia legitimo é insistir n'elles, provocando por todas as fórmas a sua destruição para tranquilidade de todos, diligenciando por todos os maneiros obter do sr. relator, ou ilustres deputados do governo ou de qualquer dos illustres da maioria, uma rasão que nos convença, e assim nos tranquillise.

Devo dizer a v. exa., que o meu maior prazer seria que os argumentos que aqui se tem apresentado contra este projecto caíssem n'uma absoluta improcedencia, e que se demonstrasse que effectivamente da approvação d'este projecto ha de provir o nosso [erro] restabelecimento sob o ponto de vista economico e financeiro. Desejaria que fossemos nós que estivessemos em erro e o sr. ministro da fazenda e a maioria d'esta camara tivessem absoluta rasão.

Poderia com isso soffrer a vaidade maguada pela improcedencia dos argumentos, mas esse desgosto nada seria quando confrontado com a enorme, com a sentidissima alegria que teriamos quando realmente se vissse que estavamos illudidos e que effectivamente a felicidade do paiz era a consequencia natural e necessaria do projecto que se discute!

Mas, sr. presidente, devo dizer a v. exa., que nem no meu espirito, nem no meu coração tenho a esperança de que assim succeda.

Á administração estrangeira vem e vem fatalmente das disposições d'este projecto e, infelizmente, sr. presidente, nos argumentos de absoluta procedencia os apresentados pelo meu illustre collega o sr. Avellar Machado.

Segundo o paragrapbo d'este artigo 2.° as receitas hão de ser entregues ao banco de Portugal, que terá a seu cargo o serviço da divida publica nos praças estrangeiras. Como já disse, por simples decreto do governo, o banco póde estabelecer agencias em diversas praças, e, só para tanto é motivo o alargamento e a natureza das suas attribuições, ou creio que as que este projecto lhe confere de sobre chegarão para justificar a creação d'aquellas agencias.

Por sua vez as agencias transformam-se em caixas filiaes, desde que a importancia e a permanencia das suas attribuições nos paizes estranhos a tal conduzam, e todos nós cabemos quanto os importantes, e quanto infelizmente serão duradouras as suas attribuições, relativas ao serviço da divida externa.

Succede ainda que o director das caixas filiaes, e o seu corpo gerente nomeados, o primeiro pelo governo, e o segundo pelo conselho geral ao banco, podem ser estrangeiros, visto que a disposição do artigo 49.° dos seus estatutos, sómente applicavel a direcção do banco, não póde considerar-se extensiva á dos caixas filiaes, não só por effeito da letra da lei, mas ainda por ser uma disposição prohibitiva, e não poder como tal, ser entendida senão em sentido restricto.

Ora sendo assim o que succede?

Página 372

372 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

A administração estrangeira fica desde logo installada no banco, vem pela propria natureza das cousas, e mais do que no banco, no proprio estado, visto a consignação dos receitas aduaneiras, a sua entrega em deposito no banco, e ás attribuições proprias da direcção das caixas filiaes, que nos termos do artigo 32.º dos estatutos do mesmo banco, inspeccionam todos os seus ramos de serviço, tomam parte nas deliberações e no exercício das gerencias de cuja responsabilidade participam, fiscalisam o cumprimento da lei, estatutos e regulamentos, etc. (Apoiados.)

E não se argumente, sr. presidente, dizendo-se que o governo não creará agencias; que, se as crear, não serão estas convertidas em caixas filiaes; que se o forem, nem os seus directores nem os seus corpos gerentes serão estrangeiros, porque nem o governo nem a administração geral do banco os nomeará senão portuguezes, porque a verdade é esta: todos nós sabemos os costumes da terra, como dizia o sr. Dias Ferreira, e era precisa muita ingenuidade para não ver desde logo que, tendo os credores e os seus governos este caminho aberto para melhor assegurar os seus interesses, por certo não deixariam de empregar os meios precisos e quasi sempre faceis de tornar effectivas as suas aspirações. (Apoiados.)

Perderem este opportunidade seria uma inepcia de que os julgo incapazes. (Apoiados.)

É preciso ver claro. Só assim o paiz poderá defender-se dos perigos que o ameaçam.

Não ver, no que fica exposto, o perigo manifesto e evidente da administração estrangeira, constitue um caso de myopia, que muito é para deplorar.

Ao começar a minha resposta ao illustre relator d'este projecto d'isso que s. exa. tinha invocado factos passados, não fazendo assim mais do que seguir o exemplo já dado por outros oradores de recorrerem aos desvarios ou actos infelizes do outrora para justificarem com elles os actuaes.

Tal argumentação, porém, não é admissivel, e, se alguma consequencia ha que tirar do passado, essa é, como já disse, a de que é forçoso emendal-o e não continual-o.

Ainda ha poucos dias o sr. Barbosa Vieira, n'um discurso -muito eloquente, vinha aqui citar, naturalmente com arrepios do sr. ministro das obras publicas, o desastroso contrato do 1891, como um precedente que abona e aconselha a approvação do projecto que estamos discutindo agora.

Se s. exa. me comente, dir-lhe-hei que é precisamente em nome d'esse, ruinoso contrato e de outros actos igualmente ruinosos da nossa vida publica anterior, que é preciso emendar, corrigir os nossos costumes, e reformar o nosso svstema de administração. (Apoiados.)

Do celebre emprestimo dos tabacos, celebre, embora este adjectivo pese ao sr. ministro das obras publicas, que vejo presente, (Apoiados.) e de outras operações igualmente felizes, nos resultou a situação calamitosa em que nos debatemos, o que para todos se traduz n'uma infinidade de angustias por todos sentidas, embora por muitos não confessadas. (Apoiados.)

E como se justificava então aquelle emprestimo? Alleogava-se que o dinheiro, d'elle proveniente, alliviaria o paiz da crise em que já então se debatia e que seria facil, dado o desafogo conquistado com o sacrifício de uma das melhores receitas, a dos tabacos, restaurar a economia publica gravemente perturbada, regenerando as finanças do thesouro e -impulsionando n'um decisivo progresso a industria, o commercio e a agricultura, n'uma palavra, as differentes fontes da riqueza nacional.

Pois bem; o emprestimo fez-se, o sacrifício consumou-se, o dinheiro assim obtido, que tão caro foi, depressa se consumiu, e o tal desenvolvimento da economia nacional, em nome de que o contrato se votou, é o que se está vendo, na situação em que nos encontrâmos, tão proxima da ruina consummada, (Apoiados.) e que do vivamente começa a sobresaltar o espirito publico, como se revela na opinião que alastra por todo o paiz, n'uma reacção intensa e viva contra este projecto. (Apoiados.)

Para justificar o artigo em discussão o illustre relator invocou o precedente do artigo 10.° da lei de 1892; mas a verdade é que este precedente, se o é, não aproveita ao seu intento, porque embora fundamentalmente haja entre o artigo em discussão e o 10.° da lei de 1892 alguma paridade, visto em ambos se tratar da consignação de receitas, são taes as differenças no resto que nunca a doutrina d'este poderá justificar-se com a d'aquelle. (Apoiados.)

Para maior clareza passarei a ler o artigo 10.° da lei de 1892.

Diz esse artigo:

"Para assegurar aos credores, tanto nacionaes como estrangeiros, o pagamento regular e integral dos juros e amortisação, o governo poderá consignar a esse fim, dos rendimentos nacionaes, aquelles que entender necessarios e preferiveis, sem todavia alterar á; fórma ordinaria da percepção dos mesmos rendimentos, mas sim restaurando, pelo modo conveniente, o antigo regimen da dotação da divida publica."

Este artigo era na lei de 1892 uma consequencia do artigo 8.°, que auctorisava o governo á, negociar uma conversão.

Está elle, porém, revogado, porque o convenio de 24 de maio de 1892 foi rejeitado pelo decreto de 13 de julho do mesmo anno, que preceituou o pagamento de 1/3 em oiro, e pela lei de 20 de maio de 1893, que fixou o actual regimen - pagamento de 1/3 em oiro e partilha por metade no excedente dos rendimentos das alfandegas, exceptuados tabacos e cereaes, acima de 11:400 contos de réis.

Como artigo revogado, portanto, como artigo que jamais chegou a ter execução e caducou por inutil, visto a regulamentação definitiva da divida publica, estabelecida na lei de 1893, que acabo de citar, é claro, é evidente que invocal-o como precedente apenas exprime um expediente cujo effeito facilmente se adivinha, mas por isso mesmo promptamente se destroe. (Apoiados.)

Qual será pois a rasão por que o nobre ministro ao redigir a proposta usou das palavras: "são mantidas em vigor as disposições do artigo 10.°..." e a commissão e o seu relator, ao redigirem o projecto, usaram da seguinte formula: "Nos termos do artigo 10.°..."?

É facil a resposta, sr. presidente. Faltou-lhes a franqueza, a coragem de declarar abertamente o que queriam, de arrostar de frente com a opinião, cujo levantamento anteviram, e bem, e por isso fizeram o que o povo, na sua pittoresca phrase, que não me arreceio de, aqui usar, por ser esta uma camara popular, exprimiria assim: a sangraram-se em saude".
(Apoiados.)

Quizeram a todo o transe arranjar o precedente, e á falta d'elle adoptaram o expediente referido, não hesitando mesmo em, para conseguirem a sombra de uma tal apparencia, injuridicamente recorrerem a uma disposição revogada e de ha muito caduca por inutil.

E, todavia, sr. presidente, suppondo mesmo que a disposição citada estava em vigor, que analogia havia d'ella com a actual, de onde fosse possivel tirar argumento a favor d'esta?

Nenhuma. Ali não se consignavam as receitas das nossas alfandegas, as melhores do nosso orçamento, e aquellas portanto de que o paiz menos poderá prescindir. Ali a consignação era simultaneamente a favor de credores estrangeiros e nacionaes, o que lhe imprimia um caracter inteiramente outro, tão outro que os brios do paiz ficavam illesos.

Ali a entrega dos rendimentos consignados era á junta do credito publico, instituição antiquissima e profundamente nacional, tão antiga como a propria dotação da divida publica. (Apoiados.)

Página 373

SESSÃO N.º 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 373

Era assim n'aquella lei; na actual, porém, consignam-se especialmente, em hypotheca no primeiro grau, as receitas aduaneiras; sómente a favor dos, credores externos e em detrimento, portanto, dos internos; e estas receitas entregam-se ao banco de Portugal, com todos os perigos, que eu, e outros oradores por certo com mais brilho e clareza, já todos, aqui indicámos. (Apoiados.)

Para uns tudo, para outros nada. Perante os credores externos toda a submissão, e por isso todas as garantias que lhes são devidas pelo pavor que nos causam.

Perante os internos, cujos direitos deveriam ser por igual
respeitados, toda a altivos e todo o rigor que a medida em discussão traduz, porque ella importa o seu sacrificio
a bem d'aquelles. (Apoiados.)

Ha n'isto de coragem, e, porque não o direi? - uma cobardia impropria da iniciativa, do talento e das mais qualidades do illustre ministro da fazenda; e como da cobardia é companheira inseparavel a crueldade, ao mesmo tempo que assim nos curvamos perante os estranhos, somos da dureza que se vê para com os desprotegidos portadores da divida publica interna. (Apoiados.)

Aos credores internos tiram-se todas as garantias que a propria adjudicado dos rendimentos das alfandegas exclusivamente destinada a assegurar os encargos externos, assim reduz.

Com estes toda a severidade e toda a inclemencia que ao governo inspira o facto de os não temer; mas para aquelles a subserviencia a mais humilhante e o sacrificio de todos os brios, (Apoiados) porque esses tomem-se.

Se a consignação de quaesquer receitas é um expediente a adoptar quando as condições de vida da um povo são excepcionalmente afflictivas o angustioso e quando sobre o thesouro pairam legitimas e fundados suspeitas ácerca da sua solvabilidade, essa consignação só se comprehende, só se acceita, quando sendo igualmente desejada por todos os credores e a todos precisa, a todos se confira. Desdenhar, porém, uns, os fracos, para sómente cuidar de outros, os fortes, é procedimento que deprimo mais do que um governo, porque, offende a dignidade collectiva de uma nação. (Apoiados.)

Estes eram os principios da lei de 1893, onde as garantias offerecidas eram por igual para os credores externos e internos, e alem d'isto, esta lei não consignava especialmente as receitas alfandegarias, as melhores do nosso orçamento, e a entrega dos valores consignados operava-se, como segundo o creio, já disse, a uma instituição puramente nacional, como a junta, e não ao banco, que de certo com os novos serviços se desnacionalisará por meio das agencias e das caixas filiaes. (Apoiados.)

A junta, instituição antiquissima, que viveu n'outros tempos com um nome que agora me não recorda, mas que ao chama como hoje, pelo menos desde a lei que em 1837 reorganisou os serviços da divida publica, não certa por certo a porta por onde no paiz se introduziria a aviltante administração estrangeira, tutella deprimente que assim vamos voluntariamente solicitar. (Apoiados.)

E não se compare, sr. presidente, a situação de hoje com a de 1892. Então, por um decreto dictatorial tinha-se effectuada uma suspensivo brusca de pagamento do juros aos credores externos, o luto alguma cousa nos havia do custar; ao passo que hoje estamos todos, nacionaes e estrangeiros, vivendo dentro de um regimen definido, a acceite de facto e direito por todos, qual é o estabelecido na lei que as côrtes, em 1893, votaram. Sanccionou-o lá fóra a acceitação da credores: não tendo nós portanto até hoje faltado aos compromissos d'essa lei derivados, não é presumivel que tenham reclamado; se reclamaram, não ha que attendel-os emquanto o que está se cumprir; e sobretudo não ha que alterar, com humilhação principalmente, o regimen em que vivemos, desde que não seja para melhorar, e antes seja para peiorar, como succede. (Apoiados.)

Desde o momento em que a situação está definida, é preciso ter grandes e condemnaveis veleidades de variar para fazer alterações, a não ser que d'ellas resultou beneficias, e eu não vejo que toes beneficios venham.

Para que vamos nós offerecer garantias que não consta que ninguem pedisse? Porque somos nós que vamos offerecer garantias tão deprimentes para quem as offerece? Para que praticâmos similhante acto? Isto não se comprehende, a não ser que uma cegueira fatal desvairrase a mente, alias intelligente, da srs. ministros, para o lançar n'um caminho que parece ser mais conducente a ruina da nosso patria do que á nossa regeneração financeira.

A administração estrangeira paira como uma sombra negra nos horisontes da nossa vida politica, e vira não só pelo caminho já indicado, mas como consequencia de um acto leviano do sr. ministro da fazenda, qual foi o de entabolar negociações directas com os governos das nações estrangeiras. Emquanto não houve negociações com os governos estrangeiros a flua intervenção, se a houve, nos assumptos que respeitavam aos seus nacionaes, foi puramente officiosa; desde, porém, que vamos chamar os credores e tratamos com os anno governos, essa intervenção, que dantes era officiosa, passa a ser official e são bem visiveis as consequencias que podem derivar de uma intervenção d'esta ultima natureza. (Apoiados.)

Tudo convence que dentro em pouco se esgotarão os recursos anormaes que tem servido para occorrer lá fóra aos encargos da divida. Ora quando isto acontecer, sr. presidente, os governos estrangeiros, que até aqui só brandamente podiam intervir, apresentar-se-hão investidos no papel de partes contratantes, que o sr. ministro, quer dizer, o governo e o paiz lhes conferiram, e assim revestidos de uma auctoridade e de uma força que não tinham, exigirão da parte contraria o cumprimento das clausulas a que se obrigou, e, não tinham cumpridas, saberão por certo manter os seus direitos e reparar-lhes depressa a offensa. (Apoiados.)

Tudo isto deriva do projecto em discussão, ha de resultar d'elle com a fatalidade mathematica de uma lei natural; não posso pois votal-o, e não será com o meu applauso que o, governo o fará vingar perante o parlamento.

Com iguaes perigos, mas muito melhor urdido, é o projecto que constituo a substituição enviada para a mesa pelo sr. conde de Burnay.

No artigo paralello ao que está em discussão, quando trata da entrega em deposito das receitas consignadas, diz s. exa. que estas ficarão a cargo da junta do erudito publico, do banco de Portugal, ou de qualquer outro estabelecimento nacional.

Isto não é melhor, mas é muito mais bem feito. São tantos os estabelecimentos indicados como competentes para a alta funcção de guardar ao receitas aduaneiras consignadas, que até chega a parecer indifferente que de tantos seja um ou outro; e todavia, sr. presidente, o banco lá está entre elles, e, talvez peior ainda, lá estão tambem aquellas suggestivas palavras "ou qualquer outro estabelecimento nacional", suggestivas e perigosas, n'este paiz onde os estabelcimentos nacionaes... nominaes tanto se vão diffundindo e com tanta prosperidade medrando. (Apoiado.)

Justiça, porém, seja feita a todos, e pela habilidade do meu projecto releve-me o illustre deputado, o sr. conde de Burnay, que, embora com desagrado para a sua modestia, eu o felicite.

Agora consista-me v. exa. que ou fallo do corpo do artigo, porque o que ou tenho estado a discutir principalmente tem sido o seu § unico. Comecei pelo fim, era vez de começar pelo principio, e não estranhe ninguem e relevem-mo todos o desordenado das minhas considerações, cujo plano perdi inteiramente pelo desejo que senti de acompanhar o digno relator nas sim divagações.

No corpo do artigo é onde só preceitua a consignação

Página 374

374 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

das receitas aduaneiras para o pagamento aos credores externos.

Esta consignação de receitas é um facto contra o qual não posso deixar de me insurgir, por quanto eu vejo como consequencia necessaria d'elle: 1.°, a impassibilidade absoluta de futuras alterações pautaes; 2.°, a perturbação completa lançada no nosso orçamento, que já é tão confuso e desequilibrado.

Parece-me, que desde o momento em que consignemos aos nossos credores as receitas aduaneiras ficamos inhibidos de legislar a respeito de questões pautaes; que se ámanhã o governo preferir ao systema proteccionista, que é aquelle a que obedece a nossa pauta, o livre cambismo, se pretender supprimir taes ou taes direitos ou augmental-os para evitar a entrada de artigos, que venham affrontar a nossa industria, de certo não o poderá fazer pela mesma rasão que impossibilitaria um individuo de destruir um predio de que era proprietario e que na vespera houvesse hypothecado. Portanto este projecto que o governo pretende fazer votar como sendo um allivio para agora, e o preambulo do rejuvenescimento certo, futuro mas proximo, da economia nacional não é senão formalmente contradictorio de qualquer d'estes fins. (Apoiados.}

Ha industrias no nosso paiz que definham pelo direito exagerado que incide sobre a materia prima, destinada á sua laboração, direito que agora mais ainda se sente do que antigamente, porque a aggraval-o concorre com elle a depressão cambial. Outras desfallecem, porque não podem concorrer com a industria externa que as afronta; e pela mesma rasão outras que poderiam crear-se o desenvolver-se, nem ao menos se tentam.

Qual era a maneira de obviar a estes males, que, entre outros, affectam a riqueza publica?

Evidentemente seria o allivio do direito na materia prima de que carecem as primeiras industrias a que me referi, e o seu aggravamento nos productos que concorrem com a industria interna creada ou a tentar, elevando-o até, n'alguns casos o converter em direito verdadeiramente prohibitivo. Isto, porém, poderá fazer-se, votado que seja este projecto?

Por certo que não. Qualquer d'estes factos reduzindo o direito, ou, embaraçando a importação, fará que os credores, e os seus governos, acudam logo clamando:

"Não, não consentimos, isso seria reduzir a nossa caução e portanto faltar á boa fé e ao respeito dos contratos."

E o peior é que os reclamantes terão incontestável rasão. (Apoiados.)

E isto, sr. presidente, não é tudo. Ha outro facto que salta aos olhos dos mais inexperientes porque até os meus o vêem. É o seguinte: Os credores são duplamente interessados na annullação da nossa industria. Annulal-a seria a sua maior vantagem, depois de convertido em lei este ruinoso projecto (Apoiados.), porque, sr. presidente, ao mesmo tempo que fariam assim crescer a sua canção com o augmento da importação, abririam às suas proprias industrias um mercado que lhes asseguraria um largo e seguro consumo, por falta da concorrencia interna. (Apoiados.)

A propria agricultura será profundamente affectada, se tão infeliz e inconveniente projecto for votado.

Ainda ha poucos dias a camara dos dignos pares do reino votou um projecto de lei que isenta do direitos varios adubos e elementos chimicos destinados a confeccional-os. Medidas d'esta natureza estão sendo diaria e instantemente reclamadas pelas necessidades crescentes da nossa industria agricola, que parece ter iniciado uma quadra de intenso desenvolvimento, e da qual ha o direito de muito esperar, por constituir uma das melhores e mais seguras fontes da riqueza do paiz. (Apoiados.)

Pois muito bem, sr. presidente, vote-se este projecto que parece destinado a dar o ultimo impulso á nossa ruina, e a isenção de direitos a favor de adubos ou elementos chimicos que a elles se destinem de alfaias e utensilios agricolas, machinas, e o mais que do estrangeiro nos ha de vir, se queremos ver florescente a nossa agricultura, ficará constituindo um facto prohibido. (Apoiados.) E entretanto a agricultura que retroceda, e que todas as industrias morram ou se paralysem, comtanto que os credores externos fiquem garantidos, embora á custa de tudo e de todos.

Estes singelos, estes simples factos; que acabo de referir bastam para condemnar este projecto, que, alem de tudo, é offensivo da soberania politica da nação, que ficará impedida de legislar sobre um dos ramos de serviço que mais interessa á sua administração e á sua economia. (Apoiados.)

Este projecto, pelo que expuz, e não desenvolvo mais, deixando ao douto suprimento dos que me escutam e muito que me falta dizer, este projecto, digo eu, não póde, não deve ser votado n'esta camara. Ruinoso para o fomento nacional que, em vez de incitar e favorecer, contraria, elle tem a mais a qualidade que passo a demonstrar, qual é a de mais ainda desequilibrar o nosso orçamento já tão profundamente avariado.

Não me cançarei nem fatigarei a camara com a indicação minuciosa de verbas e algarismos;

Direi apenas que, sendo os encargos actuaes da vida publica externa, segundo o orçamento, no valor de 6:244 contos de réis, provenientes, 3:022 contos de réis de juros e amortisação, 1:516 contos de réis de differenças cambiaes, calculadas por um agio de 50 por cento e 696 contos de réis de participação nas alfandegas, e sendo por isso o encargo em cada mez 437 contos de réis, para garantia d'esta verba, o projecto consigna por anno 12:793 contos de réis, receita das alfandegas, ou seja, por mez, 1:066 contos de réis. D'aqui resulta em cada mez um saldo de 629 contos de réis, ou, por anno, 7:548 contos de réis.

Esta verba é importantissima, não póde o estado renuncial-a ou privar-se d'ella, que ella e todas as mais de receita que existem, ainda ficam longe de chegar para as despezas a cargo do thesouro publico; e todavia, sr. presidente, no projecto nem uma só palavra se vá definindo o direito do estado a rehavel-a, e regulando a fórma e o momento em que a sua devolução se ha de effectuar. (Apoiados.)

Ter direito não basta. Todos os dias vemos contestados no fôro, quando se trata de particulares, e em reclamações diplomaticas, quando se trata de paizes, os direitos que mais fora de contenda julgavamos. É preciso definil-os, precisal-os e regulal-os. Onde está no projecto disposição que regule n'este caso o direito do estado á devolução de saldos, o que primeiro precise e defina este direito? Em parte alguma, sr. presidente, e todavia se por desventura este projecto tem um dia de ser lei d'este desgraçado paiz, então, do mal o menos, e ao menos addite-se ao artigo qualquer esclarecimento sobre a duvida que por mim acaba de ser levantada.(Apoiados.)

Redigido nos termos em que se encontra os credores, com optimo fundamento, poderão impugnar a devolução dos saldos, porque o projecto manda depositar a totalidade das receitas e não se parte, e os credores allegarão que esta disposição do projecto é para prevenir, com os saldos positivos de um mez, os possiveis saldos negativos de outros, ou, com os de um anno, os de outros annos, saldos negativos possiveis se considerarmos, primeiro, a oscillação cambial, segundo, o previsto decrescimento das receitas alfandegarias.

Reclamações menos bem fundadas do que esta se terão já feito com bom exito; não será de admirar, portanto, que os credores externos entendam como fica exposto, e com elles os seus governos, e que, reclamando os primei-

Página 375

SESSÃO N.° 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 875

ros com o apoio dos segundos, ao nosso pobre paiz não reste outro recurso senão o de sujeitar-se.

O projecto é pessimo; evite-se ao menos que a imperfeita redacção dos seus artigos se preste ou favoreça interpretações que mais lhe aggravem o desastre da doutrinal

Se o artigo, subsisto como está, a nossa situação ficará verdadeiramente irreductivel, porque é para mim certo que os credores, na ancia de garantirem o assegurarem pela melhor fórma os seus direitos, não consentirão a devolução dos saldos, e assim, perdidas as receitas das alfandegas na sua totalidade, o almejado ideal do equilibrio orçamental, passará definitivamente para a tenebrosa região das cousas impossiveis. (Apoiado".)

Redigido o artigo, como está, os saldos, que, segundo julgo, o governo não considera perdidos, e imagina que se lhe devolvem, não voltam. Dos credores e seus governos só ha a esperar opposição; o banco, depositario com as responsabilidades derivadas d'esta qualidade perante as entidades a favor de quem o deposito e feito, tambem porcerto não quererá assumir a responsabilidade de deliberar e effectuar a devolução, até porque, mero depositario e transmissor, carece de competencia para julgar sobre a quem por direito deve fazer entrega dos soldos; a lei não diz nada, antes na generalidade dos seus termos parece obrigar a totalidade das receitas ao deposito: a consequencia, pois, do artigo será a suppressão das referidos receitas no nosso orçamento, e isto, sr. presidente, será a maior calamidade das nossas finanças, porque o seficit passará o ser, pelo menos, de 8:052 contos de réis. Se não vejâmos.

Perde-se o valor das receitas aduaneiras consignadas, ou seja 19:795 contos de réis. A esta perda acresce a dos juros de titulos da divida externa, alienados pelo governo, e mais a dos juros das 72:718 obrigações que o governo teima em não considerar perdidas, dizendo que estão caucionando uma operação do thesouro, mas cujo paradeiro é desconhecido do paiz porque e é da camara, e por isso eu continuo a considerar perdidos, tudo no valor de 438 contos de réis, o que perfaz o quantia de 18:133 contos de réis. Deduzida esta verba das receitas ordinarios constantes do orçamento, no valor de 51:355 contos de réis, ficam estas reduzidas o 38:222 contos de reis".

Agora, sr. presidente, pondere v. exa. e pondero a camara que o valor total das despezas ordinarias é de 61:518 contos de réis. mós abatendo d'ellas o encargo da divida externa no valor de 5:244 contos de réis por notar especialmente a cargo das receitas consignadas, ficam ellas reduzidas a 46:244 contos de réis, encargo este para fazer face ao qual ha apenas 88:299 contos de réis, o que desde logo revela um deficit de 8:052 contos de réis, isto é, mais 500 e tantos contos de réis ainda do que os saldos annuaes, no valor de 7:000 e tantos contos de réis, das receitas depositadas. Se se acrescentar a isto as despezas extraordinarias, do valor de 2:200 contos de réis, nas quaes acredito, mas não tomei para base dos meus calculos por não ter igualmente tomado as receitas extraordinarios, nas quaes não creio, sobretudo emquanto vir que d'ella faz parte o emprestimo das classes inactivas, que ao meu criterio repugna, por ser emprestimo, que possa considerar-se receita, teremos o deficit elevado a 10:252 contos de réis, o que significa a completo, ruina das nossas finanças. (Apoiados.)

A isto, sr. presidente, acresce o phenomeno terrivel, sinistro, mas sempre verificado nas contas dos differentes exercicios, do retrahimento certo das receitas previstas, o da expansão constante das despezas calculadas, que têem chegado a converter em grandes definita, que a divida fluctuante denuncia, alguns saldos positivos annunciados com pompa nos jogos malabares dos nossos orçamentologos e onde assim, para onde irão os deficits futuros, não direi dos nossos orçamentos, porque ahi os algarismos dispõem-se com mais ou menos arte, e sempre como se quer, mas na triste e desoladora realidade das contas finaes das gerencias?!

E quem pagará estas differenças? Já aqui se tem dito, sr. presidente, que primeiro do que ninguem as sentirão os infelizes portadores da divida publica interno, bastardos da situação, nos quaes se comprehendem misericordiso, viuvas e orphãos, pessoas a quem o estado deve protecção por lei, cujos bens por obrigação imposta na lei foram quasi todos convertidos em titulos, mas que o governo abandona e desprotege, sacrificando-as á garantia de estrangeiros. (Apoiados.}

Triste sorte os espera se o paiz os não defender, isto é, se o paiz se não defender. (Apoiados.}

Sr. presidente, não tenho a pretensão de derramar nova luz sobre o assumpto. Tambem não me chama a este terreno a preocoupação do disputar primazias de eloquencia com os meus collegas que se um e outro lado da camara me tem antecedido no uso da palavra.

Tal pretensão da minha parte seria simultaneamente ridicula é improfiqua; ridicula porque poria a descoberto um sentimento de vaidade, que não tenho, e seria rísivel, inproficua porque decerto eu não chegaria a igualar, quanto mais a exceder os primores de eloquencia de que n'esta camara tem dado mostras tão brilhantes e evidentes todos os oradores que me têem procedido.

Em todo o caso tenho exposto as considerações que v. exa. tem ouvido e outras que me reservo acrescentar, só porventura não abuso exageradamente da paciencia da camara, por entender que como portuguez e como deputado não posso, na primeira qualidade, deixar passar som protesto o projecto que pé discute; e na segunda qualidade, deixar de explicar as rasões que me levam a negar ao projecto em discussão o meu voto.

Este projecto tem sido aqui muito discutido. Tem-se apresentado contra elle numerosos e proficientissimos argumentos, baseados em elementos de investigação colhidos no orçamento e em varias contas da nossa administração decerto com muitissimo trabalho.

Eu não quero fazer censuras á commissão porque não está isso na minha alçada nem na minha vontade, pelo facto de se ter poupado tonto o fornecer-nos quaesquer esclarecimentos; mas não posso deixar passar sem reparo que um projecto d'esta ordem venha acompanhado do um parecer elaborado apenas em meia duzia de linhas nas quaes, só algum algarismo se encontra, como espirituosamente, disse outro dia um dos meus mais illustres collegas d'este lodo da camara, é simplesmente o da sua data. (Apoiados.}

É verdade que o que no parecer não vem, podia ternos sido dito n'esta camara pelos oradores que tem tomado a seu cargo a defeza espinhosa d'este projecto; mas qual! a mesma discreta reserva do parecer, e por isso esclarecimentos nenhuns. (Apoiados.)

O meu illustre amigo e collega, o sr. Malheiro Reymão estranhava n'esta casa, ha dias, que os cabos de guerra do partido progressista não tivessem ainda vindo o terreno fazer a defeza d'este projecto.

Realmente esta mesmo entranhos tinha-a eu no meu espirito e tenho-a ainda hoje, porque aquella abstenção continua e os taes cabos de guerra do partido progressista continuam a não contrapor aos nossos os seus, por certo importantes argumentos.

Ouvi apenas o sr. Eduardo Villaça, considerado por todos uma especie de ministro supplementar da fazenda sobre cuja competencia o sr. Ressano Garcia sacca a descoberto, não direi para as falhas dos seus recursos de talento que são muitos, mas para as impossibilidades da sua actividade, que algumas hão de ser.

Escutei o sr. Villaça com toda a attenção que me era imposto e a todos pelo seu grande talento, pelo encanto da sua palavra, pelo sua alta situação e por essa prestigiosa atmosphera de sympathia em que a sua individualí-

Página 376

376 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

dado vive envolta, e o certo é que, escutando-o com toda a attenção, fiquei tendo mais do que antes no espirito esta triste idéa: positivamente o projecto não tem defeza, (Apoiados) aliás de certo a encontraria e melhor a saberia expor quem a tanta competencia allia tamanho brilho de palavra e tanto vigor de argumentação.

Resta-me a esperança de que o illustre ministro ainda irá da sua justiça, e vae sendo tempo; mas a verdade é esta: no seu discurso, que espero ouvir, não suscitado pelo meu, que a minha modesta situação dentro do meu partido me não dá direito a esperar tamanha e tão distincta honra, mas a proposito do de qualquer outro orador que d'este lado melhor mereça essa deferencia, no seu discurso que espero ouvir, dizia eu, o que não espero é encontrar a defeza do projecto, por esta simples mas decisiva rasão, porque a não tem.

E realmente não a tem, isto é, nada vejo em tal projecto, nomeadamente no seu artigo 1.°, que possa compensar o grande sacrificio do seu artigo 2.°, e a grande humilhação que o paragrapho unico d'este artigo importa.

Compensar, disse eu, mas appliquei impropriamente o verbo porque, para nós, se póde haver compensações para sacrificios, desconhecemol-as para humilhações. (Apoiados.)

Sr. presidente, no seu relatorio sobre a proposta, disse o illustre ministro que desde 1862 a 1884 os nossos emprestimos no estrangeiro ascendiam ao valor nominal de 49.000:000 de libras, pelos quaes realmente recebemos pouco mais de 20.000:000, e pelos quaes pagam 1:000:000 e tanto, quer dizer mais do 7 por cento, quando parallelamente os fundos francezes e inglezes pagavam apenas de 3 a 5 e 2 a 4 por cento.

Este facto que é verdadeiro invoca-o naturalmente o illustre ministro para de certo modo legitimar a pretensão de na conversão a propor e effectuar, se reduzir o juro e porventura o valor nominal da divida.

Parece realmente que, negociando comnosco em condições de tanta usura, os credores procuravam nos enormes lucros impostos, antecipada compensação para eventualidades futuras, que previram. Fosse porêm assim ou não, não representa isto rasão para se fugir a encargos derivados de contratos regularmente feitos, e é claro que o nosso dever é pagar.

Comprou-se o dinheiro caro ? Não importa; o que urge é comprir e honrar os compromissos tomados até onde fôr possivel.

Póde o paiz com elles? É evidente que não.

Qual é pois o unico fundamento da conversão? Evidentemente a impossibilidade em que o paiz actualmente se encontra de cumprir os encargos a que está obrigado, e a necessidade de conquistar uma phase de allivio que seja bastante para durante ella restaurar as forças perdidas e com ella a economia publica. (Apoiados.} Se não é isto o que o paiz quer então não comprehendo a necessidade d'esta impropriamente chamada conversão. (Apoiados.)

Mas isto consegue-se com o projecto em questão? É infelizmente verdade que não. N'este caso e por mais este fundamento deve o parlamento engeitar similhante convenio. (Apoiados.)

O unico limite estabelecido para os encargos é de elles não ficarem excedendo os actuaes, ou seja pelo orçamento 5:244 contos de réis, com que o paiz não póde. Que pretende pois o governo conservando-os, e até, peior ainda, aggravando-os?

E que os aggrava não póde duvidar-se. Pois não pede o governo no artigo 3.° auctorisação para consolidar a divida fluctuante? Pede. Suppondo pois que realisa operação, os encargos d'esta divida, alguns minimos, e maior parte em papel, passam a ser todos convertidos em oiro; ora tendo em vista o valor da divida fluctuante e calculando o juro da emissão para a consolidação a 5 e meio por cento, o que julgo caber no limite fixado no citado artigo terceiro, teremos por este facto o encargo annual augmentado em mais 1:654 contos de réis, tudo isto pelo preço de 800 e tantos contos de réis em oiro, ou seja 1:300 contos de réis approximadamente em papel, preço das taes despezas que julgo se reduzirão apenas á fallada operação de estampilhagem, operação tão boa que levou o illustre parlamentar e meu amigo o ar. Luciano Monteiro ao deplorar que não seja elle o artista estampilhador, e me leva a mim a sentir fundo pezar por não poder ser seu associado. (Riso).

Sr. presidente, é uma verdade que pela sua evidencia dispensa toda a demonstração que a situação actual é a resultante dos encargos existentes. Como é pois que pretendemos saír d'ella conservando os mesmos encargos pelo que respeita ao juro e abrindo longa margem para o seu aggravamento em despezas, consolidarão da divida fluctuante e outro emprestimo que se diz o plano a grande aspiração do governo?

Singular maneira esta de curar o mal do paiz.

Estranha therapeutica a do governo; para o deploravel estado pathologico da nação! (Apoiados.)

O mal vem dos encargos que ascendem a 5:244 contos de réis.
Pois bem para nos curarmos elevamol-os a 7:000 e tantos contos de réis.

Não comprehendo, sr. presidente, essa maneira de salvar o paiz, e o que mais me custa e doe não é não comprehender, mas sim a triste e deploravel certeza que me enche a alma e me diz que, assim, em vez de o levantar mais fundamente ainda o sepultamos na ruina. (Apoiados.)

Por esta maneira os deficits subsistirão. O recurso aos bilhetes do thesouro para occorrer a deficiencias nas contas da gerencia continuará a ser usado. Alargar-se-hão as emissões do banco, phenomeno tão ruinoso desde que entre ellas e as respectivas reservas acabe o equilibrio.

A divida fluctuante, agora consolidada, resurgirá em breve: tudo, emfim, continuará, não na mesma mas peior ainda, acabando nós por ser levados á ruina com a fatalidade de uma lei mathematica. (Apoiados.)

N'estes termos se exprime o illustre ministro no seu relatorio da proposta de conversão, quando define a situação do paiz, da qual julga preciso saír, no que estamos todos do accordo, e, cousa singular! - attribue tudo isto á successiva depressão cambial, e todavia lê-se a proposta e agora o projecto, e nem uma só palavra se encontra n'elle tendente a obviar os males que de futuro nos podem advir do aggravamento do agio.

Seria de esperar que visto esta comprehenesão dos acontecimentos o sr. ministro marcasse no projecto um maximo de taxa cambial.

Já proficientemente aqui tratou d'este assumpto o meu collega o sr. Luciano Monteiro; e todavia nada, nem ao menos uma emenda ou um additamento.

Sr. presidente, subsistindo o agio do oiro, que nem ao menos se limita, e para o estado o respectivo encargo; conservando-se os encargos de juros os mesmos e creando-se novos, a drenagem do oiro nos mercados nacionaes augmentará, o agio crescerá proporcionalmente á compra maior de cambiaes, e a industria e o commercio, tudo o que importa artefactos, generos ou materias primas, e portanto a economia nacional, definharão ainda mais, e mais rapidamente irão á ruina. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - V. exa. tem ainda um quarto de hora para concluir o seu discarso.

O Orador: - Vou fazer diligencia para que as considerações que ainda tenho a fazer, caibam dentro do quarto de hora que me resta.

Consta, e até parece que o governo o declarou, que por este projecto conta elle obter algum dinheiro, com o qual espera occorrer ás difficuldades em tempos mais proximos.

Página 377

SESSÃO DE 22 DE 25 DE FEVEREIRO DE 1898 377

Mas como, sr. presidente? É o que eu não vejo, a não ser que seja pela consolidação da divida fluctuante, provavelmente toda, visto o projecto não distinguir, consolidação para a qual o artigo 3.º lhe confere auctorisação.

Mas se a emissão que vae realisar auctorisada pelo artigo a que acabo de me referir é destinada ao pagamento da divida fluctuante, e não deve portanto exceder o seu valor, como é que o governo realisa dinheiro disponivel para outras despesas que não sejam estas?

Não se comprehende, sr. presidente, a não ser que venham aqui esclarecer-me, com um raio de luz n'esta sombra, umas palavras que aqui ouvi proferir ao sr. relator da primeira vez que fallou sobre este projecto, em resposta ao illustre parlamentar e distincto financeiro, e meu amigo o sr. Mello e Sousa.

Lembro-me que o sr. Mello e Sousa arguiu o governo de que ía converter os encargos da divida fluctuante, que eram em papel, em encargos em oiro, e que o sr. relator lhe respondeu: "Mas o governo não paga ao banco".

Se o governo não paga ao banco, então comprehende se como elle arranja dinheiro.

A divida fluctuante é de 40:000 contos de réis, dos quaes 24:000 são devidos ao banco. Para consolidar realisa o governo 40:000 contos do reis; mas d'estes 34:000 não se paga; são pois 24:000 os que lhe ficam para por mais dois annos continuar no logradouro da governança publica.

Mas isto é profundamente irregular. Isto é uma cilada armada á maioria.

Isto é uma mina, um desastre, um attentado que eu nem quero commentar! (Apoiados.)

Sr. presidente; assombra tudo isto. E do abuso do emprestimo que nos vem a desgraça; pois ha novos emprestimos. Isto lembra o proceder de quem vendo outrem caír com uma congestão cerebral, corrosão e, para lhe acudir, lhe pegasse pelos pés e invertesse de cabeça para baixo.

"Similia similabus" é a base da homeopathia.

"Similia similibus" parece-me ser a divisa d'este governo, E para tudo nos admirar até de estranhar é tambem que n'este caso um dos defensores do projecto fosse o illustre clinico e não menos illustre parlamentar o sr. deputado Moreira, que, segundo creio, em escola tão outra tem conquistado o melhor da sua justa fama.

Vou terminar, sr. presidente. Está de certo fatigada a camara pela attenção com que me tem honrado. Eu mesmo me sinto fatigado.

Consinta-me, porém, v. exa. que eu ao acabar renove o meu protesto, como portugues e como deputado, contra este projecto, que em minha consciencia considero tão ruinoso como offensivo da dignidade do meu paiz. (Apoiados.)

Espero que elle não chegará a ser votado, porque julgo que aqui como lá fóra, em cada peito pulsa um coração verdadeiramente portuguez em estimulos do brio que não posso crer apagado até ao ponto de ver sanccionada esta ignominia.

Espero, sr. presidente, que o proprio governo, perdida a sua obsecação e melhor avisado, deixará de exigir da sua maioria o doloroso sacrificio que pretende impôr-lhe, se não a propria maioria terá a coragem patriotica de o abandonar.

Mas, sr. presidente, se assim não for, então alguma cousa que no paiz existe e está acima de todos nós, alguma cousa que em mostras inequivocas começa já a bem definir a sua justa reaçcão contra este projecto, a opinião e a acção publicas, saberão cumprir o seu dever, e salvando-nos de um governo, que julgo incapaz de querer trahir a patria, mas que a essa triste apparencia, de certo tão discordante da verdade, é levado pela sua perseverante obsecação, nos livrarão da affronta que este diploma exprime.

Ha phrases a respeito das quaes se diz que já não tem força, á força de usadas.

Apesar d'isso, porém, permitta-me v. exa. que eu lhe diga é á camara, que, assistindo á triste derrocada do que todos vamos sendo apavoradas e condoídas testemunhas, dir-se-ha que um vento de insania passa por este pobre paiz e pervertendo todos os intentos, e desvairando os mais claros entendimentos, ameaça lançar tudo e todos n'uma serie deploravel de desvarios e loucuras verdadeiramente criminosos qne nos faz crer que estamos no preludio tristissimo do fim de uma nação que tendo no seu passado, tão brilhante, tão gloriosas tradições, parece estar fadada a terminar cuspida o esmagada pela mais affrontosa, pela mais triste, pela mais odiosa das calamidades.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos dos seus collegas.)

(S. exa. não reviu.}

O sr. Luciano Monteiro: - (Para um requerimento): - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se verifique se na sala ha numero sufficiente de deputados para poder continuar a discussão do projecto. = Luciano Monteiro.

O sr. Presidente: - Tenho a declarar á camara de que a pratica antiga era que para discutir não é preciso numero legal; mas devo tambem declarar, que já na sessão passada se levantou o mesmo incidente, provocado, se não estou em erro, pelo sr. Marianno de Carvalho.

Foi então resolvido que a camara, mesmo para discutir, não póde funccionar sem o numero legal, o que aliás me parece deduzir-se das disposições regimentaes.

Visto o requerimento do sr. deputado, vae verificar-se se ha numero.

(Pausa.)

O sr. Presidente: - O sr. secretario contou trinta e sete srs. deputados. Vou mandar fazer a chamada para se verificar com exactidão se ha numero.

Vozes da esquerda: - Não ha numero.

O sr. Presidente: - Vae verificar-se.

Uma voz da esquerda: - Nós vamos pela conta de v. exa.

Outra voz tambem da esquerda: - Nós estamos de accordo com a contagem feita pelo sr. secretario.

Voz da direita: - A chamada, a chamada.

Fez-se a chamada, verificando-se estarem presentes 37 srs. deputados.

O sr. Presidente: - A sessão não póde continuar.

O sr. Baracho: - Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: - Não póde ser porque não ha numero, e vou encerrar os trabalhos parlamentares.

O ar. Baracho: - Era para pedir a publicação da nomes da senhores deputados que estiveram presentes.

O sr. Presidente : - Póde requerer na segunda feira.

A primeira sessão é na segunda feira e a ordem do dia a mesma que vinha para hoje e mais o projecto n.° 9 - Liberdade de imprensa.

Está levantada á sessão .

Eram seis horas e vinte minutos.

Representação enviada para a mesa n'esta sessão

Da junta de parochia da freguezia de Lamaçães, do concelho de Braga, pedindo auctorísação para vender a casa em ruinas, que servia antigamente de residencia do parocho, e um pequeno terreno junto, e o seu producto ser applicado á compra de nova casa par a residencia parochíal.

Apresentada pelo sr. deputado Antonio Cabral Paes do Amaral, devendo ter destino igual a um projecto de lei, sobre o mesmo assumpto, que ficou para segunda leitura e mandada publicar no Diario do governo.

O redactor = Lopes Vieira.

Página 378

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×