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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

22.ª SESSÃO

EM 29 DE AGOSTO DE 1905

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta deu-se conta do expediente. - O Sr. João Pinto dos Santos pede que lhe seja reservada a palavra para quando estiver presente o Sr. Presidente do Conselho. O Sr. Visconde da Ribeira Brava faz igual pedido. - O Sr. Oliveira Mattos apresenta um projecto de lei, autorizando um empréstimo a fazer pela Camara Municipal de Coimbra. Responde o Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles). - Pede a palavra para um negocio urgente o Sr. Queiroz Ribeiro, mas a Camara recusa a urgencia. - Discursa sobre a protecção á primeira infancia o Sr. Caesiano Neves. Responde o Sr. Ministro dos Estrangeiros (Eduardo Villaça). - O Sr. Pereira Cardoso refere-se aos professores de Tabuaço. - Apresenta um requerimento o Sr. Silva Telles. - O Sr. Alexandre Garrett manda para a mesa o parecer sobre a proposta de lei n.º 15-E.

Na ordem do dia lê se o projecto de lei n.° 8. que é approvado sem discussão. - Seguidamente entra em discussão o projecto de lei n.° 4. Discursaram os Srs. Alfredo Brandão, Ministro da Querra (Sebastião Telles) e Clemente Pinto, sendo em seguida approvado. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 10. Fala o Sr. Mendes Leal. - O Sr. Henrique Kendall apresenta o parecer sobre a proposta de lei n.° 5-R, de 1905. - O Sr. Tavares Festas justifica as faltas do Sr. Luiz José Dias. - O Sr. Presidente participa a eleição que fizera de membros para as commissões de administração publica, saude publica e regimento. - Trocam-se explicações entre os Srs. João Pinto da Santos e Presidente do Conselho (José Luciano de Castro).

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. Libanio Antonio Fialho Gomes (Vice-Presidente)

Secretarios - os Exmos. Srs.:

Conde de Agueda
Gaspar de Abreu de Lima

Primeira chamada - Ás 2 horas da tarde.

Presentes - 10 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 3 horas.

Presentes - 64 Srs. Deputados.

São os seguintes: - Albino Augusto Pacheco, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Cassiano Pereira de Sousa Neves, Antonio Centeno, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio de Sousa Athayde Pavão, Antonio Tavares Festas, Augusto Faustino dos Santos Crespo, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Carlos Augusto Ferreira, Conde de Agueda, Conde do Alto Mearim, Conde de Carcavellos, Diogo Domingues Peres, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eduardo Fernandes de Oliveira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Francisco Xavier da Silva Telles, Gaspar de Abreu de Lima, João Alberto Pereira de Azevedo Neves, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Serras Conceição, Joaquim Pedro Martins, Jorge Guedes Gavicho, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Moreira de Almeida, José Cabral Correia do Amaral, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José da Cruz Caldeira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Simões de Oliveira Martins, José Vicente Madeira, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Eugenio Leitão, Luiz Maria de Sousa Horta e Costa, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Antonio da Silveira, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Raul Correia de Bettencourt Furtado, Visconde do Ameal, Visconde das Arcas, Visconde de Pedralva e Visconde da Ribeira Brava.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Abel da Cunha Abreu Brandão, Abel Pereira de Andrade, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Proença de Almeida Garrett, Alvaro da Silva Simões, Antonio Alves Pereira de Mattos, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Maria de Carvalho de Almeida Serra, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio de Sousa Horta Sarmento Osorio, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Augusto Cesar Claro da Ricca, Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Penha Garcia, Conde de Sucena, Emygdio Liuo da Silva Junior, Eusebio David Nunes da Silva, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendnll, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João José Sinel de Cordes, Jofio Maria Cerqueira Machado, Joào de Sousa Tavares, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Hilario Pereira Alves, José Coelho da Motta Prego, José Ferreira de Sousa Junior, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Queiroz Velloso, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Pizarro da Cunha de Porto Carrero (D.), Luiz Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Mario Augusto de Miranda Monteiro e Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.).

Não compareceram á sessão os Srs.: - Adriano Anthero de Sousa Pinto, Anselmo de Assis Andrade, Antonio Augusto Pires de Lima, Antonio Homem de Gouveia, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio José Gomes Lima, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio, de Mattos Magalhães, Antonio Peixoto Correia, Antonio Rodrigues Nogueira, Arthur da Costa "Sousa Pinto Basto, Conde de Paçô-Vieira, Conde da Ribeira Grande (D. Vicente), Eduardo Burnay, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Francisco Joaquim Fernandes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gil de Mont'Alverne de Sequeira, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Baptista Ribeiro Coelho, João da Costa Santiago de Carvalho e Sousa, João Joaquim Izidro dos Reis, João de Sousa Bandeira, Joaquim José Cerqueira, Joaquim José Pimenta Tello, José Affonso Baeta Neves, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Augusto de Lemos Peixoto, José Maria de Oliveira Simões, José Osorio da Gama e Castro, José Vieira da Silva Guimarães, Julio Dantas, Julio Ernesto de Lima Duque, Luiz Filippe de Castro (D.), Luiz José Dias, Manuel Francisco de Vargas, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marianno José da Silva Prezado, Pedro Doria Nazareth, Rodrigo Affonso Pequito, Sertorio do Monte Pereira, Vicente Rodrigues Monteiro, Visconde de Guilhomil, Visconde da Torre, Zeferino Candido Falcão Pacheco.

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ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio da Guerra, remettendo nota dos officiaes do exercito que teem passado para o quadro de reserva por terem attingido o limite de idade, e por equiparação; dos que se reformaram; dos que se acham em diversas commissões; nota .do producto das remissões do serviço militar e das despesas a que foram applicadas relativa aos annos de ]897 a 1904; nota dos vencimentos do Presidente do Supremo Conselho de Justiça Militar, de cada um dos vogaes, do auditor, e adjunto do auditor do mesmo tribunal; numero dos processos distribuidos e julgados nos annos de 1902, 1903, 1904 neste Tribunal de Justiça; e outros documentos, satisfazendo assim, em parte, ao- requerimento do Sr. Deputado Alfredo Cesar Brandão.

Para a secretaria.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Na sessão de hontem da Camara dos Dignos Pares do Reino o illustre Presidente do Conselho fez uma referencia que me visou directamente.

Falando na questão Reilhac, disse S. Exa. que o que tinha dito na commissão de fazenda, fora apenas como conversa particular entre amigos.

Esta phrase desagradou tanto a um Digno Par, que acudiu em minha defesa.

Comprehende decerto V. Exa. e comprehende a Camara que, tratando se de uma questão pessoal e tendo havido alguém que interveio, na outra casa do Parlamento, em meu favor e defesa, não posso, sem offensa do meu brio, seja qual for a minha boa vontade de que as sessões corram tranquillas, deixar de me referir á phrase que me visou directamente.

Está neste momento o Sr. Presidente do Conselho empenhado em um debate na outra casa do Parlamento; mas, como as sessões terminam ali ás 5 1/2 horas, e na Camara dos Senhores Deputados ás 7, peço a V. Exa. que o previna para comparecer ainda hoje, e peço tambem que me inscreva para explicações antes de se encerrar a sessão.

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Antonio Cabral.

O Sr. Antonio Cabral: - Desisto da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Visconde da Ribeira Brava.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Peço a V. Exa. que me reserve a palavra para quando estiver presente o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Oliveira Mattos: - Manda para a mesa um projecto de lei, autorizando a Camara Municipal de Coimbra a contrahir um emprestimo de 100:000$000 réis para serem applicados a melhoramentos n'aquella cidade.

Este projecto de lei justifica-se com uma representação enviada por aquella municipalidade, e que o acompanha. No relatorio fazem-se considerações de tal ordem, que lhe parece que hão de pesar no animo da commissão a que o projecto vae ser enviado, e por isso limita-se a pedir a essa commissão que de o seu parecer o mais depressa possivel, porque os melhoramentos para que é destinada aquella importancia são urgentissimos.
Não lhe permitte o seu estado de saude alargar se em considerações; e assim apenas dirá á commissão que o projecto não levantará difficuldades na Camara, porque não se trata de uma questão politica.

A Camara Municipal de Coimbra não faz politica. E presidida pelo illustre lente da Universidade o Dr. Marnoco de Sousa, que segue rigorosamente as pisadas do seu antecessor o Dr. Dias da Silva, que tinha estabelecido a norma de fazer só administração.
Manda tambem para a mesa uma representação dos empregados do commercio de Coimbra, pedindo que seja estabelecido o descanso dominical.

De um e outro lado da camara houve já, por vezes, reclamações a este respeito, e tantas foram ellas que o Governo transacto prometteu trazer á camara uma proposta de lei resolvendo o assumpto, mas a verdade é que os milhares de reclamantes do paiz, que teem direito ao descanso dominical, ainda não foram attendidps.

Continuando as reclamações, como se prova pela representação que apresenta, pede ao Governo actual que de toda a sua attenção ao assumpto.

Sente que o seu estado de saude não lhe permitia apresentai1 largas considerações em apoio da reclamação da digna e numerosa classe dos caixeiros; mas não quer deixar de accentuar que considera uma vergonha o adiamento successivo d'esta questão, deixando-se aquella classe privada do descanso necessario, o que concorre poderosamente para muitas doenças, segundo a opinião dos medicos, e especialmente para a tuberculose, que, aliás, se trata de combater.

É para o Governo e para todos um dever de humanidade resolver esta questão.

E porque as duas representações a que allude estão redigidas em termos convenientes, pede a sua publicação no Diario do Governo.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

Foi autorizada a publicação.

O projecto de lei ficou para segunda leitura.

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: pedi a palavra unicamente para dizer ao illustre Deputado o Sr. Oliveira Mattos que communicarei ao Sr. Ministro da Justiça as considerações que S. Exa. acabou de fazer sobre o projecto do descanso dominical, e que tambem direi a S. Exa., o Sr. Ministro da Justiça, o interesse que o illustre Deputado tem tomado por esta classe.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Peço a palavra porá um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado Queiroz Ribeiro a declarar á mesa qual o negocio urgente para que pediu a palavra.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a nota mandada para a mesa pelo Sr. Queiroz Ribeiro sobre o assumpto de que deseja occupar-se.

É a seguinte:

Nota

O assumpto urgente para que pedi a palavra é a publicação, num jornal officioso do Governo, de uma noticia

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inexacta que pode envolver o exercito na discussão do procedimento da maioria da commissão de fazenda na sessão de hontem. = Queiroz Ribeiro.

Consultada a Camara, não foi considerado urgente o assumpto.

O Sr. Cassiano Neves: - Sr. Presidente: ha dias o Sr. Conde de Penha Garcia dizia - senão por as palavras que eu emprego, pelo menos com a mesma ideia - que a vida desta camara e a vida do partido progressista não podiam gravitar exclusivamente em volta da questão dos tabacos. Concordo plenamente com S. Exa. Venho, por isso mesmo, corresponder, na medida das minhas forças, ao seu generoso appello. Venho chamar a attenção do Governo e da Camara para o problema tão instante da reforma da nossa assistencia publica, na parte que se refere á protecção á primeira infancia.

Este problema pode parecer modesto, quando tratado por mim, posto seja d'aquelles que se impõem a consideração de todos.

Permitta-me a Camara um parenthesis: eu não trato este assumpto como simples pretexto para ter a honra de falar pela primeira vez nesta Camará; fazer isso, seria collocar-me abaixo de mim proprio; e na minha tão curta vida publica tenho procurado somente não me collocar abaixo de mim proprio, sabendo dar ás considerações invocadas em contrario deste meu modo de ver o meu soberano desprezo...

Sr. Presidente: todas as opinões representadas nesta casa se teem, mais ou menos, interessado pelo assumpto.

A nossa lei Roussel, o nosso codigo de protecção á primeira infancia, o decreto de 5 de janeiro de 1888 é - com muito prazer o digo - da iniciativa do partido progressista. O Sr. Hintze Ribeiro apresentou, no seu ultimo consulado, uma proposta de lei sobre assistencia publica em que, num dos seus capitulos, não era esquecida a assistencia infantil. O Sr. João Franco, no seu discurso programma do centro regenerador liberal, na sua segunda maneira politica - e é nesta que eu, lealmente, o devo considerar - referia-se ao estado lastimoso da nossa assistencia publica. E os Deputados nacionalistas, pelo seu criterio religioso, pelo exemplo de S. Vicente de Paula - o protector das crianças - não podem desinteressar se deste assumpto.

Fora d'esta casa, dois parlamentos de medicos e philantropos, os dois ultimos congressos contra a tuberculos reunidos em Vianna e Coimara reclamaram ao Governo providencias para o abandono a que é votada no nosso paiz a população infantil.

Posto esta unanimidade de opiniões, pouco ou nada se tem feito, e a nossa infancia desvalida não encontrou ainda da- parte do Estado a protecção, a assistencia a que tem direito.

Sr. Presidente: ha annos, nesta Camara, o Sr. Dr. Moreira Junior, num discurso que fez sensação, denunciava ao paiz o perigo tuberculoso. Eu vou mostrar que o perigo tuberculoso não e superior ao perigo da mortalidade infantil.

Sousa Martins, com o seu espirito tão brilhante quanto phantasista, ás vezes, computava a mortalidade por tuberculose em 20:000 obitos annualmente. Não é assim. Nos temos uma taxa obituaria por tuberculose de 27 por 10:000 habitantes, o que dá um totahde 15 a 16:000 obitos por esta terrivel doença. Pois no quinquennio de de 1899-1903 morreram, em media annual, no nosso paiz 22:404 crianças de 0-1 anno e 9:740 de 1-2 annos. A mortalidade das crianças de 0-1 anno é de 23 por cento da mortalidade geral, quasi um quinto; e até aos cinco annos as probabilidades de morte são tamanhas como aos oitenta annos. Em Lisboa e Porto, os dois unicos centros citadinos, com todas as vantagens e favores proprios da civilização que como agglomerodos lhes pertence, a mortalidade infantil é elevadissima. Por 1:000 nascimentos, morrem, respectivamente, 202 e 221 crianças de 0-1 anno. Isto é, de vinte cidades da Europa de mais de 100:000 habitantes só seis - Madrid, Berlim, Leipzig, Ruão, Munich e S. Peterburgo - é que teem uma mortalidade infantil mais elevada.

Mais estatisticas podia ler; mas sei que seria massador; conheço alguma cousa da psychologia das multidões para saber que fora da questão dos tabacos poucos assumptos nos poderão interessar; demais, não estou num congresso de profissionaes.

No Congresso Nacional contra a tuberculose reunido em Coimbra -congresso em que me sentia tanto a dentro de um parlamento como me sinto aqui (sem offensa para ninguém o digo) - eu tive a honra de relatar esta questão, e a honra, ainda, de a relatar ao lado, juntamente, com o gentilissimo espirito de Egas Moniz.

No meu relatorio, apresentado a esse congresso, encontram-se elementos estatisticos mais completos que estes, que, aliás, são ineditos, que mostram bem quanto precisamos, quanto urge, se não modificar a nossa legislação, pelo menos praticá-la no que a tenha de aproveitavel.

Esta ceifa enorme de crianças dá a este problema, alem de um caracter beneficente, uma grande feição economica, pela desvalorização que imprime á nossa massa populacional.

Mas ha tambem uma desvalorização qualitativa, pois que um grande numero de crianças desvalidas, que não foram ceifadas, vão ser, pela miseria que as rodeou, os candidatos á tuberculose na puberdade.

Sr. Presidente: dizia eu, ha pouco, que era preciso, pelo menos, praticar a nossa legislação actual sobre protecção á infancia.

De facto, o decreto de 5 de janeiro de 1888 não é cumprido em muitas das suas disposições.

Assim, no artigo 6.° diz-se:

(Leu).

Ora eu pergunto quaes são as camaras municipaes que sustentam esses hospicios?

Os artigos 43.° e 44.° dizem:

(Leu).

Pergunto tambem, quaes são as camaras que sustentam esses asylos-officinas?

Mas ha mais: todos comprehendem que a protecção ás crianças implica naturalmente protecção ás mães.

Nos temos um magnifico decreto, de 21 de abril de 1891, que regula o trabalho das mulheres e menores nas fabricas, que está letra morta em muitas das suas disposições.

Podem-se contar as fabricas que manteem creches para os filhos das operarias.

E que peor que a insufficiencia da nossa legislação ha o habito de não a applicarmos, sequer, no que tenha de razoavel.

Sr. Presidente: este problema encerra muitos outros, desde a protecção á mãe nos meios fabris, até á investigação da paternidade.

Mostrarei, ainda, a sua importancia e complexidade por um exemplo estatistico, massador bem o sei, mas elucidativo, eloquente sempre.

Em 1902 houve no nosso paiz 15:105 nascimentos illegitimos; destas crianças, 1:054 foram abandonadas; 1:746 não foram reconhecidas nem pelo pae nem pela mãe; 8:970 foram reconhecidas pela mãe, somente; 971 pelo pae, somente, e 2:364 é que tiveram a graça de encontrarem familia, de serem reconhecidas pelo pae e pela mãe!

Em Lisboa, no decennio de 1890-1900, foram abandonadas, annualmente, 283 crianças, e houve, por anno, 18 infanticidios.

Estes são os materialmente abandonados. Mas que dizer dos moralmente abandonados, d'aquelles que, na sua grande

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maioria, vão constituir a população das casas de correcção, das cadeias e penitenciarias?

Iria alem do meu pensamento se expuzesse aqui as formulas varias de protecção ás crianças, nem preciso de o fazer, bastando-me lembrar que temos na nossa tradicção legislativa, no decreto de 1867 de Martens Ferrão, fixados e estabelecidos os principios que nos devem guiar na reforma deste capitulo da legislação portugueza.

Sr. Presidente: esta Camara começou os seus trabalhos pelas propostas da guerra, pelas propostas de reorganização do nosso exercito. Muito applaudo por isso o distincto escriptor militar que é o Sr. Sebastião Telles.

Escrevia Duclaux que não longe virá o dia em que os Ministerios da Guerra e da Marinha seriam substituidos por Ministerios de Assistencia e Hygiene Publica. O meu espirito não se ala a tão alta phantasia. Mas gostava de ver que o partido progressista, ao lado das propostasda guerra, ao lado da questão dos tabacos, em que parece querer absorver-se, tomava em consideração os problemas de assistencia, da solidariedade humana, que a todos nos cumpre cultivar.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Eduardo Villaça): - Sr. Presidente: ouvi com todo o interesse e com a maior attenção a exposição lucida, feita pelo illustre Deputado, Sr. Cassiano Neves, ácerca de um assumpto, que merece toda a importancia e attenção, não só da Garoara, como do Governo: aquelle que se refere á protecção ás crianças.

Em muitos paizes este assumpto é objecto da iniciativa não só dos Governos, como de muitos membros do Parlamento e merecem a attenção geral.

Entre nós já ha alguma cousa a esse respeito; mas ha ainda muito a fazer; porque eu sei o que se trabalha a esse respeito em outros paizes é que digo que deve fazer-se entre nós mais do que até agora se tem feito e que seja de resultados proficuos.

Creia o illustre Deputado que eu recommendarei ao meu collega do Reino as considerações feitas por S. Exa.

Permitta-me no entanto, o illustre Deputado, que dijra que, a par das propostas de lei já apresentadas ao Parlamento, outras mais serão apresentadas e que attenderão a diversos problemas da administração publica.

Manifestou o illustre Deputado a aspiração de que algumas das despesas feitas com assumptos relativos ás pastas da Guerra e Marinha fossem applicadas á hygiene e assistencia publica, cousas estas que estão mais em harmonia com o bem estar da nação.

Eu acompanho o illustre Deputado na sua generosa aspiração. Actualmente, os paizes que vão na vanguarda da civilização interessara-se pelo assumpto que o illustre Deputado tão brilhantemente suggeriu, mas nem por isso deixam de se occupar de tudo o que diz respeito á defesa dos respectivos paizes, porque, infelizmente, nas condições actuaes, a paz universal é ainda uma aspiração. Em todo o caso eu digo que o Governo não descura nem descurará assumptos desta ordem, e creio que nessa mesma ordem de ideias já foi apresentado ao Parlamento uma proposta de lei relativamente á construcção de casas baratas.

Esta proposta faz parte do conjunto de providencias que seria conveniente adoptar no sentido de se melhora rem as circumstancias das classes menos abastadas. Concordo com S. Exa. em que muito ha a fazer neste capitulo de assistencia publica, e tomo em consideração as observações por S. Exa. apresentadas - tanto mais que estes assumptos não deixam nunca de me causar interesse, visto que sou director geral de estatistica e S. Exa. citou estatisticas.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas).

O Sr. Pereira Cardoso: - Os professores de instrucção primaria do circulo escolar de Taboaço, um dos concelhos que tenho a honra de representar nesta casa do Parlamento, pedem-me para patrocinar uma petição que dirigiram aos poderes publicos pedindo a modificação de algumas disposições da lei vigente e o augmento dos seus exiguos vencimentos, tanto quanto possivel em harmonia com as exigencias da época e as condições precarias do Thesouro.

Eu não ousaria hoje levantar a minha voz nesta casa se motivo tão imperioso me não obrigasse a fazê-lo, tanto mais que é a primeira vez que falo no Parlamento e até que falo em publico.

Sr. Presidente: para corresponder á confiança destes meus constituintes, e sobretudo em homenagem ao direito e justiça que lhes assiste na sua causa, não serei inspirado pelo talento, por uma eloquencia fecunda em lampejos, ou, pelo menos, por uma eloquencia viva, logica, precisa e clara, predicados que não possuo, como nesta occasião ardentemente desejaria, mas inspirar-me-hei nas poucas forças de que disponho e principalmente na eloquencia das minhas ardentes convicções.

Sr. Presidente: os gritos afflictivos e angustiosos de miseria que esta classe desprotegida e descurada tem soltado, repercutindo-se estrepitosamente de um ao outro extremo do paiz, teem feito vibrar de uma maneira bastante dolorosa os nossos corações, tanto mais que esses clamores são apoiados no sublime sentimento da justiça. (Apoiados).

V. Exa., Sr. Presidente, e a Camara conhecem e avaliam bem os relevantes serviços que tenrprestado á nação esta classe desprotegida, dedicando o melhor dos seus esforços e da sua actividade á instrucção e educação da juventude.

Estes infatigaveis trabalhadores, desenvolvendo por vezes uma prodigiosa actividade, são as formidaveis alavancas que impulsionam a arte, a sciencia, a industria, o progresso, o florescimento e a prosperidade de um povo. São estes humildes obreiros destinados a construir os alicerces desse imponente e magestoso edificio, a instrucção, cuja importancia é incontestavel na vida dos Estados, visto preparar as forças intellectuaes nas suas mais notaveis e brilhantes manifestações.

Os Governos teem-se preoccupado á miude com o levantamento do nivel intellectual e moral desta classe, exigindo-lhe maiores habilitações, mas, ao mesmo tempo que lhe exigem mais trabalho e sacrificios, teem esquecido e posto completamente de parte as suas instantes reclamações, que são de toda a justiça.

Ficarei embalado na doce esperança de que o nobre Ministro do Reino, que sinto não ver presente, obedecendo á inspiração do seu generoso coração, do seu alto criterio e do desejo de bem servir o paiz, se appressará a pôr termo ás reclamações feitas, tanto mais que se trata de uma questão de inteira justiça e equidade. (Apoiados).

Desejo tambem fazer algumas ligeiras considerações ácerca do ensino da instrucção secundaria no nosso paiz.

A organização deste ensino tem preocupado ultimamente uma parte da imprensa, e já mesmo nesta casa lhe foi consagrado algum tempo por alguns illustres oradores que fizeram ouvir a sua voz, tratando do assumpto com toda a proficiencia e mostrando quanto a questão reclamava urgente e instante attenção e era de uma importancia decisiva e vital para o paiz.

A actual reforma de instrucção secundaria, evidentemente inspirada no systema germanico, foi implantada e posta em vigor, entre nos, no anno de 1895.

Como a organização da instrucção secundaria allemã é a que hoje maior tendencia tem a predominar nas nações cultas, devia ser a que maiores garantias de efficacia nos deveria offerecer. Porém tem-se demonstrado exuberantemente, que, entre nos, não tem produzido os resultados que era licito esperar d'ella.

É que se não podem implantar de um jacto num paiz com poucos recursos scientificos e monetarios as admira-

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veia instituições dos paizes ricos de dinheiro e sabedoria que, mesmo n'elles, muitas vezes, carecem de largos annos para se consolidarem e aperfeiçoarem.

Sr. Presidente: para uma exequivel e efficaz remodelação de qualquer serviço, tendo por norma as nações mais adeantadas, precisamos primeiro que tudo estudar a sua boa adaptação ao nosso meio social e ás condições do nosso Thesouro.

Sr. Presidente: tenho notado que algumas das reformas introduzidas entre nos se teem resentido deste mal. - Tenho estado com vivo e ardente desejo de que viesse á tela do debate tão momentoso assumpto, que já ha bastante tempo4preoccupa deveras todos os espirites e commove vivamente o coração de quem pretende educar e instruir seus filhos.

Limitar-me-hei apenas a fazer alguns ligeiros reparos á actual organização da instrucção secundaria e não me alongarei em expor os seus grandes inconvenientes, os bem conhecidos vicios de conformação da sua estructura, porque o tempo não mo permitte, e visto que a imprensa e alguns oradores os teem já apresentado com nitidez e profundeza.

O que desejo sobretudo pôr em relevo é toda a sua nocividade sob o ponto de vista da hygiene, devida á accumulação excessiva de materias e á sua viciosa distribuição.

Desejo tambem accentuar a imperiosa e inadiavel necessidade de procurarmos todos os meios para completar e aperfeiçoar a nossa instrucção secundaria, que deve merecer pela sua magnitude e importancia incontestaveis, toda a attenção do nobre Ministro do Reino e da Camara.

Não é a instrucção que prepara e vigora as forças intellectuaes, que impulsionam a evolução e desenvolvimento das sociedades? (Apoiados).

São é o factor mais importante da civilização, florescimento e prosperidade de um povo a cultura intellectual nas suas mais notaveis manifestações?

Não é a cultura intellectual de um povo que lhe dá direito á consideração e respeito na sociedade das nações?

É por isso que me propuz fazer uma ligeira critica ao actual ensino secundario e apresentar á camara alguns modestos alvitres tendentes a completá-lo e aperfeiçoá-lo.

A distribuição dos estudos e o seu methodo devem corresponder quanto possivel á ordem de evolução e ao modo de actividade das faculdades intellectuaes.

Recorrer a um systema de ensino sem attender a estes preceitos, tende se a destruir a saude, o que é uma crueldade e uma manifestação deploravel de ignorancia.

A saude pode ser alterada por toda a vida por uma fadiga excessiva que n'ella possam produzir os estudos escolares.

Um desenvolvimento precoce do espirito produz a fraqueza physica, o embrutecimento até a imbecilidade ou a morte prematura.

Desde alguns annos, os gritos de alarme que teem sido soltados pelos hygienistas tornam-se cada vez mais intensos e numerosos.

Muitos hygienistas, e entre elles os Drs. Dujardin Beaumetz e Lagueau teem chamado a attenção para os effeitos desastrosos da surmenage intellectual, arrastando o organismo a uma decadencia irremediavel e fazendo-o tributario de todo o sinistro cortejo do nevropathias tão disseminadas actualmente entre nós.

O excesso do trabalho intellectual que resulta dos nossos methodos de ensino e do nosso systema de educação é uma causa poderosa de debilidade e inferioridade physicas e produz estados congestivos e mesmo inflammatorios do cerebro, provoca cephalalgias, insomnias, torpor int.ellectual, sentimento de profundo abatimento e fraqueza physica e prepara finalmente para a anemia, chlorose, escrofulismo e tuberculose.

Sr. Presidente: certos alienistas teem demonstrado, que o excesso de trabalho cerebral provoca a alienação mental, especialmente de forma depressiva, com tendencia, por vezes, ao suicidio.

Ainda ha pouco tempo tivemos de lamentar uma desgraça desta ordem, num lyceu desta capital, que feriu de uma forma pungente e cruciante uma familia, emocionou profundamente toda a cidade, maguou muitissimo o corpo docente e alumnos deste estabelecimento, e o seu reitor, que, com toda a intelligencia e proficiencia, tem dirigido este estabelecimento de ensino.

Sr. Presidente: depois das ligeiras considerações que acabo de expor ácerca das injurias psychicas e organicas a que é submettida a mocidade estudiosa pelo actual methodo de ensino, uruseguirei na minha ordem de ideias apresentando a V. Exa. e á camara as modificações que entendo, no meu modo de ver, devem ser introduzidas na instrucção secundaria.

Sr. Presidente: propor-me-hei principalmente a demonstrar a necessidade de fazer inserir no programma dos nossos lyceus a cadeira de ensino civico e social, a gymnastica, e o ensino obrigatorio do inglez. (Apoiados).

O ensino secundario, alem da funcção de habilitar para o ingresso nos cursos superiores, deve ter a importante funcção social de educar a juventude no amor do bem publico e torná-la apta para guiar pelo seu exemplo e bom conselho a vontade nacional. O ensino secundario deve preencher o duplo fim de instruir e educar.

Pela instrucção, deve fornecer os conhecimentos necessarios para á vida activa em todas as suas manifestações; pela educação, deve formar a consciencia social do individuo. Deve pois preparar a juventude e habilitá-la a cumprir com toda a consciencia e moralidade os seus deveres de bom cidadão na vida collectiva. (Apoiada).

Não se deve considerar uma excrescencia ou superfluidade o ensino civico nos lyceus, antes uma necessidade instante.

Assim muito bem o entenderam todas as nações cultas, como a Hollanda, a França, a Allemanha, a Inglaterra, a Belgica, a Hespanha, etc.

Em França, em 1903, os professores de instrucção secundaria reconheceram que havia necessidade do ensino civico e social.

Nus planos de estudo da Allemanha, onde se inspirou a nossa organização actual de instrucção secundaria, ha o ensino da religião, como meio do formar o caracter moral das novas gerações.

Até na nossa peninsula, no paiz visinho, no seu curso secundario, que começou a vigorar em 1900, na 5.ª classe, estuda-se ethica e sociologia e na 6.ª classe agricultura e direito commum.

Do que deixo dito sobre o ensino civico infere-se a necessidade de ser adotado entre nós, tanto mais que, no nosso paiz, tem sido sempre descurado, e, magoa-me profundamente dize-lo, a nossa educação civica é erronea, defeituosissima e cheia de vicios. (Apoiados).

O mesmo desprimor, o mesmo desprezo que tem havido para com á educação civica e social tem-no havido para com a educação physica. E é este tambem um dos mais notaveis defeitos da reforma da instrucção secundaria.

A primeira condição do ennobrecimento da raça e da prosperidade de um povo é ser constituido por gente robusta e sã. Torna-se de uma importancia capital o educar crianças de modo que não só se tornem aptas para sustentar a luta intellectual que as aguarda, mas que possam tambem supportar physicamcnte a excessiva fadiga a que possam ser submettidas. O corpo e o espirito devem ser objecto da mesma solicitude, porque o ser humano deve ser completamente desenvolvido.

Deve haver um desenvolvimento integral e harmonico, tanto do espirito como do corpo. Lá diziam os antigos: "Mens sana in corpore sano, maxima que mostra não poder haver desenvolvimento intellectual e moral sem de-

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senvolvimento physico. Diz Lagrange: "As faculdades intellectuaes não podem ser utilizadas em toda a sua plenitude senão pelo homem com saude, e a saude é incompativel com a privação de exercicios". (Apoiados).

O cerebro melhor organizado de nada servirá se acaso não possuir uma forca vital sufficiente para o fazer funccionar.

O exercicio prolongado do cerebro e a falta de exercicio corporal, perturbam as funcções organicas e conduzem á deformidade.

Era Inglaterra preoccupam-se muito menos com a instrucção superior do que com a formação physica do homem.

Os jogos athleticos constituem a secção culminante no programma de todos os estabelecimentos de instrucção elementar, secundaria e superior.

É assim que teem attingido ao aperfeiçoamento physiologico da especie. (Apoiados).

Gladstone, quando era Presidente de Conselho de Ministros, sentia o maior prazer em brandir e manejar o machado de rachador.

Veja V. Exa. Sr. Presidente, como em Inglaterra ha gosto pelos jogos athleticos.

O Sr. Presidente: - Previno o illustre Deputado de que faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia.

O Orador: - Dizia eu que lamentava bastante que os alumnos nos nossos estabelecimentos scientificos não fossem obrigados a exercicios physicos, gymnasticos, ou quaesquer jogos que obriguem a exercicios musculares ao desenvolvimento dos orgãos.

E é tanto mais triste e singular, que, sendo a nossa instrucção secundaria inspirada, como já disse, no systema germanico, se postergasse a gymnastica que figura em todos os cursos com o maximo desenvolvimento.

Tanto mereceu a attençào da Allemanha a educação physica, que, por não ter jogos athleticos de tradição popular, enviou em 1887 uma commissào pedagogica eriçar regada de estudar os jogos em uso nas escolas inglezas para os introduzir nos gymnasios e universidades do imperio.

Na Prussia ha tres ordens de institutos secundarios: o Gymnasio, a Escola Real Superior e o Gymnasio Real.

O Gymnasio, com um caracter clássico, a Escola Real Superior com um caracter technico, e o Gymnasio Real, que é uma escola real superior com o estudo do latim.

Alem disso, ainda ha institutos secundarios incompletos de seis classes (progymnasios, progymnasios reaes e escolas reaes).

No gymnasio, alem das materias de ensino, ha ainda, como obrigatorias, tres lições semanaes de gymnastica em cada uma das classes.

Na Escola Real Superior tambem é adoptada a gymnastica obrigatoria.

Já vê, pois, Sr, Presidente, que é uma falta grave a gymnastica. (Apoiados).

Todas as nações cultas teem a gymnastica nos seus programmas de instrucção secundaria: a Belgica, a Austria, a França, Hollanda, Suecia, Noruega e a Hespanha, procurando seguir o exemplo da Allemanha e Inglaterra.

Chamo a attenção do Sr. Ministro do Reino e da Gamava para este assumpto, que é de alta importancia para o nosso paiz, porque, desde que se teem votado ao ostracismo os exercicios physicos de todas as ordens, estando até abandonados os jogos de que demandam alguns esforços musculares, é sensivel o empobrecimento das novas gerações, a decadencia, a degeneração da raça, e até o seu estiolamento, e alem disso as deploraveis manifestações do systema nervoso, taes como perturbações cerebraes, tristeza, apathia e atrophiamento da coragem. (Apoiados).

A parte principal da minha apreciação da actual reforma não posso apresentá-la, visto o adeantado da hora. Essa parte dia respeito ao estudo obrigatorio da lingua ingleza.

E a maior anomalia, o mais notavel defeito, a maior monstruosidade da reforma de 1895.

Parece impossivel que na actual reforma de instrucção secundaria fosse postergado o estudo da lingua ingleza.

Sr. Presidente: a Inglaterra adquiriu para todo o mundo uma importancia decisiva de tal ordem, com a sua vasta producção scientifica, com a sua rica e fecunda litteratura (que se disse que podia substituir todas as litteraturas do mundo, com a sua notavel acaso sobre a vida internacional, com a sua imponente preponderancia no mundo e com a sua assombrosa expansão economica, commercial e colonial, que o individuo que aspire a uma cultura geral e completa, não pode, de maneira nenhuma, deixar de conhecer a sua lingua.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo.

O Sr. Silva Telles: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que me sejam enviados com urgencia os seguintes documentos:

Pelo Ministerio das Obras Publicas um exemplar do projecto da Organização dos Serviços do Fomento Commercial dos Productos Agricolas.

Pelo Ministerio do Reino uma copia do parecer do Inspector dos Serviços Sanitarios, relativo ao mesmo projecto. = Silva Telles, Deputado.

Mandou-se expedir.

O Sr. Alexandre de Almeida Garrett: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios estrangeiros e internacionaes sobre a proposta de lei n.° 15-E de 1903, que tem por tini approvar para ser ratificada a convenção assignada em Paris entre Portugal e outras nações para a protecção ás aves uteis á agricultura.

Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vae ler se, para entrar em discussão, o projecto de lei que approva uma declaração commercial.

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 8

Senhores. - A vossa commissão dos negocios estrangeiros e internacionaes mereceu especial cuidado e attento estudo a proposta de lei 5-A, em que o Governo pede seja autorizado a ratificar a declaração commercial entre Portugal e a Suecia.

Na presente declaração commercial, em que se adoptou o typo do tratado de commercio sem pauta e com a clausula da nação mais favorecida, typo este, que se recommenda, não só porque colloca as duas partes contratantes em perfeita igualdade para com os outros paizes seus concorrentes, embora elles tenham obtido favores especiaes provenientes de uma pauta minima mi de uma pauta convencional, mas outro sim lhes assegura o futuro desenvolvimento das suas relações commerciaes, que em caso algum poderão soffrer com celebração de outros acordos com os paizes seus competidores.

É realmente esta a formula de acordo que mais seria para desejar entre Portugal e a Suecia, visto o movimento

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8 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

commercial entre os dois paises não ser de forma a merecer o estabelecimento de uma pauta convencional.

No acordo commercial entre Portugal e a Suécia sujeito ao estudo da vossa commissao, acha-se feita a excepção do tratamento concedido pelos dois paises signatarios - á Hespanha e Brasil, por parte de Portugal, e á Noruega e Dinamarca por parte da Suecia - não só pela communidade de interesses mas tambem pela intensidade das suas relações commerciaes precisam trocar favores privativos.

E feito o acordo para o continente e ilhas adjacentes, mas ao Governo continua a merecer toda a attenção o desenvolvimento commercial das nossas possessões ultramarinas, por quanto neste acordo são garantidos os mesmos favores deste tratamento para os productos coloniaes reexportados pelos portos da metropole.

Finalmente, vê a vossa commissão com sincero prazer, que com este documento se procurou assegurar efficaz protecção aos nossos vinhos.

O documento que temos a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação pode ser denunciado com um anno de antecedencia em qualquer época, e immediatamente no caso especial de ser alterada a escala alcoolica em prejuizo dos nossos vinhos.

Por tudo o que acabamos de vos expor, a vossa commissão dos negocios estrangeiros e internacionaes é de parecer que a proposta de lei ministerial que temos a honra de sujeitar ao vosso exame, convertida em projecto de lei, merece a vossa inteira approvação.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° E approvada, a fim de ser ratificada, a declaração commercial assignada entre Portugal e a Suécia, aos 16 de abril de 1904.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. - Sala das sessões, 5 de maio de 1906. - Conde de Paçô-Vieira = Francisco de Azevedo Silva Telles = Visconde do Ameal = Alexandre de Proença de Almeida Garrett = José Augusto Moreira de Almeida = Bernardo de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral = José Simões de Oliveira Martins = Alfredo Pereira = Antonio Rodrigues Nogueira = Conde de Penha Garcia = Henrique Carlos de Carvalho Kendall = Eduardo Valeria Augusto Villaça, relator.

N.º 6-A

Senhores. - A par das tentativas que estão no proposito do Governo para sem prejuizo da industria nacional, e por meio de lei interna ou de tratados, alcançar de alguns paises o tratamento da nação mais favorecida, e ainda outras vantagens, que, embora não privativas para o nosso commercio contribuem, pelo menos, para a concorrencia dos productos portugueses aos mercados estrangeiros em paridade com os de outras nações, e para obter absoluta melhoria nos preços de exportação, está resolvido o Governo a não abandonar as opportunidades que se lhe offereçam para assegurar, como garantia futura, esse tratamento geral da nação mais favorecida, não só ao commercio mas tambem á navegação.

Nesta ordem de ideias tenho eu a honra de submetter á approvação da Gamava a declaração commercial que achei assinada pelo meu antecessor e pelo representante da Suecia.

Tem esse diploma essencialmente por fim assegurar ao commercio e navegação dos dois paises o reciproco tratamento da nação mais favorecida, salvas as restricções que é de mutua conveniencia manter a respeito de Estados limitrophes ou mais intimamente ligados por affinidades ethnographicas ou tradicional communidade de interesses.

Assim, sem o menor sacrificio da autonomia pautai de cada uma das nações contratantes, ficam as suas relações economicas, nos respectivos mercados, em situação desassombrada de quaesquer estorvos de caracter differencial, na luta da concorrencia com o commercio de diversa na-ionalidade, tanto pelo que se refere a direitos de importação como no tocante a impostos de consumo ou analogos.

Entretanto, para o caso de ser abaixado o limite alcoolico (25°) que, sem agravamento de taxas aduaneiras, actualmente podem attingir os vinhos importados na Suecia, reservou-se Portugal a faculdade de se desligar immediatamente do regime convencionado, que fora desse caso é denunciavel com um anno de antecedencia.

Comquanto não sejam applicaveis ao territorio ultramarino português as clausulas pactuadas, nem por isso deixarão de aproveitar ao commercio de reexportação dos nossos generos coloniaes, como se acha expresso no acto diplomatico, que vos é presente, com a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E approvada, a fim de ser ratificada, a declaração commercial assinada, entre Portugal e a Suecia, aos 16 de abril de 1904.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, em 27 de abril de 1900. = Antonio Eduardo Villaça.

Declaração

(Traducção)

Para assegurar as relações de commercio e de navegação entre Portugal e a Suecia, o Governo de Sua Majestade o Rei de Portugal e dos Algarves e o Governo de Sua Majestade o Rei da Suecia e Noruega acordaram na declaração seguinte:

Portugal e a Suécia garantem-se mutuamente o tratamento da nação mais favorecida em tudo o que se refere ao commercio e á navegação.

Os productos de origem e de manufiictura portuguesa na sua entrada na Suécia e os productos de origem e de manufactura sueca na sua entrada era Portugal (incluindo a Madeira, Porto Santo e Açores) não serão sujeitos, quando importados directamente, a direitos de entrada diversos nem mais elevados do que aquelles a que são ou vierem a ser sujeitos os productos similares de qualquer outra nação.

Serão considerados importados directamente, alem das remessas de porto a porto, as mercadorias acompanhadas de um conhecimento directo.

Os productos das colonias portuguesas reexportados da metropole para a Suecia gozarão do sobredito tratamento.

As mercadorias de um dos dois paises importadas no outro não poderão ser sujeitas a direitos de accise, de barreira ou de consumo, superiores aos que oneram ou vierem a onerar as mercadorias similares de producção nacional ou estrangeira.

Fica entendido que esta declaração não implica a extensão dos favores especiaes que são ou vierem a ser concedidos por Portugal á Hespanha ou ao Brasil, nem a dos favores que a titulo exclusivo são ou vierem a ser concedidos pela Suecia á Noruega ou á Dinamarca.

Esta declaração entrará era execução immediatamente depois da troca das ratificações e ficará em vigor até a expiração de um anno a partir do dia em que uma ou outra das Altas Partes contratantes a tiver denunciado.

Comtudo Portugal reserva-se a facilidade de se considerar desligado deste acordo se o limite actual da força alcoolica dos vinhos importados na Suécia vier a ser baixado em detrimento dos vinhos portugueses.

Nesse caso o acordo cessará immediatamente de produzir os seus effeitos.

Em firmeza do que os abaixo assinados Ministro dos Negocios Estrangeiros de Sua Majestade Fidelissima e Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario de Sua Majestade o Rei da Suécia e Noruega, devidamente auto-

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rizados assinaram a presente declaração e lhe appuseram os seus sinetes.

Feito, em duplicado, em Lisboa, aos 16 de abril de 1904.

(L. S.) Wenceslau de Sousa Pereira Lima.
(L. S.) Barão de Wedel Jarlsberg.

Traducção conforme. Direcção Geral dos Negocios Commerciaes e Consulares, 27 de abril de 1905. = Eduardo Montufar Barreiros.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Não havendo nenhum Sr. Deputado que se inscrevesse, foi posto á votação e approvado o artigo 1.° e seguidamente o artigo 2°

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para entrar em discussão o projecto de lei que concede ao Governo algumas autorizações.

Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 4

Senhores. - Á vossa commissão de guerra foi presente a proposta do lei n.º 1-C. E seu fim habilitar o Governo com os meio"snecessarios para regularmente satisfazer os encargos de contratos celebrados no estrangeiro, e para melhorarias condições de armamento de algumas unidades do exercito.

Os contratos importam compromissos a que não é licito faltar. Mas, como se demonstra no lucido relatorio que precede a proposta do Governo, os recursos de que legalmente se pode dispor são insufficientes para solve-los, urgindo, portanto, que o Governo tique auctorizado-a, respeitando a lei, poder satisfazer todos os encargos a que está obrigado.

A isenção de direitos pelo material de guerra importado é outra medida que se impõe; a propria Camara já por vexes tem reconhecido a sua conveniencia; e ainda na carta de lei de 30 de junho de 1903 se consignou essa doutrina, com respeito ao material de guerra cuja compra auctorizava. E, no sentido de tornar mais clara a redacção da proposta, introduziu a vossa commissão a ligeira alteração, que consta do n.° 2.° do artigo 1.° do projecto de lei.

A boa conservação do material de artilharia que adquirimos, e em breve receberemos, suppõe a existencia de parques e armazéns, que não temos, e é necessario construir. A despesa com estas edificações, embora avultada, representa, a nosso ver, uma importante economia futura. Possuir espingardas sem munições e viaturas sem arreios para as atrelagens equivale a nada ter. Por um lado, porém, a nossa fabrica de cartuchame pouco mais dá, e assim deve ser, do que o necessario para o consumo corrente; e por outro, a dotação do arsenal é insufficiente, só por si, para occorrer ao fabrico dos arreios para as nossas baterias. Em face destas razões não podemos deixar de applaudir a doutrina do n.º 4.° do artigo 1.º da proposta.

E, sem entrar em mais detalhes de apreciação, diremos que a acquisição de duas baterias de montanha e duas a cavallo, do mesmo systema das de campanha, em substituição de outras tantas deste ultimo modelo, nos parece perfeitamente razoavel. Tendo nos opinado pelo regresso á organização de 1899, na qual a artilharia se compõe de trinta e duas baterias de campanha, duas de montanha e duas a cavallo, somos logicamente levados a preferir que se dotem todas estas unidades com material de igual valor, a manter-se a acquisição de trinta e seis baterias de campanha, como estabelece a carta de lei citada, ou a aproveitar a faculdade, conferida no contrato, de substituir seis destas por baterias de montanha. Na primeira hypothese, teriamos um excesso de quatro baterias de campanha, ficando as de montanha e a cavallo em condições inferiores de armamento; na segunda hypothese, teriamos um excesso de quatro baterias de montanha, ficando duas de campanha e duas a cavallo com o antigo material.

De tudo, pois, o mais racional e o mais adequado ás necessidades da defesa nacional é, sem duvida, o que o Governo vos propõe.

Nestes termos, e sem nos alongarmos em considerações. perfeitamente dispensaveis, desde que o Governo entendeu elaborar um tão claro como imparcial relatorio sobre o estado em que encontrou este importantissimo ramo de serviço publico, nos entendemos que merece a vossa inteira approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o Governo auctorizado:

1.º A pagar pelo fundo da remissão do serviço militar, até ao anno economico de 1907-1908, em conformidade com o § 3.° do artigo 1.º da carta de lei de 30 de junho de 1903, só a quantia de 99:000$000 réis de juros do empréstimo auctorizado pela citada carta ás lei;

2.° A isentar do pagamento de direitos de importação o material de guerra importado do estrangeiro até 30 de junho de 1908, e pago pelo fundo da remissão de recrutas;

3.° A despender do fundo da remissão de recrutas, a quantia de 100:000$000 réis, com a construcção de armazéns para arrecadação de material de guerra;

4.° A empregar o saldo do empréstimo de 4.500:000$000 réis, auctorizado pela carta de lei de 30 de junho de 1903, na acquisição de vinte milhões, pelo menos, de cartuchos de infanteria, e na confecção de arreios para artilheria montada;

5.° A substituir quatro baterias de campanha, das trinta 3 seis a que se refere a carta de lei citada no numero anterior, por duas de artilheria a cavallo e duas de artilheria de montanha.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de guerra da Camara dos Senhores Deputados, em 26 de abril de 1905. = João Serras Conceição = Antonio José Garcia Guerreiro = Jorge Guedes Gavicho = Lourenço Cayolla = Francisco Miranda da Costa Lobo = Julio Dantas = Francisco Xavier Correia Mendes = João J. Sinel de Corães, relator.

Senhores. - A vossa commissão de fazenda estudou o projecto de lei n.° 4 e concordando com o parecer da illustre commissão de guerra acha-o digno da vossa approvação. = Ovidio da Alpoim = João Pinto dos Santos = Luiz José Dias = José Augusto Moreira de Almeida = Joaquim José Cerqueira = José Cabral Correia do Amaral.

N.º 1-C

Senhores. - As encommendas de material de guerra que o governo transacto fez no estrangeiro, obriga a grandes despezas, para o pagamento das quaes submettemos á vossa esclarecida apreciação a presente proposta de lei. Para a justificar devidamente, torna-se necessario mencionar os contractos ainda em execução.

Quando tomámos conta da pasta de guerra, em 20 de outubro de 1904, havia varios contractos feitos no estrangeiro para acquisição de material de guerra, que deviam ser pagos por duas verbas especiaes:

1.º O fundo da remissão de recrutas;

2.º O producto do empréstimo auctorisado pela carta de lei de 30 de junho de 1903.

Vamos apresentar as condições em que se encontravam os contractos feitos por conta do cada uma destas verbas.

Contractos a pagar pelo fundo da remissão de recrutas

Os contractos nestas condições são os seguintes:

1.° Para a compra de artilheria do costa destinada ao porto de Lisboa e barra do Douro;

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2.° Para a construcção de um arsenal em Braço de Prata;

3.° Para melhoramentos na fabrica da polvora em Chellas;

4.° Para a compra de metralhadoras;

5.° Para a compra de 14:000 granadas para artilheria de campanha de 8,7 centimetros;

6.° Para acquisição de novos reparos das peças Kvupp de 28 centimetros.

Artilheria de costa. - O contracto para a compra de artilheria de costa para o porto de Lisboa e barra do Douro, foi assignado em 17 de maio de 1902, na importancia de 7.308:108 francos.

O pagamento d'esta importancia devia dividir-se em seis prestações, sendo a primeira a pagar em 2 de julho de 1902, as quatro seguintes em igual data dos annos immediatos, e a ultima em 1907, quinze dias depois de estarem promptos os ultimos artigos da encommenda.

Alem d'aquella importancia havia ainda a accrescentar as despezas a fazer com as experiencias de verificação, transportes, direitos de importação, e instalação do material nas obras de fortificação a que era destinado.

Com esta encommenda estavam dispen-didos até 31 de dezembro de 1904, com as tres primeiras prestações, experiencias de verificação, transportes e despezas de alfandega .... 922:870$053

faltando ainda liquidar os direitos de importação.

O contracto tem sido executado com regularidade dentro dos termos estabelecidos, e falta ainda pagar:

As tres ultimas prestações, suppondo o encargo dos cambios igual ao da ultima prestação .... 721:244$197

verba a que é preciso juntar as despezas de verificação, transportes, direitos e installação.

No anno de 1900 ha que dispender:

[Ver tabela na imagem]

tendo ainda a accrescentar despezas de verificação, transportes, direitos e installação.

D'estas ultimas despezas, as de installação são as mais importantes, e embora não possam ser calculadas com rigor, podem ser previstas por approximação com as que anteriormente já se effectuaram.

Nos annos economicos de 1902-1903 e 1903-1904, foram gastas com destino a installação de material, as quantias auctorisadas pelos seguintes creditos:

[Ver tabela na imagem]

Abatendo 47:000$000 réis, que foram dispendidos em obras de fortificação, que não eram destinadas á installação do material encommendado, temos a quantia de 163:000$000 réis, isto é, a média annual de 80:000$000 réis que deve sair do fundo da remissão nos annos seguintes.

Teremos pois que a despeza a pagar por cansa deste contracto, no anno de 1905, será de um minimo de réis 358:214$197 a que se deve accrescentar as despezas accessorias anteriormente mencionadas e que não podem ser calculadas nem previstas.

Arsenal de Braço de Prata. - Este edificio foi projectado com grandeza e destinado a ter cinco officinas: fabricação de projecteis e espoletas de artilheria, construcção de reparos e viaturas, reparação de bocas de fogo, fabrica de armas portateis, fundição de ferro e bronze.

Quando entrámos no ministerio estava decidida a construcçcão da officina para projecteis e espoletas de artilheria, e pouco antes tinham sido auctorisadas as verbas para a construcção de parte dos edificios.

As encommendas dos machinismos para esta officina tinham sido feitas em tres contractos com as datas de 29 de janeiro, 24 de maio e 10 de junho de 1904.

Não havia orçamento para a construcção completa do arsenal de Braço de Prata, comprehendendo todas as officinas anteriormente indicadas; não o havia tambem completo para a officina de projecteis de artilheria que tinha sido mandada construir e para a qual já os machinismos estavam encommendados.

Mandámos completar o orçamento desta officina, comprehendendo tambem os machinismos que lhe eram destinados, o que foi rapidamente satisfeito pelo capitão de engenheria encarregado da construcção, sendo apresentado em 12 de novembro de 1904, na importancia de 278:061$500 réis. Era uma quantia que em curto praso tinha de ser paga pelo fundo da remissão de recrutas.

A primeira conclusão a que chegámos, foi que, apesar da sua importante despeza, esta obra devia continuar, não só pela sua necessidade, por isso que não existia entre nos officina destinada ao fabrico de projecteis de artilheria, mas tambem porque já estavam feitas as encommendas dos machinismos e approvadas varias empreitadas para a construcção dos edificios.

Quanto ás outras officinas do plano geral do novo arsenal, entendemos que deviam ser postas completamente de parte, não só porque traziam consideravel augmento de despeza, a que o fundo das remissões, já muito sobrecarregado, não podia fazer face, mas tambem porque essas officinas projectadas estão montadas no actual arsenal, onde podem soffrer os aperfeiçoamentos indispensaveis, com grande economia.

Trata-se portanto, só da construcção da officina de projecteis de artilheria, e d'ella vamos indicar as despezas já feitas e aquellas que se devem ainda fazer.

As despezas com esta officina são divididas em tres grupos no orçamento a que anteriormente nos referimos; construcções, machinas encommendadas e machinas a encommendar.

1.° Construcções:

[Ver tabela na imagem]

2.º Machinas encommendadas. Temos aqui a mencionar:

a) Machinas para o fabrico de projecteis, envolucros metallicos, espoletas, etc., encommeiida feita pelo contracto de 29 de janeiro de 1904, na importancia de 420:392 marcos, a pagar em tres prestações: a primeira dez dias depois da assignatura do contracto, a segunda dez dias depois da recepção dos artigos na fabrica, e a terceira dez dias depois da chegada do material ao Tejo.

Foi dispendida até 31 de dezembro de 1904 com as duas primeiras prestações a seguinte verba .... 74:443$425

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Ha a dispender:

[Ver tabela na imagem]

b) Caldeiras e machiuas a vapor, encommenda feita pelo contracto de 24 de maio de 1904, na importancia de 72:350 francos, a pagar em tres prestações nas mesmas condições do contracto anterior.

Foram dispendidos até 31 de dezembro de 1904 com as tres prestações .... 15:573$505

Ha a dispender com direitos e montagem .... 4:289$395

c) Machinas electricas, encommenda feita pelo contracto de 10 de junho de 1904, na importancia de 23:718 marcos, a pagar em tres prestações, nas condições dos contractos anteriores.

Foram dispendidos até 31 de dezembro de 1904 com as tres prestações e alguns transportes .... 6:468$ 125

A dispender:

Descarga, direitos e montagem ....2:450$000

Transportes .... 153$427

Somma .... 2:603$427

3.° Machinas a encommendar. A encommenda destas machinaa já em parte foi feita, e o resto deve-o ser em pouco tempo. A despeza será de 17:543$280 réis.

Temos pois, em resultado da construccSo da officina para a fabricação de projecteis de artilheria em Braço de Prata, o seguinte:

Despezas pagas até 31 de dezembro de 1904:

[Ver tabela na imagem]

Importancias a pagar:

[Ver tabela na imagem]

Devemos notar que esta ultima verba deve ser paga no anno de 1905, e que a sua somma com a importancia das despezas já pagas, dá o total do orçamento feito para a construcção e montagem da officina.

Melhoramentos na fabrica da polvora em Chellas. - Na fabrica da polvora sem fumo, em Chellas, foram mandadas fazer para o seu desenvolvimento, e segundo os respectivos orçamentos, obras na importancia de 60:123$240 réis.

Estas obras comprehendiam:

1.° Ampliação da fabrica da polvora, com o orçamento de 9:900j$000 réis. Esta obra era util e conveniente, e devia continuar.

A despeza feita até 31 de dezembro de 1904 era de .... 3:889$075

A dispender .... 6:010$925

2.° Transferencia da officina de carfegainento de escorvas de Braço de Prata para Chellas, orçamento réis 15:185)5898. Esta obra tornou-se indispensavel desde o momento em que se destruiram as antigas officinas que existiam em Braço de Prata, para a construcção do novo arsenal projectado.

Alem disso, essas officinas estavam em más condições e era necessario substituil-as.
As despezas auctorisadas e feitas até 31 de dezembro de 1904, eram .... 15:000$000

A dispender .... 185$898

3.° Transferencia da officina de cartuchanoe do Campo de Santa Clara para a fabrica de Chellas, orçamento ha importancia de 35:037$342 réis, á qual se devia ainda juntar as despezas a pagar com a mudança das machinas do Campo de Santa Clara para Chellas, e a sua installação neste ponto.

A necessidade desta obra não é tão justificavel como a das anteriores, por isso que a officina de cartucbame que existe actualmente no Campo de Santa Clara, e que se limita a fazsr as balas e erivolucros metallicos para os cartuchos de armas portáteis, funcciona em boas condições, e as vautagens da sua transferencia não compensam as despezas que produz. Por isso foram mandadas cessar as obras até nova ordem.

Havia uesse momento dispendida a importancia de .... 10:000$000

A dispender .... 25:037$342

Esta ultima importancia não se devia dispender em-quanto as obras estivessem suspensas; mas não poude succeder assim, porque estavam já feitas encommendas que é necessario pagar.

Nestas condições a verba a dispender no futuro está em parte comprornettida, e em parte deve ser empregada para concluir as construcções e mais tarde lhes dar o primitivo destino, ou uma applicação util e conveniente. A economia real está em não se pagar a transferencia das machinas existentes em Santa Clara, nem as suas novas installações em Chellas.

Temos pois, como consequencia das obras mandadas executar na fabrica da polvora de Chellas:

Importancias pagas até 31 da dezembro de 1904:

[Ver tabela na imagem]

Importancia dos pagamentos a fazer:

[Ver tabela na imagem]

Esta ultima quantia deve ser dispendida durante o anno de 1905.

Metralhadoras. - O contracto para a compra de 72 metralhadoras Maxim, foi assignado em 27 de janeirode 1904 na importancia de 34:904 £, 3 s. e 9 p., e.º seu pagamento devia fazer-se em tres prestações iguaes, em 10 de fevereiro de 1904, 10 de outubro de 1904 e 10 de janeiro de 1905.

O fornecimento devia ser de 12 metralhadoras quatro mezes depois do pagamento da primeira prestação, e nos mezes seguintes 20 por mez.

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12 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O contracto não ponde porém ser executado nos termos em que foi feito.

Segundo o que se estabelecia ali, devia ser .adoptado para as metralhadoras o cartucho que fosse escolhido para a arma de infanteria, encommendada em dezembro anterior, e o governo devia fornecer á fabrica 10:000 cartuchos para regular a construcção e fazer as experiencias de verificação.

Succede porém que o cartucho para a arma de infanteria não foi estabelecido na occasião em que ella foi encommendada, não o tinha sido até á saida do poder do governo transacto, e só o poude ser mais tarde, pelas rasões que exporemos adeante quando tratarmos da encommenda das espingardas de infanteria.

Como consequencia a construcção das metralhadoras foi demorada, sem culpa alguma da fabrica, que por varias vezes instou pela remessa dos cartuchos, contentando-se até com o desenho rigoroso do cartucho.

Estão promptos os reparos, armões, arreios e accessorios, mas faltam as metralhadoras.

No fim do anno passado, a fabrica pediu que se mandasse receber o material construido que estava enchendo os seus armazéns; achando justo o pedido, mandámos receber o material que não devia ser sujeito a experiencias de tiro, e um official foi a Inglaterra para este fim.

Nas condições actuaes estão dispendidas até 31 de dezembro de 1904, as duas primeiras prestações, na importancia de .... 126:684$157

Ha a dispender a terceira prestação de .... 65:000$000

Ha ainda a accrescentar as despezas a fazer com a verificação do material, com os cartuchos necessarios para as experiencias, transportes, seguro e direitos de importação.

Granadas para a artilheria de 8°,7. - O contracto para a compra de 14:400 granadas com balas com espoletas de duplo effeito, tem a data de 15 de setembro de 1904, importa em 452:160 francos, e o seu pagamento deve ser feito em tres prestações; a primeira quatorze dias de pois da assignatura do contracto, a segunda seis semanas depois da primeira, e a terceira ao terminar o fornecimento.

Estes projecteis são destinados á artilheria de campa nhã actualmente distribuida aos corpos montados.

Para o pagamento deste contracto estão dispendidas até 31 de dezembro de 1904, as duas primeiras prestações na importancia de .... 63:754$560

A dispender a terceira prestação .... 32:000$000

Ha ainda a accrescentar as despezas a fazer com a recepção e verificação, transportes, seguros e direitos.

Reparos para as peças Krupp de 28º. - As modificações a fazer nos reparos das peças de 28° foi um melhoramento proposto pela commissão de defeza do campo entrincheirado de Lisboa em 18 de julho de 1904, como . consequencia de uma nova collocação que se pretendia dar a estas bocas de fogo.

Para satisfazer a essa proposta, negociaram-se as modificações, e fez-se um contracto entre a casa Krupp e o ministerio da guerra com a data de 5 de outubro de 1904.

Este contracto foi-nos apresentado sem ainda estar assignado, e como entendessemos sempre que tudo o que diz respeito á acquisição e reparação do material de guerra, pertence á direcção geral do serviço de artilheria, mandámos o contracto a esta estação official, para ser redigido com a nova forma adoptada.

A direcção geral de artilheria, tendo ouvido a commissão de aperfeiçoamento da arma, propoz ainda mais alguns aperfeiçoamentos nos reparos, que foram approvados, e fez um novo contracto com a casa Krupp na importancia de 145:200 francos.

Com o cambio actual é uma quantia inferior a réis 30:000^000, mas notando-se que ha ainda a accreaeentar as despezas de transportes e direitos, a quantia a dispender será superior.

Podemos pois considerar aquella quantia como um minimo, e notaremos apenas que ella deve ser paga durante o anno de 1905.

Conclusão. - Todos os contractos em execução que devem ser pagos pelo fundo da remissão de recrutas, importam nas seguintes verbas:

Pagas até 31 de dezembro de 1904:

[Ver tabela na imagem]

A pagar no anno de 1905:

[Ver tabela na imagem]

A pagar nos annos de 1906-1907:

[Ver tabela na imagem]

Vamos examinar a despeza a pagar em 1905, na importancia de 641:579$604 réis, á qual é preciso ainda juntar as despezas com a verificação e recepção do material, transportes e direitos de importação, sendo portanto aquella quantia um minimo muito baixo.

Não é só a esta importancia que o fundo da remissão de recrutas tem a fazer face em 1905; tem ainda de pagar as despezas com o serviço de recrutamento e instrucção da 2.ª reserva, e os juros das duas primeiras series do empréstimo de 4.500:000$000 réis auctorisado pela carta de lei de 30 de junho de 1903.

Calculando as duas primeiras verbas pela media do que foi dispendido nos quatro annos economicos anteriores, e a terceira pelo que figura no orçamento corrente, teremos:

[Ver tabela na imagem]

Quantias que, juntas ao que se tem a dispender com os contractos no anno de 1905, dão a importancia de réis 806:229$600, a que ainda se deve juntar a verba de réis 40:000^000 resultante da compra de 2.000:000 de envolucros metallicos para cartuchos da actual espingarda de infanteria, que foi necessario adquirir, e que tem de ser pago no corrente anno.

Temos pois que a verba minima, que do fundo da remissão é necessario dispender no anno de 1905, é de réis 846:229$000.

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SESSÃO N.° 22 DE 20 DE AGOSTO DE 1905 13

Nos annos de 1906 e 1907 teremos as seguintes despezas:

[Ver tabela na imagem]

Vejamos se é possível effectuar estes pagamentoscom a receita do fundo das remissões.

[Ver tabela na imagem]

E este deficit não poderá diminuir sensivelmente até ao fim do anno econ0mico, porque até 31 de dezembro de 1904 se recebem da receita das remissões 456:676$028 réis, quando a média dos quatro annos economicos anteriores é de 461:000$000 réis; e alem disso porque ha ainda bastantes despezas importantes a pagar, que não foram incluídas nos cálculos anteriores.

Nos annos de 1906 e 1907 teremos pois a pagar:

[Ver tabela na imagem]

Para arrecadar convenientemente a grande quantidade de material encommendado, não possuimos os armazens indispensáveis e torna-se por isso necessario construil-os. Não é exagero suppor que serão necessarios 100:000$000 réis, para que esses armazéns possam ser divididos pela direcção geral do serviço de artilheria e pelas differentes unidades de tropas, como é indispensável para uma regular mobilisação.

Esta verba só do fundo da remissão de recrutas pode ser tirada sem produzir encargos para o thesouro, e juntando-se á quantia anterior, teremos que a importancia a que o fundo da remissão tem de fazer face nos annos de 1906 e 1907 é de 1.262:000$000 réis.

Para pagar esta quantia precisamos do producto da remissão durante os tres annos económicos de 1905-1906, 1906-1907 e 1907-1908, que, com a média annual de réis 461:000$000 deve produzir 1.383:000$000 réis, quantia pouco superior aos pagamentos calculados por um mínimo que certamente deve ser excedido em quantia importante, pelas rasões que varias vezes temos accentuado.

A conclusão a tirar de todos estes cálculos é que até julho de 1908, nenhum novo encargo pode pesar subre o fundo da remissão, por isso que elle apenas poderá chegar para pagar os contractos feitos e as consequencias immediatas desses contractos, os serviços de recrutamento e de instrucção da 2.ª reserva, e os juros das duas primeiras series do empréstimo de 4.500:000$000 réis já levantadas.

Se até essa epocha, alguma despeza com a acquisiçao de material de guerra se tornar indispensável, ella só se poderá effectuar, por verbas a inscrever no orçamento extraordinário do ministerio da guerra, ou por adiantamentos sobre o fundo da remissão a arrecadar depois do anno económico de 1907-1908.

É esta situação que nos obriga a submetter ao vosso exame algumas disposições legislativas tendentes a saldar aquelles encargos pela forma menos pesada para o thesouro.

A carta de lei de 30 de junho de 1903, auctorisando a contrahir um empréstimo de 4.500:000$000 réis para a compra de artilheria de campanha e de espingardas de infanteria, estabelece que elle pode ser levantado em series de 900:000$000 réis cada uma, e no § 3.° do artigo 1.° diz: do producto das remissões dos recrutas será em cada anno applicada a verba que for votada pelas côrtes, para pagamento do juro e amortisação do capital que se levantar do emprestimo".

Isto é, pelo ministerio da fazenda se deve fazer o emprestimo por series successivas de 900:000$000 réis cada uma, e os encargos serão pagos pelo fundo da remissão, pela forma que as cortes annualmente votarem, no todo ou em parte.

Em 30 de junho de 1903 foi publicada uma carta de lei, dizendo que no anno economico de 1903-1904, todos os encargos do emprestimo levantado seriam pagos pelo fundo da remissão.

No orçamento de 1904-1905 figura para pagamento dos juros de duas series do empréstimo a quantia de réis 99:000$000, provenientes do fundo da remissão.

Para o pagamento dos contractos feitos para a cumpra de artilheria de campanha e de armas de infanteria, as restantes series do empréstimo de 4.500:000$000 réis teem de ser levantadas até julho de 1907, e isto é obrigatório, visto que não se pode suspender a execução dos contractos, nem conviria fazel-o mesmo que fosse possível.

Se da mesma forma que para as duas primeiras series do empréstimo, os juros das três seguintes, tivessem de ser pagos pelo fundo da remissão, isto traria um encargo, que em vista do que anteriormente mostrámos elle não poderia comportar.

Torna-se portanto necessario aproveitar da latitude offerecido pelo § 3.° do artigo 1.° da carta de lei de 30 de junho de 1903, e propor ao parlamento que, até ao fim do anno económico de 1907-1908, os encargos das series do empréstimo de 4.500:000$000 réis, que for necessario levantar, não devem ser pagos pelo fundo da remissão, não se excedendo assim até áquella data, o encargo actual de 99:000)5000 réis por anno. Assim se justifica a auctorisação estabelecida no n.° 1.° da proposta de lei que temos a honra de vos apresentar.

Como mostrámos anteriormente, o producto da remissão de recrutas está por completo absorvido até junho de 1908, e ainda, assim não se contaram despezas a fazer com a verificação, recepção e transportes do material encommendado, e com os direitos de importação.

A mais importante d'estas despezas é a que diz respeito aos direitos de importação, e para se poder fazer todo o pagamento até junho de 1908, é necessario que o material encommendado seja isento desses direitos.

Esta disposição é justa. Existe na carta de lei de 30 de junho de 1903, para a importação do material de guerra a adquirir pelo empréstimo de 4.500:000$000 réis, e o mesmo deve succeder para o material de guerra a pagar pelo fundo da remissão, que é tambem destinado á defeza nacional. Fica assim justificado o n.° 2.° da presente proposta de lei.

Já fizemos notar a necessidade de assignar a verba de 100:000$000 réis, para a construcção de armazéns destinados á guarda do material encommendado, e notámos tambem que a maneira mais conveniente de obter essa verba, é tiral-a do fundo da remissão de recrutas.

Mas a lei em vigor não permitte esta applicação do fundo da remissão, porque o destina unicamente á acqui-sição de material de guerra e á instrucção da 2.ª reserva, e os armazéns não podem ser incluídos em nenhuma distas classes. É por isso que pedimos a auctorisação contida no n.° 3.° da proposta de lei.

Contractos a pagar pelo emprestimo auctorlaado pela carta de lei de 30 de Junho de 1903

Os contractos n'estas condições são:

1.° Para a compra de 100:000 espingardas de infanteria calibre 6m,5 e igual numero de sabres-bayonetas;

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

2.° Para a compra de 36 baterias de artilheria de campanha de 7º,5, de tiro rapido, systema Schneider-Canet.

Armas de infanteria. - O contracto para a compra de 100:000 armas de infanteria e igual numero de sabres-bayonetas, foi assignado em 19 de dezembro de 1903, na importancia do 7.975:000 francos. O seu pagamento é dividido em cinco prestações iguaes, devendo a primeira ser paga em 20 de janeiro de 1904, a segunda em 10 de julho de 1904, e as outras em eguaes dias dos annos seguintes. A entrega do material encommendado deve ser de 50:000 armas até 10 de julho de 1905 e 50:000 até 10 de julho de 1907.

O contracto tem levantado alguns embaraços na sua execuç3o, pelos motivos que passamos a expor.

O modelo de espingarda adoptado, foi escolhido por uma commissão especial que. se pronunciou pela espingarda Mauser-Vergueiro, á qual se deviam ainda fazer alguns aperfeiçoamentos, mas antes d'elles realiaados, foi assignado o contracto para a compra de 100:000 armas, como se vê do relatorio publicado pela commissão.

Diz o relatorio a pag. 59:

"Em seguida á decisão da com missão communicada a s. exa. o ministro da guerra, foi a commissão enviada a Berlim, para na fabrica de armas de Martinikenfelde dar execução ás estipulações de um contracto entre o governo portuguez e a Deutsche Waffen Munitionsfabriken".

Chegada a Berlim, a commissão começou os seus trabalhos por estudar os materiaes a empregar na fabricação das espingardas, como era estabelecido pelo annexo II ao artigo 1.° do contracto, relatorio já citado, pag. 60.

Depois do estudo chimico do aço a empregar, a com-missão passou a fazer as experiencias para a fixação da carga com a polvora nacional que devia ser adoptada, e a este respeito diz o relatorio, pag. 63:

"Estando porém assente que a nossa polvora de futuro fosse fabricada com outro padrão destinado a occupar maior volume no cartucho, foi nos communicado em resposta a uma requisição de polvora deste padrão que: a nova polvora para o cartucho Mauser já estava estudada, mas que sendo demorado o seu fabrico e ainda por se attender ás differenças climatericas, as alças seriam graduadas no paiz".

Depois a commissão procedeu com polvora allemã ao estudo das differentes partes da arma, culatra, ferrolho, cano, extractor, e fixou o modelo adoptado, o que se exprime no relatorio nos seguintes termos, pag. 75:

"Tendo-se recebido a communicação sobre a escolha feita por s. exa. o ministro da guerra, da espingarda modelo entre as duas enviadas a Portugal, foi entregue pela commissão á Deutsche Waffen Munitionsfabriken, com as devidas formalidades, um modelo igual ao preferido, considerado como o typo definitivo para a regulação do fabrico".

Estava assim definido o modelo adoptado, e d'ahi em diante - devia seguir o fabrico com toda a regularidade, excepto no que diz respeito á graduação das alças, por isso que não estava determinada, nem a polvora, nem a carga a empregar. Não succedeu porém assim por occorrencias que vamos narrar.

O primeiro documento sobre este assumpto que nos foi presente, foi um relatorio do presidente da commissão balistica junto á direcção geral do serviço de artilheria com a data de 17 de outubro de 1904, respondendo a uma consulta que lhe tinha sido feita pela secretaria da guerra em 26 de setembro, relatorio que se pronunciava por uma de duas balas, a ogival, sobre que tinha sido consultada, sem comtudo ter procedido a experiencias.

Procurando os antecedentes da questão, e tomando conhecimento do processo relativo ao contracto para a compra de espingardas de infanteria, vimos que depois das ultimas resoluções indicadas no relatorio a que nos referimos, tinha sido dissolvida a commissão encarregada da escolha da espingarda, e nomeada uma outra, que estava em Berlim, para proceder na fabrica á verificação e recepção da encommenda, composta de quatro membros, tres dos quaes tinham feito parte da commissão do escolha.

Foi a segunda commissão que em nota de 31 de julho do 1904 enviada á secretaria da guerra, se pronunciava pela adopção de uma nova bala ponteaguda, proposta pela fabrica, porque lhe tinha achado grande superioridade sobre a bala ogival geralmente adoptada, como o mostrava por experiencias comparativas que tinha feito, e das quaes mandava os diagrammas.

Foram estes os trabalhos enviados á commissão balistica, e sobre os quaes se tinha feito o relatorio de 17 de outubro a que ha pouco nos referimos.

De tudo isto concluimos que, em uma questão de tanta importancia não se podiam contrapor ás experiencias de Berlim só considerações theoricas, e resolvemos que a commissão balistica procedesse a experiencias comparativas com as duas balas.

Reconhecendo que não estava ainda determinada a carga a empregar, e ignorando se a nova polvora, a que se refere o relatorio da commissão de escolha da espingarda, estava já sufficientemente estudada para um fabrico em quantidade sufficiente, achámos conveniente juntar com o estudo das balas, o da determinação da polvora e da carga. Na verdade não havia vantagem alguma em resolver separadamente estas questões, porque faltando qualquer dos elementos mencionados, não ficava determinado o cartucho, e o seguimento do fabrico lovar-nos-hia a obter armas sem alças graduadas e sem cartuchos, e a proceder no paiz á graduação d'aquellas, á determinação do cartucho e á confecção de todas as munições.

Para evitar os inconvenientes apontados, encarregámos em nota de 7 de novembro, a commissão balistica de dar parecer sobre os seguintes pontos:

1.° Qual a bala a adoptar, ponteaguda ou ogival;

2.° Se a polvora nacional satisfaz para a arma adoptada e qual a carga a empregar;

3.° Se a polvora nacional não satisfaz por emquanto, quaes as condições a que deve obedecer o cartucho carregado com polvora allemã l:296º para com elle se poderem fazer as necessarias experiencias e a indispensavel e urgente graduação das alças.

Em 12 de novembro a commisBão balistica augmentava ainda as dificuldades do que se tinha dito, á commissão de escolha da espingarda, sobre a nova polvora nacional.

Dizia que: "em vista da correspondencia trocada com o director da fabrica de Chellas, não havia por emquanto, nem ali podia ser immediatamente estudada e fabricada, polvora nacional que satisfaça ás exigencias balisticas e outras do municiamento que se pretende obter para a nova arma da nossa infanteria".

"Estas circumstancias, que em nada contrariam a possivel apresentação ulterior de uma polvora nacional inteiramente satisfactoria, limitam os estudos e averiguações da commissão da minha presidencia no presente momento, igualmente sem contrariedade nem prejuizo de uns e outros, a empregar a polvora allemã 1:296º, mandada pôr pela secretaria da guerra á sua disposição, nas experiencias a que desde já vae proceder, devendo portanto estas cingir-se:

1.° A estudar qual a forma de bala a adoptar, se a ponteaguda se a cylindro-ogival;

2.° A averiguar se a polvora allemã l:296º preenche as condições balisticas e outras a que a commissão aspira e a que a polvora nacional, por emqnanto, não satisfaz;

3.° A determinar a carga regulamentar da futura arma com essa polvora, no caso d'ella satisfazer á disposição anterior".

Resolvemos mandar proseguir ae experiencias com a polvora allemã.

Esta resolução pareceu-nos indispensavel.

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SESSÃO N ° 22 DE 29 DE AGOSTO DE 1905 15

Não deviamos deixar concluir a fabricação das armas sem ter os cartuchos correspondentes, porque ellas seriam inuteis, emquanto se não determinasse o cartucho e se não fabricasse a quantidade indispensavel de munições; não deviamos tambem receber as armas sem ter as alças graduadas, porque a graduação feita no paiz levaria muito tempo.

Precisavamos portanto de adoptar uma polvora estrangeira para remover estas difficuldades, e precisavamos ainda d'essa adopção pelas condições em que está a nossa fabrica de cartuchos.

Ella não tem, nem deve ter para ser economicamente montada, o desenvolvimento necessario para produzir todas ás munições de que o exercito precisa para reserva e para consumo corrente.

Deve produzir pouco mais do que o consumo corrente; a reserva deve ser comprada no estrangeiro e successivamente renovada pela producção nacional; precisamos por isso de uma polvora estrangeira para a nossa espingarda de infanteria.

Escolhida essa polvora e determinado o cartucho mais conveniente, facilita se o fabrico regular da encommenda, podendo-se adquirir no .estrangeiro as munições necessarias para constituir a reserva.

Depois determinaremos a nossa polvora de maneira a satisfazer ás mesmas condições do cartucho adoptado, e teremos montada a fabricação nacional para produzir o consumo corrente.

Foi o systema que seguimos para fabricar no paiz o cartucho para as armas ainda em uso, é o mais pratico, e tambem o indicado pela commissão balistica.

A escolha da bala, ponteaguda ou ogival, tinha levantado as questões da escolha da polvora e da determinação da carga, intimamente ligadas. D'ahi resultaria a vantagem de estabelecer o cartucho para a nossa arma, mas o fabrico seria demorado logo que se entrasse no periodo de construcção das alças. Alem d'estas, levantou outra, a do comprimento das estrias do cano, que obrigavam a demorar o fabrico em um periodo anterior do seu desenvolvimento.

Para a bala ponteaguda, dizia a fabrica, eram precisas estrias um pouco mais compridas do que para a ogival, e portanto era preciso decidir esta escolha antes de se entrar no periodo do estriamento dos canos.

Isto junto com algumas duvidas que a nossa commissão em Berlim apresentou com respeito ao caderno de encargos, demorariam a fabricação das armas encommendadas se não fossem rapidamente resolvidas.

A fabrica apresentou depois um cano que permittia indistinctamente o emprego das duas balas j e que foi adoptado pela commissão balistica em um relatorio datado de 27 de janeiro de 1905.

Ao mesmo tempo estavam resolvidas as duvidas sobre o caderno de encargos, e a 28 do janeiro dizia-se para a commissão de Berlim que podia proceder-se a fabricação até ao ponto em que se tornasse necessario fazer a graduação das alças.

Em 1 de março a commissão balistica communicou que escolhera a bala cylindro ogival, e a carga que devia ser empregada, o que foi transmittido á commissão de Berlim, ficando assim resolvidas as complicações que se formaram sobre o contracto de fornecimento das espingardas de infanteria.

Com o contracto de 19 de dezembro de 1903 para a compra de 100:000 espingardas de infanteria, e 100:000 sabres-bayonetas, tem-se dispendido:

[Ver tabela na imagem]

Não contando as despezas de transporte das armas, com a commissão de recepção e experiencias que se fizerem.

Artilheria de campanha. - O contracto para acquisição de trinta e seis baterias de artilheria de campanha de 7C,5 de tiro rápido, systema Schneider Canet, foi assignado em 9 de maio de 1904, na importancia de 8.333:280 francos.

O pagamento deve serfeito em quatro prestações: a primeira em 20 de julho de 1904, e as outras em igual dia dos annos seguintes. As duas primeiras são de francos 2.499:984 cada uma, e as duas ultimas de 1.666:656 francos cada uma.

A entrega do, material deve ser feita: duas baterias até dezembro de 1904, doze até maio de 1905 e vinte e duas até maio de 1906.

O contracto tem sido cumprido com toda a regularidade, e nada indica que possa haver difficuldades na sua execução.

O modelo adoptado foi escolhido por uma commissão especial para esse fim nomeada, que começou por estudar os modelos mais modernos em quatro fabricas estrangeiras, de onde concluiu as vantagens de dois, que propoz para serem estudados no paiz em experiencias comparativas de tracção e de tiro.

No fim das experiencias, a commissão optou, por maioria, pela peça Schneider Canet, fazendo-se o contracto com a respectiva fabrica.

[Ver tabela na imagem]

Havendo ainda algumas despezas de fiscalisação e recepção a pagar.

Conclusão. - Temos pois que os dois contractos em execução, que devem ser pagos pelo producto do emprestimo, autorisado pela carta de lei de 30 de junho de 1903, importam nas seguintes verbas:

Pago até 31 de dezembro de 1904:

[Ver tabela na imagem]

A pagar até julho de 1907:

[Ver tabela na imagem]

Isto representa um minimo que necessariamente deve ser excedido com as importantes despezas de transportes e experiencias para as armas portáteis, e com as da fiscalisação e recepção para as duas encommendas,

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Apezar disso, suppomos que do producto do emprestimo de 4.500:000$000 réis, deve ficar um saldo de réis 800:000$000 pouco mais ou menos.

Este saldo deve ser empregado na acquisição de munições de infanteria e em completar os arreios das baterias de artilheria.

Deve só adquirir pelo menos 20.000:000 de cartuchos de infanteria, e fazer no nosso arsenal os arreios de artilheria indispensaveis.

A necessidade das munições está plenamente justificada pelo que anteriormente dissemos.

A dos arreios comprehende-se logo que se saiba que as baterias foram encommendadas sem elles; é portanto preciso fazel-os no nosso arsenal.

Já o governo anterior destinou para este fim 38:000$000 réis tirados do fundo das remissões, e precisa-se; dispender mais o que for necessario para os completar.

Entendemos porém que esta despeza não deve ser feita do fundo da remissão, que está completamente absorvido até junho de 1908, mas do producto do empréstimo de 4.500:000$000 réis, onde deve haver um saldo sufficiente.

Assim se justificam as auctorisações pedidas no n.° 4.° da presente proposta de lei.

A carta de lei de 30 de junho de 1903, que auctorisa o emprestimo de 4.000:000$000 réis, refere-se precisamente á acquisiyão de trinta e seis baterias de artilheria do campanha; mas o contracto feito com a fabrica Schneider Canet, permute que seis baterias sejam substituidas por artilheria de montanha.

Não nos parecem necessarias seis baterias de artilheria de montanha, mas o que julgámos indispensavel é a acquisição de duas baterias de montanha e de duas baterias a cavallo, por isso que na organisação do exercito, existe um grupo de duas baterias de cada uma d'estas especies.

Fica assim justificada a auctorisação incluida no n.° 5.° da proposta de lei.

As considerações que fizemos servem para justificar a proposta de lei que submettemos á vossa apreciação, e para definir o estado em que actualmente se encontram as encommendas do material, que teem de ser pagas pelo fundo da remissão de recrutas e pelo empréstimo auctorisado em 1903.

Vos examinareis todos estes elementos e resolvereis o problema, approvando a presente proposta de lei, ou pela forma que julgardes mais consentanea com os interesses do thesouro e da defeza nacional.

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° E o governo auctorisado:

1.° A pagar pelo fundo da remissão do serviço militar, até ao anno economico de 1907-1908, em conformidade com o § 3.° do artigo 1.° da carta de lei de 30 de junho de 1903, só a quantia de 99:000^000 réis de juros do empréstimo auctorisado pela citada carta de lei;

2.° A isentar do pagamento de direitos de importação o material de guerra importado do estrangeiro até 30 de junho de 1908, e que tenha de ser pago pelo fundo da remissão de recrutas;

3.° A dispender do fundo da remissão de recrutas, a quantia de 100:000$000 réis, com a construcção de armazens para arrecadação de material de guerra;

4.° A empregar o saldo do emprestimo de 4.500:000$000 réis, auctorisado pela carta de lei de 30 de junho de11903, na acquisição de vinte milhões, pelo menos, de cartuchos de infanteria, e na confecção de arreios para artilheria montada;

5.º A substituir quatro baterias de campanha, das trinta e seis a que se refere a carta de lei citada no numero anterior, por duas de artilheria a cavallo e duas de artilheria de montanha.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 11 de abril de 1900. = Manoel Affonso de Espregueira = Sebastião Custodio de Sousa Telles.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Alfredo Brandão: - Felicita o Sr. Ministro Ia Guerra por se ter dado preferencia ás suas propostas.

Ha para discutir o orçamento, que é sempre uma discussão importante; o contrato dos tabacos, que tanto tem rendido a attenção publica; o caminho de ferro do Planalto, que é um assumpto de alta importancia; mas em primeiro logar estão as questões militares! E a força a impor-se.

Elle, orador, tencionava, quando falasse em qualquer assumpto militar, fazer sentir á Camara o que pensa a respeito da organização militar, da sua acção nefasta para toda a nossa vida economica e financeira, contra o predominio do utilitarismo na nossa vida publica, tanto está convencido de que o exercito nos leva á ruina; a má disposição, porem, em que se encontra o seu espirito não se permitte fazer largas considerações.

Se assim não fosse, demonstraria que as despesas que se fazem com o exercito não são só aquellas que constam o orçamento, que n'essas despesas não se comprehende grande parte da receita que vem das remissões, toda a receita que provem dos emprestimos, principalmente do de 30 de junho de 1903, a receita proveniente das praças que se licenceiam a mais dás que se indicam na lei, e a enormo verba que o Ministerio da Guerra alija para os outros Ministerios, distribuindo por elles o melhor de 531 officiaes. Demonstraria mais que a despesa que se faz com o exercito, com a marinha, com a guarda municipal e a policia absorve muito mais da terça parte, quasi metade, das despesas do Estado depois de pagos os encargos da divida publica.

A classe militar é uma classe privilegiada, devidamente enumerada, e cujos soldos vão desde 240$000 réis, que o soldo do alferes de infanteria, até 2:300$000 réis, que vence o general de divisão. E tem alem disso os estudos vagos á custa do Estado, como não tem nenhuma outra lasse.

Diz-se que se tem de augmentar as despesas militares Dor causa da alliança com a Inglaterra; mas isso é tão falso, como era em 1892, quando se dizia que essas despesas tinham de ser augmentadas por termos como inimiga a Inglaterra. Pretextos, e nada mais.

Quanto ao projecto em discussão, divide-se elle em duas partes, a financeira e a technica. A parte financeira determina qual é a verba que o Governo tem a pagar pelo fundo das remissões até o anno economico de 1907-1908, e qual ha de ser a applicação a dar ao saldo do empréstimo de 4.500:000^000 réis de 30 de junho de 1903.

Com relação a esta parte, o projecto diz que o Governo fica auctorizado a pagar do fundo de remissões 99:000$000 réis de juros do empréstimo de 1903, e mais 100:000$000 réis para a coustrucção de armazéns para a arrecadação de material de guerra. Ora isto está em contradição com o que se diz no relatorio.

O Sr. Ministro calcula que dispondo destes 199:000$000 réis o fundo de remissões fica esgotado, mas não é assim. Outro tanto succede com o emprestimo, porque o saldo não é de 800:000$000 réis, mas de 921:000$000 réis.

Da differença, porém, que resulta destas duas verbas, fundo de remissões e emprestimo, entende elle, orador, que o Governo não pode dispor sem auctorização especial.

Não é quando o paiz tem um deficit superior a réis 3.000:000$000, quando é preciso retribuir melhor os professores primarios, augmentar o numero das escolas, desenvolver os serviços hydraulicos e agricolas, attenuar o imposto que pesa sobre as classes menos favorecidas, que

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se devem gastar 800:000$00 réis em cartuchos e artilharia, que não servem para nada.

Na parte technica não entra.

Crê ter dito o sufficiente para justificar a moção que manda para a mesa e que é a seguinte:

Moção

A Camara, considerando:

Que a discussão dos projectos militares, fabricados exclusivamente por militares para seu uso e propria utilidade, são sempre approvados sem modificação alguma, ou com alterações tendentes a aggravar os encargos que constituem a sua essencia e effeitos;

Que, com taes prerogativas e regalias, os referidos projectos tiram á Camara o tempo aproveitavel em outros assumptos, que possam beneficiar com o seu concurso e illustração;

Que a defesa nacional, no estado actual da sciencia da guerra e encargos inherentes, num paiz com fronteiras abertas por terra e por mar, e com uma situação geographica appetecida e cubicada por todas as nações poderosas, não é uma utopia e uma mentira, mas uma verdadeira burla, que serve de pretexto para despejar os cofres do Estado em beneficio de uma instituição que não pode realizar os fins a que a dizem destinada;

Que o exercito só seria uma instituição recommendavel e util, se a sua organização se subordinasse á manutenção da ordem publica e do regular funcionamento das instituições sociaes, com substituição do serviço militar obrigatorio pelo serviço militar voluntario e remunerado;

Que o predominio do militarismo, erradamente fomentado pelos poderes do Estado, que por fraqueza, e a falta de melhor amparo, n'elle procuram criar uma classe privilegiada para defesa das suas regalias, origina e alimenta uma autonomia perigosa com as outras classes sociaes, subjugadas pelo seu poderio e sobrecarregadas com os seus encargos:

Resolve approvar por acclamação todos os projectos militares, para que os effeitos inevitaveis do militarismo, dominante, absorvente, esterilizador e dispendiosissimo se abreviem e ainda possam restar á Nação Fortugueza alentos de vida para a sua rehabilitação e alforria. = O Deputado, Alfredo Casar Brandão.

Foi admittida.

(O discurso a que este extracto se refere será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - A moção apresentada pelo illustre Deputado Sr. Alfredo Brandão representa, por assim dizer, a synthese do seu discurso. Condemnava S. Exa. o exercito e as instituições militares, mas tudo quanto poderia dizer no seu discurso está condensado na sua moção.

Admittindo a base do discurso de S. Exa., as conclusões a tirar seriam de que o exercito devo terminar. Essa theoria, porém, é uma excepção; é a theoria dos espiritos avançados que, embora tenham pugnado por ella ha muitos annos, ainda a não viram realizada.

Nação alguma tem caminhado nesse sentido, mas sim justamente seguindo trilho opposto. E porque? Porque os interesses da defesa nacional, a garantia dos interesses do paiz, estão superiores, a essas considerações philosophicas, muito boas para as academias e para os jornaes, mas absolutamente impraticaveis na administração do Estado.

Entende o illustre Deputado que o exercito leva-nos toda a renda; que todas as despesas militares são improductivas, inuteis e que portanto tudo o que se empregue nesse sentido o, por assim dizer, um roubo, ou uma fraude, que se faz a todos os outros ramos da administração publica.

Mas admittido que isso succeda entre nós, muito peor succede nas nações estrangeiras, em que as despesas com as instituições militares são superiores ás nossas.

Se, portanto, nesse ponto o Governo está em erro, erra em magnifica companhia, desde que erra com todas as nações do mundo.

O illustre Deputado, Sr. Alfredo Brandão, exagerando, disse que o orçamento do Ministerio da Guerra é grande, e que nem todo se gasta com o exercito.

Essa affirmação tem sido já feita por differentes vezes; mas elle, orador, quer na opposição, quer no Governo, tem sempre procurado demonstrar que ella não tem fundamento algum.

O orçamento do Ministerio da Guerra é gasto, unica e exclusivamente, em serviço do proprio Ministerio; e, acrescenta: gasta se ainda mais, figurando essa despesa em creditos especiaes, para pagar o excesso de numero de praças; gasta-se tambem mais o fundo de remissões. Todas essas despesas, porém, figurara nas contas do Thesouro, vindo descritas e computadas de forma que em cada anno economico se pode apreciar aquillo que, realmente, se despende com o exercito.

Disse o illustre Deputado que é necessario levar em linha de conta no orçamento do Ministerio da Guerra despesas feitas com serviços de varios officiaes, dispersos pelos outros Ministerios.

Essas despesas, porém, não podem figurar no orçamento da Guerra, estando, ao contrario, muito bem incluidas nos orçamentos dos Ministerios, que aproveitam os serviços desses officiaes. Se elles não tivessem esses officiaes, tinham outros empregados, a quem pagariam da mesma forma, dando, portanto, o mesmo resultado.

Deve, até, notar-se que, na organização do exercito de 1899, se estabeleceu que qualquer militar, exercendo funcções em outro Ministerio, recebe os seus vencimentos pelo Ministerio onde funcciona. Esta disposição, vigorando ainda hoje, prova que tem dado bons resultados.

Em seguida, disse o illustre Deputado que as despesas do Ministerio da Guerra, sommadas ainda com as do Ministerio da Marinha, são superiores a um terço da receita liquida, depois de pago o juro da divida publica.

Effectivamente assim deve ser; mas o mesmo se dá em toda a parte.

Se S. Exa. abstrahir os juros da divida em qualquer estado europeu, verá que as despesas do Ministerio da Guerra, com as da marinha, andam aproximadamente por metade das despesas dos outros Ministerios.

De facto, não pode qualquer Ministro da Guerra ser accusado de gastar de mais, pelo respectivo Ministerio, porque a verdade é que o exercito não está absolutamente nas condições em que estão os primeiros exercitos da Europa, e de que é necessario fazer ainda despesas, para coilocá-lo a par dos exercitos das nações modernas.

Não é uma questão de desperdicio ou de .desvantagem, porque os officiaes não teem conveniencia alguma em que o dinheiro se despenda só em material de guerra e armamento; não é uma questão de interesse particular, mas sim de interesse de todo o paiz.

Quando se trata de armamanto e defesa, isso não pode interessar pessoalmente uma classe, mas sim directamente o paiz.

Neste sentido é que elle, orador, diz que é necessario fazer despesas; tem, porém, sustentado já por varias vezes que as despesas devem ser feitas em relação com os recursos de que se dispõe; e que, se não é possivel marchar rapidamente, marchemos ao menos com os recurso de que podemos dispor.

O projecto que se discuto prova, manifestamente, este modo de pensar, porque d'elle se deprehende que pela sua parte acha exageradas as despesas com a acquisição de armamento, que se fez dentro de um prazo relativamente curto.

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É por isso que hoje ha difficuldades em pagar; e, por não se poder pagar por completo todas essas despesas, sem fazer algumas alterações na organização que estava em vigor, é que se vem pedir á camara algumas auctorizações.

N'essa alterações, figura uma que diz respeito ao fundo de remissão, e outra relativa ao fundo de emprestimo a que o projecto se refere.

Pelo que respeita ao fundo de remissões, as contas estão feitas e por ellas se prova que até ao anno economico de 1908 esse fundo fica completamente absorvido, com excepção de cerca de 108:000$000 réis, que poderão ser destinados a limitar outras despesas que ha a pagar.

Ha tambem outra margem de 800:000$000 réis, aproximadamente, e essa é no producto do emprestimo. Esses 800:000$000 réis são destinados a cousas indispensaveis como sejam acquisição de cartuxos e arreios para artilharia.

Disse o illustre Deputado que não sabe o motivo por que se dá essa ápplicação a esse saldo, que podia ser destinado a pagar outras contas. Effectivamente podia se-lo; mas qual era a consequencia que d'ahi resultaria? Tendo-se armas sem cartuxos e artilharia sem arreios, melhor seria, em taes circunstancias supprimir tudo. Cair-se-ia, assim, na moção do illustre deputado; isto é, acabar-se-ia com o exercito e ficava-se com a policia civil, se é que a policia civil escapava á derrocada proposta pelo Sr. Alfredo Brandão.

Essas despesas são portanto indispensaveis.

O projecto actual não representa uma medida nova; per esse projecto pretende elle, orador, unicamente regular o pagamento de encommendas feitas pelo seu antecessor na pasta da guerra, encargos tomados pelo Governo que o illustre Deputado apoiou e que o actual Governo tem obrigação de cumprir.

A este respeito, a sua opinião é que todos devem desejar que o producto das remissões seja empregado em material de guerra, que é o fim mais util que elle pode ter, o mais em harmonia com os interesses do paiz.

Desde que se affirma que o serviço militar deve ser obrigatorio e que as remissões devem acabar, a unica maneira de cohonestar esse principio das remissões, que todos condemnam, é destinar o producto d'ellas unica e exclusivamente á acquisição de material de guerra.

Conseguintemente, depois da lei estabelecida, depois do principio de moralidade em que ella se funda, ninguem tem direito de dar ao fundo de remissões uma applicação diversa da1 que elle, orador, lhe quer dar.

Entrando na analyse do projecto, disse S. Exa., entre outras cousas, que se pedem mais 100.000$000 réis para armamento. Assim o, com effeito, mas esses 100:000$000 réis são tirados do fundo das remissões, por uma só vez, e não figuram, portanto, senão nas contas do anno economico em que se fez a despesa.

É isto indispensavel, porque nas cousas militares, como em todas as cousas d'este mundo, umas são consequencia das outras; ha sequencias de umas com outras. Portanto, assim como para aproveitar as armas são necessarios cartuxos, para aproveitar a artilharia são necessarios arreios e, para que o material não se estrague, com as intemperies, é necessario ter armazéns para o guardar.

Sendo necessario fazer armazéns, bem distribuidos por todo o paiz, de maneira que o material seja bem arrecadado, não é decerto exagerada para isso uma verba de 100:000$000 réis.

Fique, porém, o illustre Deputado tranquillo porque, se a verba estabelecida não for excedida, o producto das remissões não se perde; lá fica, para ter outro destino justo.

Parecendo-lhe ter respondido aos principaes pontos do discurso do illustre Deputado Sr. Alfredo Brandão, permitta-lhe dizer que, a seu ver, S. Exa. combateu o projecto, unicamente sob o ponto de vista geral: porque, não concordando com a instituição militar, não pode certamente concordar com o projecto que tem por fim regular despesas já feitas com essa instituição.

Elle, orador, porém, está convencido de que, para todos os que se compenetram bem de que o exercito, para ser bem organizado, necessita de ter o material indispensavel
armamento nas condições precisas; para todos esses que teem felizmente uma opinião mais conforme aos interesses do paiz, o projecto que se discute não pode deixar de ser approvado.

(O discurso será publicado na integra quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Clemente Pinto: - Ao pedir a palavra, emquanto falava o Sr. Ministro da Guerra, viu logo a impressão de estranheza que tal facto causou por se tratar de um debate quasi exclusivamente de natureza technica.

Essa estranheza, porem, deve desapparecer depois do discurso do Sr. Alfredo Brandão e ainda um pouco pelas considerações do Sr. Ministro da Guerra, assim de que concommitantemente com a parte technica o projecto tem a sua parte financeira, e, sobre essa, elle, orador, poderia dilatar-se em largas considerações. Não o fará, porem, limitando-se a constatar que, de uma simples analyse do projecto, resulta evidentemente a affirmação nitida e clara de que o Sr. Ministro da Guerra não cumpre o que é lei do paiz.

É necessario que, de uma vez para sempre, termine este systema de um Ministro que succede a outro não cumprir, integral e completamente, as disposições legaes estabelecidas pelo seu antecessor.

Por carta de lei de 30 de julho de 1903 foi autorizado o Governo a contrahir um empréstimo de 4:000 contos. Qualquer que fosse o Ministro da Guerra que succedesse áquelle que pediu essa autorização incumbia-lhe o dever de, integralmente, cumprir essa disposição.

Proceder de outra forma é desrespeitar por completo as leis. Em taes condições não ha maneira de se governar num paiz onde não. ha senão o proposito de desfazer o que fizeram os antecessores.

Seja-lhe permittido ainda fazer mais um reparo a proposito das contradições em que caem os membros do actual Gabinete.

No seu relatorio, o Sr. Ministro da Fazenda insurge se contra os créditos especiaes, mas o Sr. Ministro da Guerra é o primeiro a contrariar S. Exa. pois que ainda ha pouco o Sr. Sebastião Telles disse que, effectivamente, as verbas orçamentaes, descritas no orçamento do Ministerio da Guerra, e que aliás parecem excessivas, ainda não são bastantes; e tanto assim que todos os annos são necessarios creditos especiaes.

Não pode haver portanto maior contradição num Governo, em qde os proprios Ministros se contrariam, nos processos mais fundamentaes de administração.

N'estas circuntstancias, elle, orador, não pode deixar de appellar para a intelligencia e criterio do Sr. Ministro da Guerra, para que de uma vez para sempre se ponha de lado esse processo de desfazer o que está feito e que é lei do paiz, apresentada e discutida no Parlamento e publicada no Diario do Governo, apregoando apenas como bom o que em substituição se apresenta.

Sobretudo em materia de administração militar, contendendo com uma das instituições mais nobres, d'aquellas a quem todos os paizes devem respeito, este processo de se andar constantemente em mutações, quer no que diz respeito á escolha de armamento e artefactos militares, quer no que se refere á instrucção das differentes unidades, é tudo quanto ha de mais pernicioso.

Posto isto, seja-lhe permittido apresentar ainda uma duvida.

Não tem presente uma nota precisa do producto das re-

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missões; mas, pelo que leu, parece-lhe que a media é de 430 contos de réis.

O Sr. Sinel de Cordes: - 461 contos de réis.

O Orador: - E, portanto, uma verba bastante avultada, da qual, a seu ver, se pode distrahir não só o bastante para os encargos do empréstimo emittido, por juros annuaes e successivos, mas ainda para algumas das despesas mencionadas no projecto.

Talvez que, mesmo dentro desse producto, se pudesse ir um pouco mais alem, não restringindo somente a 99:000$000 réis a verba destinada ao pagamento do juro do emprestimo.

Poder-se-ia talvez assim conciliar de qualquer forma os interesses que elle, orador, é o primeiro a reconhecer, de se armar o exercito e, por outro lado, obedecer-se ás disposições estabelecidas em lei.

Exposta a sua opinião, deseja ainda por sua parte, e crê que por parte de toda a opposiçãu regeneradora, desfazem impressão que poderia ter causado a moção mandada para a mesa pelo illustre Deputado Sr. Alfredo Brandão, na qual S. Exa. synthetizou as suas ideias ácerca do projecto, porventura em termos severos, mas que são representam o seu pensar interno. Foi apenas uma forma de protestar contra tudo o que se está passando.

O Sr. Alfredo Brandão não condemuou riem podia condemnar a instituição militar. Não era essa, por certo, a intenção de S. Exa. que, como, de resto, todos, tributa ao exercito o respeito e consideração que lhe são devidos.

O exercito portuguez é uma instituição que se impõe á consideração de todo o mundo. As paginas da historia militar portugueza são por tal maneira brilhantes, que ninguem que as conheça pode deixar de tributar ao exercito o respeito e consideração que elle merece.

Para prová-lo, bastará a serie de triumphos alcançados nas nossas colonias, maculados apenas pelo desastre no sul de Angola, o qual - doloroso é confessar - está ainda em aberto, sem que, por parte do Governo, se tenham, até agora, empregado os mais pequenos esforços para desaffrontar a nossa bandeira, que lá ficou abatida e ultrajada.

A proposito, nau pode deixar de chamar a attenção do Sr. Ministro da Guerra para esse facto, censurando asperamente o Governo de que S. Exa. faz parte, pelo facto de não ter empregado a necessaria e indispensavel actividade para castigar o gentio rebelde, a fim de, por qualquer forma, desaffrontar assim o nosso desastre.

Antes de terminar deve ainda insistir e affirmar ao Sr. Ministro da Guerra que, por parte da opposição parlamentar regeneradora, não ha menos respeito, nem menos consideração pelo exercito; e certamente da parte ao illustre Deputado Sr. Alfredo Brandão não houve o mais pequeno intuito em o molestar; houve, sem duvida, apenas o intento de protestar contra o militarismo mal orientado e mal dirigido, como o Sr. Ministro da Guerra o está orientando e dirigindo.

Tão seguro está elle, orador, da sinceridade das intenções de S. Exa. e da verdade das suas declarações, que sem duvida o illustre Deputado não se recusará a retirar a sua moção, manifestando assim a sua verdadeira intenção.

Concluindo, mais uma vez appella para o Sr. Ministro da Guerra para que S. Exa., intelligente e illustrado como é, cheio de criterio e boa vontade, não organize o exercito pela forma por que pretende organizá-lo. Não é dessa forma que as instituições militares ganham prestigio em nação alguma, mas sim orientando-se os Ministros, que successivamente occnpam a pasta da Guerra, num mesmo caminho e numa mesma conformidade de ideias.

E realmente para admirar a continuidade, a permanencia que se nota nas organizações militares nos paizes estrangeiros. Não se vê n'elles, mesmo n'aquelles em que as organizações militares são as mais completas, essas mutações que se dão entre nos. Nesses paizes o problema militar é estudado por uma maneira serena; uma vez, porem, tomada uma orientação, o paiz segue sem discrepancia esse caminho, não tendo modos de ver pessoaes, nem soluções de continuidade.

Era assim que elle, orador, desejaria que o Sr. Ministro da Guerra procedesse, é assim que deseja que procedam todos os titulares dessa pasta, qualquer que seja o seu lemma partidario, porque, a seu ver, em materia de organização militar não pode haver politica, mas simplesmente senso, criterio e administração.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. devolver os notas tachyyraphicas.)

O Sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção. Vae ler-se o artigo 1.º do projecto para se votar. Leu-se e posto á votação foi approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se para ser votada a moção do Sr. Alfredo Brandão.

Leu-se.

O Sr. Alfredo Brandão (Para um requerimento): - A moção que acaba de ser lida traduz o meu modo de pensar sobre a organização militar do paiz. Não é ella, porem, opinião nem do meu partido, nem dos meus amigos, principalmente militares, e por isso peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que retire a minha moção, para evitar uma votação que seria desagradavel para elles e para mim.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

Seguidamente foi approvado, sem discussão, o artigo 2.° do projecto.

Leu-se o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 10

Senhores. - A vossa commissão de guerra foi presente a proposta de lei n.° 6-C, fixando em 30:000 praças de pret, de todas as armas, a força do exercito em pé de paz, no anno economico de 1905-1906, devendo licencear se, nos termos da legislação em vigor, 7:000 praças de pret, prescrevendo-se ainda que o licenceamento deste numero de praças poderá ser diminuido, quando as necessidades do serviço e da instrucção militar o exigirem.

A vossa commissão está de acordo com a proposta do Governo, e propõe a sua approvação nos termos seguintes:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1905-1906 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

§ 1.° Serão licenceadas, nos termos da legislação era vigor, 7:000 praças de pret.

§ 2.° O licenneamento fixado no paragrapho anterior poderá ser diminuido quando as necessidades do serviço e da instrucção militar o exigirem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de guerra, 5 de maio de 1905. = João Serras Conceição = Antonio José Garcia Guerreiro = Francisco Miranda da Costa Lobo - Lourenço Cayolla = Francisco X. Correia Mendes = João José Sinel de Cordes = Julio Dantas = Jorge Guedes Gavicho, relator.

Proposta de lei n.° 6-C

Artigo 1.° A força do exercito em pé de paz é fixada no anno economico de 1905-1906 em 30:000 praças de pret de todas as armas.

§ 1.° Serão licenceados, nos termos da legislação em vigor, 7:000 praças de pret.

§ 2.º O licenceamento fixado no paragrapho anterior

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poderá ser diminuido quando as necessidades do serviço e da instrucção militar o exigirem.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, em 1 de maio de 1905. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Mendes Leal: - Em todos os povos, em todos os tempos e em toda a parte, encontra-se sempre a instituição militar como organização de defesa social. E claro, portanto, que a sua organização varia sempre, conforme os maiores ou menores progressos de todos os ramos da actividade humana. E por isso que um escriptor distincto diz que, pelo progresso das instituições militares, se pode medir a civilização de um povo.

Que o exercito é indispensavel todos o reconhecem, devendo, portanto elle ser organizado de harmonia com os progressos da sciencia e com os recursos da nação. Não sendo assim, vale mais que elle não exista.

E por isso que elle, orador, respeitando as ideias de todos, respeita ás do illustre Deputado Sr. Alfredo Brandão, caracter tão puro e immaculado, coração tão generoso; e porque assim é, não teve duvida em pedir-lhe que retirasse a sua moção ao votar-se o projecto de lei n.° 4, porque não estava ella em harmonia com a intenção de S. Exa.

Elle, orador, como Deputado da Nação mão daria o seu voto a essa moção, reconhecendo entretanto no seu illustre apresentante o direito absoluto de apresentá-la, discuti-la e sustentá-la.

Dito isto, fará algumas considerações sobre o projecto em discussão. Antes, porém, seja-lhe permittido fazer um pedido ao Sr. Ministro da Guerra, visto não estar presente o Sr. Ministro do Reino.

Na sessão de hoje inscreveu-se na ordem do dia, porque desejava solicitar de S. Exa. a fineza de transmittir ao seu collega o seu pedido instante, sobre uns documentos que requereu ha quatro meses, referentes á Misericordia de Viseu, por isso que deseja tratar de um assumpto a que elles dizem respeito.

Não tendo recebido ainda taes documentos, protesta energicamente contra o procedimento do Governo, que assim sonega, aos Deputados da Nação, o direito que elles teem de ver os documentos de que necessitem.

Os ultimos acontecimentos parlamentares deram origem a algumas considerações sobre a decadencia e solução da nossa vida parlamentar, e dizem até alguns que esses acontecimentos denotam a decadencia completa do Parlamento, ao passo que outros, fundando se principalmente na dissidencia de algumas opiniões, na forma por que se expandiram, dizem que dahi vem o renascimento do Parlamento.

Não deseja elle, orador, expor a sua opinião sobre o assumpto. E, porem, incontestavel que a discussão parlamentar, havida ha dias, representa em absoluto a dissolução do Governo.

O Governo é que não tem força para andar e, assim, arrasta-se, até cair.

O Sr. Presidente: - Chama o orador á questão.

O Orador: - Permitta-lhe a mesa dizer-lhe o seguinte.

O projecto que se discute, embora pareça simples, pois tem apenas um artigo, tem manifestamente relação com outros assumptos; e, para poder discutir esses assumptos, necessario é fazer referencia a elles.

Lastima, portanto, que a mesa queira estrangular-lhe a palavra.

Nunca se viu isso no Parlamento e, por sua parte, tem a declarar que, se a mesa tenciona continuar nesse processo, não terá então outro remedio senão desistir da palavra.

Vae ser breve, porque não deseja cansar a attenção da Camara.

Quando se discutiu o projecto da reorganização do exercito teve a honra de fazer algumas ligeiras considerações sobre elle, e tendo-se referido ao facto de ser muito avultado o numero de paginas de legislação militar, pois que, em doze ou quatorze annos, já andava por 11:000, o illustre Deputado e seu amigo o Sr. Correia Mendes estranhou a sua paciencia em compulsar essas 11:000 paginas de legislação.

Se S. Exa. sommasse cuidadosamente o, numero de paginas, que são da responsabilidade do partido progressista e as que são do partido regenerador, veria que o maior numero pertence ao partido de que faz parte.

Tambem elle, orador, tinha sustentado que era indispensavel haver espirito de sequencia, estabelecer se unidade e coherencia; e por este facto foi appellidado pelo mesmo illustre Deputado de incoherente visto que fora relator de um projecto de lei que não traduzia exactamente as ideias que anteriormente tinha exposto na commissão.

Mostra o orador que não foi incohercnte, pois que se combateu a celebre base 17.ª, fui pelo facto de ella ser absolutamente condemnavel, perfeitamente insustentavel. Quem é incoherente é o Governo; é o Sr. Presidente do Conselho, que na opposição defendeu, tanto na imprensa como em toda, a parte, a separação das duas operações, exclusivo dos tabacos e conversão - e apenas subiu ao poder...

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que não pode proseguir na ordem de considerações em que entrou. Chama-o pela segunda vez á questão.

O Orador: - E uma violencia contra a qual protesta; mas visto que se pretende coartar-lhe os direitos que tem como Deputado vae restringir-se um pouco mais ao assumpto.

Nas nossas escolas é costume haver duas epocas de exames. Na primeira costumam ser approvados os alumnos mais estudiosos; para a segunda época ficam, em geral, aquelles que menos cumpriram os seus deveres escolares.

Os Srs. Ministros tambem ficaram todos para a segunda época, embora não lhes falte o talento. Na primeira epoca poucos projectos apresentaram á Camara e nenhum conseguiram ver approvado; na segunda epoca apparecem com elles em grande quantidade.

Ainda hontem se votou um projecto de guerra, mas dos da primeira época, e hoje vae votar-se naturalmente outro tambem da primeira época, mas que, do mesmo modo, ficou para a segunda.

Entre todos os seus collegas é o Sr. Ministro da Marinha quem traz na segunda epoca o que se pode chamar uma carregação de projectos.

Elle, orador, acha que não se torna necessario o projecto que se está discutindo, o projecto constitucional, porque diz respeito á força publica, e isto pela seguinte razão: a lei organica do exercito, segundo a letra do artigo 113.° da Carta Constitucional, fixa a força em pé de paz; a organização do exercito, que se faz em harmonia com as disposições do artigo 117.° da mesma Carta, fixa os quadros e os effectivos e, finalmente, a lei orçamental, todos os annos votada, segundo preceitua o § 10.° do artigo 15.° da Carta, fixa o numero de praças de pret que devem estar no exercito.

Desejava, portanto, que lhe expliquem a necessidade d'este projecto.

O nobre Ministro da Guerra apresentou ha poucos dias no Parlamento um projecto de lei tendente a alterar os vencimentos dos officiaes. Não quer apreciar agora esse

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projecto, porque não está sujeito á discussão, mas não pode deixar de se referir a elle.

No exercito as praças de pret devem ter o vencimento absolutamente indispensavel para as suas necessidades; os sargentos ou officiaes inferiores devem ser pagos em harmonia com as suas obrigações e os officiaes que são os profissionaes, que dedicam toda a sua vida, todo o seu trabalho, todo o seu esforço á defesa do paiz, teem de ser pagos em harmonia com a sua situação.

Como no exercito ha differentes armas, differentes serviços e commissões, é indispensavel fazer uma revisão geral de todas as tabellas quer de soldos, quer de gratificações, em harmonia com as necessidades e não trazer simplesmente um projecto que não attende ao que é necessario, que não é completo, que não abrange todas as classes.

É certo que o orçamento do exercito já é grande e que não podemos ir muito longe no seu augmento, mas o que é indispensavel é que se distribua bem e que o que se pretende organizar seja organizado como deve ser, evitando-se assim as reclamações justas que começam a apparecer.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. devolver as notas tuchygraphicas).

O Sr. Henrique Kendall: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios estrangeiros e interna-cionaes sobre a proposta de lei n.° 5 R de 1905, onde são approvadas para serem ratificadas as tres convenções assignadas em Haya aos 12 de junho de 1902 entre Portu gal e outras nações, a fim de regular os conflictos de leis em materia de casamento, os conflictos de leis e de jurisdição em materia de divorcio e de separação de pessoas e a tutela de menores.

Foi a imprimir.

O Sr. Tavares Festas: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo que a commissão de redacção se acha constituida, tendo escolhido para presidente o Sr. Deputado Luiz José Dias e a mim para secretario. = O Deputado, Tavares Festas.

Para a secretaria.

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara A mesa no uso da auctorização que lhe foi concedida, no meou as seguintes commissões:

Para a commissão de administração publica os Srs. Deputados:

Antonio Tavares Festas.
Clemente Joaquim dos Santos Pinto.
Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello.
Frederico Alexandrino Garcia Ramirez.
João Monteiro Vieira de Castro.
José Alberto da Costa Fortuna Rosado.
José Cabral Correia do Amaral.
José Maria de Oliveira Mattos.
José Paulo Monteiro Cancella.
José Simões de Oliveira Martins.
Manoel Telles de Vasconcellos.

Para a commissão de saude publica os Srs.:

Adriano Anthero de Sousa Pinto.
Antonio Augusto Pereira Cardoso.
Antonio Peixoto Correia.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca.
Joaquim Hilario Pereira Alves.
José Augusto de Lemos Peixoto.
Julio Dantas.
Pedro Doria Nazareth.

Para a commissão de regimento e disciplina, os Srs.:

Abel da Cunha Abreu Brandão.
Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti.
Conde do Alto Mearira.
Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos.
Henrique Carlos de Carvalho Kendall.
João Catanho de Menezes.
José Coelho da Motta Prego.
José Maria de Oliveira Mattos.
José Paulo Monteiro Cancella.

Peço novamente a attenção da Camara.

Os Srs. Deputados João Pinto dos Santos e Visconde da Ribeira Brava pediram para convidar o Sr. Presidente do Conselho a vir a esta camara logo que pudesse, porque desejavam a sua presença.

Visto que S. Exa. está presente, e já são seis horas da tarde, suspendo a discussão do projecto e vou dar a palavra aos illustres Deputados.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Sr. Presidente, eu nem pedi a palavra para explicações, nem pedi a presença do Sr. Presidente do Conselho.

Pedi a palavra simplesmente para antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia dei a palavra a S. Ex.a, mas o Sr. Deputado não quiz usar d'ella, pedindo-me que a reservasse para quando estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Visconde da Ribeira Brava: - Mas era unicamente para antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tenho só que dar a palavra ao Sr. João Pinto dos Santos, se a Camara assim o entender.

Consultada a Camara resolveu, affirmativamente.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Agradece ao Sr. Presidente do Conselho a sua comparencia n'aquella casa do Parlamento.

Na sessão de hontein na Camara dos Dignos Pares o Sr. Presidente do Conselho declarou que a sua confissão de que ficava liquidada a questão Reilhac por este contrato tinha sido feita particularmente entre amigos.

Esta declaração peremptoria de S. Exa. mereceu reparos a um Digno Par e mal iria a elle, orador, se não pedisse a comparencia de S. Exa. na primeira sessão para justificar aquella sua phrase.

Não é delator, nem nunca foi. Era incapaz de fazer a revelação de qualquer acto particular que o Sr. Presidente do Conselho lhe communicasse entre amigos, como S. Exa. diz. O caso é absolutamente differente.

A commissão de fazenda estava reunida em casa do Sr. Presidente do Conselho, que para esse effeito não era casa de S. Exa., mas uma casa publica onde se reunia a commissão.

S. Exa. começou por apresentar a estatistica a que elle, orador, já se referiu, mandada pelo Sr. Burnay a proposito dos tabacos, e em seguida o illustre Deputado Sr. Centeno apresentou a sua proposta, pela qual alguns membros da commissão accentuavam a sua discordancia da opinião do Governo.

O Sr. José Luciano de Castro declarou logo que considerava a questão como politica e como tal a tratou. Explicou-se elle, orador, explicaram-se diversos membros

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22 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

da commissão e pode dizer-se que n'aquella sala se manifestavam os sentimentos mais desencontrados. Não se pode portanto dizer que se estava ali como amigos intimos. Isto é que é profundamente verdadeiro.

Quando o Sr. Presidente do Conselho fazia a declaração peremptoria de que ficava liquidada a "questão Reilhao, não estava conversando com pessoas amigas, mas com individuos que lhe tinham apresentado uma proposta que S. Exa. considerava já como uma hostilidade. É necessario alterar o sentido das palavras para se poder dizer que commissões são reuniões de amigos.

Cumpria-lhe fazer esta declaração.

Não pode S. Exa. accusá-lo nem os seus collegas, membros da commissão, de desleaes, de ineoherentes, de saltarem para fora da disciplina partidaria. Quando se pratiquem actos de indisciplina, que sejam como este - não desejar assignar um contrato contra o qual a opinião publica se insurge.

Todo o homem publico tem obrigação de, acima dos interesses partidarios, defender os interesses do seu paiz.

É em virtude dessa disciplina rigorosa, que constituo uma verdadeira oligarchiá, que os homens publicos estão desprestigiados.

Accusem-o do que quizerem; mas fique-se sabendo que nunca na sua vida recebeu mais manifestações de enthusiasmo pelo seu procedimento do que actualmente.

Está no firme proposito de protestar contra todos os contratos que, como o dos tabacos, sejam ruinosos para a sua patria.

(O discurso será publicado na integra, quando. o orador restituir as notas tuchygraphicas).

O Sr. Presidente do Conselho (José Luciano de Castro): - Sr. Presidente: em primeiro logar cumpre-me rectificar uma palavra que o Sr. Pinto dos Santos me attribuiu, e que me parece não ter pronunciado: é a palavra aparticularmente".

Eu creio ter dito, na Garoara dos Pares, o que já tinha dito nesta Camara; mas, naturalmente, o illustre Deputado não ouviu. Nem eu a dizer para a Camara dos Pares uma cousa differente da que tinha dito aqui.

Eu disse, quando fiz aquella declaração, que me persuadi que estava entre amigos; (era o que eu já tinha dito nesta Camara. Mas não disse "particularmente", porque essa palavra daria ás minhas palavras uma ideia mais ampla do que aquella que eu lhe queria dar.

Em bem sei que o que se trata nas commissões não é tão particular como se se passasse em familia, entre amigos.

Mas eu tenho para mim, que o que se passa nas commissões, sobretudo quando um Ministro se refere à um assumpto melindroso e de caracter internacional, não deve ser repetido; e não seria uma grande exigencia que essas palavras, ou ás declarações do Ministro, não fossem repetidas na camara e em publico sem o assentimento de quem as pronunciou, - tanto mais quando se trate do um Ministro que fale no seio de uma commissão de amigos seus.

Este é o meu criterio; pode ser que não seja o melhor, nem o mais acertado, ou mais sensato.

Talvez o criterio do Sr. João Pinto dos Santos seja muito melhor, mais sensato e acertado do que o meu.

Não o censurei, apenas me defendi. Eu disse, aqui que me parecia inconveniente trazer a questão Reilhac á discussão publica, e não podia deixar de dar algumas explicações do meu procedimento na commissão. Eu fiz na commissão a declaração, que já muitas vezes tem sido repetida. Fi-la por suppor que não falava deante de adversarios politicos; se tivesse de falar deante de adversarios politicos talvez não a tivesse feito. Esta foi a minha intenção, mas nunca podia ser proposito meu nem accusar de delator nem de incoherente o Sr. João Pinto dos Santos.

S. Exa. tem sobre o facto outra noção, outro criterio, que até pode ser o mais acertado; não o contesto. Mas, repito, o meu criterio é outro tratando se de declarações feitas por um Ministro sobre um assumpto de politica internacional que, a meu ver, deve ser tratado com mais melindres de resguardo do que os assumptos de politica interna.

Esta era a minha ideia, o meu pensamento, quando disse na camara dos Pares o que tinha dito aqui; tornarei ainda a repetir, accentuei estar persuadido de que falava entre amigos, - amigos politicos, é claro. Eu queria defender-me, simplesmente; explicar o meu procedimento, declinar de mira qualquer responsabilidade, e decliná-las para quem trouxe o assumpto á discussão publica. Não quiz accusar o Sr. João Pinto dos Santos de delator ou de incoherente, quando S. Exa. está persuadido, e talvez muito bem, de que usou de um direito.

S. Exa. procedeu muito correctamente, pois que procedeu em harmonia com o seu criterio e com a ideia que S. Exa. faz das discussões das commissões, das declarações que os Ministros fazem no seio dessas commissões, ainda mesmo que se refiram a assumptos de caracter internacional.

Devo dizer ainda a S. Exa. que a declaração que fiz na commissão podia repeti Ia aqui sem lhe dar grande importancia.

A questão Reilhac nas suas relações com o contrato dos tabacos tem um valor insignificante; mas a questão Reilhac, olhada em si, pela sua natureza especial, é que pode ter importancia maior. Por isso dizia eu, que me parecia ser inconveniente trazer a questão á Camara. Não era propriamente por motivo da questão dos tabacos. Era porque ella tem de ser tratada em outro campo e debaixo de outro aspecto.

Tornarei ainda a accentuar, para dar satisfação a todos os melindres. Quando eu disse que suppunha estar entre amigos - amigos politicos é claro - não podia ser nunca minha ideia I r roga r qualquer censura, a qualquer membro da commissão que, julgando de maneira diversa da minha, viesse trazer a questão á Camara. Assim como eu não posso impor a minha opinião a ninguém, ninguém pode impor-me a sua.

Eu penso de maneira diversa, tenho um criterio differente; portanto hei de continuar a proceder em harmonia com o meu criterio, e não regulando-me pelo de S. Exa. Como todos nos temos o dever de respeitar as opiniões alheias, decerto o Sr. João Pinto dos Santos ha de respeitar as minhas. Eu respeito as suas.

Dei, pois, á minha declaração intenção diversa da que S. Exa. lhe deu. Não podia deixar de falar como falei. O que se não pode, comtudo, é deduzir ser intenção minha dirigir uma censura ao Sr. Pinto dos Santos, ou a qualquer outro seu collega, que quizesse usar do mesmo direito de que S. Exa. usou.

Quanto á questão de disciplina partidaria, e ás demais considerações que S. Exa. fez, peço licença para não responder e para não levantar o debate n'esta occasião, - porque teremos logar e occasião propria para nos occupar-mos d'esses assumptos. (Vozes: - Muito bem, muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. João Pinto dos Santos: - Começa por agradecer ao Sr. Presidente do Conselho a maneira delicada e attenciosa como se lhe dirigiu.

Quanto a guardar segredo dos factos occorridos na commissão de fazenda, só tem a repetir o que já disse. Foi depois de ver publicado nos jornaes officiosos do partido progressista tudo que se passou n'essa commissão, servindo-se d'isso como de cavallo de batalha para atacar os membros d'essa commissão, que elle, orador, expoz tambem os factos em sua defesa. O segredo não podia ser só para os membros da commissão de fazenda.

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SESSÃO N.º 22 DE 29 DE AGOSTO DE 1905 23

Chamou S. Exa. a esta questão uma questão internacional.

Pois então ella não existe nas clausulas do contrato, o Sr. Presidente do Conselho não conversou com ninguem a esse respeito e tem S. Exa. a coragem de chamar internacional a esta questão.

Reilhac está pago. É esta a conclusão a que se chegou segundo um inquérito feito nesse sentido.

Ora, se essa questão está liquidada, como se pode dizer que é uma questão internacional?

Deixem-se os Governos de sophismas.

Parece-lhe, repete, que não foi uma questão internacional que discutiu, porque o Sr. Presidente do Conselho affirmou que nem sequer ella existia e que não tinba negociado com ninguem.

(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - O incidente está terminado, e como a hora vae adeantada, se o Sr. Deputado Jorge Gavicho não discordar, reservo-lhe a palavra para a sessão seguinte sobre o projecto em discussão.

A ordem do dia para amanhã é a continuação da de hoje e mais a eleição de dois vogaes, um effectivo e outro substituto, para a Junta do Credito Publico.

Está levantada a sessão.

Eram 6 horas e 20 minutos da tarde.

Representação enviada para a mesa nesta sessão

Da direcção do Atheneu Coramercial de Coimbra, em nome dos caixeiros conimbricenses e secundando o pedido feito pelos de todo o paiz, pedindo a promulgação de uma lei que torne o descanso dominical obrigatório e fixo.

Apresentada pelo Sr. Disputado Oliveira Mattos, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no "Diario do Governo".

O REDACTOR = Barbosa Colen.

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