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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de Carvalho, conhecendo o alcance d'este argumento, que já lura ponderado pelo meu talentoso mestre e amigo, o sr. ministro da justiça, só encontrou um meio de o refutar: commettendo um erro de facto. Allegou s. ex.ª que não tinha conhecimento de concessões de linhas excedentes a 20 kilometros, feitas pelo poder executivo anteriormente a 1872, isto é, á administração do actual gabinete. Realmente admira que o illustre deputado, que tão bem sabe manejar as cifras e as estatisticas, commettesse um erro d'esta natureza, um erro tão palmar. Ora vejamos os Diários do governo. Os Diários do governo dizem que:

Por decreto de 25 de outubro de 1869, referendado pelo sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila, foi concedido ao duque de Saldanha um caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras, na extensão de 55 kilometros.

Por decreto de 23 de fevereiro de 187], referendado pelo sr. marquez d'Avila, foi concedido um caminho de ferro a Luciano Cordeiro & Irmão, na extensão de 25 kilometros.

Por decreto de 11 de julho de 1871, referendado pelo sr. visconde de Chancelleiros, foi concedido a Bernardino Martins da Silva um caminho de ferro entre Beja e Mertola e entre Villa Real e Faro, na extensão de 100 kilometros, approximadamente.

Por decreto de 11 de julho de 1871, referendado pelo sr. visconde de Chancelleiros, foi concedido a Simão Gathai um caminho de ferro do Porto a Braga por Santo Thyrso a Guimarães, na extensão de muitas dezenas de kilometros.

Por decreto de 29 de julho de 1871, referendado pelo sr. Carlos Bento, foi concedido ao duque de Saldanha um caminho de ferro entre Belem e Cascaes e de Lisboa a Collares e Mafra, passando por Cintra, na extensão de mais de 20 kilometros.

Dizem mais os Diários do governo que por leis de 9 de maio de 1872, 18 de abril de 1873, 2 de setembro de 1869, 9 de abril de 1874 e 27 de dezembro de 1870, têem sido dispensados do pagamento dos direitos da alfandega os materiaes fixos e circulantes para as linhas concedidas sómente por decreto do executivo.

Do exposto se conclue que, ou o procedimento do sr. Avelino foi legal e regular, ou procedeu com tão boa e numerosa companhia, que ninguem póde atirar-lhe a pedra.

Mas dizem os srs. José Luciano de Castro e Mariano de Carvalho, que os precedentes apontados, ou não são applicaveis, por isso que o decreto de 31 de dezembro de 1864 não se refere a caminhos de systema americano e de Larmanjat, ou, quando applicaveis, nada provam, visto que com um abuso não se justifica outro abuso. Mas porque é que o decreto de 31 de; dezembro se não refere a esta especie de concessões? É porque n'estas, dizem, o governo apenas concedo licença para assentar os carris de ferro em estradas do estado, e nas outras concede a construcção de leito proprio. Ora, esta rasão é contraproducente e prova contra o Sr. José Luciano. Quando o executivo faz concessões do leito proprio, como no caso em questão, o governo Dada fornece ao concessionario e até ás vezes lhe impõe condições onerosas. Quando concede americanos e Larmanjat, o governo dá uma cousa que é propriedade do estado, dá o usufructo das estradas reaes. E em qual dos casos, pois, ha mais perigo em conceder aos ministros sómente a faculdade de fazer concessões? Seguramente no caso em que o estado dá alguma cousa ao concessionario. Como permittir, pois, o que é mais, e não permittir o que é menos? Pois concede-se ao governo a faculdade de dar licença para a construcção de americanos e Larmanjat, excedentes a mais de 20 kilometros, e não lh'a querem conceder para caminhos de ferro em leito proprio?! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu sei que um abuso não justifica outro abuso; eu sei que se eu argumentasse simplesmente com os precedentes d'este ou de outro governo, a minha argumentação não procederia. Mas é que ha mais alguma cousa que

os precedentes dos ministros. lia o consentimento d'estes precedentes por parte do parlamento (apoiados), como demonstram as leis que já. citei. (Apoiados.)

E supponhamos que o parlamento os não tem consentido, e ainda assim não póde a opposição e o sr. Mariano de Carvalho dizer que um abuso não justifica outro abuso. Pois, então, sr. presidente, praticaram-se infracções de lei e abusos em 1869, em 1870, em 1871, em 1872, em 1873, em 1874 e em 1875, e só agora sobe á cabeça d'estes puritanos o sangue da moralidade?! (Muitos apoiados.) Só agora é que accordaram do somno pesado, tendo assistido tranquillos ao esphacelamento do principio vital das sociedades o principio da obediencia e do respeito á lei?! (Muitos apoiados.) Pois só agora se tornaram sentinellas vigilantes da execução das leis?! (Apoiados.)

Oh! Sr. presidente, seria só o principio da obediencia e do respeito á lei, seria só o amor pelos interesses do estado, o que obrigou o sr. Luciano de Castro, ou o seu partido, a trazer esta questão ao parlamento?! Eu não quereria trazer para esta casa o que se diz lá fóra; mas desde que o sr. José Luciano, referindo-se ás rasões que poderam determinar o sr. ministro das obras publicas a fazer a concessão de que se trata, veio para aqui contar o que se diz e o que se refere lá fóra, seja-me permittido tambem argumentar com o que se diz.

Ora quer V. ex.ª e quer a camara saber o que se diz lá fóra? Lá fóra diz-se:

«Que o sr. marquez d'Avila não é affeiçoado ao sr. Filippe de Carvalho; que o sr. José Luciano de Castro precisa de captar a benevolencia do sr. marquez d'Avila; que o sr. Luciano de Castro tem ardentes desejos de subir ás cadeiras do poder e que só lá póde chegar agarrado ás abas da casaca do sr. marquez; que é, finalmente, por estes motivos sómente que o sr. José Luciano veio trazer esta questão ao parlamento.» (Riso.)

Eis aqui está o que se diz e o que se escreve fóra d'esta casa. Eu sei bem que do nada servem estas conversas particulares para a causa que defendo, mas desde que se levantam a argumentar com ellas, é necessario que haja alguem que responda no mesmo teor e no mesmo campo.

Ainda no tocante á questão de legalidade preciso de referir-me a um ponto em que fallou o sr. Mariano de Carvalho. Disse s. ex.ª que o argumento apresentado pelo sr. ministro da justiça, e extrahido da lei de 25 de junho de 1864/nada colhia por isso que estava subentendido que careciam de sancção legislativa as concessões de caminhos de ferro, attendendo á legislação vigente n'essa epocha.

Eu peco perdão a s. ex.ª para lhe dizer que o argumento colhe e é irrefutável. Vejamos.

Diz a 15 de 25 de junho no artigo 1.°, «que o governo é auctorisado a decretar as disposições que dependerem de medida legislativa, ácerca de serviço de policia, exploração e conservação de caminhos de ferro, telegraphos, estradas, rios, canaes, valias e portos de mar».

Como se vê, esta lei não falla de concessões de linhas ferreas, qualquer que seja a sua extensão. Foi em virtude d'esta lei que o governo de então promulgou o decreto de 31 de dezembro de 1864.

Resulta d'aqui que a doutrina preceituada em o n.º 2.° do § 1.° do artigo 2.° d'este decreto está fóra da auctorisação concedida pelo artigo 1.° da lei de 3864, logo não é doutrina legal, é regulamentar o como tal póde ser alterada por decreto do executivo. N'esse tempo, é certo, não se podia construir caminho de ferro algum sem ser submettido á approvação do parlamento, mas n'esse tempo tambem é certo que ninguem pedia ao governo licença para construir linhas ferreas, ou, se as pedia, era com subsidio, o que hoje não acontece. As proprias linhas das minas do Braçal, de que agora fallou o sr. Mariano de Carvalho, receberam do thesouro um subsidio de 20:000$000 réis. A objecção do sr. Mariano de Carvalho não toca de leve no argumento do sr. ministro da justiça.