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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ouvi o illustre deputado e meu amigo e collega, o sr. Lourenço de Carvalho, affirmar com a auctoridade que s. ex.ª tem, e que eu gostosamente sou o primeiro a reconhecer, que Cacilhas nunca podia ser a estação terminus do caminho de ferro do sul e sueste. Acrescentou que nas obras que era necessario fazer para adaptar Cacilhas ao trafico d'aquelle caminho de ferro, seria preciso gastar 1.500:000$000 réis.

Esta asserção é inteiramente gratuita, como todas aquellas que aqui costumámos fazer.

Não estamos discutindo academicamente, nem podemos estar a demonstrar as nossas asserções com columnas cerradas de algarismos. Toda a gente sabe o que é um orçamento na importancia de 1.500:000$000 réis.

Tenho porém uma opinião que até certo ponto se combina com a do sr. Lourenço de Carvalho. Tambem entendo que Cacilhas não póde ser a estação terminus do caminho de ferro do sueste. A verdadeira estação terminus é Lisboa. O Barreiro é que nunca póde ser. Não se edifica no todo, e se para Cacilhas são necessarios 1.500:000$000 réis, para o Barreiro seriam necessarios 8.000:000$000 réis. Entre Cacilhas e o Barreiro, seguramente na cova da Piedade, junto ao Alfeite, é que se ha de fazer a estação. Mas todo este trato de terreno pertence já ao concessionario, que soube segurar-se, sem o seu beneplacito nada se poderá fazer e esse beneplacito ha de custar caro. Isto é, o estado ha de comprar por bom dinheiro aquillo que graciosamente concedeu. (Apoiados.)

O caminho do ferro do sul e sueste liga Lisboa com o Alemtejo, com o sul de Hespanha, assim como o caminho de ferro do norte liga Lisboa com as nossas provincias do norte e com o norte de Hespanha.

Portanto a verdadeira estação terminus é Lisboa; mas como entre Lisboa e o Alemtejo medeia um grande fosse, chamado Tejo, devemos pois procurar uma estação que se approxime o mais possivel de Lisboa, e dê as maiores facilidades ao trafico. Ora essa estação, como disse, não é o Barreiro nem Cacilhas, mas sim um ponto intermedio, o qual não éjá do estado, mas do concessionario. (Apoiados.)

E tanto isto é logico e rasoavel que o sr. ministro das obras publicas assim o determinou por uma portaria datada de 21 de março de 1874, que passo a ler. (Leu.)

Ora se já estivesse mathematicamente demonstrado que a estação do Barreiro era o terminus da linha do sueste, não seria uma inutilidade esta portaria expedida pelo sr. ministro? Pois esta portaria não mostra que no espirito de s. ex.ª lavrava pelo menos a hesitação sobre qual devia ser a estação terminus na margem esquerda do Tejo? Como é pois que essa hesitação acabou e a concessão foi feita?

Mas o sr. ministro não nos explica estes mysterios e limita-se a dizer que lá teve as suas rasões (Apoiados.)

Portanto esta portaria demonstra, pelo menos, hesitação no espirito do sr. ministro.

Pergunto, se assim é, se houve hesitação, como é que ella se combina com a concessão, não já, do caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra, senão do ramal do Pinhal Novo? Isto é uma incoherencia que colloca o governo n'uma posição tristissima perante a opinião publica, comquanto creia que a maioria a approvará! E natural. Quando as maiorias approvam tudo, sanccionam tudo e santificam tudo, os governos entendem que tudo lhes é permittido, porque têem ás suas ordens, sempre submisso e obediente o juiz, que está prompto a absolve-los.

Triste espectaculo este, capaz de destruir pelas bases o parlamentarismo, se n'este nosso paiz o parlamento não fosse uma ficção. (Apoiados.)

O que ha de real n'este abençoado torrão são as concessões e os concessionarios. Pois seja assim desde o momento em que eu não quero concessões, nem serei jamais concessionario. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu disse que o debate estava perfeitamente elucidado. A todos nós corre a obrigação de ter já uma opinião segura sobre o assumpto. Portanto não quero cansar a attenção da assembléa, nem repisar argumentos, nem tão pouco dizer o muito que poderia. Antes porém de acabar, devo ainda levantar um protesto contra uma phrase do illustre ministro da justiça, que foi repetida pelos srs. Manuel de Assumpção e Marçal Pacheco, seus directos discipulos, segundo o que estes illustres deputados têem contado aqui. (Riso.)

O illustre ministro encarecendo o partido regenerador, do qual é ornamento, disse que a esse partido competia principalmente o amor zeloso e manifesto pelos melhoramentos materiaes; e que se por ventura este partido commettia illegalidades, não só tinha precedentes para as justificar, senão tambem eram em proveito da viação accelerada. Não quero contrapor ao lyrismo do nobre ministro o scepticismo do sr. Lourenço de Carvalho, que não acredita que estes caminhos se construam, porque nada valem.

Deixemos isso. Das phrases do illustre ministro parece inferir-se que só o partido regenerador n'este paiz póde fazer caminhos de ferro e tem amor sincero pelos melhoramentos materiaes.

Ora eu só tenho a notar um facto, é que no anno passado o illustre ministro das obras publicas apresentou uma proposta de lei para a construcção dos caminhos de ferro da Beira Baixa e da Beira Alta. Deve notar-se que todos os deputados da opposição que fallaram sobre o assumpto, todos foram concordes em apoiar o governo n'essa proposta, todos a votámos e todos tratámos de arredar as não pequenas difficuldades que por ventura podessem entorpecer o andamento d'essa proposta.

O sr. ministro nega isto? Não póde nega-lo. É escusado querer encobrir com o amor dos melhoramentos materiaes estas concessões que nada têem de platónicas, antes são muito interesseiras (apoiados). O partido reformista, sendo, como é, um partido avançado, liberal e democratico, insta com verdadeira anciã pelos melhoramentos materiaes. Mas esse muito amor nunca nos póde arrastar a commetter illegalidades (apoiados), tão patentes e evidentes, como aquella que tem sido discutida, Illegalidade não exprime bem. O termo verdadeiro é immoralidade, (Apoiados.)

Ora, entre o amor dos melhoramentos materiaes o o amor da illegalidade encoberta pelos melhoramentos materiaes, ha, creio, alguma differença. E n'isto é que nós nos separamos. Não levamos o nosso amor dos melhoramentos materiaes ao ponto de invoca-lo para praticar illegalidades (apoiados), tão censuraveis e condemnaveis como esta. (Apoiados.)

Nada mais tenho a dizer sobre este assumpto. A minha moção era simplicissima, era para poder fallar. Creio que é completamente inutil proceder a uma votação sobre ella; e se hei de ter o trabalho de pedir a palavra para a retirar, julgo mais prudente não a mandar para a mesa. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por varios collegas.)