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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Osorio de Vasconcellos, pronunciado na sessão de 5 de fevereiro, que devia ler-se a pag. 257, col. 2.ª, d'este Diario.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Cumprindo as

prescripções do regimento, começo por ler a moção que vou mandar para a mesa.

«A camara lamenta que o governo não tivesse sujeitado ao exame do parlamento as concessões do caminho de ferro de Cacilhas a Cesimbra e do ramal da Quinta do Conde ao Pinhal Novo.»

Sr. presidente, vae adiantado o debate, a maioria resolveu em sua alta sabedoria a prorogação da sessão até que esta questão fosse votada; e na verdade, seria necessario que eu tivesse um coração muito duro e empedernido, para tentar abusar da benevola attenção da assembléa.

Serei pois o mais brava e contraido possivel nas minhas considerações. E seguindo-me a fallar ao illustre deputado da maioria o sr. Marçal Pacheco, devo comprazer-mo duplamente, porque s. ex.ª não sé foi um auxiliar efficacissimo das minhas idéas, e não tambem porque o governo apoiou, applaudiu e festejou o nobre deputado, acarinhando-o o ameigando-o como quem se 63tá revendo. (Apoiados.)

Ha, puis, a maior concordancia de idéas e affectos entro o illustre deputado, o governo e a maioria.

As idéas apresentadas pelo illustre deputado tiveram a sancção governamental, sancção clara e explicita pelos apoiados que receberam e que pelos modos caíram espontaneos dos bancos ministeriaes. (Apoiados.)

Não felicitarei o governo, mas felicito a opposição. (Muitos apoiados.)

Nós deputados da opposição levantando esta questão não quisemos ver pessoas, quitarmos apenas ver uma questão importantissima, questão A qual te prendem altos interesses do estado. (Apoiados.)

Se nós quizessemos usar de argumentos pessoaes, V. ex.ª, sr. presidente, que é parlamentar antigo, V. ex.ª que já nos viu na liça, que se ignora quaes na armas que sabemos manejar quando queremos, V. ex.ª poderia dar testemunho insuspeito de que a questão teria tomado um feição muito diversa d'aquella que assumiu.

V. ex.ª poderia testemunhar que nós, oh homens da communhão reformista, eramos bem capazes de romper as fileiras ministeriaes deixando a escorrer sangue certos athletas que não fazem medo. (Apoiados.)

Bom que da parte da maioria e do governo não se levarem recriminações. (Apoiados.) Haja prudencia e discrição, porque, se ousam provocar estejam certos que saberemos retorquir-lhes ás bravatas. (Apoiados.)

Se a maioria vê no modo pacifico, talvez demasiado pacifico, por que tomos levado esta questão, um signal da fraga se a do covardia, de horror, tenor e desanimo; engana-se Nós podemos dizer que n'esses jardins de Galaad ainda ha perfume?, o que es homens que outr'ora, ainda não ha muitos annos, souberam manejar a palavra o flo-

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retear a accusação, esses homens ainda estão de pé. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Arredemos portanto com todo o cuidado tudo o que sejam questões pessoaes, não vejamos os nomes proprios, vejamos as questões.

E não quero repetir aqui o que se dia na praça publica; na praça publica dizem-se muitas vezes cousas que a dignidade parlamentar me permitte que se repitam aqui. E irregular e muito para notar o modo porque os illustres deputados se desempenham do papel de defensores parlamentares.

Parece que já não se lembram ou então que querem esquecer os muitos e valiosos favores que devem ao sr. marquez d'Avila, que injuriam Agora e folgam até de alija-lo da nave governamental.

Oh senhores deputados! Sede mais modestos na vossa furia ministerial, e não trateis com tanto desplante o estadista com cujo apoio, se não de cujo apoio, tem vivido largos annos o governo, (Apoiados.) Nem tanta ingratidão. A historia ahi está patente; na memoria de todos estão os factos, e as votações exaradas nas actas mostram que se não fosse o concurso do sr. marquez d'Avila, ha muito que o governo houvera baqueado. (Apoiados.)

E pessimo serviço (posto que applaudido e festejado pelo proprio sr. presidente do conselho, segundo acabamos de ver); e pessimo serviço, repito, prestam ao governo os srs. deputados que doestam e aggravam o sr. marquez d'Avila. Parece que s. ex.ªs de tal maneira se deixam inebriar pelos fumos do triumpho, parece que contam com uma Victoria tão esplendida e frisante, que até sentem dentro em si o desejo de aggredir o governo! Pois o que é isto senão uma aggressão? (Apoiados.)

Singular feição de caracter dos illustres deputados da maioria, e em especial da geração nova, tão brilhantemente representada pelo sr. Manuel de Assumpção e pelo sr. Marçal Pacheco, que já nem acceitam o contacto do sr. marquez d'Avila e recebem por isso os applausos do ministerio. (Muitos apoiados.)

(Interrupção do sr. Manuel de Assumpção, que se não ouviu.)

O sr. Marçal Pacheco: — Eu referi-me ao que se diz lá fóra, auctorisado pelo exemplo de um velho parlamentar, o sr. José Luciano.

O Orador: — Oh sr. presidente! V. ex.ª não permitte as interrupções, e eu desejo-as. (Apoiados.) Acho muito natural vir cada qual em defeza das suas palavras e tambem das suas idéas, que me parece que todos as devemos ter sobre este assumpto. Eu não ouvi essa parte do discurso do sr. José Luciano a que se refere o illustre deputado; podia ser muito bem que o sr. José Luciano trouxesse para o parlamento o que ouvira lá fóra. Mas eu não estou convertido agora em censor do sr. Luciano de Castro, e alem d'isso se este velho parlamentar o fez, havia de faze-lo em phrase melhor e mais levantada. (Apoiados.)

Mas o que é certo é que o sr. Luciano de Castro querendo aggredir o governo, como era natural} e como era seu dever, não podia nunca vir ao parlamento levantar accusações taes que fossem compromettimento para si e para a sua causa, que foi o que fizeram o sr. Manuel de Assumpção e o sr. Marçal Pacheco, porque um e outro foram censores cruéis do governo. (Apoiados.)

Foi sem querer, dir-se-ha. Muito bem. Mas o que d'ahi se conclue, é que os illustres deputados fazem muitas vezes o que não querem. (Riso. — Apoiados.) Pois se elles são tão jovens! (Hilaridade.)

Dada esta singela explicação da tendencia fatal que ha por parte de alguns deputados da maioria de transformar n'uma questão pessoal uma questão que deve ser simplesmente dos interesses da civilisação, dos interesses geraes do estado, terreno em que eu protesto não os acompanhar, vou substanciar em brevissimas phrases o que se me offerece dizer.

Sr. presidente, não fallo da legalidade com que o governo fez esta concessão. Sou muito generoso, o acceito que o governo fazendo esta concessão estava nos limites estrictos da legalidade.

Repito, faço todas as concessões possiveis ao governo; mas pergunto, ainda mesmo que a concessão fosse legal, o governo devia fazel-a?

Não, mil vezes não, porque importa grave prejuizo para o estado e offensa não menos grave ao pudor publico, altamente indignado. (Apoiados.)

O governo ainda mesmo que respeitasse a lei não devia fazer a concessão.

Esta é a verdade, que ficou bem provada e contra a qual nada se disse, a começar pelo sr. ministro das obras publicas.

Sr. presidente, a materia está perfeitamente elucidada e debatida. A argumentação em favor do meu asserto foi feita pelos srs. deputados da opposição que já me precederam e principalmente pelo sr. Mariano de Carvalho.

Architectem quantos sophismas quizerem, e n'este ponto devo dizer que será difficil achar quem melhor o saiba fazer do que o Sr. ministro da justiça. S. ex.ª com aquella lhaneza de phrase e argúcia de argumentação que o caracterisa, s. ex.ª teve artes de provar manuseando e cotejando as diversas leis, que a concessão foi feita legalmente. Eu tenho uma grande tendencia para admirar e respeitar o illustre ministro, mas não é em virtude dos seus argumentos sophisticos que eu não protesto contra a legalidade. Os motivos para mim são que a legalidade, apesar de muito importante, perdese no immenso prejuizo que adversa ao thesouro. (Apoiados.)

O governo foi portanto muito legal e respeitou a lei. Seja. Concedo. Ainda assim, não devia fazer a concessão, porque, diga-se o que se disser, o que é certo é que o ramal do Pinhal Novo é a testa futura do caminho de ferro de sueste, quaesquer que sejam os sophismas com que os illustres deputados pretendam desvirtuar a questão. (Apoiados.)

Vou apresentar uma imagem, que representa perfeitamente, creio, o que é esta concessão monstruosa. O caminho de ferro é uma arteria por onde se engolfa uma poderosa corrente de sangue.

Imaginemos agora que no extremo d'esta arteria se colloca uma sanguesuga sempre sedenta. Imaginemos que foi o governo quem lhe applicou os labios dizendo á sanguesuga — farta-te.

Pois é isto a concessão.

A arteria é o caminho de ferro do sul e a sanguesuga é o ramal do Pinhal Novo. Esta arteria custou muitos annos de trabalhos, muito suor do povo, muito sacrificio e muitos capitães. E quando acreditávamos que por ella o sangue corria a flux, para enriquecer e regenerar o organismo do paiz, eis que o governo lhe applica a sanguesuga na extremidade, a sanguesuga que nunca se farta, a sanguesuga que já agora não larga o repasto saboroso! O paiz todo trabalha e trata de alimentar aquella arteria com o transporte dos productos que são o fructo do commercio, da agricultura e de todas as forças fecundadas pelo trabalho e a sanguesuga vae vivendo a vida mais commoda possivel, vae engordando, e, parasita insaciável, aproveita o que é de todos. (Muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Unia voz: — -É isto mesmo.

O Orador: — Tem rasão o illustre deputado.

E exactamente o que é o caminho de ferro do sul e o ramal do Pinhal Novo.

Eu já disse a V. ex.ª que não quero cansar a attenção da assembléa e nada tenho a dizer de novo alem do que ha sido dito muito melhor do que eu poderia faze-lo. Mas eu sou tambem engenheiro, posto que sem auctoridade alguma. Em todo o caso é possivel que as minhas palavras não sejam inteiramente inuteis n'esta questão, apesar do debate ir já em grande altura.

Sessão de 12 de fevereiro

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Ouvi o illustre deputado e meu amigo e collega, o sr. Lourenço de Carvalho, affirmar com a auctoridade que s. ex.ª tem, e que eu gostosamente sou o primeiro a reconhecer, que Cacilhas nunca podia ser a estação terminus do caminho de ferro do sul e sueste. Acrescentou que nas obras que era necessario fazer para adaptar Cacilhas ao trafico d'aquelle caminho de ferro, seria preciso gastar 1.500:000$000 réis.

Esta asserção é inteiramente gratuita, como todas aquellas que aqui costumámos fazer.

Não estamos discutindo academicamente, nem podemos estar a demonstrar as nossas asserções com columnas cerradas de algarismos. Toda a gente sabe o que é um orçamento na importancia de 1.500:000$000 réis.

Tenho porém uma opinião que até certo ponto se combina com a do sr. Lourenço de Carvalho. Tambem entendo que Cacilhas não póde ser a estação terminus do caminho de ferro do sueste. A verdadeira estação terminus é Lisboa. O Barreiro é que nunca póde ser. Não se edifica no todo, e se para Cacilhas são necessarios 1.500:000$000 réis, para o Barreiro seriam necessarios 8.000:000$000 réis. Entre Cacilhas e o Barreiro, seguramente na cova da Piedade, junto ao Alfeite, é que se ha de fazer a estação. Mas todo este trato de terreno pertence já ao concessionario, que soube segurar-se, sem o seu beneplacito nada se poderá fazer e esse beneplacito ha de custar caro. Isto é, o estado ha de comprar por bom dinheiro aquillo que graciosamente concedeu. (Apoiados.)

O caminho do ferro do sul e sueste liga Lisboa com o Alemtejo, com o sul de Hespanha, assim como o caminho de ferro do norte liga Lisboa com as nossas provincias do norte e com o norte de Hespanha.

Portanto a verdadeira estação terminus é Lisboa; mas como entre Lisboa e o Alemtejo medeia um grande fosse, chamado Tejo, devemos pois procurar uma estação que se approxime o mais possivel de Lisboa, e dê as maiores facilidades ao trafico. Ora essa estação, como disse, não é o Barreiro nem Cacilhas, mas sim um ponto intermedio, o qual não éjá do estado, mas do concessionario. (Apoiados.)

E tanto isto é logico e rasoavel que o sr. ministro das obras publicas assim o determinou por uma portaria datada de 21 de março de 1874, que passo a ler. (Leu.)

Ora se já estivesse mathematicamente demonstrado que a estação do Barreiro era o terminus da linha do sueste, não seria uma inutilidade esta portaria expedida pelo sr. ministro? Pois esta portaria não mostra que no espirito de s. ex.ª lavrava pelo menos a hesitação sobre qual devia ser a estação terminus na margem esquerda do Tejo? Como é pois que essa hesitação acabou e a concessão foi feita?

Mas o sr. ministro não nos explica estes mysterios e limita-se a dizer que lá teve as suas rasões (Apoiados.)

Portanto esta portaria demonstra, pelo menos, hesitação no espirito do sr. ministro.

Pergunto, se assim é, se houve hesitação, como é que ella se combina com a concessão, não já, do caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra, senão do ramal do Pinhal Novo? Isto é uma incoherencia que colloca o governo n'uma posição tristissima perante a opinião publica, comquanto creia que a maioria a approvará! E natural. Quando as maiorias approvam tudo, sanccionam tudo e santificam tudo, os governos entendem que tudo lhes é permittido, porque têem ás suas ordens, sempre submisso e obediente o juiz, que está prompto a absolve-los.

Triste espectaculo este, capaz de destruir pelas bases o parlamentarismo, se n'este nosso paiz o parlamento não fosse uma ficção. (Apoiados.)

O que ha de real n'este abençoado torrão são as concessões e os concessionarios. Pois seja assim desde o momento em que eu não quero concessões, nem serei jamais concessionario. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu disse que o debate estava perfeitamente elucidado. A todos nós corre a obrigação de ter já uma opinião segura sobre o assumpto. Portanto não quero cansar a attenção da assembléa, nem repisar argumentos, nem tão pouco dizer o muito que poderia. Antes porém de acabar, devo ainda levantar um protesto contra uma phrase do illustre ministro da justiça, que foi repetida pelos srs. Manuel de Assumpção e Marçal Pacheco, seus directos discipulos, segundo o que estes illustres deputados têem contado aqui. (Riso.)

O illustre ministro encarecendo o partido regenerador, do qual é ornamento, disse que a esse partido competia principalmente o amor zeloso e manifesto pelos melhoramentos materiaes; e que se por ventura este partido commettia illegalidades, não só tinha precedentes para as justificar, senão tambem eram em proveito da viação accelerada. Não quero contrapor ao lyrismo do nobre ministro o scepticismo do sr. Lourenço de Carvalho, que não acredita que estes caminhos se construam, porque nada valem.

Deixemos isso. Das phrases do illustre ministro parece inferir-se que só o partido regenerador n'este paiz póde fazer caminhos de ferro e tem amor sincero pelos melhoramentos materiaes.

Ora eu só tenho a notar um facto, é que no anno passado o illustre ministro das obras publicas apresentou uma proposta de lei para a construcção dos caminhos de ferro da Beira Baixa e da Beira Alta. Deve notar-se que todos os deputados da opposição que fallaram sobre o assumpto, todos foram concordes em apoiar o governo n'essa proposta, todos a votámos e todos tratámos de arredar as não pequenas difficuldades que por ventura podessem entorpecer o andamento d'essa proposta.

O sr. ministro nega isto? Não póde nega-lo. É escusado querer encobrir com o amor dos melhoramentos materiaes estas concessões que nada têem de platónicas, antes são muito interesseiras (apoiados). O partido reformista, sendo, como é, um partido avançado, liberal e democratico, insta com verdadeira anciã pelos melhoramentos materiaes. Mas esse muito amor nunca nos póde arrastar a commetter illegalidades (apoiados), tão patentes e evidentes, como aquella que tem sido discutida, Illegalidade não exprime bem. O termo verdadeiro é immoralidade, (Apoiados.)

Ora, entre o amor dos melhoramentos materiaes o o amor da illegalidade encoberta pelos melhoramentos materiaes, ha, creio, alguma differença. E n'isto é que nós nos separamos. Não levamos o nosso amor dos melhoramentos materiaes ao ponto de invoca-lo para praticar illegalidades (apoiados), tão censuraveis e condemnaveis como esta. (Apoiados.)

Nada mais tenho a dizer sobre este assumpto. A minha moção era simplicissima, era para poder fallar. Creio que é completamente inutil proceder a uma votação sobre ella; e se hei de ter o trabalho de pedir a palavra para a retirar, julgo mais prudente não a mandar para a mesa. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por varios collegas.)

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