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SESSÃO DE 23 DE DEZEMBRO.

ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Moura, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração de voto: "Declaro que na sessão de 21 de Dezembro fui de voto que fossem isentos do recrutamento não só os que se achassem casados até o fim do anno de 1822, mas tambem os que casassem subsequentemente, e durante o tempo do recrutamento. - Serpa Machado".
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionado
1.º Um officio do Ministro dos negocios da marinha, com a parte do registro do porto: de que as Cortes ficarão inteiradas.
2.º Uma felicitação do juiz de fóra d'Arganil, Coja, e villa Côva: que foi ouvida com agrado.
3.º A participação que faz o deputado substituto pela divisão eleitoral de Barcelos, João Alvares Pinheiro de Carvalho, de ser recebido a ordem de apresentar-se no Congresso, o que fará com a brevidade possivel. Ficarão as Cortes inteiradas.
Mandou-se distribuir pelos Srs. Deputados um memoria sobre um systema de arrecadações das alfandegas, offerecido por Henrique Nunes Cardoso.
Mandou-se guardar na livraria das Cortes um exemplar do jornal intitulado, Révue encyclopedique, offerecido ao soberano Congresso pelos redactores daquella obra; e o mesmo destino se deu a outro exemplar das Poesias de Schiller, offerecido pelo seu traductor.
Feita a chamada, achárão-se presentes 107 Deputados, faltando com causa os srs. Borges de Barros, Bettencourt, Queiroga, Almeida e Castro, Rodrigues Bastos, Filipe Gonçalves, Araujo Costa, Rodrigues Bandeira, Roque Ribeiro, Lyra; e sem causa os Srs. Antonio Moreira, Gonçalves Lêdo, Aguiar pires, Assis Barbosa, Moniz Tavares, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, Lemos Brandão, Cirne, Alencar, Fagundes Varella, Castro e Silva, Marcos Antonio, Vergueiro, Araujo Lima, Rocha Loureiro, Gouvêa Durão, Fernandes Pinheiro, Zefyrino dos Santos.
Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão o artigo 3.º do projecto sobre as excepções do recrutamento, sobre cuja materia disse
O Sr. Quaresma: - Na conformidade deste artigo, filho unico de lavrador que não tem 50 annos e he são, pode ser recrutado, e vindo elle para a guerra, e morrendo nella, fica um casal morto, contra os interesses da povoação: além o artigo dá só um homem para trabalhar com uma junta de bois; ou seja a lavrar, ou a preparar e conduzir os estrumes para a lavoura são precisos dous homens, e por isso ao lavrador que for são e menos de 50 annos deve-se-lhe isentar um filho; e sendo doente ou maior de 50 annos, dous filhos ou dous criados, pois que só com dous homens he que pode trabalhar uma junta de bois.
O Sr. Brandão:- Parece-me que há bastante que dizer neste artigo. O artigo quer que o lavrador que tiver um filho ou mais, escolha um para ficar isento do recrutamento; e para isto he preciso que o pai tenha 50 annos ou seja doente de maneira que não possa trabalhar; e que este filho que ficar isento de viver com seu pai e trabalhar para elle. Observa-se pois que os autores destes dous artigos quizerão sustentar sómente os lavradores pequenos, isto he, os que tinhão pequeno patrimonio em que regula a sementeira por uma junta de bois, e qual há de ser a razão porque se há de isentar um filho só porque o pai tem 50 annos e se não há isentar o mesmo filho tambem quanto o pai esteja ausente por uma necessidade notoria?
E aqui temos um razão bem poderosa para ser o mesmo filho isento. O pai pode Ter um emprego publico, que o dispense da lavoura: eis-aqui nova razão de isenção. Por tanto eu redigiria assim o artigo (leu).
O Sr. Veiga Cabral: - Conformo-me com a doutrina ao artigo naquella parte em que isenta do recrutamento os folhos unicos de lavradores, ou aquelles que elles escolheram, porém não posso conformar-me naquella em que propõe que para isto necessita que o pai tenha 50 annos de idade, porque me parece que esta idade não he tal que sirva para isentar um homem de trabalhar. No nosso Portugal ainda que se não contão tantos centenares como em outros paizes da Europa; pois que não tido Revaut que na idade de mais de 150 annos vivia com força de emprehender a pé a jornada a Vienna d'Austria para ser visto pelo imperador Francisco e Maria Theresa, com tudo contamos homens que da idade de 90 annos conservavão muitas forças. A historia aos diz que o 1.º Affonso de 90 annos foi em soccorro de seu filho Sancho cercado em Santarem. Mais nos diz que Henrique de Fihueiredo aos 90 annos combateu no campo contra os inimigos da patria com um valor extraordinario. Muitos outros exemplos podiamos mostrar na vida militar de conservarem valor até á idade de 90 annos. Ora digo eu se na vida militar que ordinariamente he mais sujeita a frouxidão pelas necessidades que passão, e mesmo pela devassidão de costumes que concorrem em extremo para encurtar a vida, nós temos destes exemplos, que não podemos esperar que aconteça a homens de campo, cuja vida mais regular de necessidades lhes dá maior robustez, e faz com que se conserve a força por mais tempo? Na minha aldeia, que he composta apenas de 90 fogos eu conheço meia duzia de homens com uma idade demasiado avençada que ainda se empregão com demasiado vigor nos trabalhos de lavoura. Pelas nossas leis a idade de 70 annos he aquella em que se julgão os homens faltos de força; se nós por tanto que os homens na idade de 50 annos ainda se conservão com forças bastantes; parece, que a isenção que se dá ao filho do lavrador de 50 annos, se deve dar aos que tiverem 70 annos; nem seja a de 50 annos; nem a de 70 annos, seja a idade de 60 annos que he um termo medio, he esta a unica emenda que proponho ao artigo.
O Sr. Derramado: - Eu reprovo todo o artigo

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absolutamente. Em primeiro lugar, porque elle parece mais conter isenções em favor da decrepitude (que devem ter outro lugar) do que em favor da agricultura; e em segundo lugar, porque não he um degráo immediato e proporcionado na escala das isenções, por tanto substituo outro que já mandei para a meia; queira V. Exa. mandalo ler para ver se a assembléa, o adopta. Eu não posso deixar de impugnar todos os artigos comprehendidos debaixo desta rubrica, porque se elles passassem, todo o Alemtéjo se cobriria de luto.
O Sr. Annes de Carvalho: - A palavra lavrador, na minha provincia do Alemtéjo não tem a mesma accepção que em outras provincias; entende-se por lavrador, uma gente da producção agricola, que faz valer uma porção de terras suas ou alheias; isto he o que na minha provincia se entende por lavrador. Nós já deixámos estabelecido no artigo antecedente que aquelles lavradores que lavrarem terras suas com bois seus ficão isentos do recrutamento. Parece-me que os autores deste artigo fizerão algumas declarações, que julgo erão desnecessarias. Eu perguntaria se o filho que lavra com bois em terras de seu pai, ou em terras estranhas deixa de lavrar pelo pai ter mais de 50 annos? Se elle não deixa de lavrar, está entrado no antigo, e por consequencia creio que isto he ocioso: se o filho lavra com bois nas terras de seu pai, ou em terras alheias não nos deve importar que seu pai seja doente ou seja são, porque em fim o filho sempre lavra, e já se assentou que todos aquelles que lavrassem regularmente estavão isentos do recrutamento. Perguntaria eu mais qual ha de ter a razão porque o filho ainda que exista com seu pai ha de ser isento do recrutamento? O artigo concede um filho ao lavrador; eu quizera que em lugar de se conceder isenção simplesmente a um filho se concedesse a todos aquelles que lavrão com bois regularmente, porque assim iremos mais coherentes com a regra estabelecida no primeiro artigo; além disto tira-se a vantagem de que elles vão continuando, e acostumando-se a uma profissão qual he a de seus pais, em que por consequencia ha mais meios para se fazer uma nova reproducção. As minhas idéas em materia de recrutamento serião estas: que se fosse possivel subtrahissemos ao recrutamento todas as classes productoras; mas como talvez isto não seja possivel, e como seja necessario entrar pelas tres classes, creio que a que deve ser mais privilegiada he a dos lavradores.
O Sr. Novaes: - Segundo a letra em que se acha concebido este artigo, persuado-me que não isenta o filho unico de lavrador quando o pai não tenha 50 annos; isto he que eu não acho razoavel. Um pai que do seu matrimonio produzio um filho unico que chegou a ter a idade para ser hoje recrutado não me parece justo que se lhe tire esse unico filho que elle precisa para a agricultura: além de que elle póde ter 48 ou 49 annos. Ha outra razão; este filho unico de lavrador, se elle não tem mais algum, pertence ao recrutamento de milicias, e não ao de linha; por tanto approvaria o artigo assim redigido = isenta-se o filho unico de lavrador, seja qual for a idade deste.
O Sr. Tavares: - Estou convencido que os privilegios são odiosos em todas as repartições, e muito mais em um tempo em que a lei he igual para todos; mas apezar disso eu creio que os privilegios pertencentes aos lavradores se devem ampliar: eu assento que ainda que o pai não tenha 50 annos deidade nem por isso se deve deixar de se lhe isentar um filho. Ainda mais nós devemos avaluar a lavoura pelo numero dos arados que lavrão, porque ha terras em que uma junta de bois lavra tanto como 3 em outras terras, por tanto creio que se deve dizer que ficão isentos tantos filhos quantas sejão as juntas de bois com que trabalhão. He necessario que se conceda á lavoura este privilegio, que não he privilegio, he necessidade da primeira ordem, e muito mais agora que os cereaes são prohibidos.
O Sr. Gyrão: - Quando eu pedi a palavra he porque vi correr a discussão sómente sobre os lavradores que lavrão com bois; ora eu assento que os que lavrão azeite e vinho tambem são lavradores. Nós devemos fazer leis que sirvão ao maior numero da nação. Eu approvo o artigo com a emenda que onde diz lavrador se diga proprietario, isto he, que se diga que he isento o filho unico de proprietario de pão, vinho, e azeite, quando estes tenhão 50 annos; e o mais como está no artigo. He necessario tambem que não verifique uma cousa que póde acontecer, e he que como te lhe diz que elle póde escolher o filho, elle póde isentar dous em lugar de um porque o que tiver 30 annos deidade não o escolhe e escolho o que tiver 20; e eis-aqui como lhe fica livre um pela idade e outro pela escolha; e deste modo se illudiria a lei. He perciso portanto previnir isto.
O Sr. João Victorino: - O artigo não póde passar: o verdadeiro he mandalo a Commissão para que tendo em vista todas as reflexões que se tem ponderado apresente outro artigo. Eu protestarei sempre contra os privilegios dados sómente em beneficio dos lavradores de grãos, sendo delles excluidos os lavradores de vinho, e de azeite, pois que presentemente destes segundos a nação talvez receba mais beneficio que dos primeiros.
O Sr. Feio: - Eu tambem ainda que sou Membro da Commissão não approvo o artigo da maneira porque está redigido. Tratamos do beneficio que se deve dar á agricultura: ora sendo o nosso objecto favorecer a agricultura, está claro que o favor deve ser proporcionado ás precisões. Nós já concedemos no segundo artigo aos lavradores que lavrarem com uma junta de bois a isenção do recrutamento: agora tratamos neste artigo de isentar um filho destes mesmos lavradores; parece-me por tanto que o artigo deve ser conservado supprimidas estas palavras = se o pai tiver 50 annos de idade ou for doente de maneira que não possa trabalhar na lavoura. =
O Sr. Derramado: - Sr. Presidente, eu cuidei que V. Exa. ía a propôr a minha moção; e por isso não falei; mas como assim não succedeu, direi: que se deve conceder isenção a um filho ou criado dos que lavrarem com uma até tres juntas de bois. Torno a penhorar a attenção da Assembléa sobre a importancia desta materia; pura que não fique sem ser tomada em consideração. As isenções que eu demando em fa-

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vor da provincia do Alemtéjo, não constituem leis de excepção, mais sim de protecção devida ao ramo mais interessante á nossa prosperidade que he a cultura dos cereaes, em que tanto abunda aquella provincia, e que tanto carece de braços, que em outras sobejão.
O Sr. Presidente: - Eu considero o que diz o Sr. Deputado como uma addição a este artigo, e por isso he que eu o guardava para o propor depois de discutido o artigo.
O Sr. Aleixo Duarte. - Eu acho que o artigo deve passar como está, salvo pequenas modificações; e suppunha que elle não seria objecto de grandes contestações; mas como vejo que se tem combatido devo fazer varias reflexões. Dizem alguns Srs. que este artigo 3.° tem harmonia com o segundo; outros Srs. advertem que a palavra lavrador se deve substituir pela palavra proprietario; outros dizem que os que lavrarem com uma junta se lhe deve deixar um filho, aos que lavrarem com duas, dois etc. Em quanto á primeira reflexão, digo que não ha harmonia nenhuma; isto não he mais do que uma ampliação do artigo 2.º a favor do lavrador. No artigo 2.º isenta-se a lavrador, e no artigo 3.º livra-se um filho do lavrador, quer lavre ou não lavre, com tanto que esteja em casa de seu pai. Em quanto á segunda, que onde diz lavradores se diga proprietarios, digo que se vejão todas as nossas leis a este respeito, que de certo se não ha de achar lá, quando se trata de lavoura, se não a palavra lavrador; e isto merece attenção: em todas as nossas leis não se acha a palavra proprietario, e se esta tem sido a pratica até agora, e ainda sobre isto se não fez legislação nenhuma particular, para que se nade alterar a pratica até agora estabelecida? Agora em quanto a ultima reflexão, que he conceder-se aos lavradores que lavrarem com uma junta, a benção de um filho; e aos que lavrarem com duas juntas, dois, e assim successivamente, a isso direi que a agricultura merece toda a nossa attenção porque ella he a coluna da monarquia. Eu quizera que ella tornasse no tempo em que estava antes da descoberta das Indias, mas quando desejo isto, vejo ao mesmo tempo a necessidade de um recrutamento. Por tanto nós devemos infallivelmente conciliar este favor da agricultura com a necessidade do recrutamento actual. Se acaso fossemos a isentar todos os filhos dos lavradores, de certo iriamos sobrecarregar as outras classes. Quanto mais a experiencia, grande mestra, nos mostra que o lavrador quando se lhe isempta um filho, fica muito satisfeito. Em quanto á ultima reflexão, que se não deve especificar a idade do lavrador, concedo que se não deve especificar a idade de 50 annos porque o favor que se lhe concede he por ser lavrador, e não por ter 50 annos, porque quer tenha 40, quer tenha 50 annos póde impossibilitar-se do mesmo modo. Diga-se por tanto: O filho unico de lavrador, ou um delles sendo muito á sua escolha, e não sendo o recrutando inhabil para o serviço militar por defeito fizico ou moral.
O Sr. Pinto da França: - Sr. Presidente, pouco me resta a dizer; eu entendo que este artigo sobre tudo está muito bem collocado, e que elle deve passar pelos mesmos argumentos daquelles illustres Preopinantes que o quizerão combater: este artigo he uma ampliação do antecedente, se pois o antecedente aprouve tanto a toda a assembléa, quando este não faz mais do que amplialo, não póde ser ingrato ao parecer da mesma assembléa. Assentou-se que devião ser isentos os que lavrassem com uma ou mais juntas de bois, isto no artigo antecedente; o que se vai a fazer neste he dar-lhe mais amplitude, isto he, que este homem a quem se concedeu a isenção a não tem para si unicamente, estende-se-lhe tambem a seu filho unico; não lhe he dada só para o seu filho unico ainda lhe he concedido mais; póde escolher um dos filhos, quando tenha muitos. He preciso na maquina da sociedade conservar todas as partes que a compõe, e não deixar arruinar umas, porque se dá unicamente attenção a outras. Trata-se de fazer o exercito, e trata-se de se conservar o Estado; he preciso combinar de que maneira isto se deve effectuar, sem que se destruão os interesses de uns e de outro; tendo-se porém em maior conta aquillo, que maior conta merece; marchemos sempre sobre este caminho, e os nossos passos serão seguros e acertados. Neste artigo ha uma continuação de graça á classe agrícola, como uma das mais merecedoras de contemplação, com tudo não se deixa de attender ao damno que isto póde causar ás outras classes, e por isso não se diz absolutamente e sem restricção alguma, que terá a isenção para o seu filho unico, ou a escolha quando tenha mais filhos, todo e qualquer lavrador que lavrar com mais de uma junta de bois. Dizemos sim, que será permittido um filho, mas he ao lavrador que tiver 50 annos de idade, eu que esteja impossibilitado por molestia. Uns Srs. Preopinantes achárão excesso, outros defeito neste marcamento das idade de 50 annos; eu o acho justo: he verdade que segundo ponderou um illustre Deputado, na idade de 50 annos, e de muito mais se têm encontrado notavel robustez, como mostrou com exemplos, mas isso são excepções, e nós devemos seguir as regras; mas além disto se os homens assim de 60 annos tem robustez quanto baste para os trabalhos da agricultura, tambem os homens que chegão a 50 annos, tendo-os gasto no honroso trabalho da agricultura, merecem por isso mesmo ser contemplados. Lembrou a outros Preopinantes, que o artigo tinha um defeito pelo que respeita a não serem comprehendidos como lavradores os que lavrão azeite e vinho: isto poder-se-ha dizer que he uma falta no todo do projecto, mas não um defeito do artigo; e eu me conformarei com um tal recrutamento; e concluo, votando pela existencia do artigo.
O Sr. Segurado: - Eu sou de opinião que era lugar de se pôr simplesmente a palavra lavrador, se diga de pão, vinho, ou azeite, e que se não deve falar em juntas de bois, porque os lavradores de vinho não lavrão com bois, cavão sómente.
O Sr. Telles: - Proponho um additamento para que sejão isentos de tropa de linha os filhos ou criados daquelles que tiverem carros de transportes.
O Sr. Botto: - Eu tenho alguma difficuldade em que o artigo passe sem que se declare se as palavras com uma ou mais juntas de bois se referem ao lavrador; eu votarei por elles, porque he mais um pri-

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vilegio a favor da lavoura, e voto tambem que em lugar da palavra lavrador, se diga cultivador, e não proprietario.
O Sr. Franzini: - Não posso deixar de me levantar para sustentar o artigo do projecto, vendo que muitos illustres Deputados exigem novas isenções a favor das classes. A meu ver o artigo concede todas aquellas que são compativeis com o objecto que nós propomos, quero dizer o recrutamento que as circunstancias exigem, e de que sobejamente se mostrou a necessidade: se se tratasse de um systema permanente de recrutamento ou seria o primeiro que pugnaria por todas as isenções a favor da lavoura, das artes, ou de qualquer ramo de industria; porém este projecto he provisorio, e apenas terá vigor o tempo rigorosamente necessario para se recrutarem os corpos e redazilos ao estado completo. Julgo por tanto que se ampliarmos os privilegios de isenção, será provavel que se não conjuga o recrutamento projectado; o que eu provarei, fazendo conhecer ao augusto Congresso a força numerica das classes dos individuos que o projecto destina para o sorteamento. Supposto o total da população de Portugal de tres milhões e trinta mil individuos segundo consta do ultimo recenseamento a que se procedeu, poderei asseverar com sufficiente exactidão que temos actualmente noventa e tres mil e setecentos celibatarios comprehendidos entre dezoito e vinte e tres annos de idade; cincoenta e cinco mil e quinhentos casados, e novecentos viuvos. Accrescendo vinte e um mil celibatarios pertencentes ás duas classes de vinte e quatro, e vinte cinco annos, teremos na totalidade cento e quatorze mil e setecentos celibatarios, oitenta e um mil e trezentos casados, e mil e quatrocentos viuvos comprehendidos nas referidas oito classes. Deve-se agora observar que naquelle numero de celibatarios se comprehendem sete mil individuos incapazes pelos seus defeitos fysicos segundo a avaliação que a experiencia indicou nos recrutamentos de França, e que se eleva a seis por cento. Devem igualmente comprehender-se dezoito mil indivíduos, que já supponho existirem no exercito pertencentes ás referidas classes, assim como quinze mil que por um calculo de aproximação supponho pertencerem ás classes privilegiadas do clero, marinha, administração publica, e outros como já demonstrei na minha analyse do regulamento de 1816, pelo que ficarão disponíveis ao sorteamento setenta e quatro a setenta e cinco mil homens. Ora devendo existir no Reino não menos de duzentos e cincoenta mil lavradores proprietarios e rendeiros, e cento e quarenta mil artistas, segue-se que se concedermos multiplicadas isenções a favor de cada uma das profissões, certamente não haverá aonde tirar doze a treze mil recrutas quo se dizem necessarias para completar os corpos. Accresce que concedendo a lei mui sabiamente a substituição dos individuos, devemos ser restrictos nas isenções ou privilegios que se concederem aos proprietarios, e aos homens abastados, pois que esses podem facilmente dar um substituto por seus filhos, procurando-os nos soldados que em virtude da lei devem obter a sua taxa, e que a alcançarão com leve sacrifício, dando um accrescimo de soldo ao substituto, e alguma pequena indemnização quando assentem praça. Desta maneira te faria menos pezado o recrutamento sobre a classe pobre, que de outro modo seria obrigada a soffrelo todo. Sou por tanto de parecer que o artigo deve ser approvado, pois que elle concede todas as isenções compatíveis com as actuaes circunstancias.
Declarada a materia sufficientemente discutida, poz o Sr. Presidente a votos o artigo, e não foi approvado, decidindo-se que voltasse á Commissão para novamente o redigir, tendo attenção ás emendas oferecidas por differentes Srs. Deputados.
O Sr. Sousa Castello Branco, como relator da Commissão dos poderes, leu o seguinte

PARECER.

A Commissão dos poderes apresentou o seu diploma o Deputado pela divisão eleitoral de Villa Real Bandido Rodrigues Alves de Figueiredo e Lima, e do mesmo diploma consta que depois de apurados os votos se suscitou questão sobre a legalidade da eleição do mencionado Deputado; visto que era notorio ter elle a sua naturalidade na America, e ser a sua residência em Coimbra. Consta outro sim que fôra em consequencia nomeada uma Commissão a qual declarou que sendo verificada aquella falta de naturalidade e de residencia na provincia a eleição não podia subsistir; porém não havendo os documentos precisos para o provar duvidava de decidir a questão e julgava que ella devia ser remettida á junta preparatoria de Cortes. O mesmo Deputado pertencendo prevenir qualquer decisão que offendesse a validade da sua eleição tinha já feito uma representação que parava na Commissão e que vai agora junta ao diploma. Nesta representação elle se queixa com razão de que se suscitasse a duvida depois de feita a eleição e se creasse a Commissão para decidir da validade della; e sustenta que a eleição deve vigorar porque deve considerar-se residente no concelho de Chaves pela razão de ter ali a sua casa e propriedade sem embargo do serviço da universidade que começou no anno de 1816 e de ter entrado no collegio dos militares em o anno de 1820. A Commissão dos poderes convem com o sobredito Deputado em que depois de apurados os votos o acto da eleição estava findo e que por tanto não havia lugar para agitar a questão perante a junta da cabeça da divisão sobre a validade da mesma eleição e menos para se crear uma Commissão de cinco e para se sugeitar a decisão da questão ao juiso desta: convem por tanto em que tudo o que neste sentido se obrou foi irregular, e he reprehensivel, não convem com tudo no principio de que a residencia he a localidade em que cada um tem a sua casa e propriedades. A residencia he da pessoa e só se dá onde cada um habita, e sendo notorio, e confessado na representação feita pelo Deputado que he collegial dos militares em Coimbra e obrigado a residir ali nesta qualidade, e na de oppositor; fica manifesto que não póde ser considerado residente senão em Coimbra. Com identico fundamento, na junta preparatoria de Cortes a eleição dos Srs. Deputados Trigoso e Serpa Machado a pesar deterem casa em outra, parte prevaleceu

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por Coimbra onde se lhes considerou residencia em razão da sua citada pessoal. E visto que o Deputado, de que se trata, não contesta antes confessa que a sua naturalidade he na America:
Parece á Commissão que elle não está nos termos de tomar assento no augusto Congresso do qual a lei repelle ao eleito na província em que não tem naturalidade nem residência. Paço das Cortes 33 de Dezembro de 1822. - Rodrigo de Souto Cattello Branco, Francisco Rebello Leitão Castello Branco.
Terminada a leitura, disse
O Sr. Veiga Cabral: - He sempre importante a questão da acceitação de um Deputado para mim; porém esta ainda o he muito mais porque conheço o doutor de que se trata Sei que este cidadão foi chamado para o collegio dos militares, de que forão alumnos muitos homens insignes que fazem honra á patria: e conhecendo eu a importancia da questão, direi o que a similhante respeito me occorrer. O doutor Candido tem naturalidade na província de Traz os Montes, e residencia de cinco annos no termo de Chaves: se pois a eleição se fez em villa Real como manda a Constituição, eu então direi que elle está em circunstancias de se lhe approvar o seu diploma. A lei diz: residencia de cinco annos, e que este doutor a tem, eu o afianço, porque mesmo tive curiosidade de saber as circunstancias deste cidadão, e de sua família: sei que elle foi feito alferes de milicias em 1803, e deste facto se mostra que elle era considerado pertencer aquelle destricto; enviuvou, e depois lembrou-se de seguir os estudos da universidade: se pois elle tem os cinco annos de residencia, que manda a lei, e eu o afirmo, no que me parece merecerei neste soberano Congresso o favor de accreditar que não falto á verdade; porque razão se não hade admittir neste soberano Congresso? Nestes termos reprovo o parecer da Commissão, e julgo que o seu diploma se poderá approvar.
O Sr. José Liberato: - Eu approvo o parecer da Commissão; porque me parece que este Deputado eleito não póde tomar assente neste Congresso: he verdade que a lei pela qual se fizerão os eleições diz que quando não tenha naturalidade deve ter a residencia; a deste doutor actualmente he Coimbra, e elle a não nega, e vê-se bem que elle não podia ser eleito por Villa Real; e ainda que a lei não seja explicita, he clara neste ponto. Eu sei, (e commigo succedeu) não se me aceitarem em Lisboa muitos votos; porque apesar de ter tido residencia de mais de cinco annos em outro tempo, a não tinha agora. He verdade que a lei não está clara, porém, um Deputado eleito tem direito a entrar no Congresso, he certo mas no acto de se avaliar a sua eleição he que se verifica se sim ou não o seu diploma está em ternos de se legalisar: e como em taes circunstancias he que se acha o Deputado de que tratamos, motivos porque eu apoio o parecer da Commissão.
O Sr. Barreto Feio: Eu tambem approvo o parecer da Commissão, nem podia deixar de o approvar porque elle he fundado na lei. A lei determina que qualquer cidadão possa ser eleito Deputado na provincia onde tiver naturalidade ou residencia, e no caso de ser eleito por duas provincias prefira aquella onde tiver residencia. Ora este cidadão não tem naturalidade nem residencia na província em que foi eleito. Logo está endoido pela lei. Nem se diga que a lei não he clara. Para mim ella he clarissima; e se para os mais fôr duvidosa, deverá ser interpretada: porém quando seja interpretada, devera a interpretação que se fizer, ser conforme ao que está decretado na Constituição.
O Sr. Borges Carneiro: - Um illustre Membro deste Congresso começou seu discurso movendo-nos a opinar pela acceitação do Deputado de que se trata, com o fundamento de que era homem capaz. Eu estou mui longe de pensar que as Cortes queirão assimilhar-se em materia de eleições a algumas Commissões das assembléas eleitoraes, que acceitavão ou rejeitavão os votos, segundo a affeição ou desaffeição, que tinhão ás pessoas votadas, e segundo presumião serem ellas de opiniões e sentimentos conformes aos seus. Longe daqui tal procedimento: todo aquelle que os povos elegerão se presume bom, nem já se trata se he bom; mas sómente se o elegerão: se he bom ou máo, esse juizo compete só a quem vota, e a nenhuma autoridade, nem mesmo ás Cortes. He este o acto em que a Nação exercita a soberania. Sobre as qualidades dos eleitos só cabe ás Cortes considerar uma cousa, e he que não sejão expressamente rejeitadas pela lei; pois he este o caso em que elle he nullamente eleito. E neste caso julgo eu estar com pretendido aquelle de quem se trata, e que elle deve ser excluido. A lei expressamente diz que não poderá ser eleito Deputado aquelle que não tiver naturalidade ou residencia na provincia onde se faz a eleição. Sobre naturalidade não ha que falar, pois nasceu no Brasil. Quanto a residencia, elle a teve algum dia na província de Traz-os-Montes; mas a tem presentemente na da Beira. Duvida-se pois se hasta a residencia preferita, quando a lei diz simplesmente residencia. Pergunto: que quer dizer residencia, senão residencia actual? Eu não sei que se possa dizer que alguem tem residencia onde presentemente não reside; pois tenho por synonimos residir, e ter residencia. Comigo aconteceu este caso de se me riscarem os votos no Torrão, e em outras partes do Alemtéjo, forão bem riscados, porque postoque eu houvesse ali residido sete annos, era essa uma residencia antiga, e não actual. Quando porém houvesse duvida na lei, ella está tirada pela posterior publicação da Constituição, que expressamente diz, residencia actual; e he este o caso em que, se necessario fosse, diríamos que a lei tem effeito retroactivo, visto ser lei declaratoria de outra. Quanto ao facto não ha duvida, pois o mesmo eleito confessa na sua representação, que desde 1816 está promovido a oppositor na Universidade de Coimbra; e todo o cidadão tem residencia no logar onde tem o seu emprego, e onde ha annos he collegial: e se algum anno tem deixado de residir ali, he essa uma falta ou acto illicito, que não deve entrar em conta, pois pelos estatutos são os oppositores obrigados a estar prontos para o serviço das cadeiras, e para os mais actos litterarios. Não póde portanto entrar no Congresso

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O Sr. José de Sá: - Eu a poio o parecer da Commissão. A lei das eleições diz que aquelle que tiver residencia; e a Constituição declara que se deve entender continua e immediata, e querem alguns entendedores que esta se entenda a respeito da passada, e outros da presente; mas a lei he bem clara, e como he livre intrepretar a cada um, o podem fazer; porém isto de nada valle. Disse-se que em Coimbra não tinhão residencia os oppositores; ha-a tanta, que elles a reputão fixa, e se servem deste argumento para repellirem os outros; e este mesmo doutor confessa têla em Coimbra, e se elle o confessa, para que havemos estar a hesitar: nestes termos voto pelo parecer da Commissão; nós temos lei, e nada de contemplações.
O Sr. Leitão Castello Branco: - A Commissão teve em vista nunca mais se afastar da letra da lei, e da sua intelligencia. Entendeu ella que a residencia que se devia contar, era a presente, e como elle mesmo confessa que a tem em Coimbra, conheceu a Commissão que a não podia ter em outra parte: e sendo esta a razão por que a Commissão assim marchou com um passo regular que a lei lhe designa, ella jamais podia dar outro parecer diverso.
O Sr. Rodrigo de Sousa: - Eu entendo que por isso mesmo que os Deputados tão eleitos pela sua residencia, deve considerar-se como contemplada pala lei só a residencia actual, e não outra: esta lei he a de 11 de Julho do presente anno, a qual em nada se contrapõe á Constituição, que esta só explica, dizendo que podem ser eleitos aquelles que estiverem actualmente existindo em qualquer província, de fórma que a idéa de actualidade, explicita na Constituição não ha idéa nova; ella está suficientemente manifesta na palavra tiver: se a citada lei quizesse comprehender a residencia pagada, diria, ou tiver tido. Quanta não seria a vantagem dos ministros se isto assim não fosse? Certamente elles terião residencia em cinco e seis partes. A Commissão não poderá lisongear-se de que acertou, mas certamente as razões mais ponderosos estão pelo seu lado. Os povos he verdade que tem livre a eleição das pessoas que hão de representalos; mas esta para ser tida por legitima he preciso que seja conforme a lei determinar. O Deputado de que se trata, não se póde julgar ter outra residencia local senão a de Coimbra; pois que ali he que elle está por lei obrigado a residir como oppositor, e como collegial dos militares, e não póde ter duas: e conseguintemente deve ser approvado o parecer da Commissão.
O Sr. Annes de Carvalho: - Se acaso houvesse alguma obscuridade na lei, por onde podíamos nós determinar o seu seu sentido? pelo motivo, ou pelas razões da lei. Qual foi o motivo porque a lei requereu a residencia dos Deputados? foi para que os Deputados conhecessem as precisões daquella província, e as
suas necessidades actuais. Ora aquelles que ha tempos tinhão residido podião conhecer as precisões, necessidades, vontades, e opiniões presentes? Como as não podião conhecer, segue-se que este não póde conhecer as de seus constituintes; e conseguintemente este não póde ser eleito.
O Sr. Presidente: - Eu pouco mais posso accrescentar ás explicações grammaticaes que se tem feito; a lei sempre esteve claríssima; parece-me que esta idéa se poderá acelarar substituindo-se por algumas outras palavras que expressem o mesmo, apesar de que he de toda a evidencia para mais ser a lei clara, e clara a todas as luzes. Sou por tanto de parecer que se deve approvar o parecer da Commissão.
O Sr. Serpa Machado: - Eu, e os outros Srs. que fizemos parte dos Deputados das Cortes passadas, estamos muito presentes que para se decretar a residencia premente, e continuada, foi necessario uma indicação do Sr. Deputado Caetano Rodrigues de Macedo: além de que, a minha situação era muito differente da do Deputado em questão; pois que eu não só era oppositor; mas tinha de mais a mais um emprego publico, que era fiscal da fazenda da Universidade; e por conseguinte os razões não são as mesmas.
O Sr. Peixoto: - A razão de dizer se tinha ou não residencia, se falava do presente ou de futuro, isso são cousas que não devem entrar aqui em contemplação. Se nós entrarmos a tratar de questões tão minuciosas, e a interpretar a Constituição a cada ponto, então mui poucos Deputados aqui entrarão; e por conseguinte he meu voto que este Deputado tome assento no soberano Congresso.
O Sr. Pato Moniz. - Eu tomára, Sr. Presidente, que não se gastassem palavras em vão, e por isso me cinjo aos termos precisos da questão, que são dous: intelligencia da lei, e residencia do individuo eleito para Deputado: a lei he clara e claríssima, e só deixará de ser clara para quem pertender invertela, e levala a diversos fins. Se a lei quizesse que fosse valida a residencia anterior e interrompida, então dizia = aquelle que tivesse ou tiver sido = porém não diz assim, diz sómente = aquelle que tiver = logo não fala de preterito, fala de presente, e então he claro que os cinco annos são de residencia continua e actual: nem outra cousa poderia ser, ainda que a lei necessitasse de ser interpretada; porque, já agora que temos Constituição, nenhuma lei se póde interpretar senão em conformidade da mesma Constituição. E em quanto a ter ou não ter o Deputado eleito residencia em Villa Real, tambem he claro que não a tem, porque está residindo em Coimbra por lei: e que maior prova se póde requerer, se elle proprio, que teve a fraqueza de fazer uma representação pertencendo mostrar que está bem eleito, nessa mesma representação confessa que tem sua residencia em Coimbra? Por conseguinte, a residencia que teve n'outro tempo em Villa Real não lhe aproveita agora mais para ser Deputado, do que lhe aproveitaria para uma promoção o posto que tambem teve n'outro tempo de alferes de milicias. Por tanto deve ser approvado o parecer da Commissão.
O Sr. Silva Carvalho: - O parecer da Commissão só está assignado por dous Srs. Deputados da Commissão: eu não assignei, porque fui inteiramente opposto ao parecer que ella deu: entendi eu que tudo o que se fez depois de dissolvida a junta, não póde ter lugar. Este Dr. veio do Brazil de idade de 5 annos, e foi para Villa Real: ali esteve, ali casou,

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e ali enviuvou: ali foi official de milícias; e depois de enviuvar foi para a universidade de Coimbra, e em 1809 entrou para o collegio dos militares: ora tem este homem residencia em Villa Real? Tem certamente: logo, segundo a frase da lei, elle tem residencia, e deve ser Deputado. Eu por tanto reprovo o parecer da Commissão como injusto, e opposto á razão e á justiça ?
O Sr. Cattello Branco: - Com muita admiração acabo de ouvir a um honrado Membro o principio o mais absurdo que produzisse póde! Acabo de ouvir, que o povo quiz que este individuo viesse sentar-se neste soberano Congresso! Que o povo he senhor, e que deve seguir-se a vontade do povo! Não posso deixar de rebater este principio proferido com tanto absurdo! A soberania reside essencialmente na Nação; mas a Nação exercita por meio de seus representantes esta soberania: e o unico acto que ella exercita por si mesma deve ser sempre accommodado ás leis que a mesma Nação por meio de seus representantes, se tem prescriso a si mesma: por conseguinte a nós nos toca avaliar se este acto he ou não conforme ás leis: acho não foi conforme ás leis; e por conseguinte não póde ser valido: não procuremos ganhar popularidade infringindo as leis: voto pois pelo parecer da Commissão, e os povos por isto estarão, uma vez que lhe digão os seus representantes: não foi eleito conforme a lei.
Declarada a materia suficientemente discutida propoz-se á votação o parecer, e foi approvado.
Participou o Sr. Presidente que á porta da sala se achavão os commandantes, e mais officiaes dos navios de guerra, destinados para a Africa, que vinhão felicitar o Congresso, e protestar a sua adhesão ao systema constitucional. - Mandou-se fazer menção honrosa da felicitação, que se publicasse no Diario das Cortes, e do Governo, e que dous dos Srs. Secretarios lhe fizessem saber isto mesmo.
Continuando a discussão do projecto sobre o recrutamento, e lido o artigo 4.º, disse
O Sr. José Maximo: - Devemos lembrar-nos que os congregados em Verona declarárão que a França poderia fazer guerra a Hespanha; porem eu tenho para mim que elles já mais a vencerão. Póde com tudo acontecer que os Ultras cegos pela ambição do despotismo, não vejão o precipicio em que se vão abysmar. Mas deixando isto, passo a dizer que quando em 1810 esse chamado anjo da victoria corria com 110$000 homens para nos atacar, e esta vá quasi abater á nossa porta, eis-aqui a portaria que então o governo fez para se recrutar: eis-aqui um artigo, em que elle excluía tudo aquillo, que respeitava a lavoura. Pois então se tal se fez nesta occasião, havemos nós agora fazer o contrario? Não certamente. Voto pois contra o artigo, e sou de opinião que seja excluído o filho do lavrador, assim como todos os criados que forem precisos para a lavoura.
O Sr. Barreto Feio: - Ainda que eu esteja intimamente convencido de que sem força não ha independencia, e de que para conservarmos a nossa liberdade he necessario elevar o nosso quasi aniquilado exercito áquelle pó respeitavel, em que elle se achava quando reconquistou a nossa perdida independencia, e fez reviver no mundo o já esquecido nome portuguez; com tudo a minha opinião differe um pouco da dos meus illustres collegas da Commissão, na parte sómente que diz respeito aos individuos, que na provincia de Alemtéjo devem ficar isemptos do recrutamento.
Se a agricultura, como fonte principal da prosperidade publica, deve merecer os primeiros cuidados dos legisladores; e se os mais necessitados tem mais direito a serem soccorridos; ninguem poderá negar-me que a provincia do Alemtéjo, de todas a mais atrazada em agricultura e população, tem direito a ser mais favorecida pelo soberano Congresso.
Aquella fertil provincia, que a natureza tinha criado para ser o celeiro de Portugal, por effeito da má legislação, acha-se reduzida a um deserto: os seus campos estão incultos, e o viajante cança-se de andar um dia inteiro sem encontrar, não digo já uma choupana em que possa pernoitar, mas nem ainda uma pessoa, que lhe possa ensinar o caminho.
Ora, estando o Alemtéjo nas tristes circunstancias que acabo de referir, he evidente, que só nós não isemptarmos do recrutamento (além das isempções já sanccionadas) os abegões, os feitores da lavoura, os maioraes, os ganadeiros, e todos os filhos, e criados dos grandes lavradores, a agricultura extingue-se do todo, e aquella interessante parte do reino vai a ficar inteiramente abandonada ás feras.
He necessario que haja quem defenda a patria com as armas; mas tambem he necessario que haja quem lavre as terras. A espada defende a sociedade, mas o arado a sustenta. Cuidemos pois do recrutamento com a maior urgencia; mas poupemos, quanto possível for, a tão util quão desgraçada classe dos agricultores. Tal he o meu voto; e por isso approvo o artigo addicional proposto pelo Sr. Derramado, no qual se contem as mesmas razoes que eu já tinha exposto na Commissão.
Um dos illustres Preopinantes requereu que se fizesse extensivo aos lavradores de milho o mesmo favor que se pretende para os grandes lavradores do Além-Téjo. Não me parece que se lhes deva conceder; porque as províncias que em Portugal se dão á cultura do milho, que são Beira-alta, e Minho, são as mais povoadas do Reino; porque nellas se achão mais divididas as propriedades, sendo por isso aquellas que estão nas circunstancias de poderem, com menor sacrificio, fornecer maior numero de recrutas. Devo porém dizer, que as idéas que tenho expendido a respeito do recrutamento nas actuaes circunstancias, não são aquellas que eu julgo se deverão adoptar para o futuro. Quando as terras estiverem mais bem divididas, quando, por effeito de sabias leis, se diminuir o numero dos grandes proprietarios, e crescer o dos pequenos proprietarios, então o encargo de defender a pátria com as armas deverá tambem dividir-se por todos os cidadãos, e o systema da conscripção será aquelle que se deva adoptar. Mas por ora he necessario ceder ao tempo, e ás circunstancias.
O Sr. Borges Carneiro: - A minha opinião seria tambem sustentar aquella, que foi proposta pelo Sr. Abbade Corrêa; isto he, o methodo da conscrip-

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ção com a clausula da substituição. Por elle se evita o labyrintho, e a injustiça das isempções do recrutamento, e cada tantos cidadãos ministrão a recruta, que lhes toca, pelo modo que melhor lhes convém. Como porem isso depende de um plano mais meditado, e já se acha a base das isempções, he inteiramente forçoso, que se adopte a ampliação proposta pelo Sr. Derramado, com alguma modificação, se parecer necessario: alias se vai fazer um grande desfalque aos cultivadores do Alemtéjo, e aos criadores de gados; duas importantes classes, que não podem dispensar os individuos que nellas se occupão. Este interesse he de toda a Nação: nós não estamos no aperto de uma guerra já chegada ás fronteiras do Reino, e ainda nesse caso se acharião nas cidades populosas muitos vadios, e mesmo empregados publicos desnecessarios, que melhor servissem a patria com as armas na mão. Se vemos as portarias sobre recrutamento publicadas em 1809, e em 1810, ellas favorecem muito mais o Alémtejo nesta materia. Por tanto adopto a indicação do Sr. Derramado, o voto contra o artigo.
Sendo chegada a hora das indicações, e não se julgando sufficientemente discutido o artigo, decidiu-se que ficasse adiado.
O Sr é Botto, como relator da Commissão de fazenda, leu o seguinte

PARECER.

A Commissão de fazenda examinou o requerimento assignado por Antonio José de Sousa e Lima, Antonio José da Silva Cerqueira Brandão, e Antonio de Azevedo Lopes Serra, os quaes havião sido eleitos Deputados ordinarios pela divisão eleitoral dos Arcos de Val de Vez. Dizem elles que havendo sido obrigados a apresentar-se ao soberano Congresso em virtude da Constituição, e da lei de 11 de Julho, e tendo-se julgado illegaes seus diplomas, bem como todas as eleições daquella divisão eleitoral, parece ser agora de toda a equidade e justiça, que sejão indemnisados das despezas que fizerão, visto que nenhuma culpa lhes póde ser imputada pelas nullidades que houverão naquellas eleições. Pedem por tanto, que pelo thesouro das Cortes se lhes paguem as despesas da vinda e volta para suas casas, bem como a sua diaria, desde a sua appresentação até ao dia 16 do corrente em que seus diplomas forão julgadas illegaes.
He de parecer a Commissão que attendendo a que aos supplicantes não competia legalisar os seus diplomas, e que apresentando-se ás Cortes, cumprirão com o que lhes ordenavão as leis; pelo thesoureiro das Cortes se lhes mandem satisfazer ás despezas de vinda, e de sabida na conformidade do artigo 2.° da lei de 2 de Novembro: e quanto á diaria, que tambem pedem, lhes seja esta concedida, e paga na conformidade do artigo 3 da mesma lei, que determina os vencimentos que nos intervallos das sessões competem aos Deputados de Ultramar, não estabelecidos em Portugal.
Paço das Cortes 21 de Dezembro de 1822. - José Liberato Freire de Carvalho; Francisco Xavier Monteiro; O Bispo Conde; Doutor Francisco Xavier de Sousa Queiroga; Francisco Bitto Pimentel.
Foi approvado.
O Sr. Jorge de Avillez leu as seguintes indicações, que ficárão para segunda leitura: 1.ª para que as comarcas de Portalegre, Crato, Aviz, e Elvas fiquem, pertencendo á relação de Lisboa: 2.ª sobre o melhor methodo de fazer ao exercito os fornecimentos, que costumão ser feitos pelo arsenal.
O Sr. Manoel Pedro de Mello leu as seguintes indicações: 1.ª para que se suspenda no arsenal a fabricação das medidas francezas, mandando ás Cortes uma conta da despeza desses padrões: 2.ª para que se recomende ao Governo, mande fezer uma outra edição da Constituição, com uma taboa de referencias: 3.ª sobre a reeleição de vereadores das camaras. As quaes todas ficarão para 2.ª leitura.
O Sr. Gyrão leu as seguintes indicações: 1.ª sobre a applicação do dinheiro que pertence á contribuição das estradas do Douro; a qual ficou para 2.ª leitura: 2.ª para que o dinheiro do cofie das miúdas da casa da India seja applicado ao reparo da náu Rainha. Sendo proposta a urgencia desta indicação pelo mesmo Sr. Deputado; e chegada a hora de levantar a sessão, decidiu-se que ficasse adiada.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a discussão do parecer sobre os negocios da Rainha, e a continuação do projecto sobre o recrutamento.
Levantou-se a sessão depois das duas horas da tarde. - Thomaz d'Aquino de Carvalho, Deputado Secretario.

RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES

Para Filippe Ferreira de Araujo e Castro.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes mandão remetter ao Governo os inclusos auttos de juramento á Constituição dada no dia 3 de Nobembro ultimo, na Villa de Cintra, e no concelho d'Aguieira, para seguirem o destino prescripto pelo Artigo 10.º do decreto de 10 de Outubro do corrente anno.
Deus guarde a V. Exca. Lisboa Paço das Cortes 26 de Dezembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

Para Sebastião José de Carvalho.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes mandão remetter ao Governo a fim de ser completamente verificado o incluso offerecimento que para as urgencias do Estado faz Fernando Antonio Pinto de Miranda, de todo o ordenado que tem vencido, e vencer como Escrivão da vizita dos cofres da província do Minho. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Magestade.
Deus guarde a V. Exca. Lisboa Paço das Cortes 23 de Dezembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

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Para o mesmo.

Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Sendo-lhes presente a inclusa representação do Visconde de Azurara, na qual expõe, que ainda se não realizará o oferecimento que ele dirigiu ás Cortes em 14 de Setembro de 1821 , e se mandou verificar por ordem da mesma data constando do quarto quartel de todos os ordenados, que venceu no ano de 1807, da tença de trinta mil réis que leva por duas adições na casa das carnes, entrando com os vencimentos, os quinze anos que se lhe devem do monte Pio que venceu sua irmã D. Ana Teresa Salter de Mendonça, e do terço dos ordenados dos lugares do Desembargo do Paço, e casa da Suplicação, começando este terço desde a referida data em diante, e continuando em quanto durarem as mesmas urgências. Mandam remeter a mesma representação ao Governo para que se faça verificar o mencionado oferecimento, e se diga a razão por que até ao presente se não tem verificado. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Majestade.
Deus guarde a V. Exca. Lisboa Paço das Cortes 23 de Dezembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.

SESSÃO DE 24 DE DEZEMBRO.

Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Moura, leu-se a acta da antecedente, que foi aprovada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração de voto do Sr. Telles da Silva: Na sessão de ontem votei pela validade da eleição do doutor Cândido Rodrigues Alves de Figueiredo, para Deputado ás Cortes.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionando
1.º Um ofício do Ministro dos negocios da marinha com a copia de uma representação dos lentes da academia nacional da marinha. Passou á Commissão respectiva.
2.º Um oficio do Ministro dos negocios da fazenda com uma consulta da junta da administração do tabaco, relativa ao contrato deste genero. Passou á Commissão de fazenda.
3.º Um officio do Ministro dos negocios da guerra, assim concebido: - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Não tendo ainda havido decisão alguma sobre o objecto de que tratava o ofício, que em data de 7 de Abril foi dirigido a V. Exca. para ser presente ás Cortes Extraordinarias e Constituintes, o Governo se vê embaraçado, não só pela reclamação dos oficiais do exercito de Portugal, mas tambem para qualquer promoção geral que seja preciso fazer; o que Sua Majestade me ordena que participe a V. Exca. a fim de chamar a atenção do soberano Congresso sobre a decisão do objecto daquele ofício, não só para que o Governo possa resolver sobre a reintegração dos oficiais de infantaria n.º 3, mas tambem para poder regular-se sobre as promoções nas diferentes classes que tiveram os batalhões destacados no Brasil sem lhes pertencer pela escala da antiguidade do exercito de Portugal.
Deus guarde a V. Exca. Palacio da Bem-posta em 23 de Dezembro de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras. - Manoel Gonçalves de Miranda,
Mandou-se remeter á Commissão de guerra.
4.º Uma carta do Sr. Deputado Castro e Silva, representando a falta que sofre de meios de subsistencia e pedindo que se dêem a seu respeito as providencias que se deram a respeito de outros Deputados do Ultramar; que se mandou á Commissão de fazenda.
5.º As felicitações das camaras da cidade de Tavira, da vila do Vimioso, da vila do Rabaçal, da vila de Chaves, da vila de Aviz, da vila das Aguias, da cidade de Elvas; das quais todas se mandou fazer monção honrosa.
6.º As felicitações do juiz de fora do Fundão, do substituto do juiz de fora de Valença do Minho, do juiz de fora do Sabugal, do juiz ordinário de Carrazeda de Anciães, e do juiz ordinario de Arruda; as quais foram ouvidas com agrado.
O Sr. Secretario Thomaz de Aquino mencionou a oferta que faz Antonio Joaquim Neri de uma colecção do periodico que redige com o titulo de Campeão Lisbonense, a qual colecção se mandou para a livraria das Cortes.
O Sr. Deputado Araujo Costa mencionou o oferecimento que faz Antonio de Sousa Dias, boticario de hospitais regimentais da cidade do Porto, do prover de medicamentos todos aqueles hospitais pela terceira parte do seu valor: a qual representação se mandou á Commissão de fazenda.
O Sr. Deputado João Francisco de Oliveira ofereceu ao Congresso o busto do celebre publicista Benjamim Constant, para ser colocado naquele lugar que mais conveniente se julgasse: a qual oferta foi recebida com agrado, e se encarregou á Commissão de policia das Cortes a designação do lugar que parecesse mais oportuno para nele ser colocado aquele busto.
Feita a chamada, acharam-se presentes 100 Deputados, faltando sem causa motivada os Srs. Gomes Ferrão, Antonio José Moreira, Gouveia Durão, Ledo, Borges de Barros, Domingos José da Silva, Aguiar Pires, Assis Barbosa, Moniz Tavares, Sousa Moreira, Lyra, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, João Pedro Ribeiro. Cirne, Fernandes Pinheiro, Alencar, Fagundes Varela, Filipe Gonçalves, Granjeiro, Castro e Silva, Manuel Patricio, Zeferino dos Santos, Marcos Antonio, Borges Leal, Vergueiro, Araujo Lima, Bandeira, Lemos Brandão; e com causa motivada os Srs. Betencourt Queiroga, Almeida e Castro, Rodrigues Bastos, Sá, Felgueiras Senior, e Roque Ribeiro.
O Sr. Pereira Pinto, como membro da Commissão de guerra, pediu licença para ler dois pareceres desta, sobre materia, cuja decisão era de urgencia sendo-lhe concedida, leu primeiro o seguinte

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