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N.º 2.

SESSÃO DE 3 DE FEVEREIRO.

1855.

PRESIDÊNCIA DO Sn. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 79 Srs. Deputados.

Abertura: — A uma hora da tarde.

Acta: — Approvada.

O Sr. Presidente: — A Deputação encarregada de participar a Sua Magestade o achar-se esta Camara definitivamente constituida, e apresentar a lista quintupla dos Deputados para Supplentes á Presidencia e Vice-Presidencia, tendo sido com a benevolencia do costume recebida por Sua Magestade, desempenhou a missão que lhe foi por esta mesma Camara encarregada.

A Camara ficou inteirada.

CORRESPONDENCIA.

Officios. — 1.º Do Sr. Deputado Manoel da Cunha Paredes, participando que por juntos motivos não póde comparecer á Sessão de hoje, e pedindo ao mesmo tempo á Camara que o desculpe de assistir ás Sessões pelo espaço de 15 dias.

O Sr. Secretario Rebello de Carvalho: — O Officio que acabo de lêr é datado do 1.º do corrente mez de Fevereiro, o foi recebido pela Mesa na Sessão de 3.ª feira, mas a horas de se não poder dar conta delle á Camara, por se ter entrado já na ordem do dia.

Consultada a Camara concedeu a licença pedida pelo Sr. Paredes.

2.ª, Da Camara dos Dignos Pares, enviando o Projecto de Lei da reforma da Alfandega das Sete Casas, que pela Camara dos Senhores Deputados lhe foi dirigida na Legislatura passada, e que caducou, segundo o que dispõe a Carta de Lei de 16 de Março de 1836. — Para a Secretaria.

SEGUNDAS LEITURAS.

Requerimento. — Requeiro que pelo Ministerio competente seja enviada a esta Camara, com urgencia, uma nota por onde conote qual foi a importancia do tributo dos 15 por cento para as estradas, que pagou cada um dos Districtos do Continente do Reino no ultimo anno economico — Vasconcellos e Sá.

Foi admittido e approvado sem discussão.

Requerimento. — Requeiro que pelo Ministerio competente sejam enviados a esta Camara, com urgencia, os seguintes esclarecimentos:

1.º Quantas são as Direcções das Obras Publicas no Continente do Reino.

2.º Qual é a prestação que actualmente se envia a cada uma dellas.

3.º Qual é o numero e vencimento liquido dos Empregados de cada uma dessas Direcções, separando o pessoa] technico do de Administração; declarando no primeiro o numero dos Officiaes Enge-

VOL. II — FEVEREIRO — 1853.

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nheiros, ou que fizerem serviço como, taes; e o ele Conductores de trabalhos: e no segundo O numero de Escrivães pagadores, Amanuenses, Apontadores de differentes classes, Vigias ou Olheiros, e outros Empregados com vencimento effectivo. — Vasconcellos e Sá.

Foi admittido, e approvada sem discussão.

O Sr. Secretario (Rebello de Carvalho): — Os Srs. Deputados que tiverem de mandar para a Meza declarações de que algum Sr. Deputado não póde comparecer ás Sessões, tenham a bondade de as mandar logo no principio da Sessão, para se poder dar conta dellas 11.7 occasião competente.

O Sr. Julio Maximo: — Peço ser inscripto para tornar a iniciativa do Projecto sobre a abolição do monopolio do sabão.

O Sr. Placido de Abreu: — O Sr. Deputado Magalhães Coutinho encarregou-me de participar á Camara que não póde comparecer á Sessão de hoje.

O Sr. Corrêa Caldeira: — Sr. Presidente, tendo recebido ultimamente um documento importante para a questão que vai ventilar-se — a validade das eleições de Lamego — documento que é um Instrumento de justificação perante o Juiz de Direito da Comarca de Rezende, a Requerimento do Reverendo Abbade de Penude, Alexandre de Santo Thomaz Pereira, no qual se provam os vicios, e irregularidades insanaveis que houve na Assembléa Eleitoral de Azegos e Rezende, Circulo de Lamego; mando este documento para a Meza, pedindo que seja remettido á respectiva Commissão, que, me parece, não deixará de o tomar em seria consideração; e não o apresentei mais cedo, porque só agora me foi entregue.

O Sr. Cunha Sotto-Maior: — Pedi a palavra para participar a v. Ex.ª que eu não concorri com a Deputação nomeada, porque só tive conhecimento della pela leitura do Diario de hoje.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Eleição da Commissão Administrativa.

O Sr. Presidente: — O Presidente da Camara, e o Sr. 1.º Secretario são Membros natos desta Commissão, que sendo composta de 5 Membros temos por isso a eleger 3.

Procedeu-se ao escrutinio, e tendo entrado na urna 83 listas, das quaes 6 em branco, sairam eleitos com a maioria absoluta:

Os Srs. Visconde da Junqueira, com.....69 votos.

Faustino da Gama............. 68 »

Honorato Ferreira............ 53 »

O Sr. Salvador da, França: — Pedi a palavra para participar que a Commissão nomeada pela Meza para tomar, conhecimento do Processo relativo ao Sr. Adrião Accacio, acha-se installada; e nomeou para Presidente o Sr. Baldy, e a mim para Secretario; reservando para mais tarde a nomeação de Relator, quando se haja tomado algum conhecimento do negocio.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA.

Discussão sobre o Parecer relativo á eleição do Circulo de Lamego.

É o seguinte:

Parecer: — (N.º 2-F.) — A 2.º Commissão de Verificação de Poderes, tendo, examinado attentamente o Processo Eleitoral relativo ao Circulo de Lamego, N.º 20, vem agora dar-vos conta do que em centrou, e emittir a sua opinião.

O Circulo de Lamego foi dividido em vinte e quatro Assembléas Eleitoraes, nas quaes o numero dos votantes foi de 6:369, e os mais votados, que reuniram além de um quarto da totalidade da votação, os Srs.

Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio, com 3:835 votos

Barão de Lazarim................... 3:748 »

Antonio Sarmento de Saavedra Teixeira. 3:678 »

José de Vasconcellos Noronha e Menezes 2:991 »

Perfazendo o numero dos 4 Deputados, que pertencem a este Circulo Eleitoral,

O Cidadão immediato em numero de votos, foi o Sr. Antonio Dias Oliveira, que obteve 2:467 votos.

Na Assembléa do apuramento foram apresentados Protestos e Contra-protestos, dos quaes, e dos documentos que a elles se referem, a Commissão se occupará successivamente.

No Protesto apresentado naquella Assembléa pelo Conde de Samodães, Francisco, e mais 13 Cidadãos, portadores de Actas, reclamam todos elles por treze differentes motivos, e principalmente, pela nullidade da eleição da Assembléa de Piães, uma das duas em que fôra dividido o Concelho de Sanfins. Reclamam igualmente os Cidadãos Jeronymo de Almeida Castro Mendonça Castello Branco, e Rodrigo Maria Cortez Machado, aquelle Membro que foi da primeira Meza Eleitoral da Freguezia de Piães, e o segundo similhantemente Vogal da Commissão de Recenseamento do Concelho de Sanfins, contra o procedimento do. Administrador do mesmo Concelho, por isso que fazendo entrar força armada na igreja de Piães, dissolveu a Meza Eleitoral, que alli existia presidida por Joaquim Macario do Amaral, ao qual e a José do Nascimento de Azevedo Coutinho, Membro da dita Meza fizera o dito Administrador prender, installando na Presidencia de uma nova Meza Eleitoral a Manoel Pereira de Vasconcellos. Em reforço a este facto foram presentes á Commissão os attestados seguintes. Do Parocho da Freguezia de Piães, que certifica por lhe constar, (não se tendo aliás achado presente) o facto da dissolução da Meza pela força armada, bem como de ler fugido em consequencia disso a maior parte do povo. Do Parocho de Tarouquella (que tambem não foi presente) affirmando constar-lhe não lerem concorrido a Piães os Eleitores da sua Parochia. Do Parocho de Sozêllo, que dirigindo-se á dita Assembléa Eleitoral, a ella não chegara por lhe constar o occorrido dando isso causa a tambem deixarem de ír votar alguns dos Eleitores da sua Parochia. Finalmente do. Parochia de Espadanello, que diz ler-lhe constado o occorrido por occasião de ír para a eleição, e que os Eleitores que o acompanhavam fugiram ao receber a noticia, dando isso logar a terem comparecido poucos votantes. O. Presidente da Meza, substituida á primeira, mostra por documento datado de 9 de Dezembro, ultimo haver recebido de Victorino Pinto da Cunha, Presidente da Commissão do Recenseamento de Sanfins, um officio, da data já lembrada, e que a junta, em original, para ír presidir á Assembléa de Piães, fazendo-se-lhe remessa dos respectivos cadernos de recenseamento.

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Igualmente foi presente á Commissão uma copia da requisição feita por aquelle Presidente ao Commandante da força armada, a pedir-lhe auxilio de cinco soldados, com o intento de exercer as funcções que lhe eram disputadas dentro da Assembléa. Foi tambem presente á mesma Commissão a Publica Forma da Acta da primeira Meza Eleitoral de Piães, em que se affirma ter ella sido constituida ás 10 horas da manhã do dia 12 de Dezembro ultimo sem contestação dos Cidadãos presentes, e ler officiado ao Commandante da força militar, para se retirar a uma distancia conveniente do local da eleição. Finalmente foi tomado conhecimento de uma Publica Forma da nomeação feita por quatro Membro da Commissão de Recenseamento de Sanfins em Joaquim Macario do Amaral, para Presidente da Assembléa de Piães. A vista pois da gravidade do caso, de se ter empregado a força armada dentro de uma Assembléa Eleitoral, para substituir uma Meza por outra, intende a Commissão, que fóra necessario provar-se de uma maneira incontestavel, o direito que assistia ao ultimo Presidente da Meza para exercer essas funcções, o que effectivamente não acontece, pois que apesar da allegação de lhe haverem sido dirigidos os cadernos de recenseamento, não é menos certo que se apresentam documentos da maioria da Commissão de Recenseamento, nomeando para Presidente ao Cidadão que foi expulso. E como por outra parte um acontecimento desta ordem devia affastar da urna um grande numero de Eleitores, como se allega, sendo certo que de 418 recenseados, só votaram 354, além da presumpção de poder ser influido o animo dos presentes pelas circumstancias occorrentes, intende a Commissão que deve ser annulada a eleição da Assembléa Eleitoral de Piães do Concelho de Sanfins.

Esta annullação, porém não influe no resultado geral de eleição. O menos votado da lista, que obteve a maioria total foi o Sr. José de Vasconcellos Noronha e Menezes, que reuniu 2:991 votos, descontados dos quaes os 352 votos, que obteve na Assembléa de Piães, restam-lhe 2:639 votos, em quanto que o Cidadão mais votado da lista geral da minoria, não obteve mais de 2:467 votos.

No Protesto apresentado á Junta do apuramento impugna-se tambem a eleição da Assembléa de Fornellos do já dito concelho de Sanfins, allegando-se haver sido falsificada a urna. Em um instrumento de Justificação feito perante o Juiz de Direito de Rezende, e que foi presente á Commissão, apparecem 7 testemunhas a depor, 5 pelo terem ouvido, e 2 dellas affirmando terem-no visto, que estando guardada a urna da Assembléa Eleitoral de Fornellos na Casa da Camara, no logar da Macieira, onde a eleição se effectuou, fôra falsificada a votação pelas onze hora», da noite, trocando-se listas, e fazendo-se descargas fraudulentas nos cadernos do recenseamento.

A Commissão intende, que em presença de similhantes Protestos, a circumstancia de se não mencionar na Acta da Assembléa de Fornellos, o havei cm, sido devidamente, rubricadas as listas, quando guardadas para o apuramento no dia immediato,! constitue, uma omissão, que se não pode deixar de attender. Como, porém, por outro lado. seria summamente grave tomar a Commissão sobre si. (annullando a eleição de que se tracta) a responsabilidade das asserções de haver sido falsificada a urna'; propõe, que o Governo mande proceder a um severo inquerito sobre o occorrido naquella Assemblea Eleitoral, não se considerando válida, emquanto a Camara não puder examinar o assumpto com toda o individuação, a eleição do quarto Cidadão apurado na lista geral da maioria, o Sr. José de Vasconcellos Noronha e Menezes, por isso que tendo alcançado 2:991 votos, no caso de lhe lerem de ser descontados os que obteve em Fornellos, ficaria em minoria, relativamente no Cidadão que na lista geral é b immediato na votação.

Protestou-se igualmente perante a Junta do apuramento contra a eleição da Assembléa de Moimenta da Beira, afirmando-se ser constante a falsificação da urna, augmentando-se o numero das listas em duplo, afirmando-se não ser possivel que na presença do máo tempo todos os Eleitores concorressem á urna, menos um pequeno numero. Os Parochos de Arcozello, Cabaços, Arcos, Nagoza, Castello, Baldos, e Villar, Freguezias pertencentes á Assembléa de Moimenta, sendo requeridos, attestam, como foi presente á Commissão, o facto de haver faltado a votar o numero, que elles aproximadamente indicam d'entre os seus freguezes, com a excepção, porém, do Parocho de Villar, que affirma em contrario, que todos os recenceados daquella Parochia foram á urna, o que mostra que a razão do máo tempo não é absolutamente concludente. Accresce que o Protesto, pelos motivos indicados, é feito fóra da Assembléa, onde o processo eleitoral é dirigido pela Meza nomeada com as garantias que a Lei da para a sua formação, e constando da respectiva Acta não ter havido reclamação no acto da votação, e de no escrutinio terem sido convenientemente rubricadas as listas, e guardadas com as formalidades da Lei, por occasião de ser transferida a eleição para o dia immediato, por causa de ter anoitecido durante o acto eleitoral; intende a Commissão não ser attendivel a materia do Protesto no ponto de que se tracta.

Tambem julga inattendivel o Protesto já mencionado quanto ao que se allega da indevida influencia da Auctoridade do concelho de Armamar, porque só se funda em um mero instrumento de Justificação, em que figuram 3 testemunhas, que depõem de Ouvida no sentido do Protesto.

Accresce que na Assembléa Eleitoral de Armamar tiveram consideravel maioria -2 dos Cidadãos da lista, que se affirma ter sido combatida por todos os modos pela Auctoridade.

Em Sinfães, affirma-se ter sido maior o numero das listas do que o dos votantes, e attribue-se ao Administrador do Concelho a influencia do resultado; fallam, porém, as necessarias provas, o da Acta da Assembléa Eleitoral não consta haver Protesto contra a votação e escrutinio.

Protesta-se tambem contra o procedimento do Administrador do Concelho de Lamego por ler influifluido na eleição da Assembléa de Almacave, dando e (irando listas, e intimando Eleitores; não se passa, porém, da generalidade das asserções para casos individuaes, e não se reclamou devidamente no acto da eleição; pois-que um Protesto que se apresentou, era feito por um Cidadão recenseado, como se affirma no Contra-protesto apre-enfado á Junta do apuramento, e como a Commissão verificou nos respectivos cadernos do recenseamento.

Protestou-se igualmente contra o procedimento do Administrador em Carta e Rua, por ler ameaçado os Eleitores, contra n eleição de Rezende, por ahi se

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ter apresentado a primeira Auctoridade do Districto a querer influir contra o Administrador de Tarouca, por dar e tirar listas á porta da igreja, para não se lerem devidamente naquella Assembléa os nomes das listas; além do Protesto em geral contra o procedimento das Auctoridades secundarias por ameaçarem com recrutamento, e com augmento de decima.

No Contra-protesto negam-se, ou explicam-se os factos contra os quaes só protestára na Junta do apuramento. Nas accusações feitas ás Auctoridades pelas illegalidades, que se dizem haver sido commettidas, álem de serem essas accusações produzidas fóra da occasião do processo eleitoral das Assembléas primarias, o não constarem das Actas daquellas Assembléas não se acham as mesmas accusações acompanhadas de provas bastantes para serem attendidas para o effeito de se annullarem as eleições nas sobreditas Assembléas.

Tendo a Commissão exposto os motivos essenciaes de duvida, que encontrou no processo eleitoral deste Circulo, e havendo-os apreciado convenientemente, intende que a eleição deve ser julgada válida, desde já quanto aos Cidadãos seguintes, aos quaes sendo descontados os votos da eleição annullada de Piães, veem a ler os Srs.:

Antonio Pinheiro da Fonseca Osorio... 3:186 votos

Barão de Lazarim.................. 3:407 «

Antonio Sarmento de Saavedra Teixeira. 3:335 «

Conservando a maioria a respeito dos Cidadãos immediatamentente votados, ainda mesmo quando lhes fossem descontados os votos, que obtiveram na Assembléa de Fornellos.

A respeito da eleição desta Assembléa intende a Commissão que se deve proceder ao inquerito que mencionou, suspendendo-se por ora a approvação da eleição do Sr. José de Vasconcellos Noronha, e Menezes, no resultado da qual influe a decisão, que se tomar ácerca da Assembléa Eleitoral de Fornellos.

E porque os taes Senhores cuja eleição a Commissão reputa válida já apresentaram os seus diplomas que se acham legaes, intende que devem ser proclamados Deputados.

Sala da Commissão, 28 de Janeiro de 1853. — A. J. (Joelho Lousada. — Antonio dos Santos Monteiro. — Carlos Bento da Silva.

Pareceu da minoria da Commissão: — Os Membros da Commissão abaixo assignados discordam do Parecer da maioria da Commissão sómente no que respeita á eleição, que teve logar na Assembléa Eleitoral de Fornellos do concelho de Sanfins, porque intendem haver fundamento legal suffientemente provado para annullar a respectiva Acta: e annullada, e descontados os Cidadãos votados pelo Circulo Eleitoral, de que se tracta, os votos contados a cada um delles no apuramento geral pela Acta da sobredita eleição, e pela de Piães do mesmo concelho, unanimemente annullada pela Commissão, vem a ser o quarto dos mais votados o Sr. Antonio Dias de Oliveira com 2:450 votos, ficando o Sr. José de Vasconcellos Noronha e Menezes somente com 2:265 votos, e deve portanto aquelle ser considerado como o quarto Deputado eleito pelo 20. Circulo Eleitoral — Lamego. —

Sala da Commissão, 23 de Janeiro de 1852. — Elias da Cunha Pessoa. — Vicente Ferreira Novaes.

O Sr. Presidente: — Alguns dos Srs. Deputados eleitos, a quem diz respeito este Parecer acham-se nos corredores da Casa. É conforme com os precedentes convidarem-se para assistir á discussão (Muitos apoiados) Então os Srs. Vice-Secretarios lerão a bondade de os introduzir na Sala.

Foram introduzidos na Sala, e tomaram assento ã barra da Camara os Srs. Sarmento, e Pinheiro Ozorio.

O Sr. Barão de Almeirim: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para combater o Parecer da Commissão, porque intendo que esta eleição está nulla, e nulla na sua origem, porque neste Circulo Eleitoral a influencia da Auctoridade foi mais escandalosa, foi mais avante do que na maior parte dos outros Circulos em geral. Nunca houve eleições em que as Auctoridades influissem mais, e mais escandalosamente do que nesta. Não póde deixar por isto de recaír grande censura sobre o Governo, porque todos os Governos devem ser imparciaes, devem conservar-se neutraés no meio da acção dos partidos, quando se tracta de uma eleição geral. Mas este Governo, que tinha ainda mais obrigação de se conservar neutral, porque era elle proprio que tinha promulgado no Decreto de 30 de Setembro principios verdadeiros, e principios de moralidade, é esse mesmo Governo, que por ordens particulares, por Circulares confidenciaes, manda ás Auctoridades que deixam de cumprir esses principios, que elle mesmo tinha promulgado no seu Decreto, e manda empregar já o terror, já as ameaças, violando-se deste modo principalmente os artigos 135.º e 136. do Decreto Eleitoral, que prohibe absolutamente ás Auctoridades terem influencia nestes negocios.

Em Lamego, Sr. Presidente, o Governador Civil, percorreu o Circulo todo, convocando as Auctoridades subalternas, e incumbindo-lhes por parte do Governo que vencessem as eleições, fossem quaesquer os meios, para esse fim empregados! Isto é um escandalo e uma immoralidade; e nós devemos aqui tractar de moralisar o Paiz, porque da falla de moralidade, que entre nós tem havido, é que resulta achar-se o Paiz no estado de decadencia a que tem sido levado.

Eu posso fallar assim, porque tenho factos particulares acontecidos entre mim e a Auctoridade superior do meu Districto, que me habilitam a fallar desta maneira.

Sr. Presidente, participando-me a Auctoridade superior do meu Districto que eu era apresentado como candidato por parte do Governo, e que este queria influir nas eleições, eu declareis-lhe que nunca havia de ser Deputado do Governo no sentido restricto da palavra; não havia de ser senão Deputado independente, porque não quero dever esta cadeira ás influencias da Auctoridade, mas sim ás influencias dos meus patricios e amigos. Essa Auctoridade, passado pouco tempo, foi chamada a Lisboa, e quando voltou para Santarem disse que o Governo tinha mudado de opinião sobre a lista de Santarem, e que a guerra era declarada ao meu nome, e que eu havia de ser excluido da urna por todas as fórmas; e effectivamente assim se fez, empregando-se todos os meis para isso. E aquillo que se practicou alli naquelle Circulo, é exactamente o que se practicou n'outros; e em maior escalla, e em parte nenhuma como no Circulo de Lamego, de cuja eleição nós vamos tractar.

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Sr. Presidente, consta de documentos, que foram presentes á Commissão de Poderes, que as Auctoridades deste Circulo andaram ameaçando os povos, dizendo-lhes que a todos aquelles que não votassem no sentido do Governo, as suas decimas lhes seriam augmentadas, os seus filhos, os seus criados, a sua familia seria incommodada por todas as fórmas, e principalmente pelo recrutamento. E estas ameaças, Sr. Presidente, passaram a realisar-se, porque no Concelho de S. Cosmado foram prezos dois cidadãos, e foram prezos com o motivo de que elles deviam ser recrutados; mas provou-se que um delles já tinha servido, e que o outro tinha impossibilidade tambem de ser recrutado. O que prova que estes factos não se practicaram, senão para influirem pelo terror nos Eleitores, e elles não votarem senão no sentido que queria a Auctoridade. Isto é coacção, é coacção moral; embora não haja a violencia das bayonetas; embora não haja o ferro;. Embora não haja o sangue, ha todavia uma coacção escandalosa, ha uma coacção que é sufficiente para annullar todo o acto que della dimana.

Isto practicou-se em todos os outros Concelhos, em todas as Assembléas Eleitoraes, e é um motivo para eu na minha consciencia, na minha convicção intender que estas eleições estão nullas; nullas á face da moralidade publica, que é aquillo que nos deve guiar nestes actos principalmente.

No Concelho de Armamar estacionou-se um destacamento de tropa. Sr. Presidente, e preciso saber que nas freguezias ruraes não ha nada que incuta mais terror do que o apparecimento da farda, do que o apparecimento dos soldados; e quando numa occasião destas se manda para uma freguezia, ou para um Concelho destes uma força é o mesmo que dizer aos habitantes daquelle Concelho, que estão debaixo do peso da força armada, que hão de fazer simplesmente aquillo que quizer aquelle que póde dispor da mesma força.

No Concelho de Lamego, Sr. Presidente, na Assembléa de Almacave ha tambem a influencia escandalosissima do Administrador do Concelho se apresentar as portas da igreja, onde se reuniu a Assembléa Eleitoral, fazendo trocar listas, dando listas, e fazendo isto mesmo os seus Empregados. Muito embora do Contra-protesto, que se apresentou na Junta de apuramento, se diga que tal facto não existiu; não duvido da sua veracidade, porque apresentando o Bacharel José Moreira da Fonseca um Protesto nessa occasião, allegando todas estas nullidades, a Meza não lho quiz acceitar; não lho quiz acceitar com o pretexto de que este Cidadão não era recenseado naquella Assembléa, mas não negando os factos que elle allegava nesse Protesto.

Por consequencia eu intendo que esses factos são verdadeiros, muito embora fossem allegados por pessoa incompetente; no entretanto nós aqui não estamos para reconhecer a competencia das pessoas, mas sim para reconhecer a verdade ou falsidade dos factos, e por elles nos dirigirmos p tomarmos a nossa resolução.

Em Tarouca a Meza e os actos eleitoraes andaram de tal fórma que em algumas das listas leram se nomes que lá não estavam, e deixaram de se lerem nomes que lá estavam. Este facto veiu a conhecer-se, porque havendo o General Gouvêa votado no Brigadeiro Barata, reconheceu-se que entre os nomes daquelles que tinham obtido votos, não apparecia o

deste Brigadeiro, e passando a procurar-se nas listas que estavam já inutilisadas, achou-se uma onde effectivamente estava esse nome, e a Meza reconheceu este facto, mandou-lhe contar este voto a esse nome; mas nem por isso o descontou naquelle a quem o tinha contado já illegalmente. (O Sr. Saavedra: — Peço a palavra)

Ora, Sr. Presidente, se isto se viu em uma lista que duvida posso eu ter em acreditar que aconteceu em muitas?... De certo não duvido, porque entre nós ha um rifão muito explicativo — Cesteiro que faz um cesto, faz um cento, o ponto está ter verga e tempo. — E por consequencia aquelles Escrutinadores, aquella Meza que não teve duvida em viciar, ou em alterar um nome de uma lista, tambem a não havia de ler em altera-lo em muitas outras.

Na Assembléa de Moimenta da Beira apresentou-se tambem um facto que, posto que não seja em Direito uma prova juridica, todavia nos apresenta uma probabilidade de tal fórma, que nos deve convencer da nullidade da eleição daquella Assembléa; por quanto sendo o numero total dos votantes daquella Assembléa de 630 diz-se, que naquelle dia, apesar das tempestades, apesar dos temporaes, apesar do horrivel da chuva que caiu, se apresentaram 602 votantes, e o que é ainda mais notavel é que esses 602 votantes, votaram todos nos mesmos nomes! Estas duas circumstancias unidas formara a minha convicção de que esta eleição foi viciada, e que a Acta não é verdadeira, não deu o resultado daquillo que effectivamente se passou naquella Assembléa.

Em Leomil ha outra coincidencia quasi identica, Em Leomil entraram na urna 316 listas, e a Acta diz-nos que cada um dos 12 Candidatos que foram votados teve 103 votos sem discrepancia; não houve um só que tivesse nem mais nem menos; dos 12 nenhum teve mais de 103 votos, nem menos. Houve uma pequena fracção de votos, que ficaram de fóra e que foram dados a differentes Candidatos. Por consequencia ve-se desta uniformidade de votos, que alli houve uma acta forjada, forjada á vontade de quem a fez, e não uma Acta verdadeira, que exprima o resultado do que alli se practicou.

Em Sinfães aconteceu quasi o mesmo, e quasi tudo pela mesma fórma.

Mas, Senhor, o que excede tudo quanto se tem pra-clicado até agora nestes actos eleitoraes, é o que aconteceu no Concelho de Sanfins, e principalmente na Assembléa Eleitoral de Piães. Ahi, Sr. Presidente, não foi só a coacção moral, ahi não foi só a influencia da Auctoridade, ahi foi a coacção das baionetas, ahi foi a coacção do terror, ahi empregou-se a força armada, ahi destruiu se uma Meza que estava legalmente eleita para se substituir por outra, que era necessario que se formasse para que a Auctoridade do Concelho podesse vencer as eleições segundo o tinha determinado a Auctoridade Superior, que era sem attenção aos meios a empregar.

A Meza, Sr. Presidente, em Piães estava constituida, estava constituida debaixo da presidencia de um Cidadão, que tinha sido nomeado para isso pela maioria da Commissão de Recenseamento, conforme o determina o Decreto de 30 de Setembro ultimo. Mas, além disto, Sr. Presidente, ainda quando esta Meza não tivesse sido legalmente eleita por esta fórma, estava-o por uma outra circumstancia tambem estabelecida no Decreto de 30 de Setembro ul-

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timo; porque tendo sido eleita só ás 10 horas, isto é, uma hora depois daquella marcada para a eleição, segundo o que dispõe o mesmo Decreto, ella podia ser eleita debaixo da presidencia de qualquer Cidadão que estivesse recenseado, uma vez que elle fosse approvado pelas tres quartas partes dos Eleitores presentes.

Portanto a Meza estava legalmente eleita; e quando começava a funccionar, entrou o Administrador do Concelho com a força aunada, foi dissolve-la, prendeu o Presidente, e prendeu um dos Escrutinadores dentro da igreja; e daqui resultou que a eleição effectivamente não póde deixar de estar nulla, porque foi ioda ella practicada debaixo da impressão do terror, do medo, e do espanto, porque effectivamente estes actos são espantosos.

Na outra Assembléa do mesmo Concelho, em Macieira tambem se dão nullidades. Não ha coacção da força; mas ha effectivamente nullidades insanaveis, como são, por exemplo, a urna não ter ficado devidamente guardada, por quanto ficou em uma casa particular. Álem disso dá-se a circumstancia, que aponta o Parecer da Commissão, de não terem sido rubi içadas as 1 islãs. E apresenta-se de mais a mais pelo lado opposto uma justificação na qual testimunhas ha que juram de ter visto que esta urna fôra roubada.

Em consequencia pois de todos estes factos, intendo que são mais que sufficientes para annullar esta eleição, e por isso não posso deixar de votar contra o Parecer da Commissão, e peço á Camara, que annulle esta eleição, e neste sentido eu mandarei para a Meza uma Proposta.

Houve, além das nullidades que se encontram nesta eleição, factos practicados pelas Auctoridades publicas, os quaes são positivamente escandalosos e criminosos á face da Lei.

Intendo tambem que os Srs. Ministros deviam ler mandado instaurar um processo para ver quaes foram esses factos, e por quem practicados para sobre quem os practicou cairem com todo o rigor as penas da Lei Não me consta que se tenham instaurado esses processos, ou que se mandasse fazer qualquer inquirição por parte do Governo, e por isso eu incluo na minha Proposta que o Governo adopte esta medida

Alando pois para a Meza a seguinte:

Proposta. — «Proponho que annullando-se a eleição do Circulo de Lamego, pelas nullidades, com que se acha viciada, se proceda a nova eleição, em que se guardem as fórmulas legaes; e o Governo mande instaurar os competentes processos contra as Auctoridades que tiveram parte nesses factos illegaes e reprehensiveis.» — Barão de Almeirim.

Foi admittida, e ficou em discussão conjunctamente com o Parecer.

O, Sr. Sarmento Saavedra (Deputado eleito pelo Circulo de Lamego): — Sr. Presidente, se o Parecer da Commissão não affectasse a eleição de um Deputado, que se acha ausente, eu de certo não incommodaria a Camara tomando a palavra para fallar sobre este assumpto; como porém o Parecer é favoravel aos Deputados, que se acham presentes, e não ao que está ausente, e eu não queria, que se dissesse, que por isso eu fôra indifferente á questão e nada dissera acerca da eleição, por esta razão uso do direito de fallar nesta causa. Tenho a fallar sobre o Parecei, e obre aquillo, que acaba de dizer

O illustre Deputado por Santarem. S. Ex. commeçou por fallar relativamente ao que se passou no Circulo de Lamego, e no meu intender, não fez mais que repetir, alterando palavras e mutilando alguns Trechos, o que está no longo Protesto, que se apresentou á Meza da Assembléa do apuramento dos votos na cabeça do Circulo Eleitoral de Lamego: nesse Protesto, se diz, e o mesmo disse o Sr. Deputado, que a primeira Auctoridade do Districto de Vizeu percorrera o Circulo por duas vezes, aterrando e ameaçando os Eleitores para os obrigar a votar em quem essa Auctoridade lhes indicasse. Peço licença para dizer ao illustre Deputado, que este facto não é exacto; a primeira Auctoridade Administrativa, isto é, o Governador Civil, nunca saíu de Vizeu, não precorreu o Districto nem antes, nem durante, nem depois das eleições. O Secretario Geral do Governo Civil é que duas vezes saíu de Vizeu, n'uma não estava servindo de Governador Civil, na outra sim em consequencia da doença do Governador Civil, nessas duas vezes, uma foi a Lamego, n'outra a Concelhos proximos, atravessou alguns Concelhos, nem podia deixar de ser, quando foi a Lamego, mas não foi percorrer o Circulo de Lamego; Jogo como se póde dizer, que a primeira Auctoridade Administrativa isto é, o Governador Civil do Districto de Vizeu precorreu por duas vezes os Concelhos todos do seu Districto, ameaçou os Eleitores, empregou meios menos licitos dentro do Circulo de Lamego para alli, a todo o custo, vencer as eleições?.. São sem fundamento as accusações que se fazem contra esta Auctoridade; o Governador Civil de Vizeu é incapaz de usar desses meios; porque o seu caracter, a sua cii eu inspecção, e a sua honra lh'o não permittem; o seu Secretario, que leni iguaes sentimentos, não era capaz de empregar similhantes meios. Algumas vezes conversei com um e outro a respeito de eleições, posso assegurar, que a opinião de ambos era — que se não empregassem meios illegaes, nem menos decentes — por isso estas intimações que se dizem foram feitas por parte da Auctoridade, são inteiramente falsas; e a mesma falsidade se dá com relação aos factos attribuidos ás Auctoridades secundai ias.

Disse-se que em Armamar destacamentos de tropa precorreram alguns Concelhos, e espalharam o tenor por toda a parte, isto não é exacto. É verdade que destacamentos de tropa precorreram alguns Concelhos, bem poucos foram, mas foi uma cousa, que teve logar muito antes das eleições, e o motivo não foi eleitoral, não foi isso, que se diz e que de proposito se tem publicado em alguns papeis publicos, eu digo o motivo. Quando se publicou o Decreto relativo á Companhia dos Vinhos do Alto Douro que lhe tirou a prestação dos 150 contos de réis, creou-se uma Commissão, ele, alguns interessados na sustentação da Companhia e de opiniões contrarias á Politica do Governo e ao Governo quizeram, como sempre acontece em casos identicos, aproveitar esta circumstancia para promover algumas agitações para chegarem por estes meios aos seus fins; tractou-se por tanto de agitar os animos dos povos a ponto que até chegou a fallar-se n'uma proxima revolução no Douro, e até alguns logares foram indicados como sendo os pontos de reunião; por isto, e a fim de evitar que houvessem alguns acontecimentos menos convenientes e de consequencias desastrosas é que

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houve algum movimento de tropa para, como disse, evitar alguns disturbios. Com relação ás eleições, ou por causa das eleições não se moveu um só soldado; esta e que é a verdade, tudo o mais são asserções gratuitas; não é exacto pois que se empregassem meios menos decentes, e o que se tem dicto em sentido contrario é tudo filho do resentimento daquelles individuos, ou do partido que ficou vencido na eleição do Circulo de Lamego.

Falou-se tambem na eleição de Tarouca dizendo-se, que o Administrador fora nomeado ad-hoc: não é assim, isto são méras e gratuitas asserções, assim o e tambem dizer-se, que esse Administrador andou dando e tirando listas e ameaçando os Eleitores. Eu estava alli, fui até Membro da Meza Eleitoral, e posso por tanto, a este respeito, dizer alguma cousa com perfeito conhecimento de causa. O Administrador do Concelho actual foi nomeado porque o que estava, foi despachado Delegado do Procurador Regio, e o logar ficava vago, e esse Administrador de Concelho não ameaçou, não usou de meio algum violento nem illegal para vencer as eleições, elle era incapaz de tal fazer; e posso assegurar á Camara, que durante todo o tempo da eleição elle esteve sempre junto á Meza Eleitora], e não á poria da igreja dando e tirando listas, como no Protesto se assevera.

Disse-se tambem que não se leiam os nomes que estavam nas listas. Eu digo que se leram, e explicarei a circumstancia que deu logar a essa menos verdadeira asserção.

Appareceu uma lista com cinco nomes, o quarto era o do Sr. Antonio José de Avila, e o quinto o do Sr. Christovão Cardozo Barata, o nome do Sr. Avila tinha dois riscos por cima; esta lista locou a um escrutinador, que não era dos mais peritos, (o que acontece muitas vezes, tanto assim que apparece sempre muita difficuldade em formar as Mezas eleitoraes por que de ordinario aquella gente que mais sabe e está no caso de fazer parte das Mezas, vai tarde já para não serem chamados para ella, e por isso acontece que quasi sempre se formam as Mezas eleitoraes de alguma gente, que pouco ou mal sube ler) e como se tinha declarado, que apparecendo lista com mais de quatro nomes só se deviam ler os primeiros quatro, e desprezar os seguintes, e o escrutinador não julgasse aquelles riscos sufficientes para deixar de ler o nome do Sr. Avila, leu-o, e deixou de ler o do Sr. Barata que era o quinto, e por isso não apparecia o voto que um Eleitor tinha dado ao Sr. Barata, que teve alli um voto unico.

No fim da votação, tendo havido a competente reclamação examinou-se o negocio, e viu-se que o facto se passára como acabo do dizer, e a Meza intendeu que se devia tirar o voto que indevidamente tinha sido contado ao Sr. Avila, e que devia ser lançado ao Sr. Barata; fez-se isto; e por tanto já se vê, que não ha motivo plausivel para se dizer, que se leram uns nomes por outros. E se o que acabo de referir tivesse sido de proposito, isso de certo tinha sido a favor do partido contrario ao Governo, porque em vez da se ler o nome do Sr. Barata a quem se suppunham votos perdidos, lia-se o nome do Sr. Avila, que era Candidato da Opposição de cuja lista fazia parte.

Pelo que pertence á eleição de Moimenta da Beira apparece tambem Protesto perante a Meza do apuramento, affirmando ser constante

uma, augmentando-se o numero das listas em mais do duplo, e affirmando-se não ser possivel, que na presença do mau tempo que estava, todos os eleitores concorressem á urna, menos um pequeno numero. Este Protesto é tambem inteiramente infundado; não se apresenta prova alguma, que possa trazer em resultado a convicção de que seja exacto o que alli se allega; e se fosse verdade que o mau tempo tinha impedido os Eleitores de concorrerem á urna, tambem nas outras Assembléas devia ter acontecido o mesmo, porque o mau tempo que impediu aquelles Eleitores de concorrerem á urna, devia impedir os outros; porque o tempo foi igual em toda a parte.

E para admirar que, porque em Moimenta deixaram de votar poucos Eleitores, se diga — viciou-se a urna, porque com tão mau tempo não ía tanta gente — e porque em Piães faltaram mais votantes, diz-se — fallaram porque tiveram medo ás desordens, e violencias do Administrador.

A respeito do Concelho de Sanfins, Assembléa de a falsificai do da

Piães, e Fornellos, que é de que mais se falla e clama, direi que, basta examinarem se attentamente as Actas, e mais documentos que foram presentes á Camara, para provar contra a eleição, para delles mesmos se vêr claramente a sua insufficiencia. Disse-se que na Assembléa de Piães o Presidente illegal fizera prender o Presidente da Meza, que estava funccionando legalmente constituida. E certo que as Actas das eleições constituem uma prova provada do que nella consta e os que dizem, que não é verdade o que nella se diz, é que tem obrigação de provar o que affirmam. Disse-se que o Presidente da Meza dissolvida era o Presidente legal, porque apresentava um diploma assignado por quatro Membros da Commissão de Recenseamento; mas se examinarmos attentamente esse documento, vêr-se-ha que não é exacto o que se affirma, porque nesse documento, que não appareceu na Meza do apuramento dos votos em Lamego, e só agora apparece, ve-se que um dos quatro alli assignados é o proprio nomeado, que se nomeou a si mesmo; ora excluido elle, ficam tres, destes foi um José do Nascimento de Azevedo Coutinho, que foi prezo com elle, porque estava pronunciado no Concelho de Arouca, outro Rodrigo Maria Cortez Machado, um dos dois que protestaram na nota do Tabellião contra a eleição de Piães; circumstancias estas, que combinadas com o mais, e com o não ter sido apresentado com o Protesto em Lamego mostram toda a probabilidade de que tal documento foi feito depois destes acontecimentos, donde se segue que nada vale. O mesmo modo porque está formulado, indica que lai nomeação não foi feita em Commissão.

Apparece tambem outro documento que é uma publica fórma da Acta da eleição da Meza, tirada no Porto, e sem ter precedido reconhecimento das leiras das assignaturas que alli se lêem. Ora todos sabem que uma pública-forma não é mais que uma cópia: póde estar exactamente conforme com o original, as não se póde por isso affirmar que o original é verdadeiro. Além disso essa pública-forma foi tirada no Porto a 5 de Janeiro, onde era provavel que o Tabellião não tivesse conhecimento das assignaturas feitas em Sanfins; assim póde-se fazer tudo, mas nada se póde considerar valido: não se apresentou na Meza do apuramento em Lamego, quando se fez o Protesto; nem lai Acta, nem cópia della; por todas estas razões, similhante Acta deve julgar-se falsa,

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e aquelle documento ser desattendido. Além disto neste documento acha-se assignado Joaquim Maria do Amaral, quando o supposto Presidente se chama Joaquim Macario do Amaral o que prova mais a irregularidade com que foi feito.

O modo mesmo porque este documento está organisado, faz bem vêr que não é exacto o que nelle se diz, porque começa assim. (Leu) Basta este cuidado que elles tiveram de dizer que eram dez horas dadas no relogio da igreja, que era o publico daquella freguezia para se suspeitar, que isto foi feito com malicia já para prevenir a arguição, que havia fazer-se de que não eram ainda dez horas e que effectivamente ainda não eram, embora o relogio tivesse balido as dez marteladas; basta esta declaração, que talvez se não encontre em alguma outra Acta para se conhecer a malicia com que isto foi feito. Tudo isto mostra que foi feito muito depois, e não até que se apresentou o Protesto em Lamego.

Fallou-se tambem da intervenção de tropa. O Decreto Eleitoral no seu artigo 59.º admitte a intervenção, da força armada. (Leu)

É verdade que diz que o Presidente antes da requisição consulte a Meza; mas quando o Presidente se apresenta para tomar o seu logar, e não tem ainda Meza, vendo que a Presidencia lhe é disputada por outro que já lá estava indevidamente, que havia de fazer? É um caso omisso na lei, e elle não tinha remedio senão tomar uma resolução, dirigiu-se ao Administrador do Concelho e ao Commandante da força armada e foi justamente em consequencia desta illegalidade. e desta resistencia, que foi empregada a força armada, pois que o Presidente intruso até estava armado, tendo comsigo um punhal e duas pistolas que lhe foram tiradas, como consta do auto que se formou, e que foi remettido á Auctoridade Judicial... (O Sr. Corrêa Caldeira: — Quando é que foi remettido?) Foi logo. (O Sr. Corrêa Caldeira: — Bem, estou satisfeito).

Depois disto, a eleição correu socegada, e nenhum Protesto houve em contrario, durante os trabalhos eleitoraes.

Em quanto á eleição de Fornellos, a respeito da qual se diz, que a uma foi viciada de noite, observarei, que ella ficou na casa da Camara, onde se fez a eleição; e sendo necessario entrar a poria de um muro para dahi seguir á poria da entrada, que fica em um primeiro andar, e depois atravessar uma sala, e um corredor para chegar á sala, em que estava a urna, é de admirar como ha duas testimunhas que vem mencionadas em uma justificação, cujo instrumento está appenso ao processo desta eleição, que declaram terem visto o Juiz Ordinario, o regedor, e outro individuo, que não conheceram, entrarem, mexerem na urna, e tirarem della listas, e substituirem por outras! Em primeiro logar lai justificação é feita sem citação da parte, e por tanto meramente graciosa; depois disso, uma das testimunhas diz, que viu pelo buraco da fechadura, a outra nem diz como, ou donde viu; não fallam uma em se ter encontrado com a outra; uma só viu mexer na urna, a outra viu tirar e lançar listas! Pois póde acreditar-se, que quem fosse viciar a urna, fosse tão pouco acautelado, que não observasse se alguem via, se alguem se aproximava á poria, e mais que tudo, que deixasse as portas abertas, que tanto era necessario para chegar á porta da sala, onde estava a urna? Como se póde

acreditar, que esse ou esse» individuos não tomassem as providencias para o facto não ser observado por alguem! Como se póde acreditar, que elle fosse tão descuidado, que desse logar a que alguem o podesse seguir até á casa onde estava a urna, para poder pelo buraco de uma fechadura presencear essa fraude? Já se vê, que taes testimunhas não podem deixar de ser consideradas como não verdadeiras, e que o seu depoimento não póde ler fé; e se o caso foi como se diz, deviam ter lançado mão dos recursos que lhes facultava o Decreto Eleitoral.

Avista pois do que tenho exposto, concluo que não apparece prova sufficiente da existencia dos factos allegados contra as eleições do Circulo de Lamego, e que a Camara obrará com justiça, approvando-as. (Vozes: — Muito bem, muito bem.)

O Sr. Nogueira Soares: — Eu intendo que neste anno se deve seguir a boa practica do anno passado, de fallarem alternadamente um prò, outro contra; fallou o Sr. Barão de Almeirim contra, e o Sr. Saavedra a favor; ora, querendo eu fallar tambem a favor é isso desagradavel para mim e para a Camara; por consequencia cedo agora da palavra, e reservo-me para a pedir, quando fallar alguem contra o Parecer da Commissão.

O Sr. Presidente: — Se houvesse alguem escripto para fallar contra depois do Sr. Saavedra, de certo não leria dado a palavra ao Sr. Nogueira Soares, que falla a favor do Parecer da Commissão; dei lha porque não havia mais ninguem escripto nem a favor, nem contra.

O Sr. Nogueira Soares: — Pois então eu cedo por ora da palavra.

O Sr. Avila: — Sr. Presidente, eu não fazia lenção de fallar agora neste debate, e parecia-me que a quem cumpria tomar a palavra, era a algum dos Membros da illustre Commissão de Verificação de Poderes, porque o illustre Deputado que acabou de fallar, o que fez foi combater o Parecer da Commissão: a illustre Commissão annullou a eleição da Assembléa Eleitoral de Piães, do Concelho de Sanfins; o illustre Deputado esteve sustentando essa eleição: a minoria da Commissão annullou a eleição da Assembléa Eleitoral de Fornellos, do Concelho de Sanfins, a maioria da Commissão não se attreveu a approva-la, contentando-se em propôr que se nomeie uma Commissão de Inquerito para examinar o que occorreu naquella Assembléa, e o illustre Deputado esteve sustentando essa eleição. Por consequencia parece que a quem competia tomar a palavra, era á illustre Commissão para sustentar a sua obra, mas como nenhum dos seus Membros pede a palavra, e como o habil e bem elaborado discurso do illustre Deputado eleito não pôde destruir as impressões que tenho a respeito deste Processo Eleitoral, não tive remedio senão pedir a palavra para fallar contra as conclusões do Parecer. Eu estimaria muito que o discurso do illustre Deputado me convencesse de que eu estava em erro, porque apesar de que esta discussão nada tem com os illustres Deputados eleitos, porque aqui não se tracta nem da sua capacidade para Deputado, nem de qualidade nenhuma que lhes seja particular, pois se tracta só de um vicio da sua eleição, se vicio houve na eleição, entretanto é sempre desagradavel combater um Parecer, da rejeição do qual resulta a exclusão desta Casa de alguns Cavalheiros, pelos quaes eu não tenho senão muito respeito

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e consideração, e verdadeira estima por um delles, que tenho a honra de conhecer ha muitos annos. Entretanto, repito, o que me anima a entrar na discussão e que não tenho nada a dizer de desagradavel a respeito dos illustres Deputados de que tracta o Parecer.

Sr. Presidente, eu tenho practica bastante de eleições, e sei que é sempre uso, que aquelles que ficam vencidos, se queixam dos meios empregados para lhes arrancar a victoria: estou por consequencia sempre prevenido a este respeito, e prompto a dar o devido desconto a estes queixumes; e a respeito desta eleição tinha uma razão mais particular para a examinar com attenção, e é, que no Districto de Lamego fui honrado com alguns votos, precisamente da parcialidade politica que foi vencida. É verdade que o exame que eu fiz desse processo, me convenceu, que o resultado para mim era nenhum, ainda que vencesse o partido, que incluiu o meu nome em algumas das suas listas. A circumstancia porem, de ler tido votos neste Collegio obrigou-me a dar mais attenção ao Processo Eleitoral para não poder ser nunca tachado de parcial na opinião, que emittisse a respeito delle.

Eu ponho de parte as irregularidades que dizem ter-se commettido em algumas Assembleas; confesso que não acredito que houvesse eleição legal na Assembléa de Leomil onde entre 328 recenseados, se pertende que concorreram á urna 316 votantes, 309 dos quaes votaram do modo seguinte — a lista chamada do Governo obteve 103 votos, a chamada da Opposição obteve 103 votos, e uma terceira lista que lá se imaginou, obteve outros 103 votos! Se alguem acredita que isto aconteceu, tem uma fé muito robusta: eu não posso acreditar que o acaso produzisse este resultado.

Estou costumado a ver cousas muito raras em eleições, mas desta natureza nunca vi, nem creio que existisse nunca; 309 Eleitores, que se dividem em tres turmas de 103 Eleitores cada uma: cada uma destas turmas vota em uma lista de 4 nomes, sem discrepar num só nome: de sorte que apparecem 12 Candidatos, cada um com 103 votos!!! Ja se vê pois que n'um Circulo em que apparecem factos destes, fica-se logo prevenido para não acreditar que alli houve eleição; pelo menos nesta Assembléa não a houve.

Mas é sobre este facto que me fundo para combater as conclusões da Commissão, porque effectivamente o que se vê daqui, é que estes Eleitores se annullaram; porque 103 votos por um lado e 103 votos por outro lado é o mesmo que se não fossem á urna. Mas o facto que mais me chamou a attenção, foi o que occorreu na Assembléa de Piães. O nobre Deputado que acabou de fallar, não descreveu esse facto como se passou, e confesso que senão tivesse examinado os documentos, tinha mudado de opinião depois do discurso do illustre Deputado.

Entretanto a favor da opinião, que ainda conservo, ha o voto da illustre Commissão que foi unanime em annullar essa eleição: e se a annullou, é porque as razões do nobre Deputado que por certo não podiam deixar de ser presentes d Commissão, não a convenceram. A questão a respeito da eleição em Sanfins é uma questão muito séria, e os factos que alli se apresentam, não se podem negar, nem o illustre Deputado os contraria, mas pertendeu attenuados. O que se passou em Piães é o seguinte: Passadas as 10 horas da manhã do dia 12 de Dezembro de 1852 estava constituida e funccionando a Meza da Assembléa de Piães: o Administrador do Concelho entrou na igreja, e deu voz de prisão aos Membros da Meza. A Meza resistiu com a Lei na mão, e o Administrador do Concelho saindo fóra e entrando logo depois com 6 soldados de Infanteria 9 mandou armar e calar baioneta contra a Meza, e lançando-se violentamente ao seu Presidente contra o qual arrancou um punhal, (foi este o punhal, que alli se viu, que era do proprio Administrador do Concelho, e não do Presidente da Meza como disse o illustre Deputado) o levou preso juntamente com um dos Escrutinadores para uma casa proxima, da qual no dia seguinte os fez partir para as cadêas de Lamego. Depois de ter dissolvido assim a Meza installou outra, que diz ter presidido á eleição, cujos resultados estão juntos ao processo. Eis o facto que ninguem póde negar, nem sobre elle póde haver duas opiniões. Vejâmos agora o que a este respeito disse o illustre Deputado eleito.

Diz o nobre Deputado — Esse facto eu tenho direito para duvidar delle porque os documentos, a que dou credito, são — Actas do que se passou nas Assembleas.

Quer o nobre Deputado que eu lho prove com uma Acta, que não poderá deixar de acreditar? É a propria Acta da Meza que o Administrador do Concelho installou: vejamos o que ella diz: — «Aos «doze dias do mez de Dezembro de 1852, pelas nove «horas da manhã nesta Parochial igreja de Piães, «designada previamente para nella ter logar a segunda Assembléa dos Cidadãos recenseados para «proceder á eleição de quatro Deputados pelo Circulo Eleitoral de Lamego, compareceu o Cidadão «Manoel Pereira de Vasconcellos, Membro da Commissão recenseadora deste Concelho de Sanfins, nomeado para presidir a esta Assembléa; e chegando (tão local da Meza por nove horas precisas do mencionado dia, para presidir á mesma eleição, lhe foi u disputado o logar da Presidencia por Joaquim Mais cano do Amaral, que alli se achava sentado para «fazer as minhas vezes despoticamente, e ameaçando-me, vendo-me por isso na necessidade de pedir «soccorro á força militar, e applacar os amotinados, «depois do que, retirada a força, e passada meia hora, na conformidade do artigo 46.º do Decreto «de 30 de Setembro do corrente anno propuz aos «Eleitores presentes para Escrutinadores os cidadãos,

E o proprio Presidente, que se diz legal, que vem declarar este facto. Elle confessa que ás 9 horas da manhã foi á igreja, confessa que achou lá outro Presidente, que lhe disputou a Presidencia, para o excluir da qual foi buscar fóra a força. Logo o facto está confessado pelo proprio Administrador do Concelho.

Ora com que auctoridade foi este Cavalheiro disputar a Presidencia áquelle que já lá se achava?

Diz o nobre Deputado — É porque o outro não estava legalmente nomeado. Mas como não estava elle legalmente nomeado, se apresentava uma nomeação assignada por 4 Membros da Commissão do Recenseamento? Era o segundo Presidente que não apre sentava nomeação legal, porque o Officio do Presidente da Commissão do Recenseamento não podia destruir aquelle documento, visto que as nomeações dos Presidentes das Assembléas pertencem ás Commissões

VOL. II. — FEVEREIRO — 1853.

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do Recenseamento, e não aos seus presidentes, e 4 Membros constituem maioria n'uma Commissão de 7.

Mas, diz o illustre Deputado, um dos 4 Membros era o proprio nomeado, que não podia votar em si. Eu admitto o argumento. A Commissão de Recenseamento é composta de 7 Cidadãos: 4 entrando o que estava sentado na Meza, votaram nelle: logo teve só 3 votos.

Os outros 3 Membros da Commissão votaram no segundo Presidente, entrando neste numero de 3 o mesmo segundo Presidente: logo teve este, segundo o illustre Deputado eleito, só 2 votos. Sendo 3 mais que 2 o Presidente legal era o primeiro.

Basta vêr o que se passou nesta Assembléa para concluir que a eleição está nulla. Eu não vou buscar como base a justificação feita perante o Juiz de Direito de Rezende, onde 6 testimunhas de vista referem o facto da fórma que já o referi. Não vou buscar tambem os Attestados dos Parochos que juram o que viram, ou declaram o que era de notoriedade publica. Bastam os documentos, que tenho diante dos olhos, e que não são suspeitos aos defensores da eleição.

Quando o primeiro Presidente se apresentou na igreja para presidir á Meza, que devia acontecer? Eu já o outro dia disse que o Decreto Eleitoral foi redigido de maneira que bem se via que se tinham em vista bastantes fraudes practica das em outras eleições, e que se quizeram evitar essas fraudes. Eu já declarei que da mesma maneira que censurava alguns inconvenientes que me parece haver no Decreto Eleitoral, fazia justiça a outras disposições essenciaes do mesmo Decreto. Uma destas disposições é que a Meza ha de ser sempre composta de maneira que tanto a maioria como a minoria dos Eleitores estejam alli igualmente representadas, exceptuando só a hypothese, em que a minoria seja mono da quarta pai toda maioria: mas ainda para esta hypothese ha a garantia da collocação da Meza n'um logar em que todos os seus actos possam ser fiscalisados por todos: ha a garantia da rubrica das listas e a sua «arrecadação, quando a eleição não possa concluir-se no mesmo dia, n'um cofre de tres chaves onde todo o Cidadão póde por O seu sinete.

Pois bom: Transportemo-nos em imaginação a Sanfins. A eleição da Assembléa de Piães no mesmo Concelho, segundo a Acta, deu sobre 448 recenseados 354 Eleitores, dos quaes 352 votaram na lista do Governo, ou na lista do partido a que pertencia o segundo Presidente, que era contrario ao primeiro Presidente. Ninguem dará por consequencia que os votantes no sentido do segundo Presidente, ou do Presidente que foi buscar a foiça, não eram mais de tres quartas partes do mesmo total dos recenseados. Logo como consentiram elles, que um Presidente illegal se arrogasse o direito de dirigir os trabalhos? E em segundo logar devendo ser essa grande maioria, -que na conformidade do artigo 46.º do Decreto eleitoral devia eleger todos os Escrutinadores, todos os Secretarios, e todos os Revesadores, que mal podia fazer na Meza o primeiro Presidente, elle, que nem lia as listas, nem contava os votos, nem podia por consequencia de modo algum viciar a eleição / Já se vê pois, que o excesso commettido pelo Administrador do Concelho o que prova é que o que a Aula diz, não é exacto; que não havia 352 eleitores, que votassem na lista do Governo; que o que é provavel e que a lista da Opposição devia ter naquella Assembléa uma grande maioria, e que foi para destruir essa maioria que se dissolveu violentamente a Meza, affugentando os Eleitores para depois se fazer a eleição como se quiz, dando-se os votos a quem se quiz. Na Justificação, que já citei, 3 testimunhas juram que viram o Administrador do Concelho forçar alguns Eleitores a votar na sua lista. Assim devia ser; porque era para esse unico fim que o attentado commettido tivera logar.

Basta, na minha opinião, este raciocinio, que de certo não escapou aos illustres Membros da Commissão, para mostrar que a eleição em Piães está nulla, e que o attentado alli commettido, e que não tem precedente, nem mesmo em 1838, não admitte nenhuma justificação. E este attentado ficou impune]

Que quer dizer o comportamento do Commandante do Destacamento, que já na vespera da eleição satisfazia as requisições do segundo Presidente da Meza? O Decreto Eleitoral diz expressamente, que as requisições do Presidente só pódem ter logar de accôrdo com a Meza: como podiam pois ser legaes as requisições feilas na vespera da eleição, em que não havia Meza? Entretanto dos documentos juntos ao Processo Eleitoral ve-se, que desde a vespera o Commandante do Destacamento o collocou, a pedido do mesmo Presidente, defronte da igreja na chamada Casa do Senhor, para conter os facciosos, dizia a requisição: e no dia seguinte aquelle Official entrava com a sua força na igreja, por virtude de uma nova requisição daquelle Presidente, requisição que não era legal, pois não fôra feita de accôrdo com a Meza, como determina expressamente o Decreto. Eu quero suppôr, que o Commandante fóra illudido; mas logo que entrou na igreja viu uma Meza a funccionar, e conheceu por tanto, que o Presidente que lhe fez a requisição, não a podia ler feito do accôrdo com a mesma Meza, que tinha outro Presidente.

Accresce que a mesma Meza lhe ponderou, que O seu procedimento estava em diametral opposição com a Lei, e apezar disso elle continuou a prestar-se a servir de instrumento para que se commettesse o attentado, que já referi. Que desculpa se lhe póde dar? Nenhuma. Calcou acintemente a lei aos pés, e ficou igualmente impune o seu criminoso procedimento. Eu estou perfeitamente de accôrdo com a illustre Commissão, em quanto annulla as eleições da Assembléa de Piães; no que não estou de accôrdo é na consequencia que ella tira, de que estes votos não influem no resultado da eleição. Diz a illustre Commissão, que II annullação desta eleição não influe no resultado geral: peço perdão para dizer que discordo desta opinião. Para que foram os attentados de Piães? Está mais que provado que foram para ‘substituir uma lista por outra lista: se preciso-pois vêr se os votos desta Assembléa recaíndo na lista da chamada minoria a podiam converter em maioria'.* e é isso mesmo que eu vou provar, que teria necessariamente logar juntando á minoria os votos das Assembléas de Piães e Fornellos. Vamos a essa ultima Assembléa.

Se o facto de Fornellos tivesse vindo desacompanhado de outras circumstancias, eu havia de hesitar um pouco a respeito delle: mas esse facto teve logar no proprio Concelho de Sanfins, e é acompanhado de uma circumstancia, sobre que eu já chamei a attenção da Camara, tractando-se de outra eleição.

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As listas que ficaram de um dia para o outro na urna da Assembléa de Fornellos, por se não ter acabado a eleição no primeiro dia, não foram rub içadas nas costas como a Lei determina: e eis-aqui uma falla essencial; porque se as listas tivessem sido rubricadas, não podia a urna ser viciada: e é esta a razão porque eu sustento que essa eleição deve ser annullada, por lhe faltar uma formalidade indispensavel. A illustre Commissão dividiu-se a respeito desta eleição: a sua minoria propõe que a eleição se annulle, e a maioria não se atrevendo a propor a annullação, não estando todavia convencida da legalidade da eleição, propõe que se nomeie uma Commissão de Inquerito para proceder a um exame severo dos factos, e habilitar a Camara a resolver a questão com pleno conhecimento-dê causa.

Peço perdão á maioria da illustre Commissão para lhe dizer, que não concordo com este alvitre. Quem é que hade nomear a Commissão de Inquerito? O Governador Civil de Lamego? Teriamos a Commissão composta do Administrador do Concluo de Sanfins, e dos seus partidarios. Qual era a consequencia dessa nomeação? Eram novas vinganças, por virtude das quaes os Cidadãos, que tivessem tido a coragem de dizer a verdade, teriam de ír em romaria para a cadeia de Lamego, como foram os 2 Membros da Meza Eleitoral de Piães. Havia ser esta Camara que havia nomear a Commissão? Assim parece dever ser; mas a primeira cousa que havia a fazer, era remover as Auctoridades Administrativas e Militares, que-tinham commettido os escandalos, que serviam de fundamento no Inquerito. Porque Lei se havia fazer essa nomeação? Quem havia obrigar os nomeados a acceitar? Que garantia se havia dar ás pessoas inqueridas de que não haviam ser perseguidas, se dissessem a verdade? Eu não vejo neste arbitrio senão difficuldades, que não sei resolver, e acho por tanto mais regular o Parecer da minoria, que annulla aquella eleição pelos motivos, que já indiquei. Dedusindo pois dos eleitos os votos, que obtiveram nas Assembléas de Piães, e Fornellos, tem estes apenas sobre a minoria 600 votos, que esta poderia alcançar nas mesmas Assembléas, havendo alli 879 recenseados. A Commissão não póde achar exaggerada esta votação quando approvou a eleição de Moimenta da Beira, na qual se diz haver na mesma Assembléa 681 recenseados, dos quaes concorreram á urna 681 e destes 600 votaram na lista do governo! Para provar á Camara o desejo que tenho de que tome a este respeito uma decisão com verdadeiro conhecimento de causa, sacrifico até os interesses do meu amor-proprio, mandando para a Meza fim papel que acabo de redigir, e que não tive ainda tempo de examinar, no qual proponho uma Substituição ao Parecer da Commissão, recopilando os argumentos que me devam a dissentir da sua opinião. Vou -dar conhecimento delle á Camara.

Substituição: — Considerando, que dos documentos que acompanham o processo das eleições do Collegio Eleitoral de Lamego resulta incontestavelmente que na Assembléa de S. Thiago de Piães I Concelho de Sanfins, estando já constituida, e funccionando a Meza no dia 12 de Dezembro de 1852, depois das 10 horas da manhã, o Administrador do Concelho, José Pinto da Silva Tameirão, entrando dentro da igreja, e chegando-se á Meza, dera ordem de prisão aos Membros da mesma, e porque estes lhe resistiram invocando as disposições da Lei, saíra e voltara pouco depois com 6 soldados de infanteria, aos quaes mandára armar e calar bayoneta dentro da igreja e accommetter os Membros da Meza da qual arrancou elle mesmo violentamente, e armado com um punhal, o Presidente Joaquim Macario do Amaral, e o Escrutinador, José do Nascimento de Azevedo Coutinho, que fez condusir presos, e cobertos de ameaças e insultos, a uma casa proxima, donde no dia seguinte foram mandados para a cadeia de Lamego: installando depois o mesmo Administrador do Concelho outra Meza, forçando os poucos Eleitores, que ficaram na igreja, e concorreram depois, a votar na lista, que lhes entregava.

Considerando que este attentado inaudito, que o Decreto Eleitoral de 30 de Setembro de 1852 preveniu e mandou castigar com as penas estabelecidas no artigo 130. § 1.º, e no artigo 140, não póde ser justificado pela allegação de que o Presidente nomeado não tinha diploma para exercer taes funcções, por quanto este apresentava a sua nomeação assignada por 4 Membros da Commissão de Recenseamento, que constituem a maioria, em quanto o Presidente, que o Administrador do Concelho instalara na Meza, só tinha um Officio do Presidente da mesma Commissão, Officio que não podia invalidar o primeiro diploma: por quanto as nomeações dos Presidentes das Assembléas Eleitoraes pertencem ás Commissões de Recenseamento, e não aos seus Presidentes.

Considerando que o procedimento criminoso do Administrador do Concelho só podia ler por fim falsear a eleição daquella Assemblea, substituindo fraudulentamente a sua opinião á da maioria dos Eleitores, como aconteceu, contando-se sobre 354 votantes, que se diz terem concorrido á urna, 352 votos á lista que triunfou; facto, que a ser verdadeiro, era a prova mais convincente do crime do Administrador do Concelho; porque havendo naquella Assembléa 448 Eleitores recenseados, e tendo votado na lista do Administrador 352 votos, seguir-se-hia, que os seus partidarios Politicos constituiam mais de tres quartas partes do numero total dos Eleitores, e por consequencia, que eram elles que em vista do artigo 448 do Decreto Eleiral deviam nomear todos os Escrutinadores e Secretarios; e que tornava desnecessaria a expulsão do Presidente; que além disso não podia ser consentido na Meza por uma Assembléa em que predominavam os seus adversarios Poli ticos, senão estivesse munido de um titulo legal.

Considerando que o Commandante do destacamento, José Roberto Marques dos Santos, fallou aos seus deveres, e está incurso nas penas do artigo 138.º do Decreto Eleitoral; por quanto não só desattendeu a requisição da primeira Meza para fazer retirar a força do seu commando a um quarto de legoa do local da eleição, junto ao qual estava collocada; mas satisfez á requisição do pretendido Presidente, requisição que não estava em harmonia com o artigo 59.º: não podendo o mesmo Official allegar ignorancia, por quanto entrando dentro da igreja viu uma Meza a funccionar, da qual não era Presidente o que lhe dirigiu a requisição; accrescendo ac ircumstancia de que os Membros da Meza procuraram demonstrar-lhe, que o sou procedimento era uma violação flagrante das disposições do Decreto Eleitoral.

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Considerando que na Assemblea de Fornellos do mesmo Conselho de Sanfins a urna foi aberta de noite, e trocadas as listas que se achavam na mesma; facto que é declarado por 2 testimunhas de vista, e que tem em seu abono a circumstancia de não estarem as mesmas listas rubricadas no verso como ordena o Decreto Eleitoral no artigo 74.º.

Considerando que estes attentados só podiam ler por fim substituir á opinião da maioria dos Eleitores daquella Assembléa a lista que triunfou, e por tanto que não basta deduzir dos eleitos os votos, que se diz terem obtido nas mesmas Assembléas, mas que é necessario ver, se os votos dos recenseados, tendo recahido na lista da minoria, esta se não converteria em maioria, o que effectivamente acontece; por quanto deduzidos dos eleitos os votos daquellas Assembléas, têem estes apenas sobre a minoria de 600 votos, que esta poderia alli alcançar havendo alli 879 recenseados.

Considerando que da justificação feita perante O Juiz de Direito da Comarca de Resende, e mandada hoje para a Meza pelo Sr. Deputado Corrêa Caldeira, consta que, além de outras irregularidades, o Administrador do Concelho de Aregos exigira dos Eleitores, seus subordinados, que, nas listas em que deviam votar, escrevessem o seu proprio nome por baixo dos 4 nomes dos Candidatos do Governo, a fim de conhecer assim o voto de cada um; facto provado pelo depoimento de 3 testimunhas de vista, e que viola completamente o segredo do escrutinio.

Considerando, que, além destes factos, a impunidade do crime commettido na Assembléa de Piães prova a cumplicidade da Auctoridade Superior Administrativa no mesmo crime, e induz a crer que são verdadeiros os factos imputados á mesma Auctoridade de se ler ingerido abusivamente nas mesmas eleições, ameaçando os Empregados com demissões, e os outros Eleitores com recrutamentos, augmentos de decima, etc.: ameaças que tornam completamente illusorio o Direito Eleitoral.

Por todos estes motivos proponho como Substituição ao Parecer da Commissão.

1. Que seja annullada a eleição do Collegio de Lamego.

2. Que a Camara exprima um voto de censura sobre o procedimento criminoso da Auctoridade Superior Administrativa do Districto de Vizeu, a que pertence o Collegio de Lamego, e da Auctoridade Administrativa do Concelho de Sanfins, e do Commandante do destacamento de Infanteria 9, José Roberto Marques dos Santos.

3. Que se dê conhecimento ao Governo deste voto de censura, para que da sua parte faça tornar effectiva aos delinquentes a responsabilidade que lhes impõe o Decreto Eleitoral de 30 de Setembro de 1852 — Antonio José de Avila. — Antonio Corrêa Caldeu a. — Antonio da Cunha Sotto-Maior.

(Continuando): — Dirão ainda, que juntei aos considerandos desta Substituição um facto que consta da justificação, mandada hoje para a Meza pelo Sr. Corrêa Caldeira, justificação que a Commissão não pôde examinar ainda, mas esse facto nada accrescenta ás consequencias, que eu aqui estabeleço, porque ellas são fundadas principalmente sobre a nullidade das eleições do Concelho de Sanfis.

Depois de lida na Meza a Substituição, foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

O Sr. Louzada: — Sr. Presidente, esta discussão tem tido nesta Casa o mesmo andamento, que teve na Commissão: tambem nós na Commissão ao lermos ao principio os documentos, que nos foram presentes, ficámos um pouco vacilantes sobre o que haviamos de resolver, e quasi que nos inclinavamos para uma annullação geral; no entretanto quando fomos gradualmente examinando documento por documento, fomos vendo, que não eram elles de tal ordem, que nos devessem levar a um semelhante resultado. Discutimos por muitos dias o mesmo assumpto sem que podessemos concordar em um resultado uniforme quanto ao resultado geral da eleição. Acerca, porém, das duas Assembléas de Sanfins e Tornellos, 4 dos meus illustres Collegas, áquem eu muito quizera seguir, assentaram em annullar estas duas Assembléas; a maioria da Commissão, porém, tomou sobre si um outro arbitrio, que tem parecido a alguem não dever ser aquelle que se deveria tomar. Lembraram-se muitos expedientes, e aquelle afinal se adoptou, foi a da Commissão de Inquerito; mas a maioria da Commissão quando assim o adoptou, não esteve discutindo qual havia de ser a pessoa que devia nomear essa Commissão de Inquerito. A Commissão de Inquerito sabe todo o mundo, que não tem por fim senão achar a verdade; quem deva ser a entidade que a haja de nomear, tambem toda a gente sabe que tanto pode ser o Governo como a propria Camara; pois que ambas estas individualidades teem essa auctoridade. Agora o modo porque se deva proceder nessa Commissão de Inquerito, e quaes os quesitos sobre que deverá recahir a investigação, é esse um objecto cujo desenvolvimento pertence á Camara, porque é ella quem quer ser instruida, no caso de adoptar-se o arbitrio lembrado.

A maioria da Commissão = Commettendo ao Governo o inquerito, que pede para resolver as duvidas, que teve sobre a validade da eleição de Fornellos, teve talvez em vista que elle poderia ser commettido a uma ou mais Auctoridades Judiciaes, por quanto o Poder Judiciario, como muitas vezes tenho ouvido dizer nesta Casa, ha sido aquelle que incessantemente tem pugnado pela liberdade do voto. Até aqui está explicado o verdadeiro sentido da Commissão; mas eu direi agora á minha parte que se me collocarem na collisão, ou de não se fazer a inquirição, que se pertende, ou de annullar-se a eleição, eu preferirei antes o arbitrio de votar pela subsistencia da eleição de Fornellos.

Sr. Presidente, é necessario que nós intendamos; as Leis fizeram-se para serem observadas, e as Leis que offerecem um recurso excluem implicitamente qualquer outro: assim pois todos aquelles, áquem esses recursos estão abertos, não podem, nem devem lançar mão de outras. Uma eleição é como uma campanha; de ordinario são 2 os exercitos, que disputam a victoria, e o Capitão, ou o General de qualquer delles que não cuidar antecipadamente de prevenir o mal que lhe possa acontecer, arrisca-se muito a vela perdida. Por falta dessa prevenção é que estamos vendo todos os dias os vencidos tratarem de lançar mão de tudo quanto possa servir-lhes de desculpa, ou pretexto para crearem de algum modo uma opinião desfavoravel aos que obtiveram o triumfo;, não deverá pois admirar a ninguem que appareçam

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tantos protestos é Justificações, Preparados depois de passado o escrutinio; mas todos esses Protestos e Justificações não podem em direito, servir de prova legal a respeito dos factos, contra os quaes se representa.

Mas, Sr. Presidente, o que é digno de notar-se, é, que dando a Lei tantas garantias para qualquer Cidadão requerer o procedimento judiciario contra aquelles individuos, ou Auctoridades que commetterem quaesquer crimes com relação ao acto eleitoral, tudo isso se desprezasse, e nem uma querella se desse, ou algum Protesto se apresentasse em acto continuo áquelle que se diz ter sido practicado em contravenção á Lei.

Eram já passados alguns dias depois de apurado o escrutinio nas Assembléas Eleitoraes de Lamego quando se apresentaram Justificações graciosas, que pelas circumstancias, que as acompanham, teem de certo modo todos os indicios, de que foram preparadas muito expressamente, e para o premeditado fim de prevenir a opinião publica em favor de uma idéa que se queria fazer prevalecer. Apartaram-se muito (ao que parece) de proposito dos meios legaes, para virem depois com allegações, que em direito não podem produzir prova cabal, e completa com o fim de querer fazer aquillo mesmo que anteriormente podiam ter feito segundo as prescripções estatuidas na Lei Eleitoral. Acerca do depoimento das testimunhas sómente direi que pela maior parte juram ellas por ser publico e notorio aquillo que juram; mas um tal depoimento já Quintiliano dizia no seu tempo que era de todos o menos admissivel, porque a voz publica era de todos os meios o mais fallivel para a credibilidade do facto. Dizia elle: Quando uma testimunha depõe por ser publico e notorio, examine-se bem e ver-se-ha que é quasi sempre a malignidade que deu o nascimento a similhantes boatos, e a credulidade quem se encarregou de os generalisar.

Que admira pois, que tanta gente interessada em fazer com que a eleição de Lamego se. vencesse em sentido contrario áquelle em que fora vencida, procurasse ao depois de se ver derrotada, de justificar-se perante aquelles que a tinham incumbido do vencimento da sua causa, sobre os modos porque haviam sido derrotados! Isto é cousa que todos os dias estamos vendo, e por isso ninguem se deve admirar de que assim acontecesse na eleição, que óra se discute.

Todos nós estamos vendo a cada passo que antes das eleições se fazerem tudo se espera, e tudo se promette, cada qual conta que tem tantos e tantos vo-los, que dispõe desta ou daquella freguezia e deste ou daquelle numero de votantes; mas quando se vai a ver o resultado da votação, apparece pela maior parte das vezes aquillo que não se esperava, e o que se segue a isto? É o queixarem-se deste que não veiu, de outro que lhe fallou, daquelle que não appareceu e de muitos outros que fizeram o contrario daquillo que haviam promettido.

Portanto, dizia eu, que vistas á luz da evidencia juridica, todas as provas adduzidas externamente contra a eleição de Fornellos nenhum conceito podem merecer, e que as duas unicas testimunhas que depõem de vista sobre o roubo ou falsificação da urna, nenhuma dellas diz sobre similhante facto cousa que seja acreditavel.

Taes testimunhas dizendo que viram pelas 11 horas da noite varios individuos praticarem o facto arguido, fôra de certo para esperar-que estas testimunhas se tivessem visto uma á outra, ou se houvessem encontrado no sitio onde está a casa da Camara: mas assim não aconteceu, porque estando ambas a ver e presencear um facto practicado a uma dada hora, nenhuma dellas todavia se encontrou com a outra; nem isso lhes foi perguntado, como aliás o exige a Ord. do Liv. 1. Tit. 86 § 1.º quando diz: — E se disserem que o sabem de vista, perguntem-lhe em que tempo, e logar o viram, e se estavam ahi outras pessoas, que tambem o vissem.

A Commissão não teve conhecimento da informação do facto que o Sr. Deputado eleito Sarmento Saavedra produzira, e foi bom mesmo que o não tivesse, porque então teria tido mais motivos para não acreditar na prova testimunha!, que obrigára a pedir a Commissão de Inquerito.

Além de que perguntava eu: porque razão dando-se todos aquelles factos relatados por as testimunhas, qual foi a razão porque estes dois Cidadãos tão interessados pela eleição de Fornellos não se apresentaram no outro dia, perante a Assembléa Eleitora! e ahi protestaram contra todas aquellas infracções que apontam? Porque razão devendo-se depois de contadas as listas publicar á porta da igreja o seu numero, porque razão, digo, senão mostrou no outro dia que o numero das descargas dos cadernos não correspondia com as listas recebidas? Se aquelles dois Cidadãos eram, como agora se mostram, tão zelosos pela sinceridade da eleição, porque não tomaram elles um apontamento dos votos que cada Cidadão tivera, e vendo depois esse grande excesso que arguem, não protestaram logo contra o facto, que agora dizem ter existido?!.

Não seria isso por certo uma prova infallivel para esta Camara, mas induziria ao menos suspeita auferida da propria Acta, e seria um documento pelo qual a Camara podia com muito mais conhecimento de causa avaliar as circumstancias, que se tinham dado, visto que ao Protesto feito teriam de seguir-se as respostas, e os fundamentos dos Contra protestantes. Assim pois se não houve reclamação, se não houve Protesto nenhum na Acta, e se a arguição só appareceu posteriormente áquelle inculcado acontecimento, porque a justificação, se não me engano, foi feita em 15 de Dezembro de 1852, e as eleições tiveram logar em 12, isto é, tres dias depois da eleição: como, ou a que titulo, arguir-se a Commissão de Verificação de Poderes por não haver dado logo inteiro credito á justificação produzida!

Se queremos navegar no mar das conjecturas, quem me poderá impedir de pensar que todos estes documentos que se fizeram posteriormente, foram assim procurados, assim produzidos e assim mandados com o fim dever se se podiam annullar as eleições daquellas Assembléas, onde os Patronos dos justificantes tinham sido vencidos, e aonde o maior numero de votos obtido; uma vez annullado, daria vencimento aos Candidatos, que os Protestantes serviam!

Em dois, ou tres dias depois de feitas as eleições póde muito bem saber-se em todo o Circulo qual foi o resultado da eleição de cada uma das Assembléas: ainda que não haja o apuramento do Collegio Eleitoral, e sabido que seja qual o numero de votos que tivera cada um dos Candidatos, facílima cousa será o indagar qual das Assembléas convirá impugnar com maior insistencia, e pertinacia.

Sei que contra isto se ha de dizer, que o Protesto

VOL. II. — FEVEREIRO — 1853~

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apresentado á Assembléa do apuramento contra a eleição do Circulo de Lamego fôra tão amplo que abrangeu até algumas Assembléas, nas quaes os vencidos tiveram grande maioria; mas neste conflicto de inducções, quem é que me diz a mim que tambem isto senão fizera de proposito, para que dando-se como nullas nalgumas das Assembléas, onde os vencidos foram vencedores, dahi resultasse mais probabilidade para se acreditar na nullidade das outras, onde não tinham ganho a victoria?

Eu tive o cuidado de analysar as diversas Assembléas, que tiveram Protestos, e o de separa-las das que o não tiveram, e este exame deu-me em resultado, que os Protestos apresentados á Assembléa Geral do Apuramento atacando todas, ou quasi todas as Assembléas Primaria;, onde certa candidatura fôra vencida, respeitou aliás todas as mais onde ella fôra vencedora, exceptuando apenas duas dellas, cuja influencia do resultado geral da eleição em pouco poderia importar. De tudo isto pois não haverá muito a fazer reparo a quem disser que tendo os vencidos já em suas mãos o resultado de cada uma das diversas Assembléas, facil lhes ficava sendo sobre este resultado o formar o seu plano de ataque por a maneira, que lhes parecesse mais conveniente, porque tambem ha Assembléas, que se podem reputar como influentes no resultado da eleição, em quanto que ha outras que em nada influem.

Se as duas Assembléas de Sanfins como mais numerosas do que as outras, e como as que ao mesmo tempo encostaram a votação a um lado, vieram a dar uma influencia demasiada, que muito será para admirar que todo o empenho dos Protestantes consistisse em as fazer annullar 1!!

A Commissão porém que não tinha empenho por nenhum dos lados, e que sómente queria descobrir a verdade, não hesitou em declarar nulla, e sem pies-timo a eleição, que teve logar na Assembléa de Piães, porque a similhante respeito não podiam haver duas opiniões differentes, como muito bem disse o Sr. Avila; não succedeu porém outro tanto com a eleição de Fornellos.

A Commissão examinou com a circumspecção que lhe era devida; demorou-se por bastante tempo, tendo até prolongadas discussões: lembraram-se diversos arbitrios, e chegou quasi a estar concorde; mas a sua concordancia durou por pouco tempo, porque a maioria da Commissão não se atreveu u pronunciar a sentença de nullidade contra a eleição de Fornellos em Sanfins, porque não viu uma prova cabal, conveniente, e fóra de toda a duvida para assim o julgar.

A Assembléa de Fornellos tem effectivamente a falta de rubrica das listas, mas disse eu para formar o meu juizo, será ou não será esta falla uma nullidade insanavel, e irritante da qual provenha ipso facto a nullidade do acto, onde ella se dera? Eu pela minha parte intendi que não, e isto talvez me aconteça a mim, porque estou de ha muito habituado ás regras e preceitos juridicos, onde é corrente que as chamadas nullidades nuas, como melhor V. Ex.ª sabe,

não produzem effeito algum em presença da regra do Jurisprudencia, que diz não haver nullidade senão aonde a Lei expressamente a decreta. Ora se nesta Lei Eleitoral por onde se fizeram as presentes eleições, eu vejo sómente imposta a pena de nullidade a certos actos, e não a vejo imposta a outros, o que devo inferir daqui, é que a Lei não quiz que a falta de uma certa formalidade importasse immediatamente a nullidade do acto, porque se assim o quizesse tel-o-ía preceituado assim, como, por exemplo, o faz no artigo 48.º, quando declara que se a Meza fôr eleita antes da hora marcada no artigo 4 (5.º, será nullo tudo quanto se fizer.

Da declaração expressamente feita da nullidade para este caso, infiro eu que a mesma pena não se deverá dar nos outros casos, porque aonde ha differentes disposições, ou differentes decretos, tambem deve haver differentes resultados. Assim não se póde dizer que no caso sugeito houvesse uma nullidade; mas ião sómente uma falta de solemnidade contra a qual ninguem reclamou, e em desabono da qual ninguem poderia dizer que por isso que della se não fizera menção, deixara o acto de ser practicado. E tanto não devo eu fazer uma similhante supposição, quanto é certo que eu não vejo que de uma similhante falla se tirasse no dia posterior o menor argumento para declarar viciado o escrutinio. Como pois hei de eu decretar a nullidade a um facto de cuja existencia não estou ainda convencido, e porque ainda o não estou, e porque a. convicção não me póde ser suggerida por quem quer que seja, como se me poderá levar em culpa o querer ser um pouco mais escrupuloso, e o não dizer de leve que-está nulla, ou dizer tambem de leve que está valida, uma dada eleição!?

A Commissão, e creio que não se lhe deve levar a mal, teve escrupulo em dizer — está nulla a eleição de Fornellos — porque á vista do Processo Eleitoral, e dos documentos que com elle vieram, nenhum delles a habilitou para propôr a nullidade da eleição. Mas fallando da minha humilde pessoa, se me obrigarem a escolher, entre a nullidade e a subsistencia da eleição; voto pela subsistencia, segundo a opinião geral, que em igualdade de circumstancias costuma reputar como melhores as razões produzidas para a validade do que aquellas que se adduzem para a nullidade de qualquer acto. (Vozes: Deu a hora)

O Orador: — Eu queria apresentar mais algumas considerações á Ca I ara, mas como deu a hora, peço a v. Ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação deste mesmo Parecer, e quando se decida a tempo de se continuar em outros trabalhos, proceder-se-ha á eleição de Commissões. Está levantada a Sessão; — Eram mais de quatro horas da tarde.

O redactor

José de Castro Freire de Macedo.

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