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330 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ha quinze dias que pedi a palavra para me dirigir ao sr. ministro do reino, porque tinha de tratar de um assumpto importante, e que se refere ao levantamento do cordão sanitario, que, como contra regra e contra prova do relatorio do sr. ministro da fazenda a respeito do estado da fazenda publica, das boas e sinceras disposições com que se propõe a matar o deficit, é realmente um specimen, que devemos apresentar á consideração do publico e d'esta illustrada assembléa.
O sr. ministro da fazenda diz por um lado que são angustiosas as circumstancias do thesouro, e que, por isso, precisa de mais impostos, e eu affirmo por minha parte que o facto de existir ainda estabelecido o cordão sanitario em alguns pontos do paiz, acompanhado com a circumstancia gravissima de se gastarem rios de dinheiro com o pessoal ali empregado, tem concorrido bastante para o aggravamento das despezas publicas, e, por isso, a sua continuação e permanencia exige ainda maior aggravamento nas propostas de fazenda.
E a tal respeito hei de provar a esta assembléa, logo que me sejam remettidos os documentos já pedidos, que as despezas feitas com esse cordão nem todas tiveram por fim livrar-nos da invasão do cholera, mas sim beneficiar certos e determinados individuos. (Apoiados.)
Tambem affirmo a v. exa. e á camara que conheço factos e possuo documentos com que posso provar que o governo não tinha tanto a peito a salubridade publica, como parecia querer inculcar, por isso que lhe foram apresentadas algumas representações com queixas amargas, relativamente a certos factos que prendem com a saude publica, e o governo não deu providencias algumas, não tomou as medidas que os povos urgentemente reclamavam por meio das respectivas camaras municipaes.
Quando se analysar o relatorio que deve preceder as tisanas ou propostas de fazenda, que o sr. ministro tenciona apresentar á camara, eu apresentarei então os taes factos e documentos que justificam as minhas asserções.
Uma voz: - Não são tisanas, são causticos.
O Orador: - Estavam para ser causticos, mas a mudança das cousas, segundo é voz publica, fez transformar esses causticos em tisanas; o governo muda de opinião e de idéa, logo que alguem falla. (Apoiados.)
Mas, causticos ou tisanas, adstringentes ou emolientes, não devem fazer-se esperar.
Ha factos tambem gravissimos, para os quaes eu desejo chamar a attenção de sr. ministro da fazenda; não os relato, nem discuto, na sua ausencia, e, por isso, desejava que v. exa. se dignasse mandal-o prevenir e o sr. ministro do reino, a fim de que eu possa cumprir o meu dever e liquidar as responsabilidades do governo, achando-se presentes os srs. ministros, a quem esses factos dizem respeito.
Em presença de tão lastimoso estado financeiro, nós precisâmos de adoptar medidas promptas e efficazes, que curem ou attenuem o mal, tanto quanto seja possivel, e sobretudo é indispensavel sabermos se o sr. ministro da fazenda está sincera e lealmente compenetrado da gravidade do momento, e possuido do desejo efficaz de melhorar as precarias condições do thesouro, ou se apenas o incommoda a falta de meios para poder continuar a fazer aposentações, alargar quadros e despachar amigos e dar grossas gratificações aos protegidos.
Tudo isto precisâmos nós saber da boca do sr. ministro da fazenda, a fim de que a opinião publica se convença da necessidade ou não necessidade de novos sacrificios tributarios.
Certas aposentações forçadas, determinadas gratificações infundadas, e sobretudo a suspensão de algumas verbas de receita importantes, e ainda muitos outros factos, inclinam o meu espirito a acreditar que o governo não está animado do desejo sincero de desaffogar o estado da fazenda publica.
E tanto assim, que, por meio de uma portaria surda, emanada do ministerio do reino e dirigida ao governador civil do Lisboa, se suspende a cobrança das verbas provenientes das licenças para se conservarem abertos de noite os estabelecimentos da capital, e só nisto se prejudica o thesouro na importante somma de 100:000$000 réis, e isto é tanto mais injusto e assombroso, quanto é certo que depois das leis de 1881 e 1880, relativas ao sêllo e regulamentos annexos, essa portaria é uma verdadeira arbitrariedade, é uma violação flagrante da lei e uma injustiça relativa.
E o que se dá pelo ministerio do reino a este respeito está acontecendo pelo da fazenda com relação ao imposto lançado sobre as loterias estrangeiras. O sr. ministro da fazenda, por uma medida indirecta, suspendeu esse imposto. Isto, sr. presidente, é a inversão de todos os principies, é o transtorno de todas as relações constitucionaes dos poderes do estado, é o mero arbitrio arvorado em regras de administração e de governo. (Apoiados.)
É por isso que nós reclamâmos a presença dos srs. ministros, é por isso que eu desejo dirigir-me ao sr. ministro da fazenda, porque desejo que s. exa. me esclareça sobre todos estes assumptos, e alem disso pretendo que me dê esclarecimentos sobre a conducta e o processo instaurado contra alguns empregados fiscaes, taes como um celebro Jacinto Nunes Correia, que falsificou alguns recibos respeitantes aos emolumentos da alfandega, desviando algum dinheiro e recebendo como castigo uma commissão no exterminio da herva santa, com a gratificação de 2$000 réis por dia.
Com relação a estes e a muitos outros negocios precisa a opposição de esclarecimentos da parte do governo, porque a aclaração d'estes mysterios póde ser uma nota explicativa dos relatorios das propostas de fazenda, habilitando o paiz a conhecer bem qual o fim para que o governo lhe pede mais dinheiro. (Muitos apoiados.)
E é quando ha graves apprehensões na opinião publica, quando a opposição e a imprensa se queixa das arbitrariedades, dos abusos e illegalidades praticados pelo governo, que este se recusa a mandar documentos, a comparecer no parlamento e a admittir inqueritos com relação aos seus actos.
É assim que se mostra ao paiz a tranquillidado e a pureza da consciencia. (Muitos apoiados.)
A lei de 10 de agosto ordena aos ministerios que remettam para a camara, dentro dos primeiros quinze dias da sua constituição, o mappa dos contratos excedentes a réis 500$000; até hoje ainda não vi cumprida a lei n'esta parte e muito é para admirar que o sr. ministro da fazenda não tenha cumprido este salutar preceito ao menos em relação ás obras da alfândega, visto terem-se levantado na imprensa e no publico duvidas graves a respeito da legalidade o bondade do contrato respectivo.
S. exa. tinha obrigação de mandar o mappa d'esse contrato; não o fez talvez porque não quiz e n'isso imitou o exemplo do seu illustre mestre e prezado chefe.
Para este governo as leis, os decretos e regulamentos são letra morta, ou antes transgridem-se, desprezam-se e calcam-se aos pés, quando se trata de negar justiça aos adversarios, mas se o caso é de arranjo e um amigo, parente ou afilhado falla, inventa-se tudo isso e em ultimo logar appella-se para o precedente. (Apoiados.)
N'uma palavra, o procedimento tortuoso do governo nem merece as honras de um commentario; porque ha factos que basta relatal-os para levarem já impresso o estigma da reprovação geral. Como o governo não está presente, limito-me n'estas considerações simples, e fico hoje por aqui.
De novo lembro a v. exa. o meu pedido, para que sejam prevenidos por emquanto os dois srs. ministros, de que pretendo interrogal-os sobre alguns negócios pendentes das suas pastas.
Vozes: - Muito bem.