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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Deu-se conta dos seguintes officios: 1.° Do sr. deputado Luciano Cordeiro, offerecendo á camara mais 20 exemplares dos seus discursos proferidos na sessão passada sobre a questão do Zaire; 2.° Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Ferreira de Almeida, a nota dos aluirmos admittidos á matricula na escola naval nos dois ultimos annos lectivos, faltando-lhes habilitações preparatórias; 3.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Ferreira de Almeida, algumas informações relativas ao fabrico da corveta Estephania; 4.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação a um requerimento do sr. Ferreira de Almeida, a nota dos titulos litteranos que possuiam os actuaes officiaes da armada portugueza, que não têem o curso das escolas portuguezas, á data em que foram praticar nas esquadras das nações alliadas; 5.° Do ministerio da guerra, remettendo a relação dos contratos de valor superior a 500$000 réis, que obtiveram approvação por este ministerio, até 31 de dezembro de 1885, em continuação da que foi remettida á camara em 28 de janeiro do armo passado. - Teve segunda leitura um projecto de lei do sr. Luciano Cordeiro, estabelecendo algumas disposições tendentes a modificar o estado actual, com relação á promoção dos officiaes de engenheria e artilheria, habilitados com os respectivos cursos, e a promoção dos officiaes das mesmas armas não habilitados com esses cursos. - O sr. presidente participou que a deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa cumprira a sua missão, sendo recebida com a costumada benevolencia. - Apresentou um projecto de lei, que ficou para segunda leitura, o sr. Gonçalves de Freitas. - O sr. António Ennes apresentou uma representação de alguns guardas e remadores da fiscalisação externa das alfandegas. - Foi approvado um parecer da commissão de verificação de poderes, declarando vagos os logares de deputados que eram occupados pelos srs. Julio Marques de Vilhena, eleito pelo circulo n.° 89 (Beja); Pedro Roberto Dias da Silva, eleito pelo circulo n.° 99 (Angra do Heroismo), e Joaquim José Coelho de Carvalho, eleito por circulo de Mapuçá (2.°), por terem tomado assento na camara dos dignos pares, como pares eleitos.- O ar. Luiz de Lencastre requereu que, em harmonia com o artigo 113.° do decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852, fosse chamado a tomar assento na camara o sr. D. Luiz Maria da Camara, que representava o circulo de Mapuçá. - Este requerimento, que foi considerado proposta, e declarado urgente, foi enviado á commissão de verificação de poderes. - O sr. ministro da fazenda apresentou o orçamento rectificado do exercicio corrente, e bem assim o relatorio e propostas de fazenda. - As propostas têem por fim: 1.ª Substituir por uma contribuição geral mobiliaria as actuaes contribuições industrial, bancaria, renda de casas e sumptuaria, decima de juros, imposto de 6 por cento ; 2.ª Fixar as percentagens das differentes classes de contribuintes da contribuição geral mobiliaria no anno de 1887; 3.ª Reorganisar os serviços de fazenda; 4.ª Approvar a nova pauta da alfandega; 5.ª Reformar o imposto do real de agua; 6.ª Fixar em 4.285:000$000 réis a despeza extraordinaria para o anno de 1887.- O sr. E. Pinto Basto justificou as suas faltas ás sessões.
Na ordem do dia continuou a discussão do projecto de lei n.° 5, auctorisando o governo a transferir alguns presos da cadeia do Limoeiro parada penitenciaria central. - Concluo o seu discurso, começado na sessão antecedente, o sr. Francisco Beirão, que apresentou uma propostade substituição ao projecto. - Usaram da palavra os srs. ministro da justiça, respondendo ao sr. Beirão, e Germano de Sequeira. - Por ultimo é approvado o projecto na generalidade, ficando prejudicada a proposta do et. Francisco Beirão.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 56 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Lopes Navarro, Moraes Sarmento, Fontes Ganhado, Santos Viegas, A. Hintze Ribeiro, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Vimionte, Lobo d'Avila, Conde da Praia da Victoria, Cypriano Jardim, E. Coelho, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Sant'Anna e Vasconcellos, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Garcia Lobo, Cunha Bellem, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Seguier, Augusto Poppe, Pereira Leite, Caetano de Carvalho, Sanches de Castro, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Fernando Caldeira, Correia Barata, Francisco de Campos, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, J. A. Pinto, J. Alves Matheus, Dias Ferreira, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, José Luciano, Luiz de Lencastre, Reis Torgal, M. P. Guedes, Marcai Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Dantas, Rodrigo Pequito, Barbosa Centeno, Dantas Baracho, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Visconde de Ariz e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, A. J. da Fonseca, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Pinto de Magalhães, Almeida Pinheiro, Urbano de Castro. Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Silveira da Mota, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, Melicio, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. A. Neves, Avellar Machado, Correia de Barros, Borges de Faria, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Lourenço Malheiro, Bivar, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Santos Diniz, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da guerra, remettendo nota dos contratos de valor superior a 500$000 réis, que obtiveram approvação por este ministério.
Á commissão de fazenda.

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao sr. Ferreira de Almeida, nota dos alumnos admittidos á matricula na escola naval, a que faltavam habilitações preparatórias nos ultimos dois annos.
Á secretaria.

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Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Ferreira de Almeida, nota dos titulos litterarios que possuiam os actuaes officiaes da armada portugueza, que não têem curso das escolas do paiz.
Á secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Ferreira de Almeida, copias do requerimento feito pela empreza industrial portugueza, e do despacho que elle obteve.
Á secretaria.

Do sr. deputado Luciano Cordeiro, remettendo mais 20 exemplares dos seus discursos sobre a questão do Zaire.
Mandou-se agradecer.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - É pouco incontroverso que aos officiaes de artilheria e engenheria são indispensaveis todas quantas habilitações especiaes lhes são exigidas para serem admittidos n'aquellas duas armas, porque só assim poderão cabalmente desempenhar-se dos variados e importantes serviços que lhes estão commettidos, e que não podem de modo algum ser exercidos por officiaes que nau possuam as referidas habilitações.
No numero d'estes está o importantissimo serviço das praças de guerra, cujo pessoal superior não só deve pertencer a estas duas armas, mas ser escolhido entre os seus mais distinctos officiaes, para se poder tirar o maior resultado e a maxima vantagem da excessiva despeza que o paiz está fazendo e continuará a fazer, para levantar e manter todas as suas obras de fortificação permanente, que constituem uma importantissima parte da defeza do reino; nem de outro modo se poderia tirar todo o partido de tão complicadas machinas de guerra, porque machinas de tão difficil manejo, como são as fortificações permanentes, ainda que devidamente municiadas e artilhadas, só poderão constituir verdadeiros e invenciveis obstaculos aos invasores inimigos, quando o seu pessoal estiver á altura de saber bem servir-se d'ellas, e tirar-lhes o maximo aproveitamento.
Ha muito que a nossa legislação consigna estas necessidades fundamentaes.
No seculo passado, encontrâmos o alvará de 4 de junho de 1766, o officio de 22 de novembro de 1779 e a lei de 2 de janeiro de 1790, que serviram de base á consulta do supremo conselho de justiça militar de 13 de maio de 1837, onde se declara que nos corpos de artilheria se não deviam fazer as promoções por antiguidade, mas por exames, preferindo-se os que n'elles mostrassem maior merecimento, e que no corpo de engenheiros se prefeririam nas promoções, independentemente de antiguidade, os que tivessem feito o novo curso militar.
Circumstancias extraordinarias levaram a promover ao primeiro posto de official na arma de artilheria individuos sem as habilitações necessarias, definindo-se comtudo que taes factos não auctorisavam a que a promoção continuasse da mesma fórma, e constituiam apenas excepção devida a motivos imperiosos.
Assim a carta de lei de 4 de agosto de 1837, publicada na ordem do exercito n.° 51 do mesmo anno e o decreto de 1 de julho de 1851, da ordem do exercito n.° 25 de 9, permittiram a promoção ao posto do segundo tenente de artilheria aos primeiros sargentos da mesma arma com dispensa das habilitações legaes; mas declararam muito positivamente que tal promoção se fazia por uma só vez, concedendo-lhes o accesso na rasão de um terço, unicamente até ao posto de capitão em concorrencia com os officiaes devidamente habilitados.
Era, pois, necessario crear por qualquer fórma um incentivo aos sargentos de artilheria e engenheria, visto que lhes era vedado o accesso ao posto de orneia! na arma em que serviam, quando não se habilitassem com o curso de estudos estabelecido por lei.
Por este motivo se lhes deu accesso á alguns dos logares de ajudantes de praça de 1.ª classe, e mais tarde, por decreto de 29 de dezembro de 1862, se crearam na arma de artilheria vinte logares de almoxarifes destinados aos sargentos da mesma arma, sendo quatorze de 2.ª classe e seis de 1.ª classe, com os vencimentos de 15$000 e 18$000 réis mensaes, estabelecendo-se que os almoxarifes de 2.ª classe só teriam accesso á classe immediata depois de cinco annos de serviço effectivo, e nos limites do quadro. A sua reforma ser-lhes-ía regulada pelo alvará de 16 de dezembro de 1790, quando fossem julgados pela junta militar de saude totalmente incapazes de serviço.
Por decreto de 10 de dezembro de 18A8, publicado na ordem do exercito n.° 74 do mesmo anno, se determinou tambem que todas as vacaturas de ajudantes de praças de 1.ª classe fossem preenchidas no posto de alferes pelos officiaes inferiores das armas de engenheria e artilheria, segundo a ordem da sua antiguidade no posto de primeiro sargento, que o seu accesso se realisasse no quadro de praças por antiguidade com relação á arma de infantaria, e que no preenchimento das vacaturas de majores de praça se desse preferencia aos capitães de artilheria, não habilitados com o respectivo curso de estudos, emquanto esta classe se não extinguisse.
O quadro de almoxarifes, extincto pela organisação de 23 de junho de 1864, foi novamente creado por decreto de 23 de dezembro de 1868, comprehendendo tres classes com as graduações de segundos tenentes, primeiros tenentes e capitães, com os vencimentos e mais vantagens que competiam aos officiaes combatentes.
Só em 1874 se crearam nove logares de almoxarifes de engenheria para tornar o accesso ao posto de official extensivo aos sargentos d'aquella arma, e pela unificação dos quadros de almoxarifes com o do estado maior de praças de 1.ª classe, se lhes permittiu n'esse quadro o accesso aos postos superiores.
No decreto que o estabeleceu, datado de 10 de abril e publicado na ordem do exercito n.° 11 de 20, se determina:
1.° Que os almoxarifes de artilheria e ajudantes de praças de 1.ª classe, sejam promovidos até ao posto de capitão, por ordem do antiguidade relativa, formando para esse effeito as duas classes um só quadro;
2.° Que pela mesma ordem de antiguidade e dentro dos limites do quadro, sejam promovidos os almoxerifes de engenheria;
3.° Que na falta de officiaes de artilheria, não habilitados com o respectivo curso, seja nomeado para a vacatura de major de praça o capitão mais antigo do quadro estabelecido, se tiver pelo menos oito annos de serviço no posto de capitão;
4.° Que os majores de praça tenham accesso ao logar de tenente governador da praça de Elvas, por ordem de antiguidade relativa.
Satisfazendo a um principio de equidade em estabelecer igualmente para os sargentos de engenheria o accesso ao posto de official, este decreto não attendeu a que eram indispensaveis habilitações especiaes nos officiaes que deveriam compôr o pessoal superior destinado ao serviço das praças de guerra, porque, não só lhes não exigiu provas de capacidade, mas até permittiu aos almoxarifes de engenheria a promoção a majores de praça, sem pratica alguma d'aquelle serviço especial. Resultava ainda da sua plena execução a passagem immediata ao posto de coronel, do capitão mais antigo do quadro, se a secretaria da guerra não resolvesse suspender a promoção ao posto immediato dos majores de praça, emquanto não houvesse

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capitães com o tempo de serviço necessario para preencher as suas vacaturas, de fórma que só em 1884 se completou o referido quadro nos postos superiores.
O quadro de praças foi augmentado por decreto de 5 de maio de 1878 com o pessoal destinado á praça de Monsanto, e novamente ampliado pelo decreto de reorganisação de 30 de outubro de 1884, o qual, dispensando alem d'isso aos capitães d'aquelle quadro o tempo de serviço a que estavam obrigados pela legislação anterior, e as provas de capacidade exigidas aos capitães de todas as armas, deu logar a uma promoção tão extraordinaria, que com justa rasão tem melindrado os officiaes das differentes armas do exercito, aos quaes se exigem habilitações especiaes ou serviços de outra ordem, e cujo accesso é incomparavelmente muito mais moroso.
Os officiaes das armas de cavallaria e infanteria não habilitados com o respectivo curso de estudos, depois de trinta e cinco annos de serviço effectivo na fileira, acham-se geralmente no posto de capitão: os officiaes das diferentes armas que seguiram um curso regular excepcionalmente alcançam no mesmo praso o posto do coronel: ao contrario os officiaes do quadro de praças, tendo simplesmente as habilitações exigidas para o posto de primeiro sargento, e seguindo todos os postos de official como almoxarifes e no serviço sedentario das praças de guerra, adquirem quasi na totalidade o direito á reforma no posto de general quando completam trinta e cinco annos de serviço, devido ao modo como lhes está regulado o accesso.
Está evidenciado este facto no mappa que acompanha o projecto e no qual se calculou a promoção n'aquelle quadro num praso largo de quinze annos, o onde tambem se observa:
1.° Que todos aquelles officiaes percorrem a escala hierarchica desde alferes até coronel no praso medio de dezenove annos (em qualquer arma são precisos geralmente mais de trinta annos para o conseguir);
2.° No mesmo quadro os tres postos de official superior percorrem-se no praso medio de tres annos, havendo officiaes que os adquirem no mesmo anno;
3.° Os officiaes da arma de artilheria não habilitados com o respectivo curso de estudos, que foram incorporados n'este quadro, são compensados com muita vantagem da demora que soffreram na promoção até ao posto de capitão na rasão de um terço em concorrencia com os officiaes habilitados, e adquirem n'este anno o posto de coronel quando os officiaes do quadro da arma de artilheria, que com elles foram promovidos ao posto de major, se conservarão por alguns annos no mesmo posto;
4.° Os officiaes dos quadros das armas de artilheria e engenheria verão sempre em postos superiores aos seus os sargentos que lhes foram subordinados, e têem de concorrer com elles em serviço nas praças de guerra e outras commissões, como actualmente está succedendo na praça de Elvas, onde os officiaes do regimento de artilheria n.° 5, de guarnição n'aquella praça, têem estado sob as ordens do tenente governador, que, como sargento, d'elles foi subordinado no mesmo regimento;
5.° N'um quadro de tres coroneis reformaram-se era pouco mais de um anno sete em generaes de brigada, e igual numero se reformarão neste anno visto que o augmento de vencimentos os convida a solicitar a reforma quando completam os trinta e cinco annos de serviço;
6.° A passagem de capitão á major, tão morosa nas differentes armas, realisa-se em dois annos para alguns officiaes d'aquelle quadro, que quasi no mesmo praso ascendem ao posto de coronel, adquirindo assim este ultimo posto cinco a seis annos depois de promovidos ao posto de capitão.
Uma promoção tão excepcional, não justificada por habilitações nem por facto algum digno de tal recompensa, é inadmissivel.
É de alta conveniencia para uma boa disciplina não melindrar o espirito da hierarchia profunda e necessariamente arreigado na classe militar.
Torna-se cada vez mais instante a necessidade de levantar o nivel scientifico do exercito, incitando-o por todos os meios ao estudo, o que não se consegue de certo dando mais vantagens aquelles a quem se não exigem habilitações, do que aos que necessitam cursos muito longos e trabalhosos para alcançarem o posto de official.
É a instrucção que dá ao official a consciencia do seu proprio valor e que lhe garante a obediencia e respeito dos seus subordinados. A sciencia é a mais solida base da disciplina.
A utilidade das praças de guerra na defeza do paiz será duvidosa se o seu pessoal não tiver a superioridade scientifica necessaria para aproveitar as vantagens da sua posição, em coadjuvar o papel activo que os exercitos têem a desempenhar.
Compor o quadro das praças de guerra com o pessoal superior devidamente habilitado, e regularisar o accesso do restante pessoal em relação ao das differentes armas do exercito, de fórma que, respeitando a hierarchia militar em cada arma, fiquem garantidas aos sargentos de artilheria e engenheria vantagens não inferiores ás que adquirem os sargentos das outras armas em identidade de circumstancias, é uma necessidade que se torna urgente realisar e que julgâmos conseguir no projecto de lei que temos a honra de submetter á vossa apreciação.
Estabelecemos que os lugares de governadores e tenentes governadores das praças de guerra de 1.ª classe sejam exercidos por officiaes das armas de engenheria e artilheria, para que a direcção superior do serviço das praças esteja sempre a cargo de officiaes que saibam aproveitar as suas condições defensivas.
Nos logares de majores de praça continuam a ser providos os capitães ajudantes de praça e capitães almoxarifes de artilheria e engenheria, exigindo se-lhes um determinado tempo de serviço o provas de capacidade em harmonia com o que se pratica com os capitães das differentes armas do exercito.
Para que os officiaes do quadro de praças que provierem da classe de sargentos de engenheria adquiram conhecimentos praticos d'aquelle serviço, são destinados para esta classe tres logares de ajudantes de praça sem alteração do numero total de logares que lhes competem.
O accesso n'aquelle quadro é regulado de fórma a conservar na mesma situação relativa os officiaes que o compõem com os das armas donde provieram; e para os officiaes de artilheria não habilitados com o curso geral da arma continua como estava estabelecido anteriormente ao decreto de 30 de outubro de 1884, conservando assim a estes officiaes os direitos que de longa data lhes estavam garantidos.
Limita-se a promoção no quadro ao posto de tenente coronel, tornando-a mais equitativa em relação ás armas de infanteria e cavallaria, e facilita se mais o accesso dos sargentos de artilheria ao posto de official com o augmento do numero de almoxarifes, que são destinados a coadjuvar os officiaes de artilheria encarregados do commando do material nas praças de guerra.
Finalmente o augmento proposto no quadro dos officiaes superiores da arma de artilheria, que se torna indispensavel para os legares de governadores e tenentes governadores que lhes são designados, não elevando ainda o quadro d'esta arma á devida proporção com o das outras armas do exercito, attenua em parte o atrazo na promoção que actualmente estão soffrendo os officiaes do mesmo quadro.
N'estes termos tenho a honra do propor-vos o seguinte projecto de lei:

Do estado maior das praças de guerra e dos almoxarifes

Artigo 1.º O quadro do estado maior das praças de 1.º classe é o seguinte;

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[Ver tabela na imagem]

§ 1.° Os governadores de praças que forem generaes terão um ajudante de campo.
§ 2.° O forte de Monte Cintra, dependencia da praça de Monsanto, poderá ter um commandante especial, official superior de artilheria, subordinado ao respectivo governador.
Art. 2.° Os governos militares das praças de Eivas e Monsanto serão exercidos por um general de brigada, os de Valença e S. Julião por um general de brigada ou um coronel, e o de cada uma das outras praças da mesma classe por um coronel dos quadros das armas de engenheria ou artilheria.
§ unico. O governador do castello de Angra accumulará o exercicio d'estas funcções com as do commando central dos Açores.
Art. 3.° Os tenentes governadores das praças de Elvas e Monsanto serão coroneis, e os das outras praças tenentes coronéis de engenheria ou artilheria, pertencendo dois á arma de engenheria e quatro á de artilheria.
§ unico. Esta commissão é considerada de residencia para o effeito das gratificações a que estes officiaes tiverem direito.
Art. 4.° Os officiaes superiores de artilheria, não habilitados com o curso geral da arma, farão parte do quadro do estado maior das praças, continuando a ter o seu accesso fóra do quadro e a par dos officiaes d'aquella arma, sendo a sua antiguidade regulada pela data da promoção ao posto de major.
Art. 5.° O quadro dos majores e ajudantes de praças e dos almoxarifes de engenheria e artilheria é o seguinte:

[Ver tabela na imagem]

§ unico. São incluidos n'este quadro os majores e tenentes coroneis de artilheria a que se refere o artigo anterior.
Art. 6.º Os ajudantes de praça serão empregados, não só nas praças de 1.ª classe e suas dependencias, como nas de 2.ª classe em que o seu serviço seja util.
Art. 7.° Para as vacaturas de alferes ajudantes de praça e alferes almoxarifes de engenheria e artilheria serão despachados respectiva e separadamente segundo as armas a que pertencerem os sargentos ajudantes e primeiros sargentos das duas armas pela antiguidade do posto de primeiro sargento, tendo preferencia os que tiverem o curso da escola regimental.
§ unico. Para serem promovidos ao posto de alferes, segundo as disposições d'este artigo, os sargentos ajudantes e primeiros sargentos deverão ter pelo menos cinco annos de effectivo serviço, a contar da data da promoção ao posto de primeiro sargento, salvo por effeito de distincção em campo de batalha.
Art. 8.° Os alferes ajudantes de praça e alferes almoxarifes de engenheria e artilheria, constituindo uma só classe em cada arma, serão promovidos ao posto immediato, por ordem de antiguidade relativa e nos limites do quadro, quando tenham, pelo menos, quatro annos de serviço effectivo n'aquelle posto.
Art. 9.° Os tenentes ajudantes de praças, o tenentes almoxarifes de engenheria e artilheria, constituindo igualmente uma só classe em cada arma, serão promovidos ao posto de capitão no referido quadro, a par dos officiaes de correspondente graduação das armas do que procederam, quando haja vacatura e tenham pelo menos seis annos de serviço effectivo no posto anterior.
Art. 10.° Quando, em virtude do disposto nos dois artigos anteriores não possa ser preenchida alguma vacatura que occorra nos postos de tenente ou capitão, completar-se-ha o numero total de officiaes do grupo respectivo, promovendo ao posto de alferes e sargento ajudante ou primeiro sargento a quem na conformidade do artigo 7.° competir o accesso.
Art. 11.° Para os logares de majores de praça serão nomeados de preferencia os officiaes superiores de artilheria não habilitados com o respectivo curso de estudos e na sua falta deverão ser promovidos os capitães do quadro estabelecido no artigo 5.°, quando lhes pertença o posto de major a par dos officiaes de correspondente graduação das armas de que procederam.
§ unico. Para serem promovidos ao posto de major, segundo as disposições d'este artigo, os capitães ajudantes de praça e capitães almoxarifes de engenheria e artilheria deverão ter pelo menos oito annos de serviço effectivo no posto de capitão e dois de exercicio nas praças de guerra de 1.ª classe, e satisfazer ás provas de aptidão militar que forem exigidas em um regulamento especial.
Art. 12.° Tem preferencia para a promoção ao posto immediato o capitão ajudante de praça ou capitão almoxarife de engenheria ou artilheria que primeiro satisfaça a todas as condições exigidas no artigo anterior.
Art. 13.° Os almoxarifes de engenheria e artilheria alternarão com os ajudantes de praça do grupo respectivo, de fórma a terem completado o tempo de exercicio exigido no § unico do artigo 11.°, quando devam ser promovidos ao posto de major.
Art. 14.° Para as vacaturas de majores de praça que não possam ser preenchidas pelos capitães ajudantes de praça ou capitães almoxarifes de engenheria ou artilheria por falta das condições exigidas no artigo 11.°, serão nomeados officiaes superiores de correspondente graduação da arma de infanteria, até que haja capitães nas referidas circumstancias.
Art. 15.° Os majores de praça serão promovidos no mesmo exercicio ao posto de tenente coronel, a par dos officiaes de correspondente graduação das armas de que procederam, e nos limites do quadro estabelecido quando tenham, pelo menos, dois annos do serviço n'aquelle posto.
Art. 16.° Os officiaes comprehendidos no quadro fixado pelo artigo 5.° gosarão dos direitos e vantagens que competem aos officiaes da mesma graduação das differentes armas do exercito.
Art. 17.° Para o effeito dos artigos 1.°, 2.° e 3.° da presente lei, será o quadro da arma de aríilheria augmentado com dois coroneis, dois tenentes coroneis e dois majores, e o da arma de engenheria com dois majores.
Art. 18.° Os actuaes coroneis tenentes governadores ficarão adendos ao quadro das praças emquanto não tive-

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rem outro destino, podendo o seu serviço ser aproveitado no governo das praças de 2.ª classe.
Art. 19.° Os officiaes do estado maior de artilheria, commandantes de material nas praças de guerra de 1.ª classe, terão sob as suas ordens um almoxarife da mesma arma para os coadjuvar n'esse serviço.
Art. 20.° São d'este modo alterados os artigos 132.° a 135.° e 140.° a 142.° do decreto de reorganisação do exercito de 30 de outubro de 1884.

Art. 21.° Fica revogada a legislação em contrario. = Luciano Cordeiro.

Promoção no quadro de praças

[Ver quadro na imagem]

Foi admitido e enviado ás commissões de guerra e fazenda.

REPRESENTAÇÃO

Dos guardas da fiscalisação das alfandegas, pedindo que na reforma da guarda fiscal sejam introduzidas algumas disposições transitorias, que lhes garantam os seus direitos adquiridos.
Apresentada pelo sr. deputado Antonio Ennes, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Angelo Joaquim José da Silva, furriel da 6.ª companhia de reformados, pedindo para a sua classe vencimento igual ao da effectividade de serviço.
Apresentado pelo sr. deputado Antonio Centeno, enviado às commissões de guerra e de fazenda, e mandado publicar no Diario do governo.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Declaro que tenho faltado ás sessões por motivo justificado. = E. Pinto Basto.

O sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos srs. deputados que a pediram, tenho a participar á camara que a grande deputação encarregada de apresentar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa desempenhou-se da sua missão, sendo recebida pelo mesmo augusto senhor com a costumada benevolencia.
O sr. Antonio Centeno: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento assignado por Angelo Joaquim José da Silva, furriel da 6.ª companhia de reformados, no qual, expondo as más circumstancias em que se encontra, pede melhoria de reforma.
Oppondo me eu sempre a tudo quanto representa augmento de despeza, não tenho duvida em apresentar este requerimento e chamar para elle a attenção da camara e do sr. ministro da guerra.
Desde o momento em que se decretam pomposas commissões de serviço publico, e de anno para anno se augmenta a verba destinada ás classes inactivas, parece-me que d ove ser attendida esta classe que, sendo composta de servidores obscuros, são todavia dedicados servidores do estado, e que vivem na triste situação de quasi não terem pão para comer.
Concluindo, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se onsente que este requerimento seja publicado no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Luiz José Dias: - Desejava chamar a attenção do governo, e especialmente do sr. ministro da fazenda, para factos de muita importancia e gravidade, que provam e justificam a negação do inquerito e a repugnancia que s. exa. tem ao parlamento, mas, segundo me consta, s. exa. ainda não regressou de Canecas onde está preparando esse elixir de longa vida, com que pretende valer ao estado angustioso da fazenda publica, e assim continua s. exa. systematicamente e por calculo a favorecer nos com a sua ausência e a brilhar pela falta de comparecimento.

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Ha quinze dias que pedi a palavra para me dirigir ao sr. ministro do reino, porque tinha de tratar de um assumpto importante, e que se refere ao levantamento do cordão sanitario, que, como contra regra e contra prova do relatorio do sr. ministro da fazenda a respeito do estado da fazenda publica, das boas e sinceras disposições com que se propõe a matar o deficit, é realmente um specimen, que devemos apresentar á consideração do publico e d'esta illustrada assembléa.
O sr. ministro da fazenda diz por um lado que são angustiosas as circumstancias do thesouro, e que, por isso, precisa de mais impostos, e eu affirmo por minha parte que o facto de existir ainda estabelecido o cordão sanitario em alguns pontos do paiz, acompanhado com a circumstancia gravissima de se gastarem rios de dinheiro com o pessoal ali empregado, tem concorrido bastante para o aggravamento das despezas publicas, e, por isso, a sua continuação e permanencia exige ainda maior aggravamento nas propostas de fazenda.
E a tal respeito hei de provar a esta assembléa, logo que me sejam remettidos os documentos já pedidos, que as despezas feitas com esse cordão nem todas tiveram por fim livrar-nos da invasão do cholera, mas sim beneficiar certos e determinados individuos. (Apoiados.)
Tambem affirmo a v. exa. e á camara que conheço factos e possuo documentos com que posso provar que o governo não tinha tanto a peito a salubridade publica, como parecia querer inculcar, por isso que lhe foram apresentadas algumas representações com queixas amargas, relativamente a certos factos que prendem com a saude publica, e o governo não deu providencias algumas, não tomou as medidas que os povos urgentemente reclamavam por meio das respectivas camaras municipaes.
Quando se analysar o relatorio que deve preceder as tisanas ou propostas de fazenda, que o sr. ministro tenciona apresentar á camara, eu apresentarei então os taes factos e documentos que justificam as minhas asserções.
Uma voz: - Não são tisanas, são causticos.
O Orador: - Estavam para ser causticos, mas a mudança das cousas, segundo é voz publica, fez transformar esses causticos em tisanas; o governo muda de opinião e de idéa, logo que alguem falla. (Apoiados.)
Mas, causticos ou tisanas, adstringentes ou emolientes, não devem fazer-se esperar.
Ha factos tambem gravissimos, para os quaes eu desejo chamar a attenção de sr. ministro da fazenda; não os relato, nem discuto, na sua ausencia, e, por isso, desejava que v. exa. se dignasse mandal-o prevenir e o sr. ministro do reino, a fim de que eu possa cumprir o meu dever e liquidar as responsabilidades do governo, achando-se presentes os srs. ministros, a quem esses factos dizem respeito.
Em presença de tão lastimoso estado financeiro, nós precisâmos de adoptar medidas promptas e efficazes, que curem ou attenuem o mal, tanto quanto seja possivel, e sobretudo é indispensavel sabermos se o sr. ministro da fazenda está sincera e lealmente compenetrado da gravidade do momento, e possuido do desejo efficaz de melhorar as precarias condições do thesouro, ou se apenas o incommoda a falta de meios para poder continuar a fazer aposentações, alargar quadros e despachar amigos e dar grossas gratificações aos protegidos.
Tudo isto precisâmos nós saber da boca do sr. ministro da fazenda, a fim de que a opinião publica se convença da necessidade ou não necessidade de novos sacrificios tributarios.
Certas aposentações forçadas, determinadas gratificações infundadas, e sobretudo a suspensão de algumas verbas de receita importantes, e ainda muitos outros factos, inclinam o meu espirito a acreditar que o governo não está animado do desejo sincero de desaffogar o estado da fazenda publica.
E tanto assim, que, por meio de uma portaria surda, emanada do ministerio do reino e dirigida ao governador civil do Lisboa, se suspende a cobrança das verbas provenientes das licenças para se conservarem abertos de noite os estabelecimentos da capital, e só nisto se prejudica o thesouro na importante somma de 100:000$000 réis, e isto é tanto mais injusto e assombroso, quanto é certo que depois das leis de 1881 e 1880, relativas ao sêllo e regulamentos annexos, essa portaria é uma verdadeira arbitrariedade, é uma violação flagrante da lei e uma injustiça relativa.
E o que se dá pelo ministerio do reino a este respeito está acontecendo pelo da fazenda com relação ao imposto lançado sobre as loterias estrangeiras. O sr. ministro da fazenda, por uma medida indirecta, suspendeu esse imposto. Isto, sr. presidente, é a inversão de todos os principies, é o transtorno de todas as relações constitucionaes dos poderes do estado, é o mero arbitrio arvorado em regras de administração e de governo. (Apoiados.)
É por isso que nós reclamâmos a presença dos srs. ministros, é por isso que eu desejo dirigir-me ao sr. ministro da fazenda, porque desejo que s. exa. me esclareça sobre todos estes assumptos, e alem disso pretendo que me dê esclarecimentos sobre a conducta e o processo instaurado contra alguns empregados fiscaes, taes como um celebro Jacinto Nunes Correia, que falsificou alguns recibos respeitantes aos emolumentos da alfandega, desviando algum dinheiro e recebendo como castigo uma commissão no exterminio da herva santa, com a gratificação de 2$000 réis por dia.
Com relação a estes e a muitos outros negocios precisa a opposição de esclarecimentos da parte do governo, porque a aclaração d'estes mysterios póde ser uma nota explicativa dos relatorios das propostas de fazenda, habilitando o paiz a conhecer bem qual o fim para que o governo lhe pede mais dinheiro. (Muitos apoiados.)
E é quando ha graves apprehensões na opinião publica, quando a opposição e a imprensa se queixa das arbitrariedades, dos abusos e illegalidades praticados pelo governo, que este se recusa a mandar documentos, a comparecer no parlamento e a admittir inqueritos com relação aos seus actos.
É assim que se mostra ao paiz a tranquillidado e a pureza da consciencia. (Muitos apoiados.)
A lei de 10 de agosto ordena aos ministerios que remettam para a camara, dentro dos primeiros quinze dias da sua constituição, o mappa dos contratos excedentes a réis 500$000; até hoje ainda não vi cumprida a lei n'esta parte e muito é para admirar que o sr. ministro da fazenda não tenha cumprido este salutar preceito ao menos em relação ás obras da alfândega, visto terem-se levantado na imprensa e no publico duvidas graves a respeito da legalidade o bondade do contrato respectivo.
S. exa. tinha obrigação de mandar o mappa d'esse contrato; não o fez talvez porque não quiz e n'isso imitou o exemplo do seu illustre mestre e prezado chefe.
Para este governo as leis, os decretos e regulamentos são letra morta, ou antes transgridem-se, desprezam-se e calcam-se aos pés, quando se trata de negar justiça aos adversarios, mas se o caso é de arranjo e um amigo, parente ou afilhado falla, inventa-se tudo isso e em ultimo logar appella-se para o precedente. (Apoiados.)
N'uma palavra, o procedimento tortuoso do governo nem merece as honras de um commentario; porque ha factos que basta relatal-os para levarem já impresso o estigma da reprovação geral. Como o governo não está presente, limito-me n'estas considerações simples, e fico hoje por aqui.
De novo lembro a v. exa. o meu pedido, para que sejam prevenidos por emquanto os dois srs. ministros, de que pretendo interrogal-os sobre alguns negócios pendentes das suas pastas.
Vozes: - Muito bem.

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O sr. Presidente: - Eu posso affirmar a v. exa. que o sr. ministro da fazenda me fez constar que comparecia hoje na sessão.
O sr. Luiz José Dias: - Então peço a v. exa. se digne reservar-me a palavra para essa occasião.
O sr. Ferreira de Almeida: - Peço a v. exa. me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da marinha.
O sr. Simões Dias: - Pedi a palavra para fazer algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, mas, como s. exa. não está na sala, peço a v. exa. me reserve a palavra para quando s. exa. chegar.
O sr. Gonçalves de Freitas: - Mando para a mesa um projecto de lei.
Peço a v. exa. se digne dar-lhe o devido destino com brevidade, porque o assumpto é de grave importancia.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Frederico Arouca: - Pedi a palavra para declarar a v. exa. que, pelo facto de não ter hontem comparecido á sessão, só hoje tive aviso de que fazia parte da commissão hontem nomeada para ír ao paço levar a Sua Magestade a resposta ao discurso da corôa, e, por isso, não me pude aggregar a ella.
Visto estar com a palavra, pedia a v. exa. se dignasse dizer-me se já estão sobre a mesa os documentos que pedi, pelo ministerio das obras publicas.
O sr. Presidente: - Ainda não vieram.
O Orador: - Pedia a v. exa. se dignasse instar pela remessa d'esses documentos, que dizem respeito a um assumpto grave, e de que eu não largarei mão.
O sr. Santos Viegas: - Mando para a mesa uma proposta de renovação de iniciativa do projecto de lei n.° 38-C.
Peço a v. exa. só digne dar lhe o devido destino.
Desejava tambem chamar a attenção do sr. ministro da fazenda para um assumpto de bastante gravidade; refere-se elle a um projecto de lei que o anno passado tive a honra de o apresentar ao parlamento.
Visto s. exa. não estar presente, e como tenho que fazer sobre este projecto algumas considerações que julgo necessarias, reservo-me para occasião opportuna.
Desejava igualmente ouvir o sr. ministro da justiça, que naturalmente ha de comparecer n'esta sessão, e por isso peço a v. exa. me reserve a palavra para quando elle chegar.
O sr. Ennes: - Mando para a mesa uma representação dos guardas da fiscalisação externa, pedindo que na reforma da guarda fiscal se inclua, nas disposições transitorias, alguma providencia que lhes garanta os direitos adquiridos.
Comquanto esta camara tenha já tratado d'este assumpto, creio que está representação poderá ser attendida, por isso que nunca é tarde para se repararem injustiças e attender direitos offendidos. (Apoiados.)
Peço a v. exa. que consulte a camara, se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Elvino de Brito: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de informar-me se já vieram os documentos que mais de uma vez tenho pedido pelo ministerio da marinha e ultramar e pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria.
O sr. Secretario (Souto Rodrigues): - Os documentos a que o illustre deputado se refere, tanto pelo ministerio das obras publicas, como pelo ministerio da marinha, ainda não foram enviados a esta camara.
O Orador: - Então n'esse caso pedia a v. exa. que tivesse a bondade de renovar o meu pedido, no sentido de que, não só me sejam enviados os documentos que pedi na actual sessão legislativa, como aquelles que pedi na sessão legislativa anterior, e que me não foram enviados.
Aproveito a ocasião para pedir a v. exa. que tenha a bondade de inscrever-me para quando esteja presente qualquer dos srs. ministros.
O sr. Pereira Leite: - Mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes. Peço a v. exa. que consulte a camara, se dispensa o regimento a fim de que este parecer entre desde já em discussão.
Assim se resolveu.
Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de verificação de poderes foram presentes os officios da presidencia da camara dos dignos pares do reino, participando haverem tomado assento n'aquella casa do parlamento, na qualidade de pares electivos, os srs. deputados Julio Marques de Vilhena, eleito pelo circulo n.° 89 (Beja); Pedro Roberto Dias da Silva, eleito pelo circulo n.° 99 (Angra do Heroísmo), e Joaquim José Coelho de Carvalho, eleito pelo circulo de Mapuçá (2.°), e havendo verificado que os dois primeiros senhores, tendo sido eleitos em circulos plurinominaes, são representantes da maioria, e o terceiro é representante de um circulo uninominal, é de parecer que sejam declarados vagos os lugares de deputados pelos respectivos circulos n.ºs 89, 99 e Mapuçá (2.°).
Sala da commissão, em 6 de fevereiro de 1886.= Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre = Frederico Arouca = Firmino João Lopes = Moraes Machado = Pereira Leite, relator.

O sr. Lencastre: - Não sou relator d'este parecer, mas como tenho a honra de ser presidente da commissão de verificação do poderes, a minha assignatura figura n'elle e não serei eu que me levante pura o impugnar, antes polo contrario direi que a commissão cumpriu fielmente as disposições dos artigos 111.° e 112.° e seus paragraphos do decreto eleitoral de 30 de outubro de 1852, que preceitua: «que quando se dê qualquer vaga, haja um parecer de commissão em que se declarem os motivos que deram logar a essa vaga». Como porém entre os circulos vagos a que se refere esse parecer, ha um, que é Mapuçá, e a que é applicavel o artigo 113.° do mesmo decreto, faço um requerimento n'esse sentido, o qual vou mandar para a mesa.
(Leu.)
O circulo de Mapuçá era representado pelo sr. D. Luiz Maria da Camara.
Pela eleição subsequente, esse circulo ficou representado pelo sr. Coelho de Carvalho; mas este cavalheiro acaba de tomar assento na camara dos pares, portanto deve ser chamado, em harmonia com a lei, o sr. D. Luiz da Camara.
Requeiro, pois, a v. exa. que, depois do approvado este parecer, consulte a camara sobre se concorda em que se cumpra aquella disposição expressa da lei.
A commissão não deu parecer sobre este assumpto porque o regimento a isso não a obriga.
O regimento só diz que a commissão dará parecer sobre as vagas; por isso eu faço este requerimento, que mando para a mesa, e a que v. exa. dará o devido andamento.
Foi logo approvado o parecer.
Leu-se na mesa o seguinte requerimento do sr. Luiz da Lencastre.

Requerimento

Requeiro que, em harmonia com o artigo 113.° da lei eleitoral de 30 de setembro de 1852, seja chamado a tomar assento na camara o sr. D. Luiz da Camara, que representava o circulo de Mapuçá. = Luiz de Lencastre.

O sr. Presidente: - A mesa tem duvida em acceitar como requerimento a indicação feita pelo sr. Luiz de Lencastre.
Parece á mesa que esse requerimento é uma verdadeira proposta, e como tal deve ficar na mesa para ter segunda

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leitura, e depois ser enviada á commissão de verificação de poderes.
O sr. Luiz de Lencastre: - Visto haver duvidas da parte da meia, v. exa. consulta a camara, e conforme a resolução d'esta, v. exa. dará o andamento devido ao meu requerimento.
O sr. Presidente: - A mesa entende que é uma proposta e não um requerimento.
O sr. Luiz de Lencastre: - Mas eu appello da decisão de v. exa. para a camara.
O sr. Presidente: - Vou consultar a camara.
Consultada a camara, resolveu que o requerimento apresentado pelo sr. Luiz de Lencastre fosse considerado como proposta para ter segunda leitura, e seguirem-se os mais termos do regimento.
O sr. Luiz de Lencastre: - Agora roqueiro a urgencia da minha proposta, visto que assim foi considerada pela camara.
Foi approvada a urgencia, e remettida a proposta á commissão de verificação de poderes.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 5

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Francisco Beirão para continuar o seu discurso.
O sr. Francisco Beirão: - Tendo tido hontem a infelicidade de me caber a palavra, quasi no fim da sessão, não tive tempo, para mais, do que para me referir ao relatorio com que o sr. ministro da justiça prefaciou a sua proposta de lei, e por isso, apenas, me foi possivel lamentar que o governo não tivesse querido, ou podido, indicar, ou propor, ao parlamento, as providencias necessarias para extinguir de vez, prompta e radicalmente, este verdadeiro mal social, que se chama a cadeia do Limoeiro.
Pretendi mostrar, hontem, que o governo tinha na lei as faculdades precisas para ter já acabado com aquella cadeia, mas que, apesar d'isso, nada se tem feito n'este sentido. Não repetirei o que, hontem, expuz a tal respeito, entrarei, desde já, na ordem de considerações que, segundo o plano que me impuz, se devia seguir ao que deixei dito.
O sr. ministro da justiça veiu allegar, que, não podendo já de prompto acabar com aquella prisão, pretendia adoptar uma serie de providencias tendentes a esse fim, sendo a primeira d'ellas a constante do projecto que se discute.
Este pensamento é altamente sympathico, e, creia o illustre ministro, que, em todas as providencias rascaveis e exequiveis que quizer tomar para expurgar a sociedade portugueza, aquelle mal, sempre ha de encontrar-me a seu lado, assim como, creio, toda a opposição d'esta camara.
É, porém, necessario que a despeito das sympathias que desperta um tal pensamento, que por isso cala no espirito de todos, e é eminentemente popular, aquelles que têem o direito e ainda mais o dever de dizer a verdade ao paiz, tomem sobre si a responsabilidade de discutir, e do contrariar, qualquer projecto que se proponha realisal-o, quando entendam que elle não satisfaz, de modo algum, ao intuito, aliás generoso, que o inspirou.
Ora este projecto, acha-se, infelizmente, n'esse caso 5 o eu por isso entendo exercer um direito e cumprir um dever, combatendo-o.
Sei perfeitamente que a primeira impressão causada no publico pela apresentação deste projecto, foi extremamente favoravel á sua approvação; sem embargo d'isso, porém, a mim, no cumprimento do meu dever de representante do paiz, corre-me a obrigação de mostrar que este projecto, examinado como o deve ser, não satisfaz, de modo algum, ás idéas, aliás generosas, do illustre ministro da justiça, não correspondendo, por isso, ao favor com que foi, de principio recebido, e que havia, em vez d'elle, um outro meio facil, pratico, e exequivel de começar a desaccumular a população do Limoeiro.
Demonstrar, ou, pelo menos, pretender demonstrar, estas duas proposições quanto em mim couber, eis o que me proponho fazer hoje, o mais breve, e claramente, que possivel me for.
Eu podia dispensar-me de fazer a demonstração da minha primeira proposição; o meu illustre correligionario e amigo o sr. Eduardo José Coelho mostrou hontem, com a linguagem dos algarismos, e nos termos precisos da arithmetica, que, cumprindo-se, como se devem cumprir, as leis do paiz, e os decretos, publicados pelo governo, na cadeia penitenciaria central de Lisboa, não póde haver cellas disponiveis para n'ellas se recolherem os presos do Limoeiro, que, pelo presente projecto, para ali se pretende remover.
Mas o illustre relator da commissão, respondendo ao meu illustre correligionario n'esta parte, não destruiu a argumentação do orador que o precedêra, nem demonstrou a proposição contraria, e por isso vejo-me obrigado a referir-me, ainda que resumidamente, áquillo que o meu collega hontem disse, não para tornar mais clara a argumentação de s. exa., pois que isso ser-me-ía impossivel, mas para ver se, reproduzindo-a e insistindo n'ella, o illustre ministro, ou qualquer dos membros da commissão respectiva, que me faça a honra de me responder, trate de fazer desapparecer, do meu espirito, as duvidas que tenho a este respeito.
A lei de 1 de julho de 1867 introduziu em Portugal o systema penitenciario, estabelecendo, como base, d'elle a prisão com separação individual.
Não é occasião, agora, de expor qualquer opinião a respeito do systema penitenciario, e da sua efficacia. Pela minha parte, tive, em tempo, ensejo de expor, n'uma memoria que corre impressa, e perante uma associação respeitavel da capital, as minhas idéas a tal respeito, e comquanto já sejam decorridos depois d'isso bastantes annos, e eu tenha tido occasião de ver funccionar o systema penitenciario, e haja continuado a interessar-me por esta ordem de estudos, não tenho tido motivo para mudar de parecer.
Mantenho ainda e mesma opinião que expendi n'aquelle trabalho. Sou, qual era, completamente favoravel ao systema penitenciario, tal como foi, fundamentalmente, estabelecido pela lei de 1 de julho de 1867. Entendo, porém, ainda hoje, como então, que a prisão cellular com separação individual, não constitue todo o systema penitenciario, mas só uma parte d'elle, e que para resolver o problema, não bastam as cadeias penitenciarias, mas é mister acompanhal-as de outras instituições, que entre nós faltam, e que são concomitantes ou complementares da pena de prisão, e taes são, entre outras, a detenção supplementar, a libertação provisoria, os tickets of leave, como existem na legislação ingleza, as colonias penaes, e sobretudo as associações particulares, até certo ponto iniciadas e protegidas pelo governo, que tratam de proteger e dar trabalho ou collocação a todos os presos, depois de terem cumprido as penas da reclusão, fazendo, como que, a sua reapresentação na sociedade de que haviam sido expulsos.
Tudo isto ainda falta entre nós, repito, e é bem que todos os governos se compenetrem ser, de primeira e inadiavel necessidade, resolver este problema.
Segundo a lei de 1 de julho do 1867, a pena de prisão tem tres graus: o primeiro é o de prisão maior cellular; isto é, aquella que excede o praso de dois annos, cumpre-se com absoluta e completa separação de dia e de noite entre os condemnados, sem communicação de especie alguma entre elles.
E separação diz a lei, e não isolamento, pois que os systemas são differentes, e eu, se sou por aquelle, por isso me revolto contra este.
N'este grau de pena de prisão, o trabalho é obrigatorio, na cella, para os presos, que não forem completamente declarados incapazes de trabalhar, em attenção á sua idade, ou estado de doença, os réus, têem todas as necessarias e devidas communicações; com os empregados da cadeia,

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e, poderão, alem d'isso, ser visitados por seus parentes e amigos, membros das associações, e outras pessoas dedicadas á sua instrucção e moralização, sempre, porém, de modo, e com taes cautelas e restricções, que essas visitas concorram para apressar e consolidar a sua reforma moral, e nunca para mais os corromper, tudo na forma dos respectivos regulamentos. A visita de pessoas, que não sejam os empregados de cada um das prisões, ou de pessoas encarregadas da instrucção o moralisação dos condemnados, só é permittida, como excepção, e principalmente, como premio do bom comportamento dos presos.
Esta é, repito, a pena de prisão maior cellular.
O segundo grau, que é a pena de prisão, que chamaremos correccional, divide-se ainda em dois sub graus; uma a pena de prisão superior a tres mezes, e inferior a dois annos, e outra a prisão por tempo, não excedente a um trimestre.
O condemnado, definitivamente, á pena na prisão correccional, é encarcerado em quarto ou cella com separação, absoluta e completa, de quaesquer outros presos, o trabalho não é obrigatório, e as visitas de parentes o amigos, são auctorisadas, como regra, e só podem ser supprimidas, em castigo de mau comportamento, do preso na cadeia, ou por outro justo fundamento.
Já vê a camara qual é a distincção entre os tres graus de prisão cellular estabelecida pela lei de 1 de julho de 1867. Em harmonia com este systema a lei creou tres ordens de prisões. As penitenciarias geraes como a de Lisboa e como devem ser as duas no districto da relação do Porto, uma para homens, outra para mulheres, em que os réus têem de cumprir a pena de prisão maior cellular: as prisões districtaes, das quaes, uma em cada districto do reino e ilhas adjacentes, em que tem de se cumprir a pena de prisão correcional por mais de tres mezes, e as prisões comarcas, uma em cada cabeça de comarca, em que tem de ser cumprida a prisão correccional até tres mezes.
A penitenciaria geral de Lisboa é destinada, pela lei que a creou, pela traça que presidiu á sua construcção, ao cumprimento, não da pena de prisão correccional, mas da pena de prisão maior cellular. (Apoiados.)
Se o systema de prisão cellular estabelecido na lei de 1867, fosse posto, de vez, em inteira execução, isto é, se se houvessem construido, ao mesmo tempo, e, se por isso, se tivessem podido abrir, simultaneamente, todas as cadeias penitenciarias, o que havia a fazer era mais simples: distribuir, os condemnados, em tres categorias, mandando-se cumprir a pena, a uns, nas prisões geraes de Lisboa e Porto, a outros nas prisões districtaes, e aos restantes, finalmente, nas cadeias comarcas.
Mas não aconteceu isto, antes se creou uma situação, em verdade, difficil, por se haver aberto, e achar-se funccionando, uma só cadeia penitenciaria, a central de Lisboa. Mau fado parece ter perseguido a resolução do problema penal entre nós! Estamos a braços com as maiores difficuldades, vendo levantar-se todos os dias, e por todos as fórmas, - no fôro, na administração, no governo e no parlamento, os mais graves problemas da penalidade, sem que seja possivel dar-lhe uma solução, que não seja, mais, ou menos, empyrica. (Apoiados.)
N'um paiz, medianamente, adiantado, em assumptos penaes, não se comprehenderia como um juiz póde condemnar, não a uma certa e determinada pena, o que deve ser o principio dominante de toda a penalidade, mas que se esteja condemnando na alternativa, applicando a pena por virtude de uma escolha, arbitrariamente, feita em diversas leis que se contradizem e se revogam umas ás outras. (Apoiados.) Havia, pois, réus condemnados á prisão cellular, sem haver prisões especiaes onde podessem ir cumprir a pena! E, em vez de se abrirem, ao mesmo tempo, as cadeias necessarias, para serem n'ellas recolhidos esses criminosos, e os outros, que d'ahi em diante, fossem condemnados a tal pena, abriu se uma só penitenciaria: a de Lisboa! N'estas circumstancias é evidente que esta não tem capacidade para receber uns e outros. Quaes criminosos devem assim entrar n'ella? questão grave; e de cuja solução pratica pende ainda hoje a approvação ou a rejeição deste projecto.
O governo, representado por um dos antecessores do actual sr. ministro da justiça, trouxe ao parlamento um projecto de lei em que o poder legislativo era chamado a determinar quaes os condemnados deviam, provisoriamente, entrar na cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa.
Longe de mim levantar, n'este momento, uma questão politica, o que está completamente fóra do meu espirito; mas parece-me que esse ministro da justiça, apresentando esta proposta, reconhecêra a competencia ou, pelo menos, preveníra a jurisdicção do poder legislativo em tal assumpto, e tanto que elle mesmo confessa no respectivo relatorio que julgava, conveniente aos interesses publicos e mais conforme com os principios liberaes submetter á apreciação do parlamento as disposições que deviam ser adoptadas para regular a applicação d'aquelle estabelecimento no periodo transitorio em que o regimen cellular é executado parcialmente.
Infelizmente, porém, essa proposta de lei não chegou a ser discutida e approvada; e o sr. ministro entendeu, que estava nas attribuições do poder executivo, o substituil-a, por um simples decreto, e é o que hoje vigora, e que resolveu aquelle problema.
Ficou determinado que n'esse diploma, que tem a data de 20 de novembro de 1884, cumprissem na cadeia geral da relação de Lisboa as penas do systema penitenciario e não as de alternativa como aquellas lhes tivessem sido impostas, os seguintes réus do sexo masculino: primeiro, os condemnados nas penas fixas ou na alternativa ali determinados.
E com rasão, tendo sido abolidas as penas perpetuas, não devia continuar um unico preso a expiar uma pena extincta, devendo por isso impor-se-lhe a outra alternativa, a prisão maior cellular.
É portanto claro que os primeiros presos que ali deviam, ter dado entrada eram os condemnados a penas perpetuas.
Ora quantos são esses?
Devo declarar que em todos os algarismos a que me vou referir faço obra pelas estatisticas da administração de justiça criminal no paiz, publicadas com respeito aos annos de 1878 e 1879 pelo digno presidente d'esta camara, e ao relatorio com que o sr. Lopo Vaz, quando ministro da justiça, acompanhou as nuas propostas de reforma penal de 1884.
Anda muito proximo de 46 o numero dos condemnados annualmente a penas perpetuas, e estes deviam ser os primeiros a entrarem na penitenciaria.
Depois d'ali estarem estes, quaes haviam de ser os que em seguida deviam ali ser encarcerados?
Discutiu-se muito se deviam entrar aquelles que tinham penas mais leves, por estarem mais nas circumstancias de se morigerarem com a applicação do systema penitenciario, ou os que estivessem expiando penas mais graves, que são os mais culpados e, por isso, aquelles que principalmente provocam no Limoeiro as transgressões e commettem os crimes que o sr. ministro accusa no seu relatorio.
O antecessor do actual sr. ministro da justiça decretou que dessem, em seguida, entrada, na penitenciaria os condemnados em pena maior de prisão cellular e ainda outros ali mencionados.
Foi este o systema do decreto de 1884, e este é ainda o seguido pelo sr. ministro da justiça, e tanto que s. exa. diz terminantemente no primeiro dos artigos do seu projecto o seguinte:
«Emquanto houver espaço disponivel, sem restringir a admissão de réus para cumprimento das penas de prisão cellular, etc.»

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Por consequencia, depois dos condemnados ás antigas penas perpetuas, os presos que deviam entrar na cadeia geral penitenciaria do districto administrativo de Lisboa, tanto segundo o decreto de 1884, como por este projecto, são os condemnados em penas de prisão maior cellular.
Mas, sr. presidente, quantos serão por anno os condemnados em taes penas? Esta é a chave da questão.
Quantos são estes criminosos?
Dizem as estatisticas de administração de justiça criminal, a que me tenho referido, que em 1878 foram condemnados 339 réus, e em 1879, 312, a penas maiores o que nos daria uma media de 325 annualmente.
Mas quero fazer uma correcção n'estes numeros. Abato d'esta media o algarismo que nos representa os condemnados em penas perpetuas, a que já me referi era primeiro logar, e quero ainda diminuir da mesma media todos os condemnados a pena maior, mas a que não corresponde a prisão maior cellular, como é a de expulsão do reino, e a perda de direitos politicos, e até o degredo temporario.
A camara sabe que a pena de expulsão do reino, e da privação de direitos politicos, quasi nunca se applica, e por isso d'estas, a que tem mais importancia, é a do degredo temporario.
Digamos; pois, que a media, em logar de ser de 325, feitos todos os abatimentos, e acceitando para os condemnados a penas maiores uma base, ainda superior a que é calculada pelo sr. Lopo Vaz, que a computou em 260 é de 240, o que dá a media de 20 por mez.
Temos, portanto, por mez, 20 presos, condemnados, em pena maior, que têem de entrar na penitenciaria.
O tempo de prisão maior cellular póde variar, mas não é, em caso algum inferior, a dois annos.
Eu quero conceder ao governo, e aos que defendem o projecto a hypothese mais favoravel, a hypothese impossivel de que por anno nunca é condemnado réu algum a mais de dois annos de prisão maior cellular, e abstráhio de todos os outros.
Temos que a prisão maior cellular, tem de ser applicada a 20 condemnados por mez, ou a 240 por anno. E este numero tem de se considerar fixo ou invariavel comquanto a população seja inovei ou varia. Com effeito se é certo que no fim do vigésimo quarto mez têem de sair os 20 presos que entraram no primeiro, tambem não é menos certo que no principio do vigesimo terceiro mez têem de entrar, para o logar d'elles, outros 20.
Que capacidade tem a penitenciaria?
Seis alas com 536 cellas simples e mais 20 cellas duplas, sommam 556.
Se eu abater destas 556 cellas, 92 destinadas aos condemnados, em dois annos, às antigas penas perpetuas, e sem ainda fazer conta com os condemnados pelos tribunaes militares a prisão cellular, que tambem ali podem cumprir a pena, nos termos do mesmo decreto, quantas cellas nos ficam no fim do segundo anno? Absolutamente nenhuma. Com effeito 556 menos 92 ficam 464: e como os condemnados a penas maiores são 480, não resta cella alguma devoluto.
Eu estimarei muito que o illustre ministre ou o sr. relator destruam a verdade d'este calculo. Se elle não for exacto, sou o primeiro a votar este projecto. Sou o primeiro a votar o projecto se isto não é exactamente rigoroso.
As cellas são 556; as condemnações a pena de pelo menos, dois annos de prisão, andam por 240 annualmente, e portanto temos 480 cellas preenchidas, no fim de dois annos, restando só 56 cellas para os condemnados em penas perpetuas e para os presos militares!
Sinto muito ter de contrariar o modo pratico de executar um pensamento aliás sympathico; mas diante d'esta força de algarismos, eu acceito qualquer responsabilidade que me possa vir d'esta posição. Declaro que o systema do projecto é impraticavel e que o parlamento votando o, não vota cousa alguma que tenha significação pratica; mostra apenas um desejo platonico de desaccumular o Limoeiro.
Esta demonstração fel-a hontem o meu amigo e collega o sr. Eduardo José Coelho, e eu ainda não vi responder, por parte da commissão ou do governo, aos cálculos que elle apresentou.
Mas sou só eu que estou em erro? Não. O que eu sustento, sustenta-o tambem o sr. Lopo Vaz, que aliás, pensando tambem em fechar o Limoeiro, escreveu o seguinte no relatorio que precede o referido decreto.
(Leu.)
Demonstrou o tambem o sr. Barros e Sá num parecer em separado, da commissão respectiva da camara dos dignos pares, por occasião de se discutir ali o projecto de lei ácerca do pessoal da penitenciaria.
Allegará o sr. ministro não vir propôr mais do que um expediente provisorio. Mas, sr. presidente, não podendo em dezembro de 1886 haver devoluto uma cella da penitenciaria, hemos do confessar que este provisorio, é deveras... provisorio. E tanto mais assim ha de parecer se attendermos ao seguinte: os réus não entram todos, conjunctamente, no principio dos annos, mas antes vão entrando successivamente, e por assim dizer, diariamente. Supponhamos, como calculei, que entram 20 por mez. O governo poderia transferir para a penitenciaria os indiciados, e ainda assim, poucos, que podessem ter cellas vagas de agora até ao fim de dezembro. Mas como cada mez irão entrando novos réus, ver-se-ía forçado a tirar de lá aquelles successivamente.
Ora isto póde ser tudo, mas não é systema, nem até... provisorio.
Poderei errar, é possivel, mas erro na companhia dos srs. Barros e Sá e Lopo Vaz, que emittiram o seu voto, e não como simples particulares, mas um, como membro de uma commissão parlamentar, o outro como ministro da justiça.
Dir-me hão porém, que os calculos podem estar certos, mas como ha uma cousa mais certa que é a realidade dos factos, e que esta é haver na penitenciaria cinco alas, cujas cellas ainda estão desoccupadas, e que por isso n'estas se podem recolher os indiciados.
N'esse caso pergunto ao governo como é que se tem cumprido o decreto de 1884? Pois a penitenciaria está funccionando ha um anno, e ainda não está metade occupada? E os presos condemnados a pena maior cellular, que para lá deviam entrar, onde estuo? E, como os conservam, arbitrariamente, fóra da penitenciaria? Se isto assim é, então ou o governo merece censura por não ter executado o decreto como lhe cumpria, ou então tenho de felicitar o paiz, porque o seu estado de moralidade é tal que tem diminuido extraordinariamente a criminalidade a ponto de que a media dos annos de 1878 a 1879 já e exagerada, e não temos 240 condemnações por anno.
Estou fallando diante de pessoas que têem pratica do fôro, e pergunto lhes se é exagerado calcular que n'este paiz se condemnem 20 réus na pena de prisão maior cellular? Deixo a resposta á consciencia da camara.
Eu desejo acompanhar o illustre ministro na realisação das suas idéas generosas. Estou ao lado de s. exa. em tudo quanto seja, praticamente, possivel para desacumullar, ou melhor repito, desentulhar, o Limoeiro. E, por isso, visto não poder acceitar o projecto, apresentei a minha moção, que é uma substituição completa a elle, e que comprehende um systema pratico, equitativo, exequivel, liberal, por via do qual se desaccumula não só o Limoeiro, mas se rarea a população de todas as prisões do reino.
Ainda mais, aproveita-se a occasião de implantar no paiz uma reforma pela qual tem pugnado ministros da justiça, de diversas feições politicas.
Foi, para isso, que pedi a palavra, precisamente, na occasião em que o illustre relator do projecto, perguntava o que havia de mais pratico para se oppôr a este projecto.

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A resposta a essa pergunta é a minha moção que vou sustentar em duas palavras.
O que quer fazer o sr. ministro da justiça? Tirar do Limoeiro os que se acham sujeitos á prisão preventiva, isto é, aquelles estão accusados mas ainda não condemnados, e aquelles, que se acham condemnados por sentença ainda não transitada definitivamente em julgado. Em termos jurídicos-os indiciados, o que todos ainda podem ser absolvidos e julgados innocentes.
Eu tenho visto muitos e bons auctores combateram a separação individual para os presos condemnados; tenho visto negar a efficacia do systema penitenciario sobre estes; mas o que não tenho visto contestar é a necessidade da separação, com respeito aos indiciados. N'isto, todos estão de accordo.
A Inglaterra, que nos dá lições praticas de amor á liberdade, de execução das leis, e de protecção aos direitos individuaes, até dos proprios accusados, tem casas para a detenção preventiva, é verdade que para poucos casos, mas o accusado, ao entrar ahi, e ao ser encerrado n'uma cella separada, encontra um aviso, prevenindo-o de que o isolamento não é para elle uma aggravação de pena, mas uma precaução, que tem por fim, poupar-lhe companhias perigosas.
Em tudo, pois, quanto fosse remover os indiciados da cadeia do Limoeiro, d'aquelle inferno dantesco, como o illustre ministro muito bem a considerou, e em que viu desde a immundicie da mallebolgia até ao frio glacial da caina, eu estou e estarei a seu lado, e o acompanharei para, nos casos em que a prisão previa seja inevitavel, poupar os indiciados á vida commum com outros presos. e submeltel-os á separação individual.
Mas ha melhor ainda do que tirar os indiciados da cadeia do Limoeiro e mettel-os na penitenciaria; é pol-os em liberdade. (Apoiados.)
«Prisão preventiva» duas palavras que se repellem e duas idéas que se contrariam! (Apoiados.)
A prisão remedeia, mas não previne. (Apoiados.)
A prisão, ou é attentado contra a liberdade, ou é uma pena, e por isso, a prisão, se não é uma pena, é por força um attentado contra a liberdade. (Apoiados.)
E a prisão preventiva, multiplicada, prodigamente, applicada, indistinctamente, como está entre nós, é uma verdadeira barbaridade. (Apoiados.)
E não são simples deputados, sem a responsabilidade que impõe o cargo de ministro da justiça, que têem vindo apresentar projectos de lei, para se diminuir quanto, possivel, a prisão preventiva, e digo diminuir quanto possivel, porque infelizmente a sciencia humana e social ainda não achou um modo de acabar completamente com ella.
São os proprios ministros da justiça que têem vindo dizer quanto é exagerada a prisão preventiva, como é offensiva da liberdade dos cidadãos, quanto é preciso acabar com ella, e como, a póde diminuir sem perigo para as instituições criminaes.
Veiu em primeiro logar o meu illustre amigo, que é actualmente chefe do partido progressista.
Foi s. exa. o primeiro que veiu apresentar uma proposta de lei, para que se alargasse a concessão de fianças, e só permittisse a muitos réus o livrarem-se soltos.
Em seguida outro amigo meu, antigo membro d'esta camara, o sr. Alves da Fonseca, apresentou um projecto do lei, mais largo ainda, que não só chegou a ter parecer da commissão respectiva, mas foi approvado pela camara.
Ninguem impugnou esse projecto, porque apenas - se bem mo lembro - por occasião d'elle dever ser discutido, só se pediu que os mesmos principios tossem extensivos ás provincias ultramarinas.
E por ultimo veiu o sr. Julio de Vilhena trazer aqui a proposta, que é, exactamente, a que eu peço agora á camara que approve.
Não proponho que seja approvada a proposta do sr. Luciano de Castro, ou o projecto do sr. Alves da Fonseca porque não quero dar uma feição partidaria ao assumpto; proponho, á maioria regeneradora, que approve a proposta de lei do sr. Julio de Vilhena, ministro da justiça d'esta situação, proposta de lei, ácerca da qual, dizia o seu successor, o sr. Lopo Vaz, quando pretendia implantar no paiz um novo systema penal, o que eu vou ler á camara.
«Venho sabmetter á vossa approvação o conjuncto de medidas que reputo mais conveniente, na actualidade, para melhorar a administração da justiça penal; começarei por manifestar o desejo e a esperança de que empenheis toda a vossa solicitude em examinar e converter em lei a proposta sobre fianças devida á iniciativa do meu illustre antecessor e dedicado jurisconsulto o sr. conselheiro Julio de Vilhena.»
Devo aproveitar o ensejo de dizer que, qualquer que seja a minha opinião ácerca da reforma penal do sr. Lopo Vaz, e eu em tempo já disse n'esta camara, que lhe não era, em tudo favoravel, o ministro deu provas de um grande talento e de muitos conhecimentos em relação ao assumpto. (Apoiados.)
Começa s. exa. o seu relatorio da maneira que acabo de ler.
Continua depois, mostrando que aquelle pensamento, se não fôra justo devêra chamar-se generoso, e como a respectiva medida importava á regular administração da justiça criminal.
Ora, se nós temos um projecto, ou uma proposta de lei, a que estão ligadas as responsabilidades do todos os homens e de todos os partidos políticos d'este paiz, se esse projecto é pratico, se não traz encargos, se é facil de pôr em execução, se, a demais, consigna um principio pratico, justo e liberal, porque não havemos de approval-o? Não deixemos, pois, escapar a occasião, fugir o ensejo: alarguemos a concessão das fianças, e ámanhã já se desaccumulará o Limoeiro de grande quantidade de presos que lá estão (Apoiados.)
Não será isto facil e exequivel?
A camara imagina, acaso, os horrores da prisão preventiva?!
Nós começâmos, agora, os trabalhos estatisticos criminaes e alem de algumas notas dispersas, eu apenas possuo os volumes, publicados pelo illustrado presidente d'esta camara. Devo confessar que esse funccionario tem feito muito, é certo, mas nem por isso devo deixar de dizer que a estatistica ainda é incompleta. N'este ponto, por exemplo, esses trabalhos não nos mostram directamente, como cumpria, quantos indiciados presos ha no paiz.
Pelo Compte general de l'administration de la justice criminelle en Françe, respectiva ao anno de 1880, póde verse n'uma tabella especial qual o numero da individuos que foram submettidos á detenção preventiva, e qual o tempo por que esta durou.
Pelas nossas estatisticas, porém, não posso, por emquanto, mostrar, directamente, á camara quantos indiciados são recolhidos, annualmente, nas cadeias do reino, e em especial no Limoeiro, como não posso mostrar, directamente, também, com a eloquencia dos algarismos, quanto tempo durou essa detenção!
E, antes de continuar, note-se que o projecto do sr. ministro, se for approvado, não serve senão para desaccumular o Limoeiro: - mas que se pretende fazer á população das outras cadeias, por exemplo, á da relação do Porto? (Apoiados.) Nada se prevê a tal respeito!
Sabemos o que se está passando, agora mesmo, nas cadeias da relação do Porto, e como a pena de encerramento ali é cumprida, e, o que não importa menos, evitada!
Pois, sr. presidente, o projecto que proponho em substituição ao do governo, é mais largo, porque no dia, em que se augmentar a concessão das fianças, desaccumula-se a população, não só do Limoeiro, mas das outras cadeias, e inclusivamente a da relação do Porto. N'este ponto posso

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dizel-o affoito, a minha substituição é superior ao projecto.
Mas prosigamos na tentativa de apurar por inducção o numero dos individuos:
No anno de 1878 - diz-nos a estatistica já mencionada - Os crimes julgados foram 10:472. D'esse haviam sido commettidos n'esse anno 7:919, no anno anterior 1:990, e em epocha mais remota 563! Quer dizer, que a percentagem n'este anno para os crimes commettidos anteriormente anno é de 24 por cento, quasi a quarta parte!
A quarta parte dos crimes não são julgados no proprio em que foram commettidos!
O total dos crimes julgados em 1879, é de 9:267. - D'esses haviam sido commutados no anno 6:775, no anno anterior 2:066, e em epocha mais remota 426.
Em 1879 a percentagem é pois para os crimes não julgados no anno em que foram commettidos de 26 por cento; ainda superior!
Isto quanto ao numero de crimes julgados, quanto aos réus, só podemos saber o numero d'elles no anno de 1879, em que a estatistica traz essa informação. Foram julgados n'esse anno 12:497 réus, dos quaes 8:982 accusados do crimes commettidos no anno, 2:845 no anno anterior, 670 em epocha mais remota. Percentagem para estas duas ultimas classes de 28 por cento!
Quando se comparam estes algarismos com os da estatistica da administração criminal franceza, em que, por exemplo, se vê, que os numeros das causas julgadas nos cours d'assisse, contraditoriamente, depois do sexto mez de commettido o crime, são apenas de 695, tendo sido o numero total 3:258, é força confessar que alguma cousa temos a estudar no processo crime francez.
E alguma cousa ha tambem a apreciar na Estatistica de la administracion de justicia en lo criminal; durante o anno de 1884, publicada pelo respectivo ministerio, e cujo conhecimento acabo de dever ao favor de um amigo. Vejo ahi, por exemplo, que no anno de 1884 deram ingresso em todas as audiencias 4:245 causas de procedimento antigo, e 24:961 de procedimento vigente, as quaes sommadas com 3:071 d'aquellas e 5:735 d'estas, pendentes em 31 de dezembro de 1883, dão um total de 37:991, das quaes ficaram pendentes no fim do anno 11:849.
Já vê v. exa. que temos uma percentagem de quasi a quarta parte, dos presos que são julgados um anno depois. Isto é grave.
E quantos dos réus accusados são absolvidos?
V. exa. e a camara sabem perfeitamente que a estatistica dos diversos paizes mostra - como reconheceu o sr. Lopo Vaz no seu relatorio - que oscula, approximadamente, entre a quinta e a terça parte dos individuos julgados, o numero dos que são absolvidos. Compulsemos, ainda, as estatisticas.
Em 1879 e refiro-me a este anno, por no anterior não haver referencia a criminosos, e só a crimes, dos 12:497 réus foram absolvidos 4:367, d'estes 1:749 causas de crimes, não commettidos no anno do julgamento!
Ora muitos d'estes criminosos, senão todos, estiveram encarcerados todo o tempo que durou o processo! Prisão preventiva: pena para innocentes, ou, ao menos, absolvidos pelo poder competente!
O que aprendem nas nossas cadeias? Sabemol-o, em demasia: dil-o o illustre ministro da justiça no seu relatorio. E, todas as nossas cadeias, são outras tantas escolas praticas do vicio e do crime! E mais, quer a camara saber como os espiritos dos réus vão bem dispostos para a sementeira do mal?
Tive occasião do ver uma estatistica da procuradoria regia de Lisboa, respeitante ao anno de 1865. N'esse anno foram recolhidos no Limoeiro 1586, d'estes eram analphabetos 1:013, isto é, 63 por cento.
As estatisticas da administração da justiça criminal dos annos de 1878 e 1879, accusam, de 13:345 réus julgados n'aquelle anno, e de 12:497, julgados n'este, no primeiro 9:156 que não sabiam ler ou escrever, e no ultimo 8:469. Isto é 67 por cento!
Estes numeros são eloquentes. Quantos crimes teria evitado a instrucção n'aquelles individuos?
Mostram bem que um nosso poeta d'este seculo, apesar accego, tivera a previsão do genio quando escreveu: «Abrir uma escola é fechar uma cadeia». Em França, sr. presidente, de 1826 até 1880 a percentagem dos criminosos, para os analphabetos, desceu de 61 para 30 por cento.
Em 1826 a percentagem era de 61 porcento; hoje é de 30 por cento! E n'aquelle paiz ainda se pensa, e bem, que esta percentagem é enorme.
Em França, no anno de 1880, o numero de individuos submettidos a prisão preventiva, foi de 115:413; d'estes em 31 de novembro, havia ainda sem decisão sobre a sua sorte, apenas 2:072. A prisão preventiva durou mais de tres mezes, só para 904!
Onde fica o nosso? A differença para este é muito sensivel, para a Allemanha era extraordinaria.
Diminuâmos, pois, o numero dos desgraçados, que ás vezes sem culpa, e outras, por faltas leves, vão, como indiciados jazer no Limoeiro de Lisboa, e nos outros Limoeiros do reino, e receber ahi, desprovidos de instrucção, desarmados da força da educação moral, desconhecendo o jugo do dever austero, a lição perniciosa e fatal do crime.
Para isso temos um recurso simples: alargar a área das fianças. Porque não havemos de lançar mão d'elle, em vez de continuar a perder tempo com a discussão de projectos simplesmente platonicos?! (Apoiados.)
Eu quero, não digo fazer luz sobre o assumpto, porque não posso fazer; mas como em todo o caso ha na camara muitas pessoas, todas de boa fé e de excellentes intenções, a quem a minha opposição desagrada, porque entendem que estou a contrariar a realisação de um pensamento generoso, precisava demonstrar, que isto não é assim, e que o projecto, embora sympathico no fundo, é impraticavel, e, por isso, o tenho estado a combater. (Apoiados)
Examinemos quaes os condemnados, para quem a prisão é obrigatoria.
O que está em vigor em relação a fianças é o decreto de 10 de dezembro de 1852 que prohibe que se livrem, soltos, ou com prestação de fiança, os criminosos que podessem ser condemnados á morte; a trabalhos publicos, a prisão maior e a degredo, perpetuos ou temporarios.
O sr. Luciano de Castro no seu projecto permittia, não só a muitos criminosos o livrarem-se soltos, mas que se concedesse fiança, a todos aquelles que estavam incursos em delictos sujeitos a processo correccional, e aquelles a quem fosse applicavel a pena de prisão até doze annos, quando indiciados, se provasse por meio de summario, que havia circumstancias attenuantes, que poderiam fazer descer a duração da pena abaixo do termo medio, isto é, seis annos.
Já v. exa. vê, que ha uma grande differença em relação ao decreto de 1852.
Veiu o sr. Alves da Fonseca, e apresentou um projecto mais largo, e n'isto já se vê como as idéas vão marchando, porque todos que têem vindo, se adiantam um pouco, e isto não é uma subasta, de liberalismo, mas de sciencia e consciencia.
Este illustre deputado propoz, e a commissão approvou, que fossem só obrigados a livrar-se presos aquelles que ficassem sujeitos ás penas perpetuas.
Por ultimo o sr. Julio de Vilhena, comquanto introduzisse na discussão ao projecto anterior, tambem só obrigava á prisão os indiciados por crimes a que correspondessem penas perpetuas.
Ora é precisamente o projecto do sr. Júlio de Vilhena que eu venho propor á camara, para servir de base á discussão, reservando-me, se a minha substituição for approvada, apontar nas disposições dos seus artigos quaes as modificações que entendo dever-se-lhe fazer.

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Proponho, pois, um projecto de um ministro da justiça da actual situação politica, á camara que o tem apoiado e defendido. Nada mais.
E, vejâmos, comparado o projecto com as modificações que a legislação tem soffrido com respeito á penalidade, quaes os individuos, que, approvado elle, só se ficam podendo livrar presos.
As penas perpetuas foram abolidas, e por isso, na minha moção tive o cuidado de prescrever que as disposições do projecto viriam a ser harmonisadas com as da legislação vigente. Quaes foram as penas que as substituiram? E nos casos em que essas houverem de ser applicadas que a fiança não é admissivel.
A pena de morte, foi primeiro substituida pela pena de prisão cellular maior perpetua, e, abolida tambem esta em 1884, acha-se substituida pelo degredo por vinte e cinco annos.
Os trabalhos publicos perpetuos foram substituidos por degredo por vinte annos.
A prisão maior perpetua pela cellular de seis annos, seguida do degredo de dez annos.
O degredo perpetuo pelo de quinze annos.
Temos, pois, que para todos os individuos por crimes a que não chegue a corresponder a pena de prisão cellular por seis annos ou dez de degredo, ou o degredo por quinze annos, é admissivel fiança.
E com isto tenho dito tudo.
Isto posto, eu mando para a mesa a minha moção de ordem.
Repito, não apresento, nem o projecto do sr. José Luciano, nem o do sr. Alves da Fonseca; peço simplesmente á camara que, provando eu, como me parece ter provado, que o projecto do sr. ministro da justiça, embora inspirado por idéas sympathicas e generosas, é inexequivel, approve a minha moção de ordem, que tem por fim unicamente pedir que seja approvado o projecto do sr. Julio de Vilhena, projecto pela approvação do qual insistiu o sr. Lopo Vaz, como inicio de todas as suas reformas penaes.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Foi lida na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho, como substituição ao projecto de lei que se acha em discussão, a proposta de lei n.-° 40-B, apresentada a esta camara pelo actual governo em sessão de 26 de março de 1883, harmonisando-se as suas disposições com as da legislação actualmente em vigor. = O deputado, Francisco Beirão.
Foi admittida.

O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Mando para a mesa o orçamento rectificado do exercicio corrente, e igualmente o relatorio, propostas de lei e documentos respectivos sobre a questão de fazenda.
Nos termos do regimento d'esta camara, cumpria-me proceder á leitura do relatorio e das propostas de lei; mas o relatorio é extenso, as propostas de lei extensas são tambem, e vem acompanhadas de extensos documentos.
Este trabalho tem de ter a maior publicidade; tem de ser impresso immediatamente no Diario do governo, e tão promptamente quanto for possivel tem de ser distribuido por esta camara. Se pois v. exa. entende que n'esta parte póde dispensar-se o regimento, limitando-me eu a mandar para a mesa todos estes documentos para serem devidamente publicados, poupo assim á camara o cansaço de ouvir a leitura de um tão extenso trabalho. Com isto ninguem perderá, visto a publicidade que têem de ter estes trabalhos, para que, como é desejo do governo, sejam bem conhecidos e apreciados por esta camara, para nos irmos habilitando a discutir o mais depressa possivel as medidas, que são necessarias na conjunctura actual, para assegurar a mais justa proporção entre a receita e despeza do estado.
Mando portanto para a mesa estes documentos.
As propostas da lei vão adiante a pag. 344.
O sr. Ministro da Justiça: - (S. exa. não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar).
O sr. Germano de Sequeira: - Eu devia abster-me de progredir n'esta discussão depois do que acabou de dizer o illustre ministro da justiça; entretanto, tinha pedido hontem a palavra, e não desejo que o facto de não fazer algumas considerações sobre este projecto se repute como que bater em retirada.
Por consequencia vou usar da palavra, mas com muita simplicidade, com muita singeleza, apresentando apenas os argumentos em que se funda o meu pequeno discurso sem arrebiques, despretenciosamente.
Ouvi na sessão de hontem, não digo impugnar, mas apreciar o projecto por todos os lados e debaixo de todos os aspectos.
Ouvi impugnal-o, ou aprecial-o pelo lado puramente scientifico, pelo lado economico e até pela inutilidade das suas disposições.
Ouvi mais, censurar todos os governos por não terem substituido o edificio chamado cadeia do Limoeiro por um edificio adequado e nas circumstancias de poder receber os individuos que para ali são mandados.
Eu não censuro governo algum, o simplesmente o que me cumpre e louvar a nobre iniciativa do sr. ministro da justiça. (Apoiados.)
Não faço censuras a ninguem, porque não está isso no meu animo. Respeito a todos.
E ainda bem que alguns dos srs. deputados que fallaram sobre este projecto, declararam que este assumpto era completamente alheio á questão politica, porque assim posso entrar na discussão, despreoccupado de toda a paixão e com aquella imparcialidade com que entraria como juiz.
Tambem sou da opinião do sr. ministro da justiça, de que o Limoeiro não póde continuar a existir, porque é uma escola do vicio e do crime.
E se me fosse possivel apresentar agora dados estatisticos, para provar os crimes que se têem praticado n'aquella cadeia, ou começaria nos assassinatos e acabaria nos crimes de fabricação de moeda falsa.
É da nossa historia que se têem praticado ali assassinatos, e é tambem perfeitamente uma vergonha que esse edificio continue a servir de cadeia.
É necessario desinfectar aquelle ambiente; é necessario que aquelle edificio, onde se tem accumulado o crime, camada sobre camada, expessa e consistente, seja destruido, e se não for possivel por outra fórma, por meio da dynamite.
Aquellas paredes ressumbram, distillam vicios e crimes por todas as suas porosidades.
Não é possivel que elle continue a existir para detenção de delinquentes como actualmente se acha, e o que digo com relação ao Limoeiro, digo com relação a todas as cadeias comarcas, nas quaes ha apenas duas ou tres casas, uma, que é a enxovia, onde o ambiente da atmosphera é deleterio, outra a sala livre, e outra a casa para detenção de mulheres.
O que se quer fazer com relação ao Limoeiro, desejava eu que se fizesse com respeito a todas as cadeias comarcas, isto é, construil-as em condições de poderem recolher os individuos accusados, condemnados, ou suspeitos de crime.
Entendo que para os individuos suspeitos de crimes, e que estão ainda sob o processo preparatorio, é mais conveniente serem transportados para a cadeia central penitenciaria, do que estarem no Limoeiro recebendo lições de depravação.
O individuo encarcerado no Limoeiro está mais sujeito a corromper-se, emquanto que na penitenciaria, meditando

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a sós com a sua consciencia sobre o mal que causou á sociedade, póde mais depressa regenerar-se, auxiliado com o trabalho de que falla o projecto e com o ensinamento da moral e da sua religião.
Parece-me portanto que a transferencia dos presos preventivamente para a penitenciaria é um serviço que te lhes faz, assim como á sociedade e á administração da justiça criminal, que lucra sempre em ter o menor numero de cidadãos inscriptos no registo criminal.
O illustre deputado o sr. Francisco Beirão, a quem tributo o maior respeito, fallou ácerca das fianças.
Sou de opinião que se deve alargar a arca das fianças; mas a lei do 14 de junho de 1884, modificando as penas, deu logar a que se admittisse fiança em muitos crimes em que até então não era admittida.
Ouvi dizer que o grande mal era a morosidade no andamento dos processos e o haver um grande numero de criminosos.
Pois eu declaro a v. exa. é á camara que o mal maior é ainda outro...
O grande mal não está n'isso, não está mesmo nos maus exemplos que os criminosos recebem na cadeia do Limoeiro, está na immoralidade escandalosa dos julgamentos, em que o jury muitas vezes absolve os réus com o proposito apenas de os livrar do pagamento das custas, sem terem em conta o grande mal que assim vão fazer á sociedade.
Sou, pois, de opinião que o jury em logar de ser composto de nove membros, devia ser de menos. Queria no jury as illustrações, não quero jurados que estejam a dormir durante a audiencia, não quero jurados a quem o juiz tenha de mandar acordar pelo official de diligencias, quero jurados que estejam com os olhos abertos, porque, ainda que se diz que a justiça é cega, entendo que a justiça deve estar com olhos abertos e bem abertos.
Sr. presidente, vi ainda encarar o projecto pelo lado de inutilidade das suas disposições. Mas, como disse o sr. ministro da justiça, este projecto é apenas uma medida transitoria e que se ha de completar com uma serie de medidas, umas dependentes do poder executivo, e outras do poder moderador. Então para queé estar a argumentar que estas medidas transitorias são inuteis, se os factos podem amanhã demonstrar o contrario?
De mais a mais, não se vão buscar á cadeia do Limoeiro senão os presos que possam comportar as celulas vastas da penitenciaria.
Todos sabem que se não têem construido as cadeias comarcas, e as cadeias districtaes. E porque é que os governos não têem feito com que as juntas geraes de districto e camaras forneçam os meios necessarios para as construir? É porque tanto as juntas geraes como as camaras se acham sobrecarregadas com muitas despezas obrigatorias, é porque seria necessario augmentar as contribuições e vexar o contribuinte.
Não careço de entrar em mais largas demonstrações, nem de dar mais comprido desenvolvimento a esta ordem de idéas, porque me parece que era uma prolixidade inutil.
Não tratarei mesmo de encarar a discussão do projecto pelo lado economico, ou financeiro, porque tudo está dito sobre o assumpto, e porque não são as minhas palavras que irão esclarecer a camara, e então concluo como comecei: Não tenho senão a louvar o sr. ministro da justiça por haver apresentado um projecto que ha de tornar o seu nome glorioso e que tão distinctamente assignala a sua passagem pelo ministerio da justiça. (Apoiados.)
O sr. Elias Garcia (na tribuna): - Nas poucas palavras que vou dizer, tenho principalmente por fim ver se obtenho um certo numero de explicações, que até agora não foi possivel conseguir que fossem dadas, nem pelo illustre ministro da justiça, nem pelo sr. relator do projecto, nem pelo meu nobre collega que acaba do fallar.
Não entro na apreciação do projecto sob o ponto de vista de ser ou não conveniente applicar entre nós o systema penitenciario. Ponho esta apreciação completamente de parte.
A camara estará lembrada do que, ao tratar-se do projecto para a creação do pessoal da cadeia penitenciaria de Lisboa, se discutiu largamente a doutrina consignada na lei de 1 de julho de 1867, isto é, se devia estabelecer-se entre nós o systema penitenciario, havendo prós e contras. Mas esse ponto estava completamente fóra do debate, e as tendências dos oradores eram mais para dar colorido aos seus discursos, do que para tratar do projecto propriamente dito. N'essa occasião ouvimos nós condemnar o projecto que se discutia por ser altamente dispendioso. O sr. Emygdio Navarro combatia o systema em principio, e apresentou uma proposta para ser adiada a execução da lei. Ao cabo do debate, s. exa. vencido nos pontos contestados, entendeu ser distribuido o pessoal que o pessoal da penitenciaria devia de um modo diverso, e apresentou uma emenda com o intuito de diminuir o estado maior do pessoal da penitenciaria e augmentar o estado menor. Eu digo estado maior e estado menor, porque um illustre membro d'esta casa, o sr. José Dias Ferreira classificou o pessoal d'aquelle estabelecimento em estado maior, estado menor, e ainda em um terceiro estado ao qual deu a denominação de anomalo, que dentro em pouco veremos o que é. O sr. Emygdio Navarro propunha que em vez de 26 guardas, como estava no projecto, houvesse 48. Vê-se agora que antes da penitenciaria estar toda occupada, e por isso de funccionar assim, o governo que não acceitára a proposta do sr. Emygdio Navarro, capitulou em parte com ella, porque em vez de 26 guardas, já quer 36. Ainda não vae tão longe como ía o sr. Emygdio Navarro, com relação ao pessoal menor, mas quer já alguma cousa, capitula já n'um ponto.
(Aparte.)
Já sei qual é a explicação que s. exa. me ha do dar. Naturalmente é aquella a que alludiu o sr. relator da commissão, entretanto s. exa. capitulou n'um ponto. Devo consignar aqui que, se o sr. Emygdio Navarro desejava diminuir o pessoal maior e augmentar o pessoal menor, era porque comprehendia e antevia melhor a organisação do serviço do que o governo.
Mas por essa occasião o sr. Dias Ferreira não era d'essa opinião.
S. exa. entendia que o pessoal todo era em demasia numeroso.
S. exa. entendia que era grande o estado maior, e que era sem limite (parece-me que foi o que s. exa. disse) o estado anomalo, porque n'este pessoal, segundo s. exa., estavam incluidos aquelas empregados, a respeito dos quaes quiz hontem dar uma explicação o sr. relator da commissão, com referencia ao parallelo que fizera o sr. Eduardo Coelho entre a penitenciaria de Madrid e a penitenciaria de Lisboa, dizendo que ali havia o duplo dos presos e que o pessoal dos guardas não era muito superior ao nosso.
O sr. relator da commissão disse que o serviço feito aqui pelos guardas era em Madrid desempenhado por outro pessoal.
Tambem, alem dos guardas, outro pessoal não deixa de existir entre nós. São os anomalos, são os serviçaes nomeados pelo director da penitenciaria, que s. exa. o sr. Dias Ferreira disse que constituem um pessoal muito numeroso.
E refiro-me só ao que s. exa. dizia, por ser muito numeroso o pessoal da penitenciaria; não me refiro á remuneração d'esse pessoal.
Qual não foi o meu pasmo ao ver o governo convertido á doutrina do sr. Emygdio Navarro, porque o sr. Emygdio Navarro queria que se diminuisse o pessoal maior e se augmentasse o pessoal menor, e o governo, se não diminuiu o pessoal maior, augmentou comtudo o pessoal menor!...
Se não se converteu no todo, converteu-se em parte.

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E qual não foi igualmente o meu pasmo ao ver o sr. Dias Ferreira convertido de todo, porque o vejo convertido, em primeiro logar, á doutrina de se augmentar o pessoal; em segundo logar, á doutrina de acceitar este quadro, que já não é mau, e, em terceiro logar, á doutrina de que é bom continuar no nosso paia o systema penitenciario, que s. exa. combateu então.
E digo - convertido á doutrina de que é bom continuar o systema penitenciario entre nós -, porque o illustre ex-ministro assigna este projecto duas vezes, o que não succede a todos. (Riso.)
Não foi só como criminalista, que é, que s. exa. assignou este projecto; nem o assignou só cedendo ás doutrinas defendidas pelo sr. Arroyo, pelo sr. Marçal Pacheco, pelo sr. Franco Castello Branco e por outros cavalheiros que fazem parte da commissão de legislação criminal. S. exa., como financeiro, como presidente da commissão do fazenda, diz que não põe duvida alguma na approvação d'esta lei.
Eu applaudo-me por ver convertidos os meus collegas.
Assisti silencioso ao debate em 1883 para me elucidar com as considerações e doutrinas de s. exas.; e tão convencido fiquei com essas doutrinas, que elles abandonaram-me já, ficando eu no mesmo terreno.
Eu votei então contra como elles; e hoje vou dar a rasão porque voto igualmente contra, ao passo que s. exas. nem sequer se dignaram elucidar-nos, esclarecer-nos, apresentando os motivos e rasões que tiveram agora para votar a favor.
Lamento e applaudo, de todo o coração, o illustre ministro da justiça; applaudo-o porque s. exa. teve inquestionavelmente uma rara coragem. S. exa. no seu relatorio descreveu, com vivo colorido, como diz o sr. relator da commissão, o estado do Limoeiro; e n'essa descripção vae implicitamente a condemnação do collega que o precedeu n'essa pasta, que é o sr. ministro do reino, e justissima condemnação, porque não só precedeu a s. exa., mas já tem estado muitas vezes no ministerio da justiça, é o auctor da lei de 1867 e o mais esquecido d'ella. Condemnou o sr. Vilhena, a quem ha pouco ouvi applaudir, principalmente por apresentar um projecto que ficára sobre a mesa.
Mas eu antes applaudo o illustre ministro, que nos disse que não trazia aqui um projecto para ficar nas commissões. (Apoiados.) Afigura-se-me muito mais louvavel o procedimento do illustre ministro da justiça do que o procedimento do seu collega de outro tempo, o sr. Vilhena, que, talvez seja seguido por um seu collega na actualidade, que em vez de trazer um projecto só, trouxe muitos, talvez para se desculpar de não propugnar por nenhum d'elles! (Riso.) Applaudo s. exa. e condemno os ministros de todas as situações - progressistas, regeneradoras e fusionistas, que desde 1867 têem governado o paiz, porque todos elles conservaram o Limoeiro n'este estado, que não é de hoje. V. exa. ha de ter ouvido fallar n'um livro, conhecido ha muito tempo. Os mysterios do Limoeiro, escripto por um preso; e por isso o que hoje se diz é uma lenda conhecida ha muito tempo.
É, pois, para louvar o ministro que tem a coragem de dizer que ha de acabar com o Limoeiro; não desejo que se feche, desejo que se abra para saír tudo quanto lá está.
Mas lamento ao mesmo tempo, que s. exa. não acompanhasse este seu trabalho da elucidação indispensavel para conhecermos o alcance da medida; qual o numero de presos que pode caber na parte desoccupada da penitenciaria; qual o numero de presos que sáe do Limoeiro; quaes as obras que se devem fazer na penitenciaria; emfim, para se saber tudo quanto é indispensavel saber.
Assim dispensava-se o meu illustre collega, o sr. Beirão, de fazer um certo numero de perguntas.
Com certos esclarecimentos facilmente se sabia se era ou não exequivel esta reforma.
Um meu collega disse que era exequivel, mas não mostrou que o era.
Disse que o Limoeiro era muito mau, mas não mostrou a exequibilidade da reforma que se propõe n'este projecto.
O que eu queria era que s. exa. provasse que a sua reforma trazia melhoria; emquanto s. exa. o não provar, assim como o não provou o sr. Franco Castello Branco, não me parece que a camara possa ser levada a dar um voto consciencioso sobro este assumpto.
Havia talvez uma conciliação para todos nós; era podermos votar platonicamente este projecto, porque assim platonicamente aboliamos o Limoeiro, e platonicamente ficávamos todos enlevados n'esta admiravel obra que tinhamos feito; mas aqui não ha nada de platónico, é tudo real e positivo.
A camara talvez não saiba quanto tem custado até hoje só a idéa de que vae funccionar a penitenciaria; porém, o que não sabemos, é quanto ella virá a custar depois de funccionar completamente.
Inclino-me muito para a doutrina do sr. Beirão, alargar a concessão das fianças.
Eu detesto as cadeias; não vou até ao ponto do as abolir, porque ninguem o quereria, mas declaro que não confio nada n'ellas.
Eu tomára que as cadeias, a havel-as, fossem muito poucas, muito pequenas e ainda assim estivessem sempre despovoadas.
Não só me inclino para que se alargue a fiança, mas approvo essa idéa, com o intuito de acabar com a prisão preventiva.
Como muito bem disse o sr. Beirão estas duas palavras «prisão preventiva» são inconciliaveis com a liberdade.
Quantos vexames e arbitrios se commettem á sombra da prisão preventiva, sendo cada cidadão a toda a hora, preso por qualquer auctoridade!
É necessario que se acabe por uma vez com este costume, que pode ter utilidade não sei para quem.
O que acontece por tal motivo é figurar no registo da nossa criminalidade uma população enorme.
Isto não nos honra.
Vae um homem pela rua; pára. Chega um policia e diz-lhe:
— Porque está o senhor parado? Está preso!
Outro exemplo:
Um homem qualquer transita pela rua; passa um trem e o homem olha para o cocheiro e diz-lhe:
- Então não me vê?
Chega-se um policia junto d'esse individuo e diz-lhe logo, com modos bruscos, porque os policias julgam muitas vezes, para serem respeitados, que precisam ser arrogantes, e diz-lhe:
- O que disse o senhor ao cocheiro? Está preso.
Ora são estes criminosos o outros, provenientes de transgressões de posturas municipaes e outras muitas cousas que por ahi ha, que augmentam extraordinariamente a população dos criminosos, e depois lá está o nosso illustre amigo e presidente d'esta camara, fazendo o registo ou a estatistica criminal, trabalho que tenho ouvido louvar, e tambem o louvo, mas estatistica pela qual os estrangeiros podem fazer um juizo pouco lisonjeiro a nosso respeito, porque se consigna ali uma forte percentagem da criminosos.
E n'este caso não sei se possa applicar-se aquella phrase que todos conhecem, do grande poeta, de que abrir uma escola é fechar uma cadeia, por isso que o nosso illustre presidente, o sr. Silveira da Motta, que sinto não ver presente, por incommodo de saude, já em um dos seus relatórios, parece ter chegado a duvidar d'essa maxima salutar, por isso que, vendo crescer de dia para dia, entre o numero dos criminosos, o dos que sabiam ler e escrever, ao seu espirito quasi se afigurava, que effectivamente quanto

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maior era o numero de analphabetos menos crimes havia; o que podia induzir muitos a que, em voz de alargar se a instrucção, devia restringir-se.
Ora, pela maneira por que as cousas se passam entre nós, póde muito beni ser, que effectivamente, quanto maior instrucção houver, maior seja o numero de criminosos; porque, quem for um pouco lido, quem tiver alguma illustração e presenciar a maneira por que a policia é feita entre nós, não raro deixa de ser preso; porque pela instrucção que possue não lhe soffre o animo ver praticar certas iniquidades, abusos intoleraveis e graves offensas ás leis, intervem, embora moderadamente, no serviço, procurando fazer ver á policia que não procede bem, e é logo preso!
A camara ha de estar lembrada do que aconteceu ainda no anno passado, por occasião de um jantar republicano na Avenida da Liberdade, em que foram presos todos os srs. deputados da maioria.
Uma voz: - Todos não.
O Orador: - Todos os que lá foram, porque se lá fossem mais, mais tinham sido presos. Quem não foi preso é quem estava no jantar, porque quem lá estava, já sabe a maneira por que a policia é feita; os illustres deputados, que o ignoravam, que julgavam que podiam fallar e emittir a sua opinião, como se estivessem n'esta casa, foram presos, e muitos, porque procedem como s. exas., vão figurar na estatistica do nosso digno presidente.(Riso.)
Não me quero alongar nas minhas considerações, mas o que quero é tratar só de um ponto; saber quanto vae custar a approvação d'este projecto ao paiz.
Qual é o pessoal que ha hoje no Limoeiro? Quanto custa o Limoeiro mau e immundo como o sr. ministro da justiça o classificou?
Vamos ao orçamento e vejâmos quanto nos custa a penitenciaria central, que começa agora a funccionar, e quanto nos tem custado antes de funccionar; porque a penitenciaria tem-nos custado muito, mesmo antes de lá ter gente presa.
Dizia hontem o sr. Castello Branco, que apenas saírem os presos do Limoeiro, já o Limoeiro não custará nada.
Está enganado o illustre deputado; continúa a custar, sáia o que saír.
Pois não tem de lá saído já tanta gente, e elle não continua a custar o mesmo?! Gasta-se no Limoeiro e gasta-se na penitenciaria central; custa o mesmo ali, e vae augmentando a despeza aqui. E eu o vou mostrar por meio de cifras. Não digo que se tenha despendido o mesmo, se mais; mas pelo menos, os ministros têem orçado a despeza no mesmo. Eu não discuti este ponto no anno passado, porque não se discutiu o orçamento, nem no anno anterior; apenas se votou a lei de meios.
Em 1884-1885 ainda não funccionava a penitenciaria; mas como o regulamento geral de contabilidade publica mandava destrinçar a despeza fixa e a despeza variavel, o capitulo 7.° do orçamento do ministerio da justiça dizia o seguinte:

1884-1885

Art. 17.° Cadeiras de Lisboa. - Pessoal .... 1:465$200
Art. 18.° Despeza variavel nas cadeias de Lisboa .... 26:500$0
Total .... 27:965$200

Ora, eu não digo que se não gaste com os presos. Desejo que o numero d'elles seja o menor possivel, mas que os que lá estiverem não sejam ao menos maltratados. E agora direi ao illustre ministro da justiça: porque é que s. exa., que tem um grande coração, que sente tanta dor, tanta mágua por ver os soffrimentos que passam os presos do Limoeiro, como é que não pede ao seu collega ministro da fazenda que tenha os mesmos sentimentos e não lance á miseria tantos desgraçados, como succedeu ainda ha pouco com os guardas de alfandega? (Apoiados.)
Pois esses homens carregados de serviços, são lançados á margem, e o illustre ministro da justiça não tem uma palavra de compaixão para interceder por elles junto do seu collega? (Apoiados.)
Pois o inferno a que esses homens foram condemnados é peior do que o inferno do Limoeiro, porque é o da miseria. (Apoiados.)
É bom que graduemos o nosso sentimento, e não estejamos sempre a chorar por todos, porque assim não podemos acudir a ninguem. Ha occasiões em que é preciso não chorar para poder acudir com toda a fortaleza de animo aos nossos similhantes.
É preciso, pois, que os sentimentos de caridade e compaixão do sr. ministro da justiça não se desmintam nunca e sejam iguaes para com todos os infelizes.
Quando o illustre deputado o sr. José Dias Ferreira condemnava aqui a penitenciaria, dizia e talvez bem: - esta cadeia não é para presos, é cadeia para empregados.
Portanto façamos toda a diligencia para não se realisarem as prophecias do sr. José Dias Ferreira.
Um dos desejos d'este cavalheiro em 1883 era que se pegasse no que estava no Limoeiro e se transferisse para a penitenciaria, economicamente, com o pessoal que lá estava; e talvez fosse benevolo para com o governo dando-lhe mais alguma cousa: pois o governo respondeu-lhe, não senhor; não póde ser.
O sr. Lopo Vaz dizia «isso é impossivel»; e ha pouco disse o sr. Beirão que o sr. Júlio de Vilhena repetia o mesmo. Todos os ministros regeneradores diziam «não é possivel»; agora o sr. Assumpção diz «é possivel». Vejamos quanto têem custado estas contestações entre o possivel e o impossivel.
Eu já disse em quanto estava orçada a despeza do Limoeiro no anno de 1884-1885, não sei quanto custará effectivamente este serviço, porque não vi a conta definitiva; mas o que posso dizer é que no de 1883-1884 estava calculado no orçamento que custaria o Limoeiro e sustento de presos 26:645$200 réis; e sabe v. exa. a quanto esta despeza passou segundo a conta provisoria do exercicio de 1883-1884? A 37:014$595 réis.
Ora por aqui se vê como a despeza excede a importancia em que é computada.
No orçamento de 1885-1886 já vem descripta despeza para a penitenciaria; e assim lê-se ali:

1885-1886

Ministerio da justiça - capitulo 7.°:

Art. 17.° - Cadeia geral penitenciaria do districto da relação de Lisboa - pessoal .... 15:430$000
Art. 18.° - Cadeias do Limoeiro e Aljube - pessoal .... 1:465$200
Art. 19.° - Despezas variaveis das cadeias de Lisboa .... 28.500$000
Total .... 45:395$200

A importancia do pessoal no Limoeiro não diminuiu. É a mesma. E na cadeia penitenciaria a despeza do pessoal é de mais de 15:000$000 réis. As despezas variáveis nas cadeias de Lisboa subiram. E assim a verba total que no orçamento de 1884-1885 era de 27:965$200 réis; passou em 1885-1886 a ser de 45:395$200 réis.
Ora vejamos o que vem no orçamento, apresentado neste anno, que é anterior á proposta do sr. ministro, porque s. exa. apresentou essa proposta de lei agora e o orçamento está feito ha mais tempo. Não sei por quem vem o orçamento assignado, se é por s. exa. se pelo seu antecessor... que não pensava em mandar para a penitenciaria os presos que estão no Limoeiro, porque era opposto a esta idéa.

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Vejamos quanto está no orçamento de 1886-1887:

No artigo 17.°.... 15:430$000
No artigo 18.°.... 1:465$200

Quer dizer, a despeza do Limoeiro não desceu; continua a mesma e ha a mais a da penitenciaria.
As despezas variaveis d'este anuo vem destrinçadas; ainda não vem o suficiente, mas vem melhor.
No artigo 19.° abriram-se duas secções.
N'uma diz-se: cadeia geral penitenciaria do districto de Lisboa 32:536$950 réis; e na secção 2.ª diz: cadeia do Limoeira e Aljube 23:500$000 réis.
Assim temos:

1886-1887

Capitulo 7.°:
Art. 17,° Cadeia geral penitenciaria do districto de Lisboa- Pessoal ...15:430$000
Art. 18.° Cadeias do Limoeiro e Aljube.- Pessoal .... 1:465$200
Art. 19.° Despezas variaveis:
1.ª secção. - Cadeia geral penitenciaria 32:576$950
2.ª secção. - Limoeiro e Aljube .... 23:500$000
Total .... 72:972$150

Assim a despeza em 1884-1885 de 27:000$000 réis passou a 45:000$000 réis em 1885-1886, e a 72:000$000 réis para 1886-1887; isto é, triplicou em relação ao primeiro anno.
Agora este projecto traz mais a despeza: primeiro, 10 guardas, 2:480$000 réis. E a despeza variavel?
Esto orçamento de 1886-1887 foi naturalmente calculado para a população que ha na cadeia penitenciaria.
Disseram aqui que a cadeia penitenciaria tinha apenas a quinta parte do numero de presos que podia conter; por consequencia, se as despezas variaveis da penitenciaria para a quinta parte dos presos estão calculadas em réis 32:000$000, ,como o numero que lá póde haver é de 500, segue se que o orçamento deve, pelo menos, ir proporcionalmente progredindo.
E digo, pelo menos, porque os presos que para ali se pretende enviar são de melhor qualidade, porque o sr. ministro disse que seriam mais bem tratados, precisavam de ter mais conforto, receberiam visitas, haveria salas e mais cousas; por consequencia a despeza por cada centena distes presos deve ser maior proporcionalmente do que para os 100 que lá estão.
Ora comparemos o anno em que não houve despezas variaveis na penitenciaria, com este em que as ha. A despeza variável no Limoeiro diminuiu; passando de 26:500$000 réis em 1884-1885 a 23:500$000 réis em 1886-1887.
Eu não estou a inventar. São as cifras que o dizem. E creio que se o sr. ministro tivesse tido a bondade de elucidar a sua proposta com dados estatisticos bem claros para nós fazermos os nossos estudos, poderiam todos ver se nas nossas apreciações ha algum erro; cingi-me aos elementos que tenho.
Mas, como disse, a despeza variavel no Limoeiro passou de 1884-1885 para 1886-1887 da importancia de réis 26:000$000 para 23:000$000 réis; isto é diminuiu réis 3:000$000.
Mas na penitenciaria pela diminuição que houve no Limoeiro de 3:000$000 réis ha a despeza de mais de réis 32:000$000 para 100 presos que lá estão.
Portanto por cada 3:000$000 réis que diminuo a despeza no Limoeiro, augmenta 30:000$000 réis a despeza na penitenciaria, isto para 100 presos. Se s. exa. tira mais 400 presos, teremos a despeza augmentada em cinco vezes os 30:000$000 réis.
Uma de duas, ou a arithmetica ha de falhar e queimar-se como s. exa. quer queimar o Limoeiro, ou isto é verdade.
O que me parecia conveniente, é que o sr. ministro da justiça respondesse de modo que elucidasse o nosso espirito, aliás ver-nos-hemos n'uma situação difficil e embaraçosa.
Se ouvissemos ao sr. Dias Ferreira explicar a rasado por que s. exa. se converteu a esta doutrina, talvez nós o acompanhassemos. Talvez concordassemos tambem com o illustre ministro da justiça se o ouvissemos declarar de um modo bem franco e leal o motivo por que se tinha convertido á proposta do sr. Navarro.
E finalmente, se o illustre ministro nos explicasse como foi calculada no orçamento esta despeza, e como póde ser calculada a que se ha de fazer depois, pode ser que viessemos a reconhecer que a despeza não seria tão grande, como á primeira vista se afigura. É verdade que para compensar a falta de dados que se nota no projecto e a deficiencia do que nos disse o sr. ministro, temos a exclamação eloquentissima de s. exa., exclamação que não foi senão uma pallida reproducção do que se encontra no seu relatorio.
E não se póde resolver esta questão, que, diga-se o que se disser, é muito importante, pelo que respeita ao direito criminal, mas não é menos importante sob o ponto de vista financeiro.
Limito aqui as minhas considerações, consignando o meu pezar de não poder applaudir completamente, como desejava, o sr. ministro da justiça, no seu intento de acabar com o Limoeiro, principalmente porque parece que, em vez de se acabar com o Limoeiro, se deseja multiplical-o, que o mesmo é augmentar o numero dos que soffrem.
Se os presos ficam melhor, os cidadãos são mais opprimidos.
Não desejo que os presos sejam opprimidos, mas tambem não desejo que os nossos concidadãos soffrara mais, e não por se dar algum lenitivo aos presos, mas principalmente por se acrescentar o quadro do estado maior, e não sei se o outro, o tal estado anomalo; porque vejo muito augmentadas as verbas do orçamento relativas às despezas variaveis.
Tenho dito.
Foi votado o projecto na generalidade.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 1.°
(Leu-se.)
O sr. Elvino de Brito (sobre a ordem): - Faltam apenas alguns minutos para dar a hora, e eu tenho de fazer largas considerações sobre o artigo l.°, prendendo-se naturalmente com elle os outros sobre que tambem terei de fallar.
N'estas condições, se v. exa. permitte, ficarei com a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - Como está quasi a dar a hora, vou encerrar a sessão, dando para ordem do dia de segunda feira a continuação da discussão d'este projecto, e a eleição de commissões.
Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas da tarde.

Rectificação

Por equivoco deixou de mencionar-se na sessão de 3 do corrente, que o sr. Conde da Praia da Victoria pediu às commissões de obras publicas, de guerra, de fazenda e de saude, para darem parecer ácerca dos projectos de lei;
N.° 32-L, de 8 de abril de 1885, ácerca de melhoramentos no porto de Angra do Heroismo, na ilha Terceira;
N.° 32-M, de 8 de abril de 1885, relativo á restituição da quinta divisão militar ao archipelago dos Açores com sede na ilha Terceira.
N.° 76-C, de 10 de fevereiro de 1879, com relação ao augmento de ordenado do guarda mor de saúde de Angra do Heroismo.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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Relatorio e propostas de lei apresentadas na sessão de 6 de fevereiro, pelo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda

Senhores.- Para a questão de fazenda converge ao presente a attenção e o interesse de todos os que têem a peito a prosperidade e o engrandecimento económico do paiz, e, como indispensaveis condições para isso, a estabilidade do seu credito, o augmento dos seus recursos, a segurança das suas transacções, e a manutenção dos foros, que a tanto custo adquiriu, de nação honrada nos seus compromissos, activa e diligente no caminhar das suas aspirações de progresso.
Para dirigir e levar de frente uma questão, que assim é tão vital para todos, por certo não sou eu o mais competente ; de sobra o conheço. Mas porque me não fallece o animo nas pugnas do trabalho, mórmente quando em presença das graves responsabilidades que são inherentes a missão que me cabe, tenho fé em que não serão de todo inefficazes os meus mais sinceros esforços de melhorar a situação da fazenda publica, logo que encontrem no vosso nunca desmentido patriotismo, e na superior comprehensão que tendes dos grandes problemas da actualidade, a luz que os póde esclarecer, e o productivo impulso que a força collectiva da vossa auctoridade lhes póde imprimir.
Não só em Portugal é ponderoso o problema fazendario; entre os primeiros avulta n'este momento em todas as nações da Europa. O credito e o capital, não só pelo largo alcance das suas multiplices combinações dominam a especulação dos mercados; pela decidida influencia que, na sua intima connexão, exercem em todos os grandes commetti-mentos da administração e da politica, preoccupam tambem a iniciativa dos governos, e concitam as discussões dos parlamentos.
Em toda a parte, nos próprios paizes, que possuem avantajados recursos, se olha hoje de mui perto para os desequilibrios que, mais do que os orçamentos, accusam as contas de receita e despeza, e para os acrescidos limites, que a necessidade de manter illeso o brio nacional, ou de salvaguardar os interesses geraes de um povo, accentuadamente traçou a divida dos differentes estados.
Não é, pois, para admirar que o mesmo aconteça em Portugal. O que é necessario, o que a todos se impõe como um dever de rasão e de consciencia, é que de animo frio, e sem preconceitos partidarios, se apreciem os factos nas circumstancias que os determinara, e mais possa o estimulo de bem servir a causa commum, procurando a solução de quaesquer dificuldades que se deparem, do que o simples intento de mal dizer de tudo, sem se attender ao triste reflexo que de si lançam os exageros da lucta, quando mais impera a paixão do que a verdade.
Podem ser diversos os lemmas de partido, e encontradas as apreciações que incidem sobre os actos e as medidas de um governo; livres são entre nós as manifestações da opinião, e para discutir e apreciar se instituiram os parlamentos.
A tudo sobrelevo porém o supremo interesse de sustentar e fortalecer, em todo o tempo, a par das tradições do passado, os elementos de vida, que são escoras do presente, e o honroso conceito a que tem direito um paiz que, como Portugal, trabalha e progride. E desde que a questão de fazenda seja por todos avaliada e discutida com a serenidade de espirito e a firmeza de vontade que são indispensaveis a uma proficua resolução, desde que em todos entre o convencimento de que não é essa uma questão de partido, mas sim de nacionalidade, vencidos ficarão os maiores attritos, que se oppõem a regularisação das nossas finanças.
Por minha parte, procurarei primeiro expor-vos a situação da fazenda, tal como os mais seguros documentos officiaes a representam; e, depois de justificados os actos mais importantes do meu ministerio durante o interregno parlamentar, em breves traços definirei o complexo de providencias, que na actual conjunctura se me afiguram mais conducentes ao augmento das receitas, a simplificação dos serviços tributarios, ao desenvolvimento das transacções, e, como consequencia, a consolidação do nosso credito.

Proposta de lei de encerramento de exercicios

É esta a primeira vez que se apresenta ao parlamento uma proposta de lei de encerramento de exercicios, formulada em presença da conta geral do estado, e das subsequentes declarações do tribunal de contas, nos termos e segundo as prescripções do regulamento da contabilidade publica. Até agora, só sobre as contas parciaes dos ministerios e da junta do credito publico, e sobre uma conta do thesouro insuificientemente preparada e instruida, poderam versar as declarações do tribunal, por vezes em atrazo pela difficuldade de colligir os elementos de uma apreciação regular. A conta geral da administração financeira do estado, que no anno passado vos foi distribuida, remontando a origem de operações anteriores ao exercicio de 1883-1884, e descriminando-as com mais rigorosa precisão, deu margem a que o tribunal podesse coordenar as suas declarações, no tocante às gerencias de 1882-1883 e de 1883-1884 e aos exercicios de 1877-1878 a 1882-1883, a que se refere aquella proposta de lei.
A estes valiosos subsidios de exame e confronto acresce a nova conta geral do estado, que abrangendo a gerencia de 1884-1885, os exercicios de 1877-1878 a 1883-1884 e situação provisoria, em 30 de junho, do exercicio que só ha pouco findou, largos esclarecimentos presta sobre a arrecadação e applicação dos fundos publicos n'estes ultimos sete annos.
Satisfeitos, por esta forma, os preceitos de uma exacta e methodica contabilidade, mais de plano podemos entrar na succinta analyse do que foram e do que são os recursos do nosso thesouro.

Exercicio de 1883-1884

O ultimo exercicio, de que ha conta definitiva e completa, é o de 1883-1884. No meu relatorio do anno passado, calculando os resultados d'esse exercicio, e baseando-me para isso, quanto ao periodo de 1 de julho de 1883 a 30 de junho de 1884, nas liquidações já feitas e nas cobranças já realisadas, e quanto ao periodo complementar de 1 de julho a 31 de dezembro de 1884 em liquidações, receitas e situação de divida iguaes às de identico periodo do exercicio anterior, estabelecera eu as seguintes previsões:

[Ver tabela na imagem]

Melhores foram, porém, os resultados do que as previsões. A conta final o assegura n'estes termos:

[Ver tabela na imagem]

Bastante inferior ao que calculára foi, portanto, assim o deficit ordinario como a differença total entre as receitas e as despezas.
E tambem por outro lado é certo que, se as cobranças se distanciaram das avaliações em 1.196:096$445 réis, tambem as despezas realisadas ficaram aquém das auctorisadas pelo orçamento rectificado e por leis especiaes em réis 1.574:060$926, o que igualmente depõe em favor da administração financeira d'esse exercicio.
E por que já possuimos as contas devidamente rectifica-

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dos de todo o periodo que decorre de 1877-1878 a 1883-1884(1), comparemos os elementos que lhes são fundamentaes.

Exercido de 1877-1878 a 1883-1884

As receitas ordinarias foram: em 1877-1878, réis 25.528:036$310; em 1878-1879, 27.607:417$573 réis; em 1879-1880, 23:887:6593226 réis; em 1880-1881, réis 25.997:223$479; em 1881-1882, 28:585:655$336 réis; em 1882-1883, 28.126:549$763 réis; em 1883-1884, réis 29.788:695$287.
A antecipação dos despachos de tabaco, por virtude da elevação de direitos, explica em parte o consideravel acrescimo de rendimentos em 1878-1879, e logo apoz a importante diminuição que se deu em 1879-1880; os impostos indirectos, que de 13.920:253$825 réis em 1877-1878, subiram em 1878-1879 a 16.673:926$443 réis, desceram em 1879-1880 a 12.114:351$491 réis. E tambem a antecipação de direitos por varios generos, que em 1881-1882 elevou aquelles impostos a 15.854:199$047 réis os fez baixar em 1882-1883 a 14.392:892$440 réis. Mas comparando os annos extremos de 1877-1878, em que essas antecipações ainda se não haviam dado, e de 1883-1884, em que já haviam cessado os seus effeitos, póde tirar-se uma conclusão segura, em relação ao augmento de receita que em todo esse periodo se operou.
Esse augmento traduz-se no seguinte quadro:

[Ver quadro na imagem]

Nos mesmos exercicios, a totalidade das despezas effectuadas foi: - Em 1877-1878, 34.332:9934$638 réis; em 1878-1879, 34.397:600$303 réis; em 1879-1880, réis 34.045:264$820; em 1880-1881, 34.415:073$950 réis; em 1881-1882, 35.468:656$513 réis; em 1882-1883, réis 33.556:228$289; em 1883-1884, 36.207:563$902 réis.
Por onde se vê, que de 1877-1878 a 1883-1884, se as despezas augmentaram em 1.934:570$264 réis, subiram as receitas a mais 4.314:124$933 réis. E por isso que sendo o desequilibrio total, representado pela differença entre as receitas não provenientes de emprestimos e as despezas feitas, assim ordinarias, como extraordinarias, de réis 8.804:457$328 em 1877-1878, baixou em 1883-1884 a 6.424:902$659 réis, diminuindo correspondentemente o recurso ao credito.
E porque maior foi a elevação das receitas do que a das despezas correspondentes, desceu o deficit ordinario de 3.882:680$883 réis em 1880-1881 a 2.871:410$260 réis em 1881-1882, a 2:588:092$195 réis em 1882-1883, e a 1.914:322$186 réis em 1883-1884. O que tudo prova que em circumstancias normaes, quando não affluem despezas extraordinarias que por sua natureza imperiosamente se impõem como uma necessidade de momento, a situação da fazenda publica, longe de se aggravar, muito a contrario se encaminha para a successiva approximação das receitas e despezas.
Sendo esta a lição da experiencia, desenvolvendo-se a riqueza publica de dia para dia e aos olhos de todos, e alargando-se com ella a area dos recursos de que o paiz póde dispor, tristemente lamentavel seria que em estereis discussões de palavra malbaratassemos o tempo que tão preciso nos é para, com o esforço da vontade de todos, se vencerem quaesquer passageiros attritos, que de momento se opponham a estabilidade do nosso regimen financeiro.
Regularisemos o systema dos impostos directos, para que mais simples se tornem rio seu lançamento e mais productivos na sua arrecadação; reorganisemos as pautas, beneficiando os emprehendimentos da industria e facilitando as transacções do commercio, sem preterir os interesses do

1 As rectificações que, nas verbas referentes a estes exercicios, houve a fazer, para mais exacta classificação de receitas e despezas, mas que alias não influem na totalidade das importancias descriptas, estão largamente explicadas na nota preliminar da nova conta geral do estado.

thesouro ; mantenhamos fielmente os compromissos, que no interesse da causa publica se têem contrahido; affirmemos alto, para que dentro e fora do paiz se ouça, o firme proposito de assegurar o mais prompto restabelecimento da fazenda publica, e para logo ganhara forças o nosso credito, e desassombradamente poderemos olhar para o futuro.
Escriptas estas palavras, que partindo de uma convicção sincera tão espontaneamente me acudiram a penna, prosigamos na analyse encetada.

Exercicio de 1884-1885

Do exercicio de 1884-1885, que ha pouco findou, não esta por emquanto liquidada a conta definitiva. A situação provisoria d'esse exercicio em 30 de junho ultimo era, porém, a seguinte:

[Ver tabela na imagem]

Pelo que toca às receitas e despezas ordinarias dos ministerios, são os resultados do periodo decorrido de 1 de julho de 1884 a 30 de junho de 1885, mais favoraveis do que os dos doze mezes anteriores, em conta provisoria de exercicios, como se evidencia dos seguintes dados:

[Ver tabela na imagem]

E se as despezas pagas pela junta do credito publico no segundo periodo d'este confronto, excedem em 2.376:948$130 réis as do periodo anterior, certo é, todavia, que definidos como são os encargos da junta, ao maior pagamento nos doze primeiros mezes de um exercicio corresponde uma reducção nos seis mezes complementares.
Com os elementos acima indicados, e tomando para base de calculo, em relação aos mezes de julho a dezembro de 1885, os resultados colhidos em identicos mezes de 1884, podemos assim, formular as probabilidades do exercicio de

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1884-1885, com a fundada esperança de que a conta definitivo as não desmentirá, antes qualquer diferença será favoravel ao thesouro, como já mostrei ter acontecido com respeito ao calculo que, no meu relatorio do anno passado fiz, para o exercicio de 1883-1884:

Receita ordinaria, cobrada desde 1 de julho de 1884 até 30 do junho de 1885 .... 29.891:169$218
Receita ordinaria calculada para o semestre complementar .... 1.350:000$000
Total da receita ordinaria no exercicio de 1881-l885 31.241:169$218
Despeza ordinaria effectuada nos primeiros doze mezes do exercicio 27.475:031 $799
Despeza ordinaria dos ministerios calulada para o semestre complementar .... 1.714:000$000
Pagamentos já realisados pela junta do credito publico 10.508:237$374
Verba auctorisada.... 14.651:257$888
Em divida ....4.143:020$514
Suppondo para o findo exercicio uma divida igual á que ficou no termo do exercicio de 1883-1684....
Deficit ordinario provavel....
O computo da receita ordinaria para o semestre de 1 de julho a 31 de dezembro, complementar d'este exercicio, e que fixámos em 1.350:000$000 réis, tem já, na maior perte, a sua confirmação nas contas parciaes dos quatro mezes de julho a outubro, pelas quaes é essas receitas de réis 1.037:942$707, que juntos aos 306:743$405 réis cobrados em novembro e dezembro de 1884, e que bem se podem tomar como presumpção de cobrança nos dois mezes correspondentes de 1885, perfazem 1.344:686$112 réis, quantia esta approximadamente igual á d'aquelle calculo.
E desde que o deficit ordinario d'este exercicio seja de 1.368:883$095 réis não se distancia em muito do que se previu no orçamento rectificado, que na sessão passada se votou. Ahi foram as receitas ordinarias avaliadas em réis 31.728:892$000, e as despezas ordinarias auctorisadas por 33.039:034$202 réis, sendo, portanto, o deficit de réis 1.310:142$202. Por assentado podemos dar, portanto, que o deficit ordinario do exercicio de 1884-1885 é menor em cerca de 550.000$000 réis do que p de 1883-1884, já de si bastante inferior, como vimos, aos dos exercicios antecedentes.
As despezas extraordinarias, liquidados pelos differentes ministerios até ao fim do exercicio, ascendem a réis 6.327:024$389; e muito approximadamente devem os pagamentos corresponder às liquidações. As receitas extraordinarias, arrecadadas na gerencia de 1884-1885, e não provenientes do credito, importam em 172:107$166 réis; o deficit extraordinario póde, pois, calcular-se em réis 6.154:917$223.
Comparemos estes resultados com as avaliações do orçamento rectificado, que a lei de 17 de junho de 1885 approvou. Por esta lei foram as receitas especiaes, extraordinarias, avaliadas em 327:167$813 réis; a differença contra a receita applicada é, portanto, de 155:060$647 réis; o digo contra a receita applicada, porque a differença provém de terem sido menores as despezas extraordinarias a que correspondiam receitas especiaes, como para as obras da alfandega do Lisboa e do edificio do correio. Pela mesma lei foram as despezas extraordinarias arbitradas em 6.956:386$719 réis, o que dá uma differença a favor das liquidações de 629:362$330 réis. Assim, 155:060$647 réis para menos nas receitas especiaes e 629:362$330 réis para menos nas despezas, fazem com que o deficit extraordinario seja inferior ao calculado no orçamento rectificado, em 474:301$683 réis.
Taes são as fundadas probabilidades do exercicio de 1884-1885.

Exercicio de 1885-1886 - Orçamento rectificado

Do exercicio corrente de 1885-1886 só nas contas parciaes de alguns mezes, nos preceitos do regulamento de contabilidade, e em algumas previsões mais fundadas, se podem basear os orçamentos. E é principalmente ao orçamento rectificado, que ha pouco vos apresentei, que tenho de me referir.
Eis a comparação das receitas e despezas ordinarias:

[Ver tabela na imagem]

Os motivos que determinam as rectificações propostas, acham-se largamente desenvolvidos no novo orçamento. N'este logar me limitarei, pois, às considerações que mais se encaminham a uma synthetica apreciação d'esse documento.
Eleva-se a despeza ordinaria em 773:441$387 reis, e d'estes cabem 498:316$328 réis ao ministerio da fazenda. Necessario é, porém, discriminar os elementos que constituem esta somma, para que em rapida leitura se não julgue que no ministerio a meu cargo se entrou em menos justificados excessos de despeza. Augmentam em réis 14: 500$000 as quotas de recebedores, porque maior é a cobrança dos rendimentos do que a que primeiro se calculou.
Inscrevem-se mais 45:000$000 réis para os trabalhos de revisão de matrizes, serviço este que a um tempo conduz á melhor distribuição e ao maior producto do imposto predial; e á despeza assim inscripta correspondente igual quantia de receita, porque se addiciona ao futuro contingente.
As verbas de 105:700$000 réis para os serviços do movimento e trafego nas alfandegas, de 6:500$000 réis para os aposentados que eram pagos pelo monte pio das antigas companhias dos trabalhos braçaes, e de 7:500$000 réis, de subsidio á associação commercial de Lisboa, nos termos do artigo 126.º, § 6.ª, do decreto n.º 3 de 17 de setembro de 1885, resultam da extincção d'aquellas companhias, auctorisada por lei de 31 de março de 1885, e tem equivalente compensação na receita. Os subsidios que a mais se descrevem para o monte pio official e para o de marinha, são consequencia de leis votadas na ultima sessão parlamentar. Os encargos da divida fluctuante crescem em réis 259: 500$000 pelo augmento das despezas extraordinarias.
E são estes augmentos que, com os provenientes de restituições de direitos e de aposentações, perfazem cerca de 500:000$000 réis, que em grande parte figuram a par na receita, como acabâmos dever. No ministerio da marinha, a verba que mais avulta é a de 72:500$000 réis, que se tornou necessario despender com as rações às praças da armada, veteranos, e tripulantes de barcos nas estações navaes. Nos outros ministerios, de inferior importancia são as rectificações agora indicadas, e destas não poucas derivam de leis ultimamente votadas.
Por outro lado, cresce a receita em 446:781$500 réis, contribuindo para isso muito principalmente os impostos indirectos com 384:000$000 réis.
Não é, pois, o desequilibrio previsto entre as receitas e as despeza ordinarias do presente exercicio, que nos póde inspirar fundadas apprehensões quanto ao seu resultado final. Tanto mais, quanto é evidente que nem todas as despezas orçados se realisam por completo; em muitas verbas ficará a liquidação e o pagamento effectivo aquém da auctorisação. E a isto accresce que, a ajuizar pelas cobranças dos primeiros seis mezes do exercicio, devem os rendimentos ordinarios exceder em avantajada somma os do exercicio anterior. Pelo documento n.° 98 se conhece que sendo de 12.833:793$071 réis a cobrança d'aquelles ren-

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dimentos nos mezes de julho a dezembro de 1884, subiu a 13.989:401$795 réis em identicos mezes de 1880, o que ainda uma vez demonstra a asserção, que por vezes tenho feito, de que os recursos tributarios do paiz successivamente e de anno para anno se avolumam, facto este que, innegavel como é, constituem um valioso subsidio para a regularisação das nossas finanças.
O que mais avulta no orçamento rectificado é o augmento das despezas extraordinarias; sobem a 7.284:836$903 réis as não compensadas com receita propria, quando na lei de meios haviam sido arbitradas em 4.940:700$000 réis; d'ahi uma differença de 2.344:136$903 réis.
De que provém esta differença? - a resposta encontra-se no agrupamento das seguintes verbas:
Despezas de saude publica .... 1.057:503$702
Despezas com armamentos, acquisição de torpedos e reparação de quarteis .... 664:558$133
Despezas com a occupação e installação do novo districto do Congo .... 500:000$000

Com outras despezas extraordinarias de marinha, expropriações para o caminho de ferro de Mormugão, e garantia de juro á empreza do cabo telegraphico submarino pela secção até Bolama e Bissau, se completa o que falta para preencher aquella differença.
Ora, as despezas de saude publica foram feitas no uso da auctorisação especialmente conferida ao governo por lei de 25 de junho de 1885, em presença da ameaça de uma invasão de cholera no paiz. A acção devastadora d'este flagello em Hespanha, está ainda bem tristemente impressa na memoria de todos ; por milhares se contaram as victimas que os boletins ofiiciaes registavam dia a dia; de provincia em provincia se alastrou a epidemia com assustadora rapidez e demorada oppressão, deixando em toda a parte a miséria e o luto; por vezes se avizinhou da nossa fronteira; e, todavia, e extensa como esta é, jamais a transpoz. Mas para evitar a emigração para Portugal, e oppor uma barreira ao contagio, teve o governo de se soccorrer dos meios que mais efficazes se lhe afiguraram; restabeleceu os lazaretos e as quarentenas com um serviço regular de vigilância e fiscalisação, e alongou pela extrema do paiz uma linha militar de defeza, chamando para isso uma parte das reservas, e reforçando quanto possivel os contingentes do exercito; d'ahi occorreram as despezas que o orçamento rectificado descreve, na importancia que se presume necessária até ao fim do anno economico, pois que infelizmente ainda o reino vizinho se não libertou do cholera.
O governo procedeu como julgou do seu dever; considerou a despeza a fazer como uma exigencia de circumstancias anormaes, como um verdadeiro caso de força maior; ao parlamento incumbe agora tomar a resolução que julgar mais acertada.
Dos 664:558$133 réis, applicados a despezas extraordinarias do ministerio da guerra, 675962$107 réis, constituem o saldo dos 900:000$000 réis, que o decreto, com força de lei, de 19 de maio de 1884 auctorisou para compra de armamentos; 29:000$000 réis são igualmente o saldo da auctorisação concedida por lei de 15 de junho de 1882 para reparação de quartéis e edificios militares ; e a ambas estas verbas se destinou uma receita especial. Restara 467:586$026 réis, importancia de novos armamentos contratados, e 100:000$000 réis para acquisição de torpedos e material correlativo. A conveniencia de nas circumstancias politicas que são peculiares a differentes estados da Europa, precaver o paiz contra futuras eventualidades, reforçando as garantias da sua defeza militar, é de certo por todos reconhecida. Não porque as relações de Portugal com as demais nações não sejam de todo o ponto cordiaes; muito pelo contrario, têem sido amigavelmente dirigidas, e encaminhadas a bom termo, as negociações diplomaticas
que sobre differentes assumptos internacionaes têem corrido; disso são testemunho a ultima conferencia de Berlim, e a diligencia com que Portugal e a França se têem procurado entender no tocante á delimitação dos territorios da Guiné. As precauções de defeza são, porém, uma necessaria condição de paz e de segurança publica. Por isso o governo não duvidou tomar sobre si a responsabilidade de augmentar as forças defensivas do paiz, reservando-se para dar ao parlamento as explicações que ahi lhe possam ser pedidas.
Pelo que respeita á occupação e installação do novo districto do Congo, os 500:000$000 réis, que se acham inscriptos no orçamento rectificado, foram já auctorisados por lei de 18 de junho de 1885. Depois das laboriosas negociações, que tiveram logar para o reconhecimento, por parte das outras potencias, dos direitos tradicionaes, que sobre o Zaire foram sempre tão insistentemente reclamados por Portugal, dever de honra era para nós, uma vez vencida a pendencia, instituir n'aquelles territórios uma administração regular; e a este dever se não faltou.
Explicado está, pois, o augmento de despezas extraordinarias, que no orçamento rectificado se observa; deriva, na sua maxima parte, de auctorisações legaes, e como extraordinarias as devemos realmente considerar, pois que uma vez feitas se não devem repetir, sendo para esperar que, após dois annos de lucta, o cholera se afaste emfim da peninsula. Pesado encargo para o thesouro importam aquellas despezas no momento actual, mas inevitavel também, como exigido ou por uma urgente necessidade de salvação publica, ou pela condigna satisfação dos justos sentimentos de brio nacional. O que, todavia, é instante, é cuidar das condições do nosso credito, procurando, embora com sacrificio, alevantar as receitas, e prescindindo, por muito que custe às aspirações do progresso, de quaesquer commettimentos, que, não sendo de absoluta urgencia, envolvam em si um aggravamento de despeza.

Orçamento geral para o exercicio de 1886-1887

O orçamento proposto para o futuro exercicio de 1886-1887 accusa um deficit ordinario de 1.747:579$028 réis, sendo a receita avaliada em 32.271:150$000 réis, e a despeza em 34.018:729$028 réis.
O exame dos calculos sobre que assenta a receita, e o conhecimento dos factos económicos a que ella respeita, convence, todavia, de que a maior será a cobrança do que a avaliação, que nos termos do regulamento de contabilidade publica se teve de cingir a determinados preceitos. Assim, o imposto de sêllo é calculado em 1.558:700$000 réis; produziu, em 1882-1883, 1.259:337$140 réis; em 1883-1884, 1.266:1405221 réis ; em 1884-1885, réis 1.249:500$633; o augmento que se descreve é, portanto, de 309:199$367 réis em relação ao ultimo anno ; a execução das leis de 22 de junho de 1880 e de 28 de julho de 1885, que elevaram differentes taxas e crearam novos elementos de receita, deve seguramente determinar um mais subido augmento. Os direitos do consumo em Lisboa foram orçados em 1.570:000$000 réis, acrescendo ao producto do ultimo anno apenas 20 por cento da quota correspondente á maior população com que ficou o municipio, por virtude da lei de 18 de julho de 1885, que n'elle encorporou o concelho de Belém e uma parte do dos Olivaes; mas por essa mesma lei cabem ao estado 20 por cento de todo o excedente do imposto em relação ao anno de 1884-1885 ; o os direitos do consumo que, de réis 1.400:147$174 em 1882-1883, se elevaram a 1.440:795$350 réis em 1883-1884, a 1.503:411$729 réis em 1884-1885, e que já nos mezes que decorreram no presente anno economico tem continuado em alta progressiva, de certo serão em 1886-1887 muito superiores ao que foram em 1884-1885. Os direitos de exportação, que em 1884-1880 renderam no continente 215:140$701 réis, são computados para 1886-1887 em 202:000$000 réis, quando é evi-

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dente que o I ao só desenvolvimento que tem tomado a exportação dos nossos vinhos é bastante para determinar um maior rendimento para o thesouro. Os direitos de importação figuram no orçamento por 7.600:000$000 réis; e, comtudo, produziram em 1882-1883 6.018:388$428 réis ; em 1883-1884, 6.992:432$284 réis; em 1884-1885, réis 7.060:722$524 ; e n'esta progressão, que já no corrente anno se confirma, claro é que o producto d'estes direitos em 1886-1887 excederá, em centos de contos de réis, o que o regulamento de contabilidade manda agora calcular. O imposto de transito nos caminhos de ferro é computado em 123:000$000 réis; cresceu de 99:405$306 réis em 1882-1883, a 121:3700$253 réis em 1884-1885; a abertura á exploração das linhas férreas de Cintra e do Algarve, e o complemento da linha do Douro, são por si só sufficientes para occasionar uma elevação de imposto.
De tudo isto se deve com verdade inferir que os rendimentos de 1886-1887 irão muito além de 32.271:150$000 réis, o que será uma consideravel attenuante para o deficit.
O que muito convém é que a despeza ordinaria se mantenha nos limites traçados, compensando se umas verbas com outras. Confrontando-se as tabellas de despeza, auctorisadas por decreto de 25 de junho de 1885, com as designações do orçamento que se propõe, encontra-se uma differença de 703:226$546 réis para mais. Os encargos geraes sobem de 3.532:750$815 réis a 3.781:445$815 réis, havendo, portanto, um augmento de 248:689$000 réis, correspondente aos juros da divida fluctuante, e aos subsidios votados para o monte pio official e de marinha, abatida a dotação de Sua Magestade ElRei o Senhor D. Fernando. No serviço dos ministérios, inscrevem-se mais 450:168$121 réis, avultando ahi o do ministerio da fazenda com réis 220:162$500, e o do ministerio da marinha com 141:533$262 réis. Para advertir, é comtudo, que 210:000$000 réis se consignam na despeza d'aquelle ministerio para os serviços do movimento e trafego das alfandegas, que parallelamente se incluem no capitulo de receita que se refere aos impostos indirecto, ficando por isso reduzido a 10:162$500 réis o augmento que indicámos. No ministerio da marinha o maior dispendio é sobretudo devido às rações attribuidas às praças e servidores da armada. Nos demais ministerios são de somenos importancia as differenças, e nascem principalmente da execução de leis já votadas. Tudo leva, pois, a crer que o desiquilibrio entre as receitas e as despezas ordinarias de 1886-1887 será muito inferior ao do exercicio corrente.

A questão de fazenda

Mas ao deficit ordinario acresce toda a despeza extraornaria, constante da proposta de lei n.° 7, e que se representa por 4.285:000$000 réis. E para fazer face a estes encargos, inevitavel é o recurso ao credito.

credito é sempre a questão vital de um paiz; para elle convergem e sobre elle influem todas as multiplices manifestações da riqueza publica; o movimento e a facilidade das transacções industriaes e mercantis; a producção, a procura e o preço dos generos que a agricultura fornece ao consumo; o alargamento das forças tributarias e a progressão do rendimento dos impostos; as tendencias e as normas de administração em materia de despeza; a importancia, o aggravamento e a pontualidade na satisfação dos compromissos já existentes; tudo, emfim, o que como symptoma póde servir á apreciação experimental da viabilidade de uma nação. O credito é a synthese d'essa apreciação.
Ora, feito o balanço ao activo e ao passivo de Portugal, evidente se torna para logo que a riqueza publica tem notavelmente crescido n'estes ultimos tempos, e que accentuadamente entrou num caminho de successivo desenvolvimento. Só por malevolo proposito, ou por obstinado prurido de tudo desmerecer, se póde pôr em duvida que a abertura das estradas, a exploração dos caminhos de ferro, o
melhoramento dos portos, as carreiras de navegação, e as garantias das convenções internacionaes, dando passagem á circulação dos productos, que alimentam e criam a prosperidade de um estado, têem poderosamente concorrido para a sustentação da nossa agricultura, para a fundação e incremento das nossas industrias, e para o desdobramento das especulações do commercio. A revisão das matrizes prediaes accusando, nos districtos em que se emprehende, um maior rendimento collectavel; o inquerito industrial de 1881, e as informações ulteriormente colhidas ácerca do regimen fabril revelando a creação de novas emprezas, e o aperfeiçoamento nos methodos de trabalho; as estatisticas de importação, attestando a concorrencia dos valores de mercado são provas irrecusaveis do que dizemos.
A par d'isto, sobem as receitas do thesouro : triplicaram em pouco mais de trinta annos, em parte pelo proprio impulso da riqueza publica, em parte por virtude de medidas legislativas e de administração ; mas quaesquer que estas fossem, inefficazes seriam se a materia collectal as não comportasse; o que exuberantemente demonstra que precisamente por que o paiz se desenvolveu, é que annualmente tem podido entrar com mais avultadas sommas nos cofres publicos. Examinado, pois, o activo, segura é a conclusão de que Portugal tem, nos recursos que lhe são proprios, elementos valiosos, que convenientemente aproveitados e dirigidos o podem levar a uma honrosa solução do problema de fazenda.
O seu passivo dá-lhe uma divida consolidada, cujo encargo annual se eleva a 14.387:226$448 réis; urna divida amortisavel, que reclama nos seus vencimentos um desembolso de 1.872:840$950 réis; e, no momento actual, urna divida flutuante superior a 12.000:000$000 réis, e a previsão de um recurso ao credito por cerca de 6.000:000$000 réis no exercicio de 1886-1887.
É pesado este passivo, não o contesto; e dever meu dizer a verdade, e expor francamente às cortes a situação financeira do paiz. Nem julgo que haja conveniencia em encobrir os dados fundamentaes de uma questão que cumpre resolver. Tanto mais quanto é minha profunda convicção que as dificuldades que se apresentam são de momento, nascem de circumstancias por sua natureza transitorias, e que como taes as póde vencer, em breve tempo, a reflectida energia que é propria dos poderes publicos. Não é a verdade que nos póde prejudicar; é sim o exagero de apaixonadas apreciações, que, indo muito alem do alvo a que miram, tão contraproducentes são nos seus effeitos: e é tambem o echo de infundados boatos terroristas, que para logo se reproduzem e espalham, sobresaltando os animos dos portadores de titulos portuguezes, lançando nos mercados estrangeiros a desconfiança de tudo o que e nosso, e abalando por conseguinte o credito, que tão necessario nos é manter. Discutir a questão de fazenda é uma conveniencia e uma necessidade; desvirtual-a, deixando-a resvalar no terreno de uma especulação prejudicial, ahi o erro e o perigo. Se fosse possivel levar á consciencia de todos o justo alcance d'esse asserto, singularmente aplanado ficaria o caminho para o productivo exame e conceito d'esta questão.
São avultados os encargos da nossa divida. Em 30 de junho de 1885 representavam--se por 7.241:740$749 réis quanto á divida consolidada interna; por 7.145:485$699 réis quanto á externa; por 1.567:962$000 réis quanto á amortisavel em obrigações de 90$000 réis: e por réis 304:878$950 quanto á de outros titulos; ao todo réis 16.260:007$398. De que proveiu esta divida? Dos melhoramentos de toda a ordem, que no paiz se têem realisado posteriormente ao decreto de 18 de dezembro de 1852, que restabeleceu as condições da nossa divida consolidada; e precisamente d'esses melhoramentos nasceu o desenvolvimento da riqueza publica e com elle a elevação das receitas, que ha pouco puz em relevo. N'aquella

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epocha, ainda os encargos da divida fundada não attingiam a 4.000:000$000 réis; mas tambem as receitas não iam muito alem de 11.000:000$000 réis. Hoje os encargos da divida excedem 16.000:000$000 réis; mas, em compensação, as receitas de 1885-1886 rectificam-se para mais de 32.400:000$000 réis. Se disponiveis para o paiz ficavam então 7.000:000$000 réis, agora ficam cerca de réis 16.000:000$000.
Levam-nos pouco mais de metade da receita ordinaria os encargos actuaes; mas ha annos que assim acontece, e a proporção tende mais a diminuir do que a aggravar-se. O documento n.° 110 põe em confronto, nos exercicios que decorrem de 1870--1871 a 1880-1886, por um lado o juro animal da divida consolidada e os encargos das operações de thesouraria, por outro as receitas ordinarias que se arrecadam, e estabelece as percentagens de proporção. Ahi se vê que se a somma dos juros e encargos subiu de réis 11.647:230$728 em 1870-1871 a 16.864:555$698 réis em 1885-1886, o que dá uma differença de 5 217:324$970 réis em quinze annos, cresceram as receitas ordinarias, dentro d'esse periodo, de 18.155:284$894 réis a 32.411:271$500 réis, o que representa um augmento total de 14.255:986$605 réis, ou, em media, de cerca de 1.000:000$000 réis por anno. É por isso a percentagem de proporção desceu de 64,153 por cento a 52,032 por cento, sendo em 1885-1886 bastante inferior á dos annos antecedentes, a partir de 1879-1880.
E sempre, e atra vez de todas as vicissitudes, toem os juros e encargos da divida publica, consolidada ou fluctuante, sido pontualmente satisfeitos.
Não é, pois, a importancia de taes compromissos que pode inspirar receios quanto á sua solvabilidade; os factos depõem em favor do inteiro cumprimento das obrigações contrahidas pelo estado. A inversão, até 31 de dezembro de 1885, de titulos externos em internos, do empréstimo de 1884, no valor de 12.823:020$000 réis, é ainda um significativo testemunho da confiança do paiz nos seus papeis de credito.
A divida fluctuante, o essa é que representa o desequilibrio entre as receitas e as despezas correntes, sobre que mais prompias providencias se devem tomar, ficou em 31 de janeiro ultimo, em cerca de 12.500:000$000 réis. Era de 3.371:417$410 réis em janeiro do anno passado, como do documento n.° 104; e, sem embargo do pagamento do coupon de 5 por cento em 1 de abril, desceu successivamente até 2.581:427$320 réis em 31 de maio; elevou-se depois em junho e julho, por virtude do coupon de 3 por cento, a 6.525:769$070 réis, e d'ahi successivamente, pelas despezas extraordinarias d'este exercicio, a que já me referi, a 9.115:308$370 réis em fins de novembro, subindo ainda, pelo coupon de 1 de janeiro, approximadamente, a 12.500:000$000 réis ao terminar d'este mez. Com as cobranças que mais largamente affluem no semestre corrente é de esperar que em 30 de junho proximo se ache reduzida a pouco mais de 10.000:000$000 réis.
N'estes limites de divida, e nas actuaes circumstancias do mercado, não julgo necessario nem conveniente recorrer a uma consolidação de divida. O que é necessario é que n'esta sessão parlamentar se deixe bem claramente affirmado em documentos legislativos o decidido proposito de em termos rascaveis e justos, alevantar as receitas publicas, e cohibir as despezas que se não devam reputar impreteriveis, como condição indispensavel para que o credito se avigore, e com elle se restabeleçam as cotações dos nossos fundos.
Se n'essas cotações, que em 30 de janeiro eram de 43 7/8 e 44 1/8 em Londres, e de 45,90-46 na bolsa de Lisboa, tem actuado causas geraes de depressão, que todos podem apreciar, taes como: a tensão de relações entre a Inglaterra e a Russia na questão do Afghanistan, que por bastante tempo fez retrahir as disponibilidades do capital em mercado, o conflicto entre a Hespanha e a Allemanha, motivado pela occupação das ilhas Carolinas, e que até se resolver por uma arbitragem fez presumir um mais violento desenlace; as complicações do Oriente, que determinaram a guerra entre a Servia e a Bulgaria, e em que outras potencias se podiam julgar interessadas; a dolorosa perda do chefe do estado em Hespanha, que em dois dias fez baixar os fundos dessa nação de 56 1/2 por cento a 50 3/4 por cento, baixa que sobre os nossos titulos refluiu também; o cambio do Brazil sobre Londres, que descendo de 19 1/2 a 18 sobre Londres, e subindo de 281 a 298 sobre Lisboa, durante todo o anno de 1885 e até ao presente, tem obstado às remessas de numerario que poderiam alentar o nosso mercado, e desenvolver as nossas transacções com aquella praça; a elevação, em fins de dezembro, da taxa de desconto do banco de Inglaterra; e a necessidade de successivas importações de oiro para o banco de Portugal; innegavel é tambem que muito tem influido as alternativas da especulação, que tendendo mais para a baixa do que para a alta, tem contribuido para a instabilidade dos preços attribuidos aos nossos papeis de credito.
Para debellar e vencer o prejudicial effeito d'essas alternativas de bolsa, e para assegurar aos titulos da divida publica as cotações que merecidamente lhes cabem, instante é que todos, parlamento e governo, envidemos sinceros esforços para testemunhar bem claramente que Portugal, cuidando solicitamente dos seus interesses mais graves, decidido está a avigorar os seus recursos financeiros, de modo a garantir com promptas e efficazes providencias, a confiança que, com tantos sacrificios, tem conquistado e mantido nos mercados.
No presupposto de que este pensamento é por vós compartilhado e acceito, redigi as propostas de lei que vou ter a honra de vos apresentar.

Cumprimento das leis votadas na ultima sessão parlamentar

Antes, porém, e cumprindo uma obrigação constitucional, dar-vos-hei conta do uso que fiz, no interregno parlamentar, das auctorisações que na ultima sessão legislativa me foram conferidas. Começarei pela reforma dos serviços aduaneiros e fiscaes.

Reforma dos rerviços aduaneiros e fiscaes

Solicitando das cortes a auctorisação necessaria para levar a effeito essa reforma, circumstanciadamente expuz as deficiencias que encontrava na legislação reguladora de um tão importante ramo de serviços, e as providencias que adoptara nos limites das attribuições que me cabiam, e que se inspiravam no mais decidido proposito de regularisar convenientemente a distribuição do pessoal, de lhe estabelecer indispensaveis condições de nomeação e seguras garantias de accesso, de introduzir maior uniformidade e disciplina no desempenho dos deveres que lhes são inherentes, de por cobro a praticas que por abusivas entibiavam a acção administrativa dos impostos, e de assim alevantar o conceito das instituições fiscaes, dando-lhes a força necessaria para reprimir a invasão da fraude, defendendo contra ella os legitimos interesses do thesouro e do commercio. Foram essas providencias os primeiros passos que tentei dar no caminho de uma mais ampla reconstituição de preceitos e normas de fiscalisação.
Promulgada a lei de 31 do março de 1885, que estatuiu as bases sobre que deveria assentar a remodelação do regimen aduaneiro e fiscal, para logo me empenhei no arduo trabalho de um tão largo commettimento. Considerando as ponderações que me haviam sido feitas pela commissão nomeada em portarias de 23 de outubro de 1883 e de 18 de janeiro de 1884, commissão que tão assiduamente lidara no aperfeiçoamento do systema alfandegario, esclarecendo-me, em tão especial assumpto, com a experiencia de distinctos funccionarios que dedicadamente me auxiliaram, formulei os decretos que têem a data de 17 de setembro de 1885, e que no conjuncto das suas disposições abran-

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gem todos os serviços attinentes á administração dos impostos indirectos.
No relatorio que antecede esses decretos, circumstanciadamente expuz não só os principios que fundamentalmente presidiram á sua elaboração, mas as modificações, por vezes radicaes, que na legislação em vigor se fez. A essa desenvolvida exposição de motivos me reporto aqui, pois que, publicada em documento official, escusado é repetil-a. O vosso superior criterio ajuizará do modo por que a auctorisação parlamentar foi exercida, e do alcance que, nos seus effeitos praticos, tem a reforma que decretei. Nos seus delineamentos essenciaes, procurei quanto possivel obtemperar às reclamações que de longe vinham, para que serviços, de que tanto dependem a regularidade das transacções mercantis e a percepção dos mais avultados rendimentos do estado, adquirissem as condições necessarias para mais prompto e seguro expediente, para mais uniforme e disciplinada execução.
A administração geral, e o conselho superior das alfandegas, ficaram constituidos com os elementos de que careciam para melhor instrucção e seguimento das questões que ali se ventilam e resolvem.
As alfandegas, remodeladas como foram nas suas attribuições, na constituição do seu pessoal, e no processo dos seus despachos, mais facilmente podem deferir às solicitações do commercio. O regulamento de serviço interno, mandado observar na alfandega de Lisboa, e tornado extensivo às outras casas fiscaes em tudo o que se lhes podesse apropriar, synthetisando e colligindo um grande numero de previsões dispersas, que em differentes epochas e para diversos casos tinham sido ordenadas, completando-as no que de mais essencial havia a providenciar, e estabelecendo em adequados termos o despacho por declarações e em acto successivo, representa um trabalho de incontestavel alcance pratico. E uma vez concluidas as obras e os melhoramentos da alfandega de Lisboa, em harmonia com o que se resolveu na respectiva commissão, como do documento n.º 103, o que não virá longe, pois que os mais importantes taes como as pontes, coberturas e annexos, se acham contratados para breve praso, e nos restantes se lida activamente, accentuado impulso se poderá dar ás operações de carga e descarga, do que advirá um decidido beneficio para esta praça.
A fiscalisação externa foi transformada em um corpo de guarda fiscal, militarmente organisado, á similhança do que em outras nações se acha instituido. De todas as providencias de reforma, ultimamente decretadas, e esta a que mais undo entrou no regimen até agora seguido. Os inconvenientes d'esse regimen, os abusos que se davam, a falta de disciplina que se sentia, a deficiencia de recursos e de documentos para uma seria e rigorosa fiscalisação tributaria, d'ahi a irrecusavel e instante necessidade de sujeitar aos moldes da constituição militar um pessoal que, numeroso como é, podia, quando disciplinado, representar no paiz um força importante e activa, tudo isso bem claramente poderei ao apresentar-vos a proposta de lei que mereceu a vossa approvação.
Não admira, pois, que na transição de um para outro regimen, tão diversos são elles, se manifestassem reluctancias, que no interesse da propria reforma cumpria demover.
O corpo da guarda fiscal passou a fazer parte das forças militares do reino; ficou sujeito a mobilisação, e em todo o tempo subordinado ao ministerio da guerra para os effeitos do codigo de justiça militar o da inspecção militar; por isso se estabeleceram para os empregados fiscaes correspondentes graduações no exercito, e aos guardas e chefes de posto, considerados como praças de pret, se exigiu o alistamento.
Deixar a ficalisação externa no estado em que se encontrava, comum a feição que nada tinha de militar; com um quadro para que se entrava e de onde se saia mais
Por arbitrio do que em obediencia a principios definidos; com um pessoal em grande parte invalido e que, olhando menos ás exigencias do serviço do que á sua propria commodidade, se accumulava nos maiores centros de população, desamparando a fronteira, onde tão imprescindivel era a sua acção de vigilancia; e com uma disciplina que cada passo se quebrava á mingua de preceitos que a tornassem efficaz, de incentivos que a estimulassem, e até de direitos e obrigações que rigorosamente a mantivessem; seria perder para sempre a esperança de uma salutar regeneração de costumes e de normas de administração.
Por outro lado, passar um traço sobre tudo o que existia, despedir todo o pessoal que havia servido, e, sem discriminação de espécie alguma, lançar á margem elementos, que melhor dirigidos poderiam ainda considerar-se de proveitosa utilidade, seria uma medida de extrema e injustificavel dureza.
Preparar uma transição mais gradual, definindo as condições do serviço, toes como a experiencia mostrara indispensáveis ao bom desempenho dos deveres fiscaes, mas conservando nos quadros os que a essas condições se prestassem, pareceu de todos o mais acceitavel alvitre, e n'elle se inspirou a reforma da fiscalisação externa. As graduações militares conferidas a quem não tinha logar no exercito, o alistamento exigido aos que por lei deviam ser considerados como praças de pret; foram inevitaveis consequencias d'este systema de transição. E porque desejei afastar susceptibilidades que, embora menos fundadas, podiam lançar immerecido desfavor sobro o pensamento inicial da reforma, entendi dever ainda usar da auctorisação que me fura conferida, e, dentro do praso que se atermára; publiquei o decreto de 12 de dezembro ultimo, em que mais explicito e completo só tornou aquelle pensamento nas providencia que o traduziram. O alistamento, que é base essencial de toda a organisação militar, mas que importante a sujeiçã, por um determinado tempo, ao serviço e á disciplina ,para muitos se representa como um pesado compromisso, fez nascer difficuldades de momento que me levaram a esclarecer, em portaria de 19 de dezembro, os direitos, as garantias e as vantagens, que pela reforma de agora se concedem em justa compensação dos deveres contrahidos. E, em breve, espero que completos os quadros, e distribuidas as suas forças, uma sensivel melhoria no serviço fiscal levará á evidencia que não sem ponderosos motivos tenho insistido no proposito de amoldar esse serviço ás severas prescripções por que tem de se reger a organisação de um corpo que se destina á repressão das fraudes e á justa defesa dos interesses do paiz.

Rendimentos das alfandegas

O resultado dos esforços que tenho empregado em apertar os laços da fiscalisação externa, em cohibir lamentaveis abusos de que o commercio licito justamente se queixava, e em assegurar a ordem e a regularidade do expediente das casas fiscaes, manifestamente se reconhece na elevação das receitas aduaneiras; o simples exame do documento n.° 99 o attesta.
As conclusões são obvias.
Os rendimentos, geral e do tabaco, cobrados pela alfandega de Lisboa, nos ultimos cinco annos, foram:

[Ver tabela na imagem]

O rendimento geral subiu 544:341$609 réis de 1883 para 1884, e mais 559:245$694 réis de 1884 para 188o, o que representa um acréscimo superior a 1.100:000$000
Réis em dois annos só na alfandega de Lisboa. O rendimento do tabaco, descendo 230:472$405 réis de 1883 para 1884, elevou-se já em 1885 a mais 183:235$448 réis

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E assim, dão estas duas receitas reunidas, um augmento de 313:269$204 réis em 1884, de 742:481$144 réis em 1885, e, portanto, de 1.055:750$348 réis nos dois ultimos annos.
No rendimento dos cereaes, mais difficil é apreciar a influencia da fiscalisação, pois que muito variam as importações segundo as circumstancias do mercado. E como o despacho dos cereaes, que até setembro do anno passado era feito na alfândega do consumo, pertence hoje á alfândega de Lisboa, necessario é agrupar as arrecadações d'estas duas alfandegas, quanto a esses generos nos differentes annos, para se fazer o confronto, como aqui expomos:

[Ver tabela na imagem]

Pelo que toca aos direitos, propriamente de consumo, a sua cobrança em Lisboa foi de :

O augmento tem sido constante, a partir de 1883.
Por esta forma as receitas totaes das duas alfandegas de Lisboa foram:

[Ver tabela na imagem]

De 1883 para 1884 mais 522:702$760 réis de receita, em 1885 mais 693:364$887 réis do que em 1884; nos dois últimos annos um augmento de 1.216:067$647 réis.
Na alfandega do Porto o producto dos differentes impostos, nos seus agrupamentos mais importantes, foi:

[Ver tabela na imagem]

É successiva a progressão dos rendimentos, mas sobretudo notável no tabaco. No rendimento geral o augmento foi de 146:213$184 réis de 1881 para 1883 e de réis 369:342$987 de 1883 para 1885; a importação de cereaes elevou os direitos de 110:006$268 réis, em 1881, a réis 332:712$049 em 1884, descendo a 204:125$097 réis em 1885 ; o augmento nos impostos do tabaco foi de 20:221$138 réis em 1882, de 115:973$760 réis em 1883, de réis 152:509$878 em 1884 e de 191:774$421 réis em 1885.
Compendiando os rendimentos de todas as tres alfandegas, segundo as suas proveniencias, e comprehendendo na receita geral os direitos do consumo, apura--se, emfim, o seguinte :

[Ver tabela na imagem]

Pelo que deixo expendido se vê que a elevação das principaes receitas aduaneiras nos dois ultimos annos foi de 1.547:698$297 réis nos direitos geraes; de 297:047$342 réis nos do tabaco; e de 58:845$384 réis nos dos cereaes. Ao todo foi de 1:903:591$023 réis o augmento que se deu de 1883 para 1885.
Sem duvida contribuiu para este augmento o proprio desenvolvimento da riqueza publica, mas quem imparcialmente comparar os factos com as estatisticas adquirirá a convicção de que, em grande parte, foi o acrescimo de receita devido a uma mais ordenada distribuição de serviços e a uma severa fiscalisação de impostos.
Alem da auctorisação para a reforma dos serviços alfandegarios, outras foram votadas ao governo, a que no interregno parlamentar procurei dar implemento.

Regulamento do imposto de sêllo

A lei de 22 de junho de 1880, modificando as disposições concernentes ao imposto do sêllo, creou ao novas verbas tributarias, taes como as do sêllo nos annuncios dos jornaes, nos bilhetes dos espectaculos publicos, nos arrendamentos e consignações de rendimentos, e nas guias de bagagens e transportes de mercadorias; e, em tudo o que respeitava a este alargamento da área do imposto, ficou a execução d'essa lei dependente da elaboração e um regulamento apropriado. Decorreram alguns annos, e na ultima sessão legislativa foi approvada a proposta que tive a honra de vos apresentar, e que se converteu na lei de 28 de julho de 1885, que alterando ainda as tabellas do sêllo, e ampliando o na sua incidência, elevou os direitos do papel sellado, e as taxas que recaíam sobre as acções, titulos, obrigações e pertences de differentes sociedades e corporações ; collectou as trasmissões de determinados direitos, adquiridos por contrato com o estado, as escriptura; de constituição de sociedades anonymas e de parcerias mercantis e os bilhetes e cautelas de loterias estrangeiras, e estabeleceu um novo systema de percepção de impostos quanto às cartas de jogar.
Para cumprimento destas leis, e das que a; antecederam, na parto em que não foram por ellas revogadas, e no uso da aüctorisação que o governo recebêra para providenciar sobre a melhor fiscalisação e cobrança do imposto do sêllo, e para reunir e codificar as disposições em vigor sobre tal assumpto, se publicou o decreto regulamentar de 26 de novembro de 1885, que entrou em execução em 1 de janeiro deste anno. E por portaria de 30 de dezembro se expediram instrucções aos delegados do thesouro e aos visitadores dos districtos, tendentes a garantir a devida observancia d'aquelle decreto. Assim, é de esperar que a alteração das tabeliãs do imposto do sêllo, e os novos serviços que se instituiram, produzirão desde já um consideravel acrescentamento na nossa receita ordinaria Calcula-se em 309:199$367 réis, no orçamento geral de 1886-1887, o que mais se arrecadará por virtude da ampliarão d'este tributo; não receio, porém, illudir-me, presumindo que muito superior será a cobrança.

Caixa de aposentações

A caixa de aposentações, creada por lei de 6 de julho de 1885 e que de tão pesados encargos alliviar, de futuro o estado, começou já a funccionar no continente, e em breve se tornará extensiva às ilhas adjacentes, por virtude do decreto regulamentar que com a data de 23 de dezembro se publicou.

Caixa geral de depositos

O artigo 3.° da lei de 1 de julho de 1885, que mandou entrar na caixa geral dos depositos os fundos disponiveis das misericordias, hospitaes e outros estabelecimentos de piedade e beneficencia, distendendo-se por esta fórma as operações d'aquella caixa, com proveito para estas instituições de caridade, foi já mandado executar, nos temos que se julgou mais adequados, por um outro decreto de 23 de dezembro.

Tabaco manipulado nos Açores

A lei de 23 de julho de 1885, que fixouos direitos a que o tabaco manipulado nas fabricas dos Açores e da Madeira fica obrigado nas alfândegas do continente, e que extinguiu os addicionaes às contribuições directas que ali se lançavam em compensação do imposto de tabaco, teve o seu regulamento no decreto de 8 de outubro.

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Caixa economica

E, finalmente, a caixa economica portugueza que, sob a administração da junta do credito publico, foi remodelada por lei de 15 de julho de 1885, vá e entrar em uma nova phase de serviço, mediante as prescripções que ao presente se consignam no respectivo regulamento, sendo bem para desejar que as economias do trabalho ali concorram, na certeza de encontrarem um lucro que ao mesmo tempo as remunere e estimule.

Providencias financeiras a adoptar

Expostas estas providencias, satisfeita por esta fórma a obrigação que constitucionalmente me cabia, voltarei á questão de fazenda, para, em corollario das considerações que vos expendi, chamar toda a vossa esclarecida attenção para as medidas que na actual conjunctura convém adoptar, no intuito de consolidar os recursos existentes, tornando-se mais productivos, para que com elles se possa obtemperar quanto possível aos encargos que affectam o thesouro, procurando, nos limites das forças do paiz, adiantar-nos no caminho de um necessario equilíbrio de receitas e despezas.
Em Portugal, como em toda a parte, os recursos ordinarios são principalmente os impostos; na sua revisão devidamente estudada e reflectida, mais do que na creação de impostos novos, está, a meu ver, a melhor solução do problema que nos occupa.
Não discutirei se é rigorosa a classificação que se faz das contribuições em directas e indirectas; deixo isso para as escolas da doutrina. Aqui, o meu ponto de vista é essencialmente pratico; tomarei por base a legislação em vigor, e com ella a descripção que dos nossos impostos se consigna no orçamento geral do estado.
Olhando á sua incidência e forma de percepção, separal-os-hei em cinco classes distinctas, para maior facilidade de apreciação: na primeira, a contribuição predial; na segunda, a contribuição bancaria, a industrial, a sumsumptuária e de renda do casas, a decima de juros, o imposto de rendimento; na terceira, o sêllo, o registo, os direitos de mercê, e outros de inferior importância; na quarta, os impostos que se cobram nas alfandegas segundo alfandegas, as pautas e os tratados internacionaes; na quinta, o real de agua, o sal, o pescado, os que se arrecadam pela fiscalisação externa!
Direi primeiro sobre quaes d'estes impostos me não parece conveniente legislar por agora.
A contribuição predial foi largamente modificada por lei de 17 de maio de 1880. Era de repartição; determinou-se que para o futuro seria de quota! Conservou-se o ultimo contingente, que se fixara em 3.107:000$000 réis até que revistas as matrizes, se apurasse um rendimento collectavel superior a 31.070:000$000 réis, ephoca em que a fixação do contingente desappareceia para dar logar ao lançamento da decima. Essa epocha ainda não chegou; a lei está, pois, por executar nas suas fundamentaes prescripções. Para que a sua inteira execução se verifique, correm trabalhos da revisão das matrizes; é um serviço indispensavel, já para a regularidade das collectas, já para o maior producto do imposto; mas é um serviço que só gra gradual e prudentemente se pode emprehender e concluir. Estão revistas as matrizes dos districtos de Angra, Beja, Évora, Faro, Horta, Lisboa, Ponta Delgada e Portalegre; e na maioria d'estes districtos são de todo o ponto satisfactorios os resultados obtidos; muitos prédios se inscreveram, que estavam fóra da acção tributaria, muitos rendimentos se liquidaram por verbas superiores às que se haviam descripto, e a muitas desigualdades se poz cobro. Em Bragança, Coimbra, Funchal, Leiria, Santarém, Villa Real e Vizeu, está pendente o serviço de revisão, que em muitas freguesias progride com decidida vantagem. Para o Porto, onde só nos bairros está feito e serviço, e para a Guarda e Vianna do Castello, mandei expedir instrucções para que as matrizes sejam revistas; opportunamente se seguirá a revisão nos districtos de Aveiro, Braga e Castello Branco.
N'estas circumstancias, alterar substancialmente uma lei; de cujo alcance não está ainda feita a experiência, menos avisado se me afigura. Não sou propugnador do imposto de quota; não o proporia para a contribuição predial se o não encontrasse votado; entendo, porém, que uma vez acceito esse systema, e remodelado em condições ainda não ensaiadas, cumpre aguardar os seus resultados práticos para que sobre elles se possa formar um juízo seguro. Não é minha intenção desfazer sem ponderoso motivo a obra dos meus antecessores; desejo antes que o tempo a justifique.
Tão pouco me animo a propor alterações na contribuição de registo, que tão pesada é, ou nos direitos de mercê, que quanto mais se elevam mais difficultam a sua cobrança; são impostos que antes reclamam reducção do que augmento. E pelo que toca ao imposto do sêllo, creio que todos os esforços devem convergir para que as leis ultimamente promulgadas, e só ha pouco postas em execução, sejam devidamente cumpridas.
O imposto do sal, attenuando como foi na determinação da sua taxa por lei de 21 de julho de 1885, embora haja produzido no primeiro semestre deste anno economico menos 51:056$876 réis do que em idênticos mezes do anno anterior, dá assim mesmo ao thesouro uma receita superior a 100:000$000 réis, de que não seria acertado prescindir; e eleval-o seria ir de encontro á ultima deliberação
parlamento. No imposto de pescado, que recáe sobre uma contribuintes que vive de uma tão precária e laboriosa industria, qualquer aggravamento iria ferir interesses, que mais justo é garantir do que vexar.
Mas, pondo de parte estes impostos, largo campo nos fica para uma ampla remodelação tributaria. As reformas que vos proponho abrangem no seu conjuncto: quanto aos impostos directos, a contribuição bancaria, a industrial, a sumptuaria e de renda de casas, a decima de juros e o imposto de rendimento, e os seus respectivos addicionaes; quanto aos impostos indirectos, as diversas pautas das alfandegas, e a tabella das taxas do real de agua. E effectuada a reforma dos serviços aduaneiros e fiscaes, venho propor-vos um complexo do providencias relativas ao serviço das contribuições directas.

Reforma de impostos directos

Começarei por uma rápida exposição dos fundamentos sobre que assenta a proposta de lei n.º 1.
Duas grandes contribuições directas, perfeitamente distinctas e na sua materia collectavel, se devem firmar no nosso systema fazendario: a que recáe sobre os bens immobiliarios, que é a predial; a que incide réis, sobre os rendimentos mobiliários, e esta é o objecto da minha proposta. Os proventos da industria, os lucros do commercio, os juros dos capitães, as prestacões dos titulos de divida publica, os vencimentos dos empregos, as pensões recebidas, e, emfim, as manifestações mais facilmente apreciaveis da riqueza individual, todos estes elementos se podem comprehender em um imposto, quando convenientemente discriminados, para que sobre elles se gradue o lançamennto, e se apure a collecta de cada contribuinte.
Não e propriamente um imposto de rendimento o que se consigna, na minha proposta, muito embora sejam os rendimentos liquidados ou presumidos, que lhe servem de base; é antes uma aggremiação de impostos, sujeita a um systema especial de percepção.
O imposto de rendimento, tal como em differentes paizes se tem estabelecido, assentando sobre as declarações individuaes ou sobre incutias inquirições ácerca do que cada um possue, suscita sempre fundas reluctancias, pelo receio de vexame que me parece conveniente afastar. Reunir e harmonisar contribuições que subordinadas a um mesmo pensamento fiscal se podem enlaçar em preceitos que lhes
sejam communs, por fórma que de todas resulte um deter-

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minado fim tributario, é o que mais justo e equitativo se me afigura.
Se o imposto unico é uma aspiração doutrinaria que praticamente encontraria uma applicação desigual e em extremo difficil, a simplificação dos impostos, por sua natureza assimilaveis, é de uma incontestavel vantagem, tanto para o serviço fiscal como para os contribuintes: menos matrizes a fazer, mais uniformidade nos prasos de reclamação e recurso, menor separação de pagamentos a realisar; para os empregados de fazenda um expediente mais breve; para os collectados um processo mais commodo; para o thesouro um resultado mais prompto e completo.
N'este proposito, condensei em uma só contribuição geral mobiliaria os impostos directos que acima especifiquei.
Esta nova contribuição compor-se-ha de taxas fixas, de percentagens fixas, e de uma percentagem complementar; no seu conjuncto, é de repartição.
As taxas fixas ou variaveis recáem sobre as industrias comprehendidas nas tabellas A e B do regulamento de 1872, encorporadas na tabella geral que o decreto de 3 de junho de 1880 poz em execução, excluídas as que estavam sujeitas a percentagem, e com as modificações que em tabella especial se mencionam agora; e igualmente sobre as manifestações de riqueza individual que eram objecto da contribuição sumptuaria.
Liquidar um a um todos os proventos das industrias, que tantas são e tão diversos lucros conferem, ainda na mesma classe, consoante as pessoas que as exercem, os capitães ou o credito de que dispõem, e a própria ordem de terras onde se instituem, seria empreza de todo o ponto arriscada e fallivel; n'este capitulo do imposto, a fixação e graduação das taxas, e em determinados casos a sua repartição pelos gremios, é o expediente que melhor garantia estabelece. E para não descer á indagação minuciosa dos recursos de que cada um se vale quanto às despezas que faz, preferível é collectar as manifestações de riqueza, que, por ostensivas, mais de plano se podem verificar. São estas as rasões que principalmente militam em favor da manutenção e applicação de taxas fixas a rendimentos que impossível seria liquidar com verdade sem duros e repetidos vexames, e que por isso se collectam mediante as presumpções mais fundadas.
Mas tanto em relação a essas industrias, como no que respeita a especificadas manifestações de riqueza, muitas disposições se contêem na proposta que vos apresento, tendentes a uma melhor graduação de taxas, e a um mais seguro lançamento de collectas. Bastam essas disposições, para sem gravame para os contribuintes, mas com melhor distribuição e fiscalisação do imposto, to obter, pelas taxas fixas e variáveis que se mantêem ou modificam, uma receita que por certo excederá em não pouco a proveniente das antigas contribuições, industrial e sumptuária. Os proventos, que se podem reputar mais parcos, são até sensivelmente alliviados de tributo; porque menores são as taxas que proponho para os officiaes de artes e officiaes, que constituem uma numerosa classe do industrias, e, na tabella C, para as manifestações de riqueza nas terras de ordem inferior.
As percentagens fixas abrangem: os lucros ou dividendos das sociedades anonymas e das emprezas de espectaculos publicos, os vencimentos do pessoal superior d'essas sociedades, e dos empregados dos compromissos marítimos, e os emolumentos dos funccionarios públicos, rendimentos estes que todos têem estado sujeitos á contribuição industrial e bancaria; os juros dos títulos do divida publica, fundada ou amortisavel, os juros e dividendos dos títulos representativos de emprestimos feitos a corporações administrativas, a sociedades anonymas e a outros estabelecimentos, as pensões ou prestações pagas pelas mesmas sociedades, e os ordenados, soldos, pensões ou outras remunerações, a que actualmente se refere o imposto de rendim,ento; e os lucros dos capitaes mutuados a individuos ou sociedades particulares, lucros a que correspondia a antiga decima de juros. A classificação d'estes rendimentos acha-se na tabella D; as percentagens que sobre elles incidem são annualmente fixadas por lei, o que permittirá ás côrtes gradual-as como as circumstancias mais apropositadamente o aconselharem, e em harmonia com o contingente que ao todo se determinar.
Para uma parte dos rendimentos assim tributados, a cobrança das respectivas collectas faz-se por desconto, por ser o meio mais prompto e efficaz; percentagens há, todavia, que têem de ir á matriz para os effeitos do lançamento. No desenvolvimento da proposta de lei se descrevem os termos em que uma e outra fórma de cobrança se tem de effectuar. Aqui, a percentagem é de rigor, visto que os rendimentos se tornam individualmente conhecidos; e é fixo, por isso mesmo que se não baseia em simples presumpções, e, em regra, justo é que cada um pague na proporção do que recebe.
E creio que muito tem a lucrar o nosso systema tributario em definitivamente se pôr termo á antiga e baralhada legislação que regula a decima de juros. Ainda hoje estão em vigor os alvarás de 26 de setembro de 1762, de 11 de maio e de 12 de junho de 1770, e de 14 de dezembro de 1775, interpretados, modificados, e até confundidos por subsequentes portarias e resoluções, sem que uma providencia legislativa haja sequer codificado o que em tão dispersos preceitos se poderia apurar de melhor. Approvada a proposta de lei que vos faço, supprida ficará tão lamentavel omissão. Ahi procurei colligir e firmar os principios que tenho por mais apropriados á imposição de uma percentagem sbre os lucros auferidos ou attribuidos aos capitaes mutuados, nos termos da lei civil, definindo as responsabilidades para com o fisco, provendo á organisação dos manifestos, acautelando os legitimos interesses do thesouro.
A percentagem complementar é lançada sobre as rendas e valores locativos das casas de habitação, ou como taes consideradas. É este o elemento que mais substancialmente se adapta á repartição do imposto. Podem uns contribuintes viver da sua industria, outros do rendimento dos seus capitães, e muitos tão sómente dos seus empregos; o facto, que a todos é commum, é a habitação; as rendas ou valores locativos das casas em que habitam, são, pois, a base mais genérica de contribuição. E verdade que a importância cia renda, ou o valor locativo de uma casa, não é um indicador absoluto da riqueza individual; os encargos de família, os rendimentos de proveniência estrangeira, são circumstancias alheias á matriz, e que, todavia, influem sobre as commodidades que se procura, e sobre o preço ou o valor da locação. SI as por isso mesmo se per-initte na proposta, que estou justificando, que em cada freguezia seja a importância das percentagens medias, em que se desdobra o total da percentagem complementar, repartida por compensações, dentro de certos limites, tendo-se em veja os encargos familiares e os rendimentos que a mais se possa ter alem dos que a matriz descreve.
O que é essencial, o que a todos interessa para que a distribuição do imposto se torne equitativa, é que os preços de arrendamento ou es valores de locação sejam rigorosamente apurados e descriptos; do contrario, resultariam inadmissíveis desigualdades, que a compensação das collectas seria insufficiente para corrigir. Por isso, e a exemplo do que se observa quanto aos capitães mutuados a particulares, se exige o manifesto desses preços ou valores, tornando-se dependente desta imprescindível formalidade lineal o valimento dos direitos e obrigações que dos seus contratos derivam para os senhorios e arrendatários; é esta a mais segura garantia que do cumprimento da lei se tanto aos contribuintes como ao estado. E desde penas se exige a, declaração da verdade quanto a um
facto, que rasão não ha para esconder; e desde que a formalidade se preenche de um modo simples, e que não im-

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porta vexame nem pesado incommodo pessoal; confio em que será de todo o ponto salutar o alcance pratico da medida que alvitro.
A fixação do contingente e das percentagens é annualmente feita pelas côrtes. A vantagem que toem os impostos de repartição, de todos é conhecida: o parlamento, como representante do paiz, pede aos contribuintes a importância do tributo, que entende ser necessario para occorrer às despezas do thesouro, e que julga poder ser são peculiares nas epochas em que legisla.
As bases geraes para a determinação do contingente serão, em cada anno: - o quantitativo das taxas fixas e variaveis cinstantes da matriz do anno anterior; - a somma resultante da applicação das percentagens fixas, que pelas côrtes foram estabelecidas para o anno futuro, á importancia da materia collectavel, a ellas sujeitas, inscripta nas ultimas matrizes, e da que ultimamente houver sido tributada por desconto; e d'ahi a percentagem necessaria para que, incidindo sobre as rendas ou valores collectaveis das casas da habitação descriptos na ultima matriz, produza a differença que há de preencher a quantia total em que o contingente for arbitrado. Estabelecido o contingente, e designadas as percentagens fixas que hão de vigorar no anno subsequente, o governo, em execução do que as côrtes hajam deliberado, só tem a fazer uma operação arithmetica, que não lhe deixa margem a arbitrio de especie alguma: é a distribuição do contingente pelos districtos e concelhos. As taxas fixas e variaveis são, para cada concelho, as que a lei manda applicar aos factos e elementos de collecta, que na matriz se acham inscriptos; as percentagens fixas são as que as côrtes estabeleceram applicadas aos rendimentos da matriz ou tributadas por desconto; a percentagem complementar é a que for necessaria para perfazer o contingente, em relação aos preços ou valores de locação referidos na matriz. A delibaração das côrtes é uma synthese, tirada para o paiz, dos proprios dados, que o governo em seguida desenvolve e especifica para os districtos e concelhos.
Resta o lançamento, a repartição e cobrança, que se verificam nos termos, que singelamente vamos enunciar.
Para toda a contribuição geral mobiliaria, exceptuada a parte que se cobra por desconto, uma só matriz em cada concelho, contendo a descripção das profissões, rendimentos e manifestações de riqueza a collectar, por artigos discriminados e distinctos.
Da matriz se extrahem os avisos que têem de ser entregues aos contribuintes, e em que se especificam os factos sobre que tem de recair o imposto, e os prasos em que se admittem as reclamações e os recursos. Para a decisão dos recursos as juntas fiscaes dos concelhos, que, organisadas por uma forma especial, substituem as actuaes juntas de repartidores. Consignadas as devidas rectificações, procede-se ao lançamento das taxas e percentagens fixas, que é feito pelos escrivães de fazenda. A repartição das taxas variaveis compete aos grémios, constituídos por industrias, tendo-se em attenção a ordem de terras onde estas se exercem; a repartição da percentagem complementar pertence às commissões parochiaes, sendo a maioria dos seus vogaes directamente eleita pelos contribuintes. As reclamações são para os proprios gremios ou commissões; os recursos para as juntas fiscaes. As repartições, representando um beneficio e uma equidade para os contribuintes, são por isso mesmo facultativas; se os gremios ou as commissões se não constituem ou não repartem as collectas nos prasos e nos termos legaes, cessa a repartição, e effectua se o lançamento das taxas variaveis como se fossem fixas, da percentagem media complementar sem mais compensações. Das decisões das juntas fiscaes ha ainda recursos, em determinados concelhos de districto; e d'ahi para o supremo tribunal administrativo, com as formalidades do contencioso perante esses tribunaes. E ainda outros recursos ordinarios ou extraordinarios, se podem levar ante o concelho da direcção geral das contribuições directas.
O pagamento póde effectuar-se por prestações; e para mais se facilitar aos contribuintes, auctorisa-se, a par da recepção das collectas nos cofres publicos, a cobrança domiciliaria realisada por agentes especiaes dos recebedores de comarca.
Por esta forma, desde a organisação da matriz até á arrecadação do imposto, o processo é tão simples, e o expediente tão prompto quanto possível, tendo os contribuintes não só pleno conhecimento do que lhes importa saber, mas ainda toda a latitude na defeza dos suas collectas.
E com o systema que proponho, mais exacta e productiva será a liquidação dos rendimentos tributaveis, e melhor se habilitará o estado a ocorrer ás despezas e encargos de thesouro.

Fixação das percentagens

A execução d'este systema começa com a proposta de lei n.° 2, onde se determinam as percentagens fixas que se deverão cobrar em 1887. Não tem, por emquanto, de se definir o contingente da contribuição geral mobiliaria, visto que, fazendo-se a arrecadação dos impostos por annos civis, não sendo possível organisar a nova matriz o preparar o lançamento do novo imposto para 1886, e não convindo, pela perturbação que occasionaria ao serviço e á contabilidade, applicar aquelle systema a um semestre apenas, só para 187-1888 haverá a fixar o contingente. Mas as taxas fixas, ou variaveis por compensação, e as percentagens fixas começam logo a vigorar em 1887; quanto áquellas taxas, designadas como estão na lei, não ha que, providenciar; mas, quanto às percentagens fixas, que têem de ser annualmente estatuídas, e que na sua maxima parte se cobram por desconto desde o começo do anno de 1887, necessario é que, em additamento á proposta de lei n.° 1, se estabeleçam desde já.
É para isso a minha segunda proposta, em que se contêem ligeiras modificações às percentagens existentes. Assim, as dos n.ºs 1.°,2.° e 6.° são, ao presente, do 14,84 por cento, comprehendendo a contribuição industrial de 10 por cento, os 4 por cento de viação e os 6 por cento addicionaes; ficam em 15 por cento. As dos n.ºs 3.° e 5.° são hoje de 7,42 por cento, com os addicionaes; serão de 7,5 por cento. A do n.º 4.°, que se fixa em 12 por cento, substituo a correspondente- taxa variável da contribuição industrial. As dos n.ºs 7.°, 8.°, 9.°, 10.° e 11.° são as que se cobram já pelo imposto de rendimento. E a do n.° 12.° equivale á decima de juros com os respectivos addicionaes.

Reorganisação dos serviços de fazenda

Como complemento e garantia de execução da reforma de impostos directos, que vos apresente, formulo, na proposta de lei n.º 3, preceitos tendentes a reorganisar, sob o ponto de vista do pessoal, os serviços de fazenda nos districtos e concelhos do paiz. Nem escondo ao parlamento que é meu intito, procedendo assim, coarctar quanto possivel o arbitrio ministerial, sujeitando a normas mais definidas a formação dos quadros e a nomeação dos empregados que têem a seu cargo a administração dos impostos.
Sem duvida são os delegados do thesouro os representantes do governo nos districtos, e como taes devem ser da sua inteira confiança. Ao governo cabe o direito de os nomear e demittir livremente, porque lhe cabe a responsabilidade dos seus actos. Entendo, porém, que as nomeações só devem recaír em determinadas classes de empregados, que, pelas suas habilitações e experiencia adquirida, assogurem e bom desempenho das superiores attribuições que lhes competem; e são essas classes que eu especifico. Entendo, tambem, que saindo esses empregados dos seus lo-

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gares, paira exercerem aquella commissão, devera ser ali devidamente substituídos, pois que, do contrario, ficam os quadros desfalcados no pessoal que lhes compete; e não sei exigir bom serviço das repartições, desde que ellas não tenham o numero de servidores que se lhes attribuiu como necessario. Demais, com as restricções que estabeleço, não receio que se accumulem os addidos.
Nas repartições de fazenda districtaes, os logares de entrada são providos por concurso, é certo, mas tão só de provas documentaes; e as promoções, alternadamente por antiguidade e por concurso de informações e documentos. Não me satisfaz esta forma de concursos, que deixa sempre larga margem ao arbítrio. Proponho, por isso, que para os logares inferiores na escala hierarchica só sejam admittidos a concorrer os que tenham as habilitações, que reputo necessárias; e que os concursos, tanto para os primeiros provimentos, como para as subsequentes promoções, se façam sempre por provas praticas, ante um jury especial, que segundo as suas provas os gradua e classifica, habilitando assim o ministro a decidir com justiça.
Em compensação, julgo de equidade que se elevem os actuaes vencimentos, que diminutos são em verdade, pela forma seguinte:

[Ver tabela na imagem].

(a) Comprehende o escrivão dos direitos eventuaes no Porto.
(b) Comprehende um archivista em Coimbra e outro no Funchal, e os recebedores da receita eventual em Lisboa e Porto.

O augmento de despeza, que daqui resulta, na importancia de 21:400$000 réis, é compensado com as gratificações que, a titulo de serviços extraordinarios, são hoje auctorisadas em 13:000$000 réis, e que cessam desde logo; e com a despeza que se faz com empregados extraordinários e com escrivães de fazenda addidos, despeza que é actualmente de 11:380$000 réis, e que successivamente se reduzirá á medida que aquelles empregados entrarem nos quadros, e por fallecimento dos addidos.
O provimento dos logares de escrivães de fazenda, igualmente necessita, a meu ver, de profícuas modificações. Ao presente, faz-se a primeira nomeação para os logares de escripturarios, em concurso de simples habilitações, que a mais não passam do exame de instrueção primaria; e findo que seja um anno desserviço, em cada escripturario se encontra um pretendente a escrivão de fazenda de 3.ª classe; para as classes superiores sobe-se com a única exigência de um curto tirocínio, e mediante informações, vagas quasi sempre, e em todo o caso de difficil confronto. A consequência é que, não tendo os empregados seguras garantias de accesso, repetidas desigualdades se dão, sem embargo dos melhores desejos que em absoluto possa haver de premiar e escolher com discernimento.
É, portanto, minha opinião que os logares de escrivães de fazenda de 3.ª classe sejam sempre providos por concurso de provas praticas, determinando-se as habilitações que devem possuir os concorrentes; e que as promoções á segunda e á primeira ordem se façam alternadamente por antiguidade e por concurso, preceituando-se ácerca dos candidatos a admittir, e exceptuando-se os escrivães de fazenda das capitães dos districtos, que serão escolhidos de entre os empregados de indicadas categorias. Para estes concursos, que são de habilitação, jurys especiaes, compostos de delegados do thesouro, nomeados pelo governo para as três circumscripções que se delimitam, e que terão as suas sedes em Lisboa, Porto e Ponta Delgada.
Os escripturarios, que sejam nomeados pelos delegados do thesouro, sob proposta dos respectivos escrivães de fazenda, sendo estes os responsaves pelo serviço das suas repartições. De equidade se me afigura, comtudo, que os vencimentos dos escripturarios sejam elevados, nos bairros de Lisboa e Porto, e nos concelhos de Olivaes e Villa Nova de Gaia, de 180$000 réis a 200$000 réis; nos demais concelhos, de 120$000 réis a 150$000 réis, deferindo-se a reclamações que de longe vem, e que na realidade são procedentes. É de 16:770$000 réis o augmento de despeza d'ahi proveniente; mas se por occasião de uma larga reforma de impostos, como a que proponho, e que em muito póde contribuir para a elevação da receita, se não attendesse á precária sorte destes modestos empregados, postergada ficaria a sua causa.
A proposta, que faço, diz tambem respeito aos visitadores fiscaes, que hoje são nomeados, á discrição, para inspeccionarem nos districtos os serviços do sêllo e registro, e que me parece que bem melhor corresponderão ao fim para que se instituíram, desde que as suas attribuições se estendam á fiscalisação externa dos differentes impostos, ficando a sua nomeação restricta a certas classes de empregados, para que tenham condições de competência, e o desempenho dos seus deveres subordinado a princípios definidos e de mais severa administração.
E, finalmente, sujeito às provas praticas de um concurso regular as nomeações para os logares de thesoureiro pagador e de recebedores de comarca, pois que os concursos, que hoje se exigem e realisam para isso, longe estão de garantir um confronto e uma escolha fundamentada.
Remodelados, por esta forma, os serviços de fazenda nos districtos e nos concelhos, poder-se-ha ter um pessoal instruído e experiente na boa execução das leis tributarias, o que a todos aproveitará; aos contribuintes, porque só ha vexame quando a lei não é devidamente interpretada e cumprida; ao thesouro, porque mais rigoroso será o lançamento e a arrecadação dos impostos.
Apoz as contribuições directas, os impostos indirectos.

Reforma das pautas aduaneiras

Na proposta de lei n.° 4 está a reforma das pautas aduaneiras, trabalho ha tanto tempo encarecido e reclamado, como de summa vantagem para o paiz. Ainda na ultima sessão parlamentar foi a necessidade desta reforma insistentemente affirmada; ahi tomei sobre mim o compromisso de a emprehender.
Através de successivas edições, e de ainda mais frequentes modificações tributarias, já por virtude de leis especiaes, já em consequencia de tratados feitos com nações estrangeiras, enredadas e de difficil applicação ficaram as pautas até hoje em vigor, prolixas em muitos dos seus dizeres, desconnexas em muitos dos seus preceitos. A insuficiencia da sua classificação, a multiplicidade dos seus artigos, a accumulação de impostos de diversa incidência e natureza, em muito tem contribuído para a morosidade do expediente aduaneiro, para a complicação no apuramento estatístico do movimento do commercio das receitas, e para as repetidas anomalias e contestações, a que superiormente se tem procurado pôr termo.
Feito o ultimo tratado com a França, e generalisadas as suas disposições por lei de 7 de junho de 1882, fiz proceder, pelo conselho geral das alfândegas, a uma nova edição pautai, que por decreto de 17 de setembro ultimo foi mandada observar, e em que se compendiaram, na possível harmonia, as prescripções applicaveis aos despachos alfandegários. Foi esse um importante serviço prestado por aquelle conselho, um valioso documento de simplificadora coordenação.

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Mas o que nem o conselho nem o governo podiam fazer era modificar essencialmente as pautas, no seu contexto como na imposição dos seus direitos; e de pé ficou, portanto, a conveniencia de uma reforma, que, se me é dado propor, só ao parlamento cabe decretar. Por isso, e no desempenho do compromisso que tomei, publicada, que foi, em 17 de setembro, a reorganisação dos serviços aduaneiros e fiscaes, em que se comprehendeu o conselho superior das alfândegas, dando-se-lhe os elementos de que carecia para o seu mais completo funccionamento, o fiz convocar para se proceder á revisão das pautas. E desta corporação me acerquei, não só porque mais propriamente lhe cabia o esclarecer-me e auxiliar-me em tão ponderoso assumpto, como porque, na provada illustração e competência dos seus vogaes, tinha eu uma segura garantia do bom êxito para o emprehendimento que me animava.
Em 30 de setembro se verificou a primeira reunião do conselho, e só ha pouco findaram as repetidas sessões, a que sempre assisti, e em que foi minuciosamente estudada e reflectida a reforma que venho sujeitar á vossa approvação. Para esta reforma foram importantes subsídios - o inquérito industrial a que, como ministro das obras publicas, procedi em 1881, e que com tão louvável dedicação foi levado a effeito pela commissão a que especialmente se incumbiu; e as numerosas representações, que por parte da industria e do commercio foram ultimamente dirigidas ao conselho.
Adiante vos apresento a consulta, em que se baseia a proposta do lei, acompanhada de todos os documentos que vos podem servir de informação quanto ao modo por que os trabalhos se executaram, e aos legitimos interesses e reclamações, a que por esta occasião se procurou attender. E pela minha parte, verdadeira satisfação tenho em que n'aquella consulta se consubstanciassem as opiniões de todo o conselho, sendo firmada, sem discrepância de um voto, por todos os que tão desveladamente cooperaram na árdua tarefa de uma reforma de pautas.
A pauta de importação, de todas a mais importante, refundiu-se nas bases de uma nova classificação, que poderá não ser rigorosamente scientifica ou technologica, mas que pareceu ser a mais apropriada á sua devida observância e interpretação nas alfândegas; agruparam-se os artigos em doze classes, e muitos se fundiram, cujo desdobramento só servia para confundir e embaraçar os que tinham de as applicar ao expediente aduaneiro.
E por outro lado, consideravelmente se simplificou o lançamento dos impostos, englobando em um só, com a reducção ou o augmento que se julgou conveniente, o direito strictamente pautal, a taxa complementar ad valorem, creada e acrescida por leis de 18 de março de 1873 e de 23 de abril de 1880, e o addicional de 6 por cento, instituído por lei de 27 de abril do 1882. Só ficaram de parte: o imposto movei ad valorem, até 2 por cento, que, para especial applicação aos melhoramentos dos portos do continente e ilhas, foi estabelecido por lei de 26 de junho de 1883; e a percentagem que para divisão de emolumentos se cobra nas differentes alfandegas do paiz. E a isto cumpre attender na comparação dos actuaes direitos da pauta com os que na proposta vão consignados.
Desta simplificação de impostos, como da melhor classificação de doutrinas, resultará sem duvida um notável beneficio para o expediente, escripturação e contabilidade das casas fiscaes; os despachos serão mais rápidos e mais prompta a documentação da receita.
Os princípios em que se inspirou a reforma, nem foram os do livre cambio, nem os de um exagerado proteccionismo; foram si os de uma justa conciliação dos interesses do thesouro com o movimento do commercio e o progresso das industrias.
As questões económicas, que tantas são as que ácerca de uma pauta se ventilam, não podem resolver-se abstractamente, á luz dos mais puros dictames da philosophia da industria; são questões vitaes para um paiz, que só praticamente, em presença das circumstancias que se dão, da recursos de que se dispõe, dos progressos já feitos e das forças já adquiridas para a luta da concorrência, se podem resolver, sob pena de se anniquillar, de um golpe, industrias que rasoavelmeute protegidas seriam viáveis e proveitosas, ou de por uma fatal imprevidência, se atalhar uma corrente de transacções, que, bem encaminhada, poderia ser um manancial de riqueza.
A protecção descomedida, fechando as portas aos artefactos estrangeiros, nem estimula o aperfeiçoamento das industrias nacionaes, nem permitte que os rendimentos do thesouro se acresçam; incita ao contrabando, obriga a uma fiscalisação, que nem por dispendiosa se torna efficaz, e ou cria um monopolio que se não justifica, ou desperta no proprio paiz uma tão accesa rivalidade de interesses, que a ninguém aproveita e a muitos arruina. Mas tambem, por outro lado, a falta de uma esclarecida e graduada protecção entibia toda a iniciativa industrial, substituo ao movimento das fabricas o abandono das emprezas, depaupera os recursos que uma exploração intelligente faria realçar e valer, e illusão seria acreditar que com isso lucraria a fazenda publica, pois que para importar é necessario possuir, e para possuir é necessario ganhar.
Se, pois, ha questões em que o opportunismo impere, é precisamente nas questões económicas; desde que a industria caminha, desde que as transacções do commercio se desenvolvem, desde que as condições e os elementos de prosperidade variam e se transformam, não podem as pautas ficar estacionarias; ahi se reflecte toda a combiante da especulação que se accentua, e forçoso é que acompanhem as alternativas da grande lucta do trabalho.
Para que nos serviria inscrever no nosso código aduaneiro os princípios da mais adiantada liberdade de cambio, se o estado das nossas industrias a não comportasse? Engrossavam-se com isso as receitas fiscaes? De momento, emquanto subsistissem as forças já adquiridas; depois a anemia, e em seguida as convulsões da reacção. Bem mais prudente e avisado é, portanto, caminhar sem perigosos sobresaltos, acautelando a estabilidade e o incremento das receitas, mas sem impedir a iniciativa e o progresso das industrias; olhando ao alargamento das transacções mercantis, mas sem descurar a evolução dos commettimentos com que se a vigora- a riqueza nacional.
E este foi o pensamento a que obedeceu a proposta reforma das pautas.
Os direitos estabelecidos nos tratados de commercio ultimamente feitos com a França e a Hespanha foram em geral conservados; eleval-os era impossível, diminuil-os só por muito justificada excepção.
Como principio, preferiu-se o direito fixo á percentagem ad valorem, para maior facilidade e rigor na applicação do imposto; as taxas ad valorem, baseando-se nas declarações ou nas facturas dos interessados, são de mais difficil averiguação e lançamento. Sem embargo disto julgou-se, todavia, mais conveniente a substituição, dos direitos fixos, actualmente cobrados nos despachos da madeira não especificada, para evitar as medições, que feitas a bordo têem dado Togar a consideráveis abusos, e feitas em terra importam grande morosidade no expediente; por isso a medida agora adoptada deve ser de incontestável vantagem. E tambem se recorreu ao direito ad valorem para collectar artigos do mesmo agrupamento, quando muitos e diversos.
Materias primas, em não pequeno numero, foram isentas ou alliviadas de imposto; taes são as dos artigos 29.°, 30.°, 32.°, 60.°, 76.°, 109.°, 136.°, 145.°, 150, 177.°, 187.°, 205.°, 206.°, 207.°, 290.°, 296.°, 297.°, 301.° e 308.° da proposta, quando comparados com os artigos 32.°, 69.°, 88.°, 98.°, 100.°, 101.°, 137.°, 155.°, 200.°, 604.° 443.°, 451.°, 452.°, 390.°, 377.°, 378.°, 412.°, 413.°, 414.°, 417.°, 332.°, 354.°, 355.°, 310.°, 313.°, 314.°, 67.° e 68.º da pauta ainda em vigor. Entre todas avulta o carvão de pe-

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dra e de coke, que por lei de 23 de abril de 1880 pagavam 300 e 600 réis por tonelada, e que, sendo verdadeiras matérias primas de muitas e importantes industrias, ficaram livres de tributo.
Generalisando-se as disposições do tratado de commercio com a Hespanha, livre ficou tambem a importação do gado, com excepção do gado suino, que pela pauta A está sujeito ao direito de 90 réis por cabeça.
Com respeito a differentes artigos, cuja classificação para o effeito do imposto tem suscitado repetidas difficuldades e divergências, e nomeadamente ácerca do assucar o do papel de escrever, se tomaram resoluções tendentes a por termo a quaesquer duvidas ou conflictos, sem prejuizo, antes com beneficio, para as industrias do paiz. No assucar concedeu-se uma differença de 10 réis por kilogramma para o importado do Brazil, por ser o que principalmente serve para a refinação, e por se reconhecer a extrema difficuldade de destrinçar praticamente, pela sua graduação, os typos que devessem sujeitar-se a taxas differentes. E quanto ao papel para escrever, distinguiu-se o continuo em rolo do cortado para melhor extremar uma e outra espécie do papel do outras qualidades, que, pela pauta B, está comprehendido ein uma taxa muito inferior.
Os direitos sobre o tabaco foram tambem modificados; estes direitos toem sido:

Rolo Folha Charutos Manipulações diversas

[Ver tabela na imagem].

O rendimento d'aquelles impostos, a partir de 1864-1865, foi por annos economicos, de:

[Ver tabela na imagem].

Daqui se conclue: que a elevação do imposto votado em 1871 não deu logar a antecipação de despachos, ao passo que larga foi a antecipação em presença do aggravamento feito em 3879; que do.1865-1866 a 1869-1870 o augmento foi de 228:3355096 réis em quatro annos; de 1871-1872 a 1877-1878 foi de 1.009:961$000 réis em seis annos; de 1879-1880 a 1884-1885, tomando-se para aquelle anno a media dos três que decorreram de 1878-1879 a 1880-1881 foi de 305:140$775 réis em cinco annos. Em presença destes resultados, e porque, sendo menor o incentivo para o contrabando, mais fácil será a fiscalisação, creio que a diminuição que proponho no imposto, longe de cercear a receita, contribuirá antes para a elevar. E não fica prejudicada a industria fabril, que pela lei de 1864 tinha uma protecção de 700 réis por kilogramma quanto aos charutos e do 300 réis quanto às outras manipulações, pela lei de 1871, protecção de 800 réis e de 400 réis e pela de 1879 de 960 réis e de 480 réis, desde que para os charutos se estabeleça uma differença, sobre a folha, de 900 rei?, e para as demais espécies, que são as que mais affectam a concorrencia, de 500 réis por kilogramma.
Afóra estes artigos muitos outros foram objecto de alterações, que todas obedecerem ao pensamento em que se inspirou a reforma.
A pauta de exportação foi remodelada pela forma que pareceu mais consentânea com os interesses do commercio e do fisco. Abolir essa pauta fura, sem duvida, uma generosa aspiração; mas a importancia dos direitos, que por ella se cobrou em 1884 foi de 443:052$000 réis, e as circumstancias do thesouro não permittem que se prescinda de uma tão avultada receita.
Em relação ao vinho, que é omais fecundo elemento da nossa riqueza agrícola, e que felizmente tão procurado tem sido nestes últimos tampos, reduzem-se a um direito fixo os differentes impostos que sobre elle incidem. E de 7 réis por decalitro o actual direito da pauta. Mas, para o continente, o decreto de 19 de dezembro de 1878, regulamentando a lei de 17 de maio desse anno, firmou a percentagem complementar de 2 por cento sobre o valor de 305000 réis por 534 litros quanto ao vinho exportado pelos portos seccos, sobre o de 405000 réis quanto ao exportado pelos portos molhados do continente, e que não entrassem nas barreiras do Porto e de Villa Nova de Gaia, e sobre o de 100$000 réis quando dessem entrada n'essas barreiras; estas bases de lançamento foram recentemente alteradas por decreto de 17 de setembro de 1885, que, em deferimento a repetidas reclamações, mandou que em todo o continente se distinguisse o vinho commum do licoroso, entrando os seus valores nas tabeliãs que trimestralmente são elaboradas pelo conselho superior das alfândegas; claro é, porém, que os 2 por cento ad valorem subsistem ainda. E na ilha da Madeira, por virtude da lei de 27 de maio de 1843, paga o vinho, exportado para o continente, mais um direito fixo de 4,62 réis por litro, e de 12,31 réis por litro quando exportado para paizes estrangeiros. Ora, feito o cômputo á percentagem que recáe sobre os valores do vinho no continente, e reunida aos 7 réis do direito pautai e aos 6 por cento addicionaes, apura-se: para os vinhos licorosos a taxa de 45,5 réis; para os communs a de 20,1 réis; e pela pauta, agora proposta, fixa-se aquella taxa em 50 réis, e esta em 18 réis, uniformemente, para o continente e ilhas, extinguindo-se todos os impostos que acresciam a este valiosissimo ramo do exportação, cujo incremento se podo avaliar pelos seguintes dados:

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Exportação da vinhos portuguezes effectuada nos ultimos dez annos

[Ver tabela na imagem].

Nas pautas de reexportação e baldeação foram abolidos todos os direitos, o que representa um favor de largo alcance para o nosso commercio; era este um desideratum, de ha muito formulado, especialmente pela praça de Lisboa, e que por occasião da presente reforma se me afigura poder-se conceder, compensada como fica a perda de receita que d'ahi provém com o maior rendimento que de alguns artigos de importação e de consumo deve resultar.
A pauta dos direitos do consumo era Lisboa, revista e modificada como se acha, augmentará, segundo todas as probabilidades, e sem injustificados vexames, os recursos do estado e do município de Lisboa.

Emfim, no seu conjuncto, não me arreceio de que a reforma que proponho faça baixar as receitas aduaneiras, tão prudente e cautelosa foi a revisão a que se procedeu. Antes tenho fé em que, simplificado o serviço, e harmonisados os impostos, mais segura será a applicação da lei, mais rápido o expediente das casas fiscaes, e que em breve a experiencia virá demostrar que para o thesouro, como para a industria e para o commercio, foi benefico o proposito que dictou o complexo de providencias que tendes a apreciar.

Real de agua

Reformada a pauta do consumo na cidade de Lisboa, consequente é rever tambem as taxas que peio real de agua se cobram no resto do paiz. É esse o objecto da proposta de lei n.º 5.
N'esse intuito se me afigura justo separar, para os effeitos do imposto, as capitães dos districtos das demais terras do reino, e uniformisar a legislação do real de agua, tornando-a extensiva às ilhas adjacentes.

O documento n.° 100 mostra qual tem sido a importancia do real de agua nos últimos cinco annos economicos: de 896:168$693 réis, em 1880-1881, successivamente se elevou a 1.075:671$266 réis, em 1884-1885.

O documento n.° 101 indica o producto das differentes taxas deste imposto, liquidado, por generos tributaveis, no anno de 1884-1885, nos districtos e nas alfandegas do continente e ilhas.

As alterações, que proponho, ao disposto no artigo 2.º do decreto de 29 de dezembro de 1879, e a comparação das taxas do real de agua com as da pauta do consumo de Lisboa, em presença das leis vigentes e da proposta que faço, consubstanciam-se no seguinte quadro, que vos servirá de prompto esclarecimento:

[Ver tabela na imagem].

1 É o direito correspondente á carne limpa de gado bovino abatido fora da cidade, fresca, seca, salada ou fumada.

Por este confronto se evidencia que muito distanciadas ficam ainda as taxas do real de agua das do consumo era Lisboa. E, todavia, creio que afoitamente posso calcular em 400:000$000 réis o acréscimo de receita que advirá da approvação da minha proposta.
Direi sobre que baseio este meu calculo.
O aggravamento das taxas dá-se principalmente na carne e no vinho; no vinagre e nas bebidas-fermentadas faz-se alguma reducção quanto às terras inferiores; conserva-se a taxa do arroz; nas bebidas alcoólicas e no azeite de oliveira as taxas sobem, só nas capitais de districto.
O real de agua é já hoje applicavel á carne nos proprios districtos insulanos; à taxa é de 13,967 réis em Ponta Delgada; 8,714 réis na Horta; 6,333 réis no Funchal; 5,28 réis em Angra. Acceitando ahi, como taxa media, a do continente, 10 réis, o que é desfavoravel ao meu calculo, temos que, sendo o rendimento do imposto sobre a carne, pelo real de agua, em 1884-1885, de 228:321$415 réis, sendo a população total do paiz de 4.550:000 habitantes, segundo o censo de 1878, e sendo a população respectiva às capitaes de districto, exceptuando Lisboa, de 270:000 habitantes, é de 13:500$000 réis a parte que a essas capitães cabe no imposto; elevando-se ahi a taxa de 10 réis a 25 réis, muito inferior ainda á de Lisboa, o augmento será de 20:250$000 réis. Calculando-se sobre idênticas bases porá as restantes terras do paiz, onde a taxa sobe apenas de 10 a 12 réis, apura-se um augmento de 20:250$000 réis. As duas verbas perfazem, pois, 63:250$000.
No attinente ao vinho das ilhas adjacentes, só o Funchal paga 4 réis pelo real de agua; no Porto e em Villa Nova de Gaia a taxa é de 10 réis; nas outras terras, exceptuando Lisboa, é de 7 réis.

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O rendimento do imposto, no ultimo anno, abstrahindo do Porto e Villa Nova de Gaia, foi de 412:740$000 réis; e sendo a população, excluídas essas duas povoações e as das ilhas, de 4.061:000 habitantes, e nas capitães de districto, menos Lisboa e Porto, de 180:000 habitantes, segue-se que a parte, que no imposto tocou a, essas capitães, foi de 18:290$000 réis; elevando-se a taxa de 7 a 15 réis, o augmento será de 20:000$000 réis. No Porto a taxa sobre o vinho produziu 122:000$000 réis, e subindo de 10 a 15 réis deverá produzir mais 66:000$000 réis. No resto do paiz, com excepção das ilhas, o rendimento foi de rei 394:450$000, crescerá em 169:000$000 réis. Nas ilhas adjacentes consumiram-se no ultimo anno 2.800:000 litros, que a 10 réis representam 28:000$000 réis, e como ahi se arrecadaram apenas 4:000$000 réis, haverá na cobrança um acrescimo da 24:000$000 réis. E todos os augmento indicados perfazem 279:000$000 réis, que, com os rei 63:250$000 resultantes da maior taxa sobre a carne, sommam 342:750$000 réis.
A differença para os 400:000$000 réis, que mencionei, será seguramente preenchida pela uniformidade que se estabelece quanto á imposição das taxas a que ficam sujeitas todas as fabricas do distillação de aguardente, ou sejam situadas dentro ou fora das cidades de Lisboa ou Porto, e pelo que a mais possam produzir, nas capitães de districto, o azeite e as bebidas alcoólicas.
É certo que por vezes o aggravamento das taxas dá logar á restricção no consumo, mas quem imparcialmente reflectir sobre as taxas, que para as differentes localidades do paiz graduadamente se estabelecem, reconhecerá com verdade que nem são excessivas nem injustamente dês iguaes.
É penoso ter de aggravar as taxas que pesam sobre alguns dos generos sujeitos ao real de agua; mas desde que se reconheça que esse aggravamento não é exagerado, e que póde resultar d'elle um considerável augmento de receita, justificada será a minha proposta pelas rasões em que se inspira. Todo o imposto representa um sacrificio: por isso mesmo só torna necessario gradual-o devidamente. Foi isso o que procurei fazer quanto ao real de agua e aos direitos do consumo em Lisboa.
O que é impossível é resolver a questão de fazenda, sem que todos; se empenhem em promover o crescimento das receitas. É o que faço, cumprindo o meu dever.

Despezas extraordinarias para 1886-1887

Finalmente, a proposta de lei n.° 6, completando o orçamento geral do estado, lixa a despeza extraordinaria do exercicio de 1886-1887 em 4.285:000$000 réis. Foi de 4.940:700$000 réis a primitiva auctorisação para o exercício corrente, e já desenvolvidamente vos expuz as rasões por que esta verba é agora rectificada em quantia bastante superior; essas rasões, de caracter transitório, como mostrei, devem cessar com o presente exercício. E, na considerável reducção da tabella da despeza extraordinária para o exercício futuro, vae consignado o firme propósito em que o governo está de não avolumar os encargos do thesouro, nem difficultar o recurso ao credito.
Baixa de 50:000$000 réis a 10:000$000 réis a despeza extraordinaria arbitrada para o ministerio do reino 5 de réis 300:000$000 a 200:000$000 réis a da guerra; de réis 4.014:000$000 a 3.410:000$000 réis a das obras publicas; mantem-se nos limites anteriores a da marinha; e só na do ultramar ha um augmento de 204:300$000 réis, em consequencia do déficit das províncias ultramarinas, e da garantia de juro relativa á secção do cabo telegraphico até Bolama e Bissau.
Reunindo o deficit ordinário, calculado para o futuro exercício em 1.747.579$028 réis, com os 4.285:000$000 réis de despeza extraordinaria, o total do recurso ao credito seria de 6.032:579$028 réis. Mas, ao occupar-me do orçamento ordinario, creio ter levado á evidência que a receita ahi calculada seria em muito excedida; o successivo crescimento das receitas aduaneiras, facto este de todo o ponto incontestável, o maior producto do imposto do sêllo, a que só recentemente se deu inteira execução, a elevação que já no primeiro semestre do corrente anno económico tiveram, os rendimentos geraes, tudo, emfim, nos convence de que, assentado o propósito de quanto possível se restringirem as despezas aos seus necessários limites, sensivelmente decrescido será o deficit ordinario de 1886-1887.
E para obviar ao desequilíbrio, que entre as receitas e despezas totaes possa haver, formulei as propostas de lei, em que se contém as medidas que se me afiguram mais conducentes a fazer valer os recursos do paiz, que convenientemente dirigidos e aproveitados bem podem fazer face aos encargos existentes.
Tenho, pela minha parte, envidado todos os esforços para, sem graves perturbações na nossa vida económica, promover a elevação dos rendimentos públicos. Pelo que toca aos impostos directos, apresento-vos um systema de lançamento e cobrança, que, abrangendo as contribuições mais importantes do estado, uma vez exceptuada a predial, as transforma sobre bases mais seguras e productivas; e proponho-vos uma reorganisação dos serviços de fazenda, por forma a tornal-os mais apropriados e efficazes. No que respeita aos impostos indirectos, realisada a reforma dos serviços aduaneiros e fiscaes, sujeito á vossa consideração a remodelação das nossas pautas, incluindo a do consumo em Lisboa, e a revisão das taxas que, pelo real de agua, têem de se applicar no resto do paiz.
São estas as providencias, com que venho discutir comvosco a questão de fazenda, certo de que a vossa superior comprehensão e auctoridade supprirá as omissões do meu apoucado trabalho, esclarecendo a justa resolução do problema, que ao presente mais interessa ao paiz.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro do 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei n.° 1

N.° 7-A

Art. 1.° E approvada, para todos os effeitos, a reforma de impostos directos, que faz parte da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. - Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Reforma de impostos directos

Contribuição geral mobiliaria

CAPITULO I

Disposições fundamentaes

Art. 1.° Ficam extinctos, a partir do 1.° de janeiro de 1887 em diante, os impostos que actualmente se arrecadam com as denominações de contribuição industrial, bancaria, de renda de casas e sumptuária, decima de juros, imposto de rendimento, e imposto de 6 por cento creado pela carta de lei de 27 de abril de 1882, addicional às quatro primeiras contribuições, e substituídos por um só imposto, que se denominará «contribuição geral mobiliaria», arrecadavel nos térreos da presente lei.
Art. 2.° A contribuição geral mobiliaria abrange na sua incidência:
1.° O exercicio do commercio e de todas as demais industrias, profissões, artes ou officios;
2.° As manifestações de riqueza individual, especialmente indicadas na presente lei;
3.° Os juros, lucros ou dividendos pagos ou distribuídos por sociedades anonymas, e os lucros auferidos por determinadas emprezas;
4.° Os vencimentos de todos os empregados públicos, do estado ou das corporações administrativas e estabele-

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cimentos subsidiados ou não pelo estado, e os de outros especialmente indicados nesta lei;
5.° As prestações ou pensões pagas pelas sociedades anonymas;
6.° Os rendimentos dos capitães empregados em obrigações e outros títulos de divida publica fundada ou amortisavel, e os do papeis similhantes representativos de empréstimos contrahidos por corporações administrativas e estabelecimentos subsidiados ou não pelo estado, o por emprezas constituídas em sociedades anonymas ou parcerias mercantis, e bem assim os rendimentos de acções dessas mesmas sociedades;
7.° Os lucros auferidos ou attribuidos aos capitães, por qualquer outra forma mutuados a individuos ou a sociedades particulares;
8.° As rendas ou valores locativos das casas de habitação ou como taes consideradas.
Art. 3.° A contribuição geral mobiliaria compõe se:
1.° De taxas fixas ou variáveis por compensação;
2.° De percentagens fixas;
3.° De uma percentagem media complementar.
§ 1.° A taxas fixas ou variáveis ficam sujeitos:
1.° As industrias, profissões, artes ou officios comprehendidos nas tabellas actualmente em vigor, A e B, encorporadas na tabella geral approvada por decreto de 3 de junho de 1880, com exclusão das industrias da tabella A, mencionadas nas verbas da dita tabella geral n.ºs 55, 56, 162, 200, 202 e 220, que passam para a tabella D, e com as modificações designadas no artigo 11.° e respectiva tabella annexa a esta lei.
2.° As manifestações de riqueza, individual, constantes da tabella annexa C, que faz parte da presente lei.
§ 2.° A percentagens fixas ficam sujeitos os juros e dividendos, os vencimentos, rendimentos e lucros especificados na tabella D, annexa a esta lei.
§ 3.° A percentagem media complementar ficam sujeitas as rendas ou valores locativos das casas de habitação ou como taes consideradas.
Art. 4.° A contribuição gerai mobiliaria é de contingente, fixado annualmente pelas cortes na lei do orçamento ou em lei especial, e sujeito apenas às eventualidades do lançamento e da cobrança, nos termos desta lei.
§ 1.° As cortes determinarão tambem annualmente, sobre proposta do governo, as percentagens fixas que no anno seguinte devam ser applicadas aos rendimentos a ellas sujeitos nos termos d'esta lei.
§ 2.° Para a fixação do contingente de cada anno ter-se-ha em attenção:
1.ª A somma que, em taxas fixas e variáveis, e em percentagem media, houverem produzido no anno anterior as matrizes desta contribuição;
2.ª O producto que resultar das percentagens fixas determinadas para o respectivo anno, applicadas á somma da materia collectavel a ellas sujeita segundo as mesmas matrizes;
3.ª O producto da applicaç.ào das competentes percentagens á importancia total dos rendimentos sobre que devam incidir por desconto, computada essa importancia pela cobrança que, por tal meio, se houver realisado no anno anterior, conforme constar da respectiva conta geral do estado.
Art. 5.° Fixado por lei o contingente geral da contribuição, o governo, deduzindo do mesmo contingente a importância correspondente á somma das taxas fixas e variáveis, e ao producto das percentagens fixas, computada nos termos especificados nas bases 1.ª, 2.ª e 3.ª do § 2.° do artigo antecedente, apurará a percentagem media que, applicada aos elementos de collecta designados no artigo 2.º n.° 8.°, e constantes das matrizes do anno anterior, deve, com aquella importancia, perfazer a totalidade do referido contingente.
§ 1.° Seguidamente, por «m decreto, em que se mencionarão as bases adoptadas, publicará o governo a dita percentagem e um mappa da distribuição do contingente geral pelos concelhos de todos os districtos do continente do reino e ilhas adjacentes, sendo essa distribuição rigorosamente feita sobre as indicações que, para cada concelho, fornecer a respectiva matriz do anno anterior, especificando se no mesmo mappa, conforme d'esta constar, a totalidade das taxas fixas e variáveis, a somma dos elementos de riqueza sujeitos às percentagens fixas e o producto doestas, e finalmente a somma dos demais elementos de importo sujeitos á percentagem media e o producto da applicação da mesma percentagem.
§ 2.° Para o effeito da referida distribuição serão os bairros de Lisbaa. e Porto considerados como formando um só concelho no respectivo districto.
§ 3.° Os contingentes que couberem aos concelhos dos districtos dos Açores serão ali convertidos em moeda d'aquelle archipelago, mediante um augmento de 20 por cento.
Art. 6.° Para os effeitos desta lei, todas as povoações do continente do reino e ilhas adjacentes serão classificadas em seis ordens, pela forma seguinte:
Na primeira ordem - a cidade de Lisboa, com excepção da zona annexada ao município pela lei de 18 de julho de 1885.
Na segunda ordem - a cidade do Porto, com excepção das freguezias abaixo designadas; a nova zona annexada ao município do Lisboa; e a freguezia do Beato.
Na terceira ordem - as demais cidades, que forem capitães de districtos administrativos, qualquer que seja a sua população;
- as freguezias do Campanha, Lordello, Foz e Paninhos, da cidade do Porto;
— a povoação sede do concelho de Villa Nova de Gaia;
— e todas as povoações que, sendo cabeças de comarca, tiverem mais do 4:000 habitantes.
Na quarta, ordem - as povoações que, sendo cabeças do comarca, tiverem menos do 4:000 habitantes;
- e as povoações que, sendo apenas sedes de concelho, tenham mais de 3:000 habitantes.
Na quinta ordem - as povoações que, sendo apenas sedes de concelho, tenham monos de 3:000 habitantes;
- e as povoações que, não soado sedes de concelho, tenham mais de 1:000 habitantes.
Na sexta ordem - as povoações que, não sendo sedes de concelho, tenham menos de 1:000 habitantes.
§ único. Para a classificação, de que trata este artigo, tomar-se-ha sempre por base o ultimo censo official, a que se haja procedido, computando-se nas differentes povoações toda a população das freguezias que dentro d'ellas tiverem a sua séde.
Art. 7.° Da contribuição geral mobiliaria são isentos:
1.° Os membros do corpo diplomatico estrangeiro em effectivo serviço;
2.° Os agentes consulares de paizes estrangeiros, sómente com respeito aos proventos do seu emprego;
3.° Aquelles que estiverem isentos de impostos por leis especiaes.

CAPITULO II

Disposições especiaes relativas ao lançamento das taxas fixas e variaveis

SECÇÃO I

Das industrias sujeitas a taxas fixas ou variaveis
Art. 8.° Á contribuição geral mobiliaria ficam sujeitas, pelo n.° 1.° do artigo 2.° da presente lei, todas as pessoas, nacionaes ou estrangeiras, que exercerem, no continente do reino e nas ilhas adjacentes, qualquer industria, profissão, arte eu officio designado nas tabeliãs A e B, a que se referem o § 1.° n.° 1.º do artigo 3.° e o § único do artigo 11.° d'esta lei.
§ 1.° Qualquer industria, profissão, arte ou officio omisso nas ditas tabellas, mas que obviamente se possa assimilhar

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a algum dos que ali se acharem mencionados, será segundo este collectado na respectiva contribuição, se a ella não estiver sujeito por outra fórma.
§ 2.° Exceptuam-se da disposição d'este artigo:
1.° Os pescadores ou emprezas de pesca, e os concessionarios de minas, com relação a estas industrias, emquanto por ellas estiverem sujeitos a impostos especiaes;
2.° Os cultivadores ou exploradores de predios rusticos, com relação a essa exploração, por estarem por ella sujeitos á contribuição predial;
3.° Os jornaleiros ou trabalhadores que não exercerem alguma das profissões designadas nas tabellas;
4.° As caixas economicas e os monte pios legalmente estabelecidos.
Art. 9.° No lançamento das taxas fixas, relativas a industrias, profissões, artes ou officios, não influe a grandeza das povoações em que estes sejam exercidos, e a sua imposição será regulada pelas diversas disposições d'esta lei e tabella A a que se refere o artigo o.° § 1.° n.° 1.°
Art. 10.° O lançamento das taxas variaveis, sujeitas a repartição por compensação e impostas a outras industrias, profissões, artes ou officios, - a uns conforme a grandeza das povoações em que forem exercidos; a outros sem que a essa consideração se attenda, no todo ou em parte, - será regulado pelas diversas disposições desta lei e tabella B a que tambem só refere o artigo 3.° § 1.° n.° 1.°
§ 1.° As industrias, profissões, artes ou officios, em cujas taxas influe a ordem das povoações onde forem exercidos, são distribuídos em oito classes, e serão collectados em harmonia com a primeira e segunda parte da dita tabella.
§ 2.° As industrias, profissões, artes ou officios, em cujas taxas não influe a ordem das povoações onde forem exercidos, serão collectados na conformidade da terceira parte da mesma tabella.
Art. 11.° Nas tabellas A e B far-se-hão as modificações constantes da 1.ª tabella annexa a esta lei.
§ unico. O governo organisará uma nova tabella geral com as modificações prescriptas nesta lei, e augmentará as respectivas taxas com a importancia equivalente ao addicional de 6 por cento creado por lei de 27 de abril de 1882.
Art. 12.° As taxas de que tratam os artigos 9.° e 10.° serão, na conformidade da lei de 10 de abril de 1875, applicadas sómente em 60 por cento aos contribuintes que, nos tres districtos dos Açores, - Angra, Horta e Ponta Delgada - e no districto do Funchal, exercerem as industrias, profissões, artes ou officios comprehendidos nas tabellas a que os mesmos artigos se referem; sendo, porém, as mesmas taxas reduzidas, nos três primeiros districtos, a moeda insulana, mediante o augmento já indicado no artigo 5.° § 3.° em relação ao contingente.
Art. 13.° Ás taxas fixas ou variaveis são sujeitos, em cada concelho ou bairro, todos os contribuintes que n'elle exercerem alguma ou algumas das industrias, profissões, artes ou officios comprehendidos nas tabellas respectivas.
Art. 14.° As taxas serão sempre lançadas aos donos dos estabelecimentos, e não a quem os dirigir em nome d'elles.
Art. 15.° As sociedades com firma serão collectadas por meio de uma só taxa.
Art. 16.° Os contribuintes serão sempre collectados em relação á ordem da terra em que habitualmente exercerem o seu commercio, industria, profissão, arte ou officio, ainda que não seja a do seu domicilio, devendo ser incluidos na matriz d'essa terra, e collectados nas respectivas taxas como se n'ella fossem domiciliados.
§ 1.° Para os effeitos d'este artigo, e quanto á determinação do local em que o commercio, as industrias, profissões, artes ou officios são exercidos, entender-se-ha:
1.° Que os caixeiros, ou empregados de qualquer denominação, de lojas, estabelecimentos de commercio, fabricas, officinas, bancos e companhias, escriptorios de banqueiros e commerciantes e casas de negocio, deverão ser collectados no local onde effectivamente exercerem a sua industria, profissão, arte ou officio;
2.° Que os industriaes e commerciantes, que em quaesquer praças ou mercados realisem habitualmente as transacções e operações do seu commercio ou industria, serão ahi collectados, embora os seus escriptorios, ou os armazens dos seus depositos, estejam situados fóra d'essas praças ou mercados;
3.° Que os individuos empregados no serviço de quaesquer navios ou embarcações serão collectados nos portos onde os mesmos navios ou embarcações estiverem matriculados.
Art. 17.° A pessoa que no concelho exercer a mesma ou as mesmas industrias, profissões, artes ou officios em differentes locaes, entrará para a contribuição com tantas taxas, quantos forem os seus diversos estabelecimentos. Do mesmo modo, a pessoa que no concelho ou bairro exercer mais de uma industria, profissão, arte ou officio no mesmo estabelecimento, ou sem elle, contribuirá com todas as taxas relativas a essas industrias, profissões, artes ou officios.
§ 1.° Exceptua-se do disposto na segunda parte d'este artigo a pessoa que dentro da mesma loja ou estabelecimento vender promiscuamente artigos pertencentes a duas ou mais industrias, profissões, artes ou officios, pois que pagará só pela taxa mais elevada que lhes corresponder.
§ 2.° Quando porém duas ou mais industrias distinctas forem exercidas em separado no mesmo estabelecimento, o emprezario ou dono do estabelecimento contribuirá com tantas taxas, quantas respeitarem ás industrias assim exercidas.
Art. 18.° Á pessoa collectada como banqueiro, capitalista, negociante, mercador por grosso ou especulador, não se poderá repetir a respectiva taxa, na mesma localidade onde habitualmente exercer o seu commercio ou industria; mas se tiver depositos de fazendas em locaes certos, fôra do seu estabelecimento principal, para vender o retalho ou por atacado, ainda que venda só em dias do feira ou de mercado, pagará as taxas correspondentes a esses estabelecimentos, considerados sempre para este effeito como de venda por miudo.
Art. 19.° A pessoa que, em concelho ou concelhos diversos do da sua residência ou onde for o local do exercicio do seu commercio ou industria, comprar, por si ou por outrem, artigos ou matérias primas necessárias a esse commercio ou industria, não será collectada nesse concelho ou concelhos, uma vez que n'elles não tenha estabelecimento sujeito a qualquer das taxas fixas ou variaveis, não realise venda nem faça exportações, e prove estar collectada, pela sua residencia ou local do exercício do seu commercio ou industria, na taxa da contribuição que corresponder aos actos de commercio que nos outros concelhos praticar.
Art. 20.° O fabricante que, em local diverso da propria fabrica, tiver armazem, deposito ou escriptorio onde faça venda, por grosso ou miudo, dos productos da mesma fabrica, será collectado na taxa ou taxas que corresponderem a esses diversos estabelecimentos nos termos determinados no artigo 18.°; do mesmo modo, quando com os productos da fabrica fizer commercio de exportação, será collectado como negociante; tudo alem da collecta que lhe competir pela fabrica.
Art. 21.° Os estabelecimentos fabris pagarão um terço da respectiva taxa no primeiro e segundo anno do seu começo, dois terços no terceiro e quarto, e a taxa por inteiro d'ahi por diante.
§ unico. Não se considera começo de estabelecimento a mudança de denominação, ou qualquer outra innovação ou renovação que n'elle se opere.
Art. 22.° Os empregados publicos remunerados pelo estado, pelas camaras municipaes, ou por corporações e es-

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tabelecimentos subsidiados ou não pelo estado, que exercerem alguma industria comprehendida nas tabellas A e B, pagarão a taxa correspondente a essa industria, alem do que a mais tenham a pagar por contribuição geral mobiliaria nos termos d'esta lei.
Art. 23.° O industrial, que tiver officina propria, não póde ser collectado como official da respectiva profissão, arte ou officio. Também não póde ser collectada por agencia indeterminada a pessoa que exercer a sua industria em estabelecimento próprio, de venda de quaesquer objectos ou géneros.
Art. 24.° O sêllo das licenças constantes da tabella, que faz parte do regulamento de 28 de agosto de 1872, continuará a ser addicionado ás taxas das respectivas industrias, e a ser repartido do mesmo modo que o forem aquellas taxas, quando variaveis.
§ 1.° O sêllo destas licenças será lançado em relação ao anno, ficando aos contribuintes o direito de lhes ser annullada a parte correspondente aos trimestres em que não exercerem os actos sobre que elle recair.
§ 2.° O disposto neste artigo não prejudica a faculdade que tenham as camaras municipaes de estabelecer licenças para venda nos concelhos, nem a das auctoridades administrativas para fins policiaes.

SECÇÃO 2.ª

Das manifestações de riqueza individual sujeitas a taxas fixas

Art. 25.° Á contribuição geral mobiliaria ficam sujeitas, pelo n.° 2.° do artigo 2.° da presente lei, todas as pessoas, nacionaes ou estrangeiras, que residirem no continente do reino e ilhas adjacentes, e tiverem ou possuírem alguma ou algumas das manifestações de riqueza individual especificadas na tabella annexa C, a que se refere o n.° 2.° do § 1.° do artigo 3.° d'esta lei.
§ unico. Exceptuam-se do disposto n'este artigo os agentes consulares de paizes estrangeiros, que não tiverem em Portugal rendimento algum alem do que lhes provier do seu emprego.
Art. 26.° As taxas fixas constantes da tabella annexa C recaem:
1.° Sobre creados do sexo masculino;
2.° Sobre cavallos, eguas ou muares;
3.° Sobre os vehiculos destinados ao transporte de pessoas.
§ 1.° Exceptuam-se do disposto no n.° 1.°:
1.° Áquelles que só accidentalmente fizerem serviço de creados;
2.° Os creados ou moços de forneiros e padeiros, os amassadores e moços de fornos; os moços e cocheiros de carruagens de aluguer; os serventes e moços de casas de pasto, hospedarias, lojas de bebidas e outras análogas, os creados empregados exclusivamente no serviço da agricultura, nos hospitaes e estabelecimentos pios, e nos collegios de instrucção e educação.
§ 2.° Exceptuam-se do disposto no n.° 2.°:
1.° Os cavallos, éguas e muares que tiverem praça no exercito, e os das pessoas a quem o estado os concede ou obriga a ter para desempenho dos seus cargos, quando não forem tambem empregados no serviço de vehiculos;
2.° Os cavallos, éguas ou muares que se empregarem unica e exclusivamente no serviço da agricultura ou da industria fabril;
3.° As eguas de creação, unica e exclusivamente destinadas a esse fim;
4.° Os cavallos destinados á padreação, os poldros até quatro annos, e os muares até dois annos, quando não prestem commodo pessoal;
5.° As cavalgaduras de carga ou transporte que servem de indicadores especiaes para o lançamento das taxas da tabella A, e as que, não servindo para este fim, não prestem commodo pessoal.
§ 3.° Exceptuam-se do disposto no n.° 3.°:
Os vehiculos destinados ao transporte de pessoas por aluguer, não se devendo considerar como taes os que forem destinados para commodo pessoal de seus donos, embora estes annunciem publicamente que os alugam, ou accidentalmente os aluguem.
§ 4.° Na isenção de cavallos, eguas ou muares com emprego exclusivo na agricultura, não se comprehendem áquelles de que os lavradores ou os seus feitores ou creados se servirem para vigiar as respectivas lavouras.
Art. 27.° As taxas constantes da tabella annexa C, são devidas em cada concelho ou bairro em que o contribuinte tiver creados, cavalgaduras ou vehiculos a ellas sujeitos.
§ unico. Quando succeda ter o contribuinte os mesmos elementos de collecta em mais de um concelho ou bairro durante o anno a que respeitar o lançamento, só será collectado. no concelho ou bairro a que corresponder maior ordem de terra, e quando forem da mesma ordem sel-o-ha n'aquelle em que tiver a sua residencia habitual.
Art. 28.° No lançamento das taxas não influe o maior ou menor uso que o contribuinte faça das cavalgaduras e vehiculos a ellas sujeitos, nem o facto de se servir destes com cavalgaduras que não sejam próprias ou que estejam comprehendidas em alguma das isenções mencionadas no § 2f.° do artigo 26.° d'esta lei.

CAPITULO III

Disposições especiaes relativas ao lançamento das percentagens fixas

SECÇÃO I

Dos vencimentos, juros, lucros ou dividendos de emprezas e rendimentos de capitães empregados em títulos

Art. 29.° Á contribuição geral mobiliaria por percentagens fixas ficam sujeitos, segundo o artigo 2.°, n.ºs 3.°, 4.º, 5.° e 6.°, e artigo 3.° § 2.° e tabella annexa D, a que este se refere:
1.° Os juros, lucros e dividendos pagos ou distribuídos por acções, obrigações ou outros títulos, no anno anterior ao do lançamento da contribuição, pelas sociedades anonymas portuguezas de qualquer espécie, natureza ou denominação, estabelecidas no continente do reino e ilhas adjacentes; e do mesmo modo os juros e dividendos pagos ou distribuídos por idênticas sociedades estrangeiras, sómente quanto ás operações e transacções por ellas feitas em territorio portuguez, devendo as respectivas collectas ser lançadas em uma só verba a cada sociedade, e cobradas dos seus directores, caixas ou gerentes;
2.° Os lucros produzidos por espectaculos públicos, calculados pelo producto de uma recita completa ou de uma enchente no respectivo local, sem deducção de despezas, em cada mez de trabalho, seja qual for o numero dos dias, sendo a collecta lançada ao emprezario, companhia de actores ou sociedade de qualquer modo constituída para exploração directa, ainda que seja anonyma; devendo ás companhias ambulantes exigir-se o pagamento adiantado das respectivas collectas ou fiança idonea, que por ellas responda, no acto de se apresentarem á auctoridade administrativa;
3.° Os vencimentos que perceberem os directores, gerentes, thesoureiros, administradores fiscaes, membros de conselho fiscal ou quaesquer outros vogaes adjuntos dos corpos gerentes das sociedades anonymas de qualquer especie, natureza ou denominação, quer esses vencimentos sejam certos, quer de percentagem ou de senhas de presença, e pelo quantitativo d'elles que constar dos estatutos respectivos ou das contas de gerencia do anno anterior ao do lançamento;
4.° Os vencimentos dos empregados de compromissos marítimos, taes como facultativos, boticarios ou outros, quando exerçam a sua industria exclusivamente a bordo dos navios; e os da empregados das companhias dos caminhos de ferro portuguezes, que áquelles são equiparados para os effeitos d'esta contribuição;

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5.° Os emolumentos que forem recebidos pelos empregados publicos do estado ou das corporações administrativas, segundo a lotação official e competente dos mesmos emolumentos, ou sobre o liquido distribuído pelo cofre respectivo, nas corporações onde o haja, ou, na falta d'este ou d'aquellas, segundo declaração jurada dos interessados, sujeita a qualquer rectificação pelas informações legaes devidamente obtidas;
6.° Os ordenados, pensões, soldos e quaesquer outras remunerações pagas directamente pelo governo ou pelas corporações administrativas e estabelecimentos subsidiados ou não pelo estado;
7.° As prestações ou pensões pagas pelas sociedades anonymas de qualquer especie, natureza ou denominação;
8.° Os jures recebidos pelos credores do estado, por obrigações e titulos de divida fundada ou amortisavel;
9.° Os juros recebidas pelos credores das corporações administrativas e de estabelecimentos subsidiados ou não pelo estado, por obrigações ou outros quaesquer titulos representativos de empréstimos a estes feitos;
10.° Os juros ou dividendos recebidos pelos credores e accionistas das sociedades anonymas e parcerias mercantis de qualquer especie, natureza ou denominação, por acções, obrigações ou quaesquer outros titulos representativos de emprestimos feitos ás mesmas sociedades.
§ unico. As quantias levadas a fundo de reserva, ou á conta de capital, pelas sociedades anonymas, serão consideradas para o effeito da contribuição, addicionando-se aos juros, lucros ou dividendos que forem distribuídos.
Art. 30.° São isentas do disposto no n.° 1.° do artigo antecedente:
1.° As obrigações da companhia do credito predial portuguez, emquanto vigorar a isenção estabelecida na lei da sua organisação;
2.° A parte dos lucros, juros ou dividendos, que cada uma das sociedades tributadas auferir das seguintes proveniencias:
a) De obrigações ou titulos de divida fundada ou amortisavel;
b) Do rendimento de predios proprios inscriptos nas competentes matrizes da contribuição predial;
c) De acções, obrigações ou mais titulo de outras sociedades, sujeitos a esta contribuição;
d) Das obrigações da companhia de credito predial portuguez;
e) Dos contratos de supprimentos para pagamento das classes inactivas, auctorisados pela carta de lei de 22 de março de 1872.
Art. 31.° São isentos das disposições do n.° 6.° do artigo 29.°
1.° Os vencimentos que, computados para cada indivíduo na somma animal dos que perceber de todas as proveniencias do mesmo numero mencionadas, não excederem a 150$00 réis. Os que excederem a esta somma, mas forem inferiores á de 450$000 réis, só são sujeitos á contribuição pela differença entre es dois indicados limites;
2.° Os vencimentos das praças de pret do exercito e da armada, comprehendendo o corpo da guarda fiscal; os que forem abonados a titulo de forragens ou ajudas de custo eventuaes a empregados civis ou militares em serviço publico; os que tiverem a natureza de comedorias a favor dos officiaes e empregados civis embarcados em navios do estado; e os subsídios de marcha e de residencia eventual, abonados aos officiaes e empregados civis com graduações militares, na conformidade da lei de 13 de maio de 1872;
3.° Um terço das quotas do cobrança, que se abonam aos recebedores de comarca, por compensação dos encargos inherentes a estes logares;
4.° As gratificações certas que se abonara aos escrivães de fazenda para despezas com o expediente das respectivas repartições;
5.° A parte que, das gratificações para falhas abonadas aos exactores fiscaes, corresponder a falhas effectivas, que os interessados tiverem soffrido no anno anterior, conforme constar das declarações que os mesmos apresentarem na estação competente;
6.° Os abonos que se façam a titulo de indemnisação, compensação, adiantamento, ou restituição de quaesquer encargos certos, determinados ou avaliados, quando taes abonos não venham a ter caracter algum de remuneração;
7.° Os interesses, vantagens e regalias que em certos casos se constituem a favor dos empregados, quer seja pela ministração de sustento, quer pela concessão de casas para moradia, quer por outros meios de auxilio.
Art. 32.° São isentas do disposto no n.° 7.° do artigo 29.° as pensões, prestações ou subsídios pagos pelos monte pio e pelas associações de soccorros mútuos aos respectivos associados ou aos seus herdeiros.
Art. 33.° São isentos das disposições dos n.ºs 8.°, 9.° e 10.° do artigo 29.° os juros e dividendos que pertencerem a estabelecimentos de caridade, beneficencia ou instrucção publica, ou monte pios, associações de soccorros mutuos e sociedades scientificas.
Art. 34.° A contribuição geral mobiliaria por percentagens fixas cobra-se por desconto no acto do pagamento dos vencimentos, prestações ou pensões, juros e dividendos de que tratam os n.ºs 6.°, 7.°, 8.°, 9.° e 10.° do artigo 29.°
§ 1.° As sociedades anonymas, corporações administrativas e estabelecimentos ficam obrigados a effectuar o referido desconto e a satisfazer ao estado a sua importancia, considerando-se subrogadas nos direitos da fazenda nacional, para haverem dos respectivos contribuintes a importancia das suas collectas, quando as adiantarem.
§ 2.° É nulla toda a condição pela qual as pessoas e estabelecimentos particulares, que tenham direito aos rendimentos referidos, pretendam libertar se, eximir-se ou indemnisar se do mencionado desconto.
Art. 35.° As sociedades anonymas exclusivamente fabris só serão collectadas por percentagem fixa quando esta produza contribuição superior á que resulte das taxas da tabella A, que lhes possam ser applicadas segundo os seus indicadores especiaes mechanicos, pelos quaes serão sempre collectadas em caso contrario, e quando não distribuam dividendos.
§ unico. Do mesmo modo, as sociedades anonymas exploradoras directas de espectaculos publicos, serão sempre collectadas nos termos do n.° 2.° do artigo 29.°, quando não distribuam dividendos, ou estes produzam collecta inferior á da respectiva percentagem fixa.
Art. 36.° Sobre as verbas da contribuição geral mobiliaria cobrada por desconto, nos termos do artigo 34.°, não poderão quaesquer corporações administrativas lançar addicional algum.

SECÇÃO 2.ª

Dos lucros auferidos ou attribuidos aos capitães mutuados a indivíduos ou sociedades particulares

Art. 37.° Ficam sujeitos á contribuição geral mobiliaria por percentagem fixa, nos termos do artigo 2.° n.° 7.° e artigo 3.° § 2.° e tabella annexa D, a que este se refere, todos os lucros ou interesses certos ou attribuidos a capitães de importancia não inferior a 30$000 réis, que forem mutuados a indivíduos ou sociedades particulares, nacionaes ou estrangeiros, no continente do reino o ilhas adjacentes.
§ unico. Comprehendem-se nas disposições d'este artigo:
1.° Os emprestimos com a natureza de mutuo ou de usura, conforme os define o codigo civil no artigo 1:508.°, effectuados por qualquer das formas permittidas pelo artigo 1:534.° do mesmo codigo;
2.° As dividas provenientes de quaesquer outros contratos, quando vençam juros, ou desde que começarem a vencel-os, quer seja por effeito de clausulas dos mesmos contratos, quer por incorrerem em móra;
3.° As tornas determinadas em actos de partilhas, quando vençam juros, ou desde que começarem a vencel-os;

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4.º As importancias confessadas ou liquidadas em autos de conciliação, transacção, ajuste de contas e confissão de divida, sempre que vençam juros, ou desde que os vençam;
5.° As quantias representadas em letras, sómente desde que estas forem protestadas, quando passadas entre commerciantes, ou por emprestimos feitos a commerciantes, ou por effeito de quaesquer contratos, accordos ou transacções que resultarem ou tiverem por fim actos mercantis; em todos os outros casos desde a data em que forem sacadas.
Art. 38.° Exceptuam-se das disposições do artigo antecedente os lucros ou interesses das proveniencias n'elle designadas, que pertencerem:
1.º As irmandades do Santíssimo Sacramento, conventos de religiosas, misericordias, hospitaes e asylos do beneficencia;
2.° A sociedades anonymas sujeitas â contribuição pelos juros, lucros ou dividendos que distribuem;
3.° Aos pães pelas tornas devidas aos filhos emquanto sujeitos ao patrio poder.
Art. 30.° Nos lucros ou interesses dos capitães comprehende-se não só o juro como qualquer outra remuneração ou indemnisação estipulada como compensação do emprestimo ou da móra no seu pagamento.
§ unico. Se a remuneração ou indemnisacão for de uma determinada quantia paga, por uma só vez, terá a mesma dividida em annuidades, conforme o tempo da duração do mutuo. Se, porém, só dever ser paga, em falta de pagamento na epocha ou epochas convencionadas, então se realisará a collecta pela sua totalidade ou conforme o seu pagamento se effectuar.
Art. 40.° Para o lançamento da contribuição, os lucros ou interesses serão computados pela taxa do juro que se estipular, quando superior a 6 por cento com relação às letras e demais actos do commercio, e a 5 por cento em todos os outros casos; sendo inferior a taxa estipulada, ou não havendo estipulação de juro, far-se-ha o computo dos referidos lucros ou interesses pelas taxas designadas n'este artigo.
§ unico. Se os juros deverem ser pagos em generos, serão estes reduzidos a dinheiro pelo preço medio do mercado no anno do vencimento.
Art. 41.° Nos contratos de mutuo, feitos por creditos abertos ou em conta corrente, a contribuição recairá sobre os capitães effectivamente levantados ou sobre os saldos era divida trimestralmente liquidados; e, na falta das necessarias e comprovadas declarações, sobre a totalidade dos creditos.
Art. 42.° A contribuição geral mobiliaria, de que trata esta secção, será sempre lançada aos credores dos capitães sobre que recair.
§ unico. Quando, porém, pelos capitães sobre que recair a contribuição não houver estipulação de juros ou de outra remunerado ou indemnisação que os substitua, ou quando a taxa que se estipular for inferior á computada para o lançamento do imposto, ficará o credor sobrogado nos direitos da fazenda para haver do devedor o imposto respectivo sós juros que não receber. Ao devedor fica, porém, resalvado o direito de demonstrar qualquer pagamento de juros que haja effectuado.
Art. 43.° Para os effeitos d'esta lei ficam sujeitos a manifesto todos os capitães mutuados, nos termos do artigo 37.°
§ 1.° Não são exceptuados do manifesto os mutuos isentos de contribuição; mas nos respectivos termos se mencionará a isenção que lhes cabe, a fim de não produzirem collecta.
§ 2.° Os credores dos capitães mutuados, de que trata este artigo, ficam obrigados a requerer os respectivos manifestos no praso de oito dias, contados do immediato áquelle em que os mutuos se hajam effectuado, prestando para isso as necessarias declarações e esclarecimentos.
Art. 44.° Os manifestos serão feitos perante o escrivão de fazenda do concelho ou bairro em que o credor residir.
§ unico. Tendo o credor o seu domicilio em paiz estrangeiro, o manifesto será feito na residencia do devedor.
Art. 45.º Haverá duas especies de manifestos:
1.º Definitivos para todos os mutuos em geral;
2.º Por lembrança, para os mutuos litigiosos.
§ 1.º Os manifestos definitivos podem converter-se em manifestos por lembrança, por meio de um averbamento em fórma legal, logo que a divida se torne litigiosa.
§ 2.º Só se considera divida litigiosa para os effeitos d'esta lei, a que for contestada em juizo nos termos do artigo 788.º do codigo civil.
§ 3.º Quando o manifesto se fizer por lembrança, ficará o credor obrigado a apresentar de seis em seis mezes, na respectiva repartição de fazenda, documento authentico, comprovativo do estado do litigio sob pena de, não o fazendo, responder pela contribuição correspondente á quantia manifestada, por todos o tempo que estiver em falta.
Art. 46.º O credor requererá o manifesto, apresentando o titulo de onde conste o mutuo, ou, não o havendo, uma declaração feita em papel sellado e por elle assignado. No titulo ou na declaração lançará o escrivão d fazenda a verba de ficar feito o respectivo manifesto.
Art. 47.º Os devedores dos capitaes mutuados são tambem obrigados a dar participação ao escrivão de fazenda do concelho ou bairro onde residir o credor, ou ao da sua propria residencia na hypothese do § unico do artigo 44.°, dos actos ou contratos por que se deva a presente contribuição, tendo para isso o praso de quinze dias, a contar d'aquelle em que esses actos ou contratos se realisarem.
§ 1.º Igual participação e em identico praso deverão fazer os tabeillães, escrivães e quasqner outros funccionarios publicos, com relação aos actos ou contratos em que intervirem, enviando-a ao escrivão de fazenda do concelho ou bairro em que exercerem as suas funcções, e este, quando lhe não competir fazer o manifesto, a remetterá ao escrivão de fazenda a que pertencer.
§ 2.º A falta das participações acima exigidas torna os referidos devedores e funccionarios solidariamente responsaveis com os credores, pela importancia da contribuição devida, com direito reversivo sobre os mesmos credores.
§ 3.º Pelas participações exigidas n'este artigo passará o escrivão de fazenda que as receber um certificado, que para todos os effeitos servirá de documento aos participantes.
§ 4.º Quando pelas referidas participações se reconhecer a falta de manifesto de algum mutuo, o escrivão de fazenda, para elle competente, fará intimar o credor para que effectue no praso de quinze dias, a contar da intimação, sob pena de ser o manifesto feito em vista da participação, e de se lançar em dobro a contribuição devida, por todo o tempo da ommissão, contado do termo do praso fixado no § 2.º do artigo 43.º
art. 48.º O manifesto por lembrança não produz contribuição emquanto conservar esta natureza, salvo o caso do § 3.º do artigo 45.º Cessando, porém, o litigio, será mudada a sua natureza averbando-se para directo, para se lançar a contribuição que for devida, ou dar-se-lhe baixa se o acto manifestado for annullado.
Art. 49.° Os manifestos definitivos produzem todos os seus effeitos, no que respeita ao lançamento e cobrança da contribuição, emquanto não forem devidamente cancelladas.
§ 1.° O cancellamento ou baixa nos manifestos definitivos só se effectua provando-se legalmente:
1.° O distrate ou aunullação do acto manifestado;
2.° A insolvencia ou quebra do devedor.
§ 2.° A baixa no manifesto deverá ser requerida pelo credor dentro de oito dias, a contar do distracte da divida; mas tambem o poderá ser pelo devedor ou por qualquer outro interessado.

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Art. 50.° Não será admittido era juizo titulo algum sujeito a manifesto, ainda que seja anterior á presente lei, nem poderá ser proposta acção ou ter seguimento processo já pendente nos tribunaes, em que se demandem juros, quer anteriores, quer desde a contestação da lide, sem prévio manifesto.
Art. 51.° Não se fará instrumento publico de cessão ou quitação de divida, sem se transcrever o titulo, ou certidão, do pagamento da contribuição geral mobiliaria respectiva, a que estiver sujeito, ou o documento comprovativo de ficar garantido esse pagamento por meio de deposito de quantia sufficiente, se a esse tempo não estiver ainda liquidada e em cobrança a dita contribuição, ficando o depositante com o direito de lhe ser restituída a importancia que, porventura, exceder á do imposto que se liquidar.
§ unico. Nos casos de cessão de divida, far se-ha novo manifesto, que substituirá o anterior para todos os effeitos.
Art. 52.° Não poderá ser auctorisado, em qualquer tribunal ou repartição publica, pagamento ou adjudicação de bens que lhe corresponda, nem será cumprida precatoria, mandado ou ordem de entrega ou levantamento de qualquer quantia existente em deposito publico ou particular, e em repartição ou estabelecimento seja de que natureza for, sem se mostrar satisfeita a contribuição a que o acto respectivo estiver sujeito, ou garantida a sua importancia pela fórma estabelecida no artigo antecedente.
Art. 53.° O primeiro lançamento da contribuição geral mobiliaria sobre os lucros de que trata o artigo 37.° e § unico, comprehenderá o tempo decorrido desde a data dos actos ou contratos donde esses lucros derivarem ou se presumirem. Nos lançamentos seguintes, a contribuição recairá sobre os lucros do anno a que respeitar, ou por menos do anno quando tenha cessado o vencimento d'elles por qualquer dos motivos mencionados no artigo antecedente, se forem conhecidos ao tempo do lançamento.
§ 1.° Exceptuam-se os lucros que até á execução da presente lei tenham sido collectados em decima de juros; porque, nesta hypothese, a contribuição geral mobiliaria será devida desde a epocha em que taes lucros ficarem sujeitos á presente contribuição.
§ 2.° No lançamento não serão levadas em conta as collectas a que se refere o § 3.° do artigo 45.°
§ 3.° A contribuição deixa de ser devida a contar da data do distracte do mutuo, quando a baixa no respectivo manifesto seja requerida dentro do praso marcado no § 2.° do artigo 49.°; ou a contar da baixa no manifesto quando esta haja sido ulteriormente requerida.
§ 4.° Nas ilhas adjacentes, a contribuição geral mobiliaria, na parte a que se refere esta secção, só abrange os lucros, mencionados no artigo 37.° e seu paragrapho a partir de 1 de janeiro de 1887.
Art. 54.° A prescripção contra a fazenda nacional só póde contar-se da data do manifesto.

CAPITULO IV

Disposições especiaes relativas á percentagem complementar

Art. 55.° Á contribuição geral mobiliaria por percentagem complementar ficam sujeitos, segundo o n.° 8.° do artigo 2.°: - no continente do reino, as rendas ou valores locativos das casas de habitação não inferiores a 20$000 réis nas terras de 1.ª ordem, l5$000 réis nas de 2.ª, réis 10$000 nas de 3.ª e 4.ª e 5$000 réis nas de 5.ª e 6.ª ordem; nas ilhas adjacentes, as rendas ou valores locativos das casas de habitação não inferiores a 15$000 réis nas terras de 3.ª e 4.ª ordem, e a 10$000 réis nas de 5.ª e 6.ª, sendo estes valores considerados em moeda insulana nos districtos dos Açores.
§ 1.° Exceptuam-se da disposição deste artigo: os paços episcopaes, as casas de residência dos parochos, cujos rendimentos forem computados nas respectivas congruas; os conventos das religiosas; as casas em que as respectivas camaras municipaes, juntas de parochia, misericordias, confrarias e outras instituições publicas de piedade ou instrucção estiverem estabelecidas; os edifícios que forem séde de quaesquer repartições publicas, cujas rendas sejam pagas pelo estado, pelas camaras municipaes ou juntas geraes dos districtos; e bem assim os armazens de retem ou deposito, os estabelecimentos industriaes propriamente ditos, as officinas e armazens, e as officinas e abegoarias das casas de lavoura.
§ 2.° A excepção, na parte que diz respeito aos armazens de retem ou deposito, aos estabelecimentos industriaes e officinas, e aos armazens, officinas e abegoarias das casas de lavoura, subsiste ainda quando nesses estabelecimentos durma algum creado, caixeiro ou aprendiz, para guarda d'elles; mas se os indivíduos que ali dormirem se não acharem n'essas circumstancias, deverá proceder-se á avaliação da renda da parte habitada, e sobre ella recairá a percentagem complementar.
§ 3.° São consideradas casas de habitação aquellas em que estejam estabelecidas sociedades recreativas, taes como clubs e outras similhantes.
§ 4.° São consideradas habitadas, embora não haja n'ellas residencia effectiva, e se conservem com escriptos: - 1.° as casas arrendadas com destino a habitação; - 2.° as casas mobiladas.
§ 5.° Para o effeito da contribuição geral mobiliaria, as rendas ou valores locativos nunca poderão ser considerados por importancia inferior á que constar da matriz predial.
Art. 56.° A percentagem complementar é devida em cada concelho ou bairro em que o contribuinte tiver casa propria, ou arrendada para habitação; e a ella ficam sujeitas todas as pessoas nacionaes os estrangeiras que residirem no continente do reino e nas ilhas adjacentes, salvas as excepções consignadas no n.° 1 do artigo 7.° e no § unico do artigo 25.°
Art. 57.° Todos os senhorios e arrendatarios de predios urbanos são obrigados a declarar, ou participar por escripto ao escrivão de fazenda do concelho ou bairro onde esses predios forem situados, a importância das rendas por que fizerem os seus contratos ou convenções verbaes de arrendamento, e o tempo por que estes devam durar, acompanhando a sua declaração ou participação dos demais esclarecimentos que forem julgados necessarios.
§ 1.° Identica participação será feita pelos escrivães, auctoridades ou funccionarios publicos que intervierem em quaesquer actos ou contratos de arrendamento.
§ 2.° Quando os arrendamentos forem feitos por titulo authentico ou authenticado, o praso para as declarações ou participações a que se refere este artigo será de quinze dias, a contar da respectiva data. Nos demais arrendamentos, contar-se-ha este praso do dia em que o ajuste se fizer, tendo-se em vista para a sua averiguação o costume da terra quanto á epocha dos arrendamentos, e quaesquer factos ou informações que possam servir de prova.
§ 3.° A falta das declarações ou participações a que ficam obrigados os senhorios, os escrivães e os funccionarios públicos nos termos d'este artigo torna-os solidariamente responsaveis com os arrendatarios pela importancia das collectas devidas, salvo direito reversivo contra estes.
Art. 58.° Similhantemente deverão os que residirem em prédios de que não paguem renda, declarar ou participar o valor locativo que a esses predios se deva attribuir para o effeito da contribuição, como nos regulamentos d'esta lei se determinar.
Art. 59.° Das declarações ou participações exigidas nos artigos antecedentes se lavrará termo de manifesto, passando o escrivão de fazenda, aos que as fizerem, um recibo ou certificado que lhes servirá de documento.
§ unico. Os manifestos dos arrendamentos subsistem para

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todos os effeitos, emquanto não forem cancellados ou modificados por novas declarações ou participações dos senhorios ou arrendatarios.
Art. 60.° A falta de manifesto inhibe os senhorios e os arrendatários de em juízo ou fóra d'elle fazerem valer os seus respectivos direitos e correlativas obrigações; nem poderão os senhorios exigir dos arrendatarios rendas superiores ás que constarem do manifesto que houverem requerido.
§ unico. A prescripção contra a fazenda nacional só corre da data do manifesto.
Art. 61.° Se a renda for paga, não a dinheiro mas em géneros, liquidar-se-ha para o effeito da contribuição na conformidade do artigo 40.° § unico.
Art. 62.º O contribuinte, que tomar de arrendamento mais de um predio urbano, ficará sujeito á percentagem complementar com relação ás diversas rendas por que se obrigar.
Art. 63.° O contribuinte que, tendo differentes casas de sua residencia, habitar em mais de uma durante o anno, ficará sujeito á percentagem complementar, por todo o anno, com relação ao valor locativo das casas era que residir, qualquer que seja o tempo por que as habite.

CAPITULO V

Disposições relativas á formação da matriz e ao lançamento da contribuição geral mobiliaria

SECÇÃO I

Formação da matriz

Art. 64.° Era cada concelho ou bairro far-se-ha annualmente um arrolamento de todas as pessoas que, nos termos da presente lei, estiverem sujeitas á contribuição geral mobiliaria, e que será a matriz destinada ao lançamento e repartição da mesma contribuição.
§ 1.° A matriz da contribuição mobiliaria será feita pelo escrivão de fazenda do respectivo concelho, tomando por base no primeiro anno as ultimas matrizes e lançamentos das contribuições extinctas por esta lei, com as alterações que a mudança de circumstancias dos indivíduos ali collectados, ou as novas provisões aqui estebelecidas tornarem necessarias. Feita a primeira matriz será esta tomada para base das subsequentes.
§ 2.° Na matriz declarar-se-ha:
1.° Os nomes dos contribuintes;
2.° A sua morada;
3.° As suas profissões, rendimentos ou manifestações de riqueza sobre que deva incidir a contribuição, devidamente discriminados, e descriptos com todos os elementos de informação, necessarios para a determinação e lançamento das collectas, como nos regulamentos para a execução d'esta lei se preceituar.
Art. 65.º São elementos para a organisação da matriz, alem da do anno anterior:
1.° As declarações das pessoas que estiverem sujeitas á contribuição geral mobiliaria, no que respeita aos factos por que tem de se determinar a collecta;
2.° Os manifestos exigidos na secção 2.ª do capitulo 3.° e no capitulo 4.° d'esta lei;
3.° Os esclarecimentos prestados pelos informadores louvados e procuradores dos gremios, a que se refere o artigo 67.°, e os que por outro qualquer meio o escrivão de fazenda poder obter.
§ unico. As declarações referidas no n.° 1.° d'este artigo só serão obrigatorias, como até ao presente em Lisboa e Porto, e nas capitães dos districtos administrativos.
Art. 66.° As pessoas que, sendo obrigadas a fazer declarações segundo o disposto no n.° 1.° e § unico do artigo antecedente, as não fizerem, ficarão privadas do direito de reclamação e recurso contra a sua inscripção na matriz.
Art. 67.° Para o serviço da organisação das matrizes da contribuição geral mobiliaria haverá em cada concelho informadores louvados especiaes, nomeados pelo delegado do thesouro, sobre proposta dos respectivos escrivães de fazenda.
§ unico. Um procurador de cada gremio deverá ser convidado para auxiliar o escrivão de fazenda, prestando-lhe os esclarecimentos do que carecer para a mais exacta organisação da matriz.
Art. 68.° A matriz poderá ter os livros ou cadernos auxiliares, que forem precisos para mais clareza e melhor comprehensão das bases de imposto n'ella mencionadas.
Art. 69.° Feita a matriz, será patente aos contribuintes no tempo e pela fórma que os regulamentos fixarem.
Art. 70.° Da matriz organisada nos termos dos artigos antecedentes te extrahirão avisos contendo os nomes dos contribuintes, a designação dos factos sobre que tem de recair a contribuição, e as epochas e os prasos em que podem reclamar e recorrer ácerca da sua inscripção na matriz.
§ unico. Estes avisos serão entregues aos contribuintes com as formalidades necessarias, para que o seu recebimento não possa ser contestado.
Art. 71.° As reclamações dos contribuintes serão feitas ao escrivão de fazenda respectivo. Os recursos terão logar para a junta fiscal do concelho.
§ 1.° Os contribuintes podem interpor o seu recurso independentemente de previa reclamação.
§ 2.° As reclamações e os recursos serão decididos nos prasos e nos termos que nos regulamentos se fixarem.
Art. 72.° As juntas fiscaes dos concelhos serão compostas:
1.° Do presidente da camara municipal, que será o presidente;
2.° Do delegado do procurador regio, que será o vice-presidente;
3.° Do escrivão de fazenda, que será o secretario, com voto deliberativo;
4.° De mais quatro vogaes, sendo dois effectivos e dois supplentes, nomeados pelo respectivo delegado do thesouro de entre uma lista de doze nomes, proposta pela camara municipal.
§ 1.° Nos concelhos, que não forem cabeças de comarca, designará o delegado do procurador regio pessoa que o haja de substituir.
§ 2.° Nas cidades de Lisboa e Porto fazem parte da respectiva junta fiscal do concelho os escrivães dos differentes bairros, servindo de secretario o escrivão do bairro onde a camara municipal tiver a sua séde, e tendo cada um voto deliberativo tão sómente com relação às questões que disserem respeito á matriz do seu bairro. O serviço dos delegados do procurador regio será, nas mesmas cidades, distribuído pelos delegados das differentes varas, como pelo governo for determinado.
Art. 73.° As reclamações e os recursos dos contribuintes só podem ter por objecto a indevida ou incorrecta inserção na matriz de qualquer pessoa ou de qualquer das bases sobre que tem de recair a contribuição, bem como a indevida omissão de pessoas ou de elementos de collecta; e podem ser interpostos pelo proprio contribuinte ou por terceiros interessados.
Art. 74.° Com as rectificações feitas em virtude das decisões proferidas nas reclamações e nos recursos que se interpozerem, fica a matriz concluida para por ella se fazer o lançamento e repartição da contribuição geral mobiliaria.

SECÇÃO II

Do lançamento e repartição

Art. 75.° O lançamento e repartição da contribuição geral mobiliaria far-se-ha por concelhos, e competirá aos respectivos escrivães de fazenda e aos gremios dos contribuintes ou ás commissões parochiaes, com recurso para as juntas fiscaes dos concelhos.
Art. 76.° Compete aos gremios e ás commissões paro-

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chiaes dos contribuintes a repartição das taxas variaveis e da percentagem complementar. Aos escrivães de fazenda compete o lançamento das taxas e percentagens fixas, e, na falta de repartção, a applicação ads taxas variaveis, como n'esta lei vão inicadas, e da percentagem media complementar, que pelo governo for annualmente determinada.
§ unico. Exceptua-se do dispposto n'este artigo o lançamento das percentagens fixas, cuja importancia se cobra por desconto nos termos do artigo 34.º
art. 77.º Aos contribuintes comprehendidos nas tabellas A, B, C e D, e que nos termos d'esta lei estiverem sujeitos a taxas ou percentagens fixas, lançará logo o escrivão de fazenda as collectas que á vista das mesmas tabellas lhes competirem.
Art. 78.º Aos contribuintes comprehendidos na tabella B, e que nos termo0s d'esta lei estiverem sujeitos a taxa variavel, far-se-ha a repartição pelo modo estabelecido nos artigos seguintes.
Art. 79.º Os escrivães de fazenda extrahirão da matriz listas nominaes, separadas, de todos os contribuintes da mesma industria, profissão, arte ou officio e ordem de terra, que estiverem sujeitos a taxas variaveis, segundo a tabella B, e avisarão esses contribuintes, quando em numero não inferior ao determinado no § 2.º, para se constituirem em gremio dentro do praso marcado no regulamento, a fim de precederem entre si á repartição da importancia total das taxas que couberem á sua industria, profissão, arte ou officio, na proporção dos respectivos lucros de cada um.
§ 1.º Nas cidades de Lisboa e Porto agrupar-se-hão as listas dos diversos bairros, e por ellas se formarão os gremios do municipio.
§ 2.º Para que um gremio se repute constituido, é mister que reuna, pelo menos, sete contribuintes, nas terras de 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem, ou cinco nas de 4.ª, 5.ª ou 6.ª ordem.
Art. 80.º Nos concelhos mais populosos, os indivuduos da mesma industria, profissão, arte ou officio das freguezias, cujas sédes não estiverem dentro da povoação agglomerada da cabeça do mesmo concelho, poderão, quando em numero legal, formar gremio por grupos de freguezias, segundo a sua proximidade e relações de interesses que entre si tenham.
Art. 81.º Constituidos os gremios, procederão á repartição da importancia total das taxas que couberam aos contribuintes n'elles comprehendidos, conforme os seus lucros respectivos, e dos sellos de licenças a que estiverem sujeitos; e escolherão dois ou tres procuradores para representarem nas suas relações com as auctoridades e agentes fiscaes, nos termos d'esta lei.
Art. 82.º Os gremios nunca poderão lançar a qualquer contribuinte mais do que o decuplo da respectiva taxa, nem menos do que a decima parte d'ella.
§ 1.º A repartição será feita, sob pena de nullidade, de modo que a somma das quotas que tiverem de pagar os contribuintes do gremio seja sempre igual á importancia do contigente que lhe couber.
§ 2.º Os gremios poderão fazer a repartição directamente, ou por arbitros da sua escolha.
Art. 83.º Contra a repartição feita pelo gremio, poderá qualquer contribuinte reclamar perante o proprio gremio, e recorrer para a junta fiscal.
§ 1.º O recurso póde, todavia, ser interposto independentemente de reclamação.
§ 2.º Os prasos e os tramites das reclamações e dos recursos serão fixados nos regulamentos.
Art. 84.º A junta fiscal, procedendo ás averiguações que julgar convenientes, e ouvido os recorrentes, os procuradores representantes do gremio recorrido, e quaesquer outros interessados, julgará conjuctamente todos os recursos, relativos ao mesmo gremio, emendando os erros ou injustiças que na repartição feita por este possa ter havido; mas sempre de modo que a reducção que fizer na collecta de algum contribuinte seja desfalcada a somma total das quotas que tiver cabido ao gremio, sob pena de nullidade.
Art. 85.º Com as rectificações que resultarem das decisões proferidas em consequencia das reclamações ou dos recursos interpostos, ficará definitivamente feita a repartição.
Art. 86.º Não se effectuando a repartição pelo gremio respectivo, como fica permittido pelos artigos antecedentes, applicará o escrivão de fazenda aos contribuintes que o deveriam compor as taxas indicadas na tabella B, como se dispõe no artigo 76.º
Art. 87.º Quando depois de definitivamente feita a repartição das taxas variaveis, e por virtude da decisão de qualquer recurso, se tiver de anullar a collecta attribuida a algum contribuinte, e esta for superior á taxa media indicada na lei, será o excesso addicionado no anno seguinte ao contigente do gremio a que competir; se, pelo contrario for inferior, será a differença deduzida do mesmo contigente.
Art. 88.º A percentagem complementar deverá ser repartida nos termos dos artigos seguintes.
Art. 89.º A repartição será feita, em cada freguezia ou grupo de freguezias, por uma commissão parochial, composta:
1.º Do parocho da freguezia, ou da freguezia que no grupo tenha maior numero de contribuintes, que servirá de presidente;
2.º De um contribuinte designado pelo escrivão de fazenda, que servirá de secretario;
3.º E de seis vogaes, sendo tres effectivos e tres supplentes, que serão directamente eleitos pelos contribuintes de entre si.
§ unico. O agrupamento de freguezias, a que se refere este artigo, será determinado pelo governo sob proposta dos respectivos delegados do thesouro, em attenção ao numero dos contribuintes.
Art. 90.º A eleição dos seis vogaes da commissão parochial será feita no dia que para isso for destinado, e que deverá ser um Domingo, sendo os contribuintes devidamente convocados por edital, affixado na porta da igreja da respectica parochia, ou das que compozerem o grupo, e lido no Domingo antecedente, por occasião da missa conventual, cumprindo-se as demais formalidades que nos regulamentos se estabelecerem.
§ 1.º Para que a eleição seja valida, basta que a ella concorra um terço dos contribuintes inscriptos na matriz como pertencendo á freguezia ou grupo de feguezias, onde a mesma eleição se tem de verificar.
§ 2.º Em caso de protesto contra a validade da eleição, observar-se-ha o que a legislação em vigor dispõe quanto ás demais eleiçõesa prochiaes.
Art. 91.º A commissão parochial constituir-se-ha, e repartirá a verba da percentagem complementar que lhe competir, dentro dos prasos que o regulamento fixar, fazendo a repartição por modo que a somma das quotas distribuidas exactamente a dita verba, sob pena de nullidade.
§ unico. A nenhum contribuinte poderá ser augmentada a precentagem media, em mais de 50 por cento, nem reduzida a menos de metade.
Art. 92.º Da repartição feita pelas commissões parochiaes, poderão os contribuintes reclamar perante a propria commissão e recorrer para a junta fiscal do concelho.
§ 1.º A estas reclamações e recursos é applicavel, poranologia, o disposto no artigo 83.º, §§ 1.º e 2.º, e nos artigos 84.º, 85.º e 87.º d'esta lei.
§ 2.º As commissões parochiaes escolherão de entre si o vogal ou vogaes que as deverão representar para com as

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auctoridades e agentes fiscaes no serviço da presente contribuição.
Art. 93.° Nas freguezias em que a repartição se não haja effectuado nos termos d'esta lei, procederá o escrivão de fazenda respectivo ao lançamento da percentagem media complementar sobre as rendas ou valores locativos constantes da matriz, como dispõe o artigo 76.°
Art. 94.° O escrivão de fazenda, depois de inscrever na matriz as collectas que pertencerem aos contribuintes por taxas ou percentagens lixas, e pela repartição ou lançamento das taxas variáveis e da percentagem complementar, patenteará a matriz aos mesmos contribuintes.
§ unico. Contra as collectas que assim lhes forem impostas, poderão os contribuintes reclamar perante o escrivão de fazenda e recorrer para ajunta fiscal, podendo, todavia, o seu recurso ser interposto independentemente d'aquella reclamação.
Art. 95.° As reclamações e recursos a que se refere o artigo antecedente só podem ter por objecto:
1.° Erro de calculo no lançamento das taxas ou percentagens fixas;
2.° Erro na passagem para a matriz da importancia das taxas variaveis, ou das quotas da percentagem complementar, que nos termos desta lei houverem sido repartidas;
3.° Erro de calculo na applicação das taxas variaveis indicadas na tabella B, ou da percentagem media complementar, nos casos em que não tenha havido repartição;
4.° Cessação, durante parte do anno, de qualquer dos factos ou elementos de collecta, sobre que haja recaido a contribuição geral mobiliaria e o sêllo de licença.
§ 1.° Não se considera cessação, nos termos do n.° 4.° d'este artigo, o exercício interpolado de qualquer industria, ou a interpolação provenha da propria natureza da industria, ou de acto voluntario do contribuinte.
§ 2.° Por duplicação ou erro de collecta, ou por se não darem, durante alguma parte do anno, os factos determinantes da collecta, poderão os contribuintes recorrer para a junta fiscal no praso de tres mezes, contados do primeiro dia da abertura do cofre para a cobrança voluntaria da contribuição, havendo, das decisões que obtiverem, os recursos ordinarios facultados n'esta lei. Fóra d'este praso, não haverá recurso por similhantes motivos.
Art. 96.° Rectificada a inscripção das collectas na matriz por virtude das decisões proferidas nas reclamações e recursos a que se refere o artigo 94.º § unico, ficará a matriz concluida para se proceder á cobrança da contribuição geral mobiliaria.

SECÇÃO III

Da cobrança

Art. 97.° Processados os conhecimentos e entregues aos recebedores de comarca, extrahirão estes os avisos de pagamento que enviarão aos contribuintes, e que conter:
1.° Os nomes dos contribuintes;
2.° A importancia das suas collectas;
3.° As epochas, os prasos e os logares onde as poderão satisfazer;
4.° As multas e juros de mora a que ficam sujeitos quando não paguem em devido tempo.
Art. 98.° O pagamento da contribuição geral mobiliaria poderá effectuar-se em prestações, como nos regulamentos se determinar.
Art. 99.° Para facilitar o pagamento voluntario das collectas, estabelecer-se-ha a cobrança domiciliaria, para o que deverão os recebedores ter agentes especiaes, encarregados de ir cobrar a importancia do imposto no domicilio dos contribuintes.
Art. 100.° A falta de pagamento nos prasos devidos sujeita os contribuintes:
1.° Á multa de 3 por cento sobre a importancia das collectas devidas;
2.° Aos juros de mora, na rasão do 6 por cento ao anno;
3.º Ao procedimento coercitivo perante os tribunaes competentes e nos termos da legislação que vigorar.

CAPITULO VI

Disposições geraes e transitorias

Art. 101.° Das decisões proferidas pelas juntas fiscaes dos concelhos nos recursos de que tratam os artigos 71.°, 83.°, 92.° e 94.° § unico poderão os contribuintes recorrer:
1.° Para o tribunal administrativo, nos concelhos do districto de Lisboa, ou para os conselhos de districto, nos demais concelhos.
2.° Para o supremo tribunal administrativo.
§ 1.° Podem tambem recorrer ex-officio, quando assim o julguem conveniente aos interesses da falencia nacional:
1.° Das decisões das juntas fiscaes, o escrivão de fazenda e o delegado do procurador regio ou a pessoa que o substituir;
2.° Das decisões do tribunal administrativo ou do conselho de districto, o delegado do thesouro.
§ 2.° Os delegados do thesouro serão sempre ouvidos nos recursos interpostos para o tribunal administrativo ou para o conselho de districto.
Art. 102.° Os recursos a que se refere o artigo antecedente não terão effeito suspensivo, e só poderão ser interpostos com os seguintes fundamentos:
1.° Offensa de lei expressa;
2.° Preterição de formalidades ou termos essenciaes de processo;
3.° Errada apreciação de factos quando o erro se possa provar com documentos que tenham fé em juizo.
§ unico. O processo para a interposição e decisão d'estes recursos será o do contencioso administrativo.
Art. 103.° Dos actos ou despachos do escrivão de fazenda, com respeito a manifestos de capitães mutuados, cabe recurso para o delegado do thesouro, e d'este para o conselho da direcção geral das contribuições directas.
Art. 104.° Alem dos recursos ordinários facultados pela presente lei, e for a dos prasos estabelecidos no respectivo regulamento, só poderão recorrer extraordinariamente para o governo, pela direcção geral das contribuições directas, na conformidade cio decreto de 29 de dezembro de 1849:
1.º A fazenda nacional dentro de dois annos, contados da data em que devia ter sido exigida a contribuição devida;
2.° Os collectados sem fundamento algum para o ser, por qualquer dos elementos de que se compõe a contribuição geral mobiliaria segundo o artigo 3.° d'esta lei;
3.º Os collectados por desconto, aos quaes não assiste outro recurso.
Art. 105.° Quando no decurso de qualquer anno se instituir alguma industria, profissão, arte ou officio, que não esteja incluído nas tabellas, e que não possa obviamente assimilhar-se a outro já collectado, o governo, colhendo as necessarias informações, o incluirá em tabella addicional, que porá em execução, dando conta ás côrtes.
Art. 106.° Os individuos que, por omissão, não houverem sido incluidos na matriz de qualquer anno, com respeito a factos por que levam collecta, serão comprehendidos na primeira matriz que se fizer depois de reconhecida essa omissão, e collectados por todos os annos em que tiverem deixado de o ser, não excedendo a cinco; salvos os recursos ordinarios que esta lei faculta.
Art. 107.° Os estabelecimentos industriaes, a que se refere esta lei e suas tabellas, são garantia especial das collectas que sobre elles recaire, e das custas e multas a que o seu lançamento e cobrança possa dar causa; e os seus possuidores, por qualquer titulo, são responsaveis pelas mesmas collectas, multas e custas, quando os proprios collectados deixem de as pagar.
§ unico. Os logistas, e os chefes de estabelecimentos

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industriaes e de emprezas, corporações ou sociedades anonymas de qualquer especie, respondem pelas collectas a que os seus respectivos empregados ou assalariados estiverem sujeitos pelas industrias, profissões, artes ou officios ahi exercidos.
Art. 108.° Os juros, capitaes mutuados e suas hypothecas, são garantia especial das respectivas collectas. Quando haja fiador, será este solidariamente responsavel, com o credor ou o devedor, pelas collectas devidas, ficando em caso de pagamento, subrogado nos direitos da fazenda publica, para o rehaver de quem a elle for obrigado.
Art. 109.° Os empregados publicos individualmente sujeitos a percentagens fixas por lançamento, que não satisfizerem as suas collectas nos prasos estabelecidos para a cobrança voluntaria, soffrerão o necessario desconto nos vencimentos que perceberem por qualquer cofre, e, não o havendo, incorrerão na pena de suspensão por todo o tempo da sua omissão.
Art. 110.° Os contribuintes sujeitos a sêllo de licença ficam obrigados a participar, durante o mez de janeiro de cada anno, ao respectivo escrivão de fazenda, os actos por que esse imposto for devido. Se esses actos houverem de ser praticados depois do mez de janeiro será a participação feita previamente.
§ unico. A falta de cumprimento do disposto n'este artigo será punida com a multa do decuplo do sêllo devido.
Art. 111.° A contribuição geral mobiliaria começa a ser devida desde o principio do trimestre em que para o contribuinte se derem os factos que o sujeitam á collecta, e deixa de o ser desde o principio do trimestre em que esses factos cessarem.
§ 1.° Quando os factos que determinam a collecta de um contribuinte cessarem no mesmo trimestre em que se produzirem, será devida a contribuição relativa a todo esse trimestre.
§ 2.° Exceptua-se do disposto n'este artigo a parte da contribuição que se traduz em percentagens fixas, que será devida em relação ao tempo, durante o qual subsistirem os rendimentos collectaveis, e em harmonia com a sua respectiva importancia.
Art. 112.° No primeiro anno da execução da presente lei, as bases a tomar para a fixado do contingente são:
1.° O que constar das ultimas matrizes, lançamento e liquidação dos impostos substituídos;
2.° A importancia do imposto de rendimento arrecadado, que constar da ultima conta geral do estado;
3.° Quanto ao imposto de 6 por cento, creado pela carta do lei de 27 de abril de 1882, a importancia que resultar do seu addicionamento ao total, no ultimo anno, dos impostos substituídos que ao mesmo addicional estavam sujeitos.
Art. 113.° Logo que a presente lei entrar em execução, proceder-se-ha á revisão dos manifestos até agora existentes para se supprirem as faltas de authenticidade, ou de indicações essenciaes que n'elles houver; sendo os manifestantes intimados para o renovar no praso de noventa dias, sob pena de nullidade, quando não estejam conformes com a presente lei e seu regulamento, ou quando hajam de passar para o concelho ou bairro da residencia do credor, devendo, n'este ultimo caso, o escrivão de fazenda, perante quem tenham sido feitos, dar conhecimento disso ao escrivão de fazenda perante o qual devam ser renovados. Por estas renovações não se cobrarão emolumentos.
§ unico. Nos concelhos das ilhas adjacentes serão os credores de capitães mutuados anteriormente á publicação desta lei avisados por editaes, devidamente affixados e publicados nos jornaes da terra, para no praso de quatro mezes manifestarem os seus creditos, sob pena de pagarem a collecta em dobro por todo o tempo da sua omissão.
Art. 114.° É o governo auctorisado:
1.° A fazer os regulamentos necessarios para a execução da presente lei;
2.° A estabelecer as multas destinadas a tornar effectiva essa execução;
3.° A fazer as despezas que exigir a formação e aperfeiçoamento das matrizes;
4.° A dividir a cobrança da contribuição geral mobiliaria no numero de prestações que tiver por convenientes.
§ unico. As multas serão addicionadas ás collectas e com ellas cobradas.
Art. 115.° A despesa realisada com a organisação das matrizes, em qualquer anno, será tomada em consideração para a fixação do contingente do anno seguinte.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

TABELLAS A E B

Alterações a fazer nas tabellas A e B, encorporadas na tabella geral approvada por decreto de 3 de junho de 1880

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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TABELLA C

Que comprehende as manifestações de riqueza individual sujeitas a tazas fixas

[Ver tabela na imagem]

Advertencias

1.ª A taxa de cada vehiculo montado, isto é, tendo cavalgadura ou cavalgaduras correspondentes, acresce a taxa que por estas for devida, assim como a do respectivo creado ou creados.

2.ª Nos tres districtos dos Açores, Angra, Horta e Ponta Delgada, serão applicadas as taxas designadas para as terras de 3.ª, 4.ª, 5.ª e 6.ª ordem, consideradas em moeda insulana.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

TABELLA D

Que comprehende os rendimentos ou proventos sujeitos a percentagens fixas

CLASSE 1.ª

Numeros das verbas

1 Sociedades anonymas de qualquer especie, natureza ou denominação, estabelecidas no continente do reino e ilhas adjacentes: - pelos juros, lucros e dividendos pagos ou distribuídos no anno anterior ao do lançamento, por acções, obrigações ou outros títulos, excluída parte por cada sociedade percebida proveniente de obrigações e titulos de divida publica fundada ou amortisavel de vencimento de predios proprios inscriptos na competente matriz da contribuição predial, de acções, obrigações e mais titulos das outras sociedades anonymas, sujeitos á percentagem fixa, de obrigações da companhia de credito predial portuguez, e de contratos de supprimentos para pagamento das classes inactivas, auctorisados pela carta de lei de 22 de março de 1872.
2 Sociedades anonymas estrangeiras de qualquer espécie, natureza ou denominação: - pelos juros, lucros e dividendos, do mesmo modo pagos ou distribuidos no anno anterior ao do lançamento, em relação, porém, sómente ás operações e transacções feitas em territorio portuguez, com as mesmas exclusões mencionadas na verba antecedente.
3 Espectaculos publicos - o emprezario, companhia de actores ou sociedade de qualquer modo constituída para exploração directa, ainda que seja anonyma: - sobre o producto de uma recita completa ou de uma enchente no respectivo local, sem deducção de despezas, em cada mez de trabalho, seja qual for o numero dos dias.
Ás companhias ambulantes exigir-se-ha o pagamento adiantado das respectivas collectas, ou fiança idonea que por ellas responda, no acto de se apresentarem á auctoridade administrativa.

CLASSE 2.ª

4 Directores, gerentes, thesoureiros, administradores fiscaes, membros do conselho fiscal, ou quaesquer outros vogaes adjuntos dos corpos gerentes das sociedades anonymas ou parcerias de qualquer especie, natureza, ou denominação: - pelos vencimentos que lhes marcarem os respectivos estatutos, ou que effectivamente perceberem, quer sejam certos, quer de percentagem ou de senhas de presença.
5 Empregados de compromissos marítimos, taes como facultativos, boticarios ou outros, guando exerçam a sua industria exclusivamente a bordo dos navios; e os empregados das companhias de caminhos de ferro portuguezes: - pelos seus vencimentos.
6 Empregados publicos, do estado ou das corporações administrativas, que recebam emolumentos: - sobre a importancia d'esses emolumentos, segundo a sua lotação official e competente ou sobre o liquido distribuído pelo cofre respectivo nas corporações onde o haja, ou, na falta deste ou d'aquellas, sobre a importancia que constar das declarações juradas dos interessados, sujeitas ás rectificações que possam provir das informações legaes devidamente obtidas.
7 Empregados publicos: - pelos ordenados, pensões, soldos e quaesquer outras remunerações pagas directamente pelo governo ou pelas corporações administrativas e estabelecimentos publicos subsidiados ou não pelo estado.
8 Pensionistas ou prestacionados das sociedades anonymas: - pela importancia da pensão ou prestação annual.

CLASSE 3.ª

9 Credores do estado por obrigações e tifulos de divida fundada ou amortisavel: - pela importancia dos juros que receberem.
10 Credores accionistas ou com partes de sociedades anonymas, de qualquer especie, natureza ou denominação incluindo as parceiras mercantis, por acções, obrigações ou quaesquer outros titulos de emprestimos feitos ás mesmas sociedades ou capital n'ellas empregados: - pela importancia dos juros ou dividendos que receberem.
11 Credores de corporações administrativas e de estabelecimentos subsidiados ou não pelo estado, por obrigações ou quaesquer outros títulos representativos de emprestimos a estes feitos: - pela importancia dos juros que receberem.
12 Credores particulares por capitães emprestados ou mutuados.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei n.° 2

N.º 7-B

Artigo 1.° Os rendimentos sujeitos pela lei da contribuição geral mobiliaria, ou imposto calculado por percentagens fixas, serão collectados, no anno civil de 1887, pela tabella junta a esta lei e que d'ella faz parte.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contraria.
Ministerio dos negocios da fazenda, aos 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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TABELLA D

Tabella das percentagens fixas da contribuição geral mobiliaria, a que se refere a lei datada de hoje e que d'ella faz parte.

[Ver tabela na imagem]

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei n.º 3.º

N.º 7-C

Artigo 1.º É approvada a reorganisação dos serviços de fazenda nos districtos e concelhos do continente do reino e ilhas adjacentes, que faz parte integrante d'esta lei.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Reorganisação dos serviços de fazenda nos districtos e concelhos do continente do reino e ilhas adjacentes

CAPITULO I

Das repartições de fazenda dos districtos

Artigo 1.º As repartições de fazenda dos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes continuam a ser dirigidas por empregados em commissão, livremente nomeados pelo governo, com a denominação de delegados do thesouro, devendo, porém, as nomeações recair.
1.º Para os districtos de Lisboa e Porto, em primeiros officiaes das direcções geraes das contribuições directas, thesouraria e proprios nacionaes;
2.º Para os demais districtos, em primeiros ou segundos officiaes das mesmas direcções geraes, primeiros officiaes das repartções de fazenda dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal, officiaes das repartições de fazenda dos outros districtos, e escrivães de fazenda dos concelhos de primeira ordem com mais de cinco annos de exercicio na classe.
Art. 2.º Os primeiros e segundos officiaes das tres referidas direcções geraes, que forem nomeados para desempenhar a commissão de delegados do thesouro, deixarão vagos os seus logares nos quadros a que pertencerem, a fim de serem devidamente preenchidas; e quando sejam exonerados da commissão, ficarão addidos aos mesmos quadros, onde entrarão nas primeiras vacaturas, que occorrerem, tudo sem prejuizo dos seus respectivos vencimentos e antiguidades.
Art. 3.º Os primeiros officiaes das repartições de fazenda dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal, e os officiaes das repartições de fazenda dos outros districtos, deixam igualmente vagos os seus logares nos respectivos quadros, para serem devidamente preenchidos, quando forem nomeados para a commissão de delegados do thesouro, mas não soffrerão por isso prejuizo em suas antiguidades.
§ 1.º Os empregados a que se refere este artigo, quando sejam exonerados da commissão de delegados do the-

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372 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

souro, ficarão addidos aos respectivos quadros das repartições de fazenda dos districtos de onde saíram, com os vencimentos que lhes competirem segundo as suas categorias.
§ 2.° Para os effeitos da sua collocação, considerar-se-hão, porém, os empregados addidos como pertencendo á classe geral dos empregados da sua respectiva categoria, nos differentes districtos, a fim de irem successivamente entrando nas vacaturas que se derem, pela ordem de suas antiguidades.
Art. 4.° Os escrivães de fazenda, quando sejam exonerados da commissão de delegados do thesouro, serão addidos ás repartições de fazenda dos districtos a que pertenciam quando foram nomeados para taes commissões, ou às dos districtos de Lisboa e Porto, ou do Funchal, quando das ilhas, segundo ao governo parecer conveniente e justo, e ahi considerados com a categoria dos officiaes mais graduados do quadro da respectiva repartição, emquanto não forem providos no logar de escrivão de fazenda que lhes competir, podendo entrar nas primeiras vacaturas da classe a que estiverem addidos.
Art. 5.° É livre ao governo exonerar da commissão de delegado do thesouro; mas tanto na exoneração como na nomeação deverá proceder por modo que nunca haja mais do que um addido ao quadro de qualquer repartição, ou classe de empregados.
Art. 6.º Aos primeiros officiaes das repartições de fazenda dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal, é permittido concorrerem aos logares de primeiro official das direcções geraes das contribuições directas, thesouraria e próprios nacionaes.
Art. 7.° Os ordenados dos empregados das repartições de fazenda dos districtos serão os seguintes:
Nos districtos do Lisboa, Porto e Funchal:
Primeiros officiaes 600$000 réis.
Segundos officiaes 400$000 réis.
Contínuos 200$000 réis.
Nos outros districtos:
Officiaes 400$000 réis.
Contínuos 150$000 réis.
Em todos os districtos:
Aspirantes de 1.ª classe 320$000 réis.
Aspirantes de 2.ª classe 240$000 réis.
Art. 8.° As promoções nos quadros das repartições de fazenda dos districtos continuam a ser feitas, alternadamente, por antiguidade e concurso.
§ 1.° A promoção, por antiguidade, a um logar de determinada categoria, faz-se em relação aos empregados que na repartição de fazenda, onde a vacatura se der, tiverem a categoria immediatamente interior.
§ 2.° A promoção por concurso a um determinado logar abrange os empregados da categoria immediatamente inferior, qualquer que seja a repartição de fazenda districtal a que pertençam.
§ 3.° Os concursos a que se refere o paragrapho antecedente serão feitos nos termos adiante especificados para as promoções dos escrivães de fazenda, devendo o ponto theorico, a que se refere o n.° 2.° do artigo 17.°, ter por assumpto a resolução de alguma questão relativa á administração de impostos.
Art. 9.° Os logares de aspirante de 2.ª classe serão preenchidos por concurso de habilitações e provas praticas, aberto por ordem do governo, para cada vaga que se der, perante o delegado do thesouro do respectivo districto.
§ 1.° Em igualdade de circumstancias preferem os escripturarios dos escrivães de fazenda, com boas informações de serviço e comportamento.
§ 2.° Os concursos serão validos por um anno, e durante este período podem os concorrentes offerecer o merito d'elles, em outros concursos que se abram para preenchimento de vagas em qualquer districto.
§ 3.° Ficam resalvadas as disposições da lei de 26 de junho da 1883, quanto aos officiaes inferiores que possuírem as habilitações necessarias para estes logares.
Art. 10.° Para ser admittido ao concurso para os logares de aspirante de 2.ª classe, será necessario juntar documentos que provem as seguintes habilitações:
1.° Idade de dezoito annos completos;
2.° Bom comportamento moral e civil, provado por attestados das auctoridades competentes, e folha corrida;
3.° Ter satisfeito ou estar isento do serviço do exercito e da armada, quando o candidato tiver completado a idade legal para ser recenseado;
4.° Exames de lingua portugueza e arithmetica, pelo menos, segundo o curso geral dos lyceus, approvado por decreto de 14 de outubro de 1880, ou approvação nas disciplinas equivalentes na conformidade do quadro junto ao mesmo decreto.
Art. 11.° As provas praticas serão dadas perante um jury composto do delegado do thesouro, do official mais graduado da repartição de fazenda do districto, onde a vaga se der, e do escrivão de fazenda do concelho ou bairro em que aquella repartição estiver situada; servindo o primeiro de presidente e o segundo de secretario.
§ 1.° As referidas provas serão iguaes para todos os concorrentes a cada concurso, e consistirão:
1.° Em um ponto theorico sobre assumpto de serviço da competencia das repartições de fazenda dos districtos, tirado á sorte de entre seis pelo presidente do jury;
2.° Em um ponto pratico, tambem sobre assumpto de serviço, pelo qual os concorrentes mostrem a sua aptidão em redacção official, sendo igualmente tirado á sorte de entre seis, pelo presidente do jury.
§ 2.° Os pontos serão feitos pelo delegado do thesouro, que sobre sua responsabilidade os conservará secretos até ao sorteio.
§ 3.° Para responderem ao primeiro ponto terão os candidatos duas horas, e uma para responderem ao segundo, sendo-lhes ministrada a legislação que pedirem.
§ 4.° Decorrido o tempo marcado para as respostas, os candidatos assignarão as suas provas e entregal-as hão ao presidente do jury.
§ 5.° O jury, acto continuo, se for possivel, ou no dia seguinte, não sendo santificado ou feriado, procederá á classificação de cada um dos concorrentes por maioria de votos, concluindo por uma proposta graduada, por todos assignada, a qual, com todo o processo, o presidente fará subir, para resolução do ministro, pela direcção geral das contribuições directas.

CAPITULO II

Das repartições de fazenda dos concelhos

Art. 12.° Nas nomeações dos escrivães de fazenda observar-se-hão as seguintes regras:
1.° Os escrivães de fazenda dos concelhos capitães de districto só poderão ser nomeados de entre os primeiros officiaes das repartições de fazenda dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal, os officiaes das repartições de fazenda dos outros districtos, e escrivães de fazenda dos concelhos de primeira ordem, tendo n'ella mais de um anno de serviço e boas informações;
2.° Os logares de escrivães de fazenda dos demais concelhos de primeira ou segunda ordem serão providos alternadamente por antiguidade e por concurso de provas praticas;
3.° Os logares de escrivães de fazenda dos concelhos de terceira ordem serão sempre providos por concurso de habilitações e provas praticas.
§ 1.° As promoções por antiguidade para os logares de escrivães de fazenda de primeira ou de segunda ordem, a que se refere o n.° 2.° d'este artigo, só comprehenderão os escrivães de fazenda da ordem immediatamente inferior aquella em que se der a vacatura, que tiverem boas informações de serviço.
§ 2.° Aos concursos para provimento dos logares de es-

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crivão de fazenda de primeira ordem, nos concelhos que não forem capitães de districto, serão admittidos: os escrivães de fazenda de segunda ordem, que tenham n'ella mais de dois annos de serviço com boas informações; os segundos officiaes das repartições de fazenda dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal e os officiaes das repartições de fazenda dos outros districtos.
§ 3.° Aos logares de escrivães de fazenda dos concelhos de segunda ordem podem concorrer: os escrivães de fazenda de terceira ordem, que n'ella tenham mais de dois annos de serviço, com boas informações, e os aspirantes de 1.ª classe das repartições de fazenda dos districtos.
§ 4.° Podem concorrer, e em igualdade de circumstancias preferirão a todos, aos logares de escrivão de fazenda dos concelhos de primeira ordem, os segundos officiaes das direcções geraes das contribuições directas, thesouraria e proprios nacionaes; e aos de escrivão de fazenda dos concelhos de segunda ordem, os amanuenses das mesmas direcções geraes.
§ 5.° Nos concursos a que se refere o n.° 3.° d'este artigo, serão preferidos, em igualdade de circumstancias, pela ordem aqui indicada:
1.° Os aspirantes de 2.ª classe das repartições de fazenda dos districtos, com mais de dois annos de bom serviço;
2.° Os escripturarios dos escrivães de fazenda, tambem com mais de dois annos de bom serviço.
Art. 13.º Para ser admittido ao concurso para os logares de escrivão de fazenda dos concelhos de terceira ordem, será necessario juntar documentos que provem as seguintes habilitações:
1.ª Maioridade;
2.ª Bom comportamento moral e civil, provado por attestados das auctoridades competentes, e folha corrida;
3.º Ter satisfeito ou estar isento do serviço do exercito e da armada;
4.º Exames de língua portugueza, arithmetica, elementos de legislação civil, de direito publico e administrativo, pelo menos, segundo o curso geral dos lyceus, approvado por decreto de 14 de outubro de 1880, ou approvação nas disciplinas equivalentes, na conformidade do quadro junto ao mesmo decreto.
§ 1.° São dispensados da prova das habilitações exigidas n'este artigo:
1.° Os actuaes aspirantes de 2.ª classe e das repartições de fazenda com mais de cinco annos de serviço;
2.° Os actuaes escripturarios dos escrivães de fazenda, tambem com mais de cinco annos de serviço.
Art. 14.° O concurso para provimento das vagas, que occorram nos logares de escrivães de fazenda dos concelhos de todas as ordens, serão abertos annualmente, ou quando o governo determinar, perante as repartições dos districtos de Lisboa, Porto e Ponta Delgada.
Art. 15.º Para os fins do artigo antecedente, o continente do reino e ilhas adjacentes constituirá tres circumscripções, que comprehenderão:
1.° Os districtos de Aveiro, Braga, Bragança, Castello Branco, Guarda, Porto, Vianna do Castello, Villa Real e Vizeu, tendo a sua séde no Porto;
2.° Os districtos de Beja, Coimbra, Evora, Faro, Leiria, Lisboa, Portalegre e Santarem, tendo a sua séde em Lisboa;
3.° Os districtos do Funchal, Angra, Horta e Ponta Delgada, tendo a sua séde em Ponta Delgada.
§ unico. E, todavia, facultado aos escrivães e mais empregados de fazenda da ilha da Madeira requererem para entrarem em concurso em Ponta Delgada ou em Lisboa, segundo mais lhes convier.
Art. 16.° As provas praticas nos concursos de que trata o artigo 14.°, serão dadas perante um jury composto de três delegados do thesouro, nomeados pelo governo, sob proposta da direcção geral das contribuições directas.
§ 1.° Dos delegados do thesouro que forem nomeados servirá de presidente o mais graduado ou o mais antigo, em igualdade de circumstancias, e de secretario servirá o menos graduado ou o mais moderno.
§ 2.° O jury reunirá na repartição de fazenda do districto onde for a séde da circumscripção, e quando ahi não haja uma sala com a capacidade sufficiente, o presidente procurará obtel a em qualquer repartição publica.
§ 3.º Aos delegados do thesouro, que por virtude das disposições d'este artigo tiverem de sair temporariamente da sede dos seus districtos, será abonada uma ajuda de custo para transporte; e não perderão durante a sua ausencia o direito ás quotas e emolumentos que lhes pertencerem.
Art. 17.° As provas praticas serão iguaes para todos os concorrentes a cada concurso, e consistirão em tres pontos, cada um d'elles tirado á sorte, pelo presidente do jury, de entre seis, versando todos sobre serviço de fazenda; e sendo:
1.° Theorico, resolvendo uma questão sobre assumpto em que se manifeste a interpretação ou intelligencia de uma disposição fiscal;
2.° Theorico, sobre assumpto de organisação de matriz, repartição ou lançamento de qualquer imposto;
3.° Pratico, por modo a mostrarem os concorrentes a sua aptidão em redacção official.
§ 1.° Cada membro do jury fará uma serie de seis pontos, conforme entre si combinarem, e, sob sua responsabilidade, a guardará em segredo até ao sorteio, em cujo acto a deverá apresentar, para de cada uma dessas series se sortear um ponto nos termos d'este artigo.
§ 2.° Para cada uma das respostas aos dois primeiros pontos terão os candidatos duas horas, e uma para resposta ao terceiro.
§ 3.° É applicavel a estes concursos o disposto nos §§ 4.° e 5.° do artigo 11.°, com a differença de poderem applicar-se á classificação dos concorrentes os dias successivos que forem necessários, e de dever o jury classificar, não só em attenção ás provas praticas, mas tambem ás informações de serviço, que deverá ter presentes, e que previamente devem ser solicitadas pelo delegado do thesouro perante quem o concurso tiver sido aberto.
§ 4.° Estes concursos são validos por tres annos para os escrivães de fazenda, e por dois annos para os demais concorrentes.
Art. 18.° Nenhum escrivão de fazenda poderá permanecer por mais de cinco annos no mesmo concelho ou bairro, podendo os dos bairros ser mudados de uns para outros. O praso de cinco annos contar-se-ha da data em que começar a vigorar a presente lei.
Art. 19.° Os escripturarios de fazenda serão nomeados e poderão ser demittidos sob proposta do escrivão de fazenda do respectivo concelho, sujeita a confirmação do delegado do thesouro do districto, ficando aos escrivães de fazenda toda a responsabilidade pelo desempenho do serviço por parte dos escripturarios que propozerem.
§ unico. As propostas de demissão serão sempre justificadas.
Art. 20.° Os ordenados dos escripturarios dos escrivães de fazenda serão - nos bairros de Lisboa e Porto, e nos concelhos dos Olivaes e Villa Nova de Graia, 200$000 réis; nos demais concelhos do continente do reino e ilhas adjacentes, 100$000 reis.

CAPITULO III

Das visitas aos concelhos

Art. 21.° São estabelecidas visitas regulares e permanentes ás repartições de fazenda dos concelhos, feitas por empregados em commissão, com a denominação de inspectores de contribuições, nomeados pelo governo, sobre proposta da direcção geral das contribuições directas, em presença de informações prestadas pelos delegados do thesouro.
§ 1.° Haverá dois inspectores de contribuições em cada

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um dos districtos de Lisboa e Porto, e um só nos demais districtos.
§ 2.° O governo, sobre proposta do respectivo delegado do thesouro, determinará os serviços que ficam a cargo de cada um dos inspectores dos districtos de Lisboa e Porto.
§ 3.° Os inspectores de contribuições dos districtos de Lisboa e Porto terão até dois agentes fiscaes, do mesmo modo nomeados pelo governo, para os coadjuvar na fiscalisação relativa ao imposto do sêllo.
Art. 22.° Os inspectores de contribuições são immediamente subordinados aos delegados do thesouro, aos quaes darão mensalmente conta dos seus trabalhos, por meio de relatorio, em que tratarão separadamente, por fascículos, dos serviços da competencia de cada uma das direcções geraes do ministerio da fazenda, ás quaes os mesmos fascículos serão enviados pelos delegados do thesouro.
§ unico. Correspondem-se directamente com os delegados do thesouro, que lhes transmittirão as instrucções e ordens que receberem das direcções geraes, e lhes darão tambem as instrucções que julgarem convenientes, podendo determinar-lhes qualquer visita urgente ou extraordinária, e indicar-lhes os concelhos ou inspecções a que devam dar preferencia na successão das visitas ordinarias.
Art. 23.° Todos os concelhos do cada districto serão annualmente visitados pelo respectivo inspector de contribuições, uma vez pelo menos.
Art. 24.° Compete aos inspectores de contribuições: o exame minucioso de todos os serviços a cargo das repartições de fazenda dos concelhos e respectivas recebedorias; a indagação das irregularidades, erros e omissões que, porventura, se dêem no lançamento e arrecadação dos impostos; a promoção da prompta satisfação a todos os serviços, e em especial á instauração e breve andamento dos processos de execuções fiscaes, e de liquidação de contribuição de registo; todos os actos da fiscalisação relativa á arrecadação do imposto do sêllo e execção do seu regulamento e de quaesquer outras disposições fiscaes; e, finalmente, a verificação do modo como os empregados fiscaes desempenham as suas funcções e como são cumpridas, por parte de quaesquer outros, as obrigações que lhes sejam impostas pelas leis ou regulamentos fiscaes.
§ unico. Um regulamento especial desenvolverá todas as obrigações e attribuições dos inspectores de contribuições, compendiadas n'este artigo e mais disposições da presente lei, que lhes digam respeito.
Art. 25.° Aos inspectores de contribuições abonar-se-ha a gratificação de 3$000 réis por dia, paga mensalmente, sem direito a mais remuneração ou vencimento algum.
Art. 26.° Os inspectores de contribuições serão escolhidos de entre os escrivães de fazenda de concelhos de primeira ordem, segundos officiaes das direcções geraes das contribuições directas, thesouraria e proprios nacionaes, segundos officiaes das repartições de fazenda dos districtos de Lisboa, Porto e Funchal e officiaes dos demais districtos.
§ 1.° Os empregados das direcções geraes e das repartições de fazenda dos districtos a que se refere este artigo, que forem nomeados inspectores de contribuições, cessam de ser abonados dos seus respectivos vencimentos, e deixam vagos os seus logares, para serem devidamente preenchidos pelo governo; e quando sejam exonerados da commissão de inspectores, voltarão aos quadros dos mesmos logares como addidos, para entrarem nas primeiras vacaturas, sem prejuízo de suas antiguidades, readquirindo o direito aos seus vencimentos.
§ 2.° Do mesmo modo deixam vagos os seus logares os escrivães de fazenda que forem nomeados inspectores de contribuições, e quando sejam exonerados d'esta commissão e não possam desde logo ser nomeados para qualquer concelho de primeira ordem, serão addidos às repartições de fazenda dos districtos onde serviam ou ás d'aquelles d'onde saíram para a commissão, considerando-se provisoriamente como officiaes ou segundos officiaes, segundo aquellas repartições forem do Lisboa, Porto ou Funchal, ou dos demais districtos, até que entrem nas primeiras vagas que occorram em concelhos da dita ordem.
Art. 27.° Os agentes fiscaes dos inspectores dos districtos de Lisboa e Porto serão nomeados: um, de entre os empregados das repartições de fazenda dos mesmos districtos, o qual desempenhará o serviço que lhe incumbir sem prejuizo do da respectiva repartição, percebendo uma gratificação não excedente a 20$000 réis por mez; e o outro poderá sel-o de entre as praças do corpo da guarda fiscal, ou da policia civil, percebendo uma gratificação até ao máximo de 12$000 réis por mez; qualquer d'elles poderá ser exonerado pelo governo, sobre proposta do inspector ou do delegado do thesouro, ou sem ella quando a conveniencia do serviço o exija.
§ unico. Estes agentes, alem do mais serviço de que forem incumbidos, serão especialmente encarregados da fiscalisação do imposto do sêllo: o primeiro, quanto a bilhetes de loterias ou rifas, casas de venda de bilhetes e cautelas de lotarias estrangeiras, espectaculos publicos, emprezas de transportes, operações de bolsa, e annuncios em periódicos ou outras publicações; o segundo, quanto á venda ambulante de bilhetes e cautelas, cartazes, annuncios e mais papeis sujeitos a sêllo, que se affixarem em logares publicos, cartas de jogar e licenças, devendo reciprocamente coadjuvar-se no que seja necessario.
Art. 28.° Á nomeação e exoneração dos inspectores de contribuições é applicavel o disposto no artigo 5.° d'esta lei.

CAPITULO IV

Dos thesoureiros pagadores dos districtos e recebedores de comarca

Art. 29.° Os logares de thesoureiro pagador e de recebedor de comarca serão providos por concurso de habilitações e provas praticas, aberto, para cada vacatura que se der, perante a direcção geral da thesouraria ou repartição de fazenda do districto a que o logar pertencer.
Art. 30.° Para ser admittido ao concurso será necessario que os candidatos provem possuir as habilitações exigidas no artigo 13.° d'esta lei, excepto elementos de legislação, de direito publico e administrativo.
§ unico. Os concursos serão validos por um anno, podendo durante este praso ser offerecido o merecimento d'elles em qualquer que se abra para logar identico.
Art. 31.° As provas praticas serão dadas perante um jury composto dos directores geraes da thesouraria, contabilidade o contribuições directas, e de um chefe de repartição de cada uma das direcções geraes da thesouraria e da contabilidade.
§ unico. As referidas provas serão iguaes para todos os concorrentes a cada concurso, e consistirão em tres pontos, cada um d'elles tirado á sorte pelo presidente do jury, do entre seis, todos sobre serviço a cargo dos thesoureiros pagadores ou dos recebedores de comarca, conforme o concurso for para um ou outro dos ditos logares, sendo um dos pontos theorico e dois praticos, e havendo duas horas para as respostas a este, e uma hora para as de cada um dos outros.
Art. 32.° Os pontos para o concurso consistirão:
1.° Theorico, proposto de modo que os concorrentes indiquem e desenvolvam as disposições que regulem as attribuições ou serviço do logar a que concorrem, incluindo os serviços relativos a pagamento de juros e á caixa geral de depositos, ministrando-se-lhes a legislação que pedirem;
2.° Pratico, consistindo em um problema a resolver por quebrados ou decimaes ou por uma regra de três, particularmente de juros;
3.° Pratico, por modo que os concorrentes mostrem a sua aptidão em redacção official.
§ unico. Os pontos serão feitos pelo director geral da

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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1886 375

thesouraria, que, sob sua responsabilidade, os conservará em segredo até ao sorteio.
Art. 33.° Os concorrentes, findo o praso marcado, assignarão as suas provas e entregal-as-hão ao presidente do jury.
§ unico. O jury procederá acto continuo e no dia seguinte, se for necessário, á classificação dos concorrentes, por maioria de votos, concluindo por uma proposta graduada, por todos assignada, que, com todo o processo, o presidente fará subir á resolução do ministro, pela direcção geral da thesouraria.

CAPITULO VI

Disposições especiaes

Art. 34.° Em cada um dos concelhos da Lourinhã e Cadaval, do districto de Lisboa, haverá dois escripturarios, como permitte o artigo 1.° da carta de lei de 6 de abril de 1874, por serem concelhos de segunda ordem, e estar reconhecida a necessidade de terem mais um escripturario.
Art. 35.° O governo não poderá nomear mais empregados extraordinarios para as repartições de fazenda dos districtos, e irá supprimindo os logares actualmente occupados por taes empregados á medida que forem vagando.
Art. 30.° Os actuaes empregados extraordinarios irão sendo providos, segundo a ordem da sua antiguidade, nas primeiras vagas que forem occorrendo nos logares de aspirante do 2.ª classe das respectivas repartições de fazenda, podendo sel-o nas de outros districtos, se lhes convier, sem dependencia de concurso, que para este effeito sómente fica dispensado.
Art. 37.° É o governo auctorisado a fazer os regulamentos necessarios para a execução da presente lei.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro do 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei n.° 4

N.º 7-D

Artigo 1.º São approvadas as pautas de importação, exportação, reexportação, baldeação e dos direitos de consumo em Lisboa, as quaes fazem parte d'esta lei.
§ 1.° São mantidas nas novas infracções prelimanares das pautas as disposições de caracter legislativo que possam ser applicaveis, e que se acham exaradas na edição official, approvada por decreto de 17 de setembro de 1885.
§ 2.° São abolidos os impostos addicionaes de 1/2 por cento e 2 por cento ad valorem, creados pelas leis de 18 do março do 1873 e 23 de abril de 1880, e bem assim o imposto addicional de 6 por cento, creado pela lei de 27 de abril de 1882, na parte que se refere aos direitos do importação e exportação cobrados nas alfandegas.
Art. 2.° Fica revoada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

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Pauta dos direitos de importação

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Pauta de exportação, reexportação e baldeação

[Ver tabela na imagem]

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[Ver tabela na imagem]

Observações

É mantida a disposição da lei de 15 de maio de 1878, com referencia á exportação das ostras colhidas até o anuo de 1928, nos bancos naturaes comprehendidos entre o pontal de Cacilhas e Alcochete.
É mantida a lei de 23 de abril de 1880, concernente á cortiça despachada para as ilhas adjacentes e para as províncias ultramarinas.

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Pauta dos direitos do consumo em Lisboa

[Ver tabela na imagem]

Secretaria de estado dos negocios da fazenda, 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei n.° 5

N.° 7-E

Artigo 1.° O imposto do real de agua será cobrado no continente do reino e ilhas adjacentes, segundo a tabella annexa á presente lei.
§ 1.° É exceptuada a cidade de Lisboa, onde se cobrarão os direitos do consumo estabelecidos em pauta especial.
§ 2.° Os géneros comprehendidos na tabella do real de agua, quando importado de paizes estrangeiros ou das provincias ultramarinas, pagarão na alfandega ou delegação da alfandega em que forem despachados, alem dos direitos de importação a que estiverem sujeitos, se forem para o consumo da cidade de Lisboa os direitos da respectiva pauta, e se forem para o consumo dos demais concelhos do reino as taxas do real de agua.
§ 3.° As taxas do imposto do real de agua nos districtos dos Açores serão cobradas em moeda insulana.
Art. 2.° O pagamento da contribuição industrial das fabricas de bebidas alcoolicas e fermentadas, em Lisboa e Porto, fica sujeito ao regimen commum, abolindo-se a excepção do artigo 21.° da tabella geral da contribuição industrial, approvada por decreto de 3 de junho de 1880.

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382 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ unico. As referidas fabricas pagarão o imposto do real de agua, no Porto, ou os direitos de consumo, em Lisboa, por avença ou administração.
Art. 3.° Fica o governo auctorisado a fazer os necessarios regulamentos para a execução da presente lei.
Art. 4.° É revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negócios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Tabella do imposto do real de agua

[Ver tabela na imagem]

Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei n.° 6

N.º 7-F

Artigo 1.° A despeza extraordinária do estado no exercício de 1886-1887 é fixada em 4.285:000$000 réis, segundo o mappa annexo a esta lei, e que d'ella faz parte; a saber:
1.° Ao ministerio dos negocios do reino 10:000$000 réis.
2.° Ao ministerio dos negocios da guerra 200:000$000 réis.
3.° Ao ministerio dos negocios da marinha e ultramar:
a) Marinha 160:000$000 réis.
b) Ultramar 500:000$000 réis.
4.° Ao ministerio das obras publicas, commercio e industria 3.410:000$000 réis.
Art. 2.° Para occorrer á despeza de que trata o artigo antecedente fica o governo auctorisado a levantar pelos meios que julgar mais convenientes até á somma acima mencionada de 4.285:000$000 réis, e a pagar os respectivos encargos.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpbo Hintze Ribeiro.

Mappa da despeza extraordinaria do estado para o exercício de 1886-1887, a que se refere a proposta de lei datada de hoje

Ministerio dos negocios do reino

CAPITULO UNICO

Para construcção de um edifício para o lyceu de Lisboa (resto) .... 10:000$000

Ministerio dos negocios da guerra

CAPITULO UNICO

Estrada militar da circumvallação, continuação das obras de fortificação de Lisboa e seu porto, e acquisição de torpedos e material correlativo .... 200:000$000

Ministerio dos negocios da marinha e ultramar

Marinha

CAPITULO I

Reparação e construcções dos navios da armada .... 90:000$000
Para ferias e maiorias de jornaes aos operarios provisorios, empregados nas reparações e construcção dos navios da armada .... 10:000$000
100:000$000

CAPITULO II

Construcção e reparação nos edifícios da marinha .... 20:000$000

CAPITULO III

Para satisfazer o angmento de preço que porventura possam ter as rações das praças embarcadas nos navios em serviço das divisões navaes, pelo facto dos generos componentes da mesma ração serem adquiridos n'aquellas paragens .... 20:000$000

CAPITULO IV

Para satisfazer o abono das rações aos contingentes que forem para o ultramar ou d'elle regressarem .... 15:000$000

CAPITULO V

Para satisfazer o custo de material, se durante o exercício se elevar o numero de navios do armamento naval .... 10:000$000
165:000$000

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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1885 383

Ultramar

CAPITULO I

Para despezas geraes das provindas ultramarinas (deficit) .... 400:000$000

CAPITULO II

Despezas com o estabelecimento de novas missões ou estações civilisadoras e commerciaes, e exploração em Africa .... 50:000$000

CAPITULO III

Garantia segundo o contrato de 5 de junho de 1885 com relação ás secções do cabo telegraphico submarino até Bolama e Bissau e de Bolama a Loanda .... 50:000$000
500:000$000
665:000$000

Ministerio das obras publicas, commercio e industria

CAPITULO I

Estradas

Estudos, construcção e grandes reparações de estradas no continente e ilhas adjacentes:
Districtos de Bragança e Villa Real .... 124:000$000
Restantes 19 districtos .... 630:000$000
754.000$000
Subsídios para estradas municipaes, districtaes e respectivas pontes:
Districtos de Bragança e Villa Real .... 40:000$000
Restantes 19 districtos .... 260:000$000
300:000$000
Ponte de D. Luiz sobre o Douro .... 60:000$000

CAPITULO II

Caminhos de ferro

Construcção do caminho de ferro do Algarve e prolongamento das linhas do sul e sueste .... 400:000$000
Construcção, estudos, fiscalisação da construcção e mais despezas com caminhos de ferro .... 800:000$000
1:200$000

CAPITULO III

Obras hydraulicas

Porto artificial de Ponta Delgada .... 96:000$000
Porto artificial da Horta .... 60:000$000
Porto artificial do Funchal, podendo esta verta servir de base a uma operação para a mais rapida conclusão da obra .... 30:000$000
Porto de Leixões .... 560:000$000
Estudos e melhoramentos de portos e rios, incluindo o Mondego e o Tejo, obras hydraulicas nas bacias das ribeiras e regimen das aguas correntes .... 280:000$000
1.026:000$000

CAPITULO IV

Correios, telegraphos e pharoes

Carruagens, repartições postaes ambulantes .... 5:000$000
Novas linhas telegraphicas .... 5:000$000
Novos pharoes .... 50:000$000
60:000$000

CAPITULO V

Arborisação de dunas

Pinhaea e matas nacionaes, arborisação de dunas, montanhas e estradas florestaes .... 10:000$000
3.410:000$000
4.285:000$000

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 6 de fevereiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Proposta de lei rectificando as receitas e as despezas do estado, ordinarias e extraordinarias, na metropole, no exercicio de 1885-1886

N.° 7-G

Senhores. - A carta de lei de 25 de junho de 1885 auctorisou o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos, relativos ao exercício corrente de 1885-1886, e a applicar o seu producto ás despezas ordinarias do estado, cujo decretamento seria feito de accordo com o parecer da respectiva commissão da camara dos senhores deputados, sobre o orçamento proposto para o mesmo exercício.
Em harmonia com essas prescripções foram, por decreto de 25 de junho de 1885, fixadas as receitas ordinárias em 31.964:490$000 e, por decretos de differentes datas, approvadas as tabellas da distribuição da despeza pelos diversos ministerios e junta do credito publico na somma total de .... 33:317:339$812
resultando um desequilíbrio de .... 1.352:849$812

Estes calculos, porém, têem de ser alterados.
Quanto ás receitas:
Por se ter dado maior desenvolvimento á reorganisação das matrizes prediaes,

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384 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem]

Quanto ás despezas os augmentos são os seguintes:

[Ver tabela na imagem]

Os excessos das arrecadações sobro o que vae calculado e as vacaturas devem diminuir consideravelmente esse desequilíbrio.

[Ver tabela na imagem]

As novas despezas extraordinárias explicam-se e desenvolvem-se nos termos seguintes:
Despezas extraordinarias de saude publica, feitas e a fazer ale 31 de janeiro de 1886, nos termos da lei de 25 de junho de 1885:

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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1886 385

[Ver tabela na imagem]

N'estes termos, haverá que recorrer ao credito, na supposição do que todas as despezas extraordinarias se realisam taes como vão descriptas, pela somma de 7.284:836$903 réis, que addicionada á de 286:300$000 réis de receitas proprias, perfaz a importancia total d'esta secção dos nossos orçamentos, avaliada em 7.571:136$903 réis.
As causas principaes da elevação, neste orçamento, das despezas extraordinarias a 7.284:836$903 réis, sem receitas proprias, são, como se acaba de demonstrar, as seguintes:
Despezas extraordinarias de saude publica para livrar o paiz da invasão da cholera .... 1.057:503$702

[Ver tabela na imagem]
É este encargo não deve repetir-se nos exercícios seguintes. É avultado o sacrifício resultante das providencias tomadas para preservar o paiz da epidemia que assolou a nação vizinha; deixa ficar nos nossos orçamentos um encargo permanente bastante importante, mas qual não seria a perda do thesouro e da riqueza particular se por falta de providencias a cholera nos tivesse invadido? Seria incalculavel o desbarato em capital e em vidas que essa calamidade nos traria.
Não se repetirão as despezas com armamentos: as rasões que o governo teve para realisar es respectivos contratos, explical-as-ha, miuda e detidamente, á representação nacional, em logar opportuno, para justificar o seu acto e demonstrar que importantes conveniencias publicas o determinaram.
Não era tambem possível deixar de occupar o Zaire, de estabelecer a administração nos territorios que a conferencia de Berlim reconheceu como portuguezes, dos muitos em Africa, que de longos ânuos nos eram injustamente contestados. A dignidade nacional achava-se empenhada n'esse ponto, e nem licito seria suppor que podessemos pensar em não tornar effectiva a nossa occupação, n'aquella parte da monarchia portugueza, para adiar a despeza que aliás uma lei especial auctorisára.
Não era tambem admissível deixar do pagar o preço do resto das expropriações para o caminho de ferro de Mormugão, caminho que vão dar vida nova aos restos dos dominios portuguezes na India.
É evidente, pois, que em cerca de 2.300:000$000 réis se acharam elevadas, por casos fortuitos, as despezas extraordinarias do exercício corrente. A responsabilidade de não as realisar seria enorme pelos males que d'essa fallaz economia haviam de resultar.
E se a esses 2.300:000$000 réis addicionarmos outras despezas que, dentro em dois annos, não tornarão de certo a figurar nos encargos do thesouro, taes como as de construcção de novos caminhos de ferro, 1.513:000$000 réis; ponta do D. Luiz I, 100:000$000 réis; novos pharoes, 50:000$000 réis; escola agrícola, de reforma, 30:000$000 réis: teremos assim perto de 4.000:000$000 réis despendidos a maior n'este exercício, sem nenhumas probabilidades, de que occorram de futuro circumstancias que nos obriguem a taes encargos, ou outros similhantes.
Podemos, pois, considerar que as despezas extraordinarias, sem receitas especiaes, que figuram n'este orçamento e que as indicações geraes nos levam a ter como provaveis, de se repetirem ainda em exercícios futuros, não passam de 3.300:000$000 réis, somma que ninguem, com fundamento, poderá reputar exagerada, como recurso ás economias publicas.
São estes, em traços geraes, os resultados das rectificações ao orçamento do estado no actual exercício. Em documento especial o governo fará, sobre a situação da fazenda publica, as considerações que ella reclama em vista d'este orçamento, e do que ora vos apresenta para o exercício de 1886-1887, limitando-se a submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° A avaliação das receitas do estado, na metropole, no exercício de 1885-1886, é rectificada, em conformidade com o mappa n.° 1, junto a esta lei, e que d'ella faz parte, nos termos seguintes:

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386 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem]

Art. 2.° As despezas totaes do estado, no mesmo exercicio, são fixadas nos termos seguintes:

[Ver tabela na imagem]

§ unico. O governo decretará, nas tabeliãs de distribuição de despeza d'este exercício, as rectificações conforme com o disposto n'esta lei.
Art. 3.° Fica assim modificada a lei de 25 de junho de 1885 e revogada toda a demais legislação contraria a esta.

Ministerio dos negocios da fazenda, 7 de janeiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Resumo geral das receitas e despezas ordinarias e extraordinarias do estado, na metropole rectificadas para o exercício de 1885-1886

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 7 de janeiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

N.° 1

Mappa das receitas do estado rectificadas para o exercício de 1885-1886 a que se refere a lei datada de hoje

Receitas ordinarias

ARTIGO 1.º

Impostos directos

[Ver tabela na imagem]

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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1886 387

[Ver tabela na imagem]

ARTIGO 2.º

Sêllo e registo

[Ver tabela na imagem]

ARTIGO 3.º

Impostos indirectos

[Ver tabela na imagem]

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388 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver tabela na imagem]

ARTIGO 4.º

[Ver tabela na imagem]

ARTIGO 5.º

Bens proprios nacionaes e rendimentos diversos

[Ver tabela na imagem]

Página 389

SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1886 389

[Ver tabela na imagem]

ARTIGO 6.°

Compensações de despeza

[Ver tabela na imagem]

Receitas extraordinarias

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 7 de janeiro do 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

N.º 2

Mappa da despeza ordinária do estado, rectificada, no exercício de 1885-1886, a que se refere a lei d'esta data

Junta do credito publico

Administração da divida consolidada

ENCARGOS DA DIVIDA INTERNA

[Ver tabela na imagem]

ENCARGOS DA DIVIDA EXTERNA

[Ver tabela na imagem]

Administração das caixas geral de depositos e economica

[Ver tabela na imagem]

Página 390

390 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ministerio dos negocios da fazenda

ENCARGOS GERAES

[Ver tabela na imagem]

SERVIÇO PROPRIO DO MINISTERIO

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios do reino

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios ecclesiasticos e de justiça

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negacios da guerra

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da marinha e do ultramar

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios estrangeiros

[Ver tabela na imagem]

Ministerio das obras publicas, commercio e industria

[Ver tabela na imagem]

Página 391

SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1885 391

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 7 de janeiro de 1886.= Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

N.° 3

Mappa da despeza extraordinaria do estado, rectificada, para o exercício de 1885-1886, a que se refere a lei datada de hoje

Ministerio dos negocios da fazenda

CAPITULO 1.°

Alfandegas

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 2.°

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 3.°

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios do reino

CAPITULO 1.°

Lyceu de Lisboa

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 2.º

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 3.

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 4.°

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 5º

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da guerra

CAPITULO 1.º

Obras de quarteis e edificios militares

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 2.º

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 3.º

Armamentos

[Ver tabela na imagem]

Página 392

392 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

CAPITULO 4.°

Fortificações de Lisboa e seu porto

[Ver tabela na imagem]

CAPITULO 5.°

Despezas de saude publica

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da marinha e ultramar

Marinha

[Ver tabela na imagem]

Ultramar

[Ver tabela na imagem]

Ministerio das obras publicas, commercio e industria

CAPITULO 1.°

Estradas

[Ver tabela na imagem]

Página 393

SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1885 393

[Ver tabela na imagem]

Ministerio dos negocios da fazenda, aos 7 de janeiro de 1886. = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.

Página 394

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