350 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
elle que o direito maritimo se apresenta aos olhos de todos, mais que outra qualquer parte da legislação commercial, com o duplo caracter de immutabilidade no tempo e universalidade no espaço, não póde faser-se objecção séria á necessidade que havia de ser revisto e reformado o nosso codigo commercial, pelo menos para harmonisar as suas disposições com as condições contemporaneas da navegação e com a influencia que sobre ella tem provindo do emprego do vapor e da electricidade, e da maior facilidade dos meios de transporte e communicações.
Se é verdade, pois, que Valin, Émerigon e Pothier ainda podem com proveito ser consultados sobre os principios em que assenta o direito maritimo, não é meãos certo que não podem esquecer-se as resoluções dos congressos o as providencias adoptadas nos tratados internacionaes, e que de modo algum póde deixar-se subsistir uma lei que reputa necessaria uma hora por cada legua de distancia para se poderem haver noticias.
No relatorio da proposta do governo, a que nos tomos referido, faz-se o resumo d'esta parte do codigo, apontando a doutrina n'elle consignada sem outra, justificação, que realmente a não carece no geral.
Destacaremos apenas alguns pontos, em que n diversidade de juizos pede qualquer referencia, quando mais não, por merecida deferencia pela opinião d'aquelles, de que a commissão teve de apartar-se.
Tendo reservado o terceiro livro do codigo para o commercio maritimo sómente e deixando regulada nos antecedentes a navegação interior (rios e canaes), podemos dispensar-nos de fixar aqui a differença entre os navios, de que n'elle se trata, das outras embarcações que não sejam propriamente maritimas. Legislação menos estavel ou antes mais facilmente maleavel e acommodavel ás successivas alterações no modo de fazer a navegação interior e maritima fará essa classificação, como ainda ha pouco succedeu, regulando a policia dos portos e as attribuições das auctoridades, que superintendem no serviço hydraulico, o decreto de l de dezembro ultimo (1887).
Apontamos já o que tivemos por pertinente a este parecer quanto a seguros e abandono; mas devemos quanto a este ultimo additar ainda algumas breves considerações sobre a faculdade, que deixámos ao dono do navio, de exercer esse direito, como limite á responsabilidade que lhe é imposta por faltas de terceiros, relativas á navegação.
Limitar ao navio a responsabilidade do dono é principio acceito pela legislação de quasi todos os povos, exceptuada apenas por a em dizer a da Inglaterra. N'esta nação, porém, accentua-se tão pronunciadamente a corrente n'aquelle sentido, que mais confirma, do que contraria o principio que acceitâmos.
O Merchunt Shipplng Act de 1854 e a lei de 1862, se não podem defender-se das arguições de ser restricto a incendios o artigo 503.° parlamentar, nem de ser manifestamente arbitraria e injusta a fixação de £ 8 por tonelada do navio, de que provém a responsabilidade, prestam argumento forte de que não póde deixar-se ao rigor da responsabilidade pessoal illimitada a responsabilidade do dono do navio, e que ella tem de ser restringida e limitada por conveniencia e imprescindivel necessidade da navegação.
No que respeita a avaria, muito particularmente a avaria grossa, cuja importancia o effeitos de sua regulação não póde ser contestada, foram aferidas as disposições do projecto do codigo pelas chamadas regras de York e Antuerpia, e pelos trabalhos da commissão franceza de revisão do direito commercial, a que já tivemos occasião do nos referir.
Ficou assim simplificada a doutrina e subordinada a principios geraes e justos, quasi universalmente acceitos. A concordancia dos codigos modernos sobre este ponto e os trabalhos dos mais entendidos especialistas e interessados na melhor solução das questões dão-nos garantia de acerto. Permitta-se-nos repetir a referencia aquellas regras
(York - Antuerp-rules) que na opinião de um notavel escriptor constituem por assim dizer o costume universal sobre o assumpto, e que são a primeira conclusão ou pas dado para o vastíssimo fim a que mira a Association for the ré-form and codijication of the Laiv of nations.
Facil é aferir por estas regras os artigos do projecto, e julgâmos não errar, dizendo que n'elles se acharão preceitos harmonicos com os bons principios para resolver todos os casos.
Analogas considerações e norma de decidir tomámos na resolução dos outros capitulos, o que não Explanâmos desenvolvidamente pelo receio de cansar a vossa attenção. Omittimos até por esta consideração os motivos justificativos da innovação que faz o projecto, introduzindo e regulamentando a hypotheca maritima, elemento de credito importante que oferecemos á nossa tão empobrecida marinha mercante, a fim de o aproveitar e poder obter o desenvolvimento de que tanto carece.
Originadas na lei franceza de 10 de dezembro de 1874, e accommodadas ao nosso meio, as disposições do projecto são explicadas no relatorio do ministro por modo, que nos permitte o nosso silencio; mas não póde deixar a vossa commissão de apontar, que teve por mais rasoavel e conforme aos mesmos motivos por que se introduziu no codigo esta instituição, alargal-a de modo que comprehendesse as hypothecas legaes.
Não colhem contra nós as rasões por que em França ella se restringiu ás convencionaes, porque não ha no nosso direito patrio hypothecas tacitas ou dispensadas de registo, e portanto os inconvenientes, que ali se receiaram, não nos prendiam. E sendo bom o principio, facilitando o credito e obstando, pela garantia que offerece, á alienação, que poderá dispensar-se, melhor é alargal-o do que limital-o e tolher a sua applicação. Isso fizemos e propomos á vossa approvação, se, como nos parece, o tiverdes por bom e acceitavel.
Lembraremos ainda que a regulamentação da hypotheca maritima permitte restringir os casos do contrato de risco ou cambio maritimo, incompleto, oneroso e muito contingente meio de credito, a que só em casos extremos poderá recorrer-se, e que a hypotheca do navio póde supprir e substituir com vantagem.
Diremos por fim duas palavras sobre o ultimo livro do projecto, relativo a fallencias.
A reforma introduzida n'este capitulo do nosso direito mercantil consisto principalmente, por um lado, na applicação das regras da execução, que outra cousa não é a quebra, feitas, é claro, as modificações exigidas pelas particulares circumstancias do caso e completando-as com os preceitos da interdicção consequente e do seu levantamento, e por outro lado consiste na prohibição de entregar a qualquer credor a administração e liquidação da massa fallida e a exigencia de fazer sempre a classificação para immediata applicação da pena legal aos negociantes, que tiverem procedido com culpa ou dolo.
A leitura das disposições, de que tratamos, mostra de prompto quanto fica simplificada esta fórma de liquidação, o quanto o commercio honrado tem a esperar da sua applicação.
São tão sabidos os inconvenientes da verificação de creditos em assembléa de credores, como estabeleço o codigo actual ou pelo menos como na pratica geral em todo o paiz se faz, que é escusada qualquer defeza da reforma n'este ponto.
A demora que motivava aquelle vicioso meio, a falta de garantias que elle offerece, as surprezas a que se prestava