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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1888

Presidencia do ex.mo sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os ex.mos srs. Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Tres officios do ministerio da fazenda, acompanhando 200 exemplares de contas da administração financeira do estado, igual numero de exemplares annexos á conta geral, relativa a diversas gerencias, e 160 do orçamento geral e proposta de lei das receitas e despezas para o exercicio de 1888 a 1889.- Representação mandada para a mesa pelo sr. Simões Dias. - Requerimentos de interesse publica apresentados pelo sr. Julio de Vilhena. - Requerimentos do interesse particular mandados para a mesa pelo sr. Francisco José Machado.- Justificação de faltas do sr. Eduardo Scarnichia. - O sr. visconde de Silves chama a attenção do governo para a necessidade de se construir na costa do Algarve um porto de abrigo. - O sr. ministro da justiça apresenta duas propostas de lei por parte do sr. ministro do reino. - O sr. Francisco Machado expõe algumas considerações em sentido favoravel a diversos requerimentos que manda para a mesa. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - O sr. Ferreira de Almeida pergunta ao governo os motivos que o determinaram a passar para as tarifas maximas dos officiaes combatentes as gratificações dos officiaes de fazenda da armada. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - O sr. Ferreira de Almeida occupa-se novamente do mesmo assumpto, e segunda vez lhe responde o mesmo sr. ministro. - O sr. Franco Castello Branco, declarando que precisa dirigir algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas e ao da fazenda, insta pela sua comparencia. Responde-lhe o sr. ministro da marinha. - Pede a palavra, para antes de se encerrar a sessão, o sr. Fuschini.
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.° 8 (codigo commercial) - O sr. Julio de Vilhena propõe que a discussão seja por capitulos e a camara approva. - O mesmo sr. deputado apresenta uma proposta de adiamento. Responde lhe o sr. ministro da justiça. - O sr. Vicente Monteiro acceita, por parte da commissão, a proposta relativa á fórma da discussão. - Usa largamente da palavra sobre o projecto o sr. Dias Ferreira, respondendo-lhe em seguida o sr. ministro da justiça. - Entra no debate o sr. D. José de Saldanha, que fica com a palavra reservada para a sessão immediata. - O sr. Fuschini pede ao sr. ministro das obras publicas, ou a remessa para a camara, ou a publicação no Diario do governo do relatorio ácerca das relações da camara municipal com a companhia das aguas.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes: - Alves da Fonseca, Antonio Villaça, Guimarães Pedrosa, Antonio Maria de Carvalho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjúa, Bernardo Machado, Elvino de Brito, Feliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Pires Villar, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Alfredo Ribeiro, Correia Leal, Joaquim da Veiga, ,Sim3es Ferreira, Amorim Novaes, Alves de Moura, Ferreira Galvão, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Laranjo, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel Dantas, - Pedro de Lencastre (D.), Dantas Baracho, Vicente Monteiro, Estrella Braga, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Mendes da Silva, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Moraes Sarmento, Mazziotti, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Lobo d'Avila Conde de Villa Real, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Mattoso Santos, Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco Mattoso,, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Candido da Silva, Scarnichia, Izidro dos Reis, Santiago Gouveia, Rodrigues doa Santos, Alves Matheus, Jorge de Mello (D.), Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Simões Dias, Abreu e Sousa, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno de Carvalho, Miguel da Silveira e Pedro Victor.

Não compareceram á sessão os srs.: - Albano de Mello, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Campos Valdez, Antonio Candido, Tavares Crespo, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Victor dos Santos, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, João Pina, Cardoso Valente, Souto Rodrigues, João Arroyo, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge 0'Neill, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Moreira, Santos Reis, Mancellos Ferraz, Pedro Monteiro, Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz,. Visconde da Torre e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do ministerio da fazenda, remettendo 200 exemplares da conta geral da administração financeira do estado na metropole, gerencia de 1886-1887 e exercicios findos de 1884-1885, 1885-1886 e corrente de 1886-1887 até 30 de junho de 1887.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo 200 exemplares annexos á conta geral da administração financeira do estado na metropole, gerencia de 1886-1887 e exercidos findos de 1884-1885, 1885-1886 e corrente de 18,86-1887 até 30 de junho de 1887.
Para a secretaria.

Do mesmo ministerio, remettendo 160 exemplares do orçamento geral e proposta de lei das receitas e das despezas ordinarias do estado na metropole, para o exercicio de 1888-1889.
Para a secretaria,
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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

REPRESENTAÇÃO

Dos aluamos do lyceu nacional central de Lisboa, pedindo uma medida legislativa que determine que, na epo-cha de outubro, seja permittido fazer todos os exames com-prehendidos no curso dos lyceus sem distincção de annós nem de classes.

Apresentada pelo sr. deputado Simões Dias e enviada á commissâo de instrucção primaria e secundaria.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

Roqueiro que, pelo ministério das obras publicas, me sejam enviadas copias de todos os documentos ou papeis que constituam o processo relativo á arbitragem pedida pela companhia do caminho de ferro da Beira Alta, com excepção dos documentos que estão publicados no Diário do governo, de 18 de janeiro ultimo. =<_7. p='p' de='de' vilhena.='vilhena.'>

Roqueiro que, pelo ministério da marinha e ultramar, me sejam enviadas copias de quaesquer consultas da procuradoria geral da coroa, acerca do caminho de ferro de Lourenço Marques. = J. de Vilhena.

Mandaram-se, expedir.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Dos engenheiros machinistas Luiz Augusto Pinto, José Vaz dos Santos, Alfredo Pedro Matheus, Francisco António de Sequeira, António José de Lima e Almeida, João de Pinho e Alexandre Coelho, pedindo melhoria de situação.

Apresentados pelo sr. deputado F. J. Machado e enviados Á commissão de marinha.

Dos primeiros sargentos Albino Cândido de Almeida Júnior e Izidoro Gomes, pedindo que se mande dar execução ao artigo 312.° do regulamento geral para o serviço dos corpos do exercito, de modo que os supplicantes sejam •promovidos a sargentos ajudantes, quando por antiguidade lhes pertença.

Apresentados pelo sr. deputado F. J. Machado e enviados á commissão de guerra.

JUSTIFICAÇÃO DÊ FALTA

Dou parte a v. exa., e á camará que tenho faltado a algumas sessões por ter estado doente. = O deputado, João Eduardo Scarnichia.

Para a secretaria.

O sr. Visconde de Silves:-Sr. presidente, pedi a palavra para me dirigir especialmente ao sr. ministro das obras publicas; mas como s. exa., não está presente, peço ao sr. ministro da justiça o obséquio de transmittir ao seu collega as considerações que vou fazer.

Sr. presidente, como v. exa., sabe, desde Lisboa até Cadiz não ha um único porto de abrigo ou refugio para a grande quantidade de navios que frequentam aquelles mares e que são muitas vezes surprehendidos pelos levantas ou ventos leste e sudoeste que predominam na costa meridional da província do Algarve.

NSò podem os havids áproveitar-se das barras por serem òfíadas de bancos, onde o mar rebenta com fúria, tendo de esperar pélas pnases das marés.

Assim surprehendidos pelos temporaes, não têem outro recurso estes navios, senão o de luctar; e d'essa lucta hão

poucas vezes resulta a perda de muitas vidas e de muitos valores.
Ora, se com a construcção do porto de Leixões e do mesmo modo com as do porto de Lisboa, se podem gastar milhares de contos de réis, parecia-me justo e equitativo olhar um pouco para o sul do paiz, dotando também com um porto de abrigo a província do Algarve, que seria como que o complemento das obras d'esta natureza em construcção.
V. exa., sabe e sabe toda a camará que, dentro do pouco tempo, deve estar concluído o caminho de ferro do Algarve, e que este grande melhoramento deve fazer com que aquella província passe a desempenhar um papel dos mais importantes na vida industrial, económica e commer-cial do paiz; mas este papel será mais importante ainda, se por ventura for ali construído um porto de abrigo.
Eu posso assegurar a v. exa., que muitas e importantes operações commerciaes se deixam de realisar no Algarve, por causa das más condições das barras, o que não aconteceria se houvesse um porto de abrigo.
Alem de que, este melhoramento custará relativamente uma bagatella."
Peço licença á camará para ler um pequeno trecho de um livro escripto por um cavalheiro que fez recentemente um estudo consciencioso das costas do Algarve. Refiro-me ao sr. António Baldaque da Silva que no seu livro demonstra a importância, a conveniência e o pequeno custo de um porto de abrigo no Algarve.
Diz elle o seguinte:
(Leu.)
Não leio todo este folheto que é interessante e que explica perfeitamente o alcance do melhoramento a, que allu-do, porque não desejo abusar da attenção da camará; mas permitta-me v. exa., ler apenas o ultimo período que demonstra ainda melhor a importância do assumpto.
(Leu.)
Sr. presidente, com esta leitura eu tive em vista dois fins: o primeiro foi demonstrar que a idéa nSo é minha; não gosto de glorias que não me caibam; e o segundo foi o provar á camará a importância e a conveniência do porto de abrigo no Algarve e o seu pequeno custo que será de 300:000^000 réis; isto é, quasi nada, relativamente ao seu enorme alcance.
Houve em Villa Nova de Portimão um direito de importação e de exportação sobre todos os géneros importados e exportados por aquella barra; imposto que durou vinte e seis annos com applicação a melhoramentos da mesma barra.
Tem-se gasto muitos contos e ella continua no mesmo estado; por isso me parece mais conveniente e mais radical que o rosto do producto d'aquelle imposto se applique á construcção de um porto de abrigo na ponta do Altar, em Villa Nova de Portimão, que seria o principal porto d'aquella localidade, servindo ao mesmo tempo a toda a província e que prestaria um refugio a todos os navios que carecessem d'elle.
Entre a despesa feita com as obras da barra, até aqui realisadas, e o dinheiro recebido do referido imposto, na um saldo de cerca de 280:000(5000 réis. É este saldo que eu julgo melhor aproveitado na construcção de um porto de abrigo, do que na continuação do projectado melhoramento da barra, que, a meu ver, como já aqui n'outra oo-casião tentei demonstrar, nunca dará resultado algum pratico, por ser uma barra de areia.
Desde que ha um saldo de 280:000^000 de réis a favor dos contribuintes d'aquella terra, o governo não terá quê dispender com esse melhoramento mais de 70:000(5000 réis, que tanto é necessário para prefazer o seu custo, não excedente, como já disse, a 350:000$000 réis, segundo o calculo do sr. Baldaque.
Mas ainda que o estado tivesse de gastar os 350;000$000

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réis, estou certo e seguro de que esse capital teria uma compensação condigna pela applicação do imposto de tonelagem aos navios que frequentassem o porto de abrigo.
Sr. presidente, ahi fica a idéa e eu declaro que muito desejaria que o governo deixasse o seu nome vinculado a este melhoramento de tanto alcance.
. Só ha pouco tempo, eu tive conhecimento da existencia do folheto a que me tenho referindo; se assim não fosse, declaro a v. exa. que já teria aproveitado o primeiro ensejo para fallar d'elle n'esta camara, e de agradecer ao seu auctor o louvavel intuito com que espontaneamente se entregou a este trabalho, tendo por unico fim ser util ao seu paiz.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - O illustre deputado dirigiu-se a mim pedindo para communicar ao meu collega das obras publicas as observações muito sensatas que acaba de fazer. Devo dizer-lhe que gostosamente communicarei ao meu collega as considerações de s. exa.
Quanto á parte do discurso em que o illustre deputado se referiu a assumpto dependente da pasta da marinha, certamente o meu collega tomará na devida consideração o que s. exa. ponderou.
Já que estou com a palavra, aproveito o ensejo para mandar para a mesa, por parte do meu collega o sr. ministro do reino, duas propostas de lei.
Pela l.ª, fica organisada a camara municipal do concelho de Braga a substituir as taxas respectivas ás licenças pelo uso de vehiculos no concelho a que se refere o artigo 136.° do codigo administrativo, pelo imposto de 30 réis em cada um carro do concelho, ou de fóra d'elle, que entra na cidade, como lhe fôra concedido pelo § unico do artigo 5.° da lei de 39 de junho de 1850.
A 2.ª proposta, tambem assignada por mim e pelos meus collegas da fazenda e obras publicas, tem por fim approvar o contrato que, para abastecer de aguas potaveis a Villa Nova de Portimão, celebrou a camara municipal do concelho do mesmo nome, em 30 de dezembro de 1886, com os engenheiros Jacinto Parreira e Angelo do Sousa Prado, e proprietario Joaquim de Almeida Negrão.
Peço a v. exa. se digne dar o competente destino a estas propostas de lei.
(S. exa. não reviu.)
Serão publicadas no fim da sessão a pag. 406.)
O sr. Francisco José Machado: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para mesa dois requerimentos dos primeiros sargentos Albino Candido do Almeida, de infanteria n.° 6, e José Gomes, de infanteria n.° l, em que pedem que o posto de brigadas não seja provido, como é actualmente, por concurso, mas por antiguidade.
Sr. presidente, eu já tive á honra de apresentar n'esta casa, um projecto de lei n'este sentido. Na occasião em que apresentei esse projecto, declarei que me reservava para quando elle viesse á discussão, apresentar todas as rasões que levaram'a elaboral-o.
Eu sei, sr. presidente, que têem sido elevados a brigadas, individuos que sentaram praça quando outros eram já primeiros sargentos, e no entanto aquelles passam-lhe á sua direita.
Ora isto, sr. presidente, que para muitos parecerá de pequena importancia, é no entanto de um grande alcance, porque, como v. exa. não ignora, a arítiguidade e a hierarchia militar são as bases sobre que assenta toda a disciplina no exercito.
Dar a um primeiro sargento mais moderno do que outro tres ou quatro annos, o posto de brigadas, ficando assim com voz sobre um sargento mais antigo, não é justo, nem conveniente.
Dá-se mais um facto que chega a ser curioso; o posto de ,brigadas não é um posto de escala, o que dá logar a que um primeiro sargento que está hoje commandando uma companhia, e portanto debaixo das ordens do brigadas, que é por assim dizer o seu chefe, passa amanhã a ser seu superior, porque pela escala lhe pertenceu o posto de alferes.
Eu desejava ver presente o sr. ministro da guerra, para saber se s. exa. estava de accordo em que é preciso remediarem-se todos estes inconvenientes, e se estava resolvido a providenciar desde já, estabelecendo uma medida provisoria até que o meu projecto tenha parecer da commissão de guerra, o que estou certo não se fará esperar muito, porque o meu illustre collega e amigo o sr. Abreu e Sousa, já declarou hontem ter-se constituido a commissão.
Sr. presidente, eu entendia que se devia providenciar desde já, suspendendo a promoção ao posto de brigadas, temporariamente, ou transferindo os brigadas dos corpos que são mais modernos que os primeiros sargentos ali existentes para os batalhões da reserva.
Muitas considerações eu teria a fazer sobre este assumpto, mas reservo-me a apresental-as para quando a commissão de guerra se dignar dar parecer sobre d meu projecto, e elle seja dada para discussão.
Sr. presidente, pedi tambem a palavra para enviar para a mesa sete requerimentos de engenheiros machinistas de diversas classes da armada real, em que pedem á camara dos srs. deputados que adopte qualquer providencia para melhorar a sua situação.
Sr. presidente, é tão justo, e tão attendivel o pedido dos signatarios d'estes requerimentos, que não tive a menor duvida em ser o apresentante, por estar intimamente convencido que é urgente e inadiavel uma solução, que recompense convenientemente os serviços prestados por estes funccionarios.
Não necessito muito, para mostrar a justiça d'esta petição.
Basta apontar um caso simples para vermos o desfavor com que são tratados estes funccionarios que prestam serviços importantes ao paiz, a quem são confiados valores consideraveis, e que não são convenientemente recompensados.
Sr. presidente, os engenheiros machinistas navaes que actualmente satisfazem ás exigencias do serviço nos trinta e dois navios de guerra que constituem a nossa marinha, são em numero igual aos que existiam em 1876 em que o numero de navios era apenas dezenove.
Basta este facto para mostrar quantos sacrificios são exigidos a este pessoal tão diminuto.
Á classe dos engenheiros machinistas são exigidas habilitações importantes e não inferiores ás de algumas outras classes de officiaes da armada, como por exemplo dos officiaes de fazenda.
Alem d'isso é sobrecarregada com amiudadas o prolongadas estações; tem o accesso muito demorado e, seu trabalho é mal recompensado.
Estes funccionarios passam, em virtude da exiguidade do seu numero, a maior parte do tempo nos climas inhospitos de Africa.
A mortalidade nos ultimos annos tem sido consideravel, devido ao excesso de trabalho e á muita demora nos climas insalubres.
Está calculado que o tempo passado em Africa por estes funccionarios, regula por 70 por cento do tempo de serviço.
É assombroso!
Assim, um d'estes empregados com vinte annos de serviço, passou quatorze na Africa, e com trinta e cinco annos, tempo necessario para obter a maxima reforma, passou vinte e quatro annos e meio.
Quantos perderão a vida n'este arduo e espinhoso serviço?
Não ha certamente no paiz empregados que tanto trabalhem, e com vantagens tão diminutas.

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Bastará lembrar que o maximo posto a que attingem é o de primeiro tenente, quando os capellães e officiaes de fazenda chegam a capitães tenentes.
Estas duas classes entram logo no posto de guarda marinha, emquanto que os engenheiros machinistas entram no posto de aspirantes, onde permanecem seis e oito annos, demorando-se treze a quinze no posto de engenheiro de 3.ª classe.
Como as vantagens são diminutas, ha pouca gente que queira habilitar-se com este curso.
Assim, tendo-se organisado em 1869 na escola naval o curso para engenheiros machinistas, a media, durante dez annos, doa que frequentaram este curso, é de 2,5; pois que até 1879 tinham-se matriculado 25, os quaes concluiram o curso.
D'estes 25 pediram 6 a demissão, falleceram 2, e existem, ao serviço 17.
É evidente que o numero de individuos, que se habilitam com este curso, não chegam para as exigencias do serviço.
Em virtude d'isto, mais de uma vez se tem recorrido ao expediente anti-militar de contratar engenheiros da marinha mercante, a fim dos nossos navios poderem sair para pequenas commissões de serviço.
Mas na marinha mercante tambem não abundam engenheiros machinistas, e muitas vezes quando o governo necessita, não os encontra.
Por isso mais de uma vez se têem contratado officiaes das officinas de machinas do arsenal da marinha e das particulares.
Foi o que succedeu, quando ha dez annos foi a Inglaterra concertar o couraçado Vasco da Gama, e o que terá de succeder agora para conduzir este mesmo navio para Lisboa, a não ser que esteja demorado na doca a pagar umas dezenas de libras por dia.
Em virtude da falta de pessoal habilitado, houve necessidade de, em 1882 pôr novamente em vigor o regulamento de 1804, que admittia para a classe de ajudantes machinistas, serralheiros, torneiros ou caldeireiros sem mais habilitações algumas, dando-se-lhes como recompensa o poderem chegar a machinistas de 3.ª classe quando tivessem satisfeito ás habilitações exigidas nos artigos 6.° e 7.° do decreto de 6 de setembro de 1854.
Ora, como a lei não está bem clara com relação a terceiros machinistas saídos dos ajudantes praticos, têem-nos collocado no quadro, e ha de chegar uma occasião era que o quadro de engenheiros machinistas de 3.ª classe esteja preenchido por estes individuos que não têem promoção ás classes superiores, difficultado assim o accesso aos ajudantes habilitados com o curso da escola.
Parece-nos que se poderia remediar já este inconveniente, collocando fóra do quadro os engenheiros de 3.ª classe não habilitados com o curso respectivo.
O augmento d'este pessoal em harmonia com as exigencias do serviço em vez de trazer despeza, traz economias porque as machinas hão de ser melhor cuidadas, mais convenientemente reparadas, e não succederá gastar-se importantes quantias na compra e reparação de machinas para depois as deixar no estado quasi que de completo abandono, como têem chegado a estar por vezes as machinas do primeiro navio de guerra da nossa marinha.
O couraçado Vasco da Gama, estando em completo estado de armamento, por mais de uma vez teve um só engenheiro e dois fogueiros por não haver mais.
Se compararmos o pessoal empregado na conducção e reparação das machinas quando a nossa marinha só tinha machinas de media pressão, com o pessoal agora empregado, com as de alta e baixa pressão que é o typo agora usado, vemos que elle foi reduzido, e isto quando augmenta a responsabilidade e attenção da parte do engenheiro de quarto, visto o augmento de velocidade e portanto mais rapida deterioração.
Relativamente ao pessoal auxiliar, isto é fogueiros e chegadores, ha uma grande falta e pelo systema seguido actualmente difficilmente se poderão obter em boas condições e de modo que satisfaçam as necessidades do serviço.
Antigamente o fogueiro que embarcava nos nossos navios de guerra era saído das officinas do arsenal ou das particulares, agora vem das praças recrutadas para o serviço da marinha e que de modo algum podem satisfazer cabalmente.
Esta organisação foi implantada da marinha franceza onde tem rasão de ser, visto que do recrutamento maritimo se podem apurar praças em condições de bem desempenhar o serviço de fogueiros, porque estando n'aquelle paiz a industria bastante desenvolvida, é facil encontrar entre os recrutados quem já saiba do mister que tem de desempenhar.
Entre nós não póde acontecer o que acontece em França, e por isso se vêem praças que são mandadas para o serviço das machinas sem a mais leve noção do que têem a fazer.
Folgo em ver presente o illustre ministro da marinha, de cuja competencia e boa vontade não é licito duvidar, porque desejo saber se s. exa. apoia ou não as considerações que acabo de expor á camara; que me parecem attendiveis debaixo de muitos pontos de vista.
Sr. presidente, eu recebi um memorial impresso dos engenheiros machinistas navaes, e é provavel que todos os meus illustres collegas recebessem outro igual, onde se expõe a necessidade do augmento d'este quadro.
Parece-me até modesto o quadro ali apresentado, que é o seguinte:
"l inspector de machinas com a graduação de capitão tenente.
"l sub-inspector, idem.
"10 primeiros engenheiros machinistas com a graduação de primeiros tenentes.
"20 segundos com a graduação de segundos tenentes.
125 terceiros com a graduação de guardas marinhas.
"Dar uma gratificação de 10$000 réis mensaes aos terceiros engenheiros, quando contem tres annos n'este posto, é um acto justissimo. É triste, no exercicio da profissão de engenheiro machinista, permanecer treze e quinze annos com o magro e simples vencimento de 30$000 réis mensaes.
"A exemplo da classe medica, a commissão pede ainda a protecção de v. exa. a fim da nossa corporação alcançar uma melhoria de reforma.
"O pequeno augmento de despeza produzido, por esta reorganisação poderá ser, em parte se não no todo, compensado pela maior duração das machinas e principalmente pela economia no consumo do combustivel; resultantes ambas do proprio augmento do quadro e de uma fiscalisação que poderia ser feita por um ou pelos dois membros mais graduados da classe."
Espero que o illustre ministro tome na devida conta as considerações que acabo de expor á camara.
Os requerimentos tiveram o destino indicado nos respectivos extractos a pag. 338.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - A camara e o illustre deputado desculpar-me-hão se, na resposta que tenho a dar, não for tão desenvolvido quanto desejava; mas o estado da minha saude não m'o permitte.
Concordo com as considerações feitas pelo illustre deputado, não só pelo que respeita ás necessidades do serviço da armada, mas em relação á classe dos engenheiros machinistas. Esta classe é pequena, e está mal remunerada.
Mas não pense s. exa. que o governo descura este assumpto ou que para se occupar d'elle, esperava pela representação que o illustre deputado acaba de mandar para a mesa, ou mesmo por outras representações que já me foram presentes.
A camara sabe que o governo prometteu. no discurso da

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corôa occupar-se ainda n'esta sessão da reorganisação da armada portugueza, tanto pelo que diz respeito ao material, como pelo que respeita ao pessoal; e está n'essa intenção.
O estudo que ha de servir de base ás respectivas propostas de lei, foi confiado a uma commissão composta de homens competentissimos; e comquanto esses trabalhos estejam adiantados, não se acham todavia em estado. de poderem desde já ser apresentados á camara. Logo que estejam concluidos, apresentarei as propostas de lei que derivarem d'elles.
Devo dizer que um dos assumptos que merecem o maior cuidado a esta commissão especial, é a reorganisação dos quadros das diversas classes em harmonia com as necessidades do serviço, presentes e futuras, o que portanto, a seu tempo ha de tratar-se da reorganisação do quadro dos machinistas da armada em ordem a satisfazer ás justas reclamações do sr. deputado.
Indicarei ainda o que já fiz no sentido dos desejos de s. exa.
Pela reforma da escola naval o curso de engenheiros machinistas, que durava dois annos, passou a durar sómente um anno, d'onde resultou que o numero de individuos que se matricularam este anno n'aquelle curso, excedeu o numero dos que eram precisos para satisfazer ás necessidades do serviço d'aquella classe.
É esta a informação que n'este momento posso dar ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Ferreira de Almeida:-Antes de tratar do assumpto, para que pedi a palavra, peço licença para alludir ao que acaba de dizer é nosso illustre collega o sr. Francisco Machado, sobre necessidades navaes.
Encontro-me tão só n'esta cruzada, que me prupuz, de ver reorganisado e melhorado em todas as suas condições o serviço naval, que não posso deixar de me felicitar e felicitar a camara, porque um dos nossos collegas da maioria se associe ás reclamações, que de ha muito faço, sobre as cousas da administração da marinha, iniciando os seus trabalhos por uma fórma muito recommendavel, como se me afigurou, na rapida exposição que acabou de fazer.
Pedi a palavra, sr. presidente, para dirigir uma pergunta ao sr. ministro da marinha sobre uma questão de administração da sua pasta: abstenho-me de fazer quaesquer considerações, antes de ouvir a resposta de s. exa., mas, dada que ella seja, desejava que v. exa. consultasse a camara para me permittir fazer as considerações, que se me offerecessem, sobre a replica de s. exa.
A pergunta é a seguinte:
Tendo os officiaes de fazenda da armada gratificações certas e invariaveis, qualquer que seja a commissão em que se achem, gratificações essas determinadas pela carta de lei de 14 de junho de 1880, e dispondo o artigo 5.° da carta de lei de 22 de agosto de 1887, que continuavam em vigor todas as outras gratificações auctorisadas pela legislação vigente e não especialmente alteradas pela nova lei, desejo saber, que lei, que principio de interesse publico, ou que necessidade de administração determinou, que as gratificações dos officiaes de fazenda da armada passassem da tarifa em que estavam, para a tarifa maxima que têem os officiaes combatentes?
Tal é a pergunta.
Se o ex.mo ministro se achar habilitado a responder, pretendo, depois do o ouvir, que v. exa. consulte a camara se me permitte que eu faça as considerações que a resposta de s. exa. me suggerir.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Eu podia não estar habilitado a responder de prompto á pergunta do illustre deputado; mas, felizmente, por acaso dá-se a circumstancia de estar para isso habilitado.
Quando foi promulgada a carta de lei de 22 de agosto de 1887, a que s. exa. se referiu e que reformou as tarifas dos soldos e as gratificações aos officiaes das differentes armas do exercito, em differente situação, tarifas e gratificações que foram applicadas por um artigo especial d'essa carta de lei á corporação da armada, suscitou-se no ministerio da marinha, e digo isto sem a idéa de querer, por esse facto, tirar d'ahi a minha responsabilidade, suscitou-se, digo, na occasião em que eu não geria aquella pasta, a questão sobre se aquelle artigo dava direito a receberem os officiaes de fazenda da armada, nas differentes situações em que estavam, a gratificação de commissão activa, identica á dos officiaes de marinha combatentes.
Sobre esta duvida foi ouvida a repartição da contabilidade competente; e não satisfeito ainda com a resposta d'esta repartição o cavalheiro que então geria a pasta da marinha, entendeu dever ouvir tambem a direcção geral de contabilidade. Ambas, de perfeito accordo, opinaram que em virtude da interpretação legitima d'aquella nova lei pertencia aos officiaes de fazenda a gratificação de commissão activa equivalente á dos officiaes da marinha militar.
Foi sobre estas duas informações concordantes, que o meu antecessor despachou, e eu concordo com esse despacho, começando desde então a receber os officiaes de fazenda da armada, nas diversas situações, as gratificações correspondentes ás commissões activas.
E quanto posso n'este momento dizer ao illustre deputado, porque casualmente tive occasião de examinar esse negocio.
(S. exa. não reviu).
O sr. Ferreira de Almeida:-Parece-me que resumindo a resposta do ex.mo ministro, ella se reduz ao seguinte :
Que pela interpretação do artigo 14.° da carta de lei que alterou as tarifas dos funccionarios militares de terra e mar, que diz: "que são igualmente extensivas as disposições da reforma, na parte applicavel, aos officiaes combatentes e não combatentes da armada", se deduziu por consulta á repartição de contabilidade de marinha, e depois á direcção geral de contabilidade publica, que deviam ser applicadas aos officiaes do fazenda da armada as gratificações activas que os officiaes combatentes recebiam.
Foi isto em resumo o que s. exa. disse.
Ora a primeira cousa que acho extraordinaria é, que, havendo duvidas, e consultando-se, tanto a repartição de contabilidade de marinha, como a direcção geral de contabilidade publica, versando de mais a mais, a duvida sobre interpretação de lei, não se tivesse consultado logo, a procuradoria geral da corôa!
A direcção de contabilidade, transformada agora em segunda instancia do poder legislativo, é realmente extraordinario. (Apoiados.) E muito mais extraordinario, quando a lei é expressa, perfeitamente expressa em contrario, a que se fizesse similhante alteração.
Antes da lei de 1887, que alterou as tarifas militares, regulava-as para a armada o decreto de 30 de dezembro de 1868, e este decreto estabelecia duas ordens de gratificações para os officiaes combatentes, chamando-lhes gratificações activas e gratificações sedentarias: a organisação do corpo de officiaes de fazenda da armada, decretada por carta de lei de 16 de junho de 1880 estabelecia uma unica gratificação, que vem publicada na lista da armada, no seu resumo de legislação, com a designação expressa, expressissima, a gratificações annuaes em qualquer commissão"; logo para este corpo especial não ha funcções ou commissões de serviço activas nem commissões de serviço sedentarias, ha só uma unica especie de gratificação, qualquer que seja a commissão que desempenhe.
Portanto, a disposição da carta de lei de 17 de agosto de 1887, que aboliu as gratificações chamadas de residencia, não podia abranger as gratificações do corpo de officiaes de fazenda, por não terem estes gratificações d'essa especie.

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342 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Os officiaes de fazenda tinham uma unica especie de gratificações, fosse qual fosse a natureza da commissão que exercessem, e a lei nova é expressa em dizer, no seu artigo 5.°, "que continuam em vigor todas as outras gratificações auctorisadas pela legislação vigente e não especialmente alteradas pela presente lei".
Ora, analysando-se quaes foram as alterações feitas, ver-se-ha quanto é injustificado e infundado, que se fosse fazer este augmento de despeza, alterando as gratificações que os commissarios recebiam.
A carta do lei de 22 de agosto de 1887 trata no seu artigo 1.° dos soldos marcados pela tabella n.° l, e as condições em que são abonados.
O artigo 2.° refere-se ás gratificações dos officiaes combatentes das armas de cavallaria e infantaria e dos não combatentes e empregados civis com graduação de official, detalhando-as na tabella n.° 2.
Ora n'essa tabella encontra-se uma classe correspondente á dos officiaes de fazenda da armada que é a dos aspirantes da administração militar, arbitrando-lhes uma gratificação de 5$000 réis mensaes: mas, desde que esta gratificação é inferior ás que os officiaes de fazenda da armada já recebiam, determinadas por legislação especial, claro está que as disposições do artigo 2.° e tabella correspondente lhes não silo applicaveis, devendo portanto manterem se as gratificações estabelecidas na carta de lei de 16 de junho de 1880, em conformidade com a disposição do artigo 5.° da lei de 22 de agosto de 1887.
O artigo 4.° da nova lei diz que: "Para o effeito do abono das gratificações aos officiaes de engenheria, artilheria, e corpo do estado maior, cessa a distracção entre gratificações activas e de residencia, sendo todas igualadas ás primeiras.
As gratificações especiaes d'estas tres armas vem designadas na tabella n.° 3, e nenhuma d'ellas é completamente igual á tabella das gratificações dos officiaes da armada, estabelecida pelo decreto de 30 de dezembro de 1868, por isso que n'esta não ha a gratificação para os guardas marinhas, posto equivalente ao de alferes, que n'aquellas se contém; portanto ficou sendo applicavel á armada, nos termos do artigo 14.°, a doutrina do artigo 4.°, mas não as tabellas correspondentes: n'estes termos, os officiaes combatentes, em virtude da auctorisação do artigo 14.°, a disposição do artigo 5.° e doutrina do artigo 4.°, ficaram tendo em exercicio a sua tarifa mais alta das gratificações que lhes estão estabelecidas pelo decreto de 30 de dezembro de 1868, e pela mesma rasão continuavam os officiaes de fazenda a receber a estabelecida pelo artigo 8.° do decreto de 16 de junho de 1880, por não terem outra, nem as leis de marinha lhes estabelecerem paridade; por isso que a sua lei organica não lhe estabelece duas especies de gratificações, não tendo gratificações de commissões activas e gratificações de residencia ou sedentarias.
Em vista do que fica exposto, as duvidas suscitadas na repartição de contabilidade, são mal cabidas, porque a lei é clarissima; e portanto a consulta foi desapropositada, não só por essa rasão, mas tambem porque foi dada por quem não tinha auctoridade para resolver sobre a materia, mal se comprehendendo que a mesma instancia que levanta ou suscita a duvida a resolva, e muito principalmente quando essa duvida versa sobre execução e interpretação de lei nova, importando de mais a mais aggravamento na despeza. (Apoiados.)
Estou em dizer que no facto que se praticou ha uma manifesta transgressão constitucional.
Segundo a carta, artigo 145.° § 14.°, é attribuição do poder legislativo crear e supprimir empregos e estabelecer-lhes ordenados.
É claro, pois, que é tambem attribuição do poder legislativo alterar os ordenados, principalmente quando a alteração importa augmento de despeza.
Bastante pena tenho eu de que não esteja presente o sr. conselheiro Carrilho, director geral da contabilidade, que tantas vezes se tem insurgido aqui contra tudo o que são aggravamentos de despeza, sobretudo em materia militar, porque desejava perguntar-lhe, como é que s. exa., em consulta da direcção geral de contabilidade, acceitou, que as gratificações do commissariado de marinha, que, segundo a lei, eram de uma unica especie, fossem quaes fossem, as commissões, passassem a ser equiparadas á gratificação maxima dos officiaes combatentes, dando um augmento de despeza illegitimo de perto de 2:000$000 réis!
Para que v. exa. e a camara vejam quanto é injusto este augmento de gratificação, e quanto eu sou insuspeito em o criticar, farei umas rapidas considerações a respeito do meu modo de apreciar as condições especiaes do serviço e merecimentos do pessoal naval.
Para mostrar que sou insuspeito na apreciação d'estas questões, basta lembrar que era 1885, quando se tratou da proposta de lei apresentada pelo sr. conselheiro Pinheiro Chagas, então ministro, e que reorganisava o corpo de facultativos navaes, pela falta que havia d'elles, porque, a despeito de todas as organisações anteriores, não se conseguia completar o quadro, foi por minha principal iniciativa, que na commissão foi melhorada a proposta, augmentando-se as comedorias d'aquelles funccionarios, como compensação pela perda da clinica particular, que podessam ter como os seus collegas do exercito.
Entendi que as melhorias de embarque dadas aos facultativos navaes, em relação com os officiaes de igual patente, se justificavam não só pela rasão exposta, para tornar mais convidativa a carreira, mas ainda porque é incontestavel que os facultativos navaes têem um curso superior ao curso dos officiaes de marinha propriamente ditos, e representando um maior dispendio de tempo, trabalho e dinheiro, justo e que tenham melhoria de remuneração. E este mesmo o processo seguido na Austria.
Pela analyse de condições oppostas não podem nem devem, os officiaes de fazenda ter os mesmos vencimentos que os officiaes combatentes.
Porque lh'as deram?!
Será pelas suas aptidões, pela sua sciencia, ou pelas necessidades do serviço?
Por causa das necessidades do serviço não foi, porque os quadros estão completos.
Será pelo seu merito scientifico?
Para se fazer idéa da importancia que tem o corpo dos officiaes de fazenda da armada, e o seu merito scientifico,
basta ver que a lei de 26 de junho de 1883 e respectivo regulamento de 27 de agosto de 1884, que destina logares especiaes de empregos publicos para os sargentos de terra e mar, que sáem do serviço, os manda admittir
como officiaes de fazenda da armada!
Ajuize-se, portanto, por aqui da sua limitada instrucção,' e por consequencia, quanto é pouco justificavel o augmento que lhes foi concedido, equiparando-os, nos vencimentos, com aquelles que despendem em capital, tempo e
trabalho, o que elles não despenderam para obterem a posição que occupam.
Mas ha mais; o corpo de officiaes de fazenda, reorganisado em 1880, tinha pela organisação anterior que data de 1868, dezoito officiaes graduados, e pela sua ultima reorganisação, passou a quarenta e seis, sendo-lhes augmentadas as gratificações, passando, as de 96$000 a 120$000
réis, ou 25 por cento de augmento, as de 120$000 a réis 240$000 ou 100 por cento, e a de 180$000 a 300$000 réis ou 66,6 por cento de acrescimo, n'um periodo de doze annos, sem que as outras classes navaes tivessem melhoria alguma!
O augmento que agora se fez, illegalmente, que principio algum justifica, representa um acrescimo respectiva-

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mente de 50 por cento, 25 por cento e 20 por cento sobre a ultima tarifa n'um intervallo de oito annos: e de 87,5 por cento, 150 por cento e 100 por cento em relação á primitiva n'um intervallo de vinte annos; tal é a differença que existe entre 96$000 e 180$000 réis, 120$000 e 300$000, e 180$000 e 360$000 réis, sem que as outras classes tivessem melhoria alguma correspondente!
Ora, sr. presidente, teria o corpo dos officiaes de fazenda condições de instrucção tão extraordinarias, que seja desculpavel um acto dictatorial d'esta ordem, pois nem outro nome póde ter, visto que não foi auctorisado pela camara, e indo o prurido das dictaduras já por conta da contabilidade? (Apoiados.)
Será esta remuneração devida aos seus altos meritos scientificos?
Não. V. exa., sr. presidente, e a camara vão ver o que a lei de 1880 exige para se ser commissario da armada.
É o seguinte;
A admissão faz-se por concurso documental e de provas publicas. Os documentos exigidos sob o ponto de vista litterario e profissional são: exame de francez ou de inglez, boa calligraphia e curso do commercio, este ultimo podendo substituir-se por um simples attestado de um commerciante em que declare que o pretendente conhece a escripturação mercantil! As provas publicas consistem na redacção de um officio, sua traducção em francez ou em inglez, e resolução de um problema de contabilidade e escripturação commercial! E mais nada! Ora parece-me que a respeito de habilitações scientificas são as mais insignificantes que se podem exigir! (Apoiados.)
Mas seria porque os officiaes de fazenda, admittidos antes da lei de 1880, tivessem a este respeito condições mais recommendaveis, e se lhes quizesse dar agora reparação?! Tambem não, porque a legislação anterior, que é de 1867, exigia, como a actual, os mesmos titulos litterarios, e as provas publicas ainda eram mais insignificantes, consistindo em escrever dictado um excerpto de dez linhas, n'uns problemas de arithmetica de uso vulgar e no extracto, de documentos officiaes!. ..
Por conseguinte, temos que nem pelas necessidades do serviço, nem pelos meritos scientificos, se justificava este augmento.
Será, portanto, pela aptidão provada e especial d'essa classe de funccionarios? Tambem não.
Tenho aqui varios documenteis officiaes, não muito antigos, pois são relativos a 1885 e 1886, e que mostram, que dos quarenta e seis officiaes de fazenda estavam no primeiro periodo alcançados vinte e uni em 20:585$463 réis, comprehendendo-se n'esta verba 1:128$909 réis de alcances de contas da caixa; e no periodo de 1886 havia tambem vinte e um com 9:572$609 réis de alcances comprehendendo quinhentos e tantos mil réis de alcances em conta da caixa. Parece-me que estes dados não abonam tambem a aptidão especial, em geral. (Apoiados.)
Só me resta um ultimo argumento, em que se fundassem para determinar o augmento da gratificação, e eu ouvi defender esta hypothese, que é a de se augmentarem os vencimentos, para os funccionarios poderem desconta mais alguma cousa para a fazenda, por conta dos seus alcances!
Francamente eu desejo que todos os funccionarios, especialmente os da armada, tenham remuneração correspondente aos seus meritos scientificos, e ás imperiosas urgencias e necessidades do serviço que têem de desempenhar mas, por isso mesmo que penso assim, e já dei d'isso provas, quando a respeito dos medicos da armada lhes procurei as melhorias necessarias, e que deram felizmente resultado efficaz, por isso que para o anno o quadro estará completo, não posso deixar de me insurgir, pelo mesmo principio de justiça, contra este acto dictatorial e attentatorio de toda a equidade.
A lei de 22 de agosto de 1887 só estabeleceu que cesse a classificação e remuneração correspondente entre commissões activa e residencia, passando a considerarem-se todas activas; mas essa era a que os commissarios já tinham, por isso que a tabella diz claramente gratificações annuaes em qualquer commissão. Logo, não tinham gratificação de commissões activas e de residencia, mas uma só e unica, qualquer que fosse a condição do serviço.
E aqui está a tabella que vigorava antes da lei de 22 de agosto de 1887, em que vem perfeitamente discriminadas as gratificações de commissão activa e de commissão de serviço sedentario, dos officiaes combatentes, ficando em separado a tabella dos officiaes de fazenda; com uma unica designação.
Se o corpo de officiaes de fazenda em Portugal tivesse a illustração, e portanto a importancia que têem o commissariado francez, eu deixaria passar sem reparo esta dictadura de contabilidade, visto que foi ella que resolveu este negocio, diante do principio de equidade de se remunerarem os funccionarios em harmonia, não só com as suas funcções especiaes, mas pelas suas habilitações scientificas.
No commissariado francez exige-se, para ser aspirante de l.ª classe, um curso de licenciado de direito ou de bacharel em letras. Ora, eu creio que não se póde considerar igual a um bacharel em letras, ou licenciado em direito, aquelle a quem é exigido um simples exame de francez ou inglez em um lyceu de l.ª classe. Não se justifica, portanto, por consideração alguma a resolução adoptada. (Apoiados.)
Se o acto do governo teve por fim ganhar sympathias n'aquella classe, então o governo tem de ir muito longe por estes processos, e muito teremos que ver.
Disse o sr. ministro da marinha que este acto não é de sua responsabilidade, mas do seu antecessor; mas s. exa. assumiu a responsabilidade do seu antecessor desde que mantem uma resolução não estabelecida por lei, decreto ou simples portaria, e apenas por uma consulta da contabilidade.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Apoiado.
O Orador: - É possivel que o sr. ministro da marinha acceitasse, sem analysar e apreciar devidamente, este acto do seu antecessor, por o suppor correcto e legal; parece me, porém, que depois da minha demonstração s. exa. não deverá ter duvida em providenciar convenientemente, abstendo-me eu de apresentar um bill de indemnidade, que legalise o passado, e regularise o futuro, por isso que todos nós já sabemos qual seria o resultado.
Tenho concluido.
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo):- O illustre deputado, no exercicio pleno do seu direito dirigiu-me uma pergunta, e eu creio ter respondido a s. exa., com a maxima sinceridade, com a franqueza necessaria, e com a verdade tal qual a sabia.
Essa pergunta referia-se a um determinado facto, á maneira por que o governo interpretou, n'um dado momento, uma determinação de lei, e s. exa. ouvida a minha resposta, realisa em seguida, no seu completo, com todo o desenvolvimento, uma interpellação sobre o mesmo ponto, isto é, sobre a maneira por que o governo interpretou a lei n'umas determinadas circumstancias.
Comprehende-se que, em relação ao assumpto, eu esteja n'uma situação especial.
Não fui eu quem propoz essa lei, porque não era ministro no momento em que a proposta foi apresentada ao parlamento; tambem a não discuti, porque não frequentava o parlamento em que ella foi discutida, nem mesmo a interpretei, e, finalmente, não fui eu que lavrei o despacho cujas consequencias s. exa. apontou,

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Ora, sem de fórma alguma querer alhear de mim a responsabilidade que tenho como membro do governo, que é solidario, é facil de ver que difficilmente poderei explicar, em todos os seus detalhes, as causas, as rasões, os motivos de qualquer ordem que levaram o meu antecessor a interpretar a lei, vendo-me agora apanhado, por assim dizer, de surpresa, n'um assumpto a respeito do qual, embora elle seja da minha responsabilidade politica, não me assiste a obrigação de dar immediatas explicações. (Vozes: -Muito bem.)
Entretanto, tal é a confiança que tenho no bom juizo e seriedade de caracter e espirito de legalidade do cavalheiro que occupou a pasta da marinha na occasião a que acabo de referir-me, que eu estou a priori seguro de que a interpretação da lei foi perfeita e justa, (Apoiados.}
Queixa-se o illustre deputado que me Interrogou, de que não fosse ouvida a procuradoria geral da corôa, substituindo-se esta repartição, muito irregularmente, pela repartição de contabilidade e pela direcção geral de contabilidade, como sendo uma segunda instancia do poder legislativo. Mas eu acho que o facto é naturalissimo.
Tratando-se de realisar um pagamento por uma fórma diversa ou igual áquella por que se realisava anteriormente, era natural ouvir a repartição de contabilidade, e tambem, segundo a lei, a direcção geral de contabilidade, que póde sempre ser consultada em caso de duvida.
Ouvidas estas duas instancias, não restando ao meu antecessor duvida legal duvida de direito, sobre a maneira como devia ser realisado esse pagamento, despachou como entendeu.
Se s. exa. tivesse duvidas ainda depois de ouvir estas duas instancias, teria de certo ouvido tambem a procuradoria geral da corôa.
O facto de a não ouvir, depois de consultadas as duas instancias que o deviam ser, segundo a lei, com respeito a um pagamento, o que mostra é que não ficaram duvidas no espirito do meu antecessor; e a camara sabe que não é uma obrigação absoluta, consultar a procuradoria geral da corôa, mas apenas uma obrigação que resulta para o ministro do facto de haver duvidas. (Apoiados.}
De resto, ao que o illustre deputado disse, com relação á classe dos officiaes de fazenda da armada, responderei simplesmente o seguinte. Em nenhuma classe de funccionarios, de nenhuma funcção social, diga-se com esta generalidade, os lucros, os vencimentos, se medem pela quantidade ou grau de conhecimentos que é necessario para se exercer a funcção.
Ha muitas outras rasões d'onde deriva a grandeza d'esses vencimentos. Se os officiaes de fazenda da armada não têem as grandes responsabilidades do official de marinha com patente, têem outros generos de responsabilidades, que debaixo do ponto de vista de um serviço publico, não são menos para considerar, visto que têem todas as responsabilidades pelo serviço de administração da fazenda naval, ou pelo menos, d'uma grandissima parte d'ella.
S. exa. tem rasão quando diz que as leis vigentes são essencialmente defeituosas, quando exigem aos officiaes de fazenda da armada, que têem de assumir tanta responsabilidade no exercicio do seu cargo, tão poucas habilitações.
Eu, no pouco tempo que tenho estado n'este ministerio, já comecei a fazer alguma cousa n'esse sentido na organisação da escola naval, para que foi auctorisado o meu antecessor e que eu tive a honra de realisar. Criei na escola naval um curso especial de officiaes de fazenda da armada e se não pude introduzir no respectivo decreto outras disposições em relação a essa classe, foi porque a auctorisação que tinha para reformar aquella escola, limitava-se á creação de cursos, e não me auctorisava a reorganisar corpos.
Já disse ao illustre deputado que o governo se occupa da reorganisação da armada real. N'essa reorganisação entra o que diz respeito não só ao material, mas aos quadros e ao pessoal. Será essa, pois, a occasião opportuna para inserir na proposta de lei a condição que obrigue os officiaes de fazenda da armada a ter mais conhecimentos do que aquelles que lhes são exigidos actualmente. (Apoiados.}
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente:- Vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Franco Castello Branco: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu use agora da palavra para fazer uns pedidos aos srs. ministros, que estão presentes.
A camara decidiu afirmativamente.
O sr. Franco Castello Branco: - V. exa. por certo se recorda de que, n'uma das ultimas sessões, estando presentes os srs. ministros da fazenda e da justiça, eu pedi a s. exa. o favor de avisar o seu collega das obras publicas de que eu desejava, antes da ordem do dia, fazer algumas perguntas a s. exa.
O sr. ministro, de certo por algum motivo de ponderação, ainda não póde comparecer, e portanto não me foi possivel fazer as perguntas que desejava.
Hoje já vi a s. exa. n'esta camara; não sei se ainda está presente; se está, eu desejava realisar o meu desejo, visto que a camara me permittiu usar da palavra, e diria rapidamente o que tenho a dizer.
São dois ou tres os pontos de que pretendo occupar-me...
Vozes : - Não está presente.
O Orador t - N'esse caso renovo o meu pedido para que seja avisado o sr. ministro das obras publicas, de que eu desejaria que s. exa. comparecesse antes do ordem do dia na proxima sessão, para lhe fazer algumas perguntas.
Peço tambem aos membros do governo presentes a fineza de avisarem o sr. ministro da fazenda, de que tenho novos documentos sobre aquelle incidente que outro dia se levantou aqui, ácerca dos despachos do sr. governador civil de Braga, relativamente aos fundos dos estabelecimentos de piedade e beneficencia.
Desejo, por isso, que s. exa., logo que lhe seja possivel, compareça n'esta camara, antes da ordem do dia, a fim de liquidar definitivamente este assumpto.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo):- Communicarei com muito prazer aos meus dois collegas as instancias que s. exa. acaba de fazer.
Creio que o sr. ministro das obras publicas saía para a outra camara, onde a sua presença era, por assim dizer, exigida pela phase que póde atravessar na sessão de hoje, como já tinha atravessado na sessão anterior, a discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.
Pela mesma ordem de motivos vae hoje á outra casa do parlamento o sr. ministro da fazenda.
Em todo o caso, se tiver hoje occasião de me encontrar com s. ex.as, communicar lhes-hei os desejos do illustre deputado e elles de certo não deixarão de vir a esta camara o mais breve possivel para satisfazerem a s. exa.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: -Vão entrar em discussão o projecto de lei n.° 8.
O sr. Fuschini: - Peço licença a v. exa. para observar que a deliberação da camara foi para todos os que estavam inscriptos. (Apoiados.}
O sr. Presidente: - A deliberação foi só com respeito ao sr. Franco Castello Branco. Antes do sr. Fuschini ainda estavam inscriptos alguns outros srs. deputados.
O sr. Fuschini:-N'esse caso peço a v. exa. que me reserve a palavra para antes de se encerrar a sessão.

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ORDEMM DO DIA

Discussão do projecto n.º 8 (codigo commercial)

Leu-se na mesa o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 8

Senhores.-A vossa commissão do legislação commercial vem desempenhar-se da honrosa, mas difficil, missão de dar parecer sobre a proposta do governo para ser approvado um novo codigo commercial, e indicar-vos as modificações que entendeu deverem n'elle introduzir se.

O primeiro ponto a apreciar seria o da necessidade e urgencia da reforma, se a vossa deliberação de nomear uma commissão especial para a revisão do projecto do codigo não significasse desde logo não haver para a camara, como cremos que para ninguem ha, duvida a este respeito.
O codigo de 1833, revogado em muitas das suas disposições e incompleto nas que ainda vigoram, nem parece já um codigo, o pueril seria dissertarmos aqui sobre a conveniencia de trazer a um só corpo e reunir em um texto harmonico as disposições por que tem de reger se em particular a classe, que menos póde perder tempo e mais carece de perfeito conhecimento das leis que lhe respeitam.
E demais, nem ha quem possa discutir ou pôr em duvida essa necessidade, porque todos os nossos estadistas, por assim dizer, a têem reconhecido, com applauso do parlamento, não tendo este podido ainda dar satisfação a tão justa exigencia e constante reclamação do commercio, apesar de pelas suas associações e pela poderosa voz da imprensa o não deixar esquecer.
Congratulando-se, pois, com o nobre ministro, que na alta comprehensão dos seus deveres teve a rara fortuna de reunir a capacidade, o saber e a perseverante actividade, que lhe permittiram elaborar o projecto do codigo de que vamos dar parecer, a vossa commissão entra de prompto na sua apreciação sem mais preambulos.
Regista apenas, que muito de proposito attribuiu ao ministro a obra em discussão, e não aos collaboradores que a modestia d'elle trouxe a publico e quiz pôr em primeiro plano no seu erudito relatorio, porque essa é a verdade, sem querermos por isso nem de leve diminuir a impotancia da referida cooperação, que ao contraria a commissão reconhece e na parte que lhe é entranha agradece, pelo bem publico, que d'ella resultou, e pelos patrioticos e sabios intuitos, com que foram prestados taes serviços.

O projecto do codigo commercial apresentado as côrtes na sessão de 17 de maio ultimo (1887) pelo sr. conselheiro Francisco Antonio da Veiga Beirão, é precedido do relatorio a que acima nos referimos, e que contém uma tão douta e fundamentada exposição de motivos, que dispensa da nossa parte qualquer acrescentamento para referir o fazer conhecer as fontes, a concordancia com os melhores codigos estrangeiros, a doutrina geral do projecto, e as principaes alterações, additamentos e aperfeiçoamentos, que vem introduzir no nosso direito.
Para se fazer idéa geral do projecto do codigo e se ficar habilitado á apreciação geral do seu systema basta aquelle diploma.
Repetir essa douta exposição ou paraphraseal a, seria o mais que poderiamos fazer, sem vantagem para a camara, mas antes com prejuizo, porque na passagem para a qui só podia perder no seu valor um trabalho tão completo, como luminoso.
Offerecendo o, pois, á vossa consideração, dispensâmos outro parecer a este respeito, e passâmos a indicar as alterações que nos pareceu, de accordo com o governo, dever introduzir no projecto do codigo e alguns pontos de doutrina em que a commissão resolveu mantel-o, apesar de controvertidas as disposições, que se lhes referem.
Para esse fim vamos occupar-nos successivamente dos, seguintes assumptos:
Direito subsidiario do novo codigo;
Actos de commercio;
Responsabilidade que por elles póde advir á mulher casada;
Sociedades;
Letras, livranças e cheques;
Seguros;
Outros contratos especiaes de commercio;
Direito maritimo;
Quebras.

O projecto do governo, seguindo o exemplo do moderno codigo do reino de Italia, adoptára o principio, tão elogiado ahi pelos promotores d'aquella reforma, de chamar os usos mercantis como direito subsidiario.
Collocara-os até, como se fez em Italia, acima do direito commum, tornando-os obrigatorios em commercio, ainda antes da lei expressa consignada no codigo civil.
Não faltam commercialistas a defender esta doutrina, que, apesar d'isso, a vossa commissão não póde acceitar, por lhe parecer contraria aos bons principios, e que sem vantagem e antes com inconvenientes vinha modificar o, estado actual do nosso direito patrio.
De facto, Ferreira Borges, não obstante o conselho por elle dado no sou Diccionario juridico, de se dever em commercio julgar pelo uso, recommendando que não lhe toquem não o destruam, porque destroem n'elle a prosperidade publica, ao submetter á sancção regia o seu codigo, teve o cuidado de o abrir. logo no artigo l °, pelo preceito de ser applicavel o direito civil aos negocios e materias commerciaes, quando não fosse contrario e derogado pelo codigo commercial. Esta ficou sendo a lei, e tão boa lei que o seu proprio auctor, para, confirmar que a prosperidade publica nada tinha a receiar com esta sã doutrina, como elle em tempo suppozera, não duvidou vir depois dizer-nos nas suas Fontes proximas que os usos, se são contrarios e repugnantes á lei geral, são abusos, corruptela, ignorancia.
E se assim não fôra, só os usos tivessem de prevalecer em commercio ao subsidio do direito commum e geral, consignado no codigo civil, indispensavel seria foi mar o codigo de commercio, não só com as disposições de especialidade ou excepção que o constituem, mas com todas as outras que á maneira dos mais codigos especiaes, não repete por estai em na regra e com regra serem de cumprir.
listamos a ouvir os partidarios dos usos objectar que esta argumentação colherá para não lhes dar preferencia sobre o direito civil, mas que os deixassemos n'esse caso subordinado a esse ou, pelo menos, para subsidio dos contratos, como faziam o anterior codigo de Italia e outras leis, e não poucas vezes o nosso codigo vigente. A resposta é facil e comprehende a objecção d'aquelles que, resuscitando em parte o preceito da chamada lei da boa rasão, de 18 de agosto de 1769, querem, que os casos omissos se resolvessem pelos codigos, das nações modernas.
Resolvendo o codigo civil, como resolveu, no artigo 16.°,
a questão do direito subsidiario, não ha, invocado este, que
dispor mais a tal respeito. De que servia dizer que depois
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do codigo civil se recorreria aos usos ou ao direito estrangeiro, se no artigo 16.° se comprehendiam todos os casos omissos? Inutilidade ou contradicção.
Demais, fóra de casos especiaes, em que o projecto do codigo ainda mantem os usos, mas com referencia precisa e como facto, nunca como direito, é tão difficil saber o que deva entender-se e a que deva satisfazer um uso para se considerar estabelecido, que deixar subsistir essa regra para resolver questões, o mesmo seria que nada dispor, ou deixar o arbitrio arvorado em lei.
O mesmo podemos dizer quanto aos chamados codigos das nações estrangeiras, porque, sendo elles diversos, pouco precisa e quasi sem utilidade ficaria a disposição que os chamasse para complemento do nosso.
Estes são, em breve resumo, os motivos por que a vossa commissão alterou o artigo 3.ª do projecto, eliminando d'elle os usos, por não os poder considerar elemento seguro nem acceitavel de direito subsidiario.

Antes de chegar a este artigo, que assim modificámos, considerou a commissão a questão grave, e porventura mais academica que pratica, do que deveria entender-se por acto commercial. Os dois primeiros artigos do projecto obrigavam a esse estudo, que só completa com a doutrina, entre outros, dos artigos 106.º e 487.°, e segundo a norma, que traçamos para este parecer, cumpre-nos dar a rasão por que mantivemos aquelias disposições, não adoptando precisamente qualquer dos chamados systemas ou theorias a respeito de taes actos e da commercialidade em geral, nem defendendo qualquer systema novo da nossa propria iniciativa.
Não queremos, todavia, nem de longo, diminuir o valor dos que se têem empenhado em debutes sobre o assumpto e empregado as suas lucubrações na classificarão das industrias e na descoberta da verdadeira caracteristica dos actos commerciaes.
Não. Significâmos apenas que, revendo o projecto do codigo, a commissão, pelo menos a maioria d'ella, julgou possivel acceitar dos importantes trabalhos e estudo dos iscriptores nacionaes e estrangeiros, o que elles tinham de pratico e conciliavel, e evitar qualquer exclusivismo, a que obrigaria uma formula determinada não contraprovada na pratica, e portanto origem necessaria de prejudicialissimas questões. Preferimos accommodar o projecto do codigo as necessidades praticas, procurando empenhadamente evitar essas questões, e deixar bem clara a resolução sobre a competencia e a lei applicavel sem intervir em pendencias scientificas. em contendas de systemas, theorias ou escolas em discussões que muitas vezes são até de sympathia ou facinação pelas idéas de um auctor, se não pelo brilhantismo de fórma, com que elle pôde expor a doutrina.
Quer dizer, seguimos o processo pratico, indo de boa companhia com os mais modernos codigos, os de Italia e Hespanha.
A sabedoria da camara resolverá se fizemos bem.

Diz o artigo 1114.º do codigo civil, que, na falta de bens proprios do marido, as dividas por elle contrahidas sem outorga da mulher serão pagas, ou pelos bens communs, se tiverem sido applicadas em proveito de ambos os conjuges, ou, de contrario, pela meação d'elle; mas acrescenta que n'este ultimo caso o pagamento só póde ser exibido depois de dissolvido o matrimonio, ou havendo separação de bens entre os conjuges.
Como conciliar esta salutar disposição, ou melhor, esta
sua ultima limitação, com as exigencias da pratica do commercio?
Este é um ponto que muito interessa, não só á classe commercial, mas á sociedade em geral, e em que na pratica profissional e na encontrada interpretação da lei nos tribunaes se fazia sentir, como imprescindivel, uma providencia legislativa.
Pareceu á commissão, mantendo o artigo 16.° do projecto do governo, que as dividas contrahidas pelo marido commerciante deviam presumir-se feitas, como em regra são em proveito do casal, ficando salvo á mulher o direito de provai que outra fui a applicação e que nenhum proveito lhe resultou do acto.
Era esta a nossa antiga lei, que é duvidoso se o codigo civil alterou, como se verifica pela incerteza da jurisprudencia a tal respeito.
Mais difficil foi resolver Sobre o meio de conciliar os legitimos interesses do commercio com os direitos da mulher casada, quanto ás dividas por que ella não tivesse de responder.
O codigo civil inunda, como dissemos, adiar a execução dos bens communs para quando a meação do marido for partilhada por dissolução do casamento ou separação mas este meio, alem de: injusto em si, é contrario aos interesses geraes e economicos da nação, porque retira e como que immobilisa capitães circulantes, que o commercio não pode dispensar.
Facil é reconhecer esta verdade, comparando o simples facto do adiamento preseripto pelo codigo civil com as disposições parallelas d'elle e attendendo os recursos que a pratica do fôro tem empregado para segurar a meação do devedor para o tempo da partilha sem deixar de ouvir as repetidas reclamações do corpo commercial.
Bem sabemos que em assumptos tão graves e que tão de perto respeitam á familia, base de toda a sociedade, não deve proceder-se de leve, mas ao contrario com muita discripção; parece nos todavia que o espirito da propria lei civil, a lição da jurisprudencia e as queixas da classe, a que a questão mais importa, nos prestam demonstração cabal de ser necessario o remedio que propomos, de ser justo e o unico possivel.

"Na Italia e na Hespanha os modernos codigos, a que ha pouco me referi; na França, as leis de 23 de maio de 1863 e de 24 de julho de 1807, que n'esta parte profundamente alteram o codigo commercial de 1808; na Inglaterra os actos parlamentares de 5 de setembro de 1844, de 14 de julho de 1836, que providenciou sobre as "Joiut Stock companies, o de 7 de agosto de 1862 (for the incorpora-tion, regulation and riding up for tradery companies and other asociations); na Allemanha, entre outras, a lei de 11 de junho de 1870; na Belgica a lie de 18 de maio do 1873; no Brazil a lei de 4 de novembro de 1882; emfim, em quasi todos os paizes da Europa, se tem, por leis geraes. ou especiaes, procurado promover e garantir o desenvolvimento do espirito de associação mercantil, como sendo o principal fautor dos avantijados emprehendentes d'esta epocha. Em toda a parte se emprehendeu que, sendo a associação a força substancial do progresso, cumpria, ou em novos codigos ou sem mesmo esperar pela completa revisão dos que de mais longa data se acham ainda em vigor, acautelar e impellir os grandes interesses, que na associção encontram os indispensaves elementos, da sua vitalidade economica
Entre nós, as leis de 22 de junho de 1867, que especialmente se adstringiram ás sociedades anonymas e á fundação dos, barcos agricolas, e a lei de 2 de julho d'esse anno, que estabeleceu as normas de exi tencia das sociedades cooperativas, vieram por um lado derogar o codigo de commercio no que respeitava ás antigas companhias

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mercantis, e por outro ampliar e fortalecer o proposito de associação no emprego de capitães em beneficio da agricultura e da industria, sé bem que, n'esta parte, somenos importantes têem sido os resultados d'estas leis, porquanto mui poucas misericordias se aproveitaram da faculdade, que pela desamortisação dos seus bens lhes ficou, de instituirem bancos agricolas; e no que respeita ás sociedades cooperativas, as estatisticas mostram que apenas sessenta se organisaram em todo o paiz, desde 1871 até 1884.
"Afóra aquellas leis, tudo o que se refere ás sociedades mercantis se rege pelo actual codigo commercial. E todavia, precisamente n'esta parte, é esse codigo um verdadeiro dedalo de inconnexas doutrinas. Os proprios principios fundamentaes, que o codigo formula (artigos 526.° a 537.º) como sendo communs a todas as associações, para que legisla, são eivados de um lamentavel prurido de contradicção."
Assim lamentava, voltando á vida do fôro, de que é mui distincto ornamento, o illustrado ministro auctor da proposta de 24 de janeiro de 1882, sentindo que a sua iniciativa não tivesse chegado a fim para ser substituida por ella a tão defeituosa parte do actual codigo, reguladora das sociedades. Dos archivos parlamentares, passou, porém, esse valioso trabalho para o projecto do codigo, de que n'este titulo foi a fonte proxima, afastando-se d'elle em alguns pontos fundamentaes, com o que a vossa commissão concordou.
Se bastasse a justificar essas alterações do projecto a invocação de uma auctoridade, embora incontestada, isto é, se este meio ou argumento fosse do receber em objecto de sciencia, diriamos que ellas têem por si a sancção do moderno codigo de Italia.
Com effeito, a permissão dada ás sociedades civis de se constituirem sob a fórma commercial, a dispensa de auctorisação para as sociedades estrangeiras poderem exercer commercio no reino e igual dispensa com maior rasão para as sociedades nacionaes, sem excepção das anonyimas, não estabelecendo o retrocesso na legislação patria reguladora d'ella, sito, entre outras, as modificações introduzidas na proposta de 1882, que por certo lhe deram maior perfeição.
Por certo, dizemos, mas esta affirmativa é como todas em questões de direito e de sciencia social, meramente relativa o exprime apenas o voto da commissão Não faltará quem impugne a doutrina, não obstante o alcance de simplificação pratica da primeira alteração, o rasgado e tão liberal principio de direito internacional que a segunda estabelece, e a falta de motivo justificativo para limitar a liberdade de convenção, e voltar a subordinai-a á approvação do governo.
• Para evitar abusos, outros são os meio, e no projecto nos parece acharem-se tomadas as providencias bastantes pata dar protecção seria, tanto aos accionistas e mais socios, como aos terceiros que contratarem com a sociedade.
É esse o fim da lei, que no capitulo referente a sociedade" deve' ter muito em vista facilitar o regular e normal desenvolvimento da constituição d'ellas, como elemento poderoso, que são da producção e da circulação da riqueza publica.
Fui levada d'estes principios e do animo de cooperar para unificação do direito commercial, grandiosa aspiração que; vão a bom caminho; foi por isso que a vossa commissão, não hesitando em uma opinião de que a camara não discordará, propõe igualar ás nacionaes as sociedades constituidas em paiz estrangeiro, que queiram vir fazer commercio no reino, sujeitando se á nossa lei.
Não ignorâmos que este não é ainda o direito geral da Europa, e que umas nações reservam essa concessão para os tratados, conforme faz a Inglaterra, e outras e outra a deixam dependente de decreto do governo, como entre nós succede; mas a inutilidade de qualquer d'estes systemas acrescida das considerações acima expostas, bem como o procedimento das companhias seguradoras em França, que representaram ao governo da republica contra as precauções tutelares que um projecto de 1883 se propunha tomar contra analogas sociedades estrangeiras, tudo nos confirma na idéa do projecto do codigo, que n'esta parte a vossa commissão mantem.
São estas as principaes modificações feitas, não pela vossa commissão na proposta do governo, mas pelo governo na proposta que tomou para base d'esta parte do projecto do codigo, e que acceitámos pelos motivos expostos, devendo apresentai os á consideração da camara, com tanta mais rasão que a outra proposta de iniciativa do ministro que geria a pasta das obras publicas em janeiro de 1882, se não chegou a ter parecer da commissão de commercio, teve a consagração do illustre relator d'ella em trabalho que corre impresso, e que por mais de um titulo merece ser consultado.
Refere-se o mencionado relatorio, com especial vagar á questão bancaria, se assim podemos chamar á controversia juridico-economica sobre comprehender, ou não, a lei de 1867 todas as sociedades de credito, e deverem, ou não, estas ser regidas pelas mesmas normas, deixando-se, como as outras, á livre acção dos capitalistas, que as constituam, e dos mais interessados no exercicio das respectivas operações.
Não vem aqui a proposito tratar de conhecer até que ponto podiam coexistir e como reciprocamente influiram e se revogaram e completaram respectivamente a lei de 7 de junho de 1824, o codigo commercial de 18 de setembro de 1833, a lei de 16 de abril de 1850 e a lei das sociedades anonymas de 22 de junho de 1867, origem principal da questão A jurisprudencia por um lado, e por outro as portarias de 31 de dezembro de 1867 e de 26 de fevereiro de 1875 disseram sobre o caso o que por melhor tiveram. Hoje, porém, modificando-se, não só as disposições reguladoras das sociedades, mas todo o direito commercial, a duvida fica sanada; e parece-nos que pelo melhor modo, isto é, o mais liberal, deixando a constituição dos bancos á iniciativa particular pelo simples accordo de vontades
em restricção ou dependencia de approvação do governo ou necessidade de lei especial. Escusado será lembrar que apenas a emissão de notas, como parte da circulação fiduciaria, fica vedada, regulando-se nos termos da recente lei de 27 de julho ultimo.

Desde que a letra deixou de ser o instrumento do contrato de cambio para tomar o desenvolvimento que desde muito tem nas transacções commerciaes, industriaes, e ainda em outras, carecia a sua denominação de ser simplificada, a fim de evitar todo o erro o poder pela generalidade de dicção corresponder á necessidade da funcção que representa.
Por isso passámos a chamar-lhe simplesmente letra, e mantivemos as disposições como foram propostas, salvos quanto á fórma e, para mais clareza, alguns aperfeiçoamentos de que não vale a pena fallar, tanto a respeito d'este como dos restantes pontos do codigo, porque o mero confronto dos textos deve justificar essas alterações: nem de outro modo se devem explicar.
Para tres pontos chamâmos a vossa esclarecida attenção, em contraprova das deliberações que tomámos em commissão.
Será o primeiro relativo a estabelecer ou não excepção ao solido principio do estatuto pessoal pelo que respeita a Capacidade civil do estrangeiro para se obrigar por Ponderou a vossa commissão o caso nos termos que a sua importancia reclamava, mas ficou com o

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auctor do projecto e com o sabio professor da universidade de Amsterdam na regra d'aquelle principio, sem reconhecer a justificação nem a necessidade da excepção.
Foi origem d'esta questão a consideração pelos chamados interesses do commercio, que na conferencia de Leipzig obteve um voto de maioria no sentido da excepção, fazendo regular a capacidade dos intervenientes na letra pela lex loci e não pela norma, conforme aos bons principios, do estatuto pessoal. D'ahi passou a excepção como doutrina para a lei allemã e para outras, adquirindo assim forças novas ao ser recebida em cada paiz, e dando-lhe consistencia bastante para fazer tambem vencimento no congresso do Antuerpia.
Não podemos, porém, convencer-nos da plausibilidade de similhante preceito, e por isso o não acceitámos, nem ainda sob a fórma, a que poderiamos chamar egoista, do codigo federal das obrigações que preceitua no artigo 822.°, que a capacidade dos estrangeiros para se obrigarem por meio de letra na Suissa seja regulada pela lei local, mas que a capacidade dos cidadãos da Suisa, ainda que residam em paiz estrangeiro, continue regulada pela lei patria.
Mantivemos d'este modo a um tempo o projecto do governo e a integridade da regra posta pelo artigo 27.° do nosso codigo civil, lei commum e geral, que só modificámos quando o reclamaram os principios especiaes do direito commercial e justificadas exigencias da profissão a que elle tem de se applicar, ainda assim quando ellas não contrariavam o interesse geral.
Dirão talvez, objectando-nos, os adversarios da lei de 21 de julho de 1850, que faltámos a esta norma de decidir, deixando de restringir o uso da letra aos que do commercio façam profissão habitual. Não têem rasão. A profunda alteração, que d'essa restricção resultaria para o geral das industrias e para as suas relações com o commercio em particular, bastava a impedir aquella limitação. Ninguem desconhece o amplo desenvolvimento que têem as operações por meio de desconto de letras, e, se por esse meio se fraudam as disposições dos artigos 1534.° e 1643.° do codigo civil o se praticam outras e ainda maiores illegalidades, não seria de boa politica impedir o legitimo uso para evitar o abuso.

O codigo civil, definindo e regulando os contratos aleatorios, juntou n'esse capitulo o que considerou respeitar a seguros e a jogo.
Manifestamente insufficientes as disposições quanto áquelle contrato, careciam ellas, se não modificações radicaes, de algum desenvolvimento e explanação doutrinaria, que o codigo commercial não podia dispensar. Quanto ao mais são de receber as regras ahi postas, regulado que fosse o reporte e as operações da bolsa, designadamente as negociações a praso para que não sirvam de meio ao jogo de bolsa, tão illigitimo o censuraval, como qualquer outro.
Fallemos dos seguros.
Pódem estes ser, como é sabido, contra riscos ou de vida, comprehendendo os primeiros, entre tantos outros que não é facil enumerar nem carecem de classificação especial, os de fogo, colheitas e transportes, incluindo os maritimos.
Poderá perguntar-se-nos porque não considerou a commissão em capitulo separado, alem dos seguros de riscos e de vida, os chamados contra accidentes, tanto os seguros d'esta natureza que sejam individuaes, como os collectivos e relativos a pessoas. É sabido que estes contratos, conhecidos e em pratica na Inglaterra desde 1847 para cobrir ou indemnisar os desastres em caminhos de ferro, têem ultimamente tomado em muitas nações um largo desenvolvimento, que segue e acompanha as providencias de protecção aos operarios e mais empregados nas industrias.
A resposta é simples. Pareceu-nos bastarem ao caso as disposições geraes sobre seguros, com tanta mais rasão que infelizmente entre nós, a não ser pelas sociedades de soccorro mutuo, alheias á commercialidade, taes seguros contra desastres, doenças o outros impedimentos de trabalhos, podem dizer-se em desuso, ainda quando individuaes, e ainda menos são praticados os collectivos, talvez porque a responsabilidade imposta aos patrões está ainda longe de ser tão pesada que elles tratem já de só garantir, pondo-se ao abrigo de qualquer seguro.
Por estes motivos deixou, pois, a vossa commissão de additar disposições especiaes para esta classe de seguros, e limitou a sua revisão ao que é geral e commum a qualquer d'estes contratos e especial aos de vida e a cada um dos de riscos.
De todos estes se occupa methodicamente o projecto em divisões separadas e subordinadas áquelles principios geraes e communs de que as precede, evitando a confusão do actual codigo commercial e, completando este e o civil, começou por dirimir a duvida sobre competencia. Fica posto a claro no projecto, que, exceptuados os seguros mutuos, todos os outros são commerciaes a respeito do segurador, sem distincção do objecto, unica caracteristica do codigo civil, e que só com respeito ao segurado depende a commercialidade do seguro da commercialidade do acto.
No desenvolvimento do assumpto tornou-se quanto possivel igual a condição do segurador e segurado e a determinação dos respectivos direitos e obrigações.
E por isso que se preceitua que o vicio proprio da cousa só prejudica o segurado quando elle, conhecendo-o, o não declara, e o mesmo se determina quanto á mudança de circumstancias que augmente o risco, facultando ao segurador o direito de declarar sem effeito o contrato se não concorda, expressa ou tacitamente, na continuação d'elle.
As faltas ou inexactidões das declarações prescriptas podem annullar o seguro, e quando provenham de má fé fazem perder o premio pago ou em divida.
Regulou-se em termos mais conformes aos interesses geraes, e harmonisando-se com a pratica e a natureza do contrato, a consequencia de falta de pagamento dos premios; deixando tambem a claro não só a grave questão das inexactidões e reticencias, mas outras, e evitando o grande defeito do nosso actual codigo e dos que elle tomara por modelo ou a que depois serviu de exemplo, como muitos da America. Para isso se consignaram no projecto principios geraes, e não uma resenha casuistica, impropria de um codigo digno d'este nome.
A momentosa questão sobre a validade do segundo seguro contra risco parece á vossa commissão ter sido bem resolvida no projecto.
Os pleitos a que na pratica dava logar a declaração de nullidade do segundo seguro do mesmo objecto e risco, sem attenção á pessoa que o fizera, não poderão originar-se com a redacção dada ao artigo 454.° Pareceu este systema, que é o da generalidade dos codigos de commercio, preferivel ao seguido em Inglaterra e na America do Norte, e pelo qual valem todos os seguros, mandando ratear entre os seguradores a obrigação de indemnisar os prejuizos. A maior simplicidade do primeiro systema, a circumstancia de ter por si o consenso da maior parte das legislações mercantis, e a consequente vantagem de legislar de harmonia com ellas, decidiu-nos á sua adopção, seguindo as indicações da commissão franceza de reforma d'este capitulo de direito commercial, e evitando os inconvenientes de redacção arguidos ao nosso actual codigo e ao de França, e que não conseguiram evitar os codigos de Allemanha e Italia, como mostram os commentadores.
Quanto ao direito de abandono, manteve-se no direito maritimo a doutrina do projecto, e consequentemente modificaram-se as disposições dos seguros terrestres e por canaes ou rios, e tambem os de transportes por qualquer meio, harmonisando os respectivos preceitos e obedecendo

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á regra juridica de haver a mesma disposição, onde ha a mesma rasão.

modificações que ao direito geral trazem em commercio as circumstancias dos contratos serem realisados na bolsa ou nos armazens e loja dos negociantes, bem como de o serem por corretor, agente ou caixeiro e mais auxiliares do commerciante, não carecem de particular referencia, nem alteram os contratos por modo a deverem estes considerar-se de natureza especial.
Bem podemos fazer o mesmo por motivos analogos, ainda que os casos sejam differentes, quanto á compra e venda, troca, penhor, deposito, empenho e aluguer, exceptuando d'estes o fretamento, em que as particularidades são mais frisantes, mas tão sabidas e estudadas, que seria prolixo referil-as, e separando do empenho o risco maritimo e a Hypotheca sobre navios, de que adiante fallaremos. A simples leitura dás disposições sobre estas especialidades dispensa toda a explicação e torna desnecessario voltar ao assumpto. Faremos todavia alguma referencia, em breves palavras, aos contratos de transporte, conta corrente, reporte e operações de bolsa.
Lembraremos antes, porém, como preambulo d'este capitulo dos contratos especiaes do commercio, que a vossa commissão procedeu á revisão das respectivas disposições com animo decidido de deixar ampla liberdade aos interessados para estipularem como mais conveniente fosse aos seus interesses. Só pela reconhecida necessidade e exigencia do Vem publico é geral nos permittimos limitar o principio; que1 presidiu aos nossos trabalhos, como facilmente verificareis, comparando é que no projecto mantivemos e o que n'elle julgámos por necessario modificar.
Dito isto, fallemos do transporte o mais contratos que acima indicámos
Se na Italia, onde o codigo do commercio anterior ao que hoje ali vigorava, apenas data de 1865, se invocou como rasão de o substituir, a de poder regular-se devidamente o contrato do transporte, para se lho dar o desenvolvimento, que á sua actual importancia convinha, e que a mudança de condições feita pelos novos e maravilhosos meios de communicação reclamavam, desnecessario será dizer mais, em Portugal, com uma lei que é de 1833.
Tudo havia a fazer n'este capitulo de direito commercial: havia de regular os direitos e obrigações do expedidor; do transportador ou successivos transportadores e do destinatario;- havia que estabelecer os meios de respectivamente acautelar e garantir esses direitos. Revendo o projecto melhorámos, segundo nos parece, algumas das suas disposições, harmonisando os seus principios, e modificando o para isso, como succedeu quanto ao abandono, como acima dissemos.
Sobre o praso e condições em que o destinatario podia, depois da entrega, reclamar do transportador indemnisação de perdas e damnos por que elle podesse ser responsavel, pareceu util á vossa commissão simplificar as disposições do projecto do governo, fazendo a distincção capital de ser ou não visivel por fóra o damno, negando no caso affirmativo acção depois da recepção, e facultando a dentro de oito dias no caso contrario. Tivemos por isso em vista a discussão sobre a recente reforma do artigo 105.° do codigo francez, não esquecendo o nosso actual direito, que tornámos mais equitativo pelo alargamento do praso, sem o desnecessario argumento dos codigos allemão e da Suissa.
Quanto a disposições especiaes relativas a caminhos de ferro não saberiamos fazer melhor exposição de motivos que repetir as palavras do ministro de Italia, apresentando o novo codigo á sanção real o novo codigo, dizia Zanardelli, seguindo os tramites das mais distinctas leis commerciaes estrangeiras, devia resolver a questão de poderem as companhias modificar nos seus regulamentos as condições legaes de responsabilidade. Resolveu-a, pela negativa, negando validade ás estipulações que limitem a responsabilidade do transportador prescripta no codigo. O monopolio que exercem as emprezas ferro-viarias, ás quaes se não póde fazer concorrencia por meio de outros vehiculos, impede que as condições dos seus regulamentos se considerem resultado do accordo da vontade dos contrahentes, porque de facto são dictadas só por ellas, tendo o expedidor de se sujeitar sem verdadeiro consentimento "
Estas rasões justificam o artigo 411.° e a modificação que d'elle fizemos, o que por certo não encontrará no parlamento portuguez a viva opposição que as poderosas companhias italianas souberam utilisar.
O illustre jurisconsulto, actual representante da republica argentina em Lisboa, no juizo critico sobre o projecto do nosso codigo do commercio, apresentado ao seu governo para servir de estudo á reforma ali em preparação, entre os elogios ao alto mento da obra que estamos revendo, diz que o contrato de conta corrente foi regulado e garantido com todas as normas que regem a variedade de seus casos e as obrigações reciprocas dos contrahentes.
Effectivamente, lidos os artigos do projecto e confronta dos com os commentarios e com os codigos de commercio da republica do Chili e de Honduras e do reino de Italia, vê-se que ás disposições d'este ultimo fui procurado o complemento que prestavam aquelles que são dos poucos que regulam este assumpto.

. A vossa commissão teve apenas de introduzir no projecto algumas correcções de redacção para evitar duvidas que poderiam levantar-se, e deixar assim bem claro os principios em que assenta este contrato. Postos, porém, os principios, concordámos na desnecessidade de referencia a casos particulares, taes como os debitos anteriores á conta, a faculdade de a caucionar, a prohibição de arreatar ou penhorar valores de qualquer remessa e outros ainda que se encontram n'aquelles codigos da America.
O reconhecimento do reporte, como contrato sui generis, evita as graves questões que originam a duvida sobre a sua natureza juridica. Nenhuma outra justificação é necessaria, ficando garantida pelo projecto a seriedade da negociação, com a exigencia da entrega real dos titulos, é a impossibilidade de por este meio se fazer jogo de bolsa.
Terminam assim os debates sobre ser ou não o reporte uma venda a retro, um mutuo caucionado, um duplo emprestimo de cousas fungiveis ou uma simples compra e revenda: o reporte, participando d'este ultimo contrato, fica sendo um contrato particular, conveniente ao desenvolvimento do credito, e regido pelas disposições da lei.
Por isso o conservou a vossa commissão, não se receiando de permittir a liquidação por differenças á vontade de ambas as partes, no fim, não no principio da operação, que n'isso estaria o jogo, cautelosamente impedido na regulamentação das negociações a praso.
Emquanto a estas ha de Aparecer-vos, como á commissão, que o meio termo do projecto, completando as disposições dos codigos civil e penal, concilia a liberdade da convenção com as conveniencias publicas e os principios que justificam a prohibição do jogo.
Felizmente a falta na nossa praça de qualquer desastre financeiro que impressionasse a opinião a ponto de produzir leis como a da Austria, da França e outras, permitte nos legislar a sangue frio, sem excessos, e harmonisando, como expozemos, os principios applicaveis aos differentes casos.

Sem contestar a lição do conspicuo professor da faculdade de direito de Paris, A. Boistel, e ainda dizendo com

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elle que o direito maritimo se apresenta aos olhos de todos, mais que outra qualquer parte da legislação commercial, com o duplo caracter de immutabilidade no tempo e universalidade no espaço, não póde faser-se objecção séria á necessidade que havia de ser revisto e reformado o nosso codigo commercial, pelo menos para harmonisar as suas disposições com as condições contemporaneas da navegação e com a influencia que sobre ella tem provindo do emprego do vapor e da electricidade, e da maior facilidade dos meios de transporte e communicações.
Se é verdade, pois, que Valin, Émerigon e Pothier ainda podem com proveito ser consultados sobre os principios em que assenta o direito maritimo, não é meãos certo que não podem esquecer-se as resoluções dos congressos o as providencias adoptadas nos tratados internacionaes, e que de modo algum póde deixar-se subsistir uma lei que reputa necessaria uma hora por cada legua de distancia para se poderem haver noticias.
No relatorio da proposta do governo, a que nos tomos referido, faz-se o resumo d'esta parte do codigo, apontando a doutrina n'elle consignada sem outra, justificação, que realmente a não carece no geral.
Destacaremos apenas alguns pontos, em que n diversidade de juizos pede qualquer referencia, quando mais não, por merecida deferencia pela opinião d'aquelles, de que a commissão teve de apartar-se.
Tendo reservado o terceiro livro do codigo para o commercio maritimo sómente e deixando regulada nos antecedentes a navegação interior (rios e canaes), podemos dispensar-nos de fixar aqui a differença entre os navios, de que n'elle se trata, das outras embarcações que não sejam propriamente maritimas. Legislação menos estavel ou antes mais facilmente maleavel e acommodavel ás successivas alterações no modo de fazer a navegação interior e maritima fará essa classificação, como ainda ha pouco succedeu, regulando a policia dos portos e as attribuições das auctoridades, que superintendem no serviço hydraulico, o decreto de l de dezembro ultimo (1887).
Apontamos já o que tivemos por pertinente a este parecer quanto a seguros e abandono; mas devemos quanto a este ultimo additar ainda algumas breves considerações sobre a faculdade, que deixámos ao dono do navio, de exercer esse direito, como limite á responsabilidade que lhe é imposta por faltas de terceiros, relativas á navegação.
Limitar ao navio a responsabilidade do dono é principio acceito pela legislação de quasi todos os povos, exceptuada apenas por a em dizer a da Inglaterra. N'esta nação, porém, accentua-se tão pronunciadamente a corrente n'aquelle sentido, que mais confirma, do que contraria o principio que acceitâmos.
O Merchunt Shipplng Act de 1854 e a lei de 1862, se não podem defender-se das arguições de ser restricto a incendios o artigo 503.° parlamentar, nem de ser manifestamente arbitraria e injusta a fixação de £ 8 por tonelada do navio, de que provém a responsabilidade, prestam argumento forte de que não póde deixar-se ao rigor da responsabilidade pessoal illimitada a responsabilidade do dono do navio, e que ella tem de ser restringida e limitada por conveniencia e imprescindivel necessidade da navegação.
No que respeita a avaria, muito particularmente a avaria grossa, cuja importancia o effeitos de sua regulação não póde ser contestada, foram aferidas as disposições do projecto do codigo pelas chamadas regras de York e Antuerpia, e pelos trabalhos da commissão franceza de revisão do direito commercial, a que já tivemos occasião do nos referir.
Ficou assim simplificada a doutrina e subordinada a principios geraes e justos, quasi universalmente acceitos. A concordancia dos codigos modernos sobre este ponto e os trabalhos dos mais entendidos especialistas e interessados na melhor solução das questões dão-nos garantia de acerto. Permitta-se-nos repetir a referencia aquellas regras
(York - Antuerp-rules) que na opinião de um notavel escriptor constituem por assim dizer o costume universal sobre o assumpto, e que são a primeira conclusão ou pas dado para o vastíssimo fim a que mira a Association for the ré-form and codijication of the Laiv of nations.
Facil é aferir por estas regras os artigos do projecto, e julgâmos não errar, dizendo que n'elles se acharão preceitos harmonicos com os bons principios para resolver todos os casos.
Analogas considerações e norma de decidir tomámos na resolução dos outros capitulos, o que não Explanâmos desenvolvidamente pelo receio de cansar a vossa attenção. Omittimos até por esta consideração os motivos justificativos da innovação que faz o projecto, introduzindo e regulamentando a hypotheca maritima, elemento de credito importante que oferecemos á nossa tão empobrecida marinha mercante, a fim de o aproveitar e poder obter o desenvolvimento de que tanto carece.
Originadas na lei franceza de 10 de dezembro de 1874, e accommodadas ao nosso meio, as disposições do projecto são explicadas no relatorio do ministro por modo, que nos permitte o nosso silencio; mas não póde deixar a vossa commissão de apontar, que teve por mais rasoavel e conforme aos mesmos motivos por que se introduziu no codigo esta instituição, alargal-a de modo que comprehendesse as hypothecas legaes.
Não colhem contra nós as rasões por que em França ella se restringiu ás convencionaes, porque não ha no nosso direito patrio hypothecas tacitas ou dispensadas de registo, e portanto os inconvenientes, que ali se receiaram, não nos prendiam. E sendo bom o principio, facilitando o credito e obstando, pela garantia que offerece, á alienação, que poderá dispensar-se, melhor é alargal-o do que limital-o e tolher a sua applicação. Isso fizemos e propomos á vossa approvação, se, como nos parece, o tiverdes por bom e acceitavel.
Lembraremos ainda que a regulamentação da hypotheca maritima permitte restringir os casos do contrato de risco ou cambio maritimo, incompleto, oneroso e muito contingente meio de credito, a que só em casos extremos poderá recorrer-se, e que a hypotheca do navio póde supprir e substituir com vantagem.
Diremos por fim duas palavras sobre o ultimo livro do projecto, relativo a fallencias.
A reforma introduzida n'este capitulo do nosso direito mercantil consisto principalmente, por um lado, na applicação das regras da execução, que outra cousa não é a quebra, feitas, é claro, as modificações exigidas pelas particulares circumstancias do caso e completando-as com os preceitos da interdicção consequente e do seu levantamento, e por outro lado consiste na prohibição de entregar a qualquer credor a administração e liquidação da massa fallida e a exigencia de fazer sempre a classificação para immediata applicação da pena legal aos negociantes, que tiverem procedido com culpa ou dolo.
A leitura das disposições, de que tratamos, mostra de prompto quanto fica simplificada esta fórma de liquidação, o quanto o commercio honrado tem a esperar da sua applicação.
São tão sabidos os inconvenientes da verificação de creditos em assembléa de credores, como estabeleço o codigo actual ou pelo menos como na pratica geral em todo o paiz se faz, que é escusada qualquer defeza da reforma n'este ponto.
A demora que motivava aquelle vicioso meio, a falta de garantias que elle offerece, as surprezas a que se prestava

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e não raro succediam, alem de outros defeitos que igualmente são notorios, dispensam qualquer outra rasão para a extinguir. Passarão a verificar-se os creditos como em concurso creditorio.

A administração por curadores fiscaes, que Sejam credores do fallido, tinha os inconvenientes tambem de todos sabidos, e que fizeram substituil-os na Belgica e na Italia por quem não tivesse necessidade de tratar de si antes de tratar dos outros.

Vem já de 1807 a duvida sobre a efficacia da administração das massas fallidas por, credores d'ellas, como pode ver se da discussão em França perante o conselho d'estado.

Repetiu-se ali o debate nas duas camaras em 1838, e ainda foi assumpto de especial attenção da communicação parlamentar de 1884-1886, que só por consideração particulares encaminhou a discussão no sentido de poderem ser indifferentemente nomeados credores ou não credores.

Este meio termo, porém, porem á vossa commissão que reunia a somma dos inconvenientes de ambos os systemas, julgando por isso preferivel confiar esse serviço a quem o fizesse como profissão, modo de vida, remunerado sim, mas tambem, responsavel, e que o exercesse sem preferencia nem preucupação alheias ao interesse geral e conjuncto de todos.

Se não receiassemos alongar de mais este trabalho e nos não occorresse a tempo que toda a camara o deve conhecer e conhece de certo, trasladariamos para aqui a parte do notavel discurso do Mancini na camara italiana, que se refere a esta innovação do respectivo codigo.

Esta alteração é do projecto e com prazer a acochámos, como muitas outras, quasi todas as disposições d'elle. Modificámol-o, porém, no ponto em que permittia ao ministerio publico requerer a declaração da quebra, o que nos pareceu contra os bons principios do directo; e entendemos preferivel deixar essa faculdade só ao interesse particular, fazendo depois intervir o representante da sociedade para fiscalisar o cumprimento da lei.

Não duvidava parte da vossa commissão de conveniencia de ampliar as providencias relativas a quebra aos não negociantes, como é já directo na Allemanha, Austro-Hungria, Inglaterra, Dinamarca, Suecia e nos Estados Unidos da America, se não em outras nações; mas não sendo ainda este o direito geral e não sendo o codigo commercial Ioga e proprio para esta disposição, deixámos á reforma ou revisão do codigo de processo civil o cuidado do completar as suas disposições, adoptando do processo da fallencia o que for conveniente, o resolvendo sobre este momentoso assumpto.

Manteve, pois, o projecto n'este ponto, e não duvidou a commissão manto! o tambem na radical alteração de transferir do juizo do crime para o do commercio o julgamento dos negociantes fallidos. Filia-se esta disposição na antiga proposta de Gaspar Pereira da Silva, que nos parece não ferir os principios e trazer prompta expedição ao assumpto em termos muito de receber.

Escusado seria dizer que regulamentando a fallencia, nenhuma, absolutamente nenhuma, condição de inferioridade de posição juridica estabelecemos para o credor estrangeiro. O espirito do franca igualdade de direito entre nacionaes e estrangeiros em que assenta o nosso codigo civil, e que mais se justifica, se possivel, em direito commercial, da sua natureza cosmopolita, como as transacções a que só applica, não precisa ser justificado perante as camaras legislativas portuguezas.

Nem nos demoveu do proposito o exemplo da lei allemã de 1876 e da proposta Saint-Martin em França, a que tanto apoio dava o tribunal supremo da republica, ainda em 1882, sem lhe poder negar a, iniquidade, mas, como dizia a respectiva commissão, defendendo a doutrina com sentimento, e com o fim só de trazer as nações estrangeiras, por considerações de interesse proprio, a fazer justiça a todos com igualdade e imparcialidade.

Senhores. - Aberta, como por sua natureza é, a discussão de um codigo, e considerada completamente alheia ás luctas da politica e independente de qualquer especie da disciplina partidaria a revisão, a que procedemos, se em mais não aperfeiçoou o projecto, foi porque mais não coube no tempo e nas forças dos vogaes da commissão.

Discutiram elles acuradamente em cincoenta e tantas sessões o importante trabalho do ministro, que sempre assistiu, continuando a provar durante a discussão a seriedade, consciencia conhecimentos e interesse com que coordenára
o projecto, o que ora o primeiro a concorrer para o melhorar, dando prompta e justificada rasão do que n'elle consignara, mostrando que nenhuma disposição tinha adoptado sem motivo, mas acceitando com patriotica superioridade todas as alterações propostas, que concorriam para melhorar a doutrina, fazer mais clara a redacção, ou por outro modo aperfeiçoar o projecto.

Apresentando-vos, pois, o resultado dos seus trabalhos e expondo-vos como os realisou, a commissão espera ser relevada de qualquer falta, que facil será á vossa alta competencia supprir, aperfeiçoando o novo codigo de commercio portuguez, que submettemos á approvação da camara com o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E approvado o codigo commercial que faz parte da presente lei.

Art. 2.° As disposições do dito codigo consideram-se promulgadas o começarão a ter vigor em todo o continente do reino e ilhas adjacentes no dia 1.° de janeiro de 1889.

Art. 3.° Desde que principiar a ter vigor o codigo, ficará revogada toda a legislação anterior sobre materia commercial, quer essa legislação seja geral, quer especial.

§ unico. Fica salva a disposição do artigo 1310.° do codigo commercial de 18 de setembro de 1833 na parte ainda vigente.

Art. 4.° Toda a modificação que de futuro se fizer sobre materia contida no codigo commercial será considerada como fazendo parte d'elle e inserida no logar proprio, quer seja por moio do substituição de artigos alterados, quer pela suppressão de artigos inuteis, ou pelo addicionamento dos que forem necessarios.

Art. 5.° Uma commissão de jurisconsultos e commerciantes será. encarregada pelo governo, durante os primeiros cinco annos da execução do codigo commercial, de receber todas as representações, relatorios dos tribunaes, e quaesquer observações, relativamente ao melhoramento do mesmo codigo, e á solução das difficuldades que possam dar-se na execução d'elle.

§ unico. Esta commissão proporá ao governo quaesquer providencias que para o indicado fim lhe pareçam necessarias ou convenientes.

.Art. 6.° O governo fará os regulamentos necessario para a execução da presente lei.

Art. 7.° É o governo auctorisado a tornar extensivo o codigo commercial ás provincias ultramarinas, ouvidas as estações competentes, e fazendo-lhe as modificações que as circumstancias especiaes das mesmas provincias exigirem.

Art. 8.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da commissão de legislação commercial da camara dos senhores deputados, em 14 de janeiro de 1888. = Francisco de Castro Mattoso Côrte Real = Alfredo Cesar Brandão = Antonio Baptista de Sousa - Antonio Lopes Guimarães Pedroza - Eduardo José Coelho = Ernesto Madeira Pinto = Gabriel José Reunires = Joaquim de Almeida Correia Leal = Dr. Joaquim José Maria de Oliveira Valle - Joaquim Pedro Oliveira Martins = João da

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352 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Cunha de Eça Azevedo = José Dias Ferrara, com declarações =José Frederico Laranjo = José Maria da Andrade = José Maria Barbosa de Magalhães - Julio José Pires = Luiz Fisher Berquó Poças falcão = Vicente Rodrigues Monteiro, relator.

CODIGO COMMERCIAL

Disposições Geraes

Artigo l.° A lei commercial rege os actos do commercio, sejam ou não commerciantes as pessoas que n'elles intervem.
Art. 2.° Serão considerados actos de commercio todos aquelles que Se acharem especialmente regulados n'este codigo, e, alem n'elles, todos os contratos e obrigações dos commerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, só o contrario do proprio acto não resultar.
Art. 3.° Se as questões sobre direitos e obrigações commerciaes não poderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei commercial, nem pelo seu espirito, nem pelos casos analogos n'ella prevenidos, serão decididas pelos principio. geraes do direito civil.
Art. 4.° Os actos commerciaes serão regulados:
1.° Quanto á substancia e effeitos das obrigações, pela lei do logar onde forem celebrados, salva convenção em contrario, quando permittida;
2.° Quanto ao modo do seu cumprimento, pela do logar onde este se realisar;
3.° Quanto A fórma externa, pela lei do paiz onde forem celebrados, salvo nos casos em que a lei expressamente ordenar o contrario.
§ unico. A convenção a que se refere o n.° 1.° d'este artigo será permittida, quando d'ella não resultar offensa ao direito publico portuguez ou aos principies de ordem publica.
Art. 5,° Os portuguezes que, entre si, ou com estrangeiros contrahirem obrigações commerciaes fóra do reino, e os estrangeiros que, entre si ou com portuguezes no reino as contratarem, podem ser demandados perante os competentes tribunaes do reino, pelos nacionaes ou estrangeiros com quem as hajam contraindo, se n'elle tiverem domicilio ou forem encontrados.
Art. 6.° Todas as disposições d'este codigo serão applicaveis ás relações commerciaes com estrangeiro; excepto nos casos em que a lei expressamente determine o contrario, ou se existir tratado ou convenção especial que de outra fórma os determine e regule.

LIVRO PRIMEIRO

Do commercio em geral

TITULO I

Da capacidade commercial

Art. 7.° Toda a pessoa, nacional ou estrangeira, que for civilmente capaz de se obrigar, poderá exercer commercio, em qualquer parto d'estes reinos e seus dominios, nos termos e salvas as excepções do presente codigo.
Art. 8.° É prohibido o exercicio do commercio:
1.° Ás associações ou corporações que não tenham por objecto interesses materiaes;
2.º Aos que por lei ou disposições especiaes não possam negociar.
Art. 9.° O menor fica pela emancipação habilitado a exercer commercio, como se fosse maior.
Art. 10.º O varão casado responde pelas obrigações commerciaes contrahidas, quer antes quer depois do casamento, sem outorga da mulher, quando por direito necessaria, pelos seus bens proprios, e, na falta ou insufficiencia d'estes, pela sua meação nos bens communs.
§ unico. N'este ultimo caso, se o credor obtiver sentença judicial contra o marido, poderá immediatamente dal a á execução, mas, feita a penhora em quaesquer bens do casal, será a mulher citada, e poderá no decendio requerer simples separação judicial de bens, suspendendo-se em tal raso a execução emquanto aquella não for decretada e se não achar partilhado o casal.
Art. 11.° A mulher que praticar qualquer acto de commercio por conta propria ou associada com outrem, nos casos em que tal lhe é permittido, não póde reclamar contra o que d'elles derivar beneficio algum concedido pela lei nacional ou estrangeira ás pessoas do seu sexo.
Art. 12.° O conjuge separado de pessoa o bens, ou simplesmente separado judicialmente de bens, responde pelas obrigações mercantis que contrahir por todos os seus bens, podendo, para actos de commercio, empenhal-os, vendel-os, hipothecal os e alienal-os de qualquer fórma, sem auctorisacão do outro conjuge.
Art. l3.° A capacidade commercial dos portuguezes que contrahem obrigações mercantis em paiz estrangeiro, e a dos estrangeiros que as contrahem em territorio portuguez, será regulada pela lei nacional de cada um, salvo quanto aos ultimos n'aquillo em que for opposta; ao direito publico portuguez.

TITULO II

Dos commerciantes

Art. 14.° São commerciantes:
1.° As pessoas, que, tendo capacidade para exercer commercio, fazem d'elle profissão habitual;
2.º As sociedades commerciaes.
Art. 15.° As dividas provenientes de actos commerciaes contrahidas só por um dos esposos que for commerciante, ou só pelo marido commerciante, sem outorga da mulher, presumir se-hão, applicadas em proveito commum dos conjuges.
Art. 16.° A mulher casada commerciante póde, sem auctorisação especial do marido, estar em juizo, empenhar bens mobiliarios, e hypothecar os seus bens proprios immobiliarios não dotaes, comtanto que seja por causa do seu trato.
§ unico. A mulher casada, embora commerciante, não póde associar se commercialmente assumindo responsabilidade illimitada, sem auctorisação especial do marido.
.Art. 17.º O estado, o districto, o municipio e a parochia não podem ser commerciantes, mas podem nos limites das suas attribuições praticar actos de commercio, e quanto a estes ficara sujeitos ás disposições d'este codigo.
Art. 18.° Os commerciantes são especialmente obrigados:
1.º A adoptar uma firma;
2.° A ter escripturação mercantil;
3.º A lançar no registo commercial os documentos a elle sujeitos;
4.° A dar balanço, e a prestar contas.

TITULO III

Da firma

Art. 10.° Todo o commerciante exercerá o commercio, e assignará quaesquer documentos a elle respectivos, sob um nome, que Constituirá a sua firma.
§ unico. As sociedades anonymas existirão, porém, independentemente de qualquer firma e designar-se hão

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apenas por uma denominação particular, sendo comtudo applicavel a esta as disposições do presente codigo relativas ás firmas.
Art. 20.° O commerciante que não tiver com outrem sociedade, não poderá tomar para firma senão o seu nome, completo ou abreviado, conforme se tornar necessario para a perfeita identificação da sua pessoa, e, se lhe convier, da especie de commercio que exercer.
Art: 21.° A firma de uma sociedade em nome collectivo deve, quando não individualisar todos os socios, conter pelo menos o nome ou a firma de um d'elles, com o additamento abreviado ou por extenso a e companhia"
Art: 22.° A firma das sociedades commanditarias deve Conter; pelo menos o nome de um dos socios que forem de responsabilidade illimitada e um additamento que indique a existencia de sociedade em commandita.
§ unico. Os nomes dos socios commanditarios não podem figurar na firma social.
Art. 23.° A denominação das sociedades anonymas deve, quanto possivel, dar a conhecer o seu objecto, não podendo em caso algum conter nomes de socios ou de outras pessoas, e sera sempre precedida ou seguida das palavras "sociedade anonyma, responsabilidade limitadas.
Art. 24.° O novo adquirente de um estabelecimento commercial póde continuar a geril o sob a mesma firma, se os interessados n'isso concordarem, additando-lhe a declaração de haver n'elle succedido, e salvas as disposições dos artigos precedentes.
§ unico: É prohibida à adquisição de uma firma commercial sem a do estabelecimento a que ella se achar ligada.
Art. 25.° Quando em uma sociedade houver modificação pela entrada; saída; ou morte de um socio, póde apesar d'isso continuar sem alteração a firma social, precedendo porém, no caso de n'ella figurar o nome do socio que se retirar ou fallecer, assentimento d'elle ou de seus herdeiros, e devendo reduzir-se a escripto e publicar-se o respectivo accordo.
Art. 26.° Todo o commerciante deverá, para gosar dos direitos que como tal este codigo lhe reconhece, e da protecção que á firma dispensa, fazer lançar esta no registo do commercio, em cuja circumscripção se achar o seu principal estabelecimento, e nos em que tiver succursaes.
Art. 27.° A firma que cada commerciante adoptar deve ser completamente distincta das que já; se acharem registadas na respectiva circumsenpção.
Art. 28.° O uso illegal de uma firma de commercio dá direito aos interessados a exigir a prohibição de tal uso, e a indemnisação por perdas e damnos, alem da acção criminal, se aceite houver logar.

TITULO IV

Da escripturação

Art. 29.° Todo o commerciante é Obrigado a ter livros que dêem a conhecer, facil, clara, e precisamente as suas operações commerciaes, e a importancia da sua fortuna.
Art. 30.° O numero e especies de livros de qualquer commerciante e á fórma de sua arrumação ficam inteiramente ao arbitrio d'elle, comtanto que não deixe de ter os livros que a lei especifica como indispensaveis.
Art. 31.° São indispensaveis a qualquer commerciante os seguintes livros :
De inventario e balanços;
Diario;
Copiador.
§ unico. Ás sociedades são alem dos referidos indispensaveis outros livros para actas.
Art. 32.° Os livros de inventario e diario serão, antes de escriptos, apresentados ao juiz presidente do tribunal de commercio da circumscripção onde tiverem de servir, para que sejam por elle ou por algum dos seus escrivães a quem der commissão, numeradas e rubricadas as folhas, e depois lançados por um dos escrivães do juizo na primeira pagina um termo de abertura e outro de encerramento na ultima, sendo referendados ambos os termos pelo juiz.
§ 1.° Nas comarcas de Lisboa o Porto commissão para numeração e rubrica póde ser dada a qualquer tabela de notas.
§ 2.° Se depois de começada esta numeração e rubrica o juiz, ou a pessoa por elle encarregada de, as fazer, não as poder concluir, continuadas ha quem o substitua legalmente, ou a pessoa a que se der nova commissão, e o escrivão mencionara essa circumstancia no termo de encerramento.
Art. 33.° O livro de inventario e balanços começará pelo arrolamento de todo o activo e passivo do commerciante, fixando a differença entre aquelle e este o capital com que entra em commercio, e servirá para n'elle se lançarem, dentro dos prasos legaes, os Balanços a que tem de proceder.
Art. 34.° O diario servirá para os commerciantes registarem, dia a dia, por ordem de data em assento separado, cada um dos seus actos que modifiquem ou possam vir a modificar a sua fortuna.
§ 1.° Se as operações relativas a determinadas contas forem excessivamente numerosas, ou quando se hajam realisado fóra do domicilio commercial poderão os respectivos lançamentos ser levados ao diario n'uma só verba semanal ou quinzenal, se a escripturação tiver livros auxiliares onde sujara exaradas com regularidade e clareza e pela ordem chronologica por que se hajam realisado todas as operações parcellares englobadas nos lançamentos do diario.
§ 2.° Os commerciantes de retalho não são obrigados a lançar no diario individualmente as suas vendas, bastando que assentem o producto ou dinheiro apurado em cada dia, assim como o que houverem fiado.!
Art. 35.°O rasão servirá para escripturar o movimento de todas as operações do diario, ordenados por debito e credito, em relação a Cada uma das respectivas contas, para só conhecer o estado e a situação de qualquer d'ellas, sem necessidade de recorrer ao exame e separação de todos os lançamentos chronologicamente escripturados no diario.
Art. 36.° O copiador servirá para n'elle se transladarem, á mão ou por machina, na integra, chronologica e successivamente, as cartas que o commerciante escrever, e os telegrammas que expedir.
Art. 37.° Os livros das actas das sociedades Servirão para n'elles se lançarem as actas das reuniões de socios interessados, ou administradores, devendo cada uma d'ellas expressar a datarem que foi Celebrada, os nomes dos assistentes, os votos emittidos, as deliberações tomadas, e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer é fundamentar estas e ser assignadas pela mesa, quando a houver, e não a havendo, pelos assistentes.
Art. 38.° Todo o commerciante póde fazer a sua escripturação mercantil por si ou por outra pessoa a quem para tal fim auctorisar.
§ unico. Sé o commerciante per si proprio não fizer a escripturação presumir-se-ha que auctorisou a pessoa que a fizer.
Art. 39.° A escripturação dos livros commerciaes será feita sem intervallos em branco, entrelinhas, rasuras, ou transportes para as margens.
§ 1.° Se se houver commettido erro ou omissão por que se dê no acto de lançar algum assento, será immediatamente resalvado, explicando se com clareza em que consistia o erro ou omissão, e reproduzindo-se o assento como devêra ser.
§ 2.° Se, depois do erro commettido, ou de havida a

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334 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPURADOS

omissão, em qualquer assento, se houver procedido a outros, far-se-ha a necessaria rectificação, lançando-se á margem d'aquella uma nota de referencia a esta.
Art. 40.° todo o commerciante e obrigado a emmassar e archivar as cartas e telegrammas commerciaes que receber e os documentos que provarem pagamentos, devendo conservar e guardar tudo e os livros da sua escripturação mercantil pelo espaço de vinte annos.
.Art. 41.° Nenhuma auctoridade, juizo, ou tribunal pode fazer ou ordenar varejo ou diligencia alguma para examinar se o commerciante arruma, ou não devidamente os sues livros de escrituração mercantil.
Art. 42.° A exhibição judicial dos livros de escriptura são commercial por inteiro, e dos documentos a ella relativos, só póde ser ordenada a favor dos interessados, em questões do successão universal, commumhão ou sociedade e no caso de quebra.
Art. 43.° Fóra dos casos previstos no artigo precedente, 60 poderá proceder-se a exame nos livros e documentos dos commerciantes, a instancia da parte, ou de officio, quando a pessoa a quem pertençam tenha interesse ou responsabilidade na questão em que tal apresentação for exigida.
§ unico. O exame dos livros e documentos do commerciante, a haver logar, far-se-ha no escriptorio d'este, em sua presença, e limitar-se-ha a averiguar e extrahir o tocante aos pontos especificados que tenham relação com a questão.
Art. 44.° Os livros de escripturação commercial podem ser admittidos em juizo a fazer prova entre commerciantes, em factos do seu commercio, nos termos seguintes:
1.° Os assentos lançados nos livros de commercio, ainda quando não regularmente arrumados, provam contra os commerciantes, cujos são, mas os litigantes, que de taes assentos quizerem ajudar-se devem acceital os igualmente na parte que lhes for prejudicial;
2.° Os assentos lançados em livros de commercio, regularmente arrumados, fazem prova em favor dos seus respectivos proprietarios, não apresentando o outro litigante assentos oppostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrario;
3.° Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante, regularmente arrumados, resultar prova contradictoria, o tribunal decidirá a questão pelo merecimento de quaesquer provas do processo;
4.° Se entre os assentos dos livros de um e de outro commerciante houver discrepancia, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aquelles farão, fé contra estes, salva a demonstração do contrario por meio de outras provas em direito admissiveis.
§ unico. Se um commerciante não tiver livros de escripturação, ou recusar apresental-os, farão fé contra, elle os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto, sendo a falta dos livros devida a caso do força maior, o ficando sempre salva a prova contra os assentos exhibidos pelos meios admissiveis em juizo.

TITULO V

Do registo

Art. 45.° Na secretaria de cada um dos tribunaes de commercio haverá um registo commercial, a cargo do respectivo secretario, que, n'esta qualidade, terá fé como official publico.
Art. 46.° O registo commercial comprehenderá:
l.º A matricula dos commerciantes em nome individual;
2.° A matricula das sociedades;
3.° A matricula dos navios mercantes, nas secretarias dos tribunaes de commercio com sede nas povoações que forem designadas pelo governo;
4.° A inscripção dos actos sujeitos a registo,
Art. 47.° A matricula dos commerciantes em nome individual é facultativa; a das sociedades, e navios é obrigatoria.
Art. 48.° Os commerciantes em nome individual não matriculados não poderio fazer inscrever no registo commercial acto algum.
Art. 49.° Ficam sujeitos ao registo commercial:
1.° A auctorisação para a mulher commerciar, ou para fazer parte de sociedade commercial em que assuma responsabilidade illimitada, a habilitação judicial d'esta para administrar os seus bens na ausencia ou impedimento do marido, e a revoga ao da referida auctorisação;
2.° As escripturas ante-nupeias dos commerciantes;
3.° As acções de separação e as, de interdição que respeitem a commerciantes;
4.° As procurações escriptas concedidas a quaesquer mandatarios commerciaes, e as respectivas modificação, renuncias, e revogações;
5.° Os instrumentos de constituição e prorogação de sociedade, mudança de firma, objecto, sede ou domicilio social, modificação nos estatutos, reforma, reducção ou reintegração de capital, dissolução o fusão, cedencia da parte de um socio em nome collectivo n'outrem, e, em geral, toda e qualquer alteração no pacto social;
6.° As emissões de acções, obrigações, cedulas, ou escriptos de obrigação geral das sociedades ou de particulares;
7.° As emissões de notas dos bancos;
8.º Os contratos de construcção, grande reparação, adquisição, transmissão, hypotheca de navios, e as alterações e revogações que se lhes façam;
9.° O arresto e a penhora sobre navios.
.Art. 50.° Os livros que hão de servir para o registo commercial serão, antes de começar a servir, legalisados nos termos prescriptos no artigo 32.°
Art. 51.° A matricula dos commerciantes designará a firma commercial do matriculado, a especie de commercio que exerce, a data em que principiou ou deve principiar as suas operações, e o domicilio com especificação das succursaes que haja estabelecido, e sem prejuizo da matricula de cada uma d'estas no competente registo.
§ 1.° Será condição indispensavel para qualquer commerciante obter a matricula o achar-se inscripto na matriz da contribuição industrial..
§ 2.° Toda a modificação, mudança, ou extincção de qualquer firma commercial deve ser averbada com referencia á competente matricula.
Art. 52.° A matricula dos navios indicará o nome do navio, a sua tonelagem bruta, o apparelho, systema e força das machinas sendo vapor; logar e data da construcção do casco e das machinas; material do casco, dimensões principaes, signal distinctivo que tiver no codigo internacional de signaes; e os nomes e domicilios do proprietario, e dos compartes, havendo-os.
§ unico. Achando-se o navio seguro ou classificado, apresentar-se-hão os respectivos documentos, a fim de serem extractados no registo.
Art. 53.° As matriculas o as inscripções serão feitas por extracto e com referencia aos respectivos documentos e declarações pela ordem chronologica das apresentações.
§ 1.° As inscripções serão sempre feitas com referencia á matricula dos negociantes e navios a que disserem respeito.
§ 2.° Os documentos e declarações apresentados ficarão archivados na respectiva secretaria.
Art. 54.° As sociedades constituidas em paiz estrangeiro que queiram estabelecer succursal ou qualquer especie de representação social no reino apresentarão ao registo commercial, alem dos documentos exigidos ás nacionaes, um certificado do competente consul portuguez de se acharem constituidas e funccionando em harmonia com as leis do respectivo paiz.
Art. 55.° Haverá um registo provisorio, que será la-

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vrado no mesmo livro em que forem lançados os registos definitivos.
§ unico. Podem ter registo provisorio:
1.° As escripturas ante-nupeiaes dos commerciantes;
2.° As acções mencionadas no n.° 3.° do artigo 49.°;
3.° Os instrumentos de transmissão e de hypotheca de navios;
4.° Os titulos de constituição provisoria das sociedades por acções;
5.° As actas das sociedades contendo deliberações de reducção do capital social, fusão, ou prorogação da sociedade;
6.° Em geral todos os actos mencionados no artigo 49.° ácerca de cuja legalidade para serem admittidos a registo definitivo o secretario duvide.
Art. 56.° Os registos feitos provisoriamente, nos termos do artigo antecedente, convertem-se em definitivos pela fórma seguinte:
o do n.° 1.° pela apresentação da respectiva certidão de casamento;
o do n.° 2.° pela da competente sentença passada em julgado;
o do n.° 3.° pela do titulo por que se efectuou no contrato;
o do n.° 4.° pela dos documentos exigidos no § 8.° do artigo 164.°; o n.° 5.° pela da certidão comprovativa de não ter havido opposição com respeito ás deliberações, ou de haver sido julgada improcedente a que tivesse sido deduzida nos termos, do artigo 116.°, § unico;
o do n.° 6.° pela de sentença passada em julgado que declarar improcedente a duvida do secretario.
§ l ° Os registos provisorios, quando convertidos em definitivos, conservam a ordem de prioridade que tinham como provisorios.
§ 2.° Os registos provisorios que no praso de seis mezes, contados desde a sua data, não foi em averbados do definitivos, ficam extinctos.
§ 3.° Exceptuam-se do disposto no paragrapho antecedente:
1.° O registo provisorio de acção, o qual produziu todos os seus effeitos, emquanto durar a causa;
2.° O registo, provisorio dos actos ácerca de cuja legalidade, para serem admittidos a registo definitivo, o secretario houver duvidado, o qual produzirá todos os seus effeitos emquanto não for resolvida a final qualquer reclamarão contra elle interposta, se se houver averbado á competente inscripção dentro de trinta dias da data d'esta, certidão de se haver deduzido tal reclamação.
Art. 57.° Os actos sujeitos ao registo commercial só produzirão effeito para com terceiros desde a data do registo o na ordem por que este se acha feito.
§ unico. Se, porem, os actos referidos forem tambem dos sujeitos a registo predial, e n'este se acharem inscriptos, produzirão efeito nos termos d'este artigo, em materia commercial, independentemente de se acharem lançados no registo commercial, desde a data d'aquelle registo.
Art. 58.° São pessoas legitimas para requerer o registo dos actos a elle sujeitos:
1.° Os commerciantes - matriculados, quanto aos actos que lhes disserem respeito;
2.° A esposa ou a mulher de commerciante, sem dependencia n'esta ultima qualidade de auctorisação do marido, seus pães, irmãos, filhos maiores, ou quaesquer outros parentes e os legaes representantes- ou que o tenham sido, quanto ao registo da respectiva escriptura ante-nupeial;
3.º Os donos e os adquirentes de navios, ou os seus consignatarios e correspondentes, quanto á respectiva matricula e transmissão de navios;
4.° Os credores que tiverem hypotheca, penhora ou arresto sobre navios, quanto á inscripção d'estes actos.
§ unico. Nos casos dos n.os 2.° e 4.° d'este artigo o registo
far-se-ha, abrindo-se por essa occasião, se aberta não estiver, a matricula do commerciante ou do navio a que disser respeito, em vista do quaesquer documentos e declinações apresentados pelo registante.
Art. 59.° Os registos podem ser cancellados total ou parcialmente, provando-se por documento competente a extincção completa da obrigação ou do encargo, ou a cessação do facto que deu origem ao registo.
§ 1.° O cancellamento consistirá na declaração feita pelo secretario á margem do respectivo registo de como este fica extincto no todo ou em parte.
§ 2.° É applicavel aos cancellamentos o disposto no § 2.° do artigo 53°
Art. 60.° Os secretarios dos tribunaes commerciaes são obrigados a deixar ver os registos, documentos e declarações archivados a qualquer pessoa que o pretenda, e a passar as certidões, positivas, ou negativas, que lhes sejam pedidas, independentemente de qualquer despacho.
Art. 61.° Nos casos em que os secretarios dos tribunaes commerciaes duvidem ou recusem proceder a quaisquer registo ou cancellamento haverá reclamação para o respectivo juiz.

TITULO VI

Do balanço e da prestação de contas

Art. 62.° Todo o commerciante é obrigado a dar balança annual ao seu activo e passivo nos tres primeiros mezes do imediato anno e a lançar o no livro de inventario o balanços, assignando-o devidamente.
Art. 63.° Os commerciantes são obrigados á prestação de contas nas negociações, no fim de cada uma; no fim de cada anno nas transacções commerciaes, discurso seguido; e no contrato de conta corrente ao tempo do encerramento.

TITULO VII

Dos corretores

Art. 64.° O officio de corretor é pessoal, publico, viril, e de nomeação regia. 65.° A nomeação de corretor só poderá recair em cidadão portuguez natural ou naturalisado, que, alem de ter capacidade commercial, gose de boa reputação, e se acho habilitado em concurso.
§ unico. O corretor nomeado póde ter um proposto, approvado pelo governo, que o substitua no caso de impedimento justificado, expor cujos actos será responsavel.
Art. 66.° As operações dos corretores serão:
l.° Comprar ou vender para os seus committentes mercadorias, navios, fundos publicos, acções de sociedades legalmente constituidas, titulos do riscos maritimos, letras, livranças, cheques, e outros creditos e obrigações mercantis;
2.° Fazer negociações de descontos, seguros, fretamentos e emprestimos;
3.° Proceder ás vendas de fundos publicos, acções e obrigações de bancos e companhias, ordenadas por auctoridade da justiça da respectiva comarca;
4.° Prestar em geral o seu officio para todas as operações de bolsa, e em todos os casos em que a lei exija a sua intervenção.
§ unico. Os corretores de qualquer praça procederão tambem ás vendas dos titulos mencionados no n.°3.º d'este artigo quando lhes forem commettidas pela auctoridade judicial competente de qualquer comarca.
Art. 67.° Os corretores prestarão, antes de entrarem no exercicio das suas funcções, caução idonea ao bom desempenho do seu officio.
§ 1.° Esta caução fica especialmente obrigada á responsabilidade contrahida pelos corretores nas operações em que intervierem.

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§ 2.° O valor da caução não estará sujeito a reclamações por outras responsabilidades contrahidas pelos corretores antes ou depois da sua prestação, e que dimanem de contratos em que elles intervierem sem a qualidade de corretores.
Art. 68.° Os corretores são obrigados:
1.° A certificar-se da identidade e capacidade legal para contratar das pessoas em cujos negocios intervierem, e, quando se der o caso, da legitimidade das firmas dos contrahentes;
2.° A propor com exactidão e clareza os negocios de que forem encarregados, procedendo de modo que não possam induzir em erro os contrahentes;
3.º A guardar completo segredo de tudo que disser respeito ás negociações de que se encarregarem.
4.° A não revelar os nomes dos seus committentes, quando a lei ou a natureza do negocio tal revelação não exigirem e aquelles a não auctorisarem;
5.° A responder pela authenticidade da assignatura do ultimo signatario nas negociações de titulos indossaveis;
6.° A haver do cedente, nas negociações de que trata o numero-anterior, os respectivos titulos, a entregal os ao cessionario, a recebei d'este o preço e a satisfazel-o áquelle, salvo se outro for o uso da praça, ou se os contrahentes tiverem estipulado fazer essas entregas diversamente;
7.° A assistir á entrega das cousas vendidas por sua intervenção, sempre que isso seja exigido por qualquer dos contratantes, ou quando esse for o uso da praça;
8.° A passar, A custa dos interessados e conforme constar dos seus livros, certidão dos assentos respectivos aos contratos d'aquelles, sem dependencia de despacho, e as que lhe forem ordenarias por auctoridade competente.
Art. 69.° Os corretores terão:
Um caderno manual em que assentem, ainda que só a lapis, no momento da conclusão, todas as operações feitas por seu intermedio, indicando resumidamente o objecto e as principaes condições;
Um protocollo, legalisado nos termos prescriptos no artigo 32.°, em que registarão mais desenvolvidamente, dia a dia, por ordem de data, em assento separado, sem abreviaturas nem algarismos, todas as condições das vendas, compras, seguros, negociações, e em geral todas as operações feitas por seu intermedio.
Art. 70.° Os corretores entregarão ás partes no momento em que o contrato se tornar perfeito uma copia dos assentos lançados no seu caderno, e, exigindo-o aquellas, uma copia do contrato igual á do registado no protocollo assignada por elles, e pelas partes, se n'isso concordarem.
§ unico. Ficam salvas as disposições especiaes ás operações de bolsa.
Art. 71.° Os protocollos dos corretores que estiverem regularmente escripturados e conformes com as notas do caderno manual, e bem assim as copias fielmente extrahidas d'elles farão prova em juizo entre os contratantes, quando a validade dos respectivos contratos não dependa por lei de outra formalidade externa, nos mesmos termos em que a fazem os documentos authenticos extra-officiaes.
Art. 72.° Os assentos do caderno manual e os do protocollo dos corretores não aproveitam a estes como meio de prova em juizo.
Art. 73.° Os assentos de que trata o artigo antecedente, e bem assim quaesquer notas ou minutas dadas pelos corretores sobre negociações em que tenham intervindo, farão prova contra elles em caso de reclamação.
Art. 74.° Os livros dos corretores estão sujeitos ao exame dos tribunaes de commercio, e aos dos arbitros, nos casos em que o exame seja judicialmente ordenado.
Art. 75.° Os corretores não podem sem motivo legal recusar-se a prestar os serviços do seu officio a qualquer pessoa que os reclame o se promptifique a prestar as garantias que tenham direito de exigir, sob pena de responderem por todas as perdas e damnos a que a sua recusa tiver dado causa.
§ unico. Exceptuam-se d'esta disposição as negociações sobre descontos de letras, podendo os corretores, em relação a estas, recusar os serviços do seu officio, quando as firmas intervenientes forem desconhecidas na praça, ou quando não tenham conhecimento algum das circumstancias ou da solvabilidade das mesmas.
Art. 76.° O corretor que não revelar a um dos contrahentes o nome do outro torna se responsavel pela execução do contrato, ficando, desde que o haja executado, subrogado nos direitos d'aquelle contra este.
§ 1.° Nos casos previstos n'este artigo o corretor poderá exigir do seu commitente as garantias que julgar necessarias para cobrir a sua responsabilidade.
§ 2.° Sendo a negociação sobre fundos publicos a praso, se, durante este houver alteração nos respectivos cambios ou cotações, o corretor poderá exigir augmento da garantia e, se este lhe não for dado, proceder logo á liquidação.
§ 3.° Para que possa certificar-se em juizo ou fora d'elle que os contratantes tiveram conhecimento da pessoa por conta da qual foi feita a negociação, o corretor poderá exigir d'ella as declarações escriptas que julgar necessarias para cobrir a sua responsabilidade.
Art. 77.° Os corretores, alem da responsabilidade em que, como taes, incorrerem por falta de cumprimento de alguma das obrigações que lhe são impostas nos artigos 68.° e 76.°, ficarão sujeitos á que dimana dos contratos do mandato e commissão, na parte applicavel ás negociações era que intervierem, tendo do mesmo modo contra os committentes os direitos que d'aquelles contratos lhes dimanarem.
Art. 78.° A responsabilidade dos corretores por negocios em que n'esta qualidade tiverem intervindo prescreve no fim de seis mezes, contados da conclusão do contrato.
Art. 79.° A quebra dos corretores presumir-se-ha sempre fraudulenta.
Art. 80.º É prohibido aos corretores:
1.° Exercer commercio por conta propria;
2.° Segurar ou tomar sobre si riscos commerciaes;
3.° Adquirir para si os valores ou os titulos de cuja negociação estiverem incumbidos, salvo tendo de responder por faltas do comprador para com o vendedor;
4.° Prestar caução, quer no proprio escripto do contrato feito por sua intervenção, quer era separado;
5.° Passar certidões que não tenham referencia aos seus livros, podendo, com tu do, quando não haja n'elles assento, attestar o que souberem pelo presencear e ouvir, sendo-lhes ordenado por auctoridade competente;
6.° E em geral tudo que seja contra as disposições das leis e os interesses dos seus committentes.
Art. 81.° Os corretores terão direito a uma corretagem, a qual será fixada na respectiva tabella.
§ 1.° Intervindo na negociação um só corretor, receberá corretagem de cada um dos contratantes, mas, intervindo mais de um, só poderá qualquer d'elles recebel-a do respetivo committente.
§ 2.° A corretagem é devida ao corretor que principiar a negociação, ainda que o committente a conclua por si ou por outrem, ou que deixe de a realisar por accidente imprevisto ou culpa de algum dos contratantes, salvo em qualquer d'estes casos havendo negligencia do corretor.

TITULO VIII
De logares destinados ao commércio
CAPITULO I
Das bolsas
SECÇÃO I
Disposições geraes
Art. 82.° Os estabelecimentos publicos legalmente auctorisados, onde se reunem os commerciantes e os agentes

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de, comercio para concertarem ou cumprirem as operações commerciaes constantes do titulo VII do livro II,. tomarão a denominação generica de bolsas e a especial da praça em que forem situadas, e tambem a da classe de operações a que se destinarem, quando só para alguma ou algumas d'estas tiverem sido creadas.
Art. 83.° A instituição das bolsas depende de auctorisação do governo, ao qual compete fazer os regulamentos necessarios para o regimen, policia e serviço d'ellas.
Art. 84.° A administração superior de cada bolsa será confiada á associação commercial, onde a houver, ou á mais antiga dellas, havendo mais de uma, e não as havendo ao secretario do respectivo tribunal do commercio.
Art. 85.° Nas terras onde houver bolsa será prohibida qualquer reunião em que se tratem operações de bolsa.
§ unico. Os contratos celebrados em qualquer reunião contra o disposto n'este artigo não poderão ser attendidos em juizo.
Art. 86.° As disposições dos artigos antecedentes não inhibem o commerciante de fazer fóra do local da bolsa qualquer negociação de bolsa directamente por si ou por interposta pessoa.
Art. 87.° Nas bolsas em que houver sufficiente numero de corretores organisar-se-ha uma camara composta de cinco d'estes, eleitos annualmente em assembléa geral de corretores, por maioria absoluta de, votos, devendo estes escolher de entre si um syndico que servirá de presidente, um societario e um thesoureiro.

SECÇÃO II
Da cotação da bolsa

Art. 88.° O preço ou curso corrente das negociações sobre fundos publicos e papeis de credito será fixado todos os dias, antes de se fechar a bolsa, formando-se um boletim da cotação.
§ unico. Com referencia a cambios a cotação será feita em vista das participações que os estabelecimentos bancarios serão obrigados a enviar ao syndico da camara dos corretores, onde o houver, e, onde o não houver, ao secretario do tribunal de commercio.
Art. 89.° A camara dos corretores formarão boletim da cotação com assistencia dos corretores que tiverem intervindo nas respectivas negociações com declaração expressa:
1.° Do movimento da alta e baixa que tenham tido os titulos negociaveis, indicando a especie o valor de cada um;
2.° Dos preços mais altos e mais baixos das especies metallicas e dos valores de commercio que se tenham negociado.
Art. 90.° O boletim da cotação será redigido pelo corretor que for secretario da camara, o qual é responsavel pela sua legalidade e exactidão.
Art. 91.° O boletim da cotarão será fielmente registado n'um livro para esse fim paginado e rubricado pelo syndico da bolsa.
§ unico. O registo será feito pelo secretario da camara dos corretores e assignado pelos corretores que tiverem feito a cotação.
Art. 92.° De cada boletim serão tiradas tres copias,
assignadas pelo syndico da camara dos corretores, uma das quaes será enviada ao ministerio das obras publicas, outra á junta do credito publico, e a terceira anisada no logar mais publico da bolsa.

CAPITULO II
Dos mercados, feiras, armazens e lajas

Art. 93.° Os mercados e as feiras serão estabelecidos no logar, pelo tempo, e no modo prescriptos na legislação e regulamentos administrativos.
Art. 94.° Serão considerados para os effeitos d'este coligo, e especialmente para as operações mencionadas no titulo XIV do livro II, como armazens geraes de commercio todos aquelles que forem auctorisados pelo governo a receber em deposito mercadorias, mediante caução, pelo preço fixado nas respectivas tarifas.
Art. 95.° Considerar-se-hão para os effeitos d'este codigo, como armazens ou lojas de venda abertos ao publico:
1.° Os que estabelecerem os commerciantes matriculados
2.° Os que estabelecerem os commerciantes não matriculados, toda a vez que taes estabelecimentos se conservem abertos ao publico por oito dias consecutivos, ou hajam sido annunciados por meio de avisos avulsos ou nos jornaes, ou tenham os respectivos letreiros usuaes.

LIVRO SEGUNDO

Dos contratos especiaes de commercio

TITULO I

Disposições geraes

Art. 96.° Os titulos commerciaes serão validos, qualquer que seja a lingua em que forem celebrados.
Art. 97.° A correspondencia telegraphica sera admissivel em commercio nos termos e para os effeitos seguintes:
§ 1.º Os telegrammas, cujos originaes hajam sido escriptos e assignados, ou sómente assignados ou firmados pela pessoa em cujo nome são feitos, e aquelles que se provar haverem sido expedidos ou mandados expedir pela pessoa designada como expedidor, terão a força probatoria que a lei attribue aos documentos particulares.
§ 2.º O mandato e toda a prestação de consentimento, ainda judicial, transmittidos telegraphicamente com a assignatura reconhecida authenticamente por tabellião são validos o fazem prova em juizo.
§ 3.° Todo o erro, alteração, ou demora na transmissão de telegrammas, serão, havendo culpa, imputaveis, nos termos geraes de direito, á pessoa que lhes deu causa.
§ 4.° Presumir-se-ha isento de toda a culpa o expedidor de um telegramma que o haja feito conferir nos termos dos respectivos regulamentos.
§ 5.° A data do telegramma fixa, até prova em contrario, o dia e a hora em que foi effectivamente transmittido ou recebido nas respectivas estações.
Art. 98.° Havendo divergencia entre os exemplares dos contratos apresentados pelos contrahentes, e tendo na sua estipulação intervindo corrector, prevalecerá o que dos livros d'este constar, sempre que se achem devidamente arrumados.
Art. 99.° Embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes serei regulado pelas disposições da lei commercial emquanto a todos os contratantes, salvas as que só forem applicaveis áquelle ou áquelles por cujo respeito o acto é mercantil ficando, porém, todos sujeitos á jurisdicção commercial.
Art. 100.° Nas obrigações commerciaes os co obrigados são solidarios, salva estipulação contraria.
§ unico. Esta disposição não é extensiva aos não commerciantes quanto aos contratos que, em relação a estes, não constituirem, actos commerciaes.
Art. 101.º Todo o fiador de obrigação mercantil, ainda que não seja commerciante, é solidario.
Art. 102.° Haverá logar ao decurso e contagem de juros em todos os actos commerciaes em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiaes fixados no presente codigo.
§ 1.° A taxa de juros commerciaes só póde ser fixada por escripto.

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§ 2.° Havendo estipulação de juros sem fixação de taxa, ou quando os juros são devidos por disposição legal, os juros commerciaes são de seis por cento
Art. 103.° Os contratos especiaes do commercio maritimo serão era especial regalados nos termos prescriptos no livro III d'este codigo.

TITULO II
Das sociedades

CAPITULO I
Disposições geraes

SECÇÃO I
Da natureza e especies das sociedades

Art. 104.° São condições essenciaes para que uma sociedade se considere commercial:
1.° Que tenha por objecto praticar um ou mais actos de commercio;
2.° Que só constitua em harmonia com os preceitos d'este codigo.
Art. 105.° As sociedades commerciaes serão de uma das especies seguintes:
Sociedade em nome collectivo;
Sociedade anonyma;
Sociedade em commandita.
§ 1.º A sociedade em nome collectivo é caracterisada pela responsabilidade, solidaria e illimitada, de todos os associados
§ 2.° Sociedade anonyma é aquella em que os associados limitam a sua responsabilidade ao valor das acções com que subscreveram para o capital social.
§ 3.° A sociedade em commandita dá-se quando os membros de uma sociedade em nome collectivo dão quinhão nos lucros e perdas sociaes a uma ou mais pessoas que apenas fornecem valor determinado, limitando a este a sua responsabilidade.
Art. 106 ° As sociedades civis, poderão constituir-se sob qualquer das fórmas estabelecidas no artigo lO5.°, mas ficarão n'esse caso sujeitas ás disposições d'este codigo, excepto ás que disserem respeito á fallencia e á jurisdicção.
Art. 107.° Ter-se-hão por não existentes as sociedades com um fim commercial que se não constituirem nos termos e segundo os tramites indicados n'este codigo, ficando todos quantos em nome d'ellas contrataram obrigados pelos respectivos actos, pessoal, illimitada e solidariamente.
Art. 108.º As sociedades commerciaes representam para com terceiros uma individualidade juridica differente da dos associados.
Art. 109.° As sociedades legalmente constituidas em paiz estrangeiro que não tiverem séde, sucursal, ou qualquer especie de representação social no reino poderão, apesar d'isso praticar n'elle os respectivos actos de commercio não contrarios á lei nacional
Art. 11.º As sociedades que se queiram constituir em paiz estrangeiro, mas que devam ter séde no reino e n'elle exercer o principal commercio, serão consideradas para todos os effeitos como sociedades nacionaes, e ficarão sujeitas a todas as disposições d'este codigo.
Art. 111.° As sociedades legalmente, constituidas em paiz estrangeiro que estabelecerem no reino succursal ou qualquer especie de representação social ficam sujeitas as disposições, d'este codigo respectivas ao registo, e á publi-cação dos actos sociaes e dos mandatos dos respectivos representantes a que as correspondentes sociedades nacionaes forem adstrictas.
$ unico. 0s representantes das sociedades a que se refere este artigo contrahem, para com terceiros, a mesma responsabilidade que os administradores das sociedades nacionaes
Art. 112.º As sociedades constituidas em paiz estrangeiro que não houverem satisfeito ás prescripções dos dois artigos anteriores serão sujeitas ás comminações da lei portugueza, ficando os seus representantes, de qualquer especie que sejam, responsaveis pessoa e solidariamente por todas as obrigações sociaes, contrahidas no exercicio das suas funcções.

SECÇÃO II
Da fórma do contrato de sociedade

Art. 113.° O contrato social deve ser sempre reduzido a escripto.
§ unico. As sociedades anonymas e as sociedades em commandita por acções só se poderão constituir por instrumento authentico.
Art. 114.º O titulo constitutivo das sociedades especificará:
1.° Os nomes ou firmas e os domicilios dos associados de responsabilidade illimitada e os dos de responsabilidade limitada, ou o numero e valor nominal das acções;
2.° A firma ou denominação social e o domicilio da sedo, estabelecimentos e succursaes da sociedade;
3.° O objecto da sociedade;
4.° A sua duração ;
5.º A organisação da administração e fiscalisação, declarando se, quando a faculdade de usar da firma social não ficar pertencendo a todos os socios, quem d'ella póde usar;
6.° As vantagens especiaes que porventura se conferirem a alguns socios;
7.º Os poderes das assembléas geraes as condições necessarias á sua constituição e funccionamento e ao exercicio do direito do voto, e a fórma por que os socios se poderão fazer representar;
8.° O modo de proceder á liquidação e partilha no caso de dissolução.
§ 1.º No titulo constitutivo das sociedades em nome collectivo e das em simples commandita especificar-se-ha mais:
l ° A quota do capital de cada um dos socios em dinheiro, creditos ou outros bens, o valor que se lhes attribue o modo de o calcular, e os prasos do seu pagamento;
2.° A proporção em que devem ser repartidos os ganhos e as perdas.
§ 2.° No titulo constructivo das sociedades anonymas e das em commandita por acções especificar- se-ha mais:
1.° A importancia do capital social em dinheiro, creditos ou outros bens, o valor que se lhes attribue, o modo de o calcular, discriminando-se o que se acha subscripto, e o que estiver realisado;
2.º Quasquer vantagens especialmente concedidas aos fundadores;
3.° Se as acções são nominativas ou ao portador, reprocamente convertiveis ou não, e os prasos e importancias de quaesquer pagamentos que ainda haja a fazer.
Art. 115.º Constituindo-se a sociedade por titulo particular, lavrar-se-hão tantos exemplares quantos os associados, e todos serão por estes assignados, devendo as respectivas firmas ser reconhecidas authenticamente.
Art. 116.° Toda a prorogação de sociedade, toda a mudança de firma social, objecto, sede domicilio ou gerencia social, toda a modificação nos estatutos, todo o reforço, reducção ou reintegração de capital, toda a dissolução ou fusão, e em geral toda e qualquer alteração no pacto social deverão efectuar-se pela fórma prescripta para a constituição da respectiva sociedade.
§ unico. O estado porém, de fusão, e de prorogação de quaesquer sociedades e o de reducção do capital social só poderá lavrar-se depois de registada provisoriamente e publicada a respectiva deliberação e não ter avido opposição a esses actos ou ter esta e do julgada improcedente.
Art. 117.º Em todos os contratos relativos a sociedade-

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dos, em toda a correspondencia, publicações, annuncios, e em geral em todos e quaesquer actos que lhes disserem respeito devem ser indicadas claramente a especie e a séde da sociedade.
§ unico. O capital das sociedades anonymas e das em commandita por acções que se achar realisado e existir em conformidade do ultimo balanço approvado, deve ser indicado nos termos d'este artigo.

SECÇÃO II
Das obrigações e direitos dos socios

Art. 118.° Todo o socio é obrigado:
1.° A contribuir para a sociedade com capital ou industria;
2.° A quinhoar nas perdas na proporção convencionada, e, na falta de convenção, na da sua entrada;
3.° A exercer os cargos para que a sociedade o nomear:
4.° A prestar contas justificadas do mandato social.
§ 1.° O capital a que se refere e o n.° 1.° d'este artigo póde consistir em dinheiro, titulos de credito, bens, ou valoras realisados à dinheiro.
§ 2.º O capital representado por titulos do credito só se reputa effectivo e em ser depois de cobrado por conta e á custa do socio, e sob ua privativa responsabilidade.
§ 3.° Os bens ou valores prestados ou promettidos pelos socios, e que fizerem parte integrante do capital social, serão devidamente descriptos e avaliados no instrumento do contrato de sociedade, a fim de que esses, socios respondam pela importancia da sua avaliação, quando seja mister realisal-a.
§ 4.° A industria com que qualquer socio entrar para a sociedade estimar-se-ha na conformidade do disposto no artigo 1263.º do codigo civil.
§ 5.° Os socios que não entrarem para a sociedade com o capital a que se obrigaram nos prados e pela fórma estipulados responderão, alem do capital vencido, pelos respectivos juros, e pelos prejuizos que da sua omissão resultarem á sociedade, salvo o que n'este codigo se determina ácerca de accionistas remissos.
§ 6.° Ficam exceptuados do disposto no n.° 2.° d'este artigo os socios de mera industria que, salva convenção contraria, não respondem por perdas sociaes.
Art. l19. ° Todo o socio tem direito:
1.° A haver parte no dividendo dos lucros, nos termos estabelecidos no n.° 2.° do artigo antecedente;
2.° A escolher os administradores da sociedade, e a tornar-lhes contas na epocha e pela fórma para isso designadas na respectiva convenção ou na lei, e, no silencio de uma e outra, sempre que a maioria dos associados assim o entenda conveniente;
3.° A examinar a escripturação e os documentos concernentes ás operações sociaes, quando a convenção ou a lei social lh'o permitiam, e, no silencio de uma e outra, sempre que o desejem;
4.° A fazer as reclamações ou propostas que julgar convenientes, nos termos da parte final do numero antecedente.
§ unico. E prohibida toda a estipulação pela qual deva algum socio receber juros ou quota certa em retribuição do seu capital ou industria.

SECÇÃO IV
Da dissolução

Art. 120.° As sociedades commerciaes dissolvem-se:
1.° Findo o tempo por quo foram constituidas, não havendo prorogação;
2.° Pela extinção ou cessação do seu objecto;
3.° Por se achar preenchido o fim d'ellas, ou ser impossivel satisfazel-o;
4.° Pela fallencia da sociedade;
5.° Pela diminuição do capital social em mais de dois terços, se os socios não fizerem logo entradas que mantenham pelo menos n'um terço o capital social;
6.° Por accordo dos socios;
l.° Pela fusão com outras sociedades.
§ 1.° As sociedades em nome collectivo dissolvem-se pela morte ou interdicção de qualquer dos socios, e, sendo por tempo indeterminado, pela simples vontade de um dos socios.
§ 2.° As sociedades em commandita dissolvem se pela morte ou interdicção de um dos socios, de responsabilidade illimitada.
§ 3.° As sociedades anonymas dissolvem-se quando por mais de seis mezes tiverem existido com um numero de accionistas inferior a dez e qualquer interessado requeira a dissolução.
§ 4.° Os credores de uma sociedade anonyma podem requerer a sua dissolução, provando que, posteriormente á epocha dos seus contratos, metade do capital social está perdido; mas a sociedade póde oppor-se á dissolução, sempre que dê as necessarias garantias de pagamento aos seus credores.
§ 5.° As disposições dos §§ 1.° e 2.° entender-se-hão sem prejuizo de quaesquer estipulações em contrario.
Art. 121.° Dissolvida a sociedade, todas as, operações iniciadas pelos administradores reputam-se individuaes, sujeitando os a responsabilidade pessoal e solidaria.
§ unico. Esta disposição começará a ter effeito desde os seguintes termos:
1.º Do fim do tempo por que a sociedade foi constituida ou prorogada;
2.° Do dia em que se preencheu o fim d'ella
3.° Do dia da morte ou do registo da sentença de interdicção do socio que tornar impossivel a sua continuação;
4.º Da data em que foi declarada em liquidação pelos socios ou pelo tribunal.
Art. 122.º Dissolvida a sociedade, esta só fica tendo existencia juridica para a liquidação e partilha.
§ unico. Os administradores da sociedade Continuarão a represental a emquanto os liquidatarios não assumir em o exercicio das suas attribuições e até final conclusão da quebra.
Art. 123.° A dissolução de qualquer sociedade será devidamente publicada.

SECÇÃO V
Da fusão

Art. 124.° A fusão de duas ou mais sociedades deve ser deliberada por cada uma das sociedades que pretenderem fundir-se.
§ unico. A deliberação final e conjuncta das sociedades que queiram fundir-se será devidamente publicada.
Art. 125.° A fusão só produzirá effeito tres mezes depois da data da publicação da respectiva deliberação, as, não ser que conste, por fórma authentica, acharem-se satisfeitas todas as dividas de cada uma das sociedades fundidas, ou depositada a importancia d'ellas na caixa geral de depositos.
Art. 126.° Durante o praso fixado no artigo anterior póde qualquer credor das sociedades oppor-se á fusão.
§ unico. A opposição suspenderá a fusão, emquanto não for judicialmente resolvida.
Art. 127.° Expirado o praso fixado no artigo 125.ª,ou satisfeitas as suas outras prescripções, haver-se-ha por effectuada definitivamente a fusão, e a sociedade que se estabelecer tomará todos os direitos e obrigações das sociedades dissolvidas.

SECÇÃO VI
Da prorogação

Art. 128.° Findo o praso marcado, no contrato social para a duração da sociedade, e não havendo outro algum

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motivo de dissolução, poderá esse praso ser prorogado, se os socios n'isso convierem unanimenente, ou se os que se retirarem não representarem mais de um terço do capital social, e os socios restantes lhes liquidarem a sua parte nos termos legaes.
§ unico. A prorogação será devidamente publicada.
Art. 129.° Os credores particulares de quaesquer socios de responsabilidade illimitada, habilitados com sentença passada em julgado, podem oppor-se á prorogação da respectiva sociedade..
§ unico. Esta opposição tem de ser deduzida, para produzir effeito, no decendio posterior á data em que for publicada a deliberação que auctorisa a prorogação.

SECÇÃO VII
Da liquidação e partilha

Art. 130.° O modo da liquidação e partilha do qualquer sociedade commercial será, em tudo quanto se não achar previsto no contraio social, regulado pelas deliberações tomadas cm reuniões ou assembléas geraes de socios, no que não for contrario ás disposições d'este codigo."
Art. 131.° Aos socios devidamente reunidos pertence a nomeação dos liquidatarios, salvas a excepção do § 2.° e as disposições especiaes para o caso de fallencia.
§ 1.° A nomeação de liquidatarios só será valida, sendo feita pelo menos por metade dos socios, e que possuam tres quartos do capital social.
§ 2.º Quando a sociedade for judicialmente havida como não existente peja insanavel nullidade da sua constituição, ou no caso de não se apurar o numero de votos precripto no paragrapho antecedente, deverá o respectivo juizo nomear os liquidatarios.
§ 3.° A substituição de qualquer liquidatario por outro effectuar-se-ha nos termos d'este artigo e seus paragraphos.
Art. 132.° Dissolvida a sociedade, os administradores submetterão á approvação dos socios, em reunião ou assembléa geral, o inventario, balanço, e contas da sua gerencia final, nos tramites e pela fórma por que o deveriam fazer, se se tratasse de inventarios, balanços, e contas annuaes.
Art. 133.° Approvadas as contas da gerencia, com o inventario e balanço, por estes se effeituará a entrega aos liquidatarios de todos os documentos, livros, papeis, fundos e haveres da sociedade, a fim de se começar a liquidação.
Art. 134.° Salvas as estipulações e declarações em contrario, aos liquidatarios compete:
1.° Representar a sociedade em juizo e fóra d'elle;
2.º Promover e realisar a cobrança das dividas activas da sociedade;
3.° Vender bens mobiliarios;
4.° Pactuar com os devedores ou credores em juizo ou fóra d'elle sobre o modo de pagamento das suas dividas activas ou passivas, podendo para esse fim sacar, indossar, e acceitar letras ou titulos de credito;
5.º Partilhar os haveres liquidos da sociedade.
§ 1.º Sem auctorisação expressamente conferida, em reunião ou assembléa geral dos socios, não podem os liquidatarios:
1.° Continuar até á partilha com o commercio da sociedade, e proseguir até final conclusão nas operações pendentes;
2.° Contrahir emprestimos para o pagamento de dividas passivas da sociedade;
3.° Obrigar, hypothecar ou alienar bens immobiliarios, e transigir sobre elles;
4.° Desistir de quaesquer pleitos em que a sociedade seja parte.
§ 2.° A alienação de bens immobiliarios deve effectuar-se em hasta publica, a não ser que uma auctorisação social permitia fazel-a particularmente.

Art.135.º Os socios no acto da nomeação dos liquidatarios fixarão o praso em que a liquidação deve terminar.
$ 1.º Não sendo os liquidatarios nomeados pelos socios ou não designando estes o praso da liquidação, será este determinado pelo respectivo juizo, ouvidos os socios, que para isso serão chamados por editaes de dez dias publicados na folha official.
§ 2.° Se a liquidação não poder terminar no praso marcado pelos socios ou pelo tribunal, poderá ser prorogado uma vez sómente, e por tempo que não exceda metade do que tiver sido primitivamente marcado.
§ 3.° Findo o praso estipulado para a liquidação, sem esta se concluir, será continuada judicialmente, nos precisos termos do artigo 138.°, § unico.
Art. 136.° Os liquidatarios exigirão dos socios o pagamento das quantias por que estes forem responsaveis para com a sociedade e que se tornarem necessarias á satisfação dos respectivos compromissos o das despezas de liquidação.
Art. 137.° Os credores da sociedade preferem aos credores de cada um dos socios, pelo que toca aos bens sociaes, mas não se podendo estes ultimos credores pagar pela parte que no residuo pertencer ao respectivo dever, ficarão subrogados nos direitos d'elle contra os ostros ex-socios por qualquer excesso com que haja contribuido para a sociedade.
Art. 138.° Satisfeitas as dividas passivas ou consignadas as quantias necessarias para o seu pagamento, proceder-se-ha á partilha dos valores que se liquidarem na proporção devida a cada um dos socios.
§ unico. Serão applicaveis ás partilhas entre os socios commerciaes as regras geraes que regulam as partilhas entre co-herdeiros.
Art. 139.° Os liquidatarios apresentarão em cada mez um balancete das operações que realisarem, e prestarão contas todos os annos, nos termos prescriptos para os administradores das sociedades.
Art. 140.° Terminada a liquidação, os liquidatarios submetterão á approvação de quem os tiver nomeado as contas finaes e um relatorio desenvolvido do desempenho do seu mandato, instruindo o com todos os documentos que o devam esclarecer e justificar.
Art. 141.° A responsabilidade dos liquidatarios subsiste, segundo as regras geraes ácerca do mandato, até final approvação das suas contas de liquidação e partilha, salvas as acções a que os ex socios tenham direito pelos erros ou fraudes que contiverem e que posteriormente se averiguarem.
Art. 142.° A neta da approvação final das contas de liquidação e partilha, ou a sentença judicial que sobre ella se proferir será publicada e averbada no respectivo registo, como fixando o termo da existencia juridica da sociedade.
Art. 143.° Na ultima reunião ou assembléa geral dos socios designai só estes quem deva ficar depositario dos livros, papeis de escripturação
e documentos da sociedade para todos os effeitos legaes.
§ 1.° Se a liquidação tiver sido feita em juizo, ou na falta da designação mencionada n'este artigo, serão esses livros, papeis e documentos archivados no cartorio por onde tiver corrido o respectivo processo.
§ 2.° Os documentos a que se refere este artigo serão conservados por cinco annos.
Art. 144.° As sociedades em liquidação serão applicaveis todas as disposições que regem as sociedades vigentes, não incompativeis com a liquidação, e salvas as disposições especiaes.
§ 1.° Os encargos dos administradores passam com á mesma responsabilidade para os liquidatarios.
§ 2.° A liquidação não libera os socios, nem impede a abertura da fallencia.
§ 3.° Em caso de liquidação, a firma social será sem pre acompanhada das palavras "em liquidação".

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SECÇÃO VIII
Das acções e prescripções

Art. 145.° Todo o socio ou accionista, que tiver protestado em reunião ou assembléa geral de socios contra qualquer deliberação n'ella tomada em opposição ás disposições expressas da lei ou contrato social, póde, no praso de vinte dias, levar o seu protesto com as provas que tiver ao tribunal do commercio respectivo, e pedir que se julgue nulla a deliberação, ouvida a sociedade.
Art. 146.° O governo póde promover nos tribunaes do commercio competentes, por intervenção do ministerio publico, as acções que forem necessarias para se haverem como não existentes as sociedades que funccionem ou se estabeleçam em contravenção das disposições d'este codigo.
Art. 147.° Os credores de qualquer sociedade poderão:
1.° Promover judicialmente as entradas de capital estipuladas no pacto social que sejam necessarias á conservação dos seus direitos;
2.° Exercer, contra os socios ou accionistas, os direitos da sociedade relativos ás entradas de capital não realisadas, que bem exigiveis por virtude do contrato, deliberação social, ou sentença judicial.
§ 1.° icumbe aos administradores da sociedade promover o cumprimento das decisões, que os tribunaes proferirem nos termos do n.° 1.° d'este artigo.
§ 2.° A sociedade póde, comtudo, elidir o pedido d'esses credores, satisfazendo-lhes os seus creditos com os juros da móra quando vencidos, ou mediante o respectivo desconto, quando por vencer e com as despezas acrescidas.
Art. 148.° Nas sociedades em que haja representação do capital por acções podem os accionistas que possuirem a quinta parte d'ellas requerer ao juiz competente que, ouvidos os representantes d'essas sociedades, faça procedera um inquerito judicial nos seus livros, documentos, contas, e papeis, cumprindo áquelle designar os pontos de facto sobre que deva versar o inquerito.
Art. 149.° Prescrevem por cinco annos as acções resultantes do contrato de sociedade ou de actos sociaes, se houverem sido feitos os registos e publicações prescriptos n'este codigo.
§ unico. O termo para cata prescripção começará a correr:
1.° Do dia do vencimento da respectiva obrigação;
2.° Da data da ultima publicação da dissolução da sociedade, quando esta se effectuar antes de vencida a obrigação;
3.° Do dia da approvação do balanço final dos liquidatarios, quanto a obrigações resultantes da liquidação;
4.° Da data do averbamento das acções transmittidas, quanto á responsabilidade do transmittente.

SECÇÃO IX
Das publicações

Art. 150.° As publicações sociaes ordenadas n'este codigo effectuar-se-hão:
1.° Na falha official do governo e n'um dos jornaes mais lidos da localidade, quando a sociedade tenha sede no continente do reino;
2.° Na gazeta official da localidade, ou, na sua falta, em um dos jornaes ali mais lidos, quando a sede da sociedade estiver em alguma das ilhas adjacentes, ou das provindas ultramarinas.
§ 1.° Todas as vezes que um terço, ou mais do capital social for subscripto ou fornecido por socios residentes no continente do reino, quando a publicação haja de fazer-se nos termos do n.° 2.º d'este artigo; ou em alguma das ilhas adjacentes ou das provindas ultramarinas, quando haja de observar-se o n.° 1.º, deverão as respectivas publicações, sempre que seja possivel, verificar-se tambem na folha official do governo ou da gazeta official da localidade, qual no caso couber.
§ 2.° Estas publicações serão feitas a expensas da sociedade.

CAPITULO II
Das sociedades em nome collectivo

Art. 151.° Aos socios de uma sociedade em nome colectivo, reunidos pela fórma p-escripta no pacto social compete a decisão e fiscalisação superior dos negocios o interesses sociaes.
§ 1.° As deliberações da sociedade serão tomadas a pluralidade de votos.
§ 2.° A maioria dos socios não póde entrar, em operações diversas das expressamente especificadas na convenção, nem variar ou modificar a especie de sociedade em nome collcetivo, ou as clausulas sociaes, contra o consentimento de um dos socios, só que seja, salva estipulação em contrario no contrato originario.
§ 3.° As deliberações sociaes serão exaradas no livro das actas, sempre que for preciso accordo expresso dos socios.
Art. 152.° Só podem usar da firma da sociedade em nome collectivo, e, como tal, obrigal-a e aos respectivos associados, o socio ou socios devidamente designados no contrato social.
§ 1.° Os socios não auctorisados a usar da firma social não obrigam a sociedade por actos por elles praticados em nome o com a firma d'esta, incorrendo porém na competente responsabilidade civil e criminal.
§ 2.° No silencio do contrato cada um dos socios póde usar da firma social, nos termos d'este artigo.
Art. 153.° Cada socio de sociedade em nome collectivo responderá solidariamente por todas as convenções sociaes, posto que só um d'elles assignasse, uma vez que o houvesse feito com a firma social, e para isso tivesse poderes.
§ 1.° Os credores, porém, de uma sociedade em nome collectivo não serão recebidos a fazer-se pagar pelos bens particulares dos socios, emquanto não se achar esgotado o capital social.
§ 2.° Se alguem, que não for socio de uma sociedade em nome collectivo, incluir o seu nome ou firma na firma social, ficará sujeito á responsabilidade solidaria imposta n'este artigo, alem da criminal em que possa incorrer.
§ 3.° A faculdade de administrar importará sempre o exclusivo do uso da firma social, e, só por expressa delegação da sociedade, póde outro qualquer socio, que não o administrador, usar d'ella em actos que na respectiva procuração lhe houverem sido especialmente commettidos.
Art. 154.° Os socios encarregados da administração de uma sociedade em nome collectivo terão as mesmas faculdades que o codigo civil concede nos artigos 1268.° a 1270.° aos administradores das sociedades civis.
Art. 155.° A administração social concedida a um socio por clausula especial do contrato não póde ser revogada.
§ unico. Se, porém, o socio administrador fizer mau uso da faculdade que lhe foi dada no contrato nos termos d'este artigo, e da sua gestão resultar perigo manifesto ao fundo commum, os mais socios poderão nomear um administrador que intervenha em todos os actos sociaes, ou promover judicialmente a rescisão do contrato.
Art. 156.° Se a faculdade de administrar houver sido concedida por acto posterior ao primordial contrato de sociedade em nome collectivo será revogavel, como simples mandato, a arbitrio dos socios.
§ unico. Para que a revogação haja logar basta que seja resolvida pela maioria dos socios não administradores.
Art. 157.° Os socios de uma saciedade em nome collectivo, para a qual se não haja determinado especie alguma de negocio, não poderão praticar actos commerciaes sem
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previo consentimento da sociedade, sob pena de perderem para esta os beneficies realisados, e responderem individualmente pelos prejuizos soffridos.
Art. 158.° Se a sociedade em nome collectivo tiver sido constituida para determinada especie de commercio, poderão os socios fazer livremente quaesquer operações commerciaes que não sejam da mesma especie, salva estipulação contraria.
Art. 159.° Nenhum socio de uma sociedade em nome collectivo poderá d'ella retirar ou distrahir quantia superior á que houver sido designada para os seus gastos pessoaes, sob pena de ter de reintegrar o excesso retirado ou distraindo, como se não houvesse completado a sua entrada social, e de responder por perdas e damnos.
Art. 160.° Todo o socio de uma sociedade em nome collectivo tem direito a ser indemnisado:
1.° Pela sociedade, - por quaesquer quantias desembolsadas em proveito d'ella, alem do capital a que se obrigou e respectivos juros, pelas obrigações contrahidas em boa fé para vantagem commum social, pelas perdas e damnos que houver soffrido no exercicio de actos praticados como socio e pelos gastos do viagem, sustento e outros resultantes de operação social;
2.° Pelos seus consocios, salvas as convenções em contrario,- pelas quantias com que, por virtude da sua responsabilidade solidaria, haja concorrido para as perdas da sociedade, superiores ás que, guardadas as devidas proporções, lhe competiria satisfazer.
Art. 161.° Para que um socio possa ceder a outrem a sua parte na sociedade em nome collectivo, é necessario que todos os demais socios o auctorisou a isso.

CAPITULO III
Das sociedades anonymas

SECÇÃO I
Da constituição das sociedades anonymas

Art. 162.° As sociedades anonymas só se poderão constituir definitivamente, quando se achem verificadas as seguintes condições:
l.ª Ser de dez, pelo menos, o numero dos associados;
2.ª Estar o capital social integralmente subscripto;
3.ª Terem os subscriptores pago dez por cento em dinheiro do capital por elles subscripto, e achar-se depositada a importancia total na caixa geral de depositos á ordem da administração que for eleita;
4.ª Haver adoptado denominação social que não seja identica á de outra já existente, ou por tal fórma similhante que possa induzir em erro.
§ 1.° As sociedades anonymas de seguros, e todas aquellas cujo capital não for destinado immediata e directamente a realisação do seu objecto, mas servir unicamente de caução subsidiaria das operações sociaes, podem constituir-se com o deposito de cinco por cento do capital subscripto.
§ 2.º As sociedades que tiverem por objecto adquirir bens immobiliarios para os conservar em seu dominio e posse por mais de dez annos só se poderão constituir com especial auctorisacão dos poderes executivo e legislativo, segundo as leis vigentes.
§ 3.° Para a mais facil verificação da condição 4.ª d'este artigo continuará a haver no ministerio das obras publicas, commercio e industria o registo especial das denominações das sociedades anonymas.
§ 4.° O deposito de que trata a condição 3.ª d'este artigo não poderá ser levantado pelos fundadores, e só o poderá ser, apresentando-se a certidão do registo definitivo da escriptura da sociedade.
Art. 163.° Se os que pretenderem fundar uma sociedade anonyma houverem subscripto o capital inteiro, poderão, logo que se achem verificadas as condições exigidas no artigo antecedente, constituir definitivamente a sociedade, outorgando a respectiva escriptura.
Art. 164.° Quando para a constituição definitiva das sociedades anonymas se houver de recorrer a subscripções publicas, devem os fundadores constituir provisoriamente a sociedade, outorgando a respectiva escriptura.
§ 1.° A escriptura celebrada nos termos d'este artigo será publicada e registada provisoriamente na secretaria do competente tribunal do commercio.
§ 2.° Satisfeitos os requisitos exigidos no paragrapho anterior poderão formular-se os programmas para a subscripção que devem indicar:
1.° A data da constituição provisoria feita pelos fundadores, e onde a respectiva escriptura foi outorgada, publicada e registada;
2.° O objecto da sociedade, o capital social e o numero de acções;
3.° As entradas e as condições em que devem realisar-se;
4.° Ás vantagens particulares attribuidas aos fundadores;
5.º Os nomes e domicilios dos directores que porventura se achem nomeados para a primeira administração da sociedade;
6.° Convocação dos subscriptores para uma assembléa, que se verificará dentro de tres mezes, para a constituição definitiva da sociedade;
7.° Indicação da pessoa que ha de presidir á assembléa referida no numero anterior.
§ 3.° É absolutamente prohibido que os fundadores se reservem acções ou obrigações beneficiarias, sendo lhes só permittido reservarem uma percentagem não superior a um decimo dos lucros liquidos da sociedade por tempo não excedente ao de um terço do periodo da duração social, e nunca superior a dez annos, a qual nunca será paga sem se achar approvado o balanço annual.
§ 4.° Recolhidas as subscripções, os fundadores apresentarão no dia fixado á assembléa os documentos justificativos de haverem satisfeito ás condições exigidas no artigo 162.°
§ 5.° N'esta assembléa cada subscriptor terá direito a um voto, seja qual for o numero das acções subscriptas.
§ 6.° Se a maioria dos subscriptores prementes, exceptuando os fundadores, concordar na constituição definitiva da sociedade, haver-se-ha esta por constituida, proceder-se-ha á eleição da direcção, se ella não tiver sido designada na respectiva escriptura, e lavrar-se-ha a acta respectiva.
§ 7.º A sociedade archivará no seu cartorio as subscripções, com todos os demais documentos necessarios á justificação a que se refere o artigo 162.°, devidamente legalisados.
§ 8.° O registo provisorio do contrato social tornar-se-ha definitivo, pela apresentação da acta lavrada nos termos do § 6.°, e dos documentos comprovativos de se acha vem satisfeitas as condições exigidas no artigo 162.°
Art. 165.° Os fundadores de qualquer sociedade anonyma são responsaveis solidaria e illimitadamente pelos actos praticados até á constituição definitiva da sociedade, salvo o regresso contra ella, se houver logar,
§ unico. Se a sociedade se não constituir definitivamente nos termos do § 6.° do artigo 164.°, as consequencias e as despezas dos actos para tal fim praticados pelos fundadores são a seu cargo, sem regresso contra os simples subscriptores.

SECÇÃO II
Das acções

Art. 166.° O capital das sociedades anonymas constituido em dinheiro ou em valores de qualquer natureza é sempre representado e dividido em acções de um valor igual, podendo comtudo o mesmo titulo representar mais de uma acção.

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§ 1.° As acções são sempre nominativas, emquanto o seu valor nominal não estiver integralmente pago.
§ 2.° Depois do integral pagamento das acções os interessados podem exigir que se lhes passem titulos ao porta dor, quando nos estatutos não houver expressa estipulação em contrario.
§ 3.° Antes da entrega das acções aos subscriptores as sociedades poderão passar-lhes titulos provisorios representativos das subscripções, os quaes ficarão, para todos os effeitos, equiparados ás acções.
Art. 167.º As acções serão assignadas por um ou mais directores, e devem conter:
1.° A denominação da sociedade;
2.° A data da sua constituição e a da sua publicação;
3.° A indicação do capital social, as especies de valor em que foi realisado e o numero das acções;
4.° O valor nominal do titulo e as entradas realisadas.
Art. 168.° Haverá na séde da sociedade um livro do registo, de que todo o accionista poderá tornar conhecimento, e d'onde constarão:
1.° Os nomes de todos os subscriptores e os numeros das acções que subscreveram;
2.° Os pagamentos por elles effectuados;
3.° A transmissão das acções nominativas, com a indicação da sua data;
4.° A especificação das acções que se converteram ao portador, e dos respectivos titulos que por ellas se passaram;
5.° O numero das acções consignadas em caução ao bom desempenho dos cargos da sociedade.
§ 1.º A propriedade e a transmissão das acções nominativas não produzirá effeitos para com a sociedade e para com terceiros senão desde a data do respectivo averbamento no livro de que trata este artigo.
§ 2.° Quando differentes individuos vierem a ser comproprietarios de uma acção ou de um titulo ao portador, a sociedade não será obrigada a averbar e a reconhecer a respectiva transferencia, emquanto não elegerem um de entre si, que os represente para com a sociedade quanto ao exercicio dos direitos e cumprimento das obrigações que lhes pertencerem.
Art. 169.° As acções não poderão ser tomadas parte em subscripção particular e outra parte em subscripção publica, e não são negociaveis senão depois da constituição definitiva da sociedade, e tendo-se realisado o pagamento de cincoenta por cento do seu valor nominal.
§ 1.° Exceptuam-se as acções das sociedades mencionadas no § 1.° do antigo 162.°, as quaes serão negociaveis, logo que se acho realisado o pagamento de dez por cento do ,seu valor nominal.
§ 2:° É prohibido ás sociedades comprar, salvo para amortizar, acções proprias ou emprestar sobre ellas.
Art. 170.° Emquanto as acções não estão integralmente pagas, os accionistas subscriptores são responsaveis pela importancia da subscripção.
§ 1.° Os pagamentos em atrazo podem ser exigidos aos subscriptores primitivos e a todos aquelles para quem as acções houverem sido successivamente transferidas.
§ 2.° Aquelle que, por virtude da obrigação imposta n'este artigo, houver de realisar algum pagamento por conta de uma acção de que já não seja proprietario ficará tendo compropriedade n'ella pela importancia que houver satisfeito.
§ 3.° Os estatutos podem estabelecer as penalidades em que os accionistas e subscriptores remissos incorrerão, salvos, porém, sempre os direitos dos credores consignados no artigo 147.°
§ 4.° No caso especial de sociedades, a que se refere o § l.° do artigo 162.°, podem os respectivos estatutos permittir a exoneração da responsabilidade dos transmittentes das acções, verificada a solvabilidade dos adquirentes, e sem prejuizo do direito de quem a esse tempo for credor da sociedade.

SECÇÃO III
Da administração e fiscalisação

Art. 171.° A administração das sociedades anonymas é confiada a uma direcção, e a fiscalisação d'esta a um conselho fiscal, eleitos pela assembléa geral.
§ unico. A primeira direcção póde ser designada no instrumento de constituição da sociedade, não podendo comtudo durar mais de tres annos, e sem prejuizo do direito de revogação.
Art.º 172.° A eleição dos directores será feita de entre os socios por tempo certo e determinado, sem prejuizo da revogabilidade do mandato.
§ l.° Os estatutos determinarão se, findo o praso do mandato, poderá haver reeleição, e, não o determinando, entender-se ha esta prohibida.
§ 2.° Os estatutos tambem indicarão o modo de supprir as faltas temporarias de qualquer dos directores, e, não o indicando, competirá ao conselho fiscal ou, na falta d'este, á mesa da assembléa geral, nomear os directores, até á reunião da mesma assembléa.
Art. 173.° Os directores das sociedades anonymas não contrahem obrigação alguma pessoal ou solidaria pelas operações da sociedade; respondem, porém, pessoal e solidariamente para com ella e para com terceiros, pela inexecução do mandato e pela violação dos estatutos e preceitos da lei.
§ l.ª D'esta responsabilidade são isentos os directores que não tiverem tomado parte na respectiva resolução, ou tiverem protestado contra as deliberações da maioria antes de lhe ser exigida a competente responsabilidade.
§ 2.° Os directores do qualquer sociedade anonyma não podem fazer por conta da sociedade operações a alheias ao seu objecto ou fim, sendo os factos contrarios; a esto preceito considerados violação expressa do mandato.
§ 3.° É expressamente prohibido aos directores distas sociedades negociar por conta propria, directa ou indirectamente, com a sociedade, cuja gerencia lhes estiver confiada, bem como exercer pessoalmente commercio ou industria igual á da sociedade.
Art. 174.° Os directores caucionarão sempre a sua gerencia na fórma estabelecida nos estatutos, e, no silencio d'estes, pela que for determinada em assembléa geral, sem o que não poderão entrar em exercicio.
Art. 175.° O conselho fiscal será composto, pelo menos, de tres socios, eleitos pela assembléa geral nos periodos marcados nos estatutos, da mesma fórma que o são os directores, podendo ser, exonerados em qualquer tempo.
§ 1.° Os estatutos indicarão o modo de supprir as faltas temporarias de qualquer dos membros do conselho fiscal, e, não o indicando, competirá á mesa dá assembléa geral a nomeação até reunião da mesma assembléa;
§ 2.° A reeleição do conselho fiscal só póde verificar-se nos termos do artigo 172.°, § 1.°
Art. 176.° São attribuições do conselho fiscal:
1.° Examinar, sempre que o julgue conveniente, e pelo menos de tres em tres mezes, a escripturação da sociedade;
2.° Convocar a assembléa geral extraordinariamente, quando o julgar necessario, exigindo-se n'este caso o voto unanime do conselho, quando for composto só de tres membros, e de dois terços dos vogaes, quando for composto de maior numero;
3.° Assistir com voto consultivo ás sessões de direcção sempre que o entenda conveniente;
4.° Fiscalisar a administração da sociedade, verificando frequentemente o estado da caixa, e a existencia dos titulos ou valores de qualquer especie é confiados á guarda da sociedade;
5.° Verificar o cumprimento dos estatutos relativamente ás condições estabelecidas para a intervenção dos socios nas assembléas;
6.° Vigiar pelas operações da liquidação da sociedade;

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1.° Dar parecer sobre o balanço, inventario e relatorio apresentados pela direcção;
8.° E, geralmente, vigiar por que as disposições da lei e dos estatutos sejam observadas pela direcção.
Art. 177.° As funcções dos membros da direcção e do conselho fiscal são remunera-las, salva disposição dos estatutos em contrario.
§ unico. Se a remuneração não se achar lixada nos termos d'este artigo, sel-o-ha pela assembléa geral.
Art. 178.° As sociedades annonymas que explorarem concessões feitas pelo estado ou por qualquer corporação administrativa, ou tiverem constituido em seu favor qualquer privilegio ou exclusivo, poderão ser, segundo o caso, tambem fiscalisadas por agentes do governo ou da respectiva corporação administrativa, embora no titulo du constituição se não estabeleça expressamente tal fiscalisação.
§ 1.° Esta fiscalisação limita-se á do cumprimento da lei e dos estatutos, e especialmente ao modo como são satisfeitas as condições exaradas não diplomas das concessães e cumpridas as obrigações estipuladas em favor do publico, podendo para ella proceder-se a quesquer investigações nos archivos e escripturação da sociedade.
§ 2.° Os agentes especiaes de que trata este artigo poderão assistir a todas as sessões da direcção e da assembléa geral, e fazer inserir nas actas as suas reclamações para os effeitos convenientes.
§ 3.° Os agentes especiaes informarão sempre o governo ou a corporação administrativa competente de qualquer falta praticada pelas sociedades, e, no fim do cada anno, enviar-lhe-hão um relatorio circumstanciado.

SECÇÃO IV
Das assembléas geraes

Art. 179.° As assembléas geraes dos accionistas são ordinarias ou extraordinarias.
§ unico. A assembléa ordinaria reune-se, pelo menos, uma vez cada anno nos primeiros quatro mezes depois de findo o exercicio anterior, e deverá:
1.° Discutir, approvar ou modificar o balanço, e o relatorio do conselho fiscal;
2.° Substituir os directores e os vogaes do conselho fiscal que houverem terminado o seu mandato;
3.° Tratar de qualquer outro assumpto para que tenha sido conveada.
Art. 180.° As assembléas geraes extraordinarias serão convocadas sempre que a direcção ou o conselho fiscal as julguem necessarias, ou quando sejam requeridas por accionistas que representem a vigesima parte do capital sub-scripto, salvo exigindo os estatutos maior representação de capital.
§ unico. Na hypothese da convocação ser requerida por accionistas e não só effectuar dentro de oito dias, será ordenada pelo juiz do competente tribunal do commercio, e funccionará logo que se achem satisfeitas as condições dos estatutos.
Art. 181.° A convocação das assembléas geraes será feita por meio de annuncios publicados com quinze dias de antecipação pelo menos, e com as demais condições prescriptas nos estatutos, devendo mencionar-se sempre o assumpto de que tem de occupar-se.
§ unico. É nulla toda a deliberação tomada sobre objecto estranho áquella para que a assembléa geral houver sido convocada, salvo tendo sido communicada aos accionistas não presentes pela mesma fórma da convocação, e não houver protesto dentro do praso de trinta dias.
Art. 182.º A assembléa geral elegerá bienualmente, salva convenção em contrario, de entre os accionistas um presidente, um vice-presidente, dois secretarios e dois vice-se-cretarios.
§ 1.° É permittida a reeleição para estes cargos.
§ 2.° Na falta ou impedimento do presidente e vice-presidente, servirá o maior accionista, ou, quando este não queira ou não possa acceitar esse cargo, o immediato em acções, e assim succesivamente, preferindo o mais veHio em igualdade de circunstancias.
§ 3.° Na falta ou impedimento dos secretarios e vice secretariou, convidará o presidente os dois accionistas que julgar idoneos para esses cargos.
Art. 183.º A assembléa geral será convocada e dirigida pelo presidente ou por quem suas vexes fizer.
§ 1.° Aos secretarios incumbe toda a escripturação relativa á assembléa geral.
§ 2.° As deliberações serão sempre tomadas por maioria absoluta de votos, excepto nos casos em que os estatutos exibirem maior numero.
§ 3.° Nenhum accionista, qualquer que seja o numero das suas acções, poderá representar mais da decima parte dos votos conferidos por todas as acções emittidas, nem mais de uma quinta parte dos votos que se apurarem na assembléa geral.
§ 4.° Sempre que os estatutos exijam a posse de um certo numero de acções para conferir voto em assembléa, poderão os accionistas possuidores de menor numero de acções agrupar-se de fórma a completarem o numero exigido e fazerem se representar por um dos agrupados.
§ 5.° As actas das differentes sessões terão assignadas pelos respectivos presidente e secretarios e lavradas no livro das actas.
Art. 184.° Quando uma assembléa geral regularmente convocada segundo as regras prescriptas nos estatutos não possa funccionar por falta de numero de accionistas, ou por falta de sufficiente representação de capital, os interessados serão immediatamente convocados para uma nova reunião, que se effectuará dentro de trinta dias, mas não antes de quinze, considerando-se como validas as deliberações, tornadas n'esta segunda reunião, qualquer que seja o numero de accionistas presentes e o quantitativo do capital representado.
§ unico. Exceptua-se do disposto n'este artigo o caso de assembléa geral para nomeação de liquidatarios, em que se observará o prescripto no artigo 131.°, § 2.°
Art. 185.º Os accionistas que não tiverem voto nas assembléas geraes, e os portadores das obrigações, podei ao assistir ás assembléas geraes e discutir os assumptos dados para ordem do dia, posto que sem tomarem parte na deliberação, se os estatutos não determinarem o contrario.
Art. 186.° Todo o accionista tem direito de protestar Contra as deliberações tomadas em opposição ás disposições expressas na lei e nos estatutos, e poderá requerer ao respectivo juiz presidente do tribunal do commercio a suspensão da execução de taes deliberações, com previa notificação dos directores.
§ 1.° Às deliberações das assembléas geraes tomadas contra os preceitos da lei ou dos estatutos tornam de responsabilidade illimitada a sociedade, mas sómente para aquelles accionistas que expressamente tenham acceitado taes deliberações.
§ 2.° As resoluções tomadas e os actos praticados pela direcção contra os preceitos da lei ou dos estatutos, ou outra as deliberações das assembléas geraes, não obrigam a sociedade, e todos os que tomarem parte em taes actos ou deliberações ficam pelos seus effeitos pessoal e solidariamente responsaveis, salvo o caso de protesto, nos termos d'este artigo.
Art. 187.° Quando n'uma sociedade anonyma haja accionistas residentes em para estrangeiro que representem pelo menos vinte e cinco por cento do capital subscripto, poderão reunir-se em conferencia com os fins seguintes:
1.º Para o exame e discussão do relatorio e contas annuaes, que a direcção apresentar, e do parecer sobre taes documentos emittido pelo conselho fiscal;
2.° Para de entre si nomearem um ou mais accionistas, que venham á sede da sociedade represental-os na assem-

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bléa geral ordinaria em que for discutido aquelle parecer.
§ 1.° Os accionistas escolhidos em virtude do n.° 2.°, d'este artigo são admittidos na assembléa geral, apresentando a acta da conferencia, devidamente legalisada, contendo:
1.° Indicação nominal dos accionistas que se reuniram;
2.° Declaração de que tiveram conhecimento dos documentos a que se refere o n.° 1.° d'este artigo;
3.° Indicação dos representantes nomeados e dos poderes que lhes foram conferidos.
§ 2.° Estes representantes têem na assembléa geral tantos votos quantos pelos estatutos pertençam aos accionistas committentes.
§ 3.º Para levar a effeito o disposto n'este artigo, seus numeros e paragraphos os accionistas residentes em paiz estrangeiro a que o mesmo artigo se refere nomearão de entre si um para que da administração central receba os exemplares do relatorio, contas e parecer, proceda á sua distribuição, convoque a conferencia, e se corresponda, com o presidente da direcção.
§ 4.° A direcção, logo que o relatorio e documentos a que se refere este artigo tenham sido examinados pelo conselho fiscal, e obrigada a remetter uma copia d'elles ao accionista que tenha sido nomeado, nos termos e para os fins expressos no paragrapho antecedente.
§ 5.° As disposições anteriores não prejudicam o direito que pelos estatutos tenham os accionistas de que se trata de pessoalmente, tomarem parte nos trabalhos da assembléa geral, ou a de mandarem procurador especial que os represente, quando não tenham querido aproveitar-se das concessões d'este artigo e seus paragraphos.
§ 6.° Quando se de o caso previsto e regulado n'este artigo, o praso entre a apresentação do parecer do conselho fiscal e a sua discussão será fixado por fórma que possam inteiramente ser cumpridas as suas disposições.
§ 7.° Salvo o caso a que esto artigo se refere, os accionistas residentes em paiz estrangeiro são sempre equiparados em tudo, e para todos os effeitos, aos accionistas que residam em Portugal.

SECÇÃO V

Dos inventarios, balanços, contas, fundos de reserva e dividendos

Art. 183.° Em todos os semestres os directores das sociedades anonymas apresentarão ao conselho fiscal um resumo do balanço da sociedade.
Art. 189.° No fim de cada anno a direcção apresentará ao conselho fiscal:
1.º Inventario desenvolvido do activo e passivo da sociedade;
2.° conta de ganhos e perdas;
3.° Relatorio da situação commercial, financeira e economica da sociedade, com a indicação suecinta das operações realisadas ou em via de realisação;
4.° Proposta de dividendo, e da percentagem destinada a constituir o fundo de reserva.
§ l.° Nos quinze dias subsequentes á apresentação dos documentos referidos n'este artigo ao conselho fiscal deverá este formular sobre elles o seu parecer, escripto e fundamentado.
§ 2.° Findo este praso, estarão patentes por outros quinze dias todos os documentos a que se refere este artigo, bem como a lista dos accionistas que deverem constituir a assembléa geral, no escriptorio da sociedade, para poderem ser examinados por todos os interessados.
§ 3.° O balanço, com o parecer do conselho fiscal, será enviado a cada accionista que seja portador de titulos nominativos, Oito dias pelo menos antes do praso fixado para a reunião da assembléa geral.
§ 4.° Só depois de findos os prasos fixados n'este artigo e nos paragraphos o de satisfeitos os termos n'elles prescriptos serão os mesmos documentos submettidos á deliberação da assembléa geral.
Art.190.° A approvação dada pela assembléa geral ao balanço o contas de gerencia da administração liberta os directores e os membros do conselho fiscal da sua responsabilidade para com a sociedade, decorridos que sejam seis mezes, salvo provando-se que nos inventarios e balanços houve omissões ou indicações falsas com o fim de dissimular a verdadeira situação da sociedade.
Art. 191.° Dos lucros liquides da sociedade uma percentagem, não inferior, á vigesima parte d'elles, é destinada á formação de um fundo de reserva, até que este represente, pelo menos, a quinta parte do capital social.
§ unico. O fundo de reserva será reintegrado todas as vezes que por qualquer rasão se achar reduzido.
Art. 192.° E expressamente prohibido que nos estatutos se estipulem juros certos e determinados para as acções, as quaes só dão direito á parte proporcional que lhes caiba nos lucros liquidos que effectivamente resultem das operações da sociedade, comprovados pelos balanços.
§ 1.° A distribuição de dividendos ficticios considera-se, violação do mandato por parte dos directores que a tiverem consentido.
§ 2.° Podem comtudo os estatutos, por excepção á disposição anterior, quando as sociedades necessitem de immobilisar em construcções grandes capitães, conceder aos accionistas um juro determinado sobre o capital por elles subscripto e effectivamente pago por um tempo não superior a tres annos e em uma media que não exceda cinco por cento.
§ 3.° No caso previsto no paragrapho anterior, porém, os juros consideram-se despezas de administração, e ficam a cargo dos balanços futuros que accusarem dividendos reaes superiores áquella taxa.

SECÇÃO VI
Das publicações obrigatorias

Art. 193.° Logo que a sociedade esteja constituida serão os seus estatutos publicados.
§ 1.° Quaesquer alterações que se venham a fazer nos estatutos serão igualmente publicadas.
§ 2.° No caso de dissolução da sociedade os seus representantes farão logo publicar a acta da dissolução.
§ 3.º Todos estes documentos estarão patentes no escriptorio da sociedade para que possam ser examinados por qualquer interessado.
Art. 194.° Os balanços das sociedades anonymas, depois de apresentados e discutidos em assembléa geral, serão publicados com os relatorios da administração, parecer do conselho fiscal e a lista geral dos accionistas, com indicação das entradas effectuadas e das que ha direito a exigir por conta da sociedade.
§ unico. Uma copia de todos estes documentos será depositada na secretaria do tribunal do commercio da sede da sociedade, onde qualquer individuo poderá requerer certidão.

SECÇÃO VII
Da emissão de obrigações

Art. 195.° As sociedades anonymas podem emittir obrigações, nominativas ou ao portador, até á importancia do capital já realisado e existente nos termos do ultimo balanço approvado.
§ unico. São considerados obrigações quaesquer escriptos de obrigação geral, seja qual for a sua denominação.
Art. 196.° A emissão de obrigações, embora prevenida no titulo constitutivo, só se poderá realisar com voto affirmativo da assembléa geral.
Art. 197.° A emissão e a transmissão de obrigações ou de quaesquer escriptos de obrigação geral far-se-hão nos termos prescriptos para as acções e nos seguintes:

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1.° O typo das obrigações deve ser identico em cada emissão, podendo porém differir de uma para outra emissão, emquanto ao juro e ao praso da amortisação.
2.° Não póde fazer-se emissão nova autos de subscripta e realisada a anterior, nem com premio tirado a sorte.
§ unico. A adquisição de obrigações proprias por qualquer sociedade sómente é permittida para o fim de conversões.
Art. 198.° As sociedades que emittirem obrigações publicarão mensalmente na folha official os balancetes do seu activo e passivo.

CAPITULO IV
Das sociedades em commandita

Art. 199.º A sociedade em commandita póde ser constituida em commandita simples, quando não ha representação do capital por acções, e em commandita por acções que representem o capital social, abrangendo assim as entradas dos socios em nome collectivo e os fundos prestados pelos socios commanditarios.
Art. 200.° Na associação em commandita são elementos distinctos: a sociedade em nome collectivo, e a commandita de fundos.
Art. 201.° Em tudo quanto não se achar especialmente preceituado n'este capitulo, as sociedades em commandita são respectivamente regaladas pelas dispo-sições applicaveis dos capitulos II e III d'este titulo.
Art. 202.° O socio commanditario que consentir que o seu nome figure na firma social, e os que assim fizerem uso d'ella, serão pessoal, illimitada e solidariamente responsaveis pelos actos em que essa firma intervier.
Art. 203.° Só podem ser gerentes effectivos os socios em nome collectivo que o contrato designar.
§ 1.º Os actos de administração praticados por socios commanditarios sem expressa delegação dos gerentes, auctorisada em reunião dos socios ou pela assembléa não obrigam a sociedade, o envolvem a responsabilidade exclusiva e pessoal de quem os praticar.
§ 2.° Salvo estipulação em contrario, poderá o conselho fiscal, em caso de impedimento ou falta temporaria dos gerentes effectivos, designar de entre os socios commanditarios os que os devam substituir nos actos urgentes; ou de mero expediente, pedindo immediatamente a convocação dos socios ou da assembléa geral, a fim de os confirmar na gerencia provisoria ou nomear outros.
§ 3.° Os gerentes provisorios só respondem pela execução do seu mandato, sem assumir responsabilidade illimitada.
Art. 204.° A responsabilidade dos socios commamditarios é restricta ao valor dos fundos por que se obrigaram, e só, em caso de dolo ou fraude, podem ser compellidos a repor os dividendos que hajam recebido.
Art. 205.° Nas sociedades em commandita por acções o gerente póde ser exonerado por deliberação dos socios ou da assembléa geral em que se achem representados tres quartos do capital social, e com voto favoravel de metade d'esse capital.
§ 1.° Os socios vencidos n'esta deliberação poderão apartar-se da sociedade, obtendo o reembolso do seu capital na proporção do ultimo balanço approvado.
§ 2.° Se o reembolso facultado no paragrapho antecedente importar reducção do capital social, esta só poderá ser levada a effeito nos termos do § unico do artigo 116.º § 3.° Se a revogação não for justificada, o gerente tem direito a perdas e damnos.
Art. 206.° A assembléa geral da sociedade em commandita por acções póde, pela fórma prescripta no artigo antecedente, substituir o gerente exonerado, fallecido, ou interdicto; mas, havendo mais de um gerente, esta substituição tem de ser approvada pelos outros.
§ unico. O gerente que vier substituir o destituido considera-se socio de responsabilidade illimitada.

CAPITULO V

Disposições especiaes às sociedades cooperativas

Art. 207.° As sociedades cooperativas são especialisadas pela variabilidade do capital social, e pela illimitação do numero de socios.
§ 1.° As sociedades cooperativas deverão adoptar para à sua constituição uma das fórmas preceituadas no artigo 105.°, e regular-se-hão pelas disposições que regerem a especie de sociedade, cuja fórma hajam adoptado, com as modificações constantes do presente capitulo.
§ 2.° Qualquer, porém, que seja a fórma social que uma sociedade cooperativa haja adoptado, ficará sujeita ás disposições respectivas ás sociedades anonymas no tocante á publicação do titulo constitutivo e ás alterações que n'este se fizerem, bem como ás obrigações e responsabilidades dos administradores.
§ 3.° As sociedades cooperativas devem sempre fazer preceder ou seguir a sua firma ou denominação social das palavras: "sociedade cooperativa de responsabilidade limitadas ou illimitada" conforme esta for.
Art. 208.° As sociedades cooperativas não podem constituir-se com menos de dez socios.
Art. 209.º O titulo constitutivo deverá, alem das indicações exigidas no artigo 114.°, conforme a especie da sociedade, especificar mais:
1.° As condições para a admissão, exoneração ou exclusão de socios, e as em que estes poderão retirar suas quotas;
2.° O minimo do capital social, e a fórma por que este se acha ou tem de ser constituido.
§ unico. O registo e a publicação dos actos d'estas sociedades na folha official do governo, serão gratuitas.
Art. 210 ° Não são applicaveis ás sociedades cooperativas, as disposições da parte final do n.° 5.° do artigo 120.°, do n.° 2.° do artigo 1(32.° e n.° 3.° do artigo 167.°
Art. 211.° E licito estipular que o pagamento do capital se faça por quotas semanaes, mensaes, ou annuaes, e que, alem d'estas, satisfaça o socio um direito de admissão ou joia, destinado a constituir o fundo de reserva.
Art. 212.° Nenhum socio póde ter n'uma sociedade cooperativa interesse por mais de quinhentos mil réis.
Art. 213.º As acções não poderão ser, cada uma, de mais do cem mil réis; serão nominativas, e só transmissiveis por averbamento no respectivo livro com auctorisação da sociedade.
§ unico. O contrato social poderá conferir á direcção o direito de approvar as transferencias de acções.
Art. 214.° Cada socio terá um só voto, qualquer que seja o numero das suas acções, e não poderá representar mais da quinta parte dos votos presentes na assembléa geral.
Art. 215.° Se a responsabilidade do socio for limitada, nunca será comtudo interior á tua subscripção, ainda que, por virtude da sua demissão ou exclusão, não chegasse a tornal-a effectiva.
Art. 216.° Haverá na sede da sociedade um livro, que estará sempre patente, e d'onde constará:
1.° O nome, profissão e domicilio de cada socio; 2.° A data da admissão, exoneração ou exclusão de cada um;
3.° A conta corrente das quantias entregues ou retiradas por cadasocio.
Art. 217.° A admissão dos socios verifica-se mediante sua assignatura no livro de que trata o artigo anterior.
Art. 218.° Os socios receberão titulos nominativos, que conterão, alem do contrato social, as declarações a que se refere o artigo 216.°, na parte que disser respeito a cada um, e que deverão ser assignados por elles e pelos representantes da sociedade.
§ unico. As indicações das quantias pagas ou retiradas

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pelos socios serão successivamente feitas e assignadas por ordem de suas datas, valendo a assignatura dos representantes da sociedade no primeiro caso, ou do respectivo socio no segundo, por quitação d'essas quantias.
Art. 219.° Os socios admittidos depois de constituida a sociedade respondem por todas as operações sociaes anteriores á sua admissão, na conformidade do contrato social.
Art. 220.° Salva expressa estipulação em contrario, têem os socios o direito dese exonerar da sociedade nas epochas para isso convencionadas, ou, em falta de convenção, no fim de cada anno social, participando-o oito dias antes.
Art. 221.° A exclusão dos socios só póde ser resolvida em assembléa geral, dadas as condições para isso exigidas no contrato social.
Art. 222.° A exoneração e a exclusão de um socio far-se-hão por averbamento lançado no respectivo livro e por elle assignado, ou por notificação judicial, feita, no primeiro caso, á sociedade, o, no segundo, ao socio.
§ 1.° O socio exonerado tem direito a retirar as quotas com que haja contribuido para o capital social, e, no caso do pagamento d'este se não haver effectuado por quotas, a parte que n'esse capital lhe caiba, segundo o ultimo balanço e a sua conta corrente, salva a sua responsabilidade social.
§ 2.° O socio excluido perde o direito ás quotas do capital, salva convenção em contrario.
Art. 223.° As sociedades cooperativas são isentas de imposto de sêllo e de qualquer contribuição sobre os lucros que realisarem.

TITULO III

Da conta em participação

Art. 224.° Dá-se conta em participação quando o commerciante interessa uma ou mais pessoas ou sociedades nos seus ganhos e perdas, trabalhando um, alguns ou todos em seu nome individual sómente.
§ unico. A conta em participação póde ser momentanea, relativa e determinadamente a um ou mais actos de commercio, e successiva, abrangendo até o commercio todo que exercer o que dá participação.
Art. 225.° A conta em participação póde formar-se entre um commerciante ou outra pessoa não commerciante, não podendo, porém, esta celebrar as transacções.
Art. 226.° A conta em participação não representa, para com terceiros, individualidade juridica differente da dos que n'ella intervém e não tem firma ou denominação social, patrimonio collectivo, e domicilio.
Art. 227.° A conta em participação regula-se, salvo o disposto n'este titulo, pelas convenções das partes.
Art. 228.° A formação, modificação, dissolução e liquidação da conta em participação podem ser estabelecidas pelos livros de escripturação, respectiva correspondencia, e testemunhas.
Art. 229.° Por os actos da conta em participação é unicamente responsavel para com terceiros aquelle que os praticar.

TITULO IV

Das emprezas

Art. 230.° Haver-se-hão por commerciaes as emprezas, singulares ou collectivas, que se propozerem:
1.° Transformar pelo fabrico ou manufacturar materias primas, empregando para isso, ou só operarios, ou operarios e machinas;
2.° Fornecer, em epochas differentes, generos, quer a particulares quer ao estado, mediante preço convencionado;
3.° Agenciar negocios ou leilões por conta de outrem em escriptorio aberto ao publico, e mediante salario estipulado;
4.º Explorar quaesquer espectaculos publicos;
5.° Editar, publicar ou vender obras scientificas, litterarias ou artisticas;
6.° Edificar ou construir casas para outrem com materiaes subministrados pelo emprezario;
7.º Transportar, regular e permanentemente, por agua ou por terra, quaesquer pessoas, animaes, alfaias ou mercadorias de outrem.
§ 1.° Não se haverá como comprehendido no n.° 1.° o proprietario ou o explorador rural que apenas fabrica ou manufactura os productos do terreno que agriculta accessoriamente á sua exploração agricola.
§ 2.° Não se haverá como comprehendido no n.° 2.° o proprietario ou explorador rural que fizer fornecimentos de productos da respectiva propriedade.
§ 3.° Não se haverá como comprehendido no n.° 5.° o proprio auctor que editar, publicar ou vender as suas obras.

TITULO V

Do mandato

CAPITULO

Disposições geraes

Art. 231.° Dá se mandato comercial quando alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais actos de commercio por mandado de outrem.
§ unico. O mandato commercial, embora contenha poderes geraes, só póde auctorisar actos não mercantis por declaração expressa.
Art. 232.° O mandato commercial não se presume gratuito, tendo todo o mandatario direito a uma remuneração, pelo seu trabalho.
$ 1.° A remuneração será regulada por accordo das partes, e, não o havendo, pelos usos da praça onde for executado o mandato.
§ 2.° Se o commerciante não quizer acceitar o mandato, mas tiver apesar d'isso de praticar as diligencias mencionadas no artigo 234.°, terá ainda assim direito a uma remuneração proporcional ao trabalho que tiver tido.
Art. 233.° O mandato commercial que contiver instrucções especiaes para certas particularidades do negocio presume se amplo para as outras: e aquelle, que só tiver poderes para um negocio determinado, comprehende todos os actos necessarios á sua execução, posto que não expressamente indicados.
Art. 234.º O commerciante que quizer recusar o mandato commercial que lhe é conferido deve assim communical-o ao mandante pelo modo mais rapido que lhe for possivel, sendo, todavia, obrigado a praticar todas as diligencias de indispensavel necessidade para a conservação de quaesquer mercadorias que lhe hajam sido remettidas, até que o mandante proveja.
§ 1.° Se o mandante nada fizer depois de recebido o aviso, o commerciante a quem hajam sido remettidas as mercadorias recorrerá ao juizo respectivo para que se ordene o deposito e segurança d'ellas por conta de quem pertencer e a venda das que não for possivel conservar, ou das necessarias para satisfação das despezas incursas.
§ 2.° A falta de cumprimento de qualquer das obrigações constantes d'este artigo e seu paragrapho sujeita o commerciante á indemnisação de perdas e damnos.
Art. 235.º Se as mercadorias que o mandatario receber por conta do mandante apresentarem signaes visiveis de damnificações, soffridas durante o transporte, deve aquelle praticar os actos necessarios á salvaguarda dos direitos d'este, sob pena de ficar responsavel pelas mercadorias recebidas, taes quaes constarem doa respectivos documentos.
§ unico. Se as deteriorações forem taes que exijam providencias urgentes, o mandatario poderá fazer vender as mercadorias por corretor ou judicialmente.
Art. 236.° O mandatario é responsavel, durante a

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guarda e conservação das mercadorias do mandante, pelos prejuizos não resultantes de decurso de tempo, caso fortuito, força maior ou vicio inherente á natureza da cousa.
§ unico. O mandatario deverá segurar contra risco de fogo as mercadorias do mandante, ficando este obrigado a satisfazer o respectivo premio, com as mais despezas, deixando sómente de ser responsavel pela falta o continuação do seguro, tendo recebido ordem formal do mandante para não o effectuar, ou tendo elle recusado a remessa de fundos para pagamento do premio.
Art. 237.° O mandatario, seja qual for a causa dos prejuizos em mercadorias que tenha, em si de conta do mandante, é obrigado a fazer verificar em fórma legal a alteração prejudicial occorrente e avisar o mandante.
Art. 238.° O mandatario que não cumprir o mandato em conformidade com as instrucções recebidas, e, na falta ou insuficiencia d'ellas, com os usos do commercio, responde por perdas e damnos.
Art. 239.° O mandatario é obrigado a participar ao mandante todos os factos que possam leval-o a modificar ou a revogar o mandato.
Art. 240.º O mandatario deve sem demora avisar o mandante da execução do mandato, e, quando este não responder immediatamente, presume-se ratificar o negocio, ainda que o mandatario tenha excedido os poderes do mandato.
Art. 241.° O mandatario é obrigado a pagar juros das quantias pertencentes ao mandante a contar do dia em que, conforme a ordem, as devia ter entregue ou expedido.
§ unico. Se o mandatario distrahir do destino ordenado as quantias remettidas, empregando-as em negocio proprio, responde, a datar do dia em que as receber, pelos respectivos juros e pelos prejuizos resultantes do não cumprimento da ordem, salva a competente acção criminal, se a ella houver logar.
Art. 242.° O mandatario deve, sendo-lhe exigido, exhibir o mandato escripto aos terceiros com quem contratar, e não poderá oppor-lhes quaesquer instrucções que houvesse recebido em separado do mandante, salvo provando que tinham conhecimento d'ella ao tempo do contrato.
Art. 243.° O mandante é obrigado a fornecer ao mandatario os meios necessarios á execução do mandato, salva convenção em contrario.
§ 1.° Não será obrigatorio o desempenho de mandato que exija provisão de fundos, embora haja sido acceito, emquanto o mandante não pozer á disposição do mandatario as importancias que lhe forem necessarias.
§ 2.° Ainda depois do recebidos os fundos para a execução do mandato, se for necessaria nova remessa e o mandante a recusar, póde o mandatario suspender as suas diligencias.
§ 3.° Estipulada a antecipação de fundos por parte do mandatario, fica este obrigado a suppri-os, excepto no caso de suspensão de pagamentos ou fallencia do mandante.
Art. 244.º Sendo varias pessoas encarregadas do mesmo mandato sem declaração de deverem obrar conjunctamente, presumir se-ha deverem obrar uma na falta de outra, pela ordem da nomeação.
§ unico. Se houver declaração do deverem obrar conjunctamente, e se o mandato não for acceito por todas, as que o acceitarem, se constituirem maioria, ficam obrigadas a cumpril-o.
Art. 245.° A revogação e a renuncia do mandato, não justificadas, dão causa á indemnisação de perdas e damnos.
Art. 246.° Terminando o mandato por morto ou interdicção de um dos contrahentes, o mandatario, seus herdeiros ou representantes terão direito a uma compensação proporcional ao que teriam de receber no caso do execução completa.
Art. 247.° O mandatario commercial gosa dos seguintes privilegios mobiliarios especiaes:
1.° Pelos adiantamentos e despezas que houver feito, pelos juros das quantias desembolsadas, e pela sua remuneração,- nas mercadorias a elle remettidas de praça diversa para serem vendidas por conta do mandante, e que estiverem á sua disposição em seus armazens ou em deposito publico, e n'aquellas que provar com a guia de transporte haverem-lhe sido expedidas, e a que taes creditos respeitarem;
2.° Pelo preço das mercadorias compradas por conta do mandante,- nas mesmas mercadorias, emquanto se acharem á sua disposição nos seus armazens ou em deposito publico;
3.° Pelos creditos constantes dos numeros antecedente, no preço das mercadorias pertencentes ao mandante, quando estas hajam sido vendidas.
§ unico Os creditos referidos no n.° 1.° preferem a todos os creditos sobre o mandante, salvo sendo provenientes de despezas de transporte ou seguro, quer hajam sido constituidos antes quer depois das mercadorias haverem chegado á posse do mandatario.

CAPITULO II

Dos gerentes, auxiliares e caixeiros

Art. 248.° É gerente de commercio todo aquelle que, sob qualquer denominação, consoante os usos commerciaes, se acha proposto para tratar do commercio de outrem no logar onde este o exerce ou n'outro qualquer.
Art. 249.° O mandato conferido ao gerente verbalmente ou por escripto, emquanto não registado, presume-se geral e comprehensivo de todos os actos pertencentes e necessarios ao exercicio do commercio para que houvesse sido dado, sem que o proponente possa oppôr a terceiros limitação alguma dos respectivos poderes, salvo provando que tinham conhecimento d'ella ao tempo em que contrataram.
Art. 250.° Os gerentes tratam e negociam em nome de seus proponentes: nos documentos que nos negocios d´elles assignarem devem declarar que firmam com poder da pessoa ou sociedade que representam.
Art. 251.° Procedendo os gerentes nos termos do artigo anterior, todas as obrigações por elles contrahidas recaem sobre os proponentes.
§ l.° Se os proponentes forem muitos, cada um d'elles será solidariamente responsavel.
§ 2.° Se o proponente for uma sociedade commercial, a responsabilidade dos associados será regulada conforme á natureza d'ella.
Art. 252.° Fóra do caso prevenido no artigo precedente, todo o contrato celebrado por um gerente em seu nome obriga o directamente para com a pessoa com quem contratar.
§ unico. Se porém a negociação fosse feita por conta do proponente, e o contratante o provar, terá opção de accionar o gerente ou o proponente, mas não poderá demandar ambos.
Art. 253.° Nenhum gerente poderá negociar por conta propria, nem tomar interesse debaixo do seu nome ou alheio em negociação do mesmo genero ou especie da de que se acha incumbido, salvo com expressa auctorisação do proponente.
§ unico. Se o gerente contrariar a disposição d'este artigo, ficará obrigado a indemnisar de perdas e damnos o proponente, podendo este reclamar para si, como feita em seu nome, a respectiva operação.
Art. 254.° O gerente póde accionar em nome do proponente, e ser accionado como representante d´este pelas obrigações resultantes do commercio que lhe foi confiado.
Art. 255.° As disposições precedentes são applicaveis aos representantes de casas commerciaes eu sociedades constituidas em paiz estrangeiro que tratarem habitualmente no reino, em nome d'ellas, de negocios do seu commercio.

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Art. 256.° Os commerciantes podem encarregar outras pessoas, alem dos seus gerentes, do desempenho constante, em seu nome e por sua conta de algum ou alguns dos ramos do trafico a que se dedicam, devendo os commerciantes em nome individual participal o aos seus correspondentes.
§ unico. As sociedades que quizerem usar da faculdade concedida n'este artigo devem consignal-a nos seus estatutos.
Art. 257.° O commerciante póde igualmente enviar a localidade diversa d'aquella em que tiver o seu domicilio, um dos seus empregados, auctorisando o por meio de cartas, avisos, circulares ou quaesquer documentos analogos, a fazer operações do seu commercio.
Art. 258.° Os actos dos mandatarios mencionados nos dois artigos antecedentes não obrigam o mandante senão com respeito á obrigação do negocio de que este os houver encarregado.
Art. 259.° Os caixeiros encarregados de vender por miudo em lojas reputam-se auctorisados para cobrar o producto das vendas que fazem: os seus recibos são validos, sendo passados em nome do proponente.
§ unico. A mesma faculdade têem os caixeiros que vendem em armazem por grosso, sendo as vendas a dinheiro de contado e verificando só o pagamento no mesmo armazem; quando, porém, as cobranças se fazem fóra ou procedem de vendas feitas a praso, os recibos serão necessariamente assignados pelo proponente, seu gerente ou procurador legitimamente constituido para cobrar.
Art. 260.º Quando um commerciante encarregar um caixeiro do recebimento de fazendas compradas, ou que por qualquer outro titulo devam entrar em seu poder, e o caixeiro as receber sem objecção ou protesto, a entrega será tida por boa em prejuizo do proponente; e não serão admittidas reclamações algumas que não podessem haver logar, se o proponente pessoalmente as tivesse recebido.
Art. 261.° A morte do proponente não põe termo ao mandato conferido ao gerente.
Art. 262.° A revogação do mandato conferido ao gerente entender-se-ha sempre sem prejuizo de quaesquer direitos que possam resultar-lhe do contrato de prestação de serviços.
Art. 263.° Não se achando accordado o praso do ajuste celebrado entre o patrão e o caixeiro, qualquer dos contrahentes póde dal-o por acabado, avisando o outro contrahente da sua resolução com um mez de antecedencia.
§ unico. O caixeiro despedido terá direito ao salario correspondente a esse mez, e o patrão não será obrigado a conserval-o no estabelecimento nem no exercicio das suas funcções.
Art. 264.° Tendo o ajuste entre o patrão e o caixeiro um termo estipulado, nenhuma das partes poderá arbitrariamente desligar-se da convenção, sob pena de indemnisar a outra de perdas e damnos.
§ 1.° Julga-se arbitraria a inobservancia do contrato, uma vez que se não funde em offensa feita por um á honra, dignidade ou interesses do outro, cabendo ao juizo qualificar prudentemente o facto, tendo em consideração o caracter das relações de inferior para superior.
§ 2.° Para os effeitos do paragrapho antecedente são consideradas como offensivas:
1.° Com respeito aos patrões, - qualquer fraude ou abuso de confiança na gestão encarregada ao caixeiro, bem como qualquer acto de negociação feito por este, por conta propria ou alheia que não do patrão, sem conhecimento e permissão d'este;
2.° Com respeito aos caixeiros, - a falta do pagamento pontual do respectivo salario ou estipendio, o não cumprimento do qualquer clausula do contrato estipulada em favor d'elles, e os maus tratamentos.
Art. 265.° Os accidentes imprevistos ou inculpados, que impedirem as funcções dos caixeiros, não interrompem a adquisição do salario competente, salva convenção em contrario, e uma vez que a inhabilidade não exceda a tres mezes continuos.
§ unico. Se por effeito immediato e directo do serviço acontecer ao caixeiro algum damno extraordinario ou perda, não havendo pacto expresso a esse respeito, o patrão será obrigado a indemnisal-o no que justo for.

CAPITULO III

Da commissão

Art. 266.° Dá-se contrato de commissão quando o mandatario executa o mandato mercantil sem menção ou allusão alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como principal e unico contrahente.
Art. 267.° Entre o committente e commissario dão-se os mesmos direitos e obrigações que entre mandante e mandatario, com as modificações constantes d'este capitulo.
Art. 268.° O commissario fica directamente obrigado com as pessoas com quem contrata, como se o negocio fosse seu, não tendo estas acção contra o committente, nem este contra ellas, ficando, porém, sempre, salvas as que possam competir, entre si ao committente e ao commissario.
Art. 269.° O commissario não responde pelo cumprimento das obrigações contrahidas pela pessoa com quem contratou, salvo pacto ou uso contrarios.
§ 1.° O commissario sujeito a tal responsabilidade fica pessoalmente obrigado para com o committente pelo cumprimento das obrigações provenientes do contrato.
§ 2.° No caso especial previsto no paragrapho antecedente, o commissario tem direito a carregar, alem da remuneração ordinaria, a commissão del credere, que será determinada pela convenção, e, na falta d'esta, pelos usos da praça onde a commissão for executada.
Art. 270.° Todas as consequencias prejudiciaes derivadas de um contrato feito com violação ou excesso dos poderes da commissão serão, embora o contrato surta os seus effeitos, por conta do commissario, nos termos seguintes:
1.° O commissario que fizer alheação por conta de outrem a preço menor do que lhe fôra marcado, ou na falta de fixação de preço, menor do que o corrente, abonará ao committente a differença de preço, salva a prova da impossibilidade da venda por outro preço e que assim evitou prejuizo ao committente;
2.° Se o commissario encarregado de fazer uma compra exceder o preço que lhe fôra fixado, será do arbitrio do committente, acceitar o contrato, ou deixal-o de conta do commissario, salvo se este concordar em receber sómente o preço marcado;
3.° Consistindo o excesso do commissario em não ser a cousa comprada da qualidade encommendada, o committente não é obrigado a recebel-a.
Art. 271.° O commissario, que sem auctorisação do committente fizer emprestimos, adiantamentos, ou vendas a praso corre o risco da cobrança e pagamento das quantias emprestadas, adiantadas, ou fiadas, podendo o committente exigil as á vista, cedendo no commissario todo o interesso, vantagem ou beneficio que resultar do credito por este concedido e pelo committente desapprovado.
§ unico. Exceptua-se o uso das praças em contrario, no caso de não haver ordem expressa para não fazer adiantamentos nem conceder prasos.
Art. 272.° Ainda que o commissario tenha auctorisação para vender a praso, não o poderá fazer a pessoas conhecidamente insolventes, nem expor os interesses do committente a risco manifesto e notorio, sob pena de responsabilidade pessoal.
Art. 273.° O commissario que vender a praso deve, salvo o caso de haver del credere, expressar nas contas e avisos os nomes dos compradores; de contrario é entendido que a venda se fizera a dinheiro de contado.

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§ unico. O mesmo praticará o commissario em toda a especie de contratos que fizer de conta alheia, uma vez que os interessados assim o exijam.
Art. 274.° Nas commissões de compra o venda de letras, fundos publicos e titulos de credito que tenham curso em commercio, eu do quaesquer mercadorias e generos que tenham preço de bolsa ou de mercado, pôde o commissario, salva estipulação contraria, fornecer como vendedor, as cousas que tinha de comprar, ou adquirir para si como comprador as cousas que tinha do vender, salvo sempre o seu direito á remuneração.
§ unico. Se o commissario, quando participar ao committente a execução da commissão em algum dos casos referidos n'este artigo, não indicar o nome da pessoa com quem contratou, o committente terá direito de julgar que elle fez a venda ou a compra por conta propria, e de lhe exigir o cumprimento do contrato.
Art. 275.° Os commissarios não podem ter mercadorias de uma mesma especie, pertencentes a diversos donos, debaixo de uma mesma marca, sem distinguil-os por uma contra-marca, que designe a propriedade respectiva.
Art. 276.° Quando debaixo de uma mesma negociação se comprehendem mercadorias de committentes diversos, ou do mesmo commissario com os de algum committente, deverá fazer-se nas facturas a devida distincção, com a indicação das marcas e contra-marcas, que designem a procedencia de cada volume, e notar-se nos livros, em artigos separados, o que a cada proprietario respeita.
Art. 277.° O commissario, que tiver creditos contra uma mesma pessoa, procedentes de operações feitas por conta de committentes distinctos, ou por conta propria e alheia, notará era todas as entregas que o devedor fizer o nome do interessado por cuja conta receber, e o mesmo fará na quitação que passar.
§ unico. Quando nos recibos e livros se omittir o expressar a applicação da entrega feita pelo devedor de operações e de proprietarios distinctos, far-se-ha a applicação pro rata do que importar cada credito.

TITULO VI

Das letras, livranças e cheques

CAPITULO I

Das letras

SECÇÃO I

Da natureza e fórma das letras

Art. 278.° A letra deve conter:

1.º A indicação da quantia a satisfazer;
2.° O nome ou firma d´aquelle que a deve pagar;
3.° A indicação da pessoa ou da firma a quem ou á ordem de quem deve ser paga;
4.° A assignatura do sacador.
Art. 279.° Quando a indicação da quantia a satisfazer se achar feita por extenso e em algarismos, e houver divergencia entre uma o outra, prevalecerá a que estiver feita por extenso.
§ unico. Se a indicação da quantia a satisfazer se achar feito, por mais de uma vez, por extenso, ou, por mais de uma vez, em algarismos, e houver divergencias entre as diversas indicações, prevalecerá a que se achar feita pela quantia inferior.
Art. 280.° A simples denominação de "letras implica o ser ella á ordem, salva declaração em contrario.
Art. 281.° O escripto em que faltar algum dos requisitos exigidos no artigo 278.° não produzirá effeito como letra.
Art. 282.° A letra será datada e indicará a epocha e o logar do pagamento.
§ 1.° No caso da letra não ser datada, incumbirá ao portador, havendo contestação, a prova da data.
§ 2.° Se a letra não enunciar a epocha do pagamento, será pagável á vista.
§ 3 ° Se a letra não indicar o logar do pagamento, terá pagavel no domicilio do sacado.

SECÇÃO II

Do saque

Art. 283.° O sacador é pessoalmente garante para com o portador pela acceitação e pagamento da letra que sacar.
Art. 284.° Entre commerciantes, e por dividas provenientes de actos commerciaes, o credor, salva convenção em contrario, tem direito de sacar sobre o seu devedor até á importancia do seu credito.
§ unico O acceite feito pelo sacado exonera-o de uma importancia igual á devida por elle ao sacador.
Art. 285.° A letra póde ser sacada:
1.º Á ordem do proprio sacador;
2.° Sobre um individuo e a pagar no domicilio de um outro;
3.° Por ordem e por conta de um terceiro.
§ unico. A letra pagavel á ordem do sacador só se torna perfeita pelo acceite ou pelo indosso.
Art. 286.° A letra póde ser sacada por uma ou mais vias.
§ 1.° Se a letra for sacada a mais de uma via, deve cada exemplar fazer menção do numero dado, sob pena do sacador responder por perdas e damnos.
§ 2.º No caso previsto no paragrapho anterior, cada exemplar da letra vale por todas quantas formam o jogo das que houverem sido sacadas.

SECÇÃO III

Do acceite

SUB-SECÇÃO I

Do acceite pelo sacado

Art. 287.° A apresentação ao acceite só é obrigatoria para as letras pagaveis a certo termo de vista.
§ unico. O portador de uma letra pagavel a certo termo de vista deve, sob pena de perder o seu direito de regresso, apresental-a ao acceite, no praso indicado na letra, e, na falta de indicarão, dentro de quatro mezes da data, se a letra for sacada no mesmo continente, e de oito mezes, se for sacada em outro continente.
Art. 288.° O acceite deve ser escripto na propria letra e assignado pelo acceitante, valendo porém, como acceite a simples assignatura do sacado apposta na parte anterior.
§ l.° O acceite. de uma letra deve ser feito dentro das vinte e quatro horas da apresentação, não podendo ser condicional, posto que possa ser restricto quanto á importancia sacada.
§ 2.° Se a letra for sacada a certo termo de vista, deverá o acceito ser datado, sob pena de se tornar a letra exigivel no termo n'ella declarado, a contar da data do saque, e de, achando-se vencida, ser cobravel no dia seguinte ao da apresentação.
§ 3.° O sacado póde, se houver retido a letra, annullar ou riscar o seu acceite, emquanto o praso das vinte e quatro horas concedido n'este artigo não houver expirado.
§ 4.° Aquelle que retiver a letra apresentada alem do termo fixado n'este artigo é responsavel para com o portador, por perdas e damnos.
§ 5.° No caso do sacador querer reter a letra pelas vinte e quatro horas de que tratam este artigo e seus paragraphos e o portador o consentir, deverá aquelle passar

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competente recibo, pondo n'este caso a data do dia e a hora em que a letra foi apresentada.
Art. 289.° Se a letra for pagavel em logar diverso do domicilio do sacado, este deve, na falta de indicação da letra, designar no acto do acceite a pessoa que a deve pagar, sob pena de ficar elle mesmo obrigado a effectuar pessoalmente o pagamento no logar indicado.
Art. 290.° O acceitante de uma letra contrahe pelo acceite a obrigação de pagar a importancia d'ella.
§ unico. A obrigação do acceitante subsiste ainda no caso do saccador ter fallido antes do acceite, desde que aquelle o ignorasse.
Art. 291.° A falta de acceite total ou parcial deve ser comprovada no domicilio do sacado por um termo de protesto.
Art. 292.° Notificado o protesto, os indossados, o sacador e o dador de aval são, respectiva e solidariamente, obrigados a prestar caução ao pagamento da letra no sou vencimento, ou a effectuar o reembolso d'ella, despezas de protesto e mais que legitimas forem.
§ unico. Esta caução só assegura as obrigações d'aquelle que a prestou.
Art. 293.° Se o portador da letra a certo termo de vista não a apresentar para o acceite nos prasos marcados, ou não a protestar dentro de oito dias, perderá todo o direito a exigir dos indossantes a caução ou o deposito, ou o pagamento, e só conservará o seu direito contra o sacador, salvo caso de força maior.

SUB-SECÇÃO 2.ª

Do acceite por intervenção

Art. 294.º A letra, que não for acceita pelo sacado, podel-o-ha ser por um terceiro que intervenha pelo sacadoe ou por um dos indossantes, ao tempo de protestar-se dr não acceita, por virtude de incumbencia feita na propria letra por algum d'aquelles.
Art. 295.° Se a letra não for acceita, nem pelo sacado, nem pelas pessoas n'ella incumbidas de intervirem, podel-o-ha ser por um terceiro, ainda que para tal não tenha incumbencia.
Art. 296.° Apresentando-se muitas pessoas para acceitar por intervenção uma letra não acceita, serão preferidas na ordem seguinte:
1.° As que forem incumbidas de intervir;
2.° As que se apresentarem sem incumbencia a intervir.
§ 1.° A preferencia entre as pessoas que se apresentarem a preferir por incumbencia, e entre as que sem incumbencia se apresentarem, será dada á que desonerar maior numero de obrigados.
§ 2.° Apresentando-se muitas pessoas em igualdade de circumstancias, o portador escolherá entre ellas a que dever fazer o acceite.
§ 3.° Se o portador deixar de escolher a pessoa que desonerar maior numero de obrigados, perde o direito e acção contra aquelles que ficariam desonerados.
§ 4.° Podarão intervir como terceiros para acceitarem, o proprio sacado e o incumbido de intervir, posto houvesse n'esta qualidade recusado o acceite.
Art. 297.º Na falta de acceite pelo sacado, o portador conserva todos os seus direitos contra o sacador e indossantes, sem embargo de qualquer acceite por intervenção, se não se conhecer do protesto que n'esta consentiu.
Art. 298.° A intervenção será mencionada no instrumento do protesto de não acceite e assignada pelo interveniente.
§ unico. Não se declarando por honra de quem se fez a intervenção, entender-se-ha ser por honra do sacador.
Art. 299.° Todo o interveniente é obrigado a participar a sua intervenção á pessoa por quem interveiu, pena de responder por perdas e damnos, a haverem logar.
§ unico. Esta participação dever-se-ha fazer, pelo menos, por correspondencia registada, lançada no correio nas quarenta e oito horas seguintes ao evento.

SECÇÃO IV

Do indosso

Art. 300.° O indosso deve ser escripto na letra ou, quando necessario, sobre uma folha annexa á letra, e era que ella esteja integralmente transcripta ou por outro meio sufficientemente individualisada.
§ 1.° Para o indosso ser valido, basta que o indossante haja assignado o seu nome ou a sua firma no verso da letra ou da folha annexa.
§ 2.° O portador póde preencher o indosso feito nos termos do paragrapho anterior, ou transmittil-a sem o fazer.
§ 3.° O indosso será datado: se o não for, incumbe ao portador, havendo contestação, fixar a data.
Art. 301.° O indosso transfere a propriedade da letra com todas as garantias, pessoaes ou reaes, que a asseguram.
§ unico. As clausulas restrictivas que um indossante acrescente ao indosso aproveitam a todos os indossantes posteriores.
Art. 302.° O indosso de letras posterior ao vencimento tem o simples effeito de cessão de creditos, salvas as convenções entro o cedente e o cessionario, mas sem prejuizo de terceiros, nem da sua natureza commercial.
Art. 303.° Se a letra tiver sido indossada ao sacador ou a qualquer dos indossantes anteriores, e se houver sido , de novo por elles indossada antes do vencimento, todos os indossantes ficam, não obstante, obrigados para com o portador.

SECÇÃO V

Do aval

Art. 304.° Independentemente do acceite e do indosso o pagamento da letra póde ser garantido por aval.
Art. 305.° O aval póde ser escripto na propria letra, ou prestado em documento separado, e até por carta.
§ unico. A simples assignatura apposta por um terceiro no verso da letra importa prestação de aval.
Art. 306.° O dador de aval é solidariamente adstricto ás mesmas obrigações e fica sujeito ás mesmas acções que incumbem á pessoa afiançada.
§ unico. A responsabilidade do dador de aval subsiste ainda no caso de não ser valida a obrigação por incapacidade da pessoa que a contrahiu, salva a excepção prevista no $ 2.º do artigo 822.° do codigo civil.
Art. 307.° Se não se achar declarada a pessoa por quem se dá o aval, entender-se-ha, estando a letra acceite, ser pelo acceitante, e, não o estando, ser pelo sacador.
Art. 308.° O dador de aval que paga a letra vencida fica subrogado nos direitos que competiam ao portador contra a pessoa a favor de quem foi dado o aval e contra os obrigados anteriores.

SECÇÃO

VI Do vencimento

Art. 309.º Se a letra indicar o dia do pagamento, será vencivel n'esse mesmo dia; - se indicar o meiado de um mez, será vencivel no dia quinze d'esse mez ;--se indicar o principio ou o fim de um mez ou de um anno, será vencivel no primeiro ou no ultimo dia d'elles.
Art. 310.° O vencimento de uma letra á vista será no dia da sua apresentação; o vencimento de uma letra a termo de vista fixa se pela data do acceite ou pela do protesto, na falta de acceite; o vencimento da letra sacada a pagar em feira será no ultimo dia d'esta.
Art. 311.° Entender-se-ha por dia o espaço de vinte o quatro horas, começando-se a contar da primeira hora de-

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pois da meia noite; os annos serão os que se acham fixados pelo kalendario gregoriano, e os mezes serão computados em trinta dias.
§ unico. No termo de determinado numero de dias não se conta no praso o dia em que elle começar, mas conta-se aquelle em que findar.
Art. 312.° A letra julga-se vencida, desde o momento que quebra aquelle contra quem foi sacada, podendo o portador protestal-a desde logo.
Art. 313.° No caso previsto no artigo anterior o sacador ou indossados podem, prestando fiança, differir o pagamento até o dia do vencimento ordinario da letra.

SECÇÃO VII

Do pagamento

SUB-SECÇÃO

Disposições geraes

Art. 314.° O portador de uma letra deve apresental-a a pagamento no dia do vencimento.
§ 1.° A letra será pagavel no dia do vencimento, dentro das horas da bolsa, onde a houver, e até ao pôr do sol, onde a não houver.
§ 2.° Recaindo o dia do vencimento em um domingo ou dia santo, o pagamento deve ser feito no primeiro dia seguinte que não seja santificado.
§ 3.º Se a letra for pagavel á vista deve, na falta de indicação especial, ser apresentada ao sacado dentro dos prasos marcados no artigo 287.°
§ 4.° Se a letra contiver a indicação de uma pessoa para satisfazer era caso do necessidade, só deverá ser-lhe apresentada, se tal pessoa tiver domicilio na mesma localidade em que o sacado.
§ 5.° Se a letra não for paga no seu vencimento, será o portador obrigado a fazel-a protestar, sob pena de perder o direito e acção contra o saccador e os indossados, e ficando-lhe sómente salvo o poder accionar o acccitante.
Art. 315.° A letra deve ser paga na moeda que indica: se esta não tem curso legal no reino, a importancia da letra será reduzida á moeda nacional pelo curso medio do cambio á vista, na vespera do vencimento, sobre a praça mais vizinha do logar do pagamento, a não ser que o sacador tenha prescripto expressamente o pagamento em moeda estrangeira.
§ unico. Se na letra for indicada moeda estrangeira sem curso legal no reino, o pagamento deve fazer-se em moeda nacional, ao cambio indicado na letra ou pelo cambio corrente á vista, na falta de indicação; e, na falta de curso de cambio, pelo corrente da praça mais proxima do logar do pagamento sobre o do saque.
Art. 316.° Se entre o tempo do saque e o do vencimento for alterado o valor legal da moeda especificada na letra, ou deixar a moeda de existir legalmente, observar-se-hão as disposições dos artigos 724.° a 726.° do codigo civil.
Art. 317.° O portador de uma letra não póde ser obrigado a receber o pagamento d'ella antes do vencimento.
Art. 318.° Se aquelle sobre quem a letra é sacada a paga ou desconta antes do vencimento, responde pela validade do pagamento.
Art. 319.° Aquelle que paga uma letra no vencimento e sem opposição de terceiro presume-se validamente desobrigado.
§ unico. A opposição mencionada n'este artigo só é admissivel nos casos de perda da letra ou incapacidade do portador.
Art. 320.º O devedor que pagou a letra tem o direito de exigir que o portador lh'a entregue com a respectiva quitação.
§ 1.º Sacada uma letra por mais de uma via, o sacado só fica desonerado para com o portador, pagando a letra em que se acha o seu acceite, tendo-o havido.
§ 2.° No caso de não ter havido acceite, o sacado exonera se pagando o primeiro exemplar da letra que lhe for regularmente apresentado.
Art. 321.° O portador da letra não póde recusar qualquer pagamento parcial por conta da mesma, embora o acceite haja sido pelo total d'ella.
§ 1.° No caso previsto n'este artigo o portador receberá a parte da importancia da letra em descarga do sacador e indossados, devendo protestar pelo resto.
§ 2.° O acceitante póde exigir do portador que lhe declare na letra o acontecido, e lhe dê recibo da quantia paga em separado, mas não tem direito a exigir que a letra lhe seja entregue.
Art. 322.° O simples detentor de uma letra póde protestal-a nos casos em que a lei requer o protesto, e pedir o pagamento, prestando fiança, uma vez que prove por escripto que a letra lhe fôra remettida para ser cobrada por elle.

SUB-SECÇÃO 2.ª

Do pagamento por intervenção

Art. 323.° A letra protestada póde ser paga por qualquer terceiro interveniente, por conta e honra de um dos signatarios, nos mesmos termos em que póde ser acceita por intervenção.
§ 1.° Se aquelle sobre quem a letra foi sacada, e contra o qual se tirou o protesto por falta de acceito, se apresentar a pagal-a , será preferido a todos.
§ 2.º A intervenção e o pagamento serão mencionados no instrumento do protesto.
Art. 324.º O que paga uma letra por intervenção fica subrogado nos direitos do portador, independentemente de acto algum de cessão, e é obrigado a todas as formalidades que incumbem ao portador.
Art. 325.° Se o pagamento por intervenção é feito por conta o honra do sacador, todos os indossados subsequentes ficam livres; se é feito por conta e honra de um dos indossados, os seguintes na ordem dos indossos ficam desonerados.

SECÇÃO VIII

Do protesto

Art. 326.° A letra deve ser protestada no logar ou domicilio indicado n'ella para o acceite ou pagamento, e, na falta d'esta indicação, no domicilio do acceitante ou do sacado.
§ 1.° Se o sacado não for encontrado no logar indicado na letra, for desconhecido ou não poder descobrir-se o seu domicilio, far-se-ha o protesto no cartorio de qualquer escrivão ou tabellião do logar onde se achar o apresentante ou portador ao tempo em que devia fazer-se o acceite ou pagamento.
§ 2.° Se houver indicação de pessoa para acceitar em caso de necessidade ou acceitantes por intervenção, o protesto será feito nos termos d´este artigo e § 1.°
Art. 327.° O protesto por falta de pagamento deve ser feito no dia seguinte ao do vencimento ou no immediato a este, e o por falta de acceite no praso marcado no artigo 293.°
§ unico. Os dias santificados e feriados não se contam n'este praso.
Art. 328.° Os protestos por falta de acceite e de pagamento devem ser feitos perante um tabellião ou escrivão.
§ 1.° O instrumento do protesto deve conter:
1.° Copia litteral da letra, acceite, indossos, aval e indicações que tiver;
2.° Declaração da presença ou da ausencia da pessoa que deve acceitar ou pagar e as rasões dadas, se algumas se apresentaram, para não acceitar ou não pagar;
3.° Interpellação para que assignassem o auto e os motivos por que recusaram fazel-o;

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4.° Declaração de que o official fez o protesto por falta de acceite ou pagamento, a requerimento de quem o fez, contra quem, e com que fundamento ;
5.° Assignatura do official, data e hora em que o protesto é feito.
§ 2.º Todos os termos constantes d'este artigo e seu § l.° serão feitos debaixo da pena do insufficiencia do protesto e de responsabilidade do official por perdas e damnos, alem das penas impostas pela lei a erro de officio, a haverem logar.
Art. 329.° O official que fizer o protesto deve lançal-o por copia n'um registo especial, por ordem de datas, continuado sem lacunas, raspaduras nem emendas, e legalisado como os do registo commercial, pena de responder por perdas e damnos, alem dei pena criminal que lhe couber por erro de officio.
§ unico. D'este registo dará aos interessados as certidões que lhe forem requeridas.
Art. 330.º A morte ou a fallencia do sacador e o protesto por falta de acceite não eximem o portador da letra da obrigação de fazer certificar a falta de pagamento pela fórma estabelecida nos artigos precedentes.
Art. 331.° A clausula "sem protesto" ou "sem despezas", tem por effeito, com relação áquelle que a appoz e aos indossados posteriores, dispensar o portador da obrigação de protestar a letra, mas não o priva do direito de fazer lavrar o protesto e de exigir o reembolso das custas.

SECÇÃO IX

Do resaque

Art. 332.° O portador da letra, protestada de não paga, póde haver o embolso d'ella, resacando uma nova letra á vista sobre o sacador ou sobre qualquer dos e co-obrigados pelo principal d'ella e despezas occorridas segundo curso do cambio ao tempo do resaque.
§ 1.° Aquelle que pagou a letra de recambio póde embolsar-se, resacando do mesmo modo sobre qualquer dos co-obrigados anteriores.
§ 2.° Aquelle que pagar a letra original tem o direito de annullar ou riscar o seu indosso e os subsequentes.
Art. 333.° O resaque será acompanhado da letra original do protesto e de uma conta de retorno.
§ unico. A conta de retorno deve conter:
1.° O principal da letra protestada, juros, despezas do protesto e outras legitimas, taes como commissão de banco, corretagem, sêllo e portes de cartas;
2.° O nome d'aquelle sobre quem se resaca;
3.° O preço do recambio certificado pelo corretor respectivo, ou em falta d'elle, por dois negociantes.
Art. 334.° O recambio, ou preço do cambio por que se negocia o resaque, será regulado nos termos seguintes:
1.° O devido ao portador, pelo curso do cambio da praça onde a letra era pagavel sobre a praça do domicilio da pessoa sobre quem se resaca;
2.° O devido ao indossado que pagou a letra pelo curso do cambio da praça d'onde se resaca sobre a praça do domicilio da pessoa sobre quem se resaca.
§ 1.° Não havendo curso de cambio entre as differentes praças, o recambio será regulado pelo curso do cambio da praça mais vizinha em que houver cotação.
§ 2.° Os recambias não podem accumular-se, devendo cada um dos co-obrigados, bem como o sacador, supportar só um.

SECÇÃO X

Das obrigações e acções

Art. 335.° Todos aquelles que assignam uma letra são para com o portador solidariamente garantes d'ella.
§ unico. Esta obrigação comprehende a importancia da letra, juros, despezas do protesto e outras quaesquer legitimas.
Art. 336.° Toda a assignatura apposta n'uma letra sujeita o signatario á obrigação que ella implica, sem embargo da nullidade de qualquer outra obrigação ou da falsidade de qualquer outra assignatura.
Art. 337.° O portador da letra, protestada de não acceita ou de não paga é obrigado a participar o accidente occorrido ao seu respectivo cedente, acompanhando o aviso com certidão do protesto, pena de responder por perdas e damnos.
§ 1.° Esta participação, deverá effectuar-se nos termos do § unico do artigo 299.°
§ 2.° Cada um dos indomados, desde-o cedente do portador, é obrigado na mesma dilação e com a mesma responsabilidade a transmittir o protesto recebido ao seu respectivo indossante até ao sacador.
Art. 338.º O portador de uma letra protestada por falta de pagamento póde pedir o seu embolso a todos os signatarios, collectiva ou separadamente.
§ unico. O mesmo direito tem qualquer dos indossados contra os indossantes anteriores e contra o sacador.

SECÇÃO XI

Da perda das letras

Art. 339.° O proprietário de uma letra póde fazel-a declarar sem effeito com relação a qualquer detentor, justificando o seu direito de propriedade e a perda d'aquella, no tribunal da localidade onde era pagavel.
§ unico. Distribuida a acção, póde o auctor exercer todos os meios para a conservação dos seus direitos, e até exigir o pagamento, prestando caução, ou pedir o deposito judicial da importancia devida pelo sacado.
Art. 340.° Transitada em julgado uma sentença que julgou perdida uma letra, o proprietario, para obter novo exemplar, deve dirigir-te ao seu immediato indossante, o qual é obrigado a prestar-lhe o seu nome e os seus serviços para com o seu proprio indossante, e assim successivamente, de indossado em indossado, até ao sacador.
§ l.° Logo que o sacador haja fornecido uma nova letra, cada indossante será obrigado a repetir o seu indosso.
§ 2.° O sacado que houver acceitado não ê obrigado a repetir o acceite, nem o pagamento lhe póde ser exigido senão nos termos do artigo 339.°
§ 3.° Quaesquer despezas judiciaes para obter novo exemplar da letra correm por conta do proprietario da letra perdida.

SECÇÃO XII

Da prescripção

Art. 341.° Todas as acções, relativas a letras prescrevem em, cinco annos, a contar do seu vencimento, ou do ultimo acto judicial, se a respeito d'ella não, houve sentença condemnatoria, ou só a divida não foi reconhecida por instrumento separado.
§ unico. Aquelle a quem for opposta esta prescripção poderá requerer que a pessoa, que a oppõe, sendo o acceitante, declare sob juramento se a letra foi ou não paga, e, n'este caso, se julgue conforme o juramento, sem que este possa ser referido.

CAPITULO II

Das livranças e cheques

Art. 342.° A livrança é um escripto particular de divida, que deve conter:
1.° A indicação da importancia a pagar;
2.° O nome d'aquelle a quem o pagamento deve ser feito;
3.° A epocha do pagamento;

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4.° A assignatura d'aquelle que se obriga;
5.° A data.
Art. 343.° Toda a pessoa que tiver qualquer importancia disponível n'um estabelecimento bancario ou em poder de commerciante póde dispor d'ella em seu favor ou de um terceiro por meio de um cheque.
§ 1.° O cheque será datado e assiguado pelo passador, e indicará a importancia a pagar.
§ 2.° O cheque póde ser passado ao portador, á vista ou a praso, não devendo este exceder dez dias contados do da apresentação.
Art. 344.° O portador que não apresentar o cheque nos prasos fixados no artigo anterior, ou não pedir o pagamento no vencimento, deixa de ter acção contra o indossante, e perdel a-ha contra o passador, se, depois de decorridos os prasos referidos, não estiver disponivel a importancia a pagar por falta d'aquelle que a devia satisfazer.
Art. 345.° São applicaveis ás livranças e cheques todas as disposições respectivas a letras, que não forem contrarias á natureza dos cheques e das livranças.

TITULO VII

Da conta corrente

Art. 346.° Dá-se contrato de conta corrente todas as vezes que duas pessoas, tendo de entregar valores uma á outra, só obrigam a transformar os seus creditos em artigos de "deve" e "ha de haver", de sorte que só o baldo final resultante de sua liquidação soja exigivel.
Art. 347.° Todas as negociações entre pessoas domiciliadas ou não na mesma praça, e quaesquer valores transmissiveis em propriedade, podem ser objecto de conta corrente.
Art. 348.° São effeitos do contrato de conta corrente:
1.° A transferencia da propriedade do credito indicado em conta corrente para a pessoa que por elle se debita;
2.° A novação entre o cieditado e o debitado da obrigação anterior, de que resultou o credito em conta corrente;
3.° A compensação reciproca entre os contrahentes até á concorrencia dos respectivos credito e debito ao termo do encerramento da conta corrente;
4.° A exigibilidade só do saldo resultante da conta corrente;
5.° O vencimento de juros das sommas creditadas em conta corrente a cargo do debitado desde o dia do effectivo recebimento.
§ unico. O lançamento em conta corrente de mercadorias ou titulos de credito presume-se sempre feito com a clausula "salva cobrança".
Art. 349.° A existencia de um contrato de conta corrente não exclue o direito a qualquer remuneração e ao reembolso das despezas das negociações que lhe dizem respeito.
Art. 350.° O encerramento da conta corrente e a consequente liquidação do saldo haverão logar no fim do praso fixado pelo contrato, e, na sua falta, no fim do anno civil.
§ unico. Os juros do saldo correm a coutar da data da, liquidação.
Art. 351.° O contrato de conta corrente termina no praso da convenção, e, na falta do praso estipulado, por vontade de qualquer das partes o pelo decesso ou interdição de uma d'ellas.
Art. 352.° Antes do encerramento da conta corrente nenhum dos interessados será considerado como credor ou devedor do outro, e só o encerramento fixa invariavelmente o estado das relações juridicas das partes, produz de pleno direito a compensação do debito com o credito concorrente e determina a pessoa do credor e do devedor.

TITULO VIII

Das operações de bolsa

Art. 353.° São objecto especial de contratos nas bolsas:
1.° Os fundos publicos nacionaes, ou estrangeiros;
2.° As letras, livranças, cheques, acções do sociedades legalmente constituidas e toda a especie de valores commerciaes procedentes de pessoas que tenham capacidade legal para contratar;
3.° A venda de metaes amoedados ou em barra;
4.° A venda de qualquer especie de mercadoria;
5.° Os seguros de qualquer natureza que sejam;
6.° O preço dos transportes por terra, canaes, rios ou mar;
7.° O fretamento, afretamento, venda e hypotheca de navios;
8.° A venda de bens immoveis e de direitos a elles inherentes;
9.º Os leilões feitos por intervenção de corretor.
§ unico. São considerados fundos publicos para os effeitos do n.° 1.° d'este artigo:
1.° Os emittidos pelos governos ou corpos administrativos, nacionaes ou estrangeiros;
2.° Os emittidos com garantia do governo portuguez ou dos corpos administrativos nacionaes por estabelecimentos publicos ou emprezas particulares.
Art. 354.° Os fundos publicos serão admittidos á cotação logo que se achem legalmente reconhecidos como negociaveis: os outros titulos, por deliberação da respectiva camara dos corretores, que só a concederá, se entender acharem-se legalmente emittidos o sufficientemente garantidos.
Art. 355.° A cotação feita pela camara dos corretores determina O curso publico e legal, - o unico que será reconhecido em juizo.
Art. 356.º Todas as operações de bolsa podem ser feitas para se realisarem na occasião em que forem ajustadas, ou a praso.
§ unico. O praso, nas operações sobre fundos publicos, não poderá exceder o fim do mez seguinte áquelle em que houverem sido ajustadas.
Art. 357.º Nas negociações a praso sobre fundos publicos o comprador é sempre obrigado ao pagamento integral do preço, e o vendedor á entrega dos titulos ou do seu valor, segundo a cotação do dia em que a negociação devia concluir se.
§ unico. Na falta de cumprimento do contrato, o damno que d'ahi resultarão vendedor ou ao comprador não poderá ser compensado pelo pagamento da differença na cotação.
Art. 358.° As operações a praso sobre fundos publicos não produzirão acção em juizo a favor do vendedor, se no acto em que ellas devorem concluir-se não existirem em seu poder os titulos que tiver vendido, e a favor do comprador, se este no acto em que ellas deverem concluir-se se não mostrar habilitado a satisfazer o preço da compra,
Art. 359.° Todas as negociações sobre fundos publicos serão annunciadas por um pregoeiro, quo haverá em cada bolsa, para o que o corretor encarregado da negociação lhe entregará uma nota por elle assignada, em que se declare se a operação e ou não a praso.
§ unico. A nota de que trata este artigo será depois entregue ao syndico da camara dos corretores, o qual deverá conserval-a até que se conclua a negociação.
Art. 360.° As negociações sobre fundos publicos que se houverem de verificar na bolsa só podem ser feitas por intervenção de corretor.
Art. 361.° As negociações a praso serão publicadas na bolsa, e registadas era um livro para isso destinado, sendo a publicação e registo feitos pelo corretor quo tiver intervindo na negociação.
§ unico. O corretor que faltar ao cumprimento da dispo-

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sição d'este artigo será condennado nas penas que o seu regimento lhe impozer, e responderá pela indemnisação dos prejuizos que pela sua omissão tiver cansado aos seus committentes ou a quaesquer interessados na negociação.
Art. 362.° Não haverá acção em juizo para exigir o cumprimento de obrigações contrahidas nas negociações a praso feitas por intervenção de corretor, se não estiverem publicadas e registadas nos termos do artigo antecedente, exceptuado o caso da acção dever ser dirigida directamente contra o corretor pela sua responsabilidade, nos termos d'este codigo.
Art. 363.° Os emprestimos com garantia de fundos publicos que houverem de ser contratados nas bolsas, só o podem ser por intervenção de corretor.

TITULO IX
Das operações de banco

Art. 364.° São commerciaes todas ás, operações de banco tendentes a realisar lucros sobre numerario, fundos publicos ou titulos negociaveis; e em especial as de cambio, os arbitrios, emprestimos, descontos, cobranças, aberturas de creditos, emissão e circulação de notas e titulos fiduciarios pagaveis á vista e ao portador.
Art. 365.° As operações de banco regular-se-hão pelas disposições especiaes respectivas aos contratos que representarem, ou em que a final se resolverem.
Art. 366.° A creação, organisação e funccionamento de estabelecimentos bancarios com a faculdade de emittir titulos fiduciarios, pagaveis á vista ou ao portador, são regulados por legislação especial.
Art. 367.° O banqueiro que cessa pagamentos presume-se em quebra culposa, salva defeza legitima.

TITULO X
Do transporte

Art: 368.° O contrato de transporte por terra, canaes ou rios considerar-se ha mercantil, quando os conductores tiverem constituido em preza ou companhia regular e permanente.
§ 1.° Haver-se-ha por constituida em preza, para os effeitos d'este artigo, logo que qualquer ou quaesquer pessoas, se proponham exercer a industria de fazer transportar por terra, canaes ou rios, pessoas ou animaes, alfaias ou mercadorias de outrem.
§ 2.° As companhias de transportes constituir se-hão pela fórma prescripta n'este codigo para as sociedades commerciaes, ou pela que. lhes for estabelecida na lei da sua creação.
§ 3.° As emprezas e companhias mencionadas n'este artigo serão designadas no presente codigo pela denominação de transportador.
§ 4.° Os transportes maritimos serão regulados pelas disposições applicaveis do livro III d'este codigo.
Art. 369.° O transportador póde fazer effectuar o transporte directamente por si, seus empregados e instrumentos, ou por empreza, companhia ou pessoas diversas.
§ unico. No caso previsto na parte final d'este artigo, o transportador que primitivamente contratou com o expedidor conserva para com este a sua originaria posição, e assume para com a empreza, companhia ou pessoa com quem depois ajustou o transporte a qualidade de expedidor.
Art. 370.° O transportador é obrigado a ter e a arrumar livros em que lançará, por ordem progressiva de numeros, e datas, a resenha de todos os transportes de que se encarregar, com expressão da sua qualidade, da pessoa que os expedir, do destino que levam, do nome e domicilio do destinatario, do modo de transporte e finalmente da importancia do frete:
Art. 371.° O transportador deve entregarão expedidor, que assim o exigir uma guia de transporte, datada e por elle assignada.
§ 1.° O expedidor deve entregar ao transportador, que assim o exigir um duplicado da guia de transporte assignado por elle.
§ 2.° A guia de transporte poderá ser á ordem ou ao portador.
Art. 372.° A guia de transporte deverá conter o que nos regulamentos especiaes do transportador for prescripto, e, na falta d'elles o seguinte:
1.° Nomes e domicilios do expedidor, do transportador e do destinatario;
2.° Designação da natureza, peso, medida ou numero dos objectos a transportar, ou, achando-se estes enfardados ou emmalados, da qualidade dos fardos ou malas e do numero, signaes, ou marcas dos involucros;
3.° Indicação do logar em que deve fazer-se a entrega;
4.° Enunciação da importancia do frete, com declaração de se achar ou não satisfeito, bem como de quaesquer verbas de adiantamentos a que o transportador se houver obrigado;
5.° Determinação do praso dentro do qual deve effectuar-se a entrega; e tambem, havendo o transporte de fazer se por caminho de ferro, declaração de dever ser pela grande ou pela pequena velocidade;
6.° Fixação da indemnisação por que responde o transportador, se a tal respeito tiver havido convenção;
7.° Tudo o mais que se houver ajustado entre o expedidor e o transportador.
Art. 373 ° O expedidor póde designar-se a si proprio como destinatario.
Art. 374.° O expedidor entregará ao transportador as facturas e mais documentos necessarios ao despacho nas alfandegas e ao pagamento de quaesquer direitos fiscaes, pela exactidão dos quaes ficará em todo caso responsavel,
Art. 375.° Todas as questões ácerca do transporte se decidirão pela guia de transporte não sendo contra a mesma admissiveis, excepções algumas, salvo de falsidade ou erro involuntario de redacção.
§ unico. Na falta de guia ou na de algumas das condições exigidas no artigo 372.°, as questões, ácerca do transporte, serão resolvidas pelos usos do commercio, e, na falta d'estes, nos termos geraes de direito.
Art. 370.° Se a guia for á ordem ou ao portador, o indosso ou a tradição d'ella transferirá a propriedade dos objectos transportados.
Art. 377.° Quaesquer estipulações particulares, não constantes da guia de transporte, serão de nenhum effeito para com o destinatario e para com aquelles a quem a mesma houver sido transferida nos termos do artigo antecedente.
Art. 378.° Se o transportador acceitar sem reservas os objectos a transportar, presumir-se-ha não terem os mesmos vicios apparentes.
Art. 379.° O transportador respondei á pelos seus empregados; pelas mais pessoas que occupar no transporte dos objectos, e pelos transportadores subsequentes a quem for encarregando do transporte.
§ 1.° Os transportadores subsequentes terão direito de fazer declarar no duplicado da guia de transporte d'estado em que se acharem os objectos a transportar, ao tempo em que lhes forem entregues, presumindo-se, na falta de qualquer declaração, que os receberam em bom estado e na conformidade das indicações do duplicado.
§ 2.º Os transportadores subsequentes ficam subrogados nos direitos e obrigações do transportador primitivo.
Art. 380.° O transportador expedirá os objectos a transportar pela ordem por que os receber, a qual só poderá alterar, se a convenção, natureza ou destino dos objectos a isso o obrigarem, ou quando caso fortuito ou de força maior o impeçam, de a observar.

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Art. 381.° Se o transporte se não poder effectuar ou se achar extraordinariamente demorado por caso fortuito ou do força maior, deve o transportador avisar immediatamente o expedidor, ao qual competirá o direito de resilir o contrato, reembolsando aquelle das despezas incursas e restituindo a guia de transporte.

§ unico. Sobrevindo o accidente durante o transporte, o transportador terá direito a mais uma parte da importancia do frete, proporcional ao caminho percorrido.

Art. 382.° O expedidor póde, salva convenção em contrario, variar a consignação dos objectos em caminho, e o transportador deve cumprir a nova ordem; mas se a execução d'esta exigir mudança de caminho, ou que se passe alem do logar designado na guia, fixar-se-ha a alteração do frete, e não se accordando as partes, o transportador só é obrigado a fazer a entrega no logar convencionado no primeiro contrato.

§ 1.° Esta obrigação do transportador cessa desde o momento em que, tendo chegado os objectos ao seu destino, e, sendo o destinatario o portador da guia de transporte, exige a entrega dos objectos.

§ 2.° Se a guia for á ordem ou ao portador, o direito indicado n'este artigo compete ao portador d'ella, que a deve entregar ao transportador, ao qual será permittido, no caso de mudança de destino dos objectos, exigir nova guia.

Art. 383.° Havendo pacto expresso acerca do caminho a seguir no transporte, não poderá o transportador variai o, pena de responder por qualquer damno que aconteça ás fazendas, e do pagar alem d'isso qualquer indemnisação convencionada.

§ unico. Na falta de convenção póde o transportador seguir o caminho que mais lhe convenha.

Art. 384.° O transportador é obrigado a fazer a entrega dos objectos no praso fixado por convenção ou pelos regulamentos especiaes do transportador, e, na sua falta, pelos usos commerciaes, sob pena de pagar a competente indemnisação.

§ 1.º Excedendo a demora o dobro do tempo marcado n'este artigo, pagará o transportador, alem da indemnisação, as perdas e damnos resultantes da demora.

§ 2.° O transportador não responderá pela demora no transporte, resultante de caso fortuito, força maior, culpa do expedidor ou do destinatario.

§ 3.° A falta de sufficientes meios de transporte não releva o transportador da responsabilidade pela demora.

Art. 385.° O transportador, desde que receber até que entregar os objectos, responderá pela perda ou deterioração que venham a soffrer, salvo quando proveniente do caso fortuito, força maior, vicio do objecto, culpa do expedidor ou do destinatario.

§ 1.° O transportador póde, com respeito a objectos sujeitos por natureza a diminuição do peso ou medida durante o transporte, limitar a sua responsabilidade a uns tantos por conto ou a uma quota parte por volume.

§ 2.° A limitação ficará sem effeito, provando o expedidor ou o destinatario não ter a diminuição sido causada pela natureza dos objectos, ou não poder esta, nas circumstancias occorrentes, ter attingido o limite estabelecido.

Art. 386.° As deteriorações acontecidas desde a entrega dos objectos ao transportador serão comprovadas e avaliadas pela convenção, e, na sua falta ou insufficiencia, nos termos geraes do direito, tomando-se como base o preço corrente no logar o tempo da entrega; podendo, porém, durante o processo da sua averiguação e avaliação, fazer-se entrega dos objectos a quem pertencerem, com previa ordem judicial, e com ou sem caução.

§ 1.º Igual base se tomará para o calculo de indemnisação no caso de perda de objectos.

§ 2.° A indemnisação no caso de perda de bagagens de um passageiro, entregues sem declaração do contendo, será fixada segundo as circunstancias especiaes do caso.

§ 3.° Ao expedidor não é admissivel prova de que entre os generos designados se continham outros de maior valor.

Art. 387.° O destinatario tem o direito de fazer verificar a expensas suas o estado dos objectos transportados, ainda quando não apresentem signaes exteriores de deterioração.

§ 1.° Não se accordando os interessados sobre o estado dos objectos, proceder-se-ha a deposito d'elles em armazem seguro, e as partes seguirão seu direito conforme a justiça.

§ 2.° A reclamação contra o transportador por deterioração nas fazendas durante o transporte não póde ser deduzida depois do recebimento, tendo havido verificação ou sendo o vicio apparente, e, fóra d'estes casos, só póde ser deduzida nos oito dias seguintes ao mesmo recebimento.

§ 3.° Ao transportador não póde ser feito abandono das fazendas, ainda que deterioradas, mas elle responde por perdas e damnos para com o expedidor ou destinatario, conforme o caso, pela deterioração ou perda dos objectos transportados.

Art. 338.º O transportador é responsavel para com o expedidor por tudo quanto resultar de omissão sua no cumprimento das leis fiscaes em todo o curso da viagem e na entrada do logar do destino.

Art. 389.° O transportador não tem direito a investigar o titulo por que o destinatario recebe os objectos transportados, devendo entregal-os immediatamente e sem estorvo, sob pena de responder pelos prejuizos resultantes da demora, logo que lhe apresentem a guia de transporte em termos regulares.

Art. 390.° Não se achando o destinatario no domicilio indicado no duplicado da guia, ou recusando receber os objectos, o transportador poderá requerer o deposito judicial d'elles, á disposição do expedidor ou de quem o representar, sem prejuizo de direito de terceiro.

Art. 391.° Expirado o termo em que os objectos transportados deviam ser entregues ao destinatario, fica este com todos os direitos resultantes do contrato de transporte, podendo exigir a entrega dos objectos o da guia de transporte.

Art. 392.° O transportador não e obrigado a fazer entrega dos objectos transportados ao destinatario emquanto este não cumprir com aquillo a que for obrigado.

§ 1.° No caso de contestação, se o destinatario satisfizer ao transportador o que julgar dever-lhe e depositar o resto da quantia exigida, não poderá este recusar a entrega.

§ 2.° Sendo a guia á ordem ou ao portador, o transportador póde recusar a entrega emquanto ella lhe não for restituida.

§ 3.° Não convindo ao transportador reter os objectos transportados até que o destinatario cumpra aquillo a que for obrigado, poderá requerer o deposito e a venda do tantos quantos forem necessarios para o seu pagamento.

§ 4.° A venda será feita por intermedio de corretor ou judicialmente.

Art. 393.° O transportador têem privilegio pelos creditos resultantes do contrato de transporte sobre os objectos transportados.

§ 1.° Este privilegio cessa pela entrega dos objectos ao destinatario.

§ 2.° Sendo muitos os transportadores, o ultimo exercerá o direito de privilegio por todos os outros.

Art. 394.° O expedidor tem privilegio pela importancia dos objectos transportados sobre os instrumentos principaes e accessorios que o conductor empregar no transporte.

Art. 395.° Os transportes por caminhos de ferro serão regulados pelas regras geraes d'este codigo e pelas disposições especiaes das respectivas concessões ou contratos, sendo porém nullos e sem effeito quaesquer regulamentos das administrações competentes, em que estas excluam ou

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limitem as obrigações e responsabilidades impostas n'este titulo.

TITULO XI
Do emprestimo

Art, 396.° Para que o contrato de emprestimo seja havido por commercial é mister que a cousa cedida seja destinada a qualquer acto mercantil.
§ unico. O emprestimo, assegurado por titulos cotisaveis haver-se ha sempre por commercial.
Art. 397.° O emprestimo mercantil é sempre retribuido.
§ unico. A retribuição será, na falta de convenção, a taxa legal do juro calculado sobre o valor da cousa cedida.
Art. 398.° O emprestimo mercantil entre commerciantes admitte, seja qual for o seu valor, todo o genero de prova.

TITULO XII

Do penhor

Art. 399.° Para que o penhor seja considerado mercantil é mister que a divida que se cauciona proceda de acto commercial.
Art. 400.° Póde convencionar-se a entrega do, penhor mercantil a uma terceira pessoa.
§ unico. A entrega do penhor mercantil podo ser symbolica, a qual se effectuará:
1.° Por declarações ou verbas nos livros de quaesquer estações publicas onde se acharem as cousas empenhadas;
2.° Pela tradição da guia de transporte ou do conhecimento da carga dos objectos transportados;
3.° Pelo indosso da cautela de penhor dos generos o mercadorias depositados nos armazens geraes.
Art. 101.° O penhor era letras ou em titulos á ordem póde ser constituido por indosso com a correspondente declaração, segundo os usos da praça; e o penhor em acções, obrigações ou outros titulos nominativos pela respectiva declaração nos competentes registos.
Art. 402.º Para que o penhor mercantil entre commerciantes por quantia excedente a duzentos mil réis produza effeitos com relação a terceiros, basta que só prove por escripto.
Art. 403.° Devendo proceder-se á venda de penhor mercantil por falta de pagamento, poderá esta effectuar-se por meio de corretor, notificado o devedor.
Art. 404.° Ficam salvas as disposições especiaes que regulam os adiantamentos e os emprestimos sobre penhores dos bancos e outros institutos, para elles auctorisados.

TITULO XII
Do deposito

Art. 405.° Para que o deposito seja considerado mercantil é necessario que seja de generos ou mercadorias destinados a qualquer acto de commercio.
Art. 406.° O depositario terá direito a uma gratificação pelo deposito, salva convenção expressa em contrario.
§ unico. Se a quota da gratificação não houver sido previamente accordada, regular-se-ha pelos usos da praga em que o deposito houver sido constituido, e, na falta d'estes, por arbitramento.
Art. 407.° Consistindo o deposito em papeis de credito com vencimento de juros, o depositario é obrigado á cobrança e a todas as mais diligencias necessarias para a conservação do seu valor e effeitos legaes, sob pena de responsabilidade pessoal.
Art. 408.° Havendo permissão expressa do depositante para o depositario se servir da cousa, já para si ou seus negocios, já para operações recommendadas por aquelle cessarão os direitos e obrigações proprias de depositante e depositario, e observar-se-hão as regras applicaveis do emprestimo mercantil, da commissão, ou do contrato que, em substituição do deposito, se houver celebrado, qual no caso souber.
Art. 409.° Os depositos feitos em bancos ou sociedades reger-se hão pelos respectivos estatutos em tudo quanto não se achar prevenido n'este capitulo e mais disposições legaes applicaveis.

TITULO XIV
Do deposito de generos e mercadorias nos armazens geraes

Art. 410.° O conhecimento de deposito dos generos e mercadorias feitos em armazens geraes enunciará:
1.° O nome, estado e domicilio do depositante;
2.° O logar do deposito;
3.°A natureza e quantidade da cousa depositada, com todas as circumstancias necessarias á sua identificação e avaliação;
4.° A declaração de haverem ou não sido satisfeitos quaesquer impostos devidos e de se ter ou não feito o seguro dos objectos depositados.
§ 1.° Ao conhecimento de deposito será annexa uma cautela de penhor, em que se repetirão as mesmas indicações.
§ 2.° O titulo referido será extrahido de um livro com talão archivado no competente estabelecimento.
Art. 411.º O conhecimento de deposito e a cautela de penhor podem-ser passados em nome do depositante ou de um terceiro por este indicado.
Art. 412.° O portador do conhecimento de deposito e da cautela de penhor tem o direito de pedir, á sua custa, a divisão da cousa depositada, e que por cada uma das respectivas fracções se lhe dêem titulos parciaes em substituição do titulo único e total, que será annullado.
Art. 413.° O conhecimento de deposito e a cautela de penhor são transmissiveis, juntos ou separados, por indosso com a data do dia em que houver sido feito.
§ unico. O indosso produzirá os seguintes effeitos:
l.° Sendo dos dois titulos, transferirá a propriedade das mercadorias ou generos depositados;
2.° Sendo só da cautela do penhor, conferirá ao indosado o direito de penhor sobre os generos ou mercadorias depositados;
3.° Sendo só do conhecimento de deposito, transmittirá a propriedade, com resalva dos direitos do portador da cautela de penhor.
Art. 414.° O primeiro indosso da cautela de penhor enunciará a importancia do credito a cuja segurança foi feito, a taxa dos juros e a epocha do vencimento.
§ unico. Este indosso deve ser transcripto no conhecimento de deposito, e a transcripção assignada pelo indossado..
Art. 415.° O conhecimento de deposito e a cautela de penhor podem ser conjunctamente indossados em branco, conferindo tal indosso ao portador os mesmos direitos do indossante.
Art. 416.° Os generos e mercadorias depositados nos armazens geraes não podem ser penhorados, arrestados, dados em penhor ou por outra fórma obrigados, a não ser nos casos de perda do conhecimento de deposito e da cautela de penhor, de contestação sobre direitos de successão, e do quebra.
§ unico. Os indossos dos titulos referidos não ficam sujeitos a nullidade alguma com fundamento na insolvencia do indossante, salvo provando-se que o indossado tinha conhecimento d'esse estado, ou presumindo-se que o tinha nos termos das disposições especiaes á fallencia.
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Art. 417.º O portador de um conheci mento de deposito separado da cautela de penhor, póde retirar os generos ou mercadorias depositados, ainda antes do vencimento do credito assegurado pela cautela, depositando no respectivo estabelecimento o principal e os juros do credito calculados até ao dia do vencimento.
§ unico. A importancia, depositada será satisfeita ao portador da cautela de penhor, mediante a restituição d'esta.
Art. 4l8.° Tratando-se de generos ou mercadorias homogeneos, o portador do respectivo conhecimento de deposito separado da cautela de penhor póde, sob responsabilidade do competente estabelecimento, retirar uma parto só dos generos ou mercadorias, mediante deposito de quantia proporcional ao credito total, assegurado pela cautela de penhor, e á quantidade dos generos ou mercadorias a retirar.
Art. 419.° O portador de uma cautela de penhor não paga na epocha do seu vencimento póde fazel-a protestar, como as letras, e dez dias depois proceder á venda do penhor, nos termos geraes de direito.
§ unico. O indossante que pagar ao portador fica subregado nos direitos d'este, e poderá fazer proceder á venda do penhor nos termos referidos.
Art. 420.° A venda por falta de pagamento não se suspende nos casos do artigo 416.°, sendo porém depositado o respectivo preço, até decisão final.
Art. 421.° O portador da cautela de penhor tem direito a pagar-se, no caso de sinistro, pela importancia do seguro.
Art. 422.° Os direitos de alfandega, impostos e quaesquer contribuições sobre a venda e as despezas de deposito, salvação, conservação e guarda preferem ao credito pelo penhor.
Art. 423.° Satisfeitas as despezas indicadas no artigo antecedente e pago o credito pignoraticio, o resto ficará á disposição do portador do conhecimento de deposito.
Art. 424.° O portador da cautela de penhor não póde executar os bens do devedor ou dos indossantes sem se achar exhausta a importancia do penhor.
Art. 425.° A prescripção de acções contra os indossantes começará a correr do dia da venda dos generos ou mercadorias depositados.
Art. 426.º O portador da cautela de penhor perde todo o direito contra os indossantes, não tendo feito o devido protesto, ou não tendo feito proceder á venda, dos generos ou mercadorias no praso legal, mas conserva acção contra o devedor.
Art. 427.° O que perder um conhecimento de deposito ou uma cautela de penhor póde, mediante caução e prova de propriedade do titulo perdido, obter a sua reforma do tribunal commercial em cuja jurisdição se achar o armazem onde o deposito fôra feito.

TITULO XV
Dos seguros

CAPITULO I
Disposições geraes

Art. 428.º Todos os seguros, com excepção dos mutuos, serão commerciaes a respeito do segurador, qualquer que seja o seu objecto; e relativamente aos outros contratantes, quando se referirem a acto mercantil.
§ 1.° Os seguros mutuos serio, comtudo, regulados pelas disposições d'este codigo, quanto a quaesquer actos de commercio estranhos á mutualidade.
§ 2.° Os seguros maritimos serão especialmente regulados pelas disposições applicaveis do livro III d'este codigo.
Art. 429.° O contrato de seguro deve ser reduzido a escripto n'um instrumento, que constituirá a apolice de seguro.
§ unico. A apolice do seguro deve ser datada, assignada pelo segurador, e enunciar:
1.º O nome ou firma, residencia ou domicilio do segurador;
2.° O nome ou firma, qualidade, residencia ou domicilio de que faz segurar;
3.° O objecto do seguro e a sua natureza e valor;
4.° Os riscos contra que se faz o seguro;
5.° O tempo em que começam e acabam os riscos;
6.° A quantia segurada;
7.° O premio do seguro;
8.° E, em geral, todas as circumstancias cujo conhecimento possa interessar o segurador, bem como todas as condições estipuladas pelas partes.
Art. 430.° O contrato de seguro regular-se-ha pelas estipulações da respectiva apolice não prohibidas pela lei, e, na sua falta ou insufficiencia, pelas disposições d'este codigo.
Art. 431.° O seguro póde ser contratado por conta propria ou por conta de outrem.
§ 1.° Se aquelle por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nullo.
§ 2.° Se não se declarar na apolice que o seguro é contratado por conta de outrem, considera-se contratado por conta de quem fez o seguro.
§ 3.° Se o interesse do segurado for limitado a uma parte da cousa segura na sua totalidade ou do direito a da respeitante, considera-se feito o seguro por conta de todos os interessados, salvo aquelle o direito a haver a parte proporcional do premio.
Art. 432.° Toda a declaração, inexacta, assim como toda a reticencia de factos ou circumstancias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existencia ou condições do contrato, tornam o seguro nullo.
§ unico. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé, o segurador terá direito ao premio.
Art. 433.° O segurador póde resegurar por outrem o objecto que segurou, e o segurado póde segurar por outrem o premia do seguro.
Art. 434.° Mudando o objecto segurado de proprietario durante o tempo do contrato, o seguro passa para o novo dono pelo lacto da transferencia do objecto seguro, salvo se entre o segurador e o originario segurado outra cousa for ajustada.

CAPITULO II
Dos seguros contra riscos

SECÇÃO I

Disposições geraes

Art. 435.° O seguro contra riscos póde ser feito:
1.° Sobre a totalidade conjunta de muitos objectos;
2.° Sobre a totalidade individual de cada objecto;
3.° Sobre parte de cada objecto, conjunta ou separadamente;
4.° Sobre o lucro esperado;
5.º Sobre os fructos pendentes.
Art. 435.° Se o seguro contra riscos for inferior ao valor do objecto, o segurado responderá, salva convenção em contrario, por uma parte proporcional das perdas e danmos.
§ 1.° Só o seguro for inferior ao valor do objecto segurado, póde a differença ser segurada, e o segurador d'essa differença só responderá pelo excedente, observando-se a ordem da data dos contratos.
§ 2.° Se todos os seguros tiverem a mesma data, terão effeito até á concorrencia do valor total em proporção da quantia segura em cada contrato.
Art. 437.° O segurado não póde, sob pena de nulli-

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dade, fazer segurar segunda vez pelo mesmo tempo e riscos objecto já seguro pelo seu inteiro valor, excepto nos seguintes casos:
1.° Quando o segundo seguro houver sido subordinado á millidade do primeiro ou á insolvencia total ou parcial do respectivo segurador;
2.° Quando se fez, cessão dos direitos do primeiro seguro ao segundo segurador ou quando houve renuncia d'aquelle.
Art. 438.° Excedendo o seguro o valor do objecto segurado, si é valido até á concorrencia d'esse valor.
Art. 439.º O seguro é nullo, se, quando se concluiu o contrato, o segurador tinha conhecimento de haver cessado o risco, ou o seguindo o tinha da existencia do sinistro.
§ unico. No primeiro caso d'este artigo o segurador não tem direito no premio; no segundo é obrigado a indemnisar o segurado, mas tem direito ao premio.
Art. 440.° O seguro fica sem effeito:
1.° Se a cousa segura não chegar a correr risco;
2.° Se o sinistro resultar de vicio proprio conhecido do segurado e por elle não denunciado ao segurador;
3.º Se o sinistro tiver sido causado pelo segurado ou por pessoa por quem elle seja civilmente responsavel;
4.° Se o sinistro for occasionado por guerra ou tumulto de que o segurador não tivesse tomado o risco.
§ 1.° No caso do n.° 1.° d'este artigo o segurador tem direito á metade do premio, a qual nunca excederá a meio por cento da quantia segurada.
§ 2.° O segurado nos oito dias seguintes ao do chegar ao seu conhecimento a existencia do vicio proprio da cousa que tiver seguro sem Casa declaração deve participal-o ao segurador, e este póde declarar sem effeito o seguro, restituindo metade do premio não vencido.
Art. 441.° Se o segurado falhr antes de acabarem os riscos, e dever o premio, o segurador póde exigir caução, e, quando esta se não presto, a annullação do contrato.
§ unico. Ao segurado assiste o mesmo direito, se o segurador fallir ou liquidar.
Art. 412.° São a cargo do segurador todas as perdas e damnos que soffrer o objecto segurado devidos a caso fortuito ou força maior e de que tiver assumido os riscos.
§ 1.° A indemnisação devida pelo segurador é regulada em rasão do valor do objecto ao tempo do sinistro, salva a disposição do artigo 45l.° e nos termos seguintes:
1.° Se o valor foi lixado por arbitradores nomeados pelas partes, o segurador não o póde contestar;
2.° Se o não foi, póde ser verificado por todos os meios de prova admittidos em direito.
§ 2.° O segurado não tem direito de abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, e o valor d'estes não será incluido na indemnisação devida pelo segurador.
Art. 443.° O segurado é obrigado, sob pena de responder por perdas e damnos, a participar ao segurador o sinistro dentro dos oito dias immediatos aquelle em que occorreu ou aquelle em que do mesmo teve conhecimento.
Art. 444.° O segurador que pagou a deterioração ou perda dos objectos segurados fica sebrogado em todos os direitos do segurado contra terceiro causador do sinistro, respondendo o segurado por todo o acto que possa prejudicar esses direitos.
§ unico Se a indemnisação só recair sobre parte do damno ou perda, o segurador e o segurado concorrerão a fazer valer esses direitos em proporção á somma que a cada um for devida.

SECÇÃO II
Do seguro contra fego

Art. 445.° As apolices de seguro contra fogo devem, alem do prescripto no artigo 429.°, precisar:
1.° O nome, qualidade, situação e confrontação dos predios;
2.° O seu destino e uso;
3.° A natureza o uso dos edificios adjacentes, sempre que estas circumstancias poderem influir no contrato;
4.° O logar em que os objectos mobiliarios segurados contra o incendio se acharem collocados ou armazenados.
Art. 446.° O seguro contra fogo comprehende:
1.° Os damnos cansados pela acção do incendio, ainda que este haja sido produzido por facto não criminoso do segurado ou de pessoa por quem seja civilmente responsavel;
2.° As perdas e damnos resultantes immediatamente do incendio como as causadas, pelo calor, fumo ou vapor, pelos meios empregados para extinguir ou combater o incendio, pelas remoções dos inoveis, e pelas demolições executadas em virtude de ordem da auctoridade competente;
3.° As perdas e damnos que resultarem de vicio proprio do edificio seguro, ainda que não denunciado, não se provando que o segurado tinha d'elle conhecimento;
4.º Os damnos soffridos pela acção do raio, explosões e outros accidentes similhantes, quer sejam ou, não acompanhados de incendio.
Art. 447.° Ao segurado incumbe a prova do prejuizo soffrido, justificando a existencia dos objectos segurados ao tempo do incendio.
Art. 448.° O contrato do seguro, quando o segurado não pagar no praso estipulado o respectivo premio, considerar-se-ha insubsistente, se depois de avisado o segurado por carta registada ou por algum meio usado em direito, este, dentro dos quinze dias posteriores ao aviso, não satisfizer aquelle premio.
§ unico. Se o segurador não usar da faculdade concedida n'este artigo, considerar-se-ha subsistente o contrato, ficando-lhe direito salvo ao premio em atrazo e juros da mora.
Art. 449.° O segurador póde declarar sem effeito o seguro, desde que o edificio ou objectos segurados tiverem outro destino ou logar que os, tornem mais expostos ao risco, por fórma que o segurador não os teria segurado, ou exigiria outras condições, se tivesse tido esse destino ou logar antes de effectuar o seguro.
§ l .º O segurado, logo que occorra qualquer das circunstancias indicadas n'este artigo, deve participai o ao segurador dentro de oito dias, para que elle possa em igual prato, a contar da participação, usar da faculdade que lhe confere este artigo.
§ 2.° Da falta de participação pelo segurado ou de declaração pelo segurador nos prasos marcados no paragrapho antecedente resulta respectivamente a annullação ou a conservação do seguro.

SECÇÃO III

Do seguro de colheitas

Art. 450. ° No contrato de seguro contra os riscos a que estão sujeitos os productos da terra, a apolice deverá alem do prescripto no artigo 429.º, enunciar.
l .° A situação, extensão e confrontações do terreno cujo producto se segura;
2.° A designação d'este producto e a epocha ordinaria da sua colheita;
3.° Se a sementeira ou plantação que ha de dar o producto já se acha feita ou não;
4.° O logar do deposito, se o seguro for de fructos já recolhidos;
5.º O valor medio dos fructos seguros.
Art. 451.° Nos seguros de que trata esta secção a indemnisacão é determinada pelo valor que os fructos de uma producção regular teriam ao tempo em que deviam colher se, se não tivesse succedido o sinistro.
Art. 452. ° O segurador de productos da terra responde pelas perdas ou damnos dos fructos, mas não pela producção e quantidade d'esta.

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SECÇÃO IV
Do seguro de transportes por terra, canaes ou rios

Art. 453.° O seguro dos objectos transportados por terra, canaes ou rios póde ter por objecto o seu valor acrescido das despezas até ao legar do destino, e o lucro esperado.
§ unico. Só o lucro esperado não for avaliado separadamente na apolice, não se comprehenderá no seguro.
Art. 454.° A apolice, alem do prescripto no artigo 429.°, deve enunciar:
1.° O tempo em que a viagem se deverá effectuar;
2.° Se a viagem ha de ser feita sem interrupção;
3.° O nome do transportador que se encarregou do transporte;
4.° O caminho que se deve seguir.
5.° A indicação dos pontos onde devem ser recebidos e entregues os objectos transportados;
6.° A fórma de transporte.
Art. 455.° Os riscos do segurador começam com o recebimento pelo transportador e acabam com a entrega por elle feita dos objectos segurados.
Art. 456.° O segurador responde pelas perdas e damnos causados por falta ou fraude dos encarregados do transporte dos objectos segurados, salvo o seu regresso contra os causadores.
Art. 457.° N'este contrato serão observadas em geral, e conforme as circunstancias, as disposições respeitantes aos seguros maritimos, incluindo as relativas ao abandono.

CAPITULO III
Do seguro de vidas

Art. 458.° Os seguros de vidas comprehenderão todas as combinações que se possam fazer, pactuando entregas de prestações ou capitães em troca da constituição de uma renda ou vitalicia ou desde certa idade, ou ainda do pagamento de certa quantia, desde o fallecimento de uma pessoa, ao segurado, seus herdeiros ou representantes, ou a um terceiro, e outras quaesquer combinações similhantes ou analogas.
§ unico. O segurador podo nos termos d'este artigo tomar sobre si o risco da morte do segurado dentro de certo tempo, ou o de prolongação da vida d'elle alem de um termo prefixado.
Art. 459.° A vida de uma pessoa póde ser segura por ella propria, ou por outrem que tenha interesse na conservação d'aquella.
§ unico. No ultimo caso previsto n'este artigo o segurado é a pessoa em cujo beneficio se estipula o seguro e quem paga o premio.
Art. 46O.° No seguro de vidas, alem das indicações applicaveis do artigo 429.°, a apolice mencionará a idade, a profissão e o estado de saude da pessoa, cuja vida se segura.
Art. 461.° O segurador não é obrigado a pagar a quantia segura:
1.° Se a morte da pessoa, cuja vida se segurou, é resultado de duello, condemnação judicial, suicidio voluntario, crime ou delicto commettido pelo segurado, ou se este foi morto pelos seus herdeiros;
2.° Se aquelle que reclama a indemnisação foi auctor ou cumplice do crime da pessoa, cuja vida se segurou.
§ unico. A disposição do n.° 1.° d'este artigo não é applicavel ao seguro de vida contratado por terceiro.
Art. 462.° As mudanças de occupação, de estado e de modo de vida por parte da pessoa, cuja vida se segurou, não fazem cessar os effeitos do seguro quando, não transformem nem aggravem os riscos pela alteração de alguma circumstancia essencial, por fórma que, se o novo estado de cousas existisse ao tempo do contrato, o segurador não teria convindo no seguro, ou exigiria outras condições; ou quando, sendo essas mudanças conhecidas do segurador, este não requeira a modificação do contrato.
§ unico. No caso de annullação o segurador restituirá metade do premio recebido.
Art. 463.° No caso de morte ou quebra d'aquelle que segurou sobre a sua propria vida, ou sobre a de um terceiro, uma quantia para ser paga a outrem que lhe haja de succeder, o seguro subsiste em beneficio exclusivo da pessoa designada no contrato, salvo, porém, comrelação ás quantias recebidas pelo segurador, as disposições do codigo civil relativas a collações, inofficiosidade nas successões e rescisão dos actos praticados em prejuizo dos credores.
Art. 464.° Se a pessoa, cuja vida se segura, já estiver morta ao tempo da celebração do contraio, este não subsiste, ainda que o segurado ignorasse o fallecimento, salvo havendo convenção em contrario.
Art. 465.° A ausencia da pessoa, cuja vida se segurou, do logar do seu domicilio ou residencia, sem que d'ella se saiba parte, só constituirá, salva convenção emcontrario, o segurador na obrigação de pagar a indemnisação, no caso em que por direito a curadoria definitiva deveria terminar.

TITULO XVI

Da compra e venda

Art. 466.º São consideradas commerciaes:
1.° As compras de cousas moveis para revender, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso;
2.° As compras, para revenda, de fundos publicos, ou de quaesquer titulos de credito negociaveis;
3.º As vendas de cousas moveis, em bruto ou trabalhadas, e as de fundos publicos e de quaesquer titulos do credito negociaveis, quando a acquisição houvesse tido feita no intuito de as revender;
4.° As compras e revendas de bens immoveis ou de direitos a elles inherentes, quando aquelles, para estas, houverem sido feitas;
5.° As compras e vendas de partes ou de acções de sociedades commerciaes.
Art. 467.° Não são consideradas commerciaes:
1.° As compras de quaesquer cousas moveis destinadas ao uso ou consumo do comprador ou da sua familia, e as revendas que por ventura d'esses objectos se venham a fazer;
2.° As vendas que o proprietario ou o explorador rural faça dos productos de propriedade sua ou por elle explorada, e dos generos em que lhes houverem sido pagas quaesquer rendas;
3.° As vendas que os artistas e industriaes fizerem directamente dos objectos que houverem comporto ou aperfeiçoado nos seus estabelecimentos;
4.° As vendas de animaes feitas pelos creadores ou engordadores.
Art. 168.º O contrato de compra e venda mercantil do cousa movel póde ser feito, ainda que directamente, para pessoas que depois hajam de nomear-se.
Art. 469.° Póde convencionar-se que o preço da cousa venha a tornar se certo por qualquer meio, que desde logo ficará estabelecido, ou que fique dependente do arbitrio de terceiro, indicado no contrato.
§ unico. Quando o preço houver de ser lixado por terceiro e este não quizer ou não poder fazel-o, ficará o contrato sem effeito, se outra cousa não for accordada.
Art. 470.° Em commercio são permittidas:
1.° A compra e venda de cousas incertas ou de esperanças, salvo sempre o disposto nos artigos 1:556.° e 1:557.° do codigo civil;
2.°-A venda de cousa que for propriedade de outrem.
§ unico. No caso do n.° 2.° d'este artigo o vendedor fi-

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cará obrigado a adquirir por titulo legitimo a propriedade da cousa vendida e a fazer a entrega ao comprador, sob pena de responder por perdas e damnos.
Art. 471.° O vendedor que se obrigar a entregar a cousa vendida antes de lhe ser pago o preço considerar-se-ha exonerado de tal obrigação, se o comprador fallir antes da entrega, salvo prestando se caução ao respectivo pagamento.
Art. 472.° As vendas feitas sobre amostra da fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no commercio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição da cousa ser conforme á amostra ou á qualidade convencionada.
Art. 473.º As compras de cousas que se não tenham á vista, nem possam determinar-te por uma qualidade conhecida em commercio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição do compilador poder distratar o contrato, caso, examinando-as, não lhes convenham.
Art. 474.° As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-hão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no acto da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias.
§ unico. O vendedor póde exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no acto da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os effeitos como verificado.
Art. 475.° As cousas não vendidas a esmo ou por partida inteira, mas por conta, peso ou medida, são a risco do vendedor até que sejam contadas, pesadas ou medidas, salvo se a contagem, pesagem ou medição se não fez por culpa do comprador.
§ 1.° Haver se-ha por feita a venda a esmo ou por partida inteira, quando as cousas forem vendidas por um só preço determinado, sem attenção á conta, peso ou medida dos objectos, ou quando se attender a qualquer d'estes elementos unicamente para determinar a quantia do preço.
§ 2.° Quando a venda é feita por conta, peso ou medida, e a fazenda se entrega, sem se contar, pesar ou medir, a tradição para o comprador suppre a conta, o peso ou a medida.
Art. 476.° Se o praso para a entrega das cousas vendidas não se achar convencionado, deve o vendedor pol-as á disposição do comprador dentro das vinte e quatro horas seguintes ao contrato, se ellas houverem sido compradas á vista.
§ unico. Se a venda das cousas se não fez á vista, e o praso para a entrega não foi convencionado, poderá o comprador fazel-o fixar judicialmente.
Art. 477.° Se o comprador de cousa movei não cumprir com aquillo a que for obrigado, poderá o vendedor depositar a cousa nos termos de direito por conta do comprador, ou fazel-a revender.
§ 1.° A revenda effectuar-se-ha em hasta publica, ou, se a cousa tiver preço cotado na bolsa ou no mercado, por intermedio de corretor, ao preço corrente, ficando salvo ao vendedor o direito ao pagamento da differença entre o preço obtido e o estipulado e ás perdas e damnos.
§ 2.° O vendedor que usar da faculdade concedida n'este artigo fica em todo o caso obrigado a participar ao comprador o evento.
Art. 478.º Os contratos de compra e venda celebrados a contado em feira ou mercado cumprir-se-hão no mesmo dia da sua celebração, ou, o mais tarde, no dia seguinte.
§ unico. Expirados os termos fixados n'este artigo sem que qualquer dos contratantes haja exigido o cumprimento do contrato, haver-se-ha este por sem effeito, e qualquer signal passado ficará pertencendo a quem o tiver recebido.
Art. 479.° O vendedor não póde recusar ao comprador, a factura das cousas vendidas e entregues, com o recibo do preço ou da parte do preço que houver embolsado.

TITULO XVII

Do reporte

Art. 480.° O reporte c constituido pela compra, a dinheiro de contado, de titulos de credito negociaveis e pela revenda simultanea de titulos da mesma especie, a termo, mas por preço determinado, sendo a cumpra e a revenda feitas á mesma pessoa.
§ unico. É condição essencial á validade do reporte a entrega real dos titulos.
Art. 481.° A propriedade dos titulos que fizerem objecto do reporte transmitte-se para o comprador revendedor, sendo, porém, licito ás partes estipular que os premios, amortisações o juros que couberem aos titulos durante o praso da convenção corram a favor do primitivo vendedor.
Art. 482.° As partes poderão prorogar o praso do reporte por um ou mais termos successivos.
§ unico. Se, expirado o praso do reporte, as partes liquidarem as differenças, para d'ellas effectuarem pagamentos separados, e renovarem o reporte com respeito a titulos de quantidade ou especies differentes ou por diverso preço, haver-se-ha a renovação como um novo contrato.

TITULO XVIII

Do escambo ou troca

Art. 483.° O escambo ou troca será mercantil nos mesmos casos em que o é a compra e venda, e regular-se-ha pelas, mesmas regras estabelecidas para esta, em tudo quanto forem applicaveis ás circumstancias ou condições d'aquelle contrato.

TITULO XIX

Do aluguer

Art. 484.° O aluguer será mercantil, quando a cousa tiver sido comprada para se lhe alugar o uso.
Art. 485.° O contrato de aluguer commercial será regulado pelas disposições do codigo civil que regem o contrato de aluguer e quaesquer outras applicaveis d'este codigo, salvas as prescripções relativas aos fretamentos de navios.

TITULO XX

Da transmissão de creditos mercantis

Art. 486.° A transmissão dos titulos á ordem far-se-ha por meio de indosso, a dos titulos ao portador pela entrega real, a dos titulos publicos negociaveis na fórma determinada pela lei de sua creação ou pelo decreto que auctorisar a respectiva emissão, e a dos não indossaveis nem ao portador nos termos prescriptos no codigo civil para a cessão de creditos.

LIVRO TERCEIRO

Do commercio maritimo

TITULO I °

Dos navios

CAPITULO I

Disposições geraes

Art. 487.º Os navios são reputados bens moveis para todos os effeitos juridicos, salvas as modificações ou restricções d'este codigo.

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382 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

§ unico. Fazem parte do navio os botes, lanchas, escaleres, aprestes, apparelhos, armas, provisões e mais objectos destinados ao seu uso; e, se o navio é movido a vapor, a sua machina e os accessorios d'ella.
Art. 488.° Serão havidos como nacionaes, para os effeitos d'este codigo, os navios, que como taes, se acharem matriculados nos termos do acto especial de navegação.
Art. 489.º A posse de um navio sem titulo de aequisição não importa propriedade.
Art. 490.° As questões sobre propriedade do navio, privilegios e hypothecas que o onerem são reguladas pela lei da nacionalidade que o navio tiver ao tempo em que o direito, que for objecto da contestação, tiver sido adquirido.
§ 1.° O mesmo se observará nas contestações relativas a privilegios sobre o frete ou carga do navio.
§ 2.° A mudança de nacionalidade não prejudicará, salvos os tratados internacionaes, os direitos anteriores sobre o navio.
Art. 491.° Os contratos que tiverem por objecto a construcção de um navio devem ser reduzidos a escripto.
§ 1.° O dono do navio em construcção póde resilir o contrato com o constructor ou empreiteiro por motivo de impericia ou de fraude manifestadas na construcção.
§ 2.° O titulo de construcção de um navio indicará o preço em divida.
§ 3.º São applicaveis as disposições d'este artigo e paragraphos aos contratos de grande reparação de navios, e a todos os que modificarem, alterarem, substituirem ou revogarem os de construcção e os de grande reparação.
§ 4.° Haver se-ha por contrato de grande reparação de navio todo aquelle cuja importancia exceder metade do seu valor.
Art. 492.° Todo o contrato de transmissão do navio deve ser celebrado por escripto authentico ou authenticado.
§ 1.° É applicavel a estes contratos a disposição do § 2.° do artigo antecedente.
§ 2.° Se a transmissão houver logar em paiz estrangeiro, o titulo será registado no consulado da circumscripção aonde se achar o navio na occasião do contrato, ou no do primeiro porto em que entrar, se o contrato foi feito aonde não havia consulado portuguez.
§ 3.° O consul portuguez deve remetter pelo primeiro correio á, secretaria do tribunal do commercio em que se achar matriculado o navio uma copia do registo feito no consulado.
§ 4.° O contrato de transmissão do navio sara immediatamente averbado no respectivo passaporte real.
Art. 4.93.° O navio despachado para viagem não póde ser arrestado ou penhorado, a não ser por divida contrahida para o aprovisionamento d'essa mesma viagem ou para caução de responsabilidade por abalroação.
§ unico. O arresto ou a penhora sobre generos ou mercadorias já carregados em navio que se achar nas circumstancias previstas n'este artigo não auctorisa a sua descarga, senão nos termos em que o proprio carregador teria ainda o direito de a exigir, pagando o interessado o frete, as despezas de carga, descarga e desarrumação, e prestando caução ao valor da fazenda.

CAPITULO II

Do proprietario

Art. 494.° O proprietario de um navio é civilmente responsavel:
1.° Pelos actos e ommissões do capitão e da tripulação;
2.° Pelas obrigações contrahidas pelo capitão relativas ao navio e sua expedição;
3.° Pelos prejuizos occorridos durante o tempo e por occasião de qualquer reboque;
4.° Pelas faltas de pilotos ou praticos tomados a bordo.
§ 1.° Cessa a responsabilidade imposta no n.° 2.° d'este artigo pelo abandono do navio e do frete ganho ou a vencer, excepto no caso de obrigações contrahidas para pagamento de soldadas á tripulação.
§ 2.° Cessa a responsabilidade imposta no n.º 3.° d'este artigo, quando, pela propria natureza do reboque, a direcção do navio pertencer exclusivamente ao capitão do rebocador, pois que n'este caso o proprietario só é responsavel pelas faltas do capitão e tripulação do seu navio.
§ 3.° Cessa a responsabilidade imposta no n.º 4.° d'este artigo, quando a admissão do piloto ou pratico for ordenada pela respectiva lei local.
Art. 495.º O proprietario póde despedir o capitão antes de começada a viagem, não lho sendo devida indemnisação alguma, a não ser que por contrato se tenha resalvado o direito do a exigir.
§ unico. Se o capitão é co-proprietario do navio, póde, em caso de despedida, renunciar á sua parte e exigir o reembolso do capital que a representa.
Art. 493.° Os diversas interessados, em qualquer especulação maritima poderão reunir-se sob a denominação de parceria.
§ 1.° Podem formar esta reunião os armadores; estes com a tripulação; uns e outros com os carregadores.
§ 2.° São armadores os co-proprietarios do navio e os que, afretando-o, fizerem esquipal-o.
Art. 497.º E applicavel á parceria maritima o que fica disposto quanto ás sociedades em commandita e á conta em participação, consoante a fórma por que aquella for constituida, em tudo o que não se oppozer á sua natureza, è salvas as disposições dos paragraphos seguintes:
§ 1.° Em falta de nomeação, é caixa da parceria o capitão, se a pareceria é feita entre os armadores e a tripulação; se o for tambem com os carregadores, o maior interessado que estiver a bordo ou o seu commissario; e, na falta de ambos, o capitão.
§ 2.° Os lucros e perdas na parceria maritima devem distribuir-se, não havendo convenção em contrario, na proporção do interesso que tiver cada armador, sendo co-proprietario no valor da embarcação ao tempo do contrato e sendo afretador na epocha da esquipação; do valor que, pelo preço corrente ao tempo e no logar do contrato, tiver a carga respectiva a cada carregador; o dos vencimentos e salarios de cada individuo da tripulação.
§ 3 ° O caixa não póde, sem consentimento da maioria dos compartes, emprehender viagens, contratar novo fretameto do navio, segurar este e fazer concertos ou outras despezas d'onde resultar obrigação pessoal da parceria.
§ 4.° O caixa tem, entre outras attribuições, as seguintes:
1.° Ajustar o capitão ou despedil-o, ainda que este seja comparte;
2.º Regular as despezas com a esquipação e abastecimento e custeio da embarcação durante a viagem e as condições do fretamento;
3.° Segurar as despezas do concerto feito durante a viagem e o frete a vencer;
4.° Dar aos compartes no fim de cada viagem conta do estado da parceria, e fazer a distribuição dos lucros ou perdas.
§ 5.º A parceria responde para com os credores e lesados nas occorrencias da viagem pelos factos do caixa, do capitão e da tripulação, com recurso contra estes.
§ 6.° Esta responsabilidade póde tornar-se effectiva nos respectivos quinhões dos que forem compartes e nos vencimentos o soldadas dos que o não forem.

CAPITULO III

Do capitão

Art. 498.° O capitão é a pessoa encarregada do governo e expedição do navio, e n'esta qualidade responsavel pelas faltas que commetter no exercicio das suas funcções.

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§ unico. Cessa a responsabilidade do capitão por motivo de caso fortuito ou força maior.
Art. 499.° O capitão responde para com os carregadores pelas fazendas carregadas que constam do respectivo conhecimento, pelo damno supportado por as que deixar carregar no convez do navio, sem consentimento escripto do carregador; mas não por objectos preciosos, dinheiro e titulos de credito não declarados no conhecimento.
§ unico. A simples declaração exarada nos conhecimentos da carga de que as mercadorias vão no convez, importa assentimento do carregador, salvo protesto immediato.
Art. 500.° Pertence ao capitão formar e ajustar a tripulação, ouvidos os armadores ou proprietarios do navio, se estiverem presentes, ou os consignatarios, havendo-os.
§ unico. O capitão não póde ser obrigado a tomar contra sua vontade ao serviço do navio tripulante algum.
Art. 501.° O capitão deve ter a bordo:
1.° Livro de passageiros e carga;
2.° Livro de contas;
3.° Diario de navegação;
4.° Inventario de bordo.
§ unico. O livro de passageiros e carga póde ser substituido pelos manifestos e relações equivalentes, comtanto que satisfaçam aos requisitos exigidos no artigo 503.°
Art. 502.° Os livros de bordo serão numerados e rubricados pela auctoridado maritima do porto em que o navio se achar matriculado.
§ unico. Sendo preciso renovar algum dos livros, achando-se o navio em viagem ou em algum porto de carga differente do da matricula, póde a numeração e a rubrica ser feita pela auctoridade d'esse porto ou pelo consul portuguez.
Art. 503.° O livro de passageiros e carga deve conter: os nomes, procedencia e destino dos passageiros; a qualidade e quantidade dos objectos carregados, designados os volumes pelos seus numeros e marcas; os portos da sua carga e descarga; os nomes dos carregadores e dos destinatarios ou consignatarios; e quaesquer declarações que o capitão julgar necessarias ácerca das pessoas ou cousas a bordo.
Art. 504.° O livro de contas deve conter a receita e despeza relativa ao navio, comprehendendo: as soldadas da tripulação, as despezas com arribadas, o levantamento de dinheiro a risco e todas as mais verbas de credito e debito da responsabilidade do capitão.
Art. 505.° O diario do navegação deve conter: a indicação do porto de saída, as manobras feitas, o caminho percorrido, as observações geographicas, metereologicas e astronomicas, as Decorrencias da viagem, as avarias soffridas, a designação dos objectos perdidos ou abandonados, o assento dos nascimentos e obitos a bordo, as resoluções tomadas em conselho e quaesquer outros acontecimentos ordinarios e extraordinarios da derrota e navegação.
Art. 506.° O inventario de bordo devo conter: a relação dos aprestes, moveis, instrumentos e mais objectos de que for provido o navio, com a indicação das alterações que forem occorrendo.
Art. 507.° O capitão deve fazer proceder á vistoria do navio antes de emprehender qualquer viagem, a fim de se conhecer do seu estado de navigabilidade, salvo se a precedente vistoria houver sido feita ha menos de seis mezes.
§ 1.º A disposição d'este artigo comprehende os navios estrangeiros surtos nos portos do reino e seus dominios.
§ 2.º Nas vistorias, a que nos termos d'este artigo se houver do proceder, será sempre apresentado o inventario de bordo, para se verificar que existem os sobrecellentes n'elle indicados.
§ 3.° A vistoria será presidida pelo juiz do tribunal do commercio, e, na sua falta, pela auctoridade maritima do porto.
§ 4.° A vistoria estabelece presumpção de boa navigabilidade do navio, e a falta d'ella torna responsavel o capitão para com os interessados no navio e carga.
§ 5.° A vistoria não isenta de responsabilidade o fretador, se os interessados provarem ter saído innavegavel o navio por effeito de vicios occultos.
Art. 508.° O capitão deve dentro de vinte e quatro horas da sua chegada ao porto do destino apresentar o seu diario de navegação á auctoridade encarregada de o legalisar, para ser visado; e, no caso de arribada, naufragio ou evento extraordinario de que proviesse demora da viagem ou avaria causada ao navio, carga ou passageiros, deverá fazer em igual praso o seu relatorio de mar perante a dita auctoridade, o qual será completado com a informação summaria, prestada pela tripulação e passageiros, se houver occasião de os interrogar.
§ 1.° Os interessados, ou quem os represente, independentemente de procuração e como gestores de negocio, serão admittidos a assistir.
§ 2.° Os relatorios de mar confirmados pela; informação summaria fazem fé em juizo, salva prova em contrario.
§ 3.° Será sufficiente o interrogatorio do capitão para produzir igual effeito o seu relatorio ou protesto de mar, sendo elle, o unico salvo de naufragio a apresentar-se no logar aonde faz o relatorio.
§ 4.° O relatorio deve declarar o porto e o dia da saída do navio, a derrota percorrida, os perigos supportados, os damnos acontecidos ao navio ou á carga e em geral todas as circumstancias importantes da viagem.
Art. 509.º O capitão não póde, salvos casos de urgencia ou de força maior, começar a descarga do navio, em quanto o seu relatorio não estiver feito e confirmado.
Art. 510.° São obrigações do capitão:
1.° Fazer boa estiva, arrumação, guarda e entrega da carga;
2.° Levantar ferro no primeiro ensejo favoravel, logo que tiver a bordo tudo o que for preciso para a viagem;
3.° Levar o navio ao seu destino;
4.° Conservar-se a bordo por todo o tempo da viagem, qualquer que for o perigo;
5.° Tomar piloto pratico em todas as barras, costas e paragens onde a lei, o costume ou a prudencia o exigir, observando os regulamentos do porto;
6.º Chamar a conselho os officiaes, armadores, caixas e carregadores que estiverem a bordo, ou seus representantes, em qualquer evento importante d'onde poder vir prejuizo á embarcação ou á carga;
7.° Empregar toda a diligencia por salvar e ter em boa guarda o dinheiro, mercadorias e objectos de valor e os despachos e papeis do bordo, sempre que tiver, de abandonar o navio;
8.° Sacrificar do preferencia, em caso de alijamento, os objectos de menos valor, os menos necessarios ao navio, os mais pesados e os que pejarem a coberta;
9.° Observar nas arribadas forçadas em tudo que lhe for applicavel o disposto no titulo VI d'este livro;
10.° Tomar as necessarias cautelas para a conservação da embarcação ou da carga apresadas, embargadas ou detidas;
11.° Aproveitar durante a viagem todas as occasiões de dar aos armadores ou caixas, ou aos seus, representantes, nos portos de entrada ou de arribada, noticia dos acontecimentos da viagem, das despezas extraordinarias em beneficio da embarcação e de quaesquer fundos para esse fim levantados;
12.° Exhibir os livros de bordo aos interessados que prepretenderem examinal-os, consentindo que d'elles tirem copias ou extractos.
Art. 511.° O capitão é pessoa competente para em qualquer nação representar em juizo, os proprietarios ou armadores do navio, quer como auctor, quer como réu e é tambem o seu mandatario em tudo o que diz respeito á gerencia

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e expedição do navio, podendo proceder livremente durante a viagem e nos paizes estrangeiros.
§ unico. Estando presente algum dos proprietarios ou armadores do navio ou qualquer seu representante, não póde o capitão, sem a sua auctorisação, mandar fazer reparos, comprar velas, cabos e outros aprestes, ajustar fretamentos o levantar dinheiro por conta da carga.
Art. 512.° Durante a viagem, se for preciso ao capitão servir-se para uso do navio dos objectos que estiverem a bordo, podel-o ha fazer, ouvidos os principaes da tripulação.
Art. 513.° Se no decurso da viagem o capitão tiver necessidade de dinheiro para obras de reparação, compra de vitualhas ou outra urgencia do navio, dará aviso immediato aos armadores, afretadores e destinatarios para o habilitarem a, estas despezas; e, não podendo fazer este aviso, ou não havendo tempo para esperar a resposta e as providencias dos interessados, pedirá para taes despezas, e para levantar o dinheiro preciso auctorisação ao juiz presidente do tribunal do commercio, e, não o havendo, ao magistrado judicial do porto.
§ 1.º Havendo logar esta occorrencia em paiz estrangeiro, a auctorisação será pedida ao agente consular portuguez, e, na sua falta, á, auctoridade judicial do paiz.
§ 2.º Estes encargos serão lançados no diario de navegação, fazendo-se ali circumstanciada monção d'elles, bem como dos titulos de obrigação.
§ 3.° O capitão, antes de partir do porto onde teve de fazer despezas extraordinarias e contrahir obrigações sem a intervenção directa dos proprietarios ou armadores do navio, enviará a estes uma conta corrente de taes despezas, com indicação dos documentos justificativos d'ellas e dos encargos contrahidos, comprehendendo, quanto a estes, o nome e a residencia dos credores.
Art. 514.° A responsabilidade para com os carregadores a respeito das fazendas vendidas comprehende os valores que ellas teriam no logar e na epocha da descarga do navio.
Art. 515.° O capitão não póde vender o navio sem auctorisação especial do seu proprietario, salvo o caso unico de innavigabilidade.
§ 1.° A innavigabilidade e a venda serão decretadas pelo presidente do tribunal do commercio ou magistrado em que elle delegar; e, se a occorrencia succeder em paiz estrangeiro, pelo agente consular portuguez, ou, na sua falta, pela auctoridado judicial do paiz.
§ 2.° Se o navio for julgado innavegavel, incumbe ao capitão procurar e afretar um outro navio para levar a carga ao seu destino.
§ 3.° Cessa a obrigação de que trata o § anterior, se for exigido maior freto do que o que vencia o navio, a não ser que os interessados na carga convenham no augmento do frete, o qual, em tal caso, será de conta d'elles.
Art. 516.° O capitão póde exigir o pagamento dos seus vencimentos e o reembolso das despezas que tiver pago, logo que der contas.
§ unico. Havendo duvida na liquidação das contas, o pagamento do saldo será feito mediante caução.
Art. 517.° A pessoa que substituir o capitão competem os mesmos direitos e deveres.

CAPITULO IV

Da tripulação

Art. 518.° Constituem a tripulação de um navio: o capitão ou mestre, os officiaes, os marinheiros e creados de bordo que fazem parte do rol da equipagem, organizado conforme os regulamentos, e tambem os machinistas, fogueiros e mais pessoas ao serviço dos navios a vapor.
§ 1.° O rol da equipagem deve indicar o nome, qualidade e domicilio de cada um dos contratados, o seu vencimento e as mais condições do contrato.
§ 2.° Este contrato deve ser feito por escripto perante
0 competente chefe maritimo ou seus delegados, e nos paizes estrangeiros perante o agente consular portuguez, procedendo-se em seguida á matricula da tripulação.
§ 3.° Sendo feito o contrato em logar onde não haja agente consular portuguez, será escripto e assignado no diario de navegação.
Art. 519.° Os marinheiros e as mais pessoas da tripulação, são obrigados a servir no navio, ainda que tenha expirado o termo do seu ajuste, por todo o tempo que for preciso para elle regressar ao porto d'onde saiu, uma vez que o regresso haja logar directamente, e feitas só as escalas indispensaveis.
§ l.º No caso previsto n'este artigo, a tripulação tem direito ao acrescimo de salario correspondente ao maior tempo de serviço.
§ 2.° O contrato, porem, considera-se terminado ainda antes de expirado o praso convencionado, se o navio regressa ao porto da salda, tendo concluido a viagem antes d'aquelle praso.
Art. 520.° Se o contrato com a tripulação for por tempo indeterminado ou por todas as viagens que o navio haja de emprehender, fica livre ao tripulante despedir-se depois dos primeiros tres annos de serviço, salva a disposição do artigo antecedente.
§ 1.º Se a esse tempo o navio se achar em paiz estrangeiro sem ainda estar principiada ou determinada a viagem de regresso, o tripulante terá direito, alem dos salarios vencidos, a que lhe sejam pagas as despezas do regresso ao porto da matricula, a não ser que o capitão lhe obtenha meio de embarque.
§ 2.° A despedida, porém, não poderá effectuar-se em porto de escala ou de arribada, mas unicamente no porto da terminação da viagem.
Art. 521.° Terminado o contrato ou havido por terminado, com a despedida do tripulante, o capitão entregará a este o seu titulo de desobrigação, indicando n'elle o nome e a qualidade do navio e o tempo de embarque, ficando registado este titulo no diario de navegação.
Art. 522.° O capitão e a gente da tripulação não podem carregar fazenda por sua conta sem consentimento dos proprietarios ou armadores o sem pagar frete, salvo se outra cousa foi estipulada em seu contrato.
Art. 523.° Os direitos e os deveres entre o capitão e a tripulação começam desde a assignatura do contrato.
Art. 524.° Se a viagem deixa de se verificar por facto do proprietario, capitão ou afretadores, a tripulação reterá como indemnisação o adiantamento feito por conta dos seus salarios.
§ unico. Se não tiver havido adiantamento, a tripulação contratada ao mez recebe como indemnisação o salario de um mez; se o contrato é por viagem, recebe a importancia correspondente a um mez da sua duração provavel, sendo esta superior a um mez, ou todo o salario estipulado, não o sendo.
Art. 525.° Se a viagem se rompe depois da saída do navio, a tripulação contratada pela viagem inteira, é paga como se esta se concluisse; se o ajuste foi ao mez, são pagos os mezes vencidos, com uma indemnisação proporcional ao tempo provavel da viagem; e n'um e n'outro caso serão tambem pagas as despezas do regresso ao porto da matricula, a não ser que o capitão lhe obtenha algum meio de embarque.
Art. 526.° Se o commercio com o porto do destino do navio foi prohibido por virtude de providencia sanitaria ou de policia, ou se o navio e embargado por ordem do governo antes de começada a viagem, sómente são pagos os dias empregados pela tripulação em esquipar o navio.
Art. 527.° Se a prohibição do commercio ou o embargo do navio occorrerem durante a viagem, a tripulação tem

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direito, no primeiro caso, aos salarios em proporção do tempo de serviço, e no segundo caso, á metade do salario durante o tempo do embargo, se o salario é ao mez, e a todo o salario ajustado, se o contrato foi por-viagem.
Art. 528.° Tendo-se alongado a viagem no interesse dos afretadores e levado assim o navio a porto diverso de do seu destino, o salario, ajustado por viagem será augmentado em proporção do prolongamento da viagem.
§ unico. Se a descarga se fizer em um logar mais proximo do que aquelle para que fôra contratada, não sofferão por este motivo abatimento os vencimentos da tripulação.
Art. 529.° Se a tripulação se contratou "a partes", deixa de haver direito a indemnisação por qualquer evento da viagem, salvos os direitos da parceria.
Art. 530.° No caso de apresamento ou naufragio com perda inteira do navio e carga, não são devidos salarios á tripulação, salvo havendo frete adiantado; se, porém, esta tiver recebido qualquer adiantamento, este não é restituido.
§ 1.° Se pôde salvar-se alguma parte do navio, os salarios que estiverem vencidos serão pagos de preferencia pelos destroços do navio naufragado ou pelo que se poder recobrar do apresamento; mas se os objectos salvos ou recobrados não forem sufficientes, ou havendo sómente fazendas salvas, a tripulação será paga subsidiariamente pelo frete.
§ 2.° Qualquer que seja a natureza do contrato, á tripulação será pago o salario pelos dias empregados na salvação do navio e carga.
Art. 531.° O tripulante que durante a viagem se fere ou adquire lesão ou doença no desempenho do serviço do navio, será pago dos seus salarios por todo o tempo que durar o seu impedimento, e obterá alem d'isso curativo por conta do navio.
§ 1.° Se o serviço a que se refere este artigo tiver sido para salvação do navio, as despezas do tratamento serão á conta d'este e da carga.
§ 2.° Se o tratamento tiver de ser feito em terra, o capitão entregará ao agente consular portuguez a quantia precisa para esse tratamento e para o regresso do tripulante ao porto da matricula: não havendo agente consular, o capitão proverá a que o tripulante seja admittido em algum hospital ou casa de saude, mediante o adiantamento que for necessario para o seu curativo.
§ 3.° Este tratamento e o pagamento das soldadas, tendo desembarcado o tripulante, não se estenderão a mais de quatro mezes.
Art. 532.° Se o tripulante se fere, ou se adquire doença ou lesão por sua culpa, ou achando-se em terra sem auctorisação do capitão, serão á sua custa as despezas do tratamento; sendo, porém, o capitão obrigado a adiantar essas despezas, se o tripulante o exigir, e devendo aquelle, quando este tenha de desembarcar para se tratar, proceder pela fórma determinada no artigo precedente, salvo o direito ao reembolso.
§ unico. No caso de ferimento, doença ou lesão, adquiridos por culpa do tripulante, a soldada será devida sómente pelo tempo em que elle tiver feito serviço.
Art. 533.° Fallecendo algum tripulante durante a viagem, os seus herdeiros têem direito aos respectivos salarios até ao dia do fallecimento, se o contrato foi ao mez; á metade dos salarios, sendo o contrato por viagem, se o o fallecimento occorreu na ida ou no porto do destino e á totalidade dos salarios, se occorreu no regresso.
§ 1.° Tendo o contrato sido "a partes" é devido aos herdeiros do tripulante O quinhão d'este, se o fallecimento occorreu depois da viagem começada.
§ 2.° Se o tripulante morreu em defeza do navio, o salario é devido por inteiro e por toda a viagem, uma vez que o navio tenha chegado a porto de salvamento.
Art. 534.° Apresado o navio, os salarios são devidos até ao dia do apresamento.
§ 1.° Sendo aprisionados os tripulantes que hajam saído do navio era serviço d'este, são-lhes devidos tambem os salarios pelo tempo que tiver durado esse serviço.
§ 2.° A carga contribue para este pagamento, se a saída do tripulante foi no interesse d'ella.
Art. 535.° Se for vendido o navio na vigencia do contrato com a tripulação, esta tem direito a ser transportada ao porto da sua matricula á custa do navio e a receber os interesses estipulados.
Art. 536.° O capitão póde despedir o tripulante antes do termo do contrato, sem que precise provar a causa da despedida, devendo, porém, entregar-lhe o seu titulo de desobrigação e fornecer-lhe os meios de se transportar ao porto da matricula, ou procurar-lhe embarque em navio com esse destino.
§ 1.° O tripulante que for despedido depois do encerramento do rol sem motivo justificado tem direito á indemnisação, de dois mezes de soldada, alem da vencida pelo tempo já decorrido.
§2.° Não póde o capitão em qualquer; d'estes casos fazer-se reembolsar pelos proprietarios ou armadores do navio da importancia da indemnisação que tiver pago, se a despedida não for de accordo com elles.
Art. 537.° Os tripulantes têem direito a ser sustentados a bordo emquanto não forem integralmente pagos dos seus vencimentos, ou da parte dos interesses que lhes forem devidos pelo seu contrato.
§ unico. Ainda depois de findo o termo do contrato têem obrigação de continuar a fazer o serviço do navio, até que este seja posto em segurança, admittido a livre pratica e descarregado, continuando tambem o sustento a bordo e o pagamento dos seus salarios por este acrescimo do trabalho.
Art. 538.° Se, estando em quarentona, o navio tiver de partir para outra viagem, o tripulante que não quizer para ella contratar-se tem direito a ser desembarcado no lazareto, sendo á conta do navio as despezas que, elle ahi houver de fazer e os salarios por todo o tempo que se demorar.
Art. 539.° Os salarios e interesses dos tripulantes não podem ser cedidos, arrestados ou penhorados, a não ser por motivo de alimentos devidos por lei ou por dividas dos tripulantes ao navio.
§ unico. No caso de divida por alimentos, a cedencia, o arresto ou a penhora, só podem comprehender a terça parte dos vencimentos, sem que ao tripulante seja licito estipular o contrario.

CAPITULO V

Do conhecimento

Art. 540.° O conhecimento deverá conter:
1.° Nomes e domicilio do dono, do carregador, do capitão ou afretador, e do destinatario, quando pessoa certa;
2.° Nome, nacionalidade e tonelagem do navio;
3.° Designação da natureza, qualidade e quantidade dos objectos carregados, suas marcas, contra marcas e numeros;
4.° Os portos de partida, escala e destino;
5.° O frete;
6.° A data em que o conhecimento for assignado;
7.° O numero de exemplares.
§ 1.° O conhecimento póde ser á ordem, ao portador ou a pessoa certa.
§ 2.° O capitão deve dar tantos exemplares do conhecimento quantos exigir o carregador, não podendo o numero ser inferior a quatro: um para o carregador, outro para o destinatario, outro para o capitão e outro para o armador.

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§ 3.° Cada um dos conhecimentos deve indicar a qual dos interessados e destinado.
§ 4.° O capitão, assignará todos os conhecimentos, excepto os que lhe forem destinados, que serão assignados pelo carregador.
Art. 541.° As fazendas serão entregues pelo capitão no logar do destino, a bordo ou na alfandega, conforme for o estylo do porto ou conforme estiver pactuado no afretamento ou no conhecimento, á pessoa designada n'este ultimo titulo.
§ unico. Se mais de uma pessoa se apresentar com conhecimento regular das mesmas fazendas, ficarão esta em deposito á ordem da alfandega, até que as justiças competentes decidam a quem hão de ser entregues, sem prejuizo dos direitos fiscaes e de quaesquer encargos que por lei onerem as mesmas fazendas.
Art. 542.° O conhecimento regular faz fé entre os interessados no carregamento e entre estes e os seguradores e o carregador, salvo provando-se dolo.
§ l.° Ao terceiro portador não póde ser opposto o dolo do carregador.
§ 2.° Os terceiros, estranhos ao contrato de fretamento, e designadamente os seguradores podem provar a falsidade do conhecimento por qualquer meio de prova.

CAPITULO VI

Do fretamento

Art. 543.° O contrato de fretamento deve ser reduzido a escripto n'um instrumento, que constituirá a carta-partida, ou de fretamento, devendo n'elle enunciar-se:
1.° O nome, nacionalidade e tonelagem do navio;
2.° O nome do capitão;
3.º Os nomes do fretador e do afretador ou carregador;
4.º O logar e tempo convencionados para carga e descarga;
5.° O preço do frete;
6.° Se o fretamento é total ou parcial;
7.° A indemnisação convencionada no caso de demora.
Art. 544.° O contrato de fretamento póde ser:
1.º Redondo, por todo o navio;
2.° Por uma parte do navio;
3.º Por uma ou mais viagens;
4.° Á carga, á, colheita ou á prancha, quando o capitão recebe de todos quantos se lhe apresentam as fazendas que bem lhe parece para serem carregadas e transportadas ao porto do destino;
5.° Por objectos determinados ou designados sómente pelo seu numero, peso o volume.
§ 1.° Na falta de declaração o contrato presume-se ser de fretamento redondo.
§ 2.° Declarando o fretador ser o navio de lotação superior ou inferior á sua lotação real, se a differença exceder a vigesima parte d'esta, o afretador tem direito a indemnisação por perdas e damnos.
Art. 545.° O afretador deve entregar ao capitão dentro de vinte e quatro horas depois de carregado o navio os papeis respeitantes ao carregamento.
Art. 546.° A mudança de capitão não impede que subsista o contrato de fretamento, salva convenção em contrario.
Art, 547.° Não se estipulando na carta de fretamento o tempo para a carga e descarga do navio, calcular-se-ha a estadia, se o navio for a vapor, na rasão de cento e vinte toneladas de peso por dia, e se for de vela na de metade.
§ 1.° Havendo sobre-demoras, serão estas pagas na rasão de cem réis por cada tonelada de navio a vapor, e na de cincoenta réis por cada uma dos de véla.
§ 2.° No tempo regulado n'este artigo o § 1.º não são contados os domingos o dias santificados.
Art. 548.° Se o contrato de fretamento e ao mez ou por periodo de tempo determinado, a sua duração se contará do dia em que se achar prompto a carregar até ao dia em que terminar a descarga.
Art. 549.° Se a saída do navio para o porto do seu destino é embaraçada por motivo de força maior, guerra, bloqueio ou interdicção de commercio, ha logar á rescisão do fretamento.
§ unico. Nos casos previstos n'este artigo não tem o fretador direito a indemnisação, e são por conta do afretador as despezas da descarga.
Art. 550.° Se o impedimento occorrer durante a viagem, ha direito ao frete pelo caminho andado.
§ unico. Sendo temporario o impedimento, póde o afretador descarregar as fazendas, fazendo-o á sua custa, e com a condição de as tornar-a carregar ou de indemnisar o capitão, prestando n'um e n'outro caso caução, quando exigida.
Art. 551.° Estando bloqueado o porto do destino do navio, ou dando-se algum caso de força maior que embarace a entrada do navio n'esse porto, o capitão aportará a outro porto, ou retrocederá áquelle d'onde saiu, conforme entender que é mais proveitoso ao afretador.
§ 1.° No caso de voltar o navio ao porto d'onde saiu, vencerá o frete da ida e mais um terço pelo regresso.
§ 2.° Se o navio aportar a outro porto, vencerá, alem do frete da ida, tambem um terço por aquelle excesso de caminho.
§ 3.° O capitão poderá tambem fazer expedir n'outro navio as fazendas ao seu destino, sendo n'este caso o frete a cargo dos afretadores.
§ 4.° O disposto n'este artigo e seus paragraphos entender-se-ha na falta de ordens recebidas, ou sendo estas inexequiveis.
Art. 552.º São logares reservados, para o effeito de se não considerarem comprehendidos no fretamento, a camara do capitão e os compartimentos de accommodação do pessoal e material do navio.
Art. 553.° Não estando designada na carta de fretamento a epocha em que o navio devo estar prompto a metter carga, é permittido ao fretador fixal-a.
§ unico. O fretador que não apresentar prompto o navio na epocha determinada responde por perdas e damnos.
Art. 554.° Se o navio for fretado na totalidade e o afretador deixar de concluir o carregamento, não póde o capitão carregar quaesquer fazendas sem conhecimento do afretador.
§ unico. Ao afretador pertence o frete das fazendas que completarem o carregamento.
Art. 555.° O afretador que renunciar ao contrato antes de começar a carregar o navio deve pagar metade do frete.
§ l.º Carregando menos do que o convencionado, paga o frete por inteiro.
§ 2.° Se carregar alem do convencionado, paga frete pelo excesso carregado.
Art. 556.° O afretador póde retirar do bordo quaesquer dos objectos carregados, se pagar o frete por inteiro e as despezas da entrada a bordo, estiva e descarga, e restituir os conhecimentos.
Art. 557.° O frete das fazendas sacrificadas para salvação do navio e carga será pago integralmente na conta de avaria grossa.
§ 1.° Tambem se pagará por inteiro o frete das fazendas que perecerem na viagem por vicio proprio, ou que forem vendidas em seu unico beneficio, salva a deducção das despezas que por motivo d'este evento o capitão ficar dispensado de effectuar.
§ 2.° Será igualmente pago por inteiro o frete das fazendas applicadas para as necessidades do navio, se este chegou a bom porto, salva a obrigação de pagar o navio aos donos das fazendas o valor que ellas teriam no porto da descarga.
Art. 558.° Se o capitão é obrigado, por motivo de caso fortuito ou de força maior, a concertar o navio durante a

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viagem, e o afretador, por não querer esperar pela conclusão do concerto, fizer descarregar as fazendas, pagará o frete por inteiro, prestando, porém, caução pela quota de avaria grossa a que as fazendas possam estar obrigadas.
Art. 559.° Não é devido frete, se o afretador provar que o navio era innavegavel na occasião de emprehender a viagem para que fôra atretado.
Art. 560.° Não é devido frete pelo tempo que durarem os concertos do navio, se este foi atretado ao mez ou por periodo determinado, nem augmento de frete, se o fretamento foi por viagem.
§ unico. Tambem não é devido frete ou argumento de frete, se o navio é demorado por bloqueio do porto ou por outro caso do força maior.
Art. 561.° Se o destinatario ou o consignatario das fazendas recusa tomar entrega d'ellas, deve o capitão requerer ao juiz presidente do tribunal do commercio que nomeie um consignatario, o qual tomará conta das fazendas, promovendo a venda judicial das que forem necessarias para pagamento do frete, avarias e despezas a que estiverem, sujeitas.
§ unico Se as fazendas forem susceptiveis de deterioração, promovera o dito consignatario a venda de todas, consignando o seu producto em deposito, á ordem do juizo, e dando, perante elle, a sua conta, carregando, n'esta, a commissão de venda segundo o estylo da praça.
Art. 562.° Se as fazendas forem carregadas a entregar á ordem, deve o capitão chamar o destinatario por annuncios, publicados em tres numeros successivos do mesmo jornal, onde o houver, e, não o havendo, affixados no logar do estylo.
§ unico. Se ninguem se apresentar a reclamar as fazendas, deve o capitão proceder nos termos do artigo precedente.
Art. 563 ° Não póde o capitão para segurança do frete, avarias e despezas reter as fazendas a bordo, sendo-lhe unicamente licito durante a descarga pedir o deposito das que forem sufficientes para aquelle pagamento.
Art. 564.° Não se poderá pedir a reducção do frete nem abandonar, ao frete as fazendas por motivo de demora na chegada, diminuição de valor ou deterioração.
§ unico. No caso das vasilhas que contiverem liquidos se esvasiarem por mais de metade, podem abandonar se ao frete essas vasilhas, e o seu conteúdo.

CAPITULO VII
Dos passageiros

Art. 565.° O transporte de passageiros será regulado, na falta de convenção especial, pelas disposições d'este capitulo.
Art. 566.° Se o passageiro não se apresenta abordo em tempo competente, é devida a passagem por inteiro.
§ l.° Se a falta de apresentação foi por motivo de obito, doença ou outro caso de força maior que impeça o interessado de seguir viagem, ou se este declara que renuncia a ella, é devida meia passagem.
§ 2.°Se, por facto do capitão, o passageiro não póde seguir viagem, tem direito não só a restituição immediata da importancia da passagem, mas tambem á indemnisação de perdas e damnos.
§ 3.° Se o impedimento proveiu de caso fortuito ou força maior a respeito do navio, ha logar á restituição da passagem, ficando rescindido o contrato, e não haverá direito a indemnisação de parte a parte.
Art. 567.° Se durante a viagem o passageiro preferiu desembarcar em um porto que não seja o do seu destino, a passagem é devida por inteiro.
§ 1.° Se o desembarque em porto que não seja o do destino é motivado por acto ou culpa do capitão, ha logar a indemnisação por perdas e damnos.
§ 2.º Se o desembarque for proveniente de caso fortuito ou força maior que diga respeito ao navio ou ao passageiro, a passagem é devida na proporção do caminho andado.
Art. 568.° Fallecendo o passageiro em naufragio, não é restituida aos herdeiros a passagem, se tiver sido paga; se estiver por pagar, não póde ser exigida.
Art. 569.° Se por outro motivo, que o de caso fortuito ou força maior, o navio se demorar em sair, o passageiro tem direito a permanecer a bordo, e tambem a ser alimentado ali durante todo o tempo da demora, alem da imdemnisação por perdas e damnos.
Art. 570.° Se a demora exceder a dez dias, póde o passageiro resilir o contrato, sendo-lhe restituida a passagem, se a tiver pago.
§ unico. Se porém a demora proveiu de mau tempo, a restituição comprehenderá sómente dois terços.
Art. 571.° O navio que tiver sido atretado exclusivamente para o transporte de passageiros, deve conduzil-os ao porto do seu destino, sem outras escalas alem das annunciadas ou das que são de uso commum.
Art. 572.° Se o navio se desvia da derrota por acto ou culpa do capitão, os passageiros serão alojados e alimentados por todo o tempo d'este desvio, á custa do navio, com direito a indemnisação por perdas e damnos, podendo resilir o contrato.
Art. 573.° Se, alem dos passageiros o navio conduzir fazendas, póde o capitão entrar em qualquer porto, como lhe for preciso para a descarga.
Art. 574.° Sendo demorado o navio para se concertar, póde o passageiro resilir o contrato, pagando a passagem em proporção do caminho andado.
§ unico. Se preferir esperar que o navio prosiga na derrota, não paga maior passagem, mas o sustento será á sua custa durante o tempo da demora.
Art. 575.° O sustento do passageiro durante a viagem presume-se comprehendido no frete.
§ l.° Se o sustento foi excluido, compete ao capitão fornecel-o por justo preço ao passageiro que tiver, necessidade d'elle.
§ 2.° Nas viagens para fóra do continente do reino os passageiros têem direito de ficar a bordo, e de ser sustentados por todo o tempo que o navio se demorar no porto do destino, não excedendo vinte e quatro horas.

CAPITULO VIII

Dos privilegios creditorios e das hypothecas

SECÇÃO I

Dos privilegios creditorios

Art. 576.° Os creditos designados n'esta secção preferem a qualquer privilegio geral ou especial sobre moveis estabelecido no codigo civil.
Art. 577.° Dado o caso de se deteriorar ou de diminuir de valor o navio ou qualquer dos objectos em que recáe o privilegio, este subsiste quanto ao que sobejar ou poder ser salvo e posto em segurança.
Art. 578.° Se o producto do navio ou dos objectos sujeitos ao privilegio não for sufficiente para embolsar os credores privilegiados de uma ordem, entre elles se fará rateio.
Art. 579.° O indosso de um titulo de credito que tem privilegio transmitte igualmente esse privilegio.
Art. 580.° As dividas que têem privilegio sobre o navio são graduadas pela ordem seguinte:
1.° As custas e despezas judiciaes feitas no interesse commum dos crédores; 2:° Os salarios devidos por assistencia e salvação;

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3.° As despezas de pilotagem e reboque da entrada no porto;

4.° Os direitos de tonelagem, pharoes, ancoradouro, saude publica e quaesquer outros de porto;

5.° As despezas com a guarda do navio e com armazenagem dos seus pertences;

6.° As soldadas do capitão e tripulantes;

7.° As despezas de custeio e concerto do navio e dos seus aprestes e apparelhos;

8.° O embolso do preço de fazendas do carregamento, que o capitão precisou vender;

9.° Os premios do seguro;

10.°O preço em divida da ultima acquisição do navio;

11.° As despezas com o concerto do navio e seus aprestes e apparelhos nos ultimos tres annos anteriores á viagem e a contar do dia em que o concerto terminou;

12.° As dividas provenientes de contratos para a construcção do navio;

13.° Os premios dos seguros feitos sobre o navio, se todo foi segurado, ou sobre a parte e accessorios que o foram, não comprehendidos no n.° 9.°;

14.° A indemnisação devida aos carregadores por falta de entrega das fazendas ou por avarias que estas soffressem.

§ unico. As dividas mencionadas nos n.° 1.° a 9.° são as contrahidas durante a ultima viagem e por motivo d'ella.

Art. 581.° Os privilegios dos credores sobre o navio extinguem-se:

1.° Pelo modo por que geralmente se extinguem as obrigações;

2.° Pela venda judicial do navio, depois que o seu preço é posto em deposito, transferindo-se para esse preço o privilegio e a acção dos credores;

3.° Pela venda voluntaria feita com citação dos credores privilegiados, se houverem passado tres mezes sem que estes tenham feito valer os seus privilegios ou impugnado o preço da venda.

Art. 582.° As dividas que têm privilegio sobre a carga do navio são graduadas pela ordem seguinte:

1.° As despezas judiciaes feitas no interesse commum dos credores;

2.° Os salarios devidos por salvação;

3.° Os direitos fiscaes que forem devidos no porto da descarga;

4.° As despezas de transporte e de descarga;

5.° As despezas de armazenagem;

6.° As quotas de contribuição para as avarias communs;

7.° As quantias dadas a risco sob essa caução;

8.° Os premios do seguro.

§ unico. Os privilegios de que trata este artigo podem ser geraes, abrangendo toda a carga, ou especiaes, abrangendo só parte d'ella, conforme os creditos respeitarem a toda ou parte da mesma.

Art. 583.° Cessam os privilegios sobre a carga, se os credores os não fizerem valer antes de efectuada a descarga, ou nos dez dias immediatos e emquanto, durante este praso, os objectos carregados não passarem a poder de terceiro.

Art. 584.° As dividas que têem privilegio sobre o frete, são graduadas pela ordem seguinte:

1.° As despezas judiciaes feitas no interesse commum dos credores;

2.° As soldadas do capitão e tripulação;

3.° As quotas de contribuição para as avarias communs;

4.° As quantias dadas a risco sob essa caução;

5.° Os premios do seguro;

6.° A importancia da indemnisação que for devida por falta de entrega das fazendas carregadas.

Art. 585.° Cessam os privilegios sobre o frete, logo que o
frete for pago, salvo o caso do artigo 525.°, em que o privilegio pelas soldadas da tripulação só se extingue passados seis mezes depois do comprimento da viagem.

SECÇÃO II

Das hypothecas

Art. 586.° Podem constituir se hypothecas sobre navios por disposição da lei ou por convenção das partes.

Art. 587.° As hypothecas sobre navios, sejam legaes ou voluntarias, produzirão os mesmos effeitos, e reger-se-hão pelas mesmas disposições que as hypothecas sobre predios, em tudo quanto for compativel com a sua especial natureza, e salvas as modificações da presente secção.

Art. 588.° A hypotheca sobre navios só póde ser constituida pelo respectivo proprietario ou por seu procurador especial.

§ 1.° Quando o navio pertencer a mais do que um proprietario, poderá ser hypothecado na totalidade para despezas de armamento e navegação, por consentimento expresso da maioria, representando mais de metade do valor do navio.

§ 2.° O co-proprietario de um navio não póde hypothecar separadamente a boa parte no navio, sem assentimento da maioria designada no paragrapho antecedente.

Art. 589.° É tambem permittida a hypotheca sobre navios em construcção ou a construir para pagamento das respectivas despezas de construcção, comtanto que pelo menos nos respectivo instrumento se especifiquem o comprimento da quilha do navio e approximadamente as suas principaes dimensões, assim como a sua tonelagem provavel, e o estaleiro em que se acha a construir ou tem de ser construido.

Art. 590.° A hypotheca sobre navios será constituida por instrumento publico, salva a hypothese do § 2.° do artigo 593.°

Art. 591.° A hypotheca sobre navios relativa a creditos que vençam juros abrange, alem do capital, os juros de cinco annos.

Art. 592.° As hypothecas sobre navios serão inscriptas na secretaria do tribunal do commercio do porto da matricula do navio.

§ 1.° No caso da hypotheca ser constituida sobre navio em construcção ou a construir, a secretaria competente será a do logar onde se achar o estaleiro.

§ 2.° Na matricula dos navios que se houver de fazer em secretaria differente d'aquella a que pertencia o logar onde, o navio foi construido, apresentar-se-ha certidão, passada n'esta, de haver ou não hypotheca sobre o navio, e , no caso affirmativo, serão as respectivas hypothecas transcriptas tambem com respeito á matricula do navio.

Art. 593.° O proprietario do navio poderá fazer abrir registo provisorio de hypotheca em que especifique a quantia ou quantias que sobre o navio possam levantar-se durante a viagem.

§ 1.° A escriptura de hypotheca será feita, quando fóra do reino, pelo respectivo agente consular portuguez.

§ 2.° Não havendo agente consular no local em que se queira constituir a hypotheca, poderá esta ser constituida por escripto, feito a bordo, entre os respectivos outorgantes, com duas testemunhas, e lançado no Respectivo livro.

Art. 594.° Os credores hypothecarios serão pagos dos seus creditos, depois do satisfeitos os privilegios creditorios sobre o navio, pela ordem da prioridade do registo do commercio.

§ unico. Concorrendo diversas inscripções hypothecarias da mesma data, o pagamento será feito pro rata.

Art. 595.° As hypothecas sobre navios serão sujeitas a expurgação nos termos do direito.

Art. 596.° No caso de perda innavigabilidade do na-

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vio os direitos dos credores hypothecarios exercem-se no que d'elle restar e sobre a respectiva indemnisação devida pelos seguradores.

TITULO II
Do seguro contra riscos de mar

Art. 597.° Ao contrato de seguro contra riscos de mar são applicaveis as regras estabelecidas no capitulo I e na secção I do capitulo II do titulo XV do livro II que não forem incompativeis com a natureza especial dos seguros maritimos ou alteradas pelas disposições d'este titulo.

Art. 598.° A apolice do seguro maritimo, alem do que se acha prescripto no artigo 429.°, deve enunciar:

1.° O nome, especie, classificação, nacionalidade e tonelagem do navio;

2.° O nome do capitão;

3.° O logar em que as fazendas foram ou devem ser carregadas;

4.° O porto d'onde o navio partiu, ou deveu ter partido;

5.° Os portos em que o navio deve carregar, descarregar ou entrar.

§ unico. Se não poderem fazer-se as enunciações prescriptas n'este artigo, ou porque o segurado as ignore, ou pela qualidade especial do seguro, devem substituir-se por outras que bem determinem o objecto d'este.

Art. 599.° O seguro contra risco de mar póde ter por objecto todas as cousas e valores estimaveis a dinheiro expostas áquelle risco.

Art. 600.° O seguro contra riscos de mar póde fazer-se, em tempo de paz ou de guerra, antes ou durante a viagem do navio, por viagem inteira, ou por tempo determinado, por ida e volta, ou sómente por uma d'estas.

Art. 601.° Da carga que segurar o capitão ou o dono do navio só poderão segurar-se nove decimos do seu justo valor.

Art. 602.° É nullo o seguro, tendo por objecto:

1.° As soldadas e vencimentos da tripulação;

2.° As fazendas obrigadas ao contrato de risco por seu inteiro valor e sem excepção de riscos;

3.° As cousas cujo trafico é prohibido pelas leis do reino, e os navios nacionaes ou estrangeiros empregados no seu transporte.

Art. 603.° As fazendas carregadas podem segurar-se pelo seu inteiro valor, segundo o preço do custo, com as despezas de carga e de frete, ou segundo o preço corrente, no logar do destino, á sua chegada, sem avaria.

§ unico. A avaliação, feita na apolice sem declarações poderá ser referida a qualquer dos casos prescriptos n'este artigo, e não haverá logar a applicar o artigo 438, se não exceder o preço mais elevado.

Art. 604.° Não se expressando na apolice o tempo durante o qual hajam de correr os riscos por conta do segurador, começarão e acabarão nos termos seguintes:

1.° Quanto ao navio e seus pertences, no momento em que o navio levanta ferro para saír do porto, até ao momento em que está ancorado e amarrado no porto do seu destino;

2.° Quanto á carga, desde o momento em que as cousas são carregadas no navio ou nas embarcações destinadas a transportal as para este, até ao momento de chegarem a terra no logar do seu destino.

§ 1.° Se o seguro se faz depois do começo da viagem, os riscos correm da data da apolice.

§ 2.°Se a descarga for demorada por culpa do destinatario, os riscos acabam para o segurador trinta dias depois da chegada do navio ao seu destino.

Art. 605.° A obrigação do segurador limita-se á quantia segurada.

§ unico. Se os objectos segurados soffrem muitos sinistros successivos durante o tempo dos riscos, o segurado levará sempre em conta, ainda no caso de abandono, as quantias que lhe houverem sido pagas ou forem devidas pelos sinistros anteriores.

Art. 606.° São a cargo do segurador, salva estipulação contraria, todas as perdas e damnos que aconteceram durante o tempo dos riscos aos objectos segurados por borrasca, naufragio, varação, abalroação, mudança forçada de rota, de viagem ou de navio, por alijamento, incendio, violencia injusta, explosão, inundação, pilhagem, quarentena superveniente, e, em geral, por todas as demais fortunas de mar, salvos os casos em que pela natureza da cousa, pela lei ou por clausula expressa na apolice o segurador deixa de ser responsavel.

§ 1.° O segurador não responde pela barateria do capitão, salva convenção em contrario, a qual, comtudo, será sem effeito, se, sendo o capitão nominalmente designado, foi depois mudado sem audiencia e consentimento do segurador.

§ 2.° O segurador que convencionou expressamente segurar os riscos de guerra sem determinação precisa responde pelas perdas e damnos, causados aos objectos segurados, por hostilidade, represalia, embargo por ordem de potencia, presa e violencia de qualquer especie, feita por governo amigo ou inimigo, de direito ou de facto, reconhecido ou não reconhecido, e, em geral, por todos os factos o accidentes de guerra.

§ 3.° O argumento do premio estipulado um tempo de paz para o caso de uma guerra casual, ou de outro evento, cuja quota não for determinada no contrato, regula-se tendo em consideração os riscos, circumstancias e estipulações da apolice.

Art. 607.° No caso de duvida sobre a causa da perda dos objectos segurados, presume se haverem perecido por fortuna de mar, e o segurador é responsavel.

Art. 608.° O julgamento de boa presa proferido em tribunal estrangeiro importa a mera presumpção da validade d'ella em questões relativas a seguros.

Art. 609.° Não são a cargo do segurador as despezas de navegação, pilotagem, reboque, quarentena e outras feitas por entrada e saida do navio, nem os direitos de tonelagem, pharoes, ancoradouro, saude publica e outras despezas similhantes impostas sobre o navio e carga, salvo quando entrarem na classe de avarias grossas.

Art. 610.° Toda a mudança voluntaria de rota, de viagem ou de navio por parte do segurado, em caso de seguro sobro navio ou sobre frete, faz cessar á obrigação do segurador.

§ 1.° Observar-se-ha a disposição d'este artigo com respeito ao seguro da carga, havendo consentimento do segurado.

§ 2.° O segurador nos casos previstos n'este artigo e seu § 1.° tem direito ao premio por inteiro, se começou a correr os riscos.

Art.61l.° Se o seguro é feito sobre fazendas, por ida e volta, e se o navio, tendo chegado ao primeiro destino, não carregou fazendas na volta ou não completou o carregamento, o segurador só receberá dois terços do premio, salva convenção em contrario.

Art. 612.° Tendo-se effectuado devidamente o seguro por fazendas que devem ser carregadas em diversos navios designados com menção da quantia segurada em cada um, se as fazendas são carregadas em menor numero de navios do que o designado no contrato, o segurador só respondo pela quantia que segurou no navio ou navios que recebiam a carga.

§ unico. O segurador, porém, no caso previsto n'este artigo receberá metade do premio convencionado com respeito ás fazendas cujos seguros ficarem sem effeito, não podendo esta indemnisação exceder meio por cento do valor d'ellas.

Art. 613.° Se o capitão tem a liberdade de fazer escala

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para completar ou tomar a carga, o segurador não corre risco dos objectos segurados, senão emquanto estiverem a bordo, salva convenção em contrario.

Art. 614.° Se o segurado manda o navio a um logar mais distante do que o designado no contrato, o segurador não responde pelos riscos ulteriores.

§ unico. Se, porém, a viagem se encurtar, aportando a um porto onde podia fazer escala, o seguro surte pleno effeito.

Art. 6l5.° A clausula "livre de avaria D liberta os seguradores de toda e qualquer avaria, excepto nos casos quoe dão logar ao abandono.

Art. 6l6.° Recaíndo o seguro sobre liquidos ou sobre generos sujeitos a derramamento e liquefacção, o segurador não responde pelas perdas, salvo sendo causadas por embates, naufragio ou varação do navio, e bem assim por descarga ou recarga em porto de arribada forçada.

§ unico. No caso de ser o segurador obrigado a pagar os damnos referidos n 'este artigo, deve fazer-se a reducção do desfalque ordinario.

Art. 617.° O segurado deve dar conhecimento ao segurador, no praso de cinco dias immcdiatos á recepção, dos documentos justificativos de que as fazendas seguradas correram os riscos e se perderam.

TITULO III
Do abandono

Art. 618.° Póde fazer-se abandono dos objectos segurados nos casos:

1.° De presa;

2.° De embargo por ordem de potencia estrangeira;

3.° De embargo por ordem do governo depois de começada a viagem;

4.° No caso de perda total dos objectos segurados;

5.° Nos mais casos em que as partes o convencionarem.

§ unico. O navio não susceptivel de ser reparado é equiparado ao navio totalmente perdido.

Art. 619.° O segurado póde fazer abandono ao segurador sem ser obrigado a provar a perda do navio, se a contar do dia da partida do navio ou do dia a que se referem os ultimos avisos d'elle não ha noticia, a saber: depois de seis mezes da sua saída para viagens na Europa, e depois de um anno para viagens mais dilatadas.

§ 1.° Fazendo-se o seguro por tempo limitado, depois de terminarem os prasos estabelecidos n'este artigo, a perda do navio presume-se acontecida dentro do tempo do seguro.

§ 2.° Havendo muitos seguros successivos, a perda presume-se acontecida no dia seguinte áquelle em que se derem as ultimas noticias.

§ 3.° Se, porém, depois se provar que a perda acontecêra fóra do tempo do seguro, a indemnisação paga deve ser restituida com os juros legaes.

Art. 620.° Verificada a perda total do navio póde fazer-se o abandono dos objectos seguros n'elle carregados, se, no praso de tres mezes a contar do evento, não se encontrou outro navio para os recarregar e conduzir ao seu destino.

§ unico. No caso previsto no presente artigo se os objectos segurados se carregam em outro navio o segurador responde pelos damnos soffridos, despezas de carga e recarga, deposito e guarda nos armazens, augmento de frete e mais despezas de salvação, até á concorrencia da quantia segurada, e emquanto esta se não achar esgotada continuará a correr os riscos pelo resto.

Art.621.° O abandono dos objectos segurados, apresados ou embargados só póde fazer-se passados três mezes depois da notificação da preza ou do embargo, se o foram nos mares da Europa, e passados seis mezes se o foram em outro logar.

§ unico. Para as fazendas sujeitas a deterioração rapida os prasos mencionados n'este artigo serão reduzidos a metade.

Art. 622.° O abandono será intimado aos seguradores no praso de tres mezes a contar do dia em que houve conhecimento do sinistro, se este aconteceu nos mares da Europa; de seis mezes, se succedeu nos mares de Africa, nos mares occidentaes e meridionaes da Asia e nos orientaes da America; e de um anno, se o sinistro occorreu em outros mares.

§ 1.° Nos casos de presa ou de embargo por ordem de potencia estes prasos só correm do dia em que terminarem os estabelecidos no artigo antecedente.
§ 2.° O segurado não será admittido a fazer abandono, expirados os prasos fixados n'este artigo, ficando-lho salvo o direito para a acção de avaria.

Art. 623.° O segurado participando ao segurador os avisos recebidos póde fazer o abandono, intimando o segurador para pagar a quantia segurada no praso estabelecido pelo contrato ou pela lei e póde reservar-se para o fazer depois dentro dos prasos legaes.

§ 1.° Fazendo o abandono é obrigado a declarar todos os seguros feitos ou ordenados e as quantias tomadas a risco com conhecimento seu sobre as fazendas carregadas: do contrario a dilação do pagamento será suspensa até ao dia em que apresentar a dita declaração, sem que d'ahi resulte prorogação alguma da dilação estabelecida pela lei para fazer o abandono.

§ 2.° Em caso de declaração fraudulenta o segurado ficará privado de todos os effeitos do seguro.

Art. 624.° O abandono comprehende sómente as cousas que são objecto do seguro e do risco e não póde ser parcial nem condicional.

Art. 625.° Os objectos segurados ficam pertencendo ao segurador desde o dia em que o abandono é intimado e acceito pelo segurador ou julgado valido.

§ unico. O segurado deverá entregar ao segurador todos os documentos concernentes aos objectos segurados.

Art. 626.° A intimação do abandono nào produz effeitos juridicos, se os factos sobre os quaes ella se fundou se não confirmarem ou não existiam ao tempo em que ella se fez ao segurador.

§ unico. A intimação de abandono produzirá comtudo todos os seus effeitos embora sobrevenham posteriormente a ella circumstancias que, a terem-se produzido anteriormente, excluiriam o direito ao abandono.

Art. 627.° No caso de presa, se o segurado não pôde avisar o segurador, terá a faculdade de resgatar os objectos apresados sem esperar ordem do segurador; ficando, porém, n'esse caso obrigado a dar conhecimento ao segurador da composição que tiver feito logo que se lhe proporcionar occasião para o fazer.

§ 1.° O segurador tem a escolha de tomar á sua conta a composição ou rejeital-a, e da escolha que fizer dará conhecimento ao segurado no praso de vinte e quatro horas depois de ter recebido a communicação.

§ 2.° Se acceitar a composição, contribuirá sem demora para ser pago o resgate nos termos da convenção e em proporção do seu interesse e Continuará a correr os riscos da viagem, conforme o contrato de seguro.

§ 3.° Se rejeitar a composição, ficará obrigado ao pagamento da quantia segurada e sem direito de reclamar cousa alguma dos objectos resgatados.

§ 4.° Quando o segurador deixa de dar conhecimento da sua escolha no praso mencionado entende-se que rejeita a composição.

§ 5.° Resgatado o navio, se o segurado entra na posse dos seus objectos, reputar-se-hão avarias as deteriorações soffridas ficando a indemnisação de conta do segurador, mas, se por virtude de repreza os objectos passarem a terceiro possuidor, poderá o segurado fazer d'elles abandono

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TITULO IV

Do contrato de risco

Art. 628.° O contrato de risco deve ser feito por escripto e enunciar:
1.° A quantia emprestada;
2.° O prémio ajustado;
3.° Os objectos sobre que recáe o emprestimo
4.° O nome, a qualidade, a tonelagem e a nacionalidade do navio;
5.° O nome do capitão;
6.° Os nomes e os domicilios do dador e tomador;
7.° A enumeração particular e especifica dos riscos tomados;
8.° Se o empréstimo é por uma ou mais viagens e por que tempo;
9.° A epocha e o logar do pagamento.

§ 1.° O escripto será datado do dia e logar em que o emprestimo se fizer e será assignado pelos contratantes, declarando a qualidade em que o fazem.
§ 2.° O contrato de risco que não for reduzido a escripto nos termos d'este artigo converter-se-ha em simples emprestimo e obrigará pessoalmente o tomador ao pagamento de capital e juros.
Art. 629.° O titulo do contrato de risco exarado á ordem é negociavel por indosso nos termos e com os mesmos direitos e acções em garantia que as letras de cambio.
§ unico. O indossado toma o logar do endossante tanto a respeito do premio como das perdas; mas a garantia da solvabilidade do devedor é restricta ao capital sem comprehender o premio, salva convenção em contrario.
Art. 630.° O contrato de risco só póde ser celebrado pelo capitão do navio e recair conjuncta ou separadamente, sobre toda a carga, sobre parte delia ou sobre o frete vencido, no decurso da viagem, quando não haja outro moio de prover ao quo for indispensavel para continuar a mesma viagem.
Art. 631.° O emprestimo a risco feito por quantia excedente ao valor real dos objectos sobre que recáe é valido até á concorrencia d'esse valor e pelo excedente da quantia emprestada responde pessoalmente o tomador sem prémio e só com os juros legaes.
§ 1.° Se da parte do tomador tiver havido fraude póde o dador requerer que se annulle o contrato e lhe seja paga a quantia emprestada com os juros legaes.
§ 2.° O lucro esperado sobre fazendas carregadas não se considera como excesso de valor, se for avaliado separadamente no titulo.
§ 3.° Para o contrato surtir effeito basta que exista sempre no navio e principalmente, ao tempo do sinistro quantidade de fazendas equivalente á quantia dada dê emprestimo a risco.
Art. 632.° Perdendo se por caso fortuito ou força maior no tempo, logar e pelos riscos tomados pelo dador os objectos sobre que recaiu o emprestimo a risco, o tomador liberta-se.
§ 1.° Se a perda for parcial, o pagamento da quantia emprestada reduz-se ao valor dos objectos obrigados que se salvarem, deduzidas as despezas de salvação e o pagamento dos creditos que tiverem preferencia.
§ 2.° Se o emprestimo recaiu sobre o frete, o pagamento reduz-se á quantia devida pelos afretadores, deduzidas as soldadas e vencimentos da tripulação relativas á ultima viagem e a contribuição para as despezas de salvação.
§ 3.° Se o objecto obrigado ao emprestimo a risco estiver tambem segurado, o producto do que for salvo será repartido entre o dador pelo seu capital e o segurador pela quantia segurada, em proporção dos seus respectivos interesses.
§ 4.º Se ao tempo do sinistro parte dos objectos obrigados já estiverem em terra, a perda do dador será limitada aos que ficarem no navio, continuando a correr os riscos sobre os objectos salvos que forem transportados em outro navio.
§ 5.° Se a totalidade dos objectos obrigados estiver descarregada antes do sinistro, o tomador pagará a quantia total do emprestimo o seu premio.
Art. 633.° O dador contribue para as avarias communs em beneficio do tomador, sendo nulla qualquer convenção em contrario.
§ unico. As avarias particulares nào silo a cargo do dador, salva convenção em contrario; mas, se por effeito de uma avaria particular os objectos obrigados não chegarem para o completo pagamento da quantia emprestada e seu premio, o dador supportará o prejuizo resultante d'essas avarias.
Art. 634.° Havendo muitos emprestimos contrahidos no curso da mesma viagem, o ultimo pretere sempre ao precedente.
§ unico. Os emprestimos a risco contrahidos na mesma viagem é no mesmo porto de arribada forçada durante a mesma estada, entrarão em concurso.
Art. 635.° As disposições d'este codigo acerca de seguros maritimos e de avarias serão applicaveis ao contrato de risco, quando não oppostas á sua essencia e não alteradas por as d'este titulo.

TITULO V

Das avarias

Art. 636.° São reputadas avarias todas as despezas extraordinarias feitas com o navio ou com a sua carga conjuncta ou separadamente, e todos os damnos que acontecem ao navio e carga desde que começam os riscos de mar até que acabam.
§ 1.° Não são reputadas avarias, mas simples despezas a cargo do navio, as que ordinariamente se fazem com a sua saida e entrada assim como com o pagamento de direitos c outras taxas de navegação, e com as tendentes a aligeiral-o para passar os baixos ou bancos de areia conhecidos á saida do logar da partida.
§ 2.° As avarias regulam-se por convenção das partes e, na sua falta ou insufficiencia, pelas disposições d'este codigo.
Art. 637.° As avarias são de duas especies: avarias grossas ou communs, e avarias simples ou particulares.
§ 1.° São avarias grossas ou communs todas as despezas extraordinarias e os sacrificios feitos voluntariamente com o fim de evitar um perigo pelo capitão ou por sua ordem, para a segurança commum do navio e da carga desde o seu carregamento e partida até ao seu retorno e descarga.
§ 2.° São avarias simples ou particulares as despezas causadas e o damno soffrido só pelo navio ou só pelas fazendas.
Art. 638.° As avarias communs são repartidas porporcionalmente entre a carga e a metade do valor do navio e do frete.
Art. 639.° As avarias simples são supportadas e pagas ou só pelo navio ou só pela cousa que soffreu o damno ou occasionou a despeza.
Art. 640.° O exame e a estimação da avaria na carga, sendo o damno visivel por fóra, serão feitos antes da entrega: em caso contrario, o exame poderá fazer-se depois, comtanto que se verifique no praso de quarenta e oito horas da entrega, isto sem prejuízo de outra prova.
§ único. Na estimação a que se refere este artigo determinar-se-ha qual teria sido o valor da carga, se tivesse chegado sem avaria, e qual é o seu valor actual, tudo isto independentemente da estimação do lucro esperado,

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sem que em caso algum possa ser ordenada a venda de carga para se lhe fixar o valor, salvo a requerimento do respectivo dono.
Art. 641.° Haverá repartição de avaria grossa por contribuição sempre que o navio c a carga forem salvos no todo ou em parte.
§ unico. O capital contribuinte compõe se:
1.° Do valor liquido integral que as cousas sacrificadas teriam ao tempo no logar da descarga;
2.° Do valor liquido integral que tiverem no mesmo logar e tempo as cousas salvas e tambem da importancia do prejuizo que sofferam para a salvação commum;
3.° Do frete a vencer, deduzidas as despezas que teriam deixado de se fazer se o navio e a carga se perdessem na occasião em que se deu a avaria.
§ unico. Os objectos do uso e o fato, as soldadas dos marinheiros, as bagagens dos passageiros e as munições de guerra o de boca na quantidade necessária para a viagem, posto que pagas por contribuição, não fazem parte do capital contribuinte.
Art. 642.º A carga, de que não houver conhecimento ou declaração do capitão ou que se não achar na lista ou no manifesto não se paga, se for alijada, mas contribuo na avaria grossa salvando-se.
Art. 643.° Os objectos carregados sobre o convez contribuem na avaria grossa salvando-se.
§ unico. Sendo alijados ou damnificados pelo alijamento não são contemplados na contribuição c só dão logar á acção do indemnisação contra o capitão, navio e frete, se foram carregados na coberta sem consentimento do dono; mas tendo-o havido haverá logar a uma contribuição especial entre o navio, o frete e os outros objectos carregados nas mesmas circumstancias, sem prejuizo da contribuição geral para as avarias communs de todo o carregamento.
Art. 644.° Se não obstante o alijamento ou o corte de apparelhos o navio se não salva, não Ha logar a contribuição alguma E os objectos salvos não respondem por pagamento algum em contribuição de avaria dos objectos alijados, avariados ou cortados.
§ 1.° Se pelo alijamento ou corte de apparelhos o navio se salva c continuando a viagem, perece, os objectos salvos contribuem só por si no alijamento no pó do seu valor no estado em que se acham, deduzidas as despezas de salvação.
§ 2.° Os objectos alijados não contribuem em caso algum para o pagamento dos damnos soffridos depois do alijamento, pelos objectos salvos.
§ 3.° A carga não contribuo para o pagamento do navio perdido ou declarado innavegavel.
Art. 645.° As disposições acerca do avarias grossas e de avarias simples são igualmente applicaveis ás barcas e aos objectos carregados n'ellas que forem empregadas em aliviar o navio.
§ 1.° Perdendo se a bordo das barcas fazendas descarregadas para alliviar o navio, a repartição da sua perda será feita entre o navio e o seu inteiro carregamento.
§ 2.° Se o navio se perde com o resto do carregamento, as fazendas descarregadas nas barcas, ainda que cheguem ao seu destino, não contribuem.
Art. 646.° Não contribuem nas perdas acontecidas a navio, para cuja carga eram destinadas, as fazendas que estiverem em terra.
Art. 647.° Se acontecer, durante o trajecto, quer ás barcas, quer ás fazendas n'ellas carregadas damno reputado avaria grossa, este damno será supportado um terço pelas barcas e dois terços pelas fazendas carregadas a seu bordo.
Art. 648.° Se depois de feita a repartição, os objectos alijados forem recobrados pelos donos, estes reporão no capitão e aos interessados a contribuição recebida, deduzidos o damno causado pelo alijamento e as despezas da recuperação, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados que contribuiram a reposição recebida.
§ unico. Se o dono dos objectos alijados os recuperar sem reclamar indemnisação alguma, estes objectos não contribuirão nas avarias sobrevindas ao restante da carga depois do alijamento.
Art. 649.° O navio contribue pelo seu valor no logar da descarga, ou polo preço da sua venda, deduzida a importancia das avarias particulares, ainda que sejam posteriores á avaria commum.
Art. 650.° As fazendas e os mais objectos que devem contribuir, assim como os objectos alijados ou sacrificados, serão estimados segundo o seu valor, deduzido o frete, direitos de entrada e outros de descarga, tendo-se em consideração os conhecimentos, as facturas e, na sua falta, outros quaesquer meios de prova.
§ 1.° Estando designados, no conhecimento a qualidade e valor das fazendas se valerem mais, contribuirão pelo seu valor real, sendo salvas, e serão pagas por esse valor, mas em caso do alijamento ou avaria, regulará o valor dado no conhecimento.
§ 2.° Valendo as fazendas menos, contribuirão segundo o valor indicado, se forem salvas, mas attender-se-ha ao valor real, se forem alijadas ou estiverem avariadas.
Art. 651.° As fazendas carregadas serão estimadas, segundo seu valor, no logar da' descarga, deduzidos o frete, os direitos de entrada e outros de descarga.
§ 1.° Sc a repartição houver de fazer-se em logar do reino d'onde o navio partiu ou tivesse de partir, o valor dos objectos carregados será determinado segundo o preço da compra, acrescidas as despezas ato bordo, não comprehendido o premio do seguro.
§ 2.° Se os objectos estiverem avariados, serão estimados pelo seu valor real.
§ 3;° Se a viagem se rompeu ou as fazendas se venderam fora do reino e a avaria não pôde lá regular-se, tomar-se-ha por capital contribuinte o valor das fazendas no logar do rompimento, ou o producto liquido que se tiver obtido no logar da venda.
Art. 652.° As avarias grossas ou communs serão reguladas e repartidas segundo a lei do logar onde a carga for entregue.
Art. 653.° Todas as avarias grossas successivas repartem-se simultaneamente no fim da viagem, como se formassem uma só e mesma avaria.
§ unico. Não se applica a regra d'este artigo ás fazendas embarcadas ou desembarcadas em um porto de escala, mas tão sómente a respeito d'estas fazendas.
Art. 654.° A regulação o repartição das avarias grossas fazem-se a diligencia do capitão e, deixando elle de a promover, a diligencia dos proprietarios do navio ou da carga, sem prejuizo da responsabilidade d'aquelle.
§ unico. O capitão apresentará, junto com o seu relatorio e devido protesto, todos os livros de bordo e mais documentos concernentes ao sinistro, ao navio c á carga.
Art. 6o5.° Não haverá logar a acção por avarias contra o afretador e o recebedor da carga, se o capitão recebeu o frete e entregou as fazendas sem protesto, ainda que o pagamento do frete fosse antecipado.

TITULO VI

Das arribadas forçadas

Art. 656.° São justas causas dê arribada forçada:
1.º A falta de viveres, aguada ou combustivel;
2.° O temor fundado de inimigos;
3.º Qualquer accidente que inhabilite o navio de continuar a navegação.
Art. 657.° Em qualquer dos casos previstos no artigo precedente, ouvidos os principaes da tripulação e lançada e assignada a resolução no diario de navegação, o capitão poderá proceder á arribada.
§ 1.° Os interessados na carga que estiverem a bordo

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podem protestar contra a deliberação tomada de proceder á arribada.
§ 2.° Dentro de quarenta e cito horas depois da entrada no porto da arribada deve o capitão fazer o seu relatorio i perante a auctoridade competente.
Art. 658.° São por conta do armador ou fretador aã despezas occasionadas pela arribada forçada.
Art. 659.° Considera-se legitima a arribada que não proceder de dolo, negligencia ou culpa do dono, do capitão ou da tripulação.
Art. 670.° Considera-se illegitima a arribada:
1.° Se a falta de viveres, aguada ou combustivel proceder de se não ter feito o necessario fornecimento, ou de se haver perdido por má arrumação ou descuido;
2.° Se o temor de inimigos nào for justificado por factos positivos;
3.° Provindo o accidente que inhabilitou o navio de continuar a navegação de falta de bom concerto, apercebimento, equipação e má arrumação ou resultando de disposição desacertada ou de falta de cautela do capitão.
Art. 661.° Sendo a arribada legitima, nem o dono nem o capitão respondem pelos prejuizos que da mesma possam resultar aos carregadores ou proprietarios da carga.
§ unico; Sendo illegitima, o capitão e o dono serão conjunctamente responsareis ato á concorrencia do valor do navio c frete.
Art. 662.° Só póde auctorisar-se descarga no porto da arribada, sendo indispensavel para concerto do navio ou repare-se avaria na carga, devendo n'estes casos preceder no reino e seus dominios auctorisação do juiz competente, e no estrangeiro auctorisação do agente consular, havendo-o, e, na sua falta, da auctoridade local.
Art. 663.º O capitão responde pela guarda e conservação da carga descarregada, salvos os accidentes de força maior.
Art. 664.º A carga avariada será reparada ou vendida segundo as circumstancias, precedendo a auctorisação mencionada no artigo (662.°, sendo o capitão obrigado a comprovar ao carregador ou consignatario a legitimidade do seu procedimento, sob pena de responder pelo preço que teria como boa no logar do destino.
Art. 665.° O capitão responderá pelos prejuizos resultantes de toda a demora injustificada no porto da arribada; mas tendo esta procedido de temor de inimigos, a saida sem deliberada em conselho dos principaes da equipagem e interessados na carga que estiverem a bordo, nos mesmos termos legislados para determinar a arribada.

TITULO VH

Da abalroa cão

Art. 666.° Decorrendo abalroação de navios por accidente puramente fortuito ou devido a força maior o damno é supportado pelo navio que o soffreu.
Art. 667.° Havendo duvida sobre a causa da abalroação cada navio soffre o seu damno, mas responde solidariamente pelos damnos causados á respectiva carga o pelas indemnizações devidas ás pessoas.
Art. 668.° Dando-se culpa da parte de ambos os navios, fórma-se um capital dos prejuizos soffridos, que será supportado pelos respectivos navios era proporção á gravidade da culpa de cada um.
Art. 669.° Sendo a abalroação causada por culpa de um dos navios, o damno inteiro soffrido pelo navio abalroado e a indemnisação devida ás pessoas serão supportados pelo navio abalroador.
Art. 670.° A abalroação presume-se fortuita, salvo quando não tiverem sido observados os regulamentos geraes de navegação e os especiaes do porto.
Art. 671.° Quando a abalroação é motivada por falta de um terceiro navio e não pôde prevenir-se, é este que responde.
Art. 672.° Se um navio avariado por abalroação se perde quando busca porto se arribada para se concertar, deve presumir se a perda como resultante de abalroação.
Art. 673.° A responsabilidade dos navios estabelecida nos artigos antecedentes não isenta os auctores da culpa para com os prejudicados e proprietarios dos navios.
Art. 674.° Em qualquer caso em que a responsabilidade recáe sobre o capitão, se o navio, ao tempo da abalroação e em observancia dos regulamentos, estiver sob a direcção do piloto do porto, ou pratico da costa, o capitão tem direito a ser indemnisado pelo piloto ou corporação de pilotos, havendo-a.
Art. 675.° A reclamação por perdas e damnos resultantes da abalroação de navios será apresentada no praso de tres dias á auctoridade do logar em que succedeu ou do primeiro a que aportar o navio abalroado, sob pena de não ser admittida.
§ unico. A falta de reclamação, quanto aos damnos causados ás pessoas e mercadorias, não prejudica os interessados que não estavam a bordo e que estavam impedidos de manifestar a sua vontade.
Art. 676.° As questões sobre abalroações regulam-se:
1.° Nos portos e aguas territoriaes, pela respectiva lei local;
2.° No mar alto, entre navios da mesma nacionalidade, pela lei da sua nação;
3.° No mar alto, entre navios de nacionalidade differente, cada um é obrigado nos termos da lei do pavilhão, não podendo receber mais do que esta lhe conceder.
Art. 677.° A acção por perdas e damnos resultantes da abalroação póde instaurar-se tanto no tribunal do logar onde se deu a abalroação como no do domicilio do dono do navio abalroador, ou no do logar a que pertencer ou em quê for encontrado esse navio.

TITULO VIII

Da salvação e assistencia

Art. 678.° Não é licito a qualquer apropriar-se pela occupação de embarcações naufragadas, ou seus fragmentos, da sua carga ou de quaesquer fazendas ou objectos do domínio particular que o mar arrojar ás praias ou aã apprehenderem no alto mar.
Art. 679.° O que salvar um navio ou fazendas naufragadas e não fizer immediatamente entrega ao dono ou a quem o representar, sendo-lhe pedida, e dando este canção bastante ás despezas de salvação, perderá todo o direito a qualquer salario de assistencia ou salvação, respondendo pelos damnos causados pela retenção, sem prejuízo da acção criminal, se a esta houver logar.
Art. 680.° Aquelle que salvar ou arrecadar um navio ou fazendas no mar ou nas costas na ausencia do dono ou seu representante, não sendo este conhecido, transportará e entregará immediatamento á auctoridade fiscal do logar mais proximo da salvação os objectos salvos: e, não o fazendo, perderá o direito que tiver a qualquer salario de assistencia ou salvação, e responderá por perdas e damnos, sem prejuizo da acção criminal, se a esta houver logar.
Art. 681.° A salvação dos navios encalhados, em perigo ou naufragados, assim como das fazendas arrojadas á costa, quer o capitão esteja presente, quer ausente, deverá ser sujeita á fiscalisação da auctoridade, a quem competir.
§ unico. Incumbe á auctoridade que presidir ao salvamento :
1.° Inventariar os objectos salvos, provendo á sua arrecadação.
2.° Ordenar, não havendo reclamação, a venda publica das fazendas sujeitas a perda immediata, ou cuja conservação e guarda for evidentemente prejudicial aos interesses do proprietario;
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3.° Annunciar dentro dos oito dias seguintes á salvação, era um dos periódicos da localidade ou da mais proxima que houver, todas as circumstancias do sinistro, com designação das marcas e numeros das fazendas, o convidar os interessados a fazer as suas reclamações;
4.º Dar superiormente conta do evento e das providencias tomadas;
5.° Praticar tudo mais que os regulamentos especiaes prescreverem.
Art. 682.° Apresentando se o dono ou seu legitimo representante a reclamar, ser lho são entregues, provado o seu direito, os objectos salvos ou o seu projecto, pago o salario devido e mais despezas, ou prestada canção idonea.
§ 1.° Havendo duvida sobre o direito do reclamante, opposição de terceiros, ou Contestação sobre a salvação, serão as partes remettidas para juizo.
§ 2.° Não apparecendo reclamantes depois dos annuncios mencionados no n.° 3.° do artigo antecedente, os objectos salvos serão vendidos em almoeda, e o seu producto, deduzidas as despezas de salvação, será consignado a caixa geral de deposites.
Art. 683.° Deve-se salario do salvação:
1.º Quando os navios ou fazendas encontrados bem direcção no mar alto ou nas praias são salvos e recuperados;
2.° Salvando-se fazendas de um navio dado á costa ou varado sobre penedos em perigo tal, que não possa offerecer segurança á carga e asylo á tripulação;
3.° Retirando-se fazendas de um navio effectivamente partido;
4.° Quando o navio em perigo imminente e sem segurança, abandonado pela tripulação ou tendo-se esta ausentado, é occupado pelos que querem salvar o e conduzido ao porto com toda ou parte da carga;
5.° Quando o navio e carga, conjuncta ou separadamente, sito repostos no mar ou conduzidos a bom porto com auxilio de terceiro.
Art. 684.° Deve-se salario de assistencia:
1.° Quando o navio encalhado ou varado é reposto com a sua carga no mar, com o auxilio de terceiros:
2.º Quando o navio, achando se no mar com avaria e soccorrido e conduzido a bom porto com auxilio de terceiros.
Art. 685.º Não têem direito a salario de salvação ou assistencia:
1.º As pessoas que pertencem á tripulação do navio;
2.° Aquelles que impozeram os seus serviços.
Art. 686.° Todos os contratos feitos emquanto dura o perigo podem ser reclamados por exageração, e reduzidos pelo juizo competente.
Art. 687.° Na falta de convenção o salario de salvação ou assistencia é fixado pelo juizo competente, regulando se segundo as regras da equidade, e tendo principalmente em consideração as circumstancias seguintes:
l.ª A natureza do serviço;
2.ª O zelo havido;
3.ª O tempo empregado;
4.ª Os serviços prestados ao navio, ás pessoas e ás cousas;
5.ª As despezas feitas;
6.ª As perdas soffreu-se pelos salvadores ou assistentes;
7.ª O numero de pessoas que intervieram activamente;
8.ª O perigo a que essas pessoas se expozeram;
9.ª O perigo que ameaçava o navio, na pessoas e as cousas salvas, e o perigo que ameaçava o navio que prestou soccorro e o valor d'elle;
10.ª E o valor actual dos objectos salvos, deduzidas as despezas.
Art. 688.° O salario de salvação ou assistencia comprehende todas as despezas feitas pelos salvadores ou assistentes, mas não comprehendo os honorarios, custas, direitos e impostos, e as despezas de guarda, conservação, avaliação e venda feitas com os objectos salvos.
§ 1.° O salario de assistencia deve ser fixado em menos do que o de salvação.
§ 2.º O valor dos objectos salvos só póde influir seccundariamente para, a fixação do salario.
Art. 689.° Quando muitos tomarem parte nos serviços prestados ao navio ou á sua carga, o salario devido reparte-se em proporção ao serviço das pessoas o ao fornecimento de objectos empregados n'aquelles serviços.
§ 1.º Em caso de duvida divide se por cabeça.
§ 2.º Os que se expozeram ao perigo para salvamento de pessoas berilo admittidos partilha do salario nas condições referidas.
Art. 690.° Sendo o serviço do salvação ou assistencia prestado por outro navio, pertenço metade do salario ao armador um quarto ao capitão e um quarto ao resto da tripulação na proporção das respectivas soldadas, salva convenção em contrario.
Art. 691.° O dono dos objectos salvos não responde pessoalmente pelo salario de salvação ou assistencia.
§ unico. O destinatario que tinha conhecimento da divida responde pessoalmente por ella até onde as fazendas que lhe forem entregues chegarem.
Art. 692.° A salvação ou assistencia, nos portos, rios e aguas territoriaes será regulada pela lei do logar onde se der, e, no mar alto, pela lei da nacionalidade do salvador ou assistente.
§ unico. No caso de contestação sobre os effeitos dos creditos precedentes de salario de salvação ou assistencia, observar-se-há a lei do pavilhão.
Art. 693.º A reclamação sobre dos salarios devido por salvação ou assistencia poderá ser intentada no tribunal em cujo jurisdição se verificar o evento ou do logar a que pertencer ou em que for encontrado o navio soccorrido.

LIVRO QUARTO
Das fallencias

TITULO I

Da quebra e sua declaração

Art. 694.° O commerciante que cessa pagamentos de suas obrigações commerciaes presume se em estudo de quebra, une deve ser judicialmente declarada.
§ unico. Antes da cessação do pagamentos pôde tambem declarar se a quebra, justificada que seja previamente a manifesta insufficiencia do activo para satisfação do passivo.
Art. 695.° A quebra póde ser declarada até um anno depois da cessação dos pagamentos a que se retira não obstante ter entretanto fallecido o negociante ou deixado de exercer o commercio por outro motivo.
§ unico. A declaração de quebra depois da morte do negociante suspende todo o seguimento do inventario judicial, a que se proceder em rasão d'esse obito, até que a mesma qui bia seja suspensa ou termine.
Art. 696.° Para decretar a abertura da quebra é competente tanto o tribunal do logar onde é domiciliado o negociante ou tem séde a sociedade, como aquelle onde exista o principal estabelecimento.
§ unico. A sentença de declaração da quebra terá prompta execução, devendo era logo publicada por editos de dez dias.
Art. 697.º O tribunal que primeiro decretar a abertura na quebra fica sendo o unico competente para a exigencia de qualquer creditos contra o fallido.
§ unico. Se algum credor tiver execução pendente contra o fallido, não poderá esta proseguir, devendo o respectivo processo appensar se ao da fallencia, para serem attendidos os direitos que o exequente tiver

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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1888 395

Art. 698.° O tribunal póde decretar a abertura da quebra:
1.° Por declaração do fallido;
2.° A requerimento de uni ou mais credores.
§ unico. Não serão admittidos a requerer a abertura da fallencia de qualquer negociante os seus descendentes, ascendentes ou conjuges.
Art. 699.° A apresentação do estado de quebra pelo proprio fallido é obrigatoria para este nos dez dias seguintes á suspensão de pagamentos, sob pena de se presumir culpa na quebra.
Art. 700.° Os credores que requererem a abertura da quebra devem desde logo justificar a existencia dos seus creditos, e que estes sito provenientes de acto commercial, e declarar especificadamente os fundamentos do pedido, e da conveniencia, se a houver, de ser declarada sem audiencia do arguido.
Art. 701.° O tribunal, a requerimento dos credores, póde declarar a abertura da quebra sem mandar ouvir o arguido, ou fazer citar este para responder, querendo, em vinte e quatro horas.
§ 1.° A falta de resposta equivale á confirmação do estado de quebra.
§ 2.° Os credores que requererem a abertura da quebra sem audiencia do fallado respondem para com elle por perdas c damnos, sondo convencidos do falta de fundamento para a quebra, e, salva sempre a acção criminal, se a ella houver logar.
Art. 702.° A declaração da quebra opera immediatamente a interdicção civil do fallido pelo que respeita aos seus bens havidos ou por haver.
§.1.° A incapacidade do fallido é supprida pelo administrador e curadores fiscaes, que o ficam representando em juizo e fora d'elle para todos os effeitos, excepto quanto ao exercicio doa seus direitos estritamente pessoaes ou estranhos á fallencia.
§ 2.° Conjunctamente com o administrador e curadores fiscaes deverá ser demandado o fallido, o qual tem direito a ser ouvido em todas as alienações voluntarias, transacções e accordos que hajam de ser feitos.
Art. 703.° Da administrado dos bens do fallido e da liquidação e gerencia do seu commercio deverá o tribunal encarregar pessoa idonea, logo que declare a quebra.
§ Unico. O administrador podo praticar todos os actos de administração geral, ficando, porém, sempre dependente do expressa resolução do tribunal a concussão de quaesquer poderes especiaes.
Art. 704.° O administrador será escolhido entre pessoas estranhas aos credores e não parentes até ao quarto grau do fallido, e remunerado na quantia que o tribunal fixar.
§ 1.° A associação commercial, onde a houver, poderá formar uma lista de pessoas idoneas que queiram exercer o officio de administrador nas fallencias, a qual será reformada em todos os triennios.
g 2.° Onde existir a lista mencionada no § antecedente, o administrador deve ser escolhido entre as pessoas n'ella comprehendidas, salvo se o tribunal, em decisão fundamentaria, reputar conveniente a nomeação de outra pessoa, sendo isso requerido nos termos em que póde ser exigida a remoção do administrador.
§ 3.º As pessoas inscriptas na lista de que trata o § 1.º podem ser incluidas na dos triennios seguintes.
§ 4.° O administrador de qualquer fallencia não cessa as funcções que lho foram encarregarias, ainda que, finda o triennio não soja incluido na nova lista.
Art. 705.° O administrador da massa fallida deve entrar immediatamento no exercicio de suas funcções, assignando o respectivo termo, praticando quanto for conveniente á conservação dos bens e direitos do fallido, no interesse d'elle e dos seus legítimos credores, e averiguar com o maior escrupulo o estado da massa fallida, condições em que foi exercido o commercio pelo fallido e causas determinantes da quebra.
§ 1.° O administrador nomeado ao fallido póde receber d'elle, particularmente, mas sempre por balanço os bens e valores, ou exigir a entrega judicial por meio de previo arrolamento.
§ 2.° O tribunal, para segurança dos bens da massa fallida, póde, a requerimento de dois ou mais credores ou sob promoção do ministério publico, ordenar que a entrega se faça officialmente.
§ 3.° A imposição de sêllos no escriptorio, estabelecimento e casa do fallido sómente é obrigatoria quando a entrega tiver de ser feita judicialmente e no caso do § 5.°
§ 4.° Da apprehensão e posse dos bens do fallido pela administração são excluidos os bens que a lei isenta de penhora.
§ 5.° O administrador que não entrar no exercicio das suas funcções no praso de vinte e quatro horas depois de lhe haver sido intimada a nomeação será immediatamente substituído pelo tribunal, que n'este caso ordenará a imposição de sellos.
Art. 706.° A escripturação do fallido será por elle e, na sua falta, pelo administrador apresentada na secretaria do tribunal, para ali ser encerrada e rubricada pelo juiz presidente, sendo depois entregue ao administrador, que deve deixal-a examinar aos interessados e seus representantes.
§ unico. Sob pena de apprehensão judicial, a apresentação ordenada n'este artigo effectuar-se-ha no praso de vinte e quatro horas, contadas para o fallido da sentença que lhe decretar a quebra, e para o administrador da data em que entrar no exercício das suas funcções.
Art. 707.° O fallido, a requerimento seu, e com annuencia do administrador da massa fallida, póde ficar encarregado de auxiliar a administração e de praticar designados actos de gerencia d'ella, com o vencimento e pelo praso que o tribunal determinar, ouvidos os curadores fiscaes.
§ unico. Não existindo presumpção de fraude ou culpa na quebra, o fallido, sendo commerciante matriculado, terá direito a alimentos pela massa fallida.
Art. 708.° O tribunal, na sentença de declaração da quebra, nomeará, alem do administrador da massa fallida, dois ou mais curadores fiscaes d'entre os credores do fallido, e assignará o praso para a reclamação dos creditos.
§ inico. O praso referido n'este artigo não poderá ser inferior a trinta dias nem superior a noventa.
Art. 709.° Aos curadores fiscaes incumbe:
1.° Consultar com o seu parecer sobre os assumptos relativos á quebra em que o tribunal queira ouvil-os;
2.° Aconselhar o administrador da massa fallida;
3.° Vigiar pelo rigoroso cumprimento das obrigações do administrador, devendo informar o tribunal de quaesquer irregularidades que entendam elle haja praticado;
4.° Requerer a destituição e substituição do administrador.
Art. 710.° Declarada a quebra, o fallido que anão tiver requerido ou impugnado pôde dentro de dez dias da publicação da respectiva sentença oppor-lhe embargos.
§ 1.º Só podem servir de fundamento aos embargos:
1.º Estar o arguido concordado, ou em moratoria legal;
2.° Não ter suspendido pagamentos de obrigações commerciaes vencidas ou havidas como taes;
3.° Ter justo e legal motivo para recusar ou para fazer os pagamentos a que só tiver referido a declaração da quebra.
§ 2.° Fundando se os embargos em justificação, do facto ou da recusa de pagamentos, deverá allegar-se e provar-se haver sufficiencia de bens para integral e opportuno pagamento a todos os credores.
§ 3.° Allegando os embargos concordata ou moratoria nos homologada, será a final proferida uma só decisão sobre os dois

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§ 4.° Os embargos não suspendem o andamento do processo da fallencia até á graduação dos credores.
Art. 711.° O tribunal, antes de declarar aborta a quebra e de julgar os embargos a ella oppostos, póde auctorisar a producção das provas que tiverem sido offerecidas e outras diligencias judiciaes que entenda necessarias á decisão da causa.
§ unico. Julgando o tribunal desnecessaria ou impertinente qualquer prova pretendida pelos interessados, assim o declarará, cabendo d'essa decisão recurso conjunctamente cora o da decisão final.
Art. 712.° A declaração da quebra produz o immediato vencimento de todos os créditos o a suspensão de juros contra o fallido, e auctorisa a mulher a requerer a separação de bens, sem prejuizo da responsabilidade em que esteja para com os credores.
.§ 1.° Revogada a declaração da quebra, ficam nullos quaesquer effeitos d'ella.
§ 2.° Dos creditos não vencidos, que só por effeito de fallencia ficam exigiveis, serão descontados os juros que n'elles se achem accumulados ou capitalisados relativos ao praso que faltava para seu regular vencimento.
Art. 713.° O administrador e os curadores fiscaes nomeados podem ser livremente substituidos pelo tribunal da primeira instancia commercial, a requerimento d'elles, do fallido ou do qualquer numero de credores, e devem ser removidos sempre que o exigirem dois terços do numero total conhecido de credores, ou menos, representando n'este caso dois terços do passivo da massa fallida.
§ 1.° Antes de resolvida a substituição ou remoção do administrador ou dos curadores serão elles ouvidos, e devem continuar no exercicio e cumprimento dos seus deveres até á posse dos novamente nomeados.
§ 2.° Na entrega de bens e valores ao novo administrador pelo anterior é applicavel O disposto no artigo 700.°
Art. 714.° Na sentença de abertura da quebra, ou, depois d'ella, em qualquer estado do processo, póde o tribunal ordenar a prisão do fallido e dos seus co-réus, auctores ou cumplices, se reconhecer que procederam com culpa ou fraude, sem prejuizo dos ulteriores termos para definitiva classificação da quebra.
§ unico. O disposto n'este artigo não altera as regras de admissibilidade de fiança ou termo de identidade e residencia para evitar a prisão preventiva, que, aliás sem essas garantias, os réus sofferão até final julgamento, sem prejuizo de recurso da decisão que ordena a captura.

TITULO II

Da verificação do passivo

Art. 715.° O fallido, com a apresentação do seu estado de quebra, ou o administrador da massa fallida, na falta d'elle, o antes de findar metade do praso fixado para a reclamação dos creditos, deve juntar ao processo uma relação d'estes acompanhada dos documentos comprovativos e observações e explicações, que sirvam para verificação do passivo.
Art. 716.° Os credores do fallido, publicada que seja a sentença declaratoria da quebra, e dentro do praso marcado pelo tribunal, reclamarão, independentemente de qualquer outra citação ou aviso, a verificação e classificação dos seus creditos, comprovando em devida fórma a existencia, natureza e circumstancias d'elles.
§ 1.° A prova documental deve ser junta com o requerimento de reclamação dos créditos, e as outras provas de testemunhas ou exame serão tambem indicadas para serem opportunamente produzidas, se não forem dispensadas por desnecessarias para a verificação.
§ 2.° Se algum credor allegar no requerimento em que reclamar o sou credito justos motivos por que não possa obter promptamente algum documento do que careça, póde o tribunal conceder-lhe um praso rasoavel até áquelle em que houver de proferir julgamento, ou, no caso do artigo 721.°, remettel-o para a respectiva acção.
§ 3.° Não serão admittidos os documentos que no praso legal não forem juntos ao requerimento e a mais prova, por que não se protestar com a designação necessaria á sua producção.
Art. 717.° Findo o praso designado para a reclamação dos creditos, poderão os credores impugnar por escripto a verificação ou classificação de quaesquer dos creditos reclamados, comtanto que o façam dentro dos dez dias seguintes.
§ unico. É applicavel a esta impugnação o disposto nos paragraphos do artigo antecedente.
Art. 718.° Nos dez dias seguintes ao praso facultado para a impugnação dos creditos ou da natureza d'elles o administrador da massa fallida dará parecer breve, mas fundamentado, sobre cada um dos creditos reclamados, declarando especificadamente o que a respeito d'elles constar da escripturação o documentos do fallido, e prestando ao tribunal os esclarecimentos convenientes á boa decisão. O assumpto e sobro a data desde quando considera existente a quebra.
§ 1.° O administrador da massa fallida póde exigir de qualquer credor as informações e provas que entender necessarias, ao seu parecer sobre o passivo reclamado.
§ 2.° Constando ao administrador a existencia de creditos não reclamados, mas que lhe pareçam reaes e verdadeiros, d'elles fará menção em separado interpondo, tambem sobre elles, o seu parecer.
Art. 719.° O processo da verificação de creditos é igualmente applicavel á verificação do direito de restituição a seus legitimos donos de fazendas ou outros bens que existam na massa fallida, e de que o fallido fosse consignatario, commissario ou, por outro titulo, mero detentor.
Art. 720.° Reclamados os creditos e a restituição de bens, deduzidas as impugnações e dado parecer pelo administrador da massa fallida, ou decorridos os respectivos prasos legaes, será o processo continuado logo com vista por cinco dias ao ministerio publico, para dizer o que se lhe offerecer no interesse geral dos credores, e especial da fazenda nacional, e promover a apresentação em audiencia, para julgamento sobre os créditos, entrega de bens e determinação da data da quebra.
§ 1.° Consideram-se verificados todos os creditos reclamados; e o direito á entrega de bens que não forem impugnados e sobre os outros resolverá o tribunal em uma só audiencia.
§ 2.° As testemunhas serão inquiridas na audiencia do julgamento mas se houver de proceder-se a exame ou outra qualquer diligencia, que tenha sido requerida e o tribunal não declare impertinente, sobre estará este no julgamento pelo tempo para isso indispensavel.
§ 3.º A louvação para o exame é commum a todos os credores a que elle respeitar.
§ 4.° Este julgamento abrangerá todos os creditos, havendo por confessados os que não tiverem sido impugnados, e resolvendo as impugnações e reclamações feitas pelo administrador.
Art. 721.° O tribunal, antes ou depois da producção da prova indicada, póde declarar dependente de alta indagação o julgamento da reclamação, abstendo-se de a julgar, e deixando ao interessado direito salvo para acção separada.
§ unico. Esta acção pôde ser proposta contra os administradores e curadores, que representarão todos os credores, sem prejuizo do direito d'estes a intervir na causa, dó que não terão vista nem poderão alongar os prasos.
Art. 722.° O direito salvo para acção separada, e a pendencia de outra causa, tem o direito de protesto em concurso de preferencias se for aquella instaurada dentro de trinta dias e se, tanto no caso de instauração

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como no de pendencia de acção, não houver perempção de instancia.
Art. 723.° Transitando em julgado a sentença que fixar a data da quebra c resolver sobro a entrega de bens e verificação de creditos, ou expedido o recurso que d'ella se levar, será immediatamente determinada a graduação, segundo os preceitos do codigo civil e as disposições especiaes d'este codigo do commercio.
§ 1.° A graduação dos credores será geral para os bens da massa fallida, e, ao mesmo tempo, particular para certos bens, a que respeitarem os privilegios ou cauções, de que se tratar, e sobre que houver de se resolver.
§ 2.° O recurso da sentença de graduação, como o da que fixar a data da quebra e resolver sobre a entrega de bens e verificação de créditos, não tem effeito suspensivo.
Art. 724.° A determinação da data da quebra estabelece presumpção legal de insolvencia contra terceiros, alheios ao processo da quebra, e faz prova plena d'esse facto contra os credores, que a ella tiverem concorrido.
§ 1.° Ás alienações e pagamentos effectuados depois da insolvencia, as preferencias indevidamente obtidas desde essa epocha e quaesquer outros actos prejudiciaes aos credores, serão nullos de direito, sem distinguir entre boa e má fé, quanto aos praticados n'um praso inferior a sés senta dias anterior á data da publicação da sentença que determina a quebra.
§ 2.° Ficam exceptuadas da annullação decretada no final do paragrapho antecedente as arrematações judicialmente feitas, mas o preço d'ellas deve entrar na massa fallida sendo reposto por quem o houver recebido ou aproveitado.
Art. 725.° As obrigações, debitos, e responsabilidades devidamente contrahidas pelo administrador da massa fallida são alheias á verificação do passivo, e têem preferencia sobre os direitos e creditos contra o fallido.

TITULO III.

Da valorisação e liquidação do activo

Art. 726.° O balanço do fallido, quer seja apresentado por elle quer pelo administrador, será acompanhado de uma descripção circumstanciada das differentes verbas do activo.
§ unico. A falta, ou insufficiencia da descripção feita pelo fallido será supprida pelo administrador antes de concluida a verificação do passivo.
Art. 727.° O administrador, que discordar do valor attribuido pelo fallido a qualquer parte do activo, informará o tribunal, podendo promover a avaliação judicial por exame dos bens, se o entender necessario.
§ unico. O tribunal póde igualmente decretar a requerimento de credores ou do ministerio publico, que se proceda ás avaliações por exame.
Art. 728.º Os creditos do fallido deverão ser, solicitamente, cobrados pelo administrador, á medida do vencimento, procedendo elle, particular ou judicialmente, segundo as circumstancias, e podendo o tribunal auctorisar, para o pagamento que se concedam aos devedores os prasos que forem convenientes para mais segura liquidação.
§ unico. As concessões de prasos, suas condições e garantias, dependem de requerimento do administrador, sem è que não podem ser decretadas.
Art. 729.° Finda a verificação do passivo, e não havendo suspensão da quebra, promoverá o administrador a venda e liquidação de todo o activo, até completa extincção da massa fallida.
§• 1.° Á venda dos bens e direitos da massa fallida são applicaveis as disposições, do codigo de processo civil relativas ás execuções, nos termos posteriores á avaliação.
§ 2.° O tribunal, no interesse dos credores e a requerimento do administrador, pôde- ordenar a antecipação da venda, auctorisando-a antes da verificação, sempre que a demora possa ser prejudicial; e bem- assim póde auctorisar a suspensão, por tempo nílo superior a um anno, da venda, de quaesquer bens ou direitos
§ 3.° O tribunal póde tambem, a requerimento do administrador, auctorisal-o a continuar o giro commercial do fallido, se for conveniente á melhor valorisação do activo.
Art. 730.° O administrador, sob pena de destituição, ultimará a liquidação da massa fallida no praso improrogavel que o tribunal fixar.
j § unico. Na venda dos direitos da massa fallida será comprehendida a dos creditos todos, ainda que sejam litigiosos.
• Art. 731.° O producto de toda a liquidação entrará na caixa geral do depositos ou- suas delegações, e será levantado pelos credores, nos precisos termos da graduação.
§ 1.° Emquanto houver recursos - pendentes . ou acções com effeito de protesto de preferencias, nenhum, credor a que a decisão possa interessar póde effectuar qualquer levantamento sem prestar caução.
§ 2.º Os precatei ios de levantamentos para pagamento integral ou em rateio a qualquer credor deverão ser passados com a maior brevidade, mas nunca em proporção inferior a cinco por cento, salvo o caso de ser a ultima distribuição geral da massa fallida; ou particular dos bens especialmente obrigados a determinados pagamentos.
Art. 732.° Os bens proprios do conjuge do fallido e os reparados como taes da meação e bem assim quaesquer outros bens de terceiros serão entregues a seus donos.
§ unico. Se para os effeitos d'este artigo for necessária execução judicial, será movida por appenso ao processo daí fallencia, procedendo-se do mesmo modo quanto a qualquer outra execução de sentença, ainda que proferida fóra d'aquelle processo.

TITULO IV

Da suspensão da fallencia

Art. 733.° Antes da declaração da quebra, ou depois, e em qualquer estado d'ella, podem conceder moratoria ou fazer outra qualquer concordata com o devedor os legitimos credores d'elle, em numero não inferior a dois terços, e apresentando dois terços também pelo menos da totalidade dos creditos.
§ 1.° A moratoria não pode exceder a um anno, nem ser prorogada por mais de outro periodo igual.
§ 2.° A concordata não póde ser acceita em percentagem inferior a cincoenta por cento, que serão pagos em praso não excedente a dois annos.
§ 3.° Os credores que acceitarem a moratoria ou concordata perdem todo o direito a qualquer preferencia um privilegio de graduação a que tivessem- direito.
Art. 734.° A moratoria e concordata só podem ser estipuladas em titulo authentico ou authenticado, e deverão ser submettidas á homologação do tribunal, parra verificar as condições legaes da sua concessão.
§ unico. A acceitação da concordata ou moratoria pelos credores residentes fóra do juizo da quebra prova se por qualquer meio de prova escripta, com tanto que seja, expressa e anterior á authenticação do respectivo titulo, no qual o official publico, que n'elle intervier, deverá fazer especial menção d'esse facto.
Art. 735.° Os credores certos e incertos que não tenham .acceitado a moratoria ou concordata serão chamados por editos de trinta dias a oppor o que considerarem ser de seu direito.
§ 1.° O ministerio publico, no interesse geral dos credores e como fiscal do cumprimento da lei, será ouvido sobre a concordata ou moratoria, ainda que a fazenda nacional não seja credora, e; para isso, terá vista do processo
por cinco dias, findo que seja o praso dos editos.

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§ 2.° A homologação ou a rejeição da moratoria ou da concordata será proferida pelo tribunal dentro dos dez dias posteriores aos editos.
Art. 736.° Havendo questão sobre o numero dos legitimos credores, importância dos seus creditos, legalidade das clausulas da moratoria ou concordata o porcentagem d'esta, o tribunal decidirá.

TITULO V

Da classificação da fallencia

Art. 737.° Suspenso, que seja, o processo da quebra, por moratoria ou concordata, ou logo que tenha começado o rateio o principio de pagamento aos credores na liquidação do activo da massa fallida, devem o ministerio publico e o administrador, e póde qualquer credor, deduzir artigos de classificação da quebra.
Art. 738.° A quebra será classificada, segundo as circumstancias, como casual, culposa ou fraudulenta.
Art. 739.° A quebra é casual, quando o negociante fallido, tendo procedido na gerencia do seu commercio com honrada solicitude, foi forcado a suspender pagamentos por causa independente da sua vontade.
§ unico. A quebra, ainda que occasionada proxima e directamente por caso fortuito e força maior, não tendo esta causa exclusiva, deve ser classificada como culposa, se o negociante fallido podesse, pelo seu maior zelo, actividade prudencia, obstar ao prejuízo de seus credores ou attenuar esses effeitos.
Art. 740.° A quebra é culposa, quando o negociante fallido, podendo, polo emprego de maior zelo, actividade ou prudencia, evitar ou attenuar os prejuizos de seus legitimos credores, tiver deixado de o fazer; e tem assim quando tiver faltado ao cumprimento dos preceitos legaes sobro uso de firma, arrumação de seus livros de escripturação, apresentação de documentos a registo, ou, por outra falta ou omissão, tiver dado causa a que elle proprio ou seus legitimos credores ignorem o estado precario de seus negocios.
§ unico. A presumpção do culpa, resultante da falta de apresentação voluntaria no tribunal no decendio posterior é, suspensão dos pagamentos ou ao reconhecimento da insolvabilidade, só podo ser illidida por prova innequivoca de legitimo o ininterrompido impedimento, claramente allegado e concludentemente demonstrado.
Art. 741.° A quebra c fraudulenta, sempre que o negociante fallido, conhecendo a insufficiencia do seu activo para solução de suas responsabilidades, pagar a quaesquer credores ou lhes facultar meio de obterem preferencia sobre outros.
§ unico. É sempre elemento constitutivo de fraude na quebra, e não de mera culpa, a celebração de qualquer acto ou contrato simulado ou feito em prejuizo de terceiro, ou criminoso por algum outro motivo, como suo o levantamento de capitães por letras ditas de favor, a compra para revenda immediata com prejuizo antes de pago o preço, e outras abusivas praticas contrarias á boa fé propria e indispensavel ao commercio.
Art. 742.° Deduzida a classificação por qualquer das pessoas, para isso legitimas, que primeiro o fizer, serão intimadas as outras a quem é imposta essa obrigação, para igualmente deduzirem seus artigos até á primeira audiencia.
§ unico. Até ao fim do praso finado n'este artigo serão recebidos aquelles artigos e quaesquer outros deduzidos pelos credores.
Art. 743.° Decorrido o praso para a deducção de artigos de classificação da quebra, será citado o fallido para contestar até á terceira audiencia, seguindo o processo seus termos ordinarios sem mais articulados.

TITULO VI

Do fim da interdicção e da rehabilitação do fallido

Art. 744.° A interdicção do fallido será levantada a requerimento d'elle, quando tenha obtido concessão de moratoria ou approvação definitiva do concordata, devidamente homologadas pelo tribunal; o a sua rehabilitação será igualmente decretada em consequencia da classificação da quebra como casual, ou do facto de ter cumprido ou ter-lhe sido perdoada a pena em que tiver incorrido por ser culposa ou fraudulenta a fallencia.
§ unico. Annullados os effeitos da moratoria ou da concordata, fica novamente interdicto o fallido.
Art. 745.° Fora dos casos mencionados na primeira parto do artigo antecedente, o levantamento da interdicção do fallido, somente lhe pôde ser concedido nos casos seguintes:
1.° Estando elle quite, por integral pagamento ou perdão, para com todos os credores que tenham reclamado pagamento;
2.° Tendo decorrido mais de dez annos e mostrando se extincta a massa fallida, a falta completa de bens e o pagamento de cincoenta por cento ao menos a todos os seus credores que tenham reclamado pagamento;
3.° Tendo decorrido o dobro d'este tempo e mostrando-se pagos vinte e cinco por cento dos creditos e verificadas as outras circumstancias do numero precedente.
Art. 746.° A sentença da classificação da fallencia fará applicação das penas que couberem ao caso segundo o respectivo codigo penal e mais leis vigentes, sendo executoria como criminal, que igualmente fica sendo.
§ 1.° Ao julgamento deve sempre comparecer pessoalmente o fallido, para o que será novamente citado.
§ 2.º O julgamento póde ser adiado por espaço não superior a trinta dias para se obter a prisão do fallido, e se ello faltar á respectiva audiencia.
§ 3.° Não se podendo fazer a captura do fallido, será julgado á revelia, sendo previamente citado por editos de trinta dias com essa commissão.
Art. 747.º Vê a ficando-se do processo da quebra e seus incidentes que na culpa ou fraude ha terceiros corôas alem do fallido, pejam auctores ou cumplices, devo a sentença de classificação indiciai os, para serem criminalmente accusados e julgados.
§ 1.° A sentença da classificação da quebra tem para com os terceiros que indicie os effeitos de despacho do pronuncia.
§ 2.° A acção criminal contra terceiros seguirá por appenso ao processo da quebra no mesmo tribunal, appropriando-se-lhe a legislação do processo criminal.
§ 3.° Não indiciando a sentença da classificação os co-auctores ou cumplices da quebra culposa ou fraudulenta, podem os credores ou o ministerio publico proceder contra elles separadamente.

TITULO VII

Disposições especiaes ás fallencias das sociedades

Art. 748.º A sentença que declarar a quebra de uma, sociedade em nome collectivo ou em commandita declarará igualmente a de todos os socios de responsabilidade illimitada.
§ 1.° No caso previsto n'este artigo haverá uma só administração, mas os bens da sociedade serão inventariados e conservados separadamente dos socios.
§ 2.° Os credores da sociedade serão ouvidos com respeito ao patrimonio social, e elles e os credores pessoas a dos socios com respeito aos bens d'estes.

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Art. 749.° Os portadores de obrigações de uma sociedade fallida concerrerão á respectiva massa pelo valor da emissão das obrigações, deduzido d'elle tudo quanto se achar amortisado.
Art. 750.° Se os socios de responsabilidade limitada não houverem, ao tempo da declaração da fallencia, Concorrido com tudo a quanto se obrigaram, deve a administração da massa fallada compellil-os a isso.
Art. 751.° Nas sociedades em nome collectivo e era commandita podem os credores conceder concordata só a um ou a mais dos socios de responsabilidade illimitada. 1 § unico. No caso previsto n'este artigo os bens não sociaes do socio concordata saem da massa fallida, não respondendo esta pelas obrigações da concordata, e ficando aquelle liberto de responsabilidade solidaria para com os credores da sociedade.
Sala das sessões da commissão de legislação commercial da camara dos senhores deputados, em 14 de janeiro de 1888. = Francisco de Castra Mattoso da Silva Corte Real = Alfredo Cesar Brandão = Antonio Baptista de Sousa - Antonio Lopes de Guimarães Pedrosa = Eduardo José Coelho - Ernesto Madeira = Gabriel José Ramires = Joaquim de Almeida Correia Leal = Dr. Joaquim José Maria de Oliveira Valle = Joaquim Pedro de Oliveira Martins = José da Cunha Eça Azevedo = José Dias Ferreira, com declarações = José Frederico Laranjo = José Maria de Andrade = José Maria Barbosa de Magalhães = Julio José Pires = Luiz Fisher Berquó Poças Falcão = Vicente Rodrigues Monteiro, relator.

O sr. Julio de Vilhena (para uma questão previa): - A minha questão previa verba sobre a maneira como póde e deve ser discutido o projecto do codigo commercial.
V. exa. comprehende perfeitamente que esta questão póde reputar-se uma questão aberta. Assim o declara a commissão tambem do seu parecer.
Pela minha parte, apesar de reconhecer a aridez da discussão e de saber que questões d 'esta ordem inspiram pouco interesse ás assembléas parlamentares, não tenho duvida em tomar parte n'essa discussão no sentido de aperfeiçoar, quanto caiba em minhas forças, o projecto que vae discutir-se. Mas parecia-me conveniente, antes de tudo, regular a maneira de o discutir. N'este sentido mando para a mesa uma proposta, que diz assim:
(Leu.)
Desejo sabor se o sr. ministro da justiça concorda com esta proposta, e por consequencia se a discussão póde seguir os tramites n'ella marcados.
Leu se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que, alem da discussão na generalidade, seja discutido o projecto na especialidade, por capitulos. = Julio de Vilhena.
Foi admittida.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.}
O sr. Julio de Vilhena: - Não propuz que a discussão se fizesse por titules, porque alguns ha que comprehendem mais de 100 artigos. O meu fim é fazer com que esta discussão só realiso por grupos de artigos e não por titulos.
Por exemplo, o titulo - Sociedades - tem 119 artigos, e ha outros, que têem 100 artigos. Quando os titulos mas têem capitulos, comprehende-se a discussão por titulos, mas no caso contrario é melhor fazer a discussão por capitulos.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Se o illustre deputado quer que a discussão seja dividida em capitulos, não tenho duvida alguma.
Creio que estamos perfeitamente de accordo.
O Orador: - A outra questão previa resume-se em explicações terminantes que eu peço ao sr. ministro da justiça a respeito de um ponto que está no codigo e que reputo altamente importante, porque emquanto não se liquidar este ponto eu não entro na discussão do projecto.
A questão é esta. V. exa. sabe que o governo mandou declarar para a ilha da Madeira que suspendia o artigo 1315.° do codigo commercial. A Madeira reclamou a liberdade de navegação, não quer o privilegio de cabotagem consiguado n'este artigo.
Eu pergunto ao sr. ministro se effectivamente esta noticia, que vi publicada na imprensa progressista, é verdadeira; quer dizer, se o governo se comprometeu para com a ilha da Madeira a suspender o artigo 1310.° do codigo commercial, porque uma das cousas que encontro n'esta projecto é uma disposição que dia que fica mantido este artigo.
Portanto não comprehendo como é que o governo se obriga para com a Madeira a suspender o artigo, e como é que dias depois apresenta um projecto que diz terminantemente que fica mantido este artigo, ( Apoiados.)!
Desejo, portanto, que fique liquidado este ponto. Se o sr. ministro confirma ou não a promessa feita á Madeira, por intermedio do sr. presidente do conselho o por consequencia pelo governo, e n'este caso como é que se explica a permanencia d'este artigo, tendo ha poucos dias mandado declarar para a Madeira que ficava suspenso o artigo 1310.° do codigo commercial.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que o projecto volte á commissão, a fim de si modificar o artigo 15.°, § unico, de modo a satisfazer os interesses da ilha da Madeira. = Julio de Vilhena.

O sr. Ministro da Justiça. (Francisco Buirão): - (O discurso será publicado guando a. exa. o restituir.)
O sr. Julio de Vilhena: - Não comprehendo as rasões apresentadas pelo sr. ministro da justiça.
O sr. ministro declarou que este artigo não impede uma deliberação posterior da camara, certamente a camara póde deliberar o contrario, mas isto exautora completamente o systema parlamentar.
O sr. ministro faz votar hoje pela sua maioria a disposição do artigo 1315.° do codigo commercial de 18 de setembro de 1833, na parte ainda vigente, dias depois vem derogar esta mesma disposição.
Por consequencia, é necessario que este projecto volte á commissão para ahi se fazerem as modificações em harmonia com a promessa feita pelo governo á ilha da Madeira, o só então se pôde entrar largamente na discussão d'elle. Tudo o mais não é serio.
O governo mantem a promessa com relação á ilha da Madeira? Sim ou não?
Se mantem, o projecto não póde ser submettido á sancção parlamentar, porque a promessa feita pelo governo áquella ilha devo ser consignada aqui.
Por consequencia, este projecto não póde sair da commissão, nem ser sujeito á deliberação da camara sem se consignar no artigo 3.° o beneficio que o governo prometteu para a ilha da Madeira.
Parece-me, portanto, para esta discussão ser séria e inteiramente desapaixonada, que o projecto deve voltar ao seio da commissão, vindo de lá com a consignação das idéas que o governo tem acerca da crise da Madeira. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Vicente Monteiro (relator): - Declaro a v. exa., por parte da commissão, que ella acceita a proposta do sr. Julio de Vilhena sobre a fórma da discussão d'este projecto.
O intuito da commissão, como é de certo de toda a ca-

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mara, e que se estabeleça a mais ampla e minuciosa discussão, para que o codigo seja aperfeiçoado tanto quanto possivel.
Quanto á segunda proposta pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se concorda em que ella fique em discussão conjunctamente com o projecto, como parte integrante que é d'elle.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Não tenho duvida alguma em consultar a camara, mas a proposta a que s. exa. se refere importa um adiamento e o regimento permitte que os adiamentos fiquem em discussão conjunctamente com os projectos.
Consultada a camara, foi a proposta admittida ficando em discussão com o projecto.
O sr. Presidente: - Ficam portanto em discussão as duas propostas para serem votadas quando se votar a generalidade do projecto.
Agora está em discussão o projecto, na sua generalidade.
O sr. Dias Ferreira: - Tendo eu assignado, com declarações, o parecer da commissão de legislação commercial, sujeito ao debate, cumpro me expor a camara as rasões da minha assignatura.
Esta materia é árida e ingrata. Não prende as attenções do publico em geral, e não poderia ser tratada com muita vantagem, desde que a proposito de assumptos de direito commercial se gastasse tempo com apreciações politicas.
Depois de fazer as minhas declarações na generalidade, algumas propostas hei de enviar para a mesa no intuito do melhorar disposições na especialidade, nem comtudo me comprometter a uma discussão larga do codigo commercial, porque, para se discutir este projecto, como elle deveria em rigor ser discutido, não bastaria de certo a actual sessão legislativa. (Apoiados.}
N'estes assumptos toem as cortes necessidade de descançar um pouco nos pareceres das commissões parlamentares e extra-parlamentares, que intervieram no exame do projecto, o que foram especialmente encarregadas de esclarecer a assembléa
Sr. presidente, é a primeira vez que se apresenta ao parlamento um projecto do codigo, elaborado pelo ministro da justiça; e custa muito a comprehender como o sr. ministro póde accumular, com os numerosos e variados serviços a seu cargo, a elaboração de um projecto de codigo, que representa tão grande capital de tempo, d« estudo e de trabalho.
Já Ferreira Borges dizia que a empreza desfazer codigos era a mais ardua tarefa do jurisconsulto, tarefa que não podemos deixar de considerar difficillima, quando se trata de um codigo sobre materia tão especial, e tão pouco conhecida, como é a materia commercial entre nós.
Rara será a pessoa, por mais ignara ou menos letrada que não saiba que são cousas differentes uma escriptura e um testamento, e que não saiba mesmo que bastam duas testemunhas para lavrar uma escriptura, e que são precisas cinco para fazer um testamento.
Mas pouquissimas serão as pessoas estranhas á profissão do commercio e á jurisprudencia commercial, que façam idéa dos caracteres que distinguem a letra do cambio da letra de terra, da livrança, e do bilhete á ordem.
Esta materia é extremamente difficil, não porque sejam precisos talentos privilegiados para a comprehender, mas porque é conhecida de poucos, o que não admira n'um para que não é essencialmente commercial.
Louvo, pois, o sr. ministro por este trabalho, que honra a sua dedicação pelo serviço publico, e felecito-o por ter quebrado o encanto da revisão do código commercial, que parecia não acabar nunca!
Quasi todos os ministros da justiça procuraram dar andamento aos trabalhos do revisão do codigo commercial, reforçando a commissão encarregada do assumpto, e todavia os trabalhos não andavam.
E a principal rasão da demora provinha de se não entregar a elaboração do projecto a um homem só.
As commissões são excellentes para rever trabalhos feitos, mas a unidade no pensamento e na construcção do projecto, não lhe podem imprimir senão os trabalhos de um homem só.
Duzentos annos andámos nós a reclamar um codigo civil, e quasi setenta annos se passaram a encommendar um projecto de codigo civil!
Chegou a fazer trabalhos definitivos n'este sentido o primeiro jurisconsulto portuguez, dos tempos antigos o modernos, Mello Freire.
Mas só tivemos codigo civil, depois que o governo encarregou definitivamente o consummado jurisconsulto Antonio Luiz de Seabra de fazer a projecto de codigo civil.
Pois tão difficil é a codificação das leis que um jurisconsulto, como Antonio Luiz de Seabra, gastou nove annos com o seu trabalho.
Encarregado em 1850 de fazer o projecto do codigo civil, e dispensado para isso do serviço do juiz da relação do Porto a fim de applicar exclusivamente as suas attenções á elaboração do codigo, apresentou-o ao governo em 1859, tendo feito gratuitamente este trabalho, que immortalisa o sou auctor, e honra a nação portugueza.
Ao mesmo tempo que o governo o encarregara de tão honrosa tarefa, nomeava uma commissão de professores da universidade de Coimbra com quem elle discutiu logo em 1850 o plano da obra, o submettia depois o projecto a uma commissão de revisão, em que entravam professores da universidade, jurisconsultos abalisados de Lisboa, e distinctissimos homens de letras, para que o novo projecto ficasse, quanto possivel, perfeito na essencia e na fórma.
Essa commissão gastou cinco annos desde 1860 a 1805 para levar a cabo os seus trabalhos.
Economistas distinctos e litteratos de primeira ordem, que da commissão faziam parte, muito contribuiram, para quo a redacção do codigo civil podesse ser considerada modelo em trabalhos d'este genero.
As unas leis são as que reproduzem fielmente os principios de direito em harmonia com o estado de civilisação do Povo para quem são feitas.
Mas, primeira condição das leis é serem tão claras que possam ser por todos comprehendidas, e que nào se prestem a duas interpretações na mào dos executores.
Fazem parte da commissão do codigo civil Alexandre Herculano e Marreca, e até os artigos relativos á materia do aguas foram de iniciativa de Alexandre Herculano.
Prima pela excellencia da redacção o nosso codigo civil. Ficou redigido em termos que rivalisa com os melhores codigos do mundo.
Nem o codigo italiano, nem o codigo francez, typo de todos os codigos modernos, póde disputar-lhe a primasia, o quo todavia não significa que seja uma obra perfeita, porque ainda se não descobriu o systema de perfeição absoluta em trabalhos humanos.
O grande defeito que eu noto n'este projecto, defeito do que muitas vezes faltei na presença do sr. ministro da justiça e dos meus collegas da commissão, é não estar redigido com a clareza necessaria n'um projecto d'esta natureza, sem com isto querer dizer que o presente projecto seja menos claro do que o actual codigo, porque se ha codigo redigido para ser entendido só por quem é da profissão, é o actual codigo commercial portuguez.
Na redacção e disposição das differentes doutrinas do codigo commercial Ferreira Borges foi extremamente infeliz.
Em primeiro logar complicou a materia de direito commercial propriamente dito com bastantes doutrinas de direito civil, e algumas bem escusadas.
E corto quo ao tempo em que Ferreira Borges escrevia

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o, seu codigo de commercio, não tinhamos nós a nossa legislação civil devidamente codificada.
Não nos faltavam leis, e leis abundantes era preceitos reguladores, das relações sociaes, porque regiam em todo o territorio portuguez as velhas ordenações do reino, o direito canonico e o direito romano nos casos omissos, e até dentro de certas condições as leis estrangeiras, sem fallar nos variados diplomas de legislação estravagante, especialmente do tempo do marquez de Pombal, o que tornava seriamente complicado e de difficilimo estudo a nossa jurisprudencia positiva.
Mas não estava codificada; e Ferreira Borges concebeu o pensamento de formular, conjunctamente com as leis commerciaes, e no procrio codigo de commercio, as bases pára a nova codificação civil, o que era inadmissivel, e até certo ponto impossivel.
O projecto, sujeito ao debate, pelo contrario vem quasi completamente expurgado de doutrinas de direito civil, e respeitou nas suas linhas geraes o direito consignado no velho codigo commercial, que era, e é ainda hoje, o direito
da § nações maritimas, que pouco modificado tem sido pelos progressos da civilisação.
O projecto comprehende, como não podia deixar de comprehender, direito novo na parte em que novos factos sociaes reclamavam novas providencias legislativas. Quando Ferreira Borges escreveu o actual codigo de commercio não estabeleceu regras para as questões maritimas que podem nascer das collisões e abalroamentos de embarcações a vapor, pela simples rasão de que n'essa epocha não disfructava ainda a humanidade as vantagens de tão maravilhoso aperfeiçoamento.
O novo projecto, pelo contrario, acompanha, como não podia deixar de acompanhar, os novos fructos da civilisação, regulando as novas relações sociaes. As sociedades anonymas que no fundo não são creação moderna mas que nos ultimos tempos têem tomado um incremento prodigioso, não tinham tambem a precisa legislação reguladora no codigo commercial vigente, tende-se por isso já promulgado sobre o assumpto a lei de 22 de junho de 1867; e no projecto em discussão incluiram-se os preceitos relativos ás sociedades anonymas, alguns dos quaes a experiencia dirá, e logo nos primeiros tempos de execução, se carecem, ou não de prompta reforma. Uma das grandes vantagens do projecto de codigo é ser mais laconico e resumido do que o codigo vigente. Ao passo que o codigo consta de 1860 artigos consta o projecto de 750; e, se por um lado comprehende menos materia do que o codigo, por outro abrange disposições sobre assumptos novos, de que o codigo não cogitara, nem podia cogitar na epocha em que foi feito.
A expurgação do novo projecto de numerosas provisões que enchiam o codigo de commercio, e a suppressão de outras sentenças absolutamente escusadas, é que reduziram o projecto a menores proporções.
O que eu sinto e muito é que o projecto não fosse redigido em todos os seus artigos com a clareza sufficiente para ser bem entendido por quaesquer pessoas vae se dediquem ao commercio, e que não têem tempo para andarem a toda a hora a consultar advogados. O codigo commercial devia ser para o, commerciante uma espécie de cathecismo ou de vade mecum, onde elle encontrasse tudo, e tudo claro, quanto lhe fosse necessario para o regimen das relações commerciaes.
E pena tambem que o sr. ministro da justiça não apresentasse, juntamente com o projecto de codigo commercial, o projecto de codigo do processo commercial. Sem isso as providencias do novo codigo sito incompletas.
Sempre que entre nós se reclamou a reformadas leis de direito e das leis do processo, eu entendi que era de mais. vantagem e necessidade publica a reforma do processo do que a reforma do direito.
D'esta regra nem a reforma da legislação civil eu exceptuava.
Bem necessaria era a codificação da nossa legislação civil, quando se publicou o codigo civil; mas mais necessaria era ainda a organisação de um codigo do processo civil.
O direito civil estava estudado, e na maior parte dos casos definida e assente a jurisprudencia. Andava espalhado por muitos e variados diplomas, mas no geral das hypotheses não era grande a divergencia entre os praxis.
As maiores difficuldades, com que se luctava nos tribunaes, eram as difficuldades do processo, que ainda hoje, apesar do novo codigo não estão devidamente aplanadas.
Um dos grandes impostos que pesam sobre a. sociedade portugueza, e que se não vêem, são as questões do processo. (Apoiados )
Os meus collegas, que não conhecem a vida do fôro, não imaginam as despezas que custa, por exemplo, uma, execução, em que a conta das custas e ás vezes muito mais, gravosa para o devedor de que o credito exequendo, em que só as penhoras, os registos das penhoras, e demais actos com estes ligados; representam um despendio fabuloso.
Os tributos judiciaes, que ninguem sente, ou antes, que não affectam o contribuinte senão individualmente, e que; por isso não determinam manifestações collectivas de desagrado popular contra os poderes do estado, abrangem todavia a grande massa dos cidadãos, (Apoiados ) porque rara é a pessoa que não te a uma ou outra vez pendencias em juizo.
Tambem é grande tributo lançado aos litigantes a demora no julgamento das causas, tributo de dinheiro, de trabalho e de paciencia; e a estes males, só o codigo do processo póde prover de remedio.
Na incerteza se teremos ou não codigo de processo commercial n'esta sessão, hei de mandar para a mesa durante o debate propostas sobre alguns pontos mais importantes a approvação das quaes importará desde logo grande melhoramento na lei do processo.
Pelo que respeita ao projecto do codigo do commercio em discussão, limitar-me-hei a considerações geraes sobre a responsabilidade da mulher nas dividas commerciaes, pelo marido contrahidas sem outorga d'ella, era apresentar algumas propostas sobre a materia comprehendida no livro das fallencias, que no meu entender é preciso alterar profundamente.
Abstenho-me, pois, de um debate largo e desenvolvido das disposições do projecto.
Se eu fosse analysar, como deveria, todas as disposições de direito, e formular propostas para a redacção dos artigos que me não parecem sufficientemente claro, não poderiamos ter n'esta sessão convertido o projecto em lei do
estado.
Mas insisto mais uma vez na necessidade de discutir e publicar o codigo do processo commercial em seguida ao codigo commercial, trabalho comparativamente facillimo, em presença do codigo do processo, cujas disposições devem ser aproveitadas, quanto possivel, para termos um processo commum para o commercio e para o civil, o que é de alta vantagem, não só para o fôro, mas para a sciencia.
Hoje, para ser jurisconsulto, ou antes, para estudar e aprender todos os ramos, do direito positivo, e as noções correspondentes da philosophia do direito, quasi não chega a vida do homem. Quem quizer hoje estudar todos os variados ramos do direito philosopbico e do direito positivo, não póde distrahir as suas attenções para outros assumptos. (Apoiados.)
Torna se por isso cada vez mais indispensavel harmonisar todas as providencias dê direito, tornando quanto possivel commum o processo e a realisação dos respectivos direitos,

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Mas a esse trabalho pouca attenção se tem dado em Portugal.
A construcção de um cantil, de um caminho de ferro, de uma estrada ordinaria, emfim de qualquer melhoramento material, que todos vejam, que todos apreciem nem esforço do intelligencia, prende entre nós as attenções publicas, ainda que custe grandes sacrificios ao estado.
Mas a necessidade do uma commissão de jurisconsultos, encarregada de preparar trabalhos no intuito de harmonisar, quanto possivel, todas as repartições do direito positivo, como ha n'outros paizes, escapa ás apreciações da opinião, o ninguem se importa com ella.
Harmonisar a codificação das differentes leis, o quo se podia conseguir sem encargo para o thesouro, seria grande serviço á jurisprudencia, e grande economia para a nação.
Não são interiores aos melhoramentos materiaes os beneficies, que ao paiz resultam d'uma legislação aperfeiçoada e harmonica. (Apoiados.)
Dada esta breve explicação á camara, indicarei agora alguns dos artigos que no meu entender devem ser modificados, e começo pelo artigo 3.° da lei preambular que precedo o codigo, onde se diz: «Que fica revogada toda a legislação anterior, sobre materia commercial».
Esto artigo carece do ser alterado desde que o projecto do codigo de commercio não vem acompanhado do projecto de codigo de processo commercial.
O sr. ministro da justiça tomou por modelo d'esta, disposição o preceito da lei de 8 de novembro de 1876, que deu força e vigor ao codigo de processo civil, quando devia tomar por modelo a providencia parallela da lei de l de julho de 1867, que deu força e vigor ao codigo civil.
Na lei que precedeu o codigo de processo civil fica absolutamente revogada toda a legislação anterior, sobre processo civil, quer geral, quer especial, quer recaia, quer não, nas materias no mesmo codigo comprehendidas; quando pela lei, que precedeu o codigo civil, da legislação anterior sobre direito civil só era revogada a quo recaísse nas materias comprehendidas n'elle.
A lei, que sanccionou o codigo civil, não revogava toda a legislação anterior sobre direito civil, porque deixava de fora algumas materias muito importantes de direito civil.
Assim na redacção do codigo civil nunca se pensou em regular a materia vincular. O auctor do projecto do codigo civil, com o receio do que o seu trabalho naufragasse por via da materia dos morgados, não introduziu disporão alguma a respeito de vinculos, e a commissão revisora manteve n'esta parte completamente o systema do projecto, e de certo pelas mesmas rasões.
E verdade que já não havia morgados, que tinham sido extinctos pela lei de 19 de maio de 1863, quando foi discutido em côrtes o codigo civil.
Mas subsistiam disposições transitorias, que o codigo civil não quiz attacar.
As regras da successão commum, por exemplo, nem sempre são applicaveis á successão vincular, porque a lei de extincção dos morgados determinou que por morte dos então administradores e de seus immediatos successores não seriam admittidas á successão ab intestato dos bens, de que se compunham os vinculos, pessoas estranhas á linha por onde os mesmos vinculos proviessem, quando existissem n'essa linha parentes até ao terceiro grau contado por direito canonico, já nascidos ao tempo da promulgação da lei, preferindo o grau mais proximo ao mais remoto, com relação ao então administrador, e repartindo-se os bens entre todos os parentes quo só achassem no mesmo grau, conforme o direito commum.
Ficou igualmente de fóra do codigo a materia dos foraes, que é tambem direito civil que, ainda hoje é regulada pelo decreto de Mousinho da Silveira, de 4 de agosto do 1832, e pela carta de lei do 22 de junho de 1846, e mais legislação parallela.
Não é pelas disposições do codigo civil que havemos de resolver as questões que se levantarem n respeito de doações regias, ou de fóros impostos por titulo genero eu por titulo especial.
Por esse motivo se declarou na lei que precede o codigo civil, que da legislação anterior só ficava revogada a parte que recaisse nas materias n'elle comprehendidas.
Mas a lei que sancciona o codigo de processo civil foi mais longe.
Cansado como estava o fôro de recorrer a cada passo, em questões de processo, á ordenação do reino, á novissima reforma judicial, ás leis de 1843, do 1849 e de 1855, etc., tendo-se ordenado um processo commum para todos os celsos que não estivessem previstos em disposições especiaes, e preferindo se finalmente o prudente e rasoavel arbitrio do julgador ao perigoso arbitrio do poder recorrer a qualquer das disposições da legislação anterior, estabeleceu-se então um principio mais radical, um principio profundamente revolucionario no bom sentido da palavra.
Determinou se que todo o processo civil, quer geral, quer especial, quer comprehendido quer não na materia do novo codigo, ficasse por este completamente revogado.
Preferiu se o processo ordinario do novo codigo, ainda que fosse inconveniente para certos cacos, a um processo completamente arbitrario, como seria se aos magistrados judiciaes ficasse a liberdade de recorrer aos monumentos do direito velho para encontrarem providencia accommodada ao caso Decorrente. O bom sonso dos tribunaes escolherá, em caso de duvida, o processo do codigo que for accommodado ao caso em questão.
Este preceito, que não existia, n'esta largueza, em nenhuma das leis anteriores, é um documento abonatorio da excellencia do novo codigo de processo. Nem este preceito póde offerecer grandes inconveniente?, desde que no novo codigo ficou assente o principio das nullulades suppriveis e das nullidades insuppriveis com as suas respectivas consequencias.
Hoje as nullidades insuppriveis só em muito poucos casos têem logar, e estão taxativamente prescriptas na lei; e as nullidades suppriveis reputam-se suppridas, se decorrerem cinco dias sem o interessado reclamar.
A fórma de processo, mesmo, é era certos casos nullidade supprivel porque, tendo-se estabelecido processos especiaes para certas hypotheses, segundo a lei ou antes segundo a jurisprudencia dos tribunaes não é nullidade insupprivel o emprego de processo ordinario nos casos em que a lei prescreve processos especiaes.
Com este systema do novo codigo de processo não havia inconveniente em se determinar, como só determinou, que ficava revogada toda a legislação anterior sobre o processo civil, quer fosse geral quer especial, quer obtivesse, quer não, comprehendida no codigo.
Não podemos, porém, applicar a formula da lei preambullar do codigo de processo civil ao codigo commercial.
Não podemos dizer que fica revogada toda a legislação anterior sobre materia commercial, porque a materia commercial comprehende tanto o direito como o processo, e o processo não fica revogado.
O artigo 3.° da lei preambular do projecto ha de ser redigido no sentido de que só fica revogada a legislação anterior sobre materia commercial, que esteja comprehendida no codigo, ou no sentido de que fica revogada toda a legislarão anterior, quer geral, quer especial, que recair sobre direito commercial, propriamente dito, para se excluir a revogação do processo commercial, regulado no codigo actual, que continua em vigor.
Adoptada qualquer d'estas duas formulas é evidente para todos que não fica revogado pelo novo codigo o processo commercial, descripto no actual codigo do processo, e em varias leis posteriores.
Toco agora n'outro ponto, que foi já objecto do largo debate no seio da commissão, e que não póde deixar de merecer á camara toda a attenção, porque entende com o

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regimen matrimonial dos bens, e com a organisação da familia, babe da sociedade civil.
Decretara o codigo civil, que o marido, sem a outorga da mulher, era caso nenhum podia responsabilisar os bens proprios da mulher, nem mesmo a meação d'esta nos bens communs senão provando se que as dividas, só pelo marido contrahidas, tinham sido applicadas em proveito commum dos conjuges, ou contrahidas na ausência ou no impedimento da mulher, não permittindo o fim para que ha viam sido contrahidas, que se esporasse pelo seu regresso ou pela cessação do impedimento.
Fóra d'aquelles casos o marido só obrigava ás dividas por elle contrahidas, sem a annuencia da mulher, os seus bens proprios, e a sua meação nos bens communs do casal. Mas a própria meação do marido nos bens communs não podia ser executada, senão quando se dissolvesse ,o matrimonio, quer por morto do marido ou da mulher, quer por annullação de casamento, ou havendo separação de bens.
Assim, credor que emprestasse ao marido sem lhe exigir aprova do consentimento da mulher, podia depois fazei o condemnar-no pagamento da divida, mas não podia promover execução na meação do devedor nos bens communs, porque, se o capital da meação era do marido, o rendimento era de ambos os conjuges, e a mulher não podia ser privada de metade d'esse rendimento, senão dissolvido o matrimonio ou havendo separação de bens. E talvez que ao legislador repugnasse permittir o inventario dos bens do casal em vida dus conjuges, e na constancia do matrimonio, sem estar sequer interrompida a sociedade conjugal, inventario indispensavel para separar a meação do marido e da mulher, a fim de correr a execução unicamente sobre os bens do devedor.
Estas garantias, concedidas á mulher casada pela nova legislação, são a consequencia dos preceitos e principios philosophicos, reconhecidos no codigo civil, que prestou homenagem aos princípios de direito philosophico moderno. A mulher não tinha na velha legislação portugueza o patrio poder sobre os filhos, nem tinha o usufructo dos bens dos filhos, quando o pae gessava do patrio poder, e usufruia o rendimento dos bens dos filhos até elles chegarem á maioridade, ou por qualquer fórma se emanciparem. Era odiosissimo e incompativel com os principios de direito moderno este privilegio concedido ao pae.
Mas era o direito portuguez, o direito das ordenações do reino, fundado no velho principio de direito romano, que negava á mulher posição igual á do marido na sociedade conjugal, quo não tinha podido emancipar se absolutamente do antiquissimo direito romano quo considerava a mulher serva do pae ou do marido, e que pelo casamento apenas passava das mãos do pae para as mãos do marido.
Mas este principio subversivo da igualdade entre o homem e a mulher, condemnado pelos progressos da philosophia e da civilisação, caiu todo diante do codigo civil, quo deu á, mulher, na sociedade conjugal, posição igual á do homem, salvos apenas os direitos de administração para salvar a unidade no regimen da familia.
Hoje tem a mãe como o pae o patrio poder, e o usufructo dos bens dos filhos.
Em conformidade dos mesmos principies não póde o marido comprometter a meação da mulher nem sequer os rendimentos da sua meação, sem auctorisação da mulher.
São estas as providencias consignadas no nosso codigo civil, que asseguram á mulher, posição igual á do marido na sociedade conjugal.
Alguns inconvenientes têem trazido na pratica estas novas disposições, que deverão ser considerados polo legislador, más não são as providencias do projecto meio acceitavel para os remediar.
É certo que não raro o credor, lendo na sua mão a sentença condemnatoria do devedor, naufraga na execução, perante a opposição, da mulher, quantas vezes dirigida o preparada pelo proprio marido!
Posta a execução em juizo, e frita a penhora, deduz a mulher embargos do terceiro com o fundamento de que nem outorgára no contrato de divida que originara a condemnação do marido, e a penhora dos bons do casal, nem d'essa divida tinham vindo vantagens para o casal; e como a lei ou a jurisprudencia dos tribunaes impõe ao credor o onus do provar se effectivamente o casal lucra ou não com a divida, prova difficilima e n'alguns casos impossivel, o juiz recebe-lho os embargos, que depois julga precedentes e provados, e manda levantar a penhora, ficando é credor na situação difficilima de ter de esperar pela morte do marido ou da mulher, ou pela separação do bens, a fim de dar seguimento á execução; que, alem do suspensa, podia ser de todo inutilisada, desde que os conjuges se desfizerem dos bens.
Algumas providencias podiam adoptar-se para occorrer a estes inconvenientes, toas nunca com prejuizos dos principios reguladores da sociedade de familia. Alem de que o credor não póde queixar-se senão de si.
Quem empresta a homem casado e não exige o consentimento da mulher, só a si póde imputar as consequencias do acto.
Se o mutuario oppõe qualquer difficuldade em apresentar a assignatura ou procuração da mulher, basta esto facto para o credor desconfiar que o emprestimo não é destinado a beneficiar o casal commum do devedor.
O projecto restaura a velha doutrina, que punha o casal commum á completa mercê do marido, facultando-lhe o poder tomar livremente de emprestimo, sem necessidade de intervenção da mulher.
O direito antigo só exigia a intervenção da mulher para o marido poder alienar bens de raiz.
Mas esta restricção ao poder absuluto do marido era perfeitamente illusoria, porque não o impedia de se desfazer plenamente dos bens pelo meio indirecto dos emprestimos; porque confessava dividas, e executado depois por ellas, iam-lhe os bens á praça, e a mulher ficava reduzida á miseria como se não tivesse intervindo na alienação dos bens de raiz.
Agora é de novo habilitado o marido a dissipar tudo, de modo que a mulher e os filhos podem achar-se de repente privados dos bens e rendimentos do casal, absolutamente necessarios para os seus alimentos; e vamos favorecer o usurario com prejuízo da mulher casada.
Se o credor quizer emprestar com segurança, exija o consentimento da mulher do devedor, e se este considera o negocio vantajoso para a casal, peça á mulher a sua annuencia; (Apoiados ) do contrario o credor, conluiado com o devedor, póde sem difficuldade prendar todos os rendimentos do casal, sem a mulher saber cousa alguma, senão quando lhe entrar pela casa dentro o official de justiça para lhe penhorar os bens!
A assembléa não que rerá de certo sanccionar similhante doutrina.
Melhor, ou antes, menos repugnante aos principies acho eu o systema da lei velha, que considerava a mulher inferior ao marido na sociedade conjugal, o que dá quasi os mesmos resultados.
O projecto parece respeitar a meação da mulher nos bens communs, e todavia priva-a logo dos rendimentos, pois que a penhora importa a apprehensão dos bens, que são logo entregues a um depositario, que só em juizo dá conta dos rendimentos.
Feita a penhora fica a mulher privada de todos os rendimentos; pois só no arresto, medida preventiva, ou preparatoria, se respeitam ainda os alimentos!
Permitte o projecto ao credor fazer penhora em quaesquer bens do casal, o que significa esbulhar logo a mulher de todos os rendimentos.
É verdade que, feita a penhora em quaesquer bens do

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casal, a mulher é citada, e póde no decendio requerer simples separação judicial do bens.
Mas em primeiro logar este preceito ataca radicalmente o systema do regimen matrimonial, que não permitte requerer a separação judicial de bens, senão no caso gravissimo de a mulher pela má administração do marido correr o perigo de perder o que é seu.
Pode o marido ter sido muito bom administrador, e estar impedido por uma infelicidade qualquer de salvar na epocha do vencimento as suas responsabilidades e todavia a mulher ou ha de recorrer a este meio extremo, ou ha do ficar com todos os bens do casal sujeitos a uma execução viva.
Por outro lado onde ha de a mulher ir buscar os meios para intentar a acção cie separação judicial de bens, se ella tem tudo penhorado?
Ha de requerer alimentos provisorios? Mas a quem, se a demanda por ella proposta é contra o marido, e se elle de nada é senhor, nem do capital, nem dos rendimentos?
E quando terminará a final a questão para a mulher ficar com a sua situação definida?
As causas judiciaes desdobram-se em regras, em duas na acção propriamente dita, que tende á verificação do direito por sentença e na execução d'essa sentença.
No presente caso ha de a mulher fazer decretar primeiro por sentença a separação judicial de bens, e depois proceder a inventario e partilha em consequencia do julgamento da separação.
E que serie de incidentes poderão surgir no decurso da demanda, que a façam durar annos e annos?
E verdade que a execução fica suspensa, emquanto não for decretada a separação judicial e se não fizer a partilha, mas suspensa só depois da penhora, isto é só depois de se terem apprehendido a mulher casada os seus bens e rendimentos.
Esta situação afflictiva e desesperada, que a lei cria á mulher, põe n'a á discrição do credor, que lhe ha de dictar a lei.
O credor, desde que tenha apprehendido os bens, e portanto os rendimentos tambem do casal do devedor, poderá deitar a sua espada na balança, e dizer - Voe victis, - e a mulher terá de acceitar as imposições do vencedor, para não continuar privada do tudo quanto é seu.
Mas em nome de quo interesses se faz similhante violencia, atacando de frente todas as garantias, que á mulher casada concede a lei civil? Em nome dos interesses do credor, não. Não merece tanto favor quem podia garantir os seus direitos com a simples exigencia do consentimento da mulher. Se a falta de consentimento da mulher do devedor prejudicou o credor, a si deve este imputar similhante falta. Não ha de sor a mulher innocente que ha de responder pelas consequencias do que póde ser um conluio, e uma fraude ajustada entre o devedor e o credor, exactamente para a espoliar.
Estes são os verdadeiros principios, que nunca devem ser preteridos pelo legislador. Não acredito em boas leis, quando ellas não sejam a expressão da moral e do direito.
A approvação do preceito do projecto, que estou combatendo, ha de ser causa de grandes conluios e de grandes fraudes, em prejuizo da mulher; e a base das relações commerciaes é precisamente a boa fé. (Apoiados.}
O commerciante que vae pedir emprestado de boa fé escusa de occultar o seu negocio á mulher, e o capitalista que empresta, se negoceia de boa fé, deve exigir do devedor prova do consentimento da consorte.
Não creiam no zelo do commerciante, perdido, pelos interesses de família.
O commerciante, desde que entre no caminho inclinado da desgraça e da desventura, esquece a mulher e os filhos, e tudo o quo n'este mundo lhe for mais caro.
O que prefere a tudo é obter dinheiro!
Á sombra d'esta paixão chega a praticar os maiores desatinos, e a faltar aos mais sagrados deveres.
Por isso a nossa legislação civil, n'uma das suas paginas mais gloriosas, procurou salvar os interesses do casal, acautelando os interesses da mulher e dos filhos, e do proprio marido, não permittindo sacrificar os bens communs sem a intervenção da mulher.
A organisação e fins da sociedade civil estão acima de todas as considerações commerciaes.
Não param ainda aqui os ataques aos principios fundamentaes da organisação da familia. Prescreve se tambem que as dividas provenientes de actos commerciaes contrahidas só por um dos esposos, que for commerciante, ou só pelo marido commerciante, sem outorga da mulher, se presumem applicadas em proveito commum dos conjuges.
Por esta jurisprudencia a divida de letra, assignada por um commerciante, presume-se logo contrahida em proveito do casal, unicamente porque é commerciante o signatario da letra!
Ora, o commerciante, só porque é commerciante, não é mais honrado, nem mais amigo da mulher e dos filhos, do que o não commerciante.
Similhantes disposições, longe de representavam um serviço ao commercio, hão de trazer graves embaraços ás relações commerciaes, como eu terei ainda occasião de dizer.
Sr. presidente, desde que se resolveu a discussão do projecto por titulos, ou capitulos, não digo agora mais nada.
Na especialidade direi o resto.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro dos Negoccios Estrangeiros (Barros Gomes):- Mais de uma vez, n'esta camara e na camara dos dignos pares foi accentuada a necessidade de se reformar os serviços da secretaria a meu cargo e do corpo diplomatico e consular; mais de uma vez tambem tive occasião de dizer que o governo se occupava d'este assumpto importante o que apresentaria á camara uma proposta resumindo o que eu reputo de mais essencial n'essa reorganisação.
Desempenho-me hoje d'esse compromisso, mandando para a mesa a respectiva proposta de lei.
N'esta proposta procurei attender ás necessidades d'estes serviços e tambem muito especialmente á circumstancia de não aggravar com a reforma as circumstancias do thesouro. Dispenso-me de ler o relatorio, esperando que v. exa., conforme a praxe, a mande publicar no Diário do governo.
(S. exa. não reviu.)
A proposta de lei vae publicada no fim da sessão a pag. 409.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão) : - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. D. José de Saldanha: - Sr. presidente, a hora está muito adiantada, mas, em todo o caso cumpre-me dizer alguma cousa ato dar a hora.
Talvez alguem se admire de eu ter pedido a palavra sobre um assumpto, em grande parte estranho aos estudos a que mais detidamente me dedico; mas todos sabem, quo os deputados que entram n'esta camara, têem obrigação de concorrer, tanto quanto lhes seja possivel, já com os seus conhecimentos adquiridos, já com a sua pratica da vida, para que as leis sejam muito discutidas e esclarecidas, e essa obrigação sobe de ponto principalmente quando ha, por parte da nossa illustrada commissão de legislação commercial, a declaração previa de que a discussão é aberta; n'este caso torna-se indesculpavel a falta de auxilio de todos os deputados, que se julguem por quaesquer rasões nos casos de entrar no debate.
Foi este o motivo porque eu pedi a palavra e insisti com v. exa. para fazer uso d'ella.
Seria talvez logar agora para fazer eu referencia a algumas das considerações, que foram apresentadas pelo illustre deputado e jurisconsulto, o sr. conselheiro José Dias Ferreira; mas desde o momento em que o sr. ministro da justiça já respondeu, e a meu ver exhuberantemente, ás considerações que poderiam fazer mais echo na opinião pu-

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blica, desisto de o fazer, limitando-me a declarar que abundo completamente nas idéas por s. exa. apresentadas, e tambem invocadas até certo ponto pelo sr. conselheiro José Dias Ferreira, no tocante a serem no novo codigo commercial respeitados, por todas as maneiras possiveis, os laços, a constituição da familia.
Posto isto, direi que se me afigura que o projecto em discussão, é um projecto, que, traz comsigo uma revolução completa para muitos dos pontos, a que o projecto se refere, e um modo de ser completamente novo para muitas das transacções, a que o mesmo projecto diz respeito.
Muita gente imagina que não póde haver uma revolução qualquer, ainda que seja só nas idéas, sem o cortejo forçado de um conjuncto de circumstancias, que agitem, que chamem a attenção da massa popular; mas a verdade é que nem sempre assim succede. N'este caso está o que actualmente se dá com o projecto em discussão.
Estou convencido de que, se este projecto for votado, dará depois logar na pratica a um modo de ser completamente novo, debaixo de muitos pontos de vista, para um grande numero de operações, para um grande numero de factos sociaes, o esta minha apreciação está justificada, até certo ponto, com uma consideração que vem, não só na proposta do governo, mas tambem no projecto de lei em discussão, quando n'este se diz que o codigo tem do acompanhar as mudanças e transformações, a que têem dado logar as condições actuaes da navegação, e da viação accelerada, provenientes do emprego do vapor e da electricidade, e da; maior facilidade dos meios de transporte e communicações. Para dar a conhecer a v. exa., sr. presidente, á camara, ao paiz, queime occupei detidamente da analyse d'este projecto, eu poderia fazer um trabalho, que me levaria muito; tempo, mas com o qual a assembléa não ganharia muito; eu poderia provar, até á evidencia, que tive o cuidado de ler meticulosamente cada um dos artigos e paragraphos, e cada uma das phrases do projecto, e que tive, alem d'isso, tambem o cuidado de comparar todo o projecto em discussão com a proposta primitiva do sr. ministro da justiça. Esse trabalho, que agora não reproduzirei na camara, serviu-me, era indispensavel, para me julgar auctorisado a mandar algumas propostas para a mesa, insistindo em algumas d'ellas na conservação de algum dos artigos que se encontram na proposta do governo, e que foram eliminados no projecto da commissão; e insistindo, pelo contrario, em outras na eliminação de alguns artigos que se encontram no projecto, e que não estavam comprehendidos na proposta. Quando eu pedi a palavra, calculava eu, sr. presidente, que desde o momento em que estava era discussão na sua generalidade este projecto de lei, teria todo o cabimento, debaixo do ponto de vista do artigo 2.°, e tambem do artigo 1.°, o fazerem-se largas considerações em relação ao todo do codigo commercial. Pela votação, que. teve logar sobre a proposta apresentada pelo illustre deputado o sr. conselheiro Julio Marques de Vilhena, julgo que ficou determinado, se bem ouvi, que deve haver uma discussão na generalidade, e depois seguidamente urna discussão na especialidade, por capitulo?. A maneira de encaminhar a discussão em harmonia com essa proposta differe ura pouco da orientação que eu trazia para proseguir na discussão; mas como em todo o caso eu pedi a palavra para expor francamente á camara, ao paiz, as considerações que me foram suggeridas pela leitura do projecto e da proposta, espero que ninguem levará a mal que eu, não me afastando muito da orientação que dei aos meus trabalhos preparatorios para a discussão, procure, segundo essa orientação, fazer a minha exposição com a maior clareza.
É evidente, sr. presidente, que desde o momento em que se trata de um codigo commercial, deve vir exarado n'esse codigo tudo que é referente á materia. É este ponto, como eu não sou competente, louvar-me-hei na apreciação ou na declaração que fizer o illustre relator ou qualquer outro membro da commissão, quando arame que entende em sua consciencia que este codigo encerra toda a materia de direito, que é indispensavel para por elle só regularem todas ás transacções commerciaes.
Emquanto á discussão mais ou menos theorica de um ou outro ponto, que podia dar logar a uma discussão mais ou menos ampla, limitar-me-hei a seguir o exemplo dado pela illustre commissão, quando declara no seu relatorio, logo no principio, que ha questões, que podem interessar as academias, debaixo do ponto de vista scientifico, mas que não têem utilidade alguma pratica na confecção das leis.
Ha um ponto importante n'este projecto, que é aquelle que se refere ao trabalho feito pelo, sr. ministro da justiça, e pela commissão com relação a terem trazido para o novo codigo commercial, que está em discussão, tudo quanto ha de melhor na legislação estrangeira. N'este ponto farei a mesma declaração, que fiz ha pouco. Desde o momento em que o illustre relator, ou qualquer outro membro da commissão, declarar que entende em sua consciencia que os estudos que fizeram tiveram em attenção o melhor que a este respeito ha na legislação estrangeira, e pela minha parte tambem me darei por satisfeito, e apesar de se dar um perigo n'estas cousas, e em tudo o mais, é que nem sempre se ganha em importar do estrangeiro; porque, se vem de lá alguma cousa boa, tambem tem vindo muita cousa má.
Já me referi ás alterações que a commissão entendeu dever introduzir na proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da justiça; mas devo louvar ainda n'este parte a commissão, debaixo de um outro ponto do vista, porque, diga-se a verdade, a commissão procurou justificar, tanto quanto era possivel fazel-o no relatorio, as modificações introduzidas não, só em relação á doutrina, mas tambem em relação á redacção de diversos artigos.
Da simples leitura do relatorio, que precede o projecto de lei, em discussão, facil é concluir que na discussão na generalidade se pôde tratar de differentes assumptos, que vem indicados logo no principio; esses assumptos são ao todo nove:
1.° Direito subsidiario do novo codigo;
2.º Actos de commercio;
3.° Responsabilidade que por elles póde advir á mulher casada;
4.° Sociedades;
5.° Letras, livranças e cheques;
6.° Seguros;
7.° Outros contratos especiaes de commercio;
8.° Direito maritimo;
9.º Quebras.
Procurarei tocar successivamente em cada um d'estes pontos passo a passo, indicando o que sobre cada um d'elles me occorrer.
Vozes : - Deu a hora.
O Orador: - Como deu a hora peço a v. exa. que me reserve a, palavra para amanhã.
Peço licença para fazer uma declaração, por parte da commissão de agricultura, que é, que esta commissão se acha constituida, sendo seu presidente o sr. conselheiro Elvino de Brito, e eu secretario.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Fuschini para antes de sé encerrar a sessão.
O sr. Fuschini: - O que eu desejo é que v. exa. peça ao sr. ministro das obras publicas que queira mandar, com toda a brevidade, para esta camara o relatorio original, feito pela commissão especial, nomeada para estudar as relações financeiras da camara municipal com a companhia das aguas; ou então que o mande publicar, sem perda de tempo, na folha official.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde..

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Propostas de lei apresentadas n'esta sessão pelo sr. ministro da justiça em nome do sr. ministro do reino, e pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros

Proposta de lei n.° 13-D

Senhores. - A lei do 30 de junho do 1860 auctorisou no § unico do artigo 5.°, a camara, municipal de Braga a lançar o imposto de 30 réis em cada um carro do concelho ou fóra d'elle, que entrasse na cidade. Este imposto, cujo producto não se calcula em menos do 4:000$000 réis, que era acceito sem reluctancia, e incidia pela maior parte sobre os carros de fura do concelho, não pude hoje cobrar-se, por isso que o artigo 135.° do codigo administrativo limita as taxas sobre vehiculos ás licenças pelo respectivo uso no concelho.
Em materia, porém, de contribuições sem duvida são preferiveis aquellas que a um tempo produzam maior receita, e com menos repugnancia são pagas pelos contribuintes.
É o que acontece no concelho de Braga pelo que. toca ao antigo imposto sobre vehiculos, pois que é rendoso e conforme aos costumes de ha muito estabelecidos, ao passo que a litteral applicação do artigo 130.º do codigo administrativo importa, um novo imposto, que será menos bem recebido e produzirá diminuição da receita municipal.
Acresce que o antigo imposto fora concedido por disposição especial de lei, cuja manutenção se podo ainda hoje legitimar com as mesmas considerações que a dictaram.
Por estes motivos pois, e attendendo ao que no mesmo sentido foi representado ao governo pela referida camara, tenho a honra, de submetter á vossa illustrada apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo l.° E auctorisada a camara, municipal do concelho de Braga a substituir as taxas respectivas ns licenças pelo uso de vehiculos no concelho a que se refere o artigo 136.° do codigo administrativo, pelo imposto de: 30 réis em cada um carro do concelho, ou de fóra d'elle, que entra, na cidade, como lhe fóra concedido pelo § unico do artigo 5.º da lei de 30 de junho de, l860.
Art. 2.'1 Fica revogada a legislação cm contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 5.º de fevereiro do l888. = José Luciano de Castro.
A commissão de administração publica e da fazenda.

Proposta de lei n.° 13-E

Senhores. - Para abastecer de aguas potaveis a Villa Nova de Portimão, foi pela respectiva camara municipal aberto concurso em 20 de outubro de 1832, ao qual a empreza constituida pelos engenheiros Jacinto Parreira e Angelo do Sarrea Prado e pelo proprietario Joaquim de Almeida Negrão, veiu com a, sua proposta, que em 1 de Fevereiro de 1833 o teve da mesma camara approvação, que em 24 do referido mez foi confirmada pela commissão executiva da junta do districto de Faro.
Km 30 d. dezembro de 1880 celebrou a camara municipal do concelho de Villa Nova de Portimão com aquella empreza o presente contrato, cujas clausulas, aliás analogas ás de outros contratos da mesma natureza, parecem conformes assim ao interesse publico como ás necessidades a que é mister attender, para se levar a cabo uma obra de tão reconhecida importancia e vantagem para a mencionada Villa.
Por este motivo temos a honra de submetter á vossa illustrada consideração a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º É approvado, nas clausulas que dependem de sancção legislativa o contrato que, para abastecer de aguas potaveis a Villa Nova de Portimão, celebrou a camara municipal do concelho do mesmo nome, em 30 de Dezembro de 1886, com os engenheiros Jacinto Pereira e Angelo de Sarrea Prado e proprietario Joaquim de Almeida Negrão, e que para este effeito fica fazendo parte da presente lei.
Art 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 6 de fevereiro de 1888.== José Luciano de Castro = Francisco Antonio da Veiga Beirão = Marianno Cyrillo de Carvalho = Emygdio Julio Navarro.
Saibam os que esta escriptura virem, que sendo no anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1880, aos 30 dias do mez de dezembro, n'esta Villa Nova. do Portimão e paços do concelho, onde se achava de uma parte o cidadão Francisco da Paz Mendes, na qualidade de presidente e representante da camara municipal, em conformidade da lei, e da. outra o exmo. sr. Joaquim de Almeida Negrão, por si e como representante e procurador dos exmo. srs. Jacinto Parreira e Angelo de Sarrea Prado, o quo fez certo pelas procurações que n'este acto apresentou e que ficara archivadas na secretaria da municipalidade para serem inseridas nos traslados o certidões que se passaram d'esta escriptura, pessoas reconhecidas pelos proprios, de mim escrivão e das testemunhas abaixo assignadas, de que dou fé; ahi pelo presidente da camara outorgante foi dito, que tendo os emprezarios exmo. srs. Jacinto Parreira, Angelo de Sarrea Prado e Joaquim de Almeida Negrão, proposto o abastecimento de aguas potaveis n'esta Villa Nova do Portimão, em virtude de concurso publico, que se abriu por edital de 28 de outubro de 1882, publicado no Diario do governo n.° 254, do novembro do mesmo anno, foi a proposta acceite pela camara, approvação que teve logar em sessão do 1.º de fevereiro de 1883, e confirmada pelo accordão da commissão executiva da, junta geral d'este districto de Faro, de 24 do referido mez e anno, e por isso vinha hoje elle presidente, em nome da camara, e por auctorisação que lhe foi dada pela mesma em sessão extraordinaria de 20 do outubro d'este anno, realisar por esta escriptura o contrato provisorio com as condições abaixo declaradas.

Condições do contrato

A empreza obriga-se a abastecer de aguas potaveis a Villa Nova de Portimão, á sua custa e riso nos termos, pelo modo e nos prasos estipulados nas diversas condições do presente contrato.
1.º Pela palavra «empreza» entende-se não só os proponentes Jacinto Parreira. Angelo de Sarrea Prado, engenheiros, e Joaquim do Almeida Negrão, proprietario, mas tambem qualquer individuo, sociedade ou companhia a quem elles, com previa auctorisação da camara municipal, tenham transferido os direitos adqueridos e as obrigações contrahidas pelo presente contraio.

2.ª

O abastecimento será feito com aguas adquiridas pela empreza por qualquer titulo, ou provenientes de exploração directa.
§ 1.º Nenhuma qualidade de agua, qualquer que seja a sua proveniencia, poderá ser introduzida nos reservatorios ou canalisações da distribuição, sem que seja previamente examinada per peritos do nomeação da camara o por elles classificada da boa agua potavel. Para esse fim a «empreza» indicará, com rasoavel antecipação, quaes as aguas que destina ao consumo publico. (Consideram-se, porém, desde já como approvadas para o abastecimento da villa as que procedem das serras de Monchique.)
A «empreza, obriga-se a fornecer a esta villa o minimo

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do 600 metros cubicos por dia, ou vinte e quatro horas de boa agua potavel e á medida que a população for crescendo, a augmentar o abastecimento proporcionalmente, de fórma que elle nunca seja inferior a 100 litros por dia e por habitante. A empreza poderá dispor da agua que não for empregada no consumo da villa.
§ unico. O volume de agua a que se refere esta condição, comprehende tanto o destinado aos usos municipaes como aos particulares.

4.ª
A empreza obriga-se:
1.° A construir á sua custa os marcos fontenarios para venda de agua, que, de accordo com acamara, forem necessarios para conveniencia do consumo, dentro da villa;
2.° A executar á custa do municipio as obras fixas necessarias, e canalisação das aguas dos canos geraes para as bocas de incendio, para regas das ruas e mais usos do mesmo municipio.

5.ª
As obras que a empreza se obriga pelas condições 3.ª e 4.ª serio executadas na conformidade dos projectos que a empreza propozer e a camara approvar.
§ unico. Se, depois dos projectos approvados, a empreza entender que elles, podem vantajosamente ser modificados, poderá a empreza propor essas modificações á camara, que as acceitará ou não, conformo lhe parecer justo.

6.ª
A empreza obriga-se a submetter á approvação da camara os projectos a que se refere a condição antecedente, no praso de oito mezes, a coutar da lei que approvar este contrato.
§ unico. A camara deverá dar a sua opinião sobre os projectos apresentados pela, empreza no praso maximo de sessenta dias, a contar do da apresentação.

7.ª
As obras que a empreza se obriga a fazer pelas condições 3.ª e 4.ª começarão no praso de seis mezes, e ficarão concluidas no praso de trinta mezes, a contar da data da approvação dos respectivos projectos. N'este praso não se comprehende o tempo que a camara gastar alem de trinta dias, para dar a sua opinião sobre alguma das modificações propostas pela empreza aos projectos approvados.

8.ª
A camara poderá mandar fiscalisar, pelos meios que julgar convenientes, a construcção das diversas obras, e ordenar a sua suspensão ou reconstrucção quando as mesmas não forem executadas, na conformidade dos projectos approvados e suas modificações. Deverão, porém, todas as reclamações que a camara entender dever fazer, serem apresentadas antes de concluida a parte da obra a que se referem. Em todo o caso poderá a empreza recorrer das decisões da camara para o tribunal arbitrar.
§ unico. O praso que durar a suspensão dos trabalhos por ordem da camara, para os examinar, não será comprehendido nos prasos fixados na condição 7.ª, nem tão pouco quando os reprovar, e a empreza recorrer para o tribunal arbitrar e obtiver sentença a favor.

9.ª
O governo e a camara concedem á empreza por noventa e nove annos, contados da data da lei que approvar o presente contrato.
1.º O direito exclusivo de introduzir e vender agua na villa, assim como o de exploração por qualquer meio, para seus abastecimento;
2.° O direito exclusivo de estabelecer nus ruas e praças da villa, canalisação de abastecimento e destribuição de aguas. Para collocar, substituir ou reformar a sua canalisação, poderá a empreza levantar o pavimento das ruas, largos e praças, etc., e outras vias publicas, mediante licença gratuita, e sem deposito, mas nos casos extraordinarios e imprevistos o pedido d'esta licença será substituido por uma simples participação motivada, devendo a empreza, em qualquer caso, proceder á sua custa, no mais curto praso, á reconstrucção da parte do pavimento que levantar;
3.° O direito de vender fora da villa as aguas que não forem exigidas para consumo da mesma villa, e ao que tenha a mais ou queira explorar para fornecer tambem a agricultura;
4.° O direito consignado no artigo 451.° do codigo civil portuguez;
§ unico. A empreza exercerá esses direitos exclusivos por moio dos seus encanamentos, marcos fontenarios, ou por outra qualquer fórma.

10.ª
A empreza não poderá vender a agua a mais de 250 réis por cada metro cubico ou 5 réis por cada medida de 20 litros.
§ l.º A empreza fornecerá gratuitamente a agua necessaria para o serviço de incendios, e a agua para todos os serviços municipaes é por metade do preço por que se pagar a particulares.
§ 2.° A empreza poderá vender a agua de que dispozer, pelo modo que melhor lhe convier e for acceite pelos consumidores, e tambem poderá livremente reduzir o preço da agua, como medida geral, previamente ou temporariamente, por contratos especiaes ou por qualquer outra forma, a arbitrio d'ella. O consumo nos prédios que tiverem canalisação interior, poderá ser verificado por meio de contadores de um só typo adoptado por accordo entre a camara e a empreza, e serão pagos ou alugados pelos consumidores.

11.ª
O governo concedo e garante á empreza, durante o praso marcado na condição 9.ª, o direito de obrigar os proprietarios de predios na villa, cujo valor locativo annual, verificado pela matriz predial, for superior a 20$000 réis, a fazerem á sua custa a canalisação da agua, desde a soleira até ao ultimo andar, no interior dos mesmos predios, e em condições de se prestar ao fornecimento da agua para os usos domesticos dos habitantes.
§ 1.° O direito concedido á empreza por condição não obriga os habitantes a receberem a agua da mesma empreza em seus domicilios.
§ 2.° Não são obrigados a esta canalisação os que tiverem agua potavel no recinto dos seus predios ou respectivos quintaes.

12.ª
Durante os prasos concedidos á empreza para á elaboração dos projectos e construcção das obras, a que é obrigada pelo presente contrato, poderá ella importar livre de direitos das alfandegas, ou outros quaesquer, todos os instrumentos, utensilios, machinas, materiaes e quaesquer outros objectos destinados á construcção das mesmas obras.
§ 1.° Se os objectos importados com isempção da direitos não forem applicados ás obras ficarão sujeitos á respectiva legislação fiscal.
§ 2.° A empreza informar-se-ha com os regulamentos fiscaes que forem necessarios para prevenir o abuso d'esta concessão.

13.ª
O governo declarará de utilidade publica e urgente, reguladas pelas leis em vigor, as expropriações de quaesquer natureza, necessarias para a execução do presente contrato, ficando a cargo da empreza o pagamento das despezas e indemnisação respectivas.
§ 1.° Os terrenos de dominio do estado, ou do municipio necessario para a execução das obras, e que sem inconveniente possam dispensar-se, serão cedidos gratuitamente á empreza, mas reverterão para o estado ou para o municipio, conforme pertencerem, a um ou a outro, no caso que a empreza não chegue a cumprir-o seu contrato.

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14.ª
Se a empreza não concluir ns obras a1 que se obrigou por este contrato, nos prasos que respectivamente lhe são fixados nas condições 6.ª e 7.ª pagará de multa á camara 50$000 réis mensaes, pela demora, e incorrendo a empreza em doze mezes successivos de multa ou de demora, não justificada, na apresentação dos projectos e começo das obras, ou vinte e quatro interpolados, e, finalmente, recusando-se a obedecer á decisão dos arbitros, no caso da sua intervenção, ficará, ipso facto, rescindido o contrato.
§ 1.° O disposto n'esta condição tem excepção nos casos de força maior, devidamente comprovada, nos quaes nenhuma pena poderá ser imposta á empreza.

15.ª
Em quanto durar a concessão é a empreza obrigada a manter em perfeito estado todas as obras e material; e se durante os ultimos dez annos, a que se refere a condição acima, a empreza se mostrar negligente no cumprimento d'esta obrigação, poderá a camara embargar 25 por cento do rendimento liquido dos mesmos annos, que conservará em deposito como caução dos prejuizos de que a empreza é responsavel.

16.ª
Se das obras municipaes, em qualquer ponto da villa, resultar a necessidade de alterar a canalisação, que n'esses pontos a empreza tenha estabelecido, ou a fazer outra nova, a empreza é obrigada a fazer essas alterações ou novas canalisações, quando lhe sejam exigidas, mas a camará será obrigada á indemnisação das respectivas despezas.

17.ª
Para os effeitos d'este contrato, a empreza, qualquer que seja a sua nacionalidade, será reputada como portugueza, e tanto ella como os seus empregados, agentes ou operarios, ficarão sujeitos ás leis portuguezas, e seja qual for o seu domicilio, considerar-se-ha domiciliado n'esta Villa de Portimão, e aqui responderá para os effeitos d'este contrato, podendo ser citado em pessoa d'aquelles que na mesma Villa exercerem a direcção superior das obras, ou administração da mesma empreza.

18.ª
As contestações que se suscitarem entre a camara e a empreza, sobre interpretação ou execução do presente contrato, serão decididas por arbitros.
§ l.° O tribunal arbitrai será composto de tres vogaes, sendo um nomeado pela camara, um outro nomeado pela empreza e o terceiro, que será o de desempate, para os effeitos do § 4.º do artigo 56.° do codigo do processo civil, escolhido por accordo das partes, e á falta d'esse accordo, pelo juiz de direito da comarca.
§ 2.° Os arbitros deverão julgar sempre pelos termos d'este contrato e no mais ex que et bono, as questões que lhes forem submettidas. Das suas decisões não haverá recurso.

19.ª
A camara poderá impor á empreza qualquer das penas auctorisadas n'este contrato, logo que entenda que se commetteu a falta correspondente, mas sempre precedendo intimação á mesma empreza, para ella allegar por escripto, dentro do praso de oito dias, a contar da intimação, o que houver por bem em sua defeza.
§. 1.° A empreza poderá no praso de, trinta dias a contar da imposição da pena, requerer a constituição do tribunal arbitrar, para conhecer da deliberação da camara.

20.ª
O governo concederá á empreza os privilegios auctorisados á companhia das aguas de Lisboa, para abastecimento da cidade, tornando-se-lhe igualmente applicaveis, as leis e regulamentos porque esta companhia se rege, relativo aos seus direitos, garantias de creditos para venda de aguas e policia, na parte que estiverem em harmonia com o presente contrato.

21.ª
O contrato tornar-se-ha definitivo depois da sancção legislativa, na parte que d'ella depende.
Declaro que o imposto do sêllo d'esta escriptura foi pago por meio de uma estampilha no valor de 500 réis, que vae no fira collada e por mim inutilisada, na conformidade da lei.
Assim o disseram, outorgaram e acceitaram de parte a parte, na minha presença e das testemunhas Francisco Antonio de Oliveira Jacques, viuvo, proprietario, e José Pinto Portimão, solteiro, proprietario, ambos residentes n'esta villa, os quaes todos vão assignados depois de esta lhes ter sido lida por mim.
Resalvo a entrelinha de fol. 14 e lin. 17, que diz: por accordo das partes e á falta d'esse accordo, Antonio Pedro da Silva Marques, escrivão e tabellião da camara municipal a escrevi e assigno. == O presidente, Francisco da Paz Mendes = Joaquim de Almeida Negrão = Francisco António de Oliveira Jacques = José Pinto Portimão.
Está collada uma estampilha de 500 réis, devidamente inutilisada, em data de 30 de dezembro de 1886 e seis. = Antonio Pedro da Silva Martins, escrivão tabellião.
Traslado da primeira procuração que se menciona n'esta escriptura
Eu abaixo assignado constituo meu bastante procurador o exa. sr. Angelo de Sarrea Prado, com poderes de substabelecer, para assignar quaesquer contratos ou documentos com a camara municipal de Portimão, ou qualquer outra entidade, relativos á concessão da empreza de abastecimento de aguas potaveis na villa de Portimão, de quo sou socio.
Lisboa, 28 de setembro de 1887. = Jacinto Parreira.,
Está collada uma estampilha de 300 réis, devidamente inutilisada em data de 28 de setembro de 1886.
Reconhecimento - Reconheço o signal supra e letra. - Lisboa, 28 de setembro do 1886. - Em testemunho do verdade. - Logar do signal publico. = O tabellião, Emygdio José de Sousa.
Está collada uma estampilha de 10 reis, devidamente inutilisada em data de 28 de setembro de 1886 e seis.
Restabelecimento - Eu abaixo assignado substabeleço os poderes que esta procuração me confere no exmo sr. Joaquim de Almeida Negrão, proprietario, residente em Portimão.
Portimão, 14 de outubro de 1886. = Angelo de Sarrea Prado.
Está collada uma estampilha de 80 réis, devidamente inutilisada, em data de 14 de outubro de 1886 e seis.
Reconhecimento - Reconheço a assignatura supra, do que dou fé. - Portimão, era ut supra. - Em testemunho de verdade. - Logar do signal publico. = O tabellião, Luiz Furtado Guerra.
Está collada uma estampilha de 10 réis, devidamente inutilisada, em data de 14 de outubro de 1886 e seis.
Traslado da segunda procuração que se menciona n'esta escriptura
Eu abaixo assignado, residente em Lisboa, constituo meu bastante procurador o exmo. sr. Joaquim de Almeida Negrão, proprietario, residente em Portimão, com poderes de substabelecer, para assignar quaesquer contratos ou documentos com a camara municipal de Portimão, e outras localidades, ou qualquer outra entidade, relativos á concessão da empreza de abastecimento de aguas potaveis, em que somos socios.
Portimão, 14 de outubro de 1886. = Angelo de Sarrea Prado. - Está collada uma estampilha de 300 réis, devidamente inutilisada em data de 14 de outubro de 188G e seis.
Reconhecimento.-Reconheço a letra e assignatura su-

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pra, do que dou fé. Portimão, era ut supra. - testemunho de verdade.- Logar do signal publico. = O tabellião, Luiz Furtado Guerra.- Está collada uma estampilha de 10 réis, devidamente inutilisada em data de 14 de outubro de 1886 e seis.
Nada mais consta dos originaes que para aqui fiz extrahir fielmente por traslado, sem cousa que duvida faça, e, havendo-a, aos proprios originaes me reporto, os quaes ficam archivados n'esta secretaria da camara.
Vae este por mini subscripto, conferido e rubricado, sendo n'esta Villa Nova de Portimão aos 9 dias do mez de agosto do anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1887. - E eu, Antonio Pedro da Silva Martins, tabellião da camara, subscrevi e assigno. = Antonio Pedro da Silva Martins.
A commissão de administração publica, ouvidas as de obras publicas e de fazenda.

Proposta de lei n. ° 13-F

Senhores. - A urgente necessidade dê sujeitar a uma revisão geral os preceitos que hoje regulam a secretaria d'estado a meu cargo e os serviços d'ella dependentes tem sido por vezes affirmada no parlamento e na imprensa, e reconheceram-a todos os ministros a quem recentemente esteve confiada- a gerencia da pasta dos negocios estrangeiros.
Fui eu proprio instado n'esta camara e na dos dignos pares para formular uma reforma, e é no desempenho da promessa então feita, que venho agora submetter á vossa apreciação uma proposta de lei, que por forma alguma aspira á gloria de innovações radicaes, tendendo apenas a desenvolver e completar uma organisação ligada directa ou indirectamente aos nomes, por tantos titulos auctorisados e merecedores de respeito, de Fontes Pereira de Mello, conde do Casal Ribeiro, Sra. da Bandeira e Mendes Leal.
O largo periodo, superior a dezoito annos, decorrido posteriormente á publicação do decreto do 18 de dezembro de 1869, revelou n'esse diploma lacunas numerosas, provenientes em parte da complexidade, sempre crescente, dos assumptos que a moderna civilisação tem feito entrar no domínio e campo das relações internacionaes.
Tornara-se urgente distribuir e fixar os serviços por fórma a garantir a indispensavel competencia em quem os estuda, e tem de preparar para o ministro os elementos previos da melhor solução a dar-lhes.
Era indispensavel proceder s uma codificação de disposições diversas, promulgadas posteriormente áquelle decreto, por vezes antinomicas, e que convinha harmonisar entre si e ampliar devidamente. Era mister que ao arbitrio ministerial, resultante d'essas lacunas e antinomias e ainda da impossibilidade pratica de cumprir actualmente algumas das disposições legaes, se substituíssem principios definidos e preceitos claros que tolhessem de vez o que n'esse arbitrio podesse haver de condemnavel.
O serviço importantissimo confiado ao corpo diplomático e aos funccionarios consulares vala por si o que valerem a competencia e o zelo do pessoal das legações e dos consulados. Garantir ainda mais a escrupulosa escolha d'este, e assegurar-lhe a carreira, a exemplo do que praticam outras nações, era hoje uma das alterações mais reclamadas no decreto de 18 de dezembro de 1869. A ella se procurou' attender multo especialmente na proposta de lei annexa.
Sem descer a uma enumeração fastidiosa das disposições que ahi se contêem, pareceu-me comtudo que se facilitaria com vantagem a sua apreciação, indicando as alterações principaes que ella virá introduzir, quando merecedora da vossa approvação, nos serviços da secretaria, das legações e dos consulados.

Administração central

Justificando a projecção pela primeira vez projectada, n'essa epocha, dos serviços da secretaria em politicos e commerciaes ou consulares, escrevia o sr. conde do Casal Ribeiro m 14 de janeiro de 1867 o seguinte periodo:
«Actualmente não é a natureza doa negocios, mas um agrupamento arbitrario de nações que serve de base á destribuição do serviço pelas diversas repartições do ministerio. Tornara a pratica palpaveis os inconvenientes de uma classificação tão pouco racional, como reprovada pelos exemplos. Era absolutamente impossivel que os empregados d'essas repartições, por maior que fosse o seu zelo e inteligencia, se habilitassem a preparar e tratar convenientemente assumptos tão diversos e que demandam conhecimentos tão variados.»
São decorridos vinte annos, e este principio, tio justamente condemnado, é ainda o que preside fundamentalmente á distribuição dos serviços da direcção politica do ministerio. Cura, pois, a nova organisação de reparar esse mal, preenchendo assim uma das lacunas do decreto orgânico de 1869.
A constituição de quatro repartições, de negocios diplomaticos, pessoal diplomatico e protocollo, negocios commerciaes e administração consular, e a organisação de uma repartição central, subdividida em duas secções,- da chancellaria e do archivo e bibliotheca, - permittem já o agrupamento methodico e quanto possivel sujeito a um criterio scientifico de todos os serviços e assumptos variadissimos que na actualidade se prendem com as relações internacionaes.
A singela enumeração d'esses assumptos é de per si a melhor justificação da importancia do ministerio dos negocios estrangeiros, e a prova mais evidente da complexidade e eminente valia dos interesses nacionaes que lhe cumpre fomentar e proteger.
Definindo com precisão e clareza as attribuições do pessoal diverso da secretaria, depois de assim haver assignalado e distinguido os serviços que incumbem ás duas direcções e á repartição central, a proposta, quando convertida em lei e posta em execução, muito deve contribuir para regularisar o serviço da mesma secretaria, e pôr um termo ás deficiências por vezes apontadas no seu organismo.
Da tabella comparativa do quadro e despeza actuaes com o quadro e despeza propostas se infere que, embora fosse de 16 o numero legal dos empregados que deveriam funccionar na secretaria, ascendiam de facto a 31 os que ali se achavam prestando serviço, sendo este excesso de l5 empregados constituido por l empregado addido, 4 em disponibilidade o 10 addidos diplomaticos, aos quaes se estava pagando uma gratificação de amanuenses. O novo quadro reduz a 27 o numero dos empregados e tolhe a possibilidade de chamar para o serviço do ministerio quaes quer outros empregados a mais.

Corpo diplomatico
A creação de ministros residentes, categoria antigamente existente entre nós, constituo a primeira innovação d'esta parto da proposta. Heffter escreve no seu Tratado de direito internacional, e com elle e antes d'elle o sustentam todos os publicistas de nome, que no referente á categoria do agente a enviar como representante de uma nação junto a outra, está geralmente admittido, pelo principio da reciprocidade, que essa categoria seja igual para os enviados dos dois paizes. Ora na actualidade dá-se a circumstancia do que Portugal acredita enviados extraordinarios e ministros plenipotenciarios junto a governos que entre nós mantêem a representação bem mais modesta de ministros residentes e até de encarregados de negocios. Sem ferir nenhuma conveniencia internacional, antes respeitando as boas e saudaveis, praticas diplomaticas, póde portanto restaurar-se entre nós uma categoria que outras rasões ponderosas de per si estavam indicando como do conveniente adopção.
Reservando para as legações de 1.ª classe, isto é, para Madrid, Paris, Londres, Berlim, Roma e Rio de Janeiro,
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bem como para os cargos cie director geral, a possibilidade da escolha fóra da carreira, e considerando de promoção os cargos de chefes das legações de 2.ª classe e do ministros residentes, o governo tem em mira garantir a carreira, assegurando-lhe um estimulo, cuja falta era hoje vivamente lamentada e produzia no serviço um damno irreparavel.
A um sentimento igual obedece a disposição pela qual se confere aos secretarios de legação, tendo quinze annos de bom e effectivo serviço, dos quaes cinco em legações de l.ª classe, o titulo de conselheiro de legação e um augmento de 200$000 réis nos vencimentos de categoria e para despezas de representação.
Attende-se na proposta ás condições especiaes em que se encontram as legações de Madrid, Londres e Berlim, onde se concentra um trabalho maior e mais variado, augmentando-se-lhe por isso o pessoal. Melhoram-se, finalmente, ainda que no limite de proporções muito modestas, os exiguos vencimentos dos segundos secretarios.
Clara e minuciosamente se definem os preceitos que devem regular os abonos dos vencimentos, ajudas de custo, despezas de material o expediente, rendas de casas, etc. Da execução d'esses preceitos deverá resultar uma consideravel diminuição nas despezas que hoje se abonavam pelos capitulos 4.° e 6.° das tabellas do ministerio, attenuando-se assim, se não compensando-se na totalidade, o pequeno augmento de despeza que custará a organisação proposta, quando comparada com a que se acha actualmente em vigor.
Se não devesse dominar todos os actos do governo a necessidade suprema de não difficultar a solução do problema financeiro, com a creação do despezas novas avultadas, ter-vos-ia proposto, sem hesitação, que se remunerasse mais largamente o pessoal diplomatico, que representa o paiz em capitães estrangeiras onde a vida encarece diariamente.
Nas condições actuaes, embora relativamente mais favoraveis do nosso thesouro, esse melhoramento têm ainda de ser adiado. Deixando de o propor, embora lhe reconheça, não só a justiça mas ato a conveniencia, para melhor desempenho por parte do corpo diplomatico dos deveres do seu cargo, e mais decente representação do paiz, faço um sacrificio a um principio de boa administração que não póde nem deve ser postergado.

Serviço consular
A creação de uma inspecção consular permanente, e a elevação á primeira classe dos consulados de Bordeus, do Congo, Zanzibar, Pretoria, Demorara e Hawaii, são as alterações mais essenciaes introduzidas n'este ramo do serviço que por tantos títulos importa regularisar, elevando-o, quanto ser possa, ao nivel dos interesses vitaes que aos consules cumpre promover e sustentar.
Factos lamentaveis, e que infelizmente se têem multiplicado, provam que a superior fiscalisação exercida pelas legações nos serviços consulares, embora util e de convenientissima conservação, não é, de per si, sufficiente parar assegurar por parte dos consules a escrupulosa gerencia dos fundos importantes quer do estado, quer de particulares, que lhes estão confiados, e o exacto cumprimento das variadas leis e regulamentos que regem a instituição consular.
As decorrencias que tão profundamente abateram o credito do importantissimo consulado do Rio de Janeiro, obrigando o governo a um procedimento severo, que a grandeza do mal tornara inevitavel, são a demonstração evidente da necessidade de uma fiscalisação exercida de modo permanente e seguro, obedecendo a preceitos determina dos e formulas escriptas, cuja observancia não póde impor-se ao funccionario diplomatico que dirige superiormente a nossa legação no Brazil, tão sobrecarregado como se acha com os variados e importantissimos assumptos que a todo o momento tem que tratar com o governo, com as auctoridades e funccionarios do imperio, e bem assim com os membros da numerosa colonia portugueza.
A creação de um quadro de inspectores que representem o accesso supremo na carreira consular, e que, servindo como consules e administrando determinados consulados n'essa situação, sejam em numero superior a estes, por fórma a que por effeito d'esse excesso haja sempre dois em exercicio effectivo de inspecção, tal é a solução dada na proposta á necessidade acima referida.
D'esses dois inspectores um residirá permanentemente no Brazil, cabendo-lhe visitar a miudo os diversos consulados estabelecidos no imperio, e desempenhar alem d'isso as funcções que lhe foram reservadas pelo decreto recente que creou a agencia financial no Rio de Janeiro, funcções que perfeitamente se coadunam com a inspecção em todos os consulados, os quaes se mantêem em relações directas com aquella agencia.
Ao segundo inspector caberá uma área bem mais vasta. Não poderá por isso a sua acção exercer-se de um modo tão permanente e seguro, tendo de acudir onde e como a direcção geral dos consulados entender mais opportuna e conveniente a sua inspecção e exame.
Ainda assim, e dada, no que respeita á arrecadação e administração de fundos, a pequena importância de quasi todos os consulados fora do Brazil, parece-nos que pôde e deve ser efficaz, e por emquanto sufficiente, a acção fiscal d'esse inspector.
Emquanto á creação, ou antes elevação á l.ª classe, dos consulados acima referidos, de Bordeus, Zanzibar, Pretoria, Demerara e Hawaii, justifica-se ella por motivos os mais ponderosos, embora de natureza muito diversa.
São considerações de ordem politica que especialmente preponderam no que respeita aos consulados do Congo, Zanzibar e Pretoria. Os dois primeiros existiam já, se não na categoria, nas attribuições e nos encargos. Fazendo reverter em beneficio do thesouro os emolumentos cobrados pelos dois primeiros, a nova organisação, longe de vir aggravar, allivia pelo contrario, n'essa parte, os encargos do mesmo thesouro. Outro tanto se não dá com o consulado de Pretoria; mas ahi a necessidade de manter um representante nosso, condignamente remunerado, accentua-se dia a dia.
Ao zeloso agente que na actualidade ali funcciona como consul deu o governo ha pouco a qualificação e categoria, embora honoraria, de consul geral. Não basta isso, porém, é mister manter ali um consul enviado e remuneral-o de um modo condigno; a essa necessidade occorre a proposta. Construido o caminho de ferro de Lourenço Marques, e prolongado este até Pretoria, as nossas relações políticas e commerciaes com a sympathica republica dos boers, relações que tanto nos interessa manter cordiaes e estreitas, hão Se adquirir forçosamente um grau de maior intimidade, que deverá exigir uma adequada representação dos interesses portuguezes junto ao governo da republica, o qual desde muitos annos tem junto ao governo de Portugal um representante revestido até com o caracter diplomatico.
A rapida transformação por que está passando o sul de Africa, os interesses variadissimos e o conflicto de influencias politicas e commerciaes que ali se agitam, e a que não são estranhas algumas das nações mais poderosas da Europa, indicam, de per si, a necessidade de se manter o governo sempre ao facto do que ali occorre e possa directa ou indirectamente interessar-nos. E do Cabo e de Pretoria que podem e devera ser nos fornecidas essas informações, o é ali que convém representar e defender, com a necessaria energia e illustração, a politica portugueza com respeito ao sul do Africa.
Outras e bera differentes são as rasões que predominaram no meu animo para vos propor a creação de consulados de primeira classe em Demerara o Hawaii.
Sobem a 11:926, de accordo com o ultimo recenseamento official, os subditos portuguezes residentes na Guyana ingleza. Segundo informa, em relatorio recente dirigido ao gover-

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SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1888 411

no o consul da Allemanha em Georgetown, actualmente encarregado do consulado portuguez, este numero está, porém, muito longe de representar a exactidão dos factos, porquanto a população portugueza ali existente é geralmente computada em umas 30:000 almas. A emigração portugueza para Demerara começou em 1837 com a emancipação dos escravos. Circumstancias especiaes que ali encontrou esse elemento de colonisação fizeram-o por tal forma crescer em prosperidade social e em importancia e illustração, que a presença de um consul de carreira, que seja como que o nucleo em torno do qual se agrupe, é concentre essa forte e numerosa colonia de portuguezes, está evidentemente indicada.
São identicas as rasões que levam a regularisar a situação do consul portuguez em Honolulu. O recenseamento da população total, que se distribue pelas ilhas do archipelago hawaiiano, dava para 1884 una 81:000 habitantes, dos quaes 42:000 indigenas, 18:000 chinezes, 9:377 portuguezes, 2:066 americanos e 1:200 inglezes. O brioso e intelligente official de marinha a quem ali se acham con fiadas a defeza dos interesses d'esses nossos concidadãos e a representação nacional, tem feito conhecer as condições em que se effectuou o enorme exodo que dos Açores e Madeira se encaminhou para o archipelago e a situação dos colonos portuguezes que ali se têem estabelecido, e cujo numero total elle já avaliou no relatorio annual de 1886 em mais de 12:000 pessoas, sendo 5:000 homens adultos, e o resto mulheres e creanças. D'esse mesmo relatorio se vê que sobe a perto de 1:400 o numero de alumnos portuguezes que frequentam as escolas officiaes e os excellentes estabelecimentos catholicos de ensino.
O bairro portuguez em Honolulu augmenta diariamente com pequenas, mas elegantes e confortaveis habitações. Indo em progressivo augmento a mortalidade na raça indigena, não se reproduzindo nas ilhas Sandwich os colonos chinas e japonezes, é o elemento portuguez o que mais contribuo para ir repovoando o paiz.
A recente revolução occorrida em Honolulu, que permittiu aos portuguezes e a outros estrangeiros exercer direitos politicos, embora conservando a sua nacionalidade de origem, ainda mais deve contribuir para radicar a sua influencia.
Se ha pois regiões onde seja justificada a existencia; de um consulado de l.ª classe, é de certo Honolulu uma d'ellas. Brevemente serão publicados novos e interessantíssimos documentos emanados do consulado de Honolulu, que, lançando grande luz sobre a situação d'aquella tão interessante colonia portugueza, destroem tambem infundadas accusações levantadas pelos jornaes de S. Francisco da California contra o consul, accusações que chegaram,, embora de certo com os melhores e mais respeitaveis intuitos, a ter echo no parlamento portuguez.
Seria para mim muito grato o propor-vos tambem a creação de um consulado de l.ª classe em S. Francisco da California, estado onde a população portugueza abrange também para cima de 12:000 individuos. O receio de aggravar demasiadamente a despeza e o não ser ahi tão urgente a alteração do serviço consular, levaram-me, porém, a adiar por emquanto esse desideratum, que mais tarde não poderá deixar de realisar se.
A importancia assumida pela exportação vinicola do paiz para França tem animado por tal fórma as nossas relações com o porto de Bordeus, que o consulado de 2.ª classe que ali mantemos chega a render para cima de 6:000$000 réis.
Convertendo-o, como tudo indica que o deve ser e esta vá já dentro da alçada do governo, em um consulado de 1.ª classe, iremos buscar a esse crescido rendimento um meio de attenuar a despeza creada pela reforma proposta do serviço consular.
Reservando igualmente e com fim identico metade do emolumentos dos consulado* de 2.ª classe e vice consulado; para o estado, ter-se-ha tambem orçado um novo elemento de receita, e reduzido o encargo final que deve resultar para o thesouro de ser por vós acceita a reforma proposta. Agrupando os algarismos que traduzem a despeza actual a que seria produzida pela remodelação de todos os serviços dependentes do meu ministério, e bem assim os que representam, ou receita creada de novo, ou attenuantes d'aquella despeza, pôde organisar se o seguinte quadro, cujas parcellas tem a sua exactidão demonstrada nos orçamentos e comparações designados pelas letras A, B e C, annexos á proposta.
Sommam os emolumentos dos consulados de Bordéus, Derara, Zanzibar e Hawaii ( ignoram-se os do Congo e Pretoria), que passam
á primeira classe 7:218$682
Importa a metade dos emolumentos dos consulados de 2.ª classe e respectivos vice-consulados (afóra Madrid, Vigo, Barcelona, Marselha, Genova e Hong-Kong) 4:237$965
11:456$647

Importa o augmento de despeza:
Secretaria d'estado 2.522$000
Corpo diplomatico 4.100$000
Corpo consular 18.087$500
24:709$500

Excesso. 13:252$853

Verdadeiro augmento immediato. Mas deduzindo a despeza resultante da disposição transitoria do artigo 115.° 3:740$000
- a receita dos emolumentos (metade) que por emquanto não reverte ao thesouro (artigo 144.°) l:737$442
Verdadeiro augmento subsequente 7:775$411

É esta importancia de 7:775$411 réis que, pelas rasões já expendidas, póde ser compensada, senão na totalidade, pelo menos em grande parte, pela cessação dos abonos que, convertida em lei a proposta, deixam de se effectuar pelos capitulos 4.° e 6.° do orçamento; assegurando-se assim o resultado de não augmentar, pela presente reforma, de modo apreciavel e permanente, os encargos do thesouro.
Não justificarei alem d'estas, que são as principaes, as disposições restantes da proposta. Todas ellas poderão, apreciadas por vós, ser devidamente modificadas, quando do seu exame e estudo resulte a evidencia de que não correspondem ao pensamento de introduzir maior ordem é regularidade na organisação já existente dos serviços, a qual se procurou, como acima escrevi e creio ter demonstrado, não destruir, mas completar e ampliar, dentro dos moldes já creados e que ainda hoje funccionam á sombra do nome e do prestigio de alguns dos meus mais illustre antecessores.
Assim espero que merecerá a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É approvado o projecto de reorganisação da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, do corpo diplomatico e do corpo consular, que faz parte da presente lei.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 6 da fevereiro de 1888.= Henrique de Barras Gomes.
Projecto de reorganisação da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, do corpo diplomatico e do corpo consular

TITULO I
Da secretaria d'estado

CAPITULO I

Divisão da secretaria

Artigo 1.º A secretaria d'estado dos negocios estrangeiros é dividida pela fórma seguinte;

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Direcção geral doa negocios diplomaticos;
Direcção geral dos negocios consulares;
Repartição central;
Repartição de contabilidade.

§ unico. A repartição de contabilidade continua fazendo parte do quadro da direcção geral da contabilidade publica.

CAPITULO II

Direcção geral dos negocios diplomaticos

Art. 2,° A direcção geral dos negocios diplomaticos subdivida-se em duas repartições: repartição dos negocios politicos o repartição do protocollo e pessoal diplomatico.
§ 1.° Competem á primeira repartição: as instrucções, correspondência e mais trabalhos relativos á negociação e conclusão de tratados de limites, de paz, de alliança, de extradição, de jurisdicção penal ou ecclesiastica, de assistencia judiciaria; os actos de acceitação ou adhesão sobre os mesmos assumptos; as declarações de neutralidade e seus principios; os congressos politicos internacionaes e suas decisões; os trabalhos referentes á iniciativa ou apreciação de reclamações e a solução de quaesquer duvidas sobre a applicação de tratados politicos ou do concordatas; pareceres sobre questões de nacionalidade ou de garantias individuaes de portuguezes no estrangeiro ou de estrangeiros em Portugal; arbitragens; processos de extradição e repatriação de subditos portuguezes; expulsão de estrangeiros; presas maritimas; repressão do trafico da escravatura; tribunaes mixtos; jurisdicção consular em paizes não christãos; transmissão do cartas rogatorias; traducções; preparação e revisão do Livro branco, na parte politica; exame e publicação dos relatorios dos secretarios de legação; as informações de caracter politico; indice da legislação o instrucções vigentes e nota das resoluções ministeriaes que envolvam reconhecimento de princípios; elaboração de relatorios, propostas de lei e regulamentos sobre os assumptos da competencia d'esta repartição; o livro do expediente da direcção; a compilação dos elementos estatísticos concernentes aos serviços enumerados.
§ 2.° Competem á segunda repartição: o formulário, elaboração e registo de plenos poderes, de cartas de notificação ou de gabinete, e das de chancellaria, de credenciaes e de credenciaes, de cartas patentes, confirmações e exequatar; os instrumentos de ratificação de tratados, convenções, accordos e adhesões; o ceremonial para a recepção e audiencia de agentes diplomaticos; a correspondencia relativa aos privilegios, immunidades e franquias diplomaticas que não tenham caracter contencioso; as questões de etiqueta e precedencia; os annuncios e participações de luto pelo fallecimento de principaes nacionaes ou estrangeiros; a expedição de correios de gabinete; a cifra; a correspondencia particular do ministro; os diplomas, correspondencia e mais trabalhos relativos á organisação e dotação das legações; a nomeação do pessoal diplomatico e do da direcção, respectivas transferencias, promoções, exonerações, licenças, disponibilidade, etc.; a nomeação de commissarios e outros agentes politicos; a communicação á repartição competente das notas sobre o mesmo pessoal; o boletim diplomatico; esclarecimentos relativos ás despezas legaes com o serviço diplomatico para base do orçamento; o expediente relativo á proposta, concessão e acceitação de condecorações de ordens nacionaes ou estrangeiras, entrega, remessa, restituição e deposito das respectivas insignias; a elaboração de relatórios, propostas do lei e regulamentos sobre os assumptos da competencia d'esta repartição; a compilação dos elementos estatisticos concernentes aos serviços enumerados.

CAPITULO III
Direcção geral doa negocios consulares

Art. 3.° A direcção geral dos negocios consulares subdivide-se cm duas repartições: repartição dos negocios commerciaes e repartição da administração consular.
§ 1.° Competem -á primeira repartição: as instrucções, correspondencia e mais trabalhos relativos á negociação e conclusão de tratados de commercio, de transito, de navegação, convenções sanitarias, postaes, telegraphicas, de caminhos de ferro, monetarias, de propriedade litteraria e artistica, de protecção agricola e industrial, de pesca maritima e em rios limitrophes, etc.; os actos de acceitação ou adhesão sobre os mesmos assumptos; as conferencias respectivas; as exposições internacionaes de caracter scientifico, artistico ou industrial; a publicação dos relatorios e informações consulares que interessem ao commercio, á navegação ou á industria; os negocios do emigração e colonisação; os trabalhos referentes á apreciação das reclamações e n solução de quaesquer duvidas sobre a applicação dos tratados e convenções supramencionadas, de pautas aduaneiras, de regulamentos sanitarios, maritimos, etc.; os pareceres sobre questões internacionaes de caracter commercial; os processos de arbitramento; a preparação e revisão do Livro branco, na parte commercial; as traducções; o indice da legislação e instrucções vigentes e nota das resoluções ministeriaes que envolvam reconhecimento de principios; a elaboração de relatorios, propostas de lei e regulamentos sobre os assumptos da competencia d'esta repartição; o livro do expediente da direcção; a compilação dos elementos estatisticos concernentes aos serviços enumerados.
§ 2.° Competem á segunda repartição: as convenções consulares; a organisação, circumscripção e dotação dos consulados e vice-consulados; a nomeação do pessoal consular e do da direcção, respectivas transferencias, promoções, disponibilidade, licenças, etc.; as communicações á repartição competente das notas concernentes ao mesmo pessoal; o boletim consular; os esclarecimentos relativos ás despezas com o serviço consular para base do orçamento; o exame da observancia da tabella de emolumentos consulares; as informações de interesse particular que não digam respeito ao commercio; os trabalhos referentes á apreciação das reclamações e á solução de duvidas sobre a execução de convenções e regulamentos consulares ; os pareceres sobre questões internacionaes de caracter civil e sobre jurisdicção consular em paizes christãos; a fiscalisação da administração consular, quanto á arrecadação, liquidação e entrega de espolios; a superintendencia do registo civil e do notariado nos postos consulares; a elaboração de relatorios, propostas de lei e regulamentos sobre assumptos da competencia da repartição; a compilação dos elementos estatisticos concernentes aos serviços enumerados.

CAPITULO IV

Repartição central

Art. 4.° A repartição central subdivide-se em duas secções : secção da chancellaria e secção do archivo e bibliotheca.
§ 1.° Competem á primeira secção: o livro da distribuição de toda a correspondencia official e mais papeis que entrarem na secretaria; o livro geral da expedição da mesma correspondencia; a guarda dos sellos da secretaria; a organisação do cadastro de todo o pessoal do ministerio; os termos de juramento dos funccionarios que o deverem prestar na secretaria; a elaboração dos diplomas relativos á nomeação do secretario geral, ao pessoal da repartição central, ao porteiro e mais empregados menores; a expedição e registo de passaportes e seus vistos; o reconhecimento de assignaturas dos agentes diplomaticos e consulares portuguezes; a escripturação dos emolumentos da secretaria d'estado e dos emolumentos consulares cobrados extraordinariamente; a expedição de guias para a recebedoria de receita eventual e para a caixa geral de depositos; a communicação á direcção geral das contribuições directas de todos os despachos, pelos quaes forem devidos direitos de mercê; o fornecimento, conservação e inventario do material da secretaria; o livro do expediente da repartição.

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§ 2.° Competem á segunda secção: a guarda e classificação de toda a correspondencia, registos e documentos relativos a negocios findos; o repertorio alphabetico de todos os assumptos de interesse de pessoas ou estabelecimentos determinados, de que houver noticia do archivo; a conservação e catalogo da bibliotheca; a proposta para a acquisição ou assignatura de publicações; o deposito de cartas geograpliicas e topographicas, de plantas e documentos relativos aos limites do territorio; o diario em que só notem todos os papeis recebidos ou entregues; o cumprimento das requisições de copias, informações, papeis originaes e livros; a remessa para o real archivo da Torre do Tombo dos autographos dos tratados e convenções, depois de tiradas as respectivas copias; a compilação de todos os actos solemnemente celebrados entre Portugal e outras ^nações e da legislação, regulamentos e instrucções de execução permanente sobre os serviços dependentes do ministério; a collecção de estatisticas publicadas em paizes estrangeiros acerca dos serviços diplomaticos, consulares o das respectivas administrações centraes; a coordenação dos trabalhos estatisticos que houverem de se formular pela secretaria, segundo os dados, notas e esclarecimentos que n'ella existirem ou que se exigirem das legações e consulados; a permutação internacional do publicações; a revista, annotações e extractos de noticias e artigos jornalisticos que interessem aos negocios externos do paiz; a obtenção de quaesquer esclarecimentos sobre as legislações dos differentes paizes em materia de serviços publicos, organisação militar, ensino, estabelecimentos de beneficência, regimen penitenciário, etc.

CAPITULO V

Repartição de contabilidade (Oitava repartição da direcção geral da contabilidade publica)

Art. 5.° A esta repartição compete: liquidar toda a despeza da competencia do ministerio; organisar as folhas dos vencimentos de todos os empregados do ministerio, do corpo diplomatico e do corpo consular; processar e expedir sobre os diversos corres as ordens de pagamento revestidas das formalidades legaes; escripturar e fiscalisar todas as operações de contabilidade respectivas ao pagamento das despezas ordenadas pela mesma repartição; escripturar, por annos economicos, a receita dos emolumentos consulares e todas as operações de receita e despeza que se effectuarem pelos cofres consulares, quer sejam de conta do thesouro, quer de conta de terceiro; pagar os vencimentos dos empregados da secretaria d'estado, as despezas reservadas e quaesquer outras legalmente auctorisadas; redigir a correspondencia com as direcções geraes do ministerio da fazenda, com o tribunal de contas, com os agentes diplomaticos e consulares, com as agencias financeiras e com quaesquer outras auctoridades e repartições, só em assumptos do contabilidade; organisar o orçamento das despezas ordinarias e extraordinarias do ministerio, a fim de ser remettido, nas epochas competentes, ao ministerio dos negocios da fazenda, pela direcção geral da contabilidade publica; organisar, em devido tempo, o orçamento rectificado, fixando definitivamente a importancia das despezas; organisar, depois da publicação das leis annuaes do orçamento, as tabellas da distribuição das despezas; coordenar as contas geraes de gerencia e de exercicio, para serem presentes ás côrtes e enviadas ao tribunal de contas; processar os avisos de conformidade por todas as despezas do ministerio effectuadas pelos diversos cofres; enviar ao tribunal de contas copias dos decretos pelos quaes for ordenada, no principio de cada anno economico, a distribuição das sommas votadas na lei annual de despeza, e os elementos de contabilidade necessarios para o exame e julgamento das contas dos diversos exactores dependentes do ministerio; occupar-se de todos os actos em geral relativos á contabilidade.
§ unico, no desempenho d'estes serviços a repartição de contabilidade reger-se-ha pelas disposições do regulamento geral de contabilidade publica de 31 de agosto de 1881 e do regulamento da administração da fazenda publica consular de 30 de março de 1887, e pelas demais disposições vigentes que forem applicaveis.

CAPITULO VI

Pessoal da secretaria

Art. 6.º Em cada direcção geral haverá: um director geral; dois primeiros officiaes, chefes de repartição; quatro segundos officiaes; e quatro amanuenses. § l.° O cargo de secretario geral será exercido pelo director geral primeiro nomeado, e, na sua ausencia ou impedimento, pelo outro director, geral.
§ 2.° Haverá um calligrapho na repartição do protocollo e pessoal diplomatico.
Art. 7.° Na repartição central haverá um chefe, que o será tambem de uma das secções respectivas; um segundo official, chefe de secção; e dois amanuenses.
Art. 8.° O pessoal menor compõe-se de um porteiro; tres continuos; dois correios a cavallo; dois correios a pó o seis serventes.

CAPITULO VII

Attribuições dos empregados da secretaria

Art. 9.º Como chefe da secretaria, incumbe ao secretario geral:
1.° Receber e distribuir pelas duas direcções, pela repartição central e pela repartição de contabilidade toda a correspondência e mais papeis que entrarem na secretaria, remettendo fechada, desde logo, ao ministro a correspondencia de caracter particular, a que tenha a indicação de confidencial reservada e qualquer outra que dever ter o mesmo destino;
2.º Fazer executar as leis, regulamentos e ordens do ministro quanto ao regimen e serviço geral interior do ministerio; manter a ordem, decencia e regularidade necessarias para o bom resultado dos trabalhos e mais breve expedição dos negocios;
3.° Conservar debaixo da sua guarda a chave da caixa dos requerimentos e fazel-a abrir na sua presença;
4.° Inspeccionar a repartição central, propor a nomeação do respectivo chefe e submetter ao despacho do ministro os negocios da mesma repartição;
5.° Superintender o serviço dos empregados menores, concedendo-lhes as licenças por elles pedidas, com motivo justificado, applicando lhes as penas disciplinares de censura e suspensão, e fazendo a proposta para a sua nomeação ou demissão;
6.° Vigiar pela economia da secretaria;
7.° Assignar as folhas dos vencimentos dos empregados da secretaria;
8.° Assignar os passaportes dos empregados do ministerio, quando forem em commissão de serviço ou partirem para o seu destino, e os das pessoas encarregadas de despachos;
9.° Visar os passaportes expedidos pelos chefes das missões estrangeiras, ou quem fizer as duas vezes, os Correios de gabinete, aos empregados do corpo diplomatico e aos agentes consulares das suas nações, quando não sejam subditos portuguezes.
Art. 10.° Incumbe a cada um dos directores geraes:
1.° Receber os papeis relativos á sua direcção e distribuil-os pelas repartições respectivas segundo a natureza dos assumptos; '
2.° Manter a ordem e regular os trabalhos, como mais convier ao bem do serviço, em conformidade das prescripções do ministro;
3.° Prescrever n'este sentido as regras necessarias para a instrucção dos negocios, e tomar acerca d'elles as convenientes decisões, nos casos previstos pelas leis e regulamentos em vigor, dirigindo e inspeccionando a sua execução, e resolvendo as duvidas que lhe forem expostas;

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414 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

4.° Superintender os serviços externos dependentes dal sua direcção, pela fórma e nos termos que o ministro determinar;
5.º Corresponder-se directamente, no que respeita aos negocios da sua competencia, com as repartições dependentes de qualquer dos ministerios e com todas as corporações, auctoridades e funccionarios, exceptuando os ministros e os conselheiros d'estado, os presidentes das camaras legislativas, o cardeal patriarcha, os chefes das missões portuguezas ou estrangeiras, aos quaes, mediante delegação especial, poderá dirigir-se em nome do ministro;
6.° Assignar o expediente preparatorio, as communicações, as copias authenticas, as certidões e os annuncios officiaes da respectiva direcção geral;
7.° Ordenar a publicação das cartas de ratificação, leis, decretos, portarias e outros diplomas, que deverem ser insertos na folha official do governo;
8.° Apresentar ao ministro os diplomas que tenham de ser submettidos á assignatura real;
9.° Apresentar ao ministro para despacho, devidamente processados, os negocios que houverem de ser superiormente resolvidos, interpondo o seu parecer verbalmente ou por escripto acerca da resolução que deva ser tomada;
10.° Dar ao ministro as informações por elle exigidas sobre qualquer ramo de serviço da sua competencia, progondo-lhe as reformas e melhoramentos que mais convierem ao bom do estado;
11.º Distribuir e collocar os empregados da sua direcção, que não tenham nomeação especial, como lhe parecer conveniente ao serviço;
12.° Propor a transferencia, promoção, aposentação ou disponibilidade dos empregados dependentes da sua direcção quando n'isso interesse o serviço;
13.° Permittir aos empregados, que lhe estiverem subordinados, entrar mais tarde ou sair mais cedo da secretaria, dando parte ao ministro;
14.° Conceder licença aos mesmos empregados para se ausentarem até quinze dias em cada anno, por motivo justificado;
15.° Informar acerca da concessão de licenças, por mais de quinze dias, pedidas pelos referidos empregados;
16.º Propor ao ministro a justa applicação das providencias disciplinares;
17.° Censurar os empregados que faltarem aos respectivos deveres, quando a infracção ou negligencia não exigir pena mais grave;
18.° Participar á repartição de contabilidade no principio de cada mez as faltas dos empregados que não tenham sido justificadas;
19.° Fornecer á alludida repartição os esclarecimentos necessários para o orçamento do ministerio, na parte relativa á, sua direcção.
Art. 11.° As funcções de director geral, na falta, ausencia ou impedimento d'este, serão desempenhadas peto chefe de repartição que para esse fim houver sido nomeado em portaria.
Art. 12.° Incumbe ao chefe de repartição:
1.° Dirigir o expediente de todos os negocios, examinar, fiscalisar e promover os trabalhos a cargo da sua repartição;
2.° Relatar os negocios que pelo respectivo director geral tenham de ser presentes ao despacho do ministro, instruindo-os com todas as informações e documentos que sirvam a esclarecel-os, e interpondo o seu parecer sobre a resolução que deva tomar-se;
3.° Prestar aos outros chefes de repartição as informações necessárias para o desempenho dos trabalhos da sua competencia, e requisitar-lhes as de que possam carecer paira o mesmo fim;
4.° Classificar e distribuir, de accordo com o director geral, os- trabalhos da sua repartição, por modo que o serviço se possa fazer com a maior regularidade e promptidão;
5.° Designar os empregados da sua dependencia para as especialidades do serviço;
6.° Advertir aquelles dos mesmos empregados que faltarem aos respectivos deveres, dando parte ao director geral nos casos graves;
7." Verificar a exactidão das publicações feitas na folha official do governo sobre os assumptos da sua competencia;
8.° Requerer ao director geral o necessario para o serviço e expediente a seu cargo.
Art. 13.º Os chefes de repartição substituem-se entre si, em cada direcção geral.
§ 1.° Na falta, ausência ou impedimento de ambos os chefes de repartição, as respectivas funcções serão exercidas em cada repartição pelo segundo official que o ministro designar.
§ 2.° O chefe da repartição central será substituido pelo respectivo chefe de secção.
Art. 14.° Incumbe aos segundos officiaes coadjuvar os chefes de repartição nos trabalhos de exame, traducção e redacção que elles lhes distribuirem.
Art. 15.° Incumbe aos amanuenses:
1.° Escripturar todos os diplomas, notas, officios, livros e registos concernentes ao serviço do ministerio, rubricando as respectivas minutas;
2.° Extractar quaesquer documentos e desempenhar todos os outros trabalhos para que se mostrem habilitados, e que lhes sejam distribuídos pelos respectivos chefes.
§ unico. As mesmas obrigações incumbem ao calligrapho, o qual será de preferencia empregado nos trabalhos que exigirem maior perfeição graphica.
Art. 16.º Incumbe ao porteiro:
1.° Transcrever no livro da porta os despachos da secretaria, conforme as notas que lhe forem transmittidas pelas direcções geraes, repartição central e repartição do contabilidade;
2.° Sellar os diplomas que deverem levar os sellos da secretaria, e fechar a correspondencia que lhe for entregue para esse fim, os diarios do governo e mais impressos com destino ás legações e consulados;
3.° Expedir e receber as malas da correspondencia conduzida pelos paquetes;
4.° Dar informações dos dias de partida dos paquetes para Inglaterra, Brazil e outros pontos;
5.° Distribuir e fiscalisar o serviço dos continuos e correios, participando ao secretario geral as faltas que encontrar;
6.° Ter sob a sua guarda o papel e mais artigos necessarios ao expediente da secretaria, satisfazendo as requisições que d'elles lhe fizerem os directores geraes e os chefes de repartição;
7.° Cuidar na guarda e conservação dos moveis e na limpeza e asseio da secretaria;
8.° Cumprir o que lhe for ordenado pelos directores geraes e chefes de repartição, em tudo o que for relativo ao serviço, podendo expor ao secretario geral qualquer duvida que se lhe offereça.
Art. 17.° Na ausencia ou impedimento do porteiro, fará as suas vezes o continuo que o secretario geral designar.
Art. 18.° Os continuos, correios e serventes têem obrigação de obedecer ao porteiro em tudo quanto, a bem do serviço, por elle lhes for ordenado, podendo, quando se julguem tratados injustamente, recorrer ao secretario geral.
Art. 19.° Um regulamento especial determinará a ordem e processo do serviço na secretaria d'estado dos negocios estrangeiros e o formulário da correspondência entre esta e as legações e consulados.

CAPITULO VIII

Vencimentos dos empregados da secretaria

Art. 20.° Os vencimentos annuaes dos empregados da secretaria são os fixados na tabella n.° 1.

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Art. 3l.° Quando um empregado servir interinamente qualquer logar, a importancia do correspondente vencimento de exercicio, relativa á duração da interinidade, acrescerá aos vencimentos ordinarios d'esse empregado.
Art. 22.° Não se concede augmento de vencimento por diuturnidade de serviço.
Art. 23.° Só os serviços extraordinarios, prestados alem das horas regulamentares, por ordem superior, conferem direito a gratificação, dentro dos limites da respectiva verba orçamental.

TITULO II

Do corpo diplomatico

CAPITULO I

Pessoal diplomatico

Art. 24.° O quadro dos empregados diplomaticos compõe-se de quinze chefes e quatorze secretarios de legação.
§ .1.° Dos chefes de legação terão o caracter de enviados extraordinarios e ministros plenipotenciarios os acreditados nas cortes de Madrid, Paris, Londres, Berlim, Roma e Rio de Janeiro (l.ª classe), e os Acreditados nas partes de Bruxellas, Vienna e Petersburgo (2.ª classe); e terão o caracter de ministros residentes os acreditados nas côrtes de Haya, Stockholmo e Copenhague, Washington e Medico, Buenos Ayres e Montevideu, o Tanger.
§ 2.° É mantida ao chefe da legação junto do Vaticano a categoria de embaixador.
§ 3.° Em occasiões solemnes poderão ser nomeados embaixadores em missões temporarias; findas as quaes os respectivos chefes recuperarão, para todos os effeitos, as suas posições anteriores.
§ 4.° Dos secretarios serão sete de l.ª e sete de 2.ª classe.
§ 5.° Ao secretario de legação que tiver quinze annos de bom e effectivo serviço, dos quaes, pelo menos, cinco na l.ª classe, será conferido o titulo de conselheiro de legação.
§ 6.° Poderá haver até dois addidos em cada legação.
§ 7.° Era qualquer das legações poderá tambem haver um addido militar, nomeado pelo ministerio da guerra ou pelo da marinha, de accordo com o dos negócios estrangeiros, de entre os officiaes do exercito ou da armada.

CAPITULO II

Attribuições dos empregados diplomaticos

Art. 25.° Incumbe ao chefe de legação:
1.° Representar a nação na corte em que estiver acreditado, segundo o direito e usos internacionaes, cumprindo todas as instrucções que lhe forem dadas, e prestando todas as informações que lhe forem pedidas pelo ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros, tanto nos assumptos de interesse politico, como nos de interesse economico;
2.° Communicar ao ministro, com a possivel brevidade, as leis, regulamentos e mais providencias que forem propostas ou adoptadas no paiz em que reside, com respeito a qualquer dos ramos da administração publica, assim como os factos ali occorridos, que possam interessar á política ou ao commercio internacional; 3.° Dirigir o serviço da legação e regular o horário do mesmo serviço, por forma que a respectiva chancellaria esteja aberta, em cada dia não feriado, durante o numero de horas conveniente;
4.° Ordenar o registo exacto de todos os officios, notas e memorias que tiver dirigido, na sua qualidade official, e bem assim á organisação de um indico e inventario completo de todos os papeis pertencentes ao archivo, os quaes constituem propriedade inviolavel do estado;
5.° Não guardar nem permittir que se guardem as minutas ou que se tirem copias da correspondencia official que tiver dirigido ou recebido, salvo ordem ou auctorisação superior em contrario;
6.° Quando tenha de ausentar-se temporaria ou definitivamente da missão que dirige, entregar ao seu substituto ou successor o archivo e chancellaria, fazendo verificar exactidão dos respectivos inventarios; do que se lavrará auto em duplicado, assignado por ambos os funccionarios, do qual ficará um exemplar no mesmo archivo e o outro será remettido ao ministerio com as copias, devidamente authenticadas, dos referidos inventarios;
7.° Transmittir ao ministro os relatorios das secretarias de legação;
8.° Suscitar a conveniencia da instituição ou suppressão de quaesquer postos consulares;
9.° Esclarecer o ministro na escolha dos individuos mais aptos para desempenhar os cargos de consules ou vice-consules de Portugal nas diversas localidades;
10.° Solicitar do governo local o exequatar ou reconhecimento dos funccionarios consulares e respectivos chancelares;
11.° Indicar ao ministro as pessoas idoneas para substituirem os chancelleres, durante a ausencia ou impedimento, dos consules, e decidir da escolha das que hajam de substituir os mesmos chancelleres durante a ausencia ou impedimento d'estes;
12.° Superintender a administração consular portuguez no paiz em que se acha acreditado, resolvendo as duradas e questões urgentes que lhe forem submettidas pelos consules, informando sobre os assumptos da correspondem que elles dirigirem ao ministro, por via da legação, e Botando os serviços dignos de louvor ou de censura;
13.° Prestar aos inspectores consulares toda a coadjuvação de que carecerem para o bom resultado das suas diligencias;
14.° Censurar os empregados diplomaticos e consulares que faltarem ao cumprimento dos seus deveres, e nos casos graves propor a applicação de outras penas disciplinares;
15.° Era circumstancias excepcionaes e urgentes suspender provisoriamente os mesmos empregados, dando logo conta ao ministro dos motivos que determinaram a suspensão;
16.º Conceder licença aos empregados diplomaticos e consulares para se aumentarem dos seus postos até quinze dias em cada anno, sem dependencia de confirmação superior, mas fazendo a conveniente participação ao ministro conceder licenças alem d'aquelle caso, porém não excedentes a um mez, em casos urgentes, expondo os motivos que possam justificar e confirmar a concessão. Enformar acerca das licenças pedidas ao governo;
17.° Propor biennalmente ao ministro os individuos que hajam de compor as commissões consultivas ante os consulados, o nomear, sobre proposta dos respectivos consules, os vogaes das commissões consultivas junto dos vice-consulados;
18.° Fazer propostas e prestar informações ao ministro acerca da concessão de mercês honorificas a nacionaes ou estrangeiros residentes no paiz em que alegação se acha estabelecida.
§ 1.° No caso de fallecimento do chefe da legação, proceder se-ha nos termos do n.° 6.° com assistencia dos herdeiros ou, na sua falta, de dois portuguezes que não empregados da mesma legação.
§ 2:° Quando a gerencia dos negocios da legação tenha de ser confiada ao representante de outra nação, a cifra e a correspondencia confidencial reservada serão encerradas, selladas e remettidas ao ministro ou entregues á legação ou consulado de Portugal, que com maior segurança lhes possa dar aquelle destino.
Art. 26.° O chefe de legação assumirá de pleno direito o exercicio das suas funcções logo que chegue á corte onde dever residir, e entregará as recredenciaes do seu antecessor, quando este as não .tiver apresentado.

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Art. 27.° O ministro e secretario d'estado dos negocios estrangeiros determinará o tempo durante o qual o chefe de legação acreditado em mais de uma côrte dever residir em cada uma d'ellas.
Art, 28.° O ministro residente exercerá, cumulativamente com as do seu cargo, as funcções consulares, quando assim for determinado por decreto.
Art. 29.° Na falta, ausencia ou impedimento do chefe da legação, substituil-o-ha, como encarregado de negocios interino, o respectivo secretario; preferindo, no caso de haver dois secretarios, era primeiro logar, o mais graduado, e, em igualdade de graduação, o mais antigo.
§ unico. Quando faltarem simultaneamente o chefe e os secretarios da legação em capital onde resida um consul portuguez, deverá este ser encarregado interinamente da guarda do archivo e do expediente da legação.
Art. 30.° Incumbe ao secretario de legação:
1.° Desempenhar pontualmente todos os trabalhos de redacção, copia ou traducção, e quaesquer diligencias de que o chefe da legação o encarregue em objectos de serviço da mesma legação;
2.° Elaborar os relatorios semestraes sobre assumptos quo offereçam mais interesse de actualidade, pelo que respeita á administração publica, ás finanças, á industria, á agricultura e ao commercio do para em quo reside;
3.° Haver-se no seu trato com o governo local e com os diplomatas estrangeiros segundo as indicações quo tiver recebido do chefe da legação.
§ unico. Servindo dois secretarios na mesma legação, o mais graduado despachará com o chefe em todos os negocios, mas terá especialmente a seu cargo a redacção da correspondencia com o ministerio e as traducções, emquanto o outro secretario se occupará de preferencia da ordem e conservação do archivo e da redacção da correspondencia com os consules.
Art. 31.° Ao addido de legação incumbe desempenhar os serviços que lhe forem distribuidos, e nomeadamente os trabalhos de registo e copia.
Art. 32.° O addido militar dependerá do chefe da legação em tudo quanto respeite ás suas relações com as auctoridades estrangeiras, e lhe communicará os relatorios que, sobre os assumptos technicos da arte militar, enviar ao ministerio da guerra ou da marinha, cujas instrucções lhe cumpre observar.

CAPITULO III

Vencimentos dos empregados diplomaticos e respectivos abonos

Art. 33.° Aos empregados diplomaticos competem os vencimentos de categoria fixados na tabella n.º 2. Alem d'isso, são-lhes arbitrados vencimentos supplementares para despezas de representação, variaveis segundo as capitães em que residirem, pela forma estabelecida na tabella n.º 3.
§ unico. O vencimento de categoria do secretario de legação que estiver nas circumstancias a que se refere o § 5.° do artigo 24.° será elevado a 1:000$000 réis, acrescendo tambem l00$000 réis nos respectivos vencimentos supplementares.
Art. 34.° As verbas abonadas aos chefes de legação para despezas de material e expediente são as fixadas na tabella n.° 4.
§ 1.° Nas despezas de material e expediente comprehendem-se; as de acquisição e conservação da bandeira e es cudo nacionaes e da mobilia da chancellaria e archivo; as de compra de livros, papel e mais utensilios de escripta; as de expedição da correspondência postal e telegraphica; os honorários de traductores, interpretes o escreventes; os salarios de serventes.
§ 2-° Da applicação d'estas verbas só haverá que dar conta para justificação de qualquer excesso de despeza, a fim de se reconhecer se deve ou não ser abonado.
Art. 35.º As rendas do casas das legações serão abonadas pelas verbas annualmente descriptas no orçamento, á vista dos respectivos contratos de arrendamento, approvados pelo governo, embora o praso do arrendamento exceda tres annos e a renda seja superior a 500$000 réis.
Art. 36.° Ao encarregado de negocios interino reverterá o terço do vencimento supplementar assignado ao chefe da respectiva legação, relativamente ao tempo em que este faltar ou se achar ausente ou impedido.
Art. 37.° Pela verba arbitrada para despezas de material e expediente será satisfeita a importancia d'aquellas que o encarregado de negocios interino houver feito.
Art. 38.º Por occasião da primeira nomeação para secretario ou chefe de legação ou promoção a esto posto, receberá o empregado uma ajuda de custo equivalente a metade dos seus vencimentos totaes.
Art. 39.º Quando um secretario for nomeado para dirigir interinamente uma legação, que não aquella em quo exercia o seu cargo, receberá uma ajuda de custo equivalente a metade da que pertenceria ao chefe da legação; e, sendo successivamente promovido a este posto, ser-lhe-ha paga a outra metade.
Art. -J0.° Aos empregados diplomaticos serão abonadas as despezas de viagem em primeira classe, quando forem nomeados, transferidos por conveniencia do serviço ou promovidos, e ainda no caso de viagem por qualquer outro motivo de serviço publico, devidamente auctorisada.
§ 1.° Pela repartição de contabilidade, será formulada triennalmente uma tabella para a. fixação d'estas despezas de viagem entre as diversas capitães.
§ 2.° Tratando-se de viagem não comprehendida na tabella, ou feita a bordo de navio do estado, serão abonadas as despezas effectivamente realisadas.
§ 3.° Sendo o empregado casado, e acompanhando-o sua mulher, acrescerão 50 por cento á referida importancia das despezas de viagem.
Art. 41.º A importancia das despezas de viagem e dois terços da ajuda de custo serão entregues ao empregado logo que participar por escripto o dia em quo tenciona partir para o seu destino; o restante terço da ajuda de custo recebel-o-ha seis mezes depois de tomar posse.
Art. 42.° O empregado que, sem motivo justificado, deixar de tomar posse do seu cargo dentro do tres mezes depois de nomeado será obrigado a restituir o que tiver recebido, em virtude do artigos 38.º a 41.°, declarando-se som effeito a nomeação.
§ 1.º Tendo o empregado tomado posse, mas sendo exonerado a seu pedido, ou demittido, antes de completar dois annos de exercicio do respectivo cargo, deverá repor metade da ajuda de custo.
§ 2.° Em qualquer dos sobreditos casos, vindo o empregado a exercer outro cargo, poderá fazer-se a reposição de que se trata mediante encontro nos seus vencimentos.
Art. 43.° As familias dos empregados fallecidos será abonada a quantia indispensavel para as despezas de regresso a Portugal.
Art. 44.º Os .vencimentos dos empregados diplomaticos começam a contar-se do dia em que estos partirem para o seu destino, e são pagos em moeda portugueza.
Art. 45.º Quando os interesses do estado urgentemente o reclamarem, terá o governo a faculdade de modificar, por meio do decreto, o numero, categoria e pessoal das legações e a distribuição dos vencimentos supplementares e das verbas para despezas de material e expediente, comtanto que não só augmente o quadro dos empregados effectivos nem se exceda a som ma total das referidas verbas.
§ unico. Se despezas devidamente justificadas tiverem feito exceder durante tres annos successivos as verbas assignadas ás legações para despegas de material e expediente, o governo deverá propor ás côrtes que, mediante lei especial se decreto o necessario augmento da quantia fixada no respectivo artigo do orçamento.

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TITULO III

Do corpo consular

CAPITULO I

Pessoal consular

Art. 46.° O quadro dos empregados consulares compõe-se de vinte e oito consules de 1.ª classe e doze chancelleres.
§ 1.° Dos consules de l.ª classe terão sete a categoria de inspectores consulares, sendo dois os inspectores effectivos, um dos quaes o a que se refere o decreto de 29 de dezembro de 1887.
§ 2.° Serão geridos por consules de 1.ª classe os consulados constantes da tabeliã n.° 6; mas a sede dos postos consulares, sem distincção de classe dos respectivos funccionarios, póde variar conforme a decisão do governo, attentas as circumstancias do serviço em cada paiz.
§ 3.° Continuará a haver consules de 2.ª classe, vice-consules e agentes consulares, cujo numero será determinado segundo as necessidades do serviço.
§ 4.° A categoria de consul geral é meramente honorifica; não será porém concedida a mais de um consul na mesma nação.
§ 5.° Aos vice-consules, quando forem exonerados a seu pedido ou em consequencia da suppressão dos respectivos postos consulares, poderão conferir-se honras de consules, em recompensa de distinctos serviços que houverem prestado.

CAPITULO II

Attribuições dos empregados consulares

Art. 47.º Ao inspector consular, como delegado especial do governo, incumbe:
1.° Fiscalisar o serviço dos consules de 1.ª classe, chancelleres, consules de 2.a classe, vice-consules e agentes consulares, visitando os respectivos postos consulares periodicamente ou quando as circumstancias o exigirem;
2.° Proceder aos exames e inqueritos que tiver por convenientes, requisitando a apresentação de todos e quaesquer livros, documentos e papeis, e tomando as declarações e depoimentos necessarios para a averiguação de factos que se relacionem com o serviço consular;
3.° Requerer a adopção de providencias que lhe parecerem urgentes a bem da administração consular;
4.° Elaborar e remetter ao ministro minuciosos relatorios das inspecções realisadas, com todos os esclarecimentos que possam concorrer para melhorar o serviço consular e provar o merito ou demerito dos funccionarios respectivos; 5.° Corresponder-se directamente com o ministro, com os chefes de legação e com os funccionarios consulares;
6.° Consultar e informar nos assumptos da competência da direcção geral dos negocios consulares.
§ 1.° O serviço de inspecção será considerado como de Commissão.
§ 2.° Quando circumstancias urgentes o aconselharem, poderá é inspector ser encarregado interinamente da gerencia de qualquer consulado.
Art. 48.° Os consules, seja qual for a sua classe ou graduação, mantêem inteira independencia entre si; e sómente, nos termos e para os effeitos dos artigos 25.º e 47.°, estão sujeitos aos chefes de legação e aos inspectores consulares.
Art. 49.° Nas localidades, sedes de consulados de l.ª classe, que não tiverem chancelleres, haverá vice-consules para coadjuvar os respectivos consules e substituil-os na sua falta, ausencia ou impedimento.
§ unico. Estes vice-consules não têem chancellaria propria nem direito a usar de insignias consulares, senão quando, nas circumstancias sobreditas, fizerem as vezes dos consules. Art. 50.° Os agentes consulares são delegados dos consules para um fim restricto, expresso na respectiva nomeação.
Art. 5l.° As attribuições e deveres dos consules, chancelleres e vice-consules são os determinados nos regulamentos e instrucções vigentes, salvo o disposto no artigo seguinte.
Art. 52.° O governo procederá, em breve praso, á revisão e codificação dos regulamentos e instrucções consulares, fazendo n'elles as alterações exigidas pelas necessidades do serviço e usos internacionaes, e pela concordancia com as leis em vigor.
Art. 53.° Os consules de l.ª classe poderão ser acreditados como encarregados de negocios nos paizes onde Portugal não tiver missões diplomaticas.

CAPITULO III

Vencimentos dos empregados consulares e respectivos abonos

Art. 54.° Aos inspectores consulares, demais consules de 1.ª classe e chancelleres pertencem os vencimentos de categoria fixados na tabella n.° 5.
§ 1.° Os inspectores consulares receberão um subsidio de 13$500 réis diarios durante o serviço de inspecção, sendo-lhes abonadas as despezas de viagem, pela forma estabelecida no artigo 64.°
§ 2.° Aos consules de l.ª classe, na gerencia dos respectivos consulados, e aos chancelleres competem vencimentos supplementares para despezas de residência, em conformidade da tabella n.° 6.
Art. 55.° Aos cônsules de l.ª classe são abonadas annualmente as sommas constantes da tabella n.° 7 para prover ás despezas de material e expediente dos respectivos consulados.
§ 1.° Nas despezas de material e expediente incluem-se: as de acquisição e conservação da bandeira e escudo nacional e sellos consulares; as de renda de casa, acquisição e conservação da mobilia da chancellaria e archivo; as de compra de' livros, papel e mais utensilios de escripta; as de expedição da correspondência postal e telegraphica; os honorarios de traductores e interpretes; o estipendio de serviços de escripturação que for preciso confiar a individuos estranhos ao quadro; os salarios de serventes.
§ 2.° Os meamos cônsules farão um orçamento annual da despeza dos respectivos consulados, o qual deverão remetter á secretaria d'estado dos negocios estrangeiros até o ultimo dia de junho de cada anno.
§ 3.° Da applicação das verbas destinadas a despezas de material e expediente só haverá que dar conta para justificação de qualquer excesso de despeza, a fim de se reconhecer se deve ou não ser abonado.
Art. 56.° Ao chanceller que interinamente exercer as funcções de consul reverterá o terço do vencimento supplementar assignado a este, relativamente á duração da interinidade, comtanto que o total dos vencimentos do chanceller nunca exceda o total dos vencimentos do consul em exercicio do seu cargo.
§ 1.° No caso a que se refere este artigo, o substituto do chanceller será remunerado com quantia equivalente a dois terços do vencimento supplementar do cônsul, relativamente ao praso da substituição.
§ 2.° O, individuo que substituir o chanceller, no caso de ausencia ou impedimento proprio d'este, receberá do vencimento supplementar do mesmo chanceller a quantia correspondente ao tempo em que servir.
Art. 57.° O vice-consul que, nos termos do artigo 49.º, substituir um consul de l.ª classe será remunerado com quantia equivalente a dois terços do vencimento supplementar assignado a está na rasão do tempo da interinidade.
Art. 58.° Pela verba arbitrada para despezas de material e expediente será satisfeita a importancia d'aquellas que o encarregado do consulado houver feito. Art. 59.° Aos consules de 2.ª classe, vice-consules e agen-

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418 DIARIO DA CAAMRA DOS SENHORES DEPUTADOS

tes consulares pertencerá metade dos emolumentos que cobrarem.
Art. 60.° Toda a importancia dos emolumentos cobrados nos consulados de 1.ª classe e a metade dos emolumentos cobrados nos consulados de 2.ª classe, nos vice-consulados e nas agencias consulares constituem receita publica.
§ unico. Os consules de 2.ª classe serão obrigados a transferir a receita publica arrecadada por elles e pelos funccionarios da sua dependência para os consulados de l.ª classe, cujas sedes ficarem mais proximas.
Art. 61.° Serão abonadas as despezas de acquisição de bandeira, escudo e sellos dos consulados de 2.ª classe e dos vice-consulados.
§ unico. Quando os emolumentos cobrados nos postos consulares a que se refere este artigo não forem sufficientes para occorrer á compra de livros, papel e mais utensílios de escripta e á expedição da correspondencia official, o governo poderá prover a essas despezas, mediante uma somma annual, decretada triennalmente, e não excedente a 50$000 réis para cada consulado e 30$000 réis para cada vice consulado, uma vez que haja reconhecida conveniencia na sua conservação.
Art. 62.° Por occasião da primeira nomeação para chanceller ou consul de l.ª classe, receberá o empregado uma ajuda de custo equivalente a metade dos seus vencimentos totaes.
Art. 63.° Quando um chanceller for nomeado para gerir interinamente um consulado, que não aquelle em que exercia o seu cargo, receberá uma ajuda de custo equivalente a metade da que pertenceria ao respectivo consul; e, sendo successivamente promovido a este posto, ser-lhe-ha paga a outra metade.
Art. 64.° Aos empregados consulares serão abonadas as despezas de viagem em l.ª classe, quando forem nomeados, transferidos por conveniencia do serviço ou promovidos, e ainda no caso de viagem por qualquer outro motivo de serviço publico, devidamente auctorisada.
§ 1.° Pela repartição de contabilidade, será formulada triennalmente uma tabella para a fixação d'estas despezas de viagem entre as diversas cidades.
§ 2.° Tratando-se de viagem não comprehendida na tabeliã, ou feita a bordo de navio do estado, serão abonadas as despezas effectivamente realisadas.
§ 3.° Sendo o empregado casado, e acompanhando-o sua mulher, acrescerão 50 por cento á referida importancia das despezas de viagem.
Art. 65.° A importancia das despezas de viagem e dois terços da ajuda de custo serão entregues ao empregado logo que participar por escripto o dia em que tenciona partir para o seu destino; o restante terço da ajuda de custo recebel-o-ha seis mezes depois de tomar posse.
Art. 66.° O empregado que, sem motivo justificado, deixar de tomar posse do seu cargo dentro de tres mezes depois de nomeado será obrigado a restituir o que tiver recebido em virtude dos artigos 62.° a 65.°, declarando-se sem effeito a nomeação.
§ 1.° Tendo o empregado tomado posse, mas sendo exonerado a seu pedido ou demittido antes de completos dois annos de exercicio do respectivo cargo, deverá repor metade da ajuda de custo.
§ 2.° Em qualquer dos sobreditos casos, Vindo o empregado a exercer outro cargo, poderá fazer-se a reposição de que se trata, mediante encontro nos seus vencimentos.
Art. 67.° As familias dos empregados fallecidos será abonada a quantia indispensavel para as despezas do regresso a Portugal.
Art. 68.° Os vencimentos dos empregados consulares começam a contar-se do dia em que estes partirem para o seu destino, e são pagos em moeda portugueza.
Art. 69.° O governo terá a faculdade de modificar o numero, categoria e pessoal dos consulados, segundo as conveniencias do serviço, comtanto que a somma dos vencimentos dos consules de l.ª classe e chancelleres não exceda o total da receita publica de emolumentos consulares.
§ unico. Se despezas devidamente justificadas tiverem feito exceder durante tres annos successivos as verbas assignadas aos consules para despezas de material e expediente, o governo deverá propor ás cortes que, por meio de lei especial, se decrete o augmento da quantia fixada no respectivo artigo do orçamento.

TITULO IV

Do conselho de administração

CAPITULO UNICO

Art. 70.° O director geral dos negocios diplomaticos, o director geral dos negocios consulares, o chefe da repartição central e o chefe da repartição de contabilidade constituem o conselho de administração da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros.
§ 1.º Exercerá as funcções de presidente d'este conselho o director secretario geral, e as de secretario o chefe da repartição central.
§ 2.° Poderão ser convocados extraordinariamente para tomar parte nas deliberações do conselho os chefes de legação e os inspectores consulares, aposentados, na disponibilidade, ou em uso de licença, que estiverem nas circumstancias de assistir ás respectivas sessões.
Art. 71.° Ao conselho de administração compete:
1.° Informar sobre os assumptos que interessem a mais de uma direcção, e sobre quaesquer outros que lhe forem commettidos pelo ministro;
2.° Consultar sobre a applicação de penas disciplinares;
3 ° Superintender aos concursos para provimento de logares de calligrapho, de amanuenses e chancelleres, approvando os pontos que houverem sido formulados pelo secretario, examinando as provas e classificando os concorrentes;
4.° Formular os pontos que hajam de servir nos concursos para provimento de logares de segundos officiaes, secretarios de 2.ª classe e consules de l.ª classe;
5.° Examinar e rubricar as notas que pelas competentes repartições forem fornecidas para a organisação do cadastro, antes de n'elle registadas.

TITULO V

Disposições geraes

CAPITULO I

Nomeação, accesso, categoria e transferencia

Art. 72.° Os empregados graduados da secretaria distado dos negocios estrangeiros e os dos quadros diplomatico e consular são de nomeação regia, e de serventia vitalicia os respectivos cargos.
§ unico. Consideram-se porém de commissão, para todos os effeitos, os cargos de chefes de legação de 1.ª classe, quando exercidos por individuos estranhos á carreira diplomatica.
Art. 73.° Os directores geraes da secretaria d'estado e os chefes de legação de l.ª classe serão da livre escolha do governo; a qual deverá recair em individuos distinctos pelo seu merecimento scientifico e serviços feitos ao estado.
Art. 74.° Aos funccionarios de que trata o artigo antecedente, como chefes superiores de administração, competem as honras e titulo do conselho.
Art. 75.° São logares de promoção:
1.° Os logares de ministros plenipotenciarios de 2.ª classe, para os primeiros officiaes, chefes de repartição da direcção geral dos negocios diplomaticos, os ministros residentes e os secretarios de l.ª classe;

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2.° Os logares de primeiros officiaes, chefes de repartição da direcção geral dos negocios diplomaticos, de ministros residentes e de secretarios de l.ª classe, para os segundos officiaes da mesma direcção e os secretários do 2.ª classe;
3.° Os logares de primeiros officiaes, chefes do repartição da direcção geral dos negocios consulares, e de inspectores consulares, para os segundos officiaes da mesma direcção e os consules de l.ª classe;
4.° O logar de primeiro official, chefe da repartição central, para o segundo official, chefe de secção da mesma repartição.
Art. 76.° A transferencia, tanto por conveniencia do serviço como a requerimento dos interessados, só poderá realisar-se de um para outro logar a que pertença o mesmo vencimento de categoria.
§ unico. Quando a transferencia se realisar de um para outro logar não comprehendidos no mesmo numero do artigo antecedente, o empregado só se considerará como pertencendo ao quadro diplomatico ou consular depois de dois annos de exercicio do cargo diplomatico ou consular para que houver sido transferido.
Art. 77.° Nenhum funccionario poderá ser promovido a qualquer logar antes de completar dois annos de exercicio do cargo immediatamente inferior.
Art. 78.° Os logares de accesso serão providos, na proporção de um terço, pela ordem da antiguidade dos empregados; devendo, nas restantes promoções, attender-se ás maiores habilitações scientificas ou litterarias, e especialmente ao bom e effectivo serviço.
§ 1.° Para os effeitos do accesso, a antiguidade é determinada pela data da posse do ultimo logar ,exercido.
§ 2.° A antiguidade dos empregados diplomaticos e consulares que servirem fora da Europa será contada com um quarto de tempo a mais, relativamente á duração d'esse serviço, que de futuro prestarem.
§ 3.° Na antiguidade não se conta o tempo da suspensão, o da disponibilidade, o da licença, excedente a um mez em cada anno, que não seja por doença devidamente comprovada, e o das faltas não justificadas.
§ 4.° Para os empregados reintegrados, a antiguidade conta-se da primeira admissão, deduzindo-se todo o tempo decorrido entre a exoneração e a reintegração.
Art. 79.° Os logares de segundos officiaes das duas direcções geraes e da repartição central, os de secretarios de 2.ª classe e os de consules de l.ª classe serão providos mediante concurso por provas praticas, escriptas e oraes, a que só poderão ser admittidos os cidadãos portuguezes de maior idade, no goso pleno dos seus direitos civis e politicos, habilitados com um curso completo de instrucção superior por qualquer escola nacional ou estrangeira de reconhecido credito.
§ 1.° A habilitação litteraria exigida n'este artigo poderá ser supprida por cinco annos de bom e effectivo serviço como amanuense cm qualquer das direcções geraes ou repartição central, ou como chanceller consular.
§ 2.° Os amanuenses das duas direcções geraes e da repartição central, os addidos de legação e os chancelleres consulares, que tiverem dez annos de bom e effectivo serviço, attestado pelos respectivos chefes, poderão ser nomeados para os logares a que se refere este artigo, independentemente de concurso, mas precedendo informação favoravel do conselho de administração.
§ 3.° Poderão ser nomeados cônsules de l.ª classe, independentemente de concurso, os cidadãos portuguezes, habilitados com um curso de instrucção secundaria, que durante seis annos houverem gerido, a aprazimento do governo, consulados que vierem a ser elevados á l.ª classe, ou cujo rendimento médio annual, no periodo dos ultimos cinco annos, for superior a 500$000 réis. Quando o consul de 2.ª classe não tiver una curso de instrucção secundaria, será de quinze annos o tempo de serviço exigido.
§ 4.° Os consulados de Portugal na Africa, seja qual for a sua classe, poderão ser geridos, em commissão, por officiaes da armada, de patente não inferior á de primeiro tenente, e que tenham servido n'aquelle continente.
§ 5.° Nenhum dos candidatos habilitados em concurso poderá ser nomeado secretario de 2.ª classe ou consul de l.ª classe sem ter um anno de serviço em algumas das secretarias d'estado, como empregado do quadro ou como supranumerario, nas legações como addido, ou nos consulados de l.ª classe como chanceller.
Art. 80.° Os logares de calligrapho, de amanuenses das duas direcções geraes e da repartição central e os de chancelleres consulares serão providos mediante concurso por provas praticas, escriptas e oraes, a que só poderão ser admittidos os cidadãos portuguezes de maior edade, no uso pleno dos seus direitos civis e politicos, que possuam um curso de instrucção secundaria ou especial, ou approvação nas seguintes disciplinas do curso dos lyceus: portuguez, francez ou inglez, geographia e historia, arithmetica e algebra elementar.
§ unico. Poderão ser nomeados chancelleres, independentemente de concurso, os cidadãos portuguezes, habilitados com um curso de instrucção secundaria, que houverem bem servido, durante dez annos, como escripturarios de consulados de l.ª classe, ou que contarem igual numero de annos de bom e effectivo serviço como vice-consules.
Art. 81.° Em regulamento especial serão formulados os programmas dos concursos a que se referem os dois artigos antecedentes.
§ unico. A approvação obtida em concurso será valida durante tres annos a contar da data da classificação das provas.
Art. 82.° De entre os candidatos legalmente habilitados serão nomeados primeiro os que mais e melhores serviços houverem prestado na carreira publica, os mais bem classificados por concurso, e os que possuirem outras habilitações scientificas ou litterarias alem das necessárias para a admissão.
§ unico. Os candidatos, que não hoverem satisfeito o preceito do § 5.° do artigo 79.°, serão, pela ordem da classificação obtida no concurso, admittidos a fazer na secretaria d'estado dos negocios estrangeiros o tirocinio ali exigido.
Art 83.° Poderão ser nomeados addidos ás legações os cidadãos portuguezes de maior edade, no goso pleno dos seus direitos civis e politicos, que comprovarem ter concluído um curso de instrucção superior de sciencias sociaes em escola nacional ou estrangeira, e dispor de um rendimento proprio não inferior a 1:000$000 réis.
§ unico. Os addidos de legares são amoviveis a arbitrio do governo, e gratuito o serviço a que se refere o artigo 31.°
Art. 84.° Os consules de 2.ª classe, os vice-consules «os agentes consulares serão escolhidos de entre os portuguezes mais respeitaveis, estabelecidos nas localidades em que houverem de exercer as respectivas funcções, ou, na sua falta, entre os mais acreditados negociantes ou proprietarios ali residentes.
§ unico. Estes cargos são, para todos os effeitos, considerados de commissão do governo.
Art. 85.° O porteiro da secretaria d'estado é escolhido de entre os continuos; e um e outros, bem como os demais empregados menores, são nomeados em portaria.

CAPITULO II

Licenças, justificação de faltas, disponibilidade, exoneração e aposentação

Art. 86.° As licenças só podem ser concedidas por motivo justo, allegado por escripto.
Art. 87.° A licença por tempo excedente a quinze dias será concedida ou confirmada em portaria.
Art. 88.° A licença até um mez em cada anno será, em

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regra, concedida ao empregado com os respectivos vencimentos por inteiro.
§ 1.° A licença por motivo de doença, comprovada por attestado de facultativo, será concedida, até dois mezes, com os vencimentos por inteiro ao empregado da secretaria d'estado, e com o vencimento de categoria e dois terços do vencimento supplementar ao empregado diplomatico ou consular.
§ 2.° Decorrido o praso de dois mezes, o empregado em uso de licença, por motivo de doença, só receberá o respectivo vencimento de categoria; devendo para isso ser apresentado mensalmente um attestado de facultativo.
Art. 89.° Independentemente de licença previa, a ausencia do empregado ato tres dias será justificada, se dentro d'esse praso houver enviado parte de doente ao seu superior immediato; mas as faltas alem de tres dias só serão justificadas e os vencimentos abonados, nos termos do artigo antecedente, mediante a apresentação de attestado de facultativo para cada mez ou fracção de mez de ausencia.
Art. 90.° Nos casos a que se referem os §§ 1.° e 2.° do artigo 88.° e o artigo 89.°, poderá o ministro, se lhe parecer conveniente, mandar examinar, por facultativo da sua escolha, o empregado ausente.
Art. 91.° Não se achando nas circumstancias legalmente exigidas para a aposentação, o empregado será exonerado:
1.° Quando a doença durar mais de um anno, e pela inspecção feita nos termos do artigo 10.° § 1.° do decreto n.° l de 17 de julho de ]886, for julgado permanentemente incapaz para o serviço;
2.° Quando a impossibilidade durar mais de dezoito mezes;
3.° Quando continuar ausente, depois de seis mezes de licença, por motivo que não seja o de doença.
§ unico. No caso de exoneração por alguma das causas determinadas em os n.os 1.° e 2.°, quando o empregado se rehabilitar para o exercicio do cargo, poderá ser reintegrado logo que haja vacatura na respectiva classe.
Art. 92.º Ao empregado diplomatico ou consular que servir effectivamente durante tres annos consecutivos poderá ser concedida licença de tres ou de seis mezes, conforme o respectivo posto for na Europa ou fora d'ella, com o vencimento declarado no artigo 88.° § 1.°
Art. 93.° Obtida a licença e pagos os emolumentos devidos, o empregado poderá, em regra, fazer uso immediato d'ella; mas, se a não gosar logo e seguidamente, carecerá de nova auctorisação para se ausentar do seu posto.
Art. 94.° A licença concedida por outro motivo, que não o de doença, é revogavel, segundo as exigencias do serviço.
Art. 95.º No computo dos prasos a que se referem os artigos antecedentes, não se fará deducção de dias feriados.
Art. 96.° A disponibilidade dos empregados do quadro diplomático e do consular póde ser decretada:
l.° A requerimento dos mesmos empregados;
2.° Por terem deixado de tomar posse dos logares para que hajam sido transferidos ou promovidos, dentro de tres mezes depois de notificado o respectivo despacho;
3.° Por terem acceitado o mandato legislativo;
4.° Por conveniência publica.
Art. 97.° Nos casos a que se referem os n.os 1.° a 3.° do artigo antecedente, os empregados em disponibilidade não receberão vencimento algum.
Art. 98.° No caso previsto em o n.° 4.° do artigo 96.°, o empregado terá direito:
1.° A dois terços do vencimento de categoria quando tiver vinte annos de serviço effectivo;
2.° A metade do vencimento de categoria, quando, tiver dez annos de serviço effectivo;
3.º A um terço do vencimento de categoria, quando tiver cinco annos de serviço effectivo.
§ unico. Ao empregado que passar á disponibilidade por conveniencia publica será abonada a importancia das despezas de viagem de regresso ao reino.
Art. 99.° O empregado em disponibilidade, decretada por conveniencia publica, será, se assim o requerer, admittido a servir, em commissão, na secretaria d'estado, com os vencimentos lixados no artigo antecedente.
§ unico. O desempenho do serviço de que trata este artigo terá por effeito garantir ao empregado o grau que anteriormente occupasse na escala da antiguidade, para os fins legaes.
Art. 100.° O empregado que requerer a disponibilidade não ficará dispensado do serviço emquanto lhe não for concedida.
§ unico. A mesma disposição é applicavel a qualquer empregado que requerer a sua exoneração.
Art. 101.° Os empregados dos quadros dependentes do ministerio dos negocios estrangeiros têem direito á sua aposentação ou reforma, nos termos da legislação geral, salvo o disposto no artigo 78.º § 2.°

TITULO VI

Disposições disciplinares

CAPITULO UNICO

Art. 102.° As penas disciplinares applicaveis aos empregados dependentes do ministerio dos negocios estrangeiros são:
1.° A censura verbal ou registada;
2.° A suspensão:
3.° A demissão.
Art. 103.° São causas de censura a negligencia ou insubordinação leve, as faltas no serviço, o mau procedimento e as offensas ao decoro da administração publica.
§ unico. A censura infligida pelo ministro será sempre registada.
Art. 104.° São causas de suspensão:
1.° A pronuncia em qualquer crime, logo que o respectivo despacho tenha sido intimado ao réu, e emquanto subsistir;
2.° A desobediencia voluntária ás ordens superiores em objecto de serviço publico;
3.° A negligencia ou qualquer outro motivo culposo, pelo qual o empregado faltar ao cumprimento dos seus deveres, depois de censurado.
§ 1.° O effeito da suspensão é privar temporariamente o empregado do exercício do emprego e dos vencimentos correspondentes.
§ 2.° Ao empregado que tiver sido suspenso por virtude do n.° 1.° d'este artigo serão restituidos os seus vencimentos, se for absolvido ou despronunciado.
§ 3.° Em caso nenhum a suspensão póde exceder um anno, excepto no caso previsto em o n.° 1.° d'este artigo.
§ 4.° No caso de condemnação judicial, que não seja causa de demissão, o empregado continua suspenso até o final cumprimento da pena.
§ 5.° Fóra do caso declarado em o n.° 1.° d'este artigo, a suspensão só póde ser imposta em portaria, sobre consulta do conselho de administração.
§ 6.° Salvo o caso a que se refere o n.° 1.° d'este artigo o os casos extraordinarios e imprevistos, a que seja necessario acudir sem demora, nenhum empregado póde ser suspenso sem ser ouvido.
Art. 105.° São causas de demissão:
1.° A segunda reincidencia em facto pelo qual o empregado já tenha sido suspenso duas vezes;
2.° A condemnação em quaesquer penas maiores, ou em penas correccionaes por actos que involvam participação em manifestações contra a ordem publica;
3.° A revelação de negocios confidenciaes ou o abuso de confiança em matéria de serviço publico;

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4.° A acceitação ou participação de lucros provenientes da marcha ou resolução de negocios de terceiro pendentes na secretaria de estado, nas legações ou nos consulados.
Art. 100.° Aos empregados graduados da secretaria de estado e aos dos quadros diplomatico e consular só póde o governo applicar a pena de demissão, sobre consulta affirmativa do supremo tribunal administrativo.
§ unico. Nenhum empregado poderá ser julgado, nos termos d'este artigo, sem que se lhe dê nota da culpa, e seja intimado para se defender verbalmente ou por escripto.
Art. 107.° As faltas não justificadas importam sempre, para o empregado, perda de vencimentos durante os dias em que foram commettidas, independentemente de qualquer outra penalidade que deva ser-lhe applicada.
Art. 108.° Nenhum empregado do quadro diplomatico ou consular poderá assumir, posto que temporariamente, a gerencia dos negocios de uma legação ou de um consulado estrangeiro sem previa auctorisação do governo, excepto em caso muito urgente, em que deverá informar logo o ministro das circumstancias occorrentes.
Art. 109.° Aos empregados em actividade, pertencentes aos quadros diplomatico e consular, é prohibido exercer por si ou por interposta pessoa, nos paizes em que residirem, o commercio ou outra profissão lucrativa.
Art. 110.° Os empregados pertencentes aos quadros dependentes de outros ministerios que forem nomeados para logares da secretaria de estado dos negocios estrangeiros, da carreira diplomatica ou da consular, terão de optar, depois de dois annos de serviço, entre esses logares e os seus antigos cargos.
§ unico. São unicamente isentos da obrigação prescripta n'este artigo os empregados que nos termos dos artigo 72.
§ unico e 79.° § 4.°, exercerem, por commissão, cargos diplomaticos ou consulares.
Art. 111.º A nenhum empregado póde ser concedida graduação, diplomatica ou consular, superior á do logar que effectivamente exercer,
Art. 112.° A nenhum individuo póde ser concedida graduação diplomatica ou consular, sem que tenha serviço effectivo, salvo o disposto no § 5.° do artigo 46.°
Art. 113.° As reclamações ou recursos dos empregados dependentes do ministerio dos negocios estrangeiros sobre os seus direitos e obrigações para com o governo, fundados em leis ou regulamentos de administração publica, serão resolvidos pelo supremo tribunal administrativo.

TITULO VII

Disposições transitorias

CAPITULO UNICO

Art. 114.° Os actuaes consules de 2.ª classe, que forem cidadãos portuguezes, e não exercerem o commercio, continuarão a receber a totalidade dos emolumentos que cobrarem e metade dos emolumentos cobrados nos respectivos vice-consulados.
Art. 1l5.° Para despezas dos consulados de 2.ª classe em Madrid, Vigo, Barcelona, Marselha, Genova e Hongkong continuarão a ser abonadas as verbas inscriptas na tabella da distribuição da despeza auctorisada para o exercicio de 1887-1888, emquanto forem geridos pelas actuaes funccionarios.
Art. 116.° Os empregados de outros ministerios, que actualmente se achem servindo, em commissão, na secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, entrarão no quadro fixado por esta lei, sendo para todos os effeitos equiparado o serviço que houverem prestado ao dos empregados da mesma categoria.
Art. 117.° Os officiaes da armada que actualmente se acham gerindo, em commissão, consulados de 2.ª classe, poderão continuar no exercicio d'esses cargos, ainda que os mesmos consulados sejam elevados á l.ª classe.
Art. 118.° É mantido aos actuaes chancelleres consulares, quando completem seis annos de bom e effectivo serviço, e se habilitem com o concurso para consules de l.ª classe, o direito de preferencia, salvo conveniencia de serviço, para serem providos n'estes logares.
§ unico. Para o effeito da applicação d'este artigo e do § 2.° do artigo 79.°, attender se-ha tambem ao tempo, não excedente a dois annos, durante o qual os chancelleres tiverem exercido as suas funcções, com aprazimento do governo, antes da respectiva nomeação.
Art. 119.° As disposições d'esta lei em caso nenhum prejudicarão, pelo que respeita a vencimentos e categorias, os actuaes funccionarios pertencentes aos quadros da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, do corpo diplomatico e do corpo consular.
§ unico. Aos empregados, aos quaes, em virtude do disposto n'este artigo, houver de abonar-se o excesso dos seus ordenados actuaes sobre os vencimentos de categoria fixados por esta lei, não aproveitará a correspondente melhoria de vencimentos de exercicio e supplementares.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 6 de fevereiro de 1888. Henrique de Barros Gomes.

Tabella n.° I

Vencimentos dos empregados da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros

Director geral:

Vencimento de categoria 1:000$000
Vencimento de exercicio 480$000
Primeiro official chefe de repartição :
Vencimento de categoria 900$000
Vencimento de exercicio 380$000
Segundo official, chefe de secção:
Vencimento de categoria 500$000
Vencimento de exercicio l00$000
Segundo official :
Vencimento do categoria 500$000
Vencimento de exercicio 100$000
Calligrapho:
Vencimento de categoria 300$000
Vencimento de exercicio l00$000
Amanuense:
Vencimento de categoria 300$000
Vencimento de exercicio 60$000
Verba para falhas ao encarregado dos pagamentos. 240$000
Porteiro:
Vencimento de categoria 400$000
Vencimento de exercicio 100$000
Continuo:
Vencimento de categoria 250$000
Vencimento de exercicio 50$000
Correio a cavallo:
Vencimento de categoria 250$000
Vencimento de exercicio 42$000
Sustento para o cavallo 188$000
Correio a pé :
Vencimento de categoria 250$000
Vencimento de exercicio 42$000
Servente 216$000

Tabella n.° 2

Vencimentos de categoria doa empregados diplomaticos
Ministro plenipotenciario 1:000$000
Ministro residente 900$000
Secretario de 1.ª classe 900$000
Secretario de 2.ª classe 500$000

Tabella n.° 3

encimentos supplementares para despezas de representação dos empregados diplomaticos
Londres. Madrid..
Chefe 900$000
Cada secretario 900$000
Chefe 7:500$000
Cada secretario 600$000

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422 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

[Ver Tabella na imagem]

Tabella n.º 4

Verbas para as despezas de material e expediente das legações

Tabella n.º 6
[Ver Tabela na imagem]

Vencimentos supplementares para despezas de residencia dos empregados
consulares

Tabella n.º 7
[Ver tabela na imagem]

Verbas para despezas do material e expediente dos consulados

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 6 de fevereiro do 1888 - Henriques de Barros Gomes.

Página 423

SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1888 423

Tabella A
Pessoal da secretaria d'estado aos negocios estrangeiros

[Ver Tabela na Imagem]
Despeza actual Despeza na Imagem

Tabella B
Corpo Diplomatico
[Ver Tabela na Imagem]
Despeza actual Despeza na Imagem

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424 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Tabella C
Corpo consular

[Ver Tabela na Imagem]

Despeza actual Despeza na Imagem

Às commissões respectivas.

Redactor = S. Rego.

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