6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O Orador: - Eu accusei o sr. ministro da fazenda de que arrancou á junta do credito publico, attente v. exa. bem no que eu digo, accusei o sr. ministro da fazenda de arrancar á junta do credito publico uma importancia de titulos de divida interna muito superior ao numero das cauções (Apoiados.) e o sr. ministro da fazenda, que por honra sua, por honra do governo, desde que este facto não fosse verdadeiro, tinha obrigação de vir aqui com documentos provar que fizemos uma accusação falsa, (Apoiados.) pois esta accusação fere profundamente a junta do credito publico, e portanto o credito do para, (Apoiados.) apesar de instado por mim uma, duas e mais vezes, para me remetter esses documentos, ainda não os mandou. (Apoiados.)
Temos insistentemente pedido ao sr. ministro da fazenda que mande documentos, por onde se prove a importancia de titulos da divida interna vendidos. Todos nós sabemos que o sr. ministro da fazenda faz constar principalmente a sua administração, andando de porta em porta, de casa em casa, offerecendo titulos da divida publica. (Apoiados.) S. exa. nega. Manda os documentos? Não manda. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Previno o illustre deputado de que correu a hora regimental. V. exa. tem mais um quarto era para concluir as suas considerações.
O Orador: - Muito agradecido a v. exa.
Eu tenho accusado aqui o sr. ministro da fazenda de fazer operações da thosouraria para obter supprimentos dando para caução titulos de divida publica, que os credores já não lhe tomam acima da cotação de 20, como se o estado fosse insolvente.
O sr. ministro da fazenda manda documentos? Não manda. E isto o que quer dizer? É que o sr. ministro da fazenda não os manda porque não quer ter um desmentido formal, não á sua pessoa, que muito considero e respeito, mas ás suas informações optimistas, de que a situação da fazenda publica corre pelo melhor dos mundos possiveis.
Isto quer dizer que a situação da fazenda publica nunca foi tão grave como hoje, que s. exa. não póde mandar os documentos á camara porque não quer que façamos aqui o estendal das vergonhas por que o paiz tem passado para obter dinheiro atirado pelo governo, em successivas reformas, a numerosos amigos, para trazer diariamente a sua clientella anafada, gorda e satisfeita. (Apoiados.)
Diga-me v. exa., sr. presidente, na sua consciencia do honradissimo portuguez que é, se fica bem, dada a deploravel situação da fazenda publica, votar este augmento de despeza. E honesto, sr. presidente, praticar actos como o sr. ministro da fazenda tem tido necessidade de praticar, que mostram que a situação não póde ser peior, que o credito do thesouro não póde estar mais arrastado e vir no dia seguinte trazer ao parlamento este ou outro projecto que se traduz em augmento de despeza? (Apoiados.)
Pois v. exa. não sabe que o sr. ministro da fazenda para reformar, não ha muito tempo, um credito com uma casa bancaria estrangeira, teve necessidade, alem de empenhar titulos de divida interna, de dar como garantia notas do banco de Portugal, e mais do que isso, sujeitar-se a uma clausula deprimente, pela qual o governo se obrigava a só empenhar notas que correspondessem a uma auctorisação legal, como se o governo portuguez fosse capaz de empenhar notas falsas.
Pergunto se póde ser mais condemnavel o acto pelo qual se propõe pedir ao thesouro mais um augmento de despezar.
Diga-me s. exa. se podemos continuar n'isto que eu chamarei, já não digo a debacle do nosso systema politico, mas a debacle de uma nação que foi gloriosa e rica e que tem tradições, e direito a ser considerada por uma maneira muito diversa.
Eu vou terminar as minhas considerações afirmando a v. exa. que no que tenho dito não me animou nenhum intuito politico. Eu entendo que não é possivel salvar-nos na situação difficil em que nos encontrámos, sem abandonar estes indignissimos processos de trazer ao parlamento propostas que importam augmento consideravel do despeza, para nos entregarmos a reducçõ es consideraveis e profundas nas despezas publicas, não no papel, no orçamento do estado, mas nos serviços publicos.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Correia Mendes (relator): - Declara que, antes de entrar propriamente no assumpto que faz objecto da discussão, carece de levantar uma phrase hontem proferida pelo sr. João Arroyo, phrase que o magoou, não podendo, por isso, sem quebra da sua dignidade, deixal-a sem reparo.
Quando elle, orador, estava ouvindo com toda a attenção o discurso do sr. Arroyo, notou que ao mesmo tempo que s. exa. fazia a declaração de que a opposição acompanhava os deputados regeneradores militares que não discutiam o projecto, annunciava que ia entrar na sua apreciação, o que motivou da sua parte a pergunta innocente, de qual era a verdadeira attitude que a opposição assumia n'esta discussão.
A esta pergunta, dignou se s. exa. responder, dizendo que o fazia por um acto de misericordia. Ora, elle, orador, não veiu a esta camara para receber misericordia de ninguem. De todos precisa e espera lição, principalmente do sr. Arroyo, um dos mais brilhantes ornamentos d'esta casa e da universidade, onde se habitou a admirar o seu formoso talento; mas do ninguem precisa nem quer misericordia.
Está convencido de que o sr. Arroyo não teve intenção de o maguar, porque não está isso nos processos parlamentares, nem pessoaes de s. exa.; mas o illustre deputado, transportando-se aos antigos tempos de Coimbra, não quiz deixar passar este caloiro pela poria ferrea sem canellão; mas deve dizer-lhe que nem mesmo como estudante recebeu canellões, porque era militar, e, por consequencia, não está tambem disposto a recebel-os hoje. A s. exa. portanto, devolve o seu acto de misericordia, e sem agradecimento.
O sr. João Arroyo: - Interrompendo o orador, com sua permissão, agradece-lhe os termos affectuosos em que se lhe dirigiu e explica que não teve o menor intuito de o maguar, porque tem por s. exa. a estima e consideração que lhe merecem as suas distinctas qualidades de trabalho e de talento.
O Orador: - Agradece a explicação, com que dá por findo o incidente, e entrando na apreciação do projecto que defende na qualidade de relator, diz que tanto o sr. Arroyo como o sr. Teixeira de Sousa atacaram o projecto com o fundamento de que elle augmenta a despeza e de que representa o prurido, por parte do sr. ministro da guerra, de obter popularidade facil nas praças de pret.
No seguimento das suas considerações elle, orador, demonstrará que essas accusações não têem fundamento algum.
O sr. Arroyo, reconhecendo que o projecto é justo, e assim o confessou, devia dar-lhe o seu voto; mas, ao contrario, declarou que o rejeitava, porque, nem justo que elle fosse, representava uma desigualdade em relação aos professores de instrucção primaria, que vivem em precarias circumstancias.
Na opinião d'elle, orador, ás praças de pret póde applicar-se a phrase que o grande escriptor, Camillo Castello Branco, applicava aos professores primarios, isto é, que elles morrem com anasarchas de philosophia e leves complicações de fome. As praças de pret não morrem com fome, vivem com fome.
O assumpto do projecto é da mais alta importancia, o preoccupa n'este momento a attenção em todos os paizes.