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SESSÃO N.° 23 DE 19 DE ABRIL DE 1909 5

nharam. Apenas se lhes deu destino differente d'aquelle que a lei ordenava.

Nessa lei foram-se buscar fontes de receita a numerosas origens, criando-se em particular um sêllo novo chamado do fundo dos alienados, a applicar numa multidão de documentos: passaportes, dispensas de casamentos entre consanguineos, diplomas de titulos nobiliarios, licenças para casas de penhores, e por fim os orçamentos annuaes de todas as irrnandades e confrarias, estatutos de associações, etc. Depois pertencia ao fundo de alienados que a lei assim criava uma parte do imposto do sêllo sobre lotarias, todos os valores apprehendidos nas casas de jogo prohibido, metade dos bens dos conventos que se extinguissem depois da promulgação da lei, e por fim uma parte do producto dos trabalhos dos presos. Pois tudo isto se tem recebido e continua a receber e de nada disto se sabe.

Já V. Exa. vê que estas fontes de receita representam alguma cousa de muito consideravel, e as quantias arrecadadas devem estar hoje numa importancia avultada.

Qual é essa importancia? Ignora-se por completo.

Por mais de uma vez se teem feito requerimentos ao Governo para que nos diga em que altura está o fundo dos alienados. Eu mesmo, na sessão passada, tive occasião de fazer um desses requerimentos.

A resposta foi o silencio. O Governo não dá conta dos seus actos ao Parlamento.

E não é por sua vontade que se sabe que o fundo dos alienados deve hoje ascender a uma quantia importante, que esse fundo deve ter tido boa applicação em adeantamentos á Casa Real (Apoiados) e outros fins igualmente interessantes, e que nem 5 réis teem sobrado para melhorar a sorte dos alienados. Por mim, calculo que o fundo dos alienados deve estar em quantia superior a 2:000 contos de réis.

Como disse a V. Exa., o Governo não cumpriu esta obrigação constitucional de dar conta dos seus actos ao Parlamento, e por isso tratei, por modo indirecto, de ver se conseguia apurar alguma cousa a respeito do fundo dos alienados, e alguma cousa me parece ter conseguido.

Em primeiro logar fui estudaria questão da emigração. V. Exa. sabe que pela lei dos alienados em cada passaporte tem de se applicar um sêllo do valor de l$000 réis. Fui á estatistica da emigração e apurei que no periodo que vae de 1890 a 1908 tem havido um movimento de emigração que anda por uma media annual de cêrca de vinte cinco mil emigrantes, o que quer dizer que dessa origem tem entrado no fundo dos alienados uma quantia annual de 25 contos de réis aproximadamente.
Fazendo o calculo sobre os numeros exactos publicados na estatistica da emigração, chega-se, fazendo entrar em linha de conta juros compostos, a um total quasi fabuloso de réis 964:200$400!

Quer dizer que em dezanove annos o Estado tem mettido na sua algibeira um valor de 964 contos de réis. D'esta importancia ha uma certa quantia a deduzir correspondente ao numero de passaportes que são isentos de sêllo, e que são os que se referem aos empregados do Estado ou operarios que saem do país em serviço publico. Mas é evidente que se trata de quantia de pequena monta.

Por outro lado, fui procurar a verba correspondente ao excesso do rendimento do sêllo das lotarias sobre o rendimento de 1887-1888, visto que metade desse excesso pertence ao fundo dos alienados. Somente consta dos relatorios da Santa Casa da Misericordia de Lisboa. Fazendo o calculo de anno para anno chego a quantias que são fabulosas e que V. Exa. e a Camara vão conhecer; o avultado de taes quantias não é de admirar quando nos lembramos que o rendimento que ellas representam veio a cair sobre as lotarias nacionaes num momento em que as lotarias estrangeiras se prohibiam em Portugal, havendo immediatamente por esse facto uma enorme elevação no producto da lotaria nacional.

O resultado a que se chega é que, proveniente das lotarias, o fundo dos alienados deve ter recebido desde 1888-1889 até 1907-1908 a importancia de 438:312$700 réis, calculada a arrecadação a juros simples de 6 por cento ou de 501:623$400 réis, fazendo o calculo a juros compostos.

Juntando as duas verbas: a correspondente aos emigrantes e a correspondente á lotaria chegamos ao seguinte resultado: 1.219:552$700 réis a juros simples, réis 1.465:826$744 réis a juros compostos.

Aqui tem V. Exa. e a Camara como o Estado, somente de duas verbas da lei de Senna, tem recebido nada mais nada menos do que 1:400 e tantos contos de réis, locupletando-se com elles sem que tenha feito a mais pequena applicação aos alienados. Esse dinheiro só pertence aos alienados e o Governo não tem o direito de o guardar nas suas algibeiras, nem ninguem tem o direito de tirar aos alienados o que exclusivamente a elles pertence.

O que se diz do Estado ter dado dinheiro aos alienados é uma historia muito interessante que vou contar.

A lei de 22 de junho de 1898, que transitou por toda a fieira constitucional, mandou applicar, ou antes, entregar ao Hospital de Rilhafolles, sob a administração do Hospital de S. José e Annexos, as quantias do fundo especial que pertencem á hospitalização dos alienados dos districtos do sul do reino e do districto do Funchal, e isto a partir de 1892.

Estas quantias correspondem a pouco mais de 10 contos de réis por anno, e destinam-se, como a Camara está vendo, a ser entregues ao hospital dos alienados. Mas como este hospital está sob a administração do de S. José, vem a ser este quem as tem recebido, quem tem recebido mais de 180 contos de réis, de 1892 até hoje, para as applicar aos alienados de Rilhafolles.

Mas, Sr. Presidente, a lei de 22 de junho de 1898 é infelizmente um ludibrio, um logro, uma artimanha, para dizer muitos qualificativos e evitar o unico verdadeiro e egitimo que não seria parlamentar. Essa lei é simplesmente um bluff!

Pode esse dinheiro ter dado entrada em todos os hospitaes, mas nunca em Rilhafolles. Pode ter tido applicação em todos os hospitaes, menos no de Rilhafolles. O hospital dos doidos é que nem o mais pequeno beneficio recebeu dessa proveniencia.

Falhas de recursos e deficits do Hospital de S. José poderão ter sido saldados com o dinheiro dos alienados; os alienados é que nada lucraram com o que entrou nos cofres do Hospital de S. José.

E hoje o Hospital de Rilhafolles tem a mesma situação que tinha ha muitos annos. Um facto unico bastará para dar a medida do que são os recursos do unico manicomio official que haja montado em Portugal.

O Hospital de Rilhafolles foi regulamentado em 1851 e já então se comprehendia que era um erro a sua annexação ao de S. José, porque em muitas passagens do regulamento de 7 de abril de 1851 se põe a situação como provisoria e se annuncia a desannexação.

Marcou-se então a lotação do hospital em trezentos doentes e para elles se fixaram dois médicos. Um medico para cento e cincoenta doentes. Ora, a população hospitalar tem aumentado a ponto de hoje estar em setecentos e cincoenta doentes, e todavia mantem-se o mesmo numero de medicos! Setecentos e cincoenta doentes para serem tratados por dois medicos apenas! É revelação que por certo deixa assombrada a Camara. (Apoiados).

Mas ha mais ainda. E é que, como as duas divisões sexuaes de Rilhafolles teem uma população muito desigual, quinhentos homens e duzentas e cincoenta mulheres, e como cada divisão tem o seu medico, resulta que em Rilhafolles ha um medico que tem a seu cargo o tratamento de nada menos de quinhentos doentes! Isto é monstruoso. (Apoiados).