O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

É necessario que se tenha uma organização physica como a minha, desculpe a Camara que o diga, para se poder ter debaixo de vista, em tratamento e em vigilancia, quinhentas criaturas humanas doentes de alienação mental!

Este facto não se vê em país algum. (Apoiados).

Em parte alguma se entregam quinhentos doentes á assistencia de um só medico.

isto está fora de tudo que possa ser civilização. Estou certo de que se no Estado Livre do Congo, hoje annexado á Bélgica, se fosse fundar um hospital para alienados, não se entregavam quinhentos doentes a um só medico. Isto chega a ser uma ignominia! (Apoiados).

Veja a Camara como temos recuado. Em 1851 marcavam-se dois medicos para trezentos doentes, hoje são os mesmos dois medicos que se encarregam do. tratamento de setecentos e cincoenta!

São estes os melhoramentos que se teem feito no hospital de Rilhafolles!

Não se venha dizer que os 10 contos de réis que annualmente se destinam ao Hospital de Rilhafolles teem precisamente acudido a esse aumento de população. Porque o que é facto é que a maior parte dos doentes que entram nesse hospital pagam a sua hospitalização. O que é facto é que os doentes que. vêem de fora de Lisboa não podem ser admittidos senão com guias das respectivas camaras municipaes ou misericordias pelas quaes a lei as obriga a tomarem a responsabilidade pelas despesas do tratamento aos doentes que essas guias acompanham á razão de 300 réis por dia e por doente.

Em resumo, a lei de 22 de junho de 1898, que se fez approvar a titulo de beneficio para os alienados, é um verdadeiro ludibrio, e como ludibrio se fez passar pelo Parlamento, que piamente acreditou que o Governo tinha tido um relampejar de consciencia e uma vez tinha chegado a interessar-se pela sorte dos alienados.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, entre muitas outras, as razões que me levaram a elaborar o projecto de lei que tenho a honra de apresentar ao Parlamento e que salvaria a situação se eu pudesse pensar que elle chegaria a transitar por esta casa, que o Governo o deixasse passar.

lima voz: - Talvez tenham medo de lhe cair nas mãos.

O Orador: - Talvez, e pela certa eu devo dizer que, se não hoje, em annos anteriores alguns dos que ali se teem sentado tinham o seu logar marcado em Rilhafolles; não hesito em dizer que alguem, que se sentou naquellas cadeiras, devia ter entrado antes num manicomio.

Isto não é uma accusação. Exactamente porque sei que é um desgraçado que soffre na sua mentalidade, exactamente porque sei que alguem que lhe era superior ainda mais soffria do que elle, eu os quereria ver devidamente acautelados, e quanto mal se não teria poupado a este desgraçado pais!

Sei bem que o meu projecto irá acompanhar o do Sr. Estevam de Vasconcellòs relativo aos accidentes de trabalho, e tantos outros que vão dormir o somno das cousas innopportunas. Mas faço o que devo - Fais cê que dois, advienne ce qui pourra, e eu fico com a consciencia tranquilia de que, occupando este logar no Parlamento, fiz o que o dever me ordenaya. (Apoiados).

Sr. Presidente: o meu projecto de lei garante em primeiro logar o fundo dos alienados.

Garante-o para o presente e garante-o para o futuro, se não é que consiga salvar o passado. E garante-o pela fixação de uma dotação de 140 contos por anno e pela fundação de uma junta de fiscalização e de protecção que vae servir para a gerencia e administração desse fundo.

Ao par d'isto, a junta de protecção vae fazer alguma cousa mais, porque servirá á fiscalização da assistencia

dos alienados e á garantia da liberdade individual. Hoje, com effeito, estamos numa situação em que não só os alienados, mesmo hospitalizados, estão ao abandono de toda a vigilancia do Estado, mas ainda se chega ao ponto de não haver serias garantias para evitar que alguem, com o seu juizo perfeito, seja mettido e detido numa casa de doidos.

Isto anda á vontade e anda á matroca.

Não ha organização nenhuma, quer para os estabelecimentos publicos, quer para as casas de saude, ou hospitaes de alienados, particulares, onde os internamentos se podem fazer e se fazem sem solidas garantias de legitimidade.

O Sr. Affonso Costa: - Casas de sequestração?

O Orador: - Não direi que o sejam, mas podem no ser.

Se amanhã em Rilhafolles eu pensasse em reter alguem indevidamente, poderia fazê-lo com facilidade. Se amanhã fundar uma casa de saude que possa servir a fins criminosos, a sequestrações arbitrarias, e por tempo, indefinida, poderei fazê-lo, porque nenhuma fiscalização mo virá impedir.

As casas de saude não dão absolutamente nenhuma garantia aos poderes publicos da sua seriedade para se fundarem, visto que não precisam mais do que de uma simples licença dos governos, civis e a sua fiscalização por parte dos poderes publicos é nulla.

É por todas estas razões que no, projecto que tenho a honra de apresentar crio a junta de assistencia, servindo em primeiro logar para administrar os fundos destinados aos alienados e em segundo logar á fiscalização da sua assistencia, do modo como são tratados, e finalmente para garantir a liberdade do cidadão, hoje tanto em perigo pela completa passividade do Estado.

Por este meu projecto faz-se tambem a desannexação de RilhafoUes do Hospital de S. José; isto representa um trabalho extraordinario, para quem tenha a seu cargo a, direcção plena do hospital de alienados, mas não se comprehende que haja um estabelecimento comportando em media 700 pessoas e cuja direcção technica pertença, a uma parte e a administrativa a outra. Para a boa direcção dos serviços: de um hospital de alienados é essencial a sua completa autonomia, e tanto é assim que é a pratica corrente nos países adeantados. Uma tal autonomia não tem nada que ver com a constituição politica, do pais, porquanto não ha país da Europa civilizada em. que a constituição politica seja mais proxima da autocracia do que a Allemanha, e ahi os hospitaes de alienados teem a maxima independencia.

E o mesmo succede na Inglaterra e nos Estados Unidos.

São esses os paises, Sr. Presidente, em que a hospitalização dos alledados maiores cuidados tem merecido ao Estado; e porque em todos elles a autonomia hospitalar é a regra invariavel, os estabelecimentos teem chegado a um grau de riqueza, de conforto, e até de luxo que deixa assombrado a quem os visita.

A nossa hospitalização é pelo contrario a maior miseria. Tenha V. Exa. a certeza, Sr. Presidente, de que, se nos sertões da Africa se fizesse a hospitalização de alienados, ella estaria mais proxima dá nossa do que a nossa está da hospitalização da Allemanha, Inglaterra, ou Estados Unidos.

Ao lado dessas e outras disposições, uma ha do maior interesse para o país, não só pelo que traria de beneficio aos alienados, mas ainda porque serviria a dar uma pintura de civilização á nossa organização administrativa, serviria para fingir ao menos que somos um país civilizado. Proponho no meu projecto que se crie uma cadeira de