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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

23.ª SESSÃO

EM 19 DE ABRIL DE 1909

SUMMARIO. - Lida e approvada a acta, dá-se conta do expediente. - O Sr. Presidente propõe que sobre a applicação do artigo 142.° do regimento dê seu parecer a respectiva commissão. - O Sr. Ernesto de Vilhena pede a palavra para tratar de dois negocios, sobre cuja urgencia é consultada a Camara, que a rejeita. - O Sr. Miguel Bombarda usa da palavra sobre hospitalização de alienados, justificando um projecto que apresenta acêrca do assunto. - Os Srs. José Jardim, Magalhães Ramalho, Queiroz Velloso e Affonso Costa, enviam para a mesa requerimentos, pedindo documentos por vários Ministerios.

Na ordem do dia, primeira parte (discussão do incidente sobre o emprestimo de 4:000 contos de réis, garantidos com os fundos dos caminhos de ferro), fala o Sr. Archer da Silva. - O Sr. Pereira Cardoso requer se consulte a Camara sobre se julga suficientemente discutida a materia.- É approvado este requerimento. - O Sr. Lourenço Cayolla retira a moção que havia apresentado. - O Sr. João de Menezes requer que seja nominal a votação apresentada pelo Sr. Brito Camacho. - É rejeitada por 56 votos contra 34. - Interrompida a sessão ás 5 horas da tarde, por não se achar presente o Governo, é ella reaberta meia hora depois. - O Sr. Moreira de Almeida pede a palavra para tratar de um negocio, cuja urgência a Camara rejeita.

Na segunda parte da ordem do dia usa. da palavra o Sr. Carlos Ferreira sobre as declarações do Governo. - O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho) communicater recebido um telegramma com o texto integral do acordo celebrado com o Governo do Transvaal, esperando poder apresentá-lo á Camara na proxima sessão. - O Sr. Claro da Ricca começa a responder ao Sr. Carlos Ferreira, mas, dada a hora de se encerrar a sessão, pede para ficar com a palavra reservada. - Por ultimo, usam da palavra para explicações os Srs. Ministros das Obras Publicas (D. Luis de Castro), o Sr. Archer da Silva e o Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco).

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.:

João José Sinel de Cordes
Antonio Augnsto Pereira Cardoso

Primeira chamada - Ás 2 horas e 30 minutos da tarde.

Presentes - 11 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 horas e 45 minutos da tarde.

Presentes - 60 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Matos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio de Macedo Ramaiho Ortigão, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sergio da Silva e Castro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Augusto Cesar Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Conde de Paçô-Vieira, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Francisco Miranda da Costa Lobo, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Correia Botelho Castello Branco, João Duarte de Menezes, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João de Sousa Calvet de Magalhães, Joaquim Anselmo da Mata Oliveira, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Joaquim Mattoso da Camara, José de Ascensão Guimarães, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Estevam de Vasconcellos, José Joaquim Mendes Leal, José Julio Vieira Ramos, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Queiroz Velloso, José Mathias Nunes, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel de Brito Camacho, Manuel Telles de Vasconcellos, Miguel Augusto Bombarda, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomas de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde de Villa Moura.

Entraram durante a sessão os Srs.: Affonso Augusto da Costa, Alexandre Correia Telles de. Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramaiho, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Ribeiro, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Conde de Arrochella, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Carlos de Mello Barreto, João Henrique Ulrich, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, Jorge Vieira, José Augusto Moreira de Almeida, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim da Silva Amado, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Malheiro Reymão, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Filippe de Castro (D.), Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Nunes da Silva, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Thomas de Aquino de Almeida Garrett, Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.

Não compareceram a sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro Rodrigues Valdez Penalva, Alberto Charula Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio José de Almeida, Antonio Rodrigues da Costa da Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Eduardo Burnay, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Cabral Metello, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João Feliciano Marques Pereira, João José da Silva Ferreira Netto, João Pereira de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira de Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Caetano Rebello, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Mattos, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis da Gama, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Visconde de Reguengo Jorge, Visconde da Torre.

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SESSÃO N.º 23 DE 19 DE ABRIL DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Parece-me que não ha numero sufficiente para a Camara poder funccionar. Requeiro por isso a contagem.

O Sr. Presidente: - Responderam á chamada 60 Srs. Deputados.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Mas agora não estão na sala.

Requeiro a contagem.

O Sr. Presidente: - Vou satisfazer o requerimento de V. Exa.

Procede-se á contagem.

O Sr. Presidente: - Estão na sala 58 Srs. Deputados; ha portanto numero para a Camara poder funccionar.

Acta - Apprpvada.

Lê-se o seguinte

EXPEDIENTE

Officio

Do Ministerio dos Negocios Estrangeiros, remettendo 180 exemplares do fasciculo n.° 12 do Boletim Commercial, para serem distribuidos pelos Srs. Deputados.

Para a secretaria.

Varios Srs. Deputados pedem a palavra.

O Sn Ernesto Vilhena:-Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para antes da ordem do dia vou ler a proposta que mandarei á commissão do regimento.

Proposta

Tendo-se suscitado duvidas sobre se a doutrina do artigo 142.°-do regimento desta Camara é applicavel á consulta que me é facultada pela ultima parte do § unico do artigo 62.° do mesmo regimento: proponho que a commissão do regimento e disciplina dê o seu parecer sobre a applicação que, porventura, possa ter o consignado no artigo 142.° do regimento ás consultas feitas á Camara no uso. da faculdade que me confere a ultima parte do § unico do artigo 62.º do citado regimento. = O Presidente da Camara, Mendes Leal.

Até que a commissão dê o seu parecer, concederei sempre votação nominal, na ordem do dia, se algum Sr. Deputado a pedir, sobre qualquer negocio urgente.

Como desejo ser exclusivamente um executor fiel e honrado do regimento, affirmo que não tomarei nunca como desconsideração politica para mim um parecer que se não conforme com o meu modo de ver.

Seja qual for o parecer da commissão, acatá-lo-hei e não me julgarei com isso melindrado.

Como não está constituida a commissão, vou convocá-la para que se constitua e dê o parecer quando quiser e como entender.

A proposta fica para segunda leitura.

(Pausa).

Peco agora ao Sr. Deputado Ernesto de Vilhena o favor de vir communicar á mesa o negocio urgente de que deseja occupar-se.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - O negocio urgente de que o Sr. Ernesto de Vilhena deseja occupar-se é o seguinte:

Negocio urgente

Desejo interrogar o Governo sobre a noticia, dada pela imprensa, dê que um comicio realizado em Cantão adoptara resoluções tendentes a reclamar do Governo Chinês a retrocessão de Macau á China. = Ernesto Jardim de Vilhena.

Consultada a Camara, foi rejeitada a urgencia por 50 Srs. Deputados e approvada por 27.

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Peço a palavra para outro negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido S. Exa. a vir á mesa declarar o negocio urgente de que deseja tratar.

(Pausa).

O negocio urgente de que o Sr. Ernesto de Vilhena deseja occupar-se é o seguinte:

Negocio urgente

Desejo interrogar o Governo sobre a boycottage do cacau de S. Thomé, que se está organizando em Inglaterra, e a campanha de descrédito ali levantada a nosso respeito. = Ernesto Jardim de Vilhena.

Consultada a Camara, foi rejeitada a urgencia por 57 votos e approvada por 26.

O Sr. Miguel Bombarda: - Sr. Presidente: nomeio desta agitação que tem invadido o país inteiro, no meio deste sobresalto em que estamos vivendo e em que até anda arriscada a nossa nacionalidade, no meio de toda esta inquietação, pareceria que vir tratar serenamente de negocios de administração publica em que o país, no ponto de vista da sua civilização, está caído miseravelmente em comparação com todos os países da Europa, pareceria, dever ser um momento de repouso, uma fase de tranquillização para os espiritos, uma demora nos negocios inquietadores que nos agitam a todos; infelizmente, porem, o assunto de que vou tratar é da categoria d'aquelles que, em logar de produzirem uma acalmação momentanea, veem trazer mais lenha para a fogueira e demonstrar mais uma vez o que tem sido a administração publica em Portugal de ha 80 annos para cá (Apoiados); é assunto que vem mais uma vez fazer a demonstração evidente, e com o pormenor de se juntar a tantos factos graves e escandalosos que nos estão a inquietar, do que tem sido a corrupção administrativa do país inteiro, especialmente nos ultimos 30 ou 40 annos. (Apoiados).

Andamos a clamar contra tantas cousas graves que se levantam a todos os momentos, formulando accusações definidas que teem levado a agitação ao espirito do povo e posto em relevo o que teem sido os governos que teem presidido aos destinos do pais; andamos a clamar contra os escandalosos adeantamentos que se teem feito com a simultanea exploração da algibeira do contribuinte 5 e estamos agora em outro negocio de adeantamentos, em que não é o Rei que se adeanta com os dinheiros do Estado, mas é o Estado que se adeanta com dinheiros que lhe não pertencem, que tem andado ha 20 annos a recolher e terá empregado em quantas applicações tem querido, incluindo

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adeantamentos, sem que nunca pensasse em dar-lhes a applicação rigorosa marcada pela lei. (Apoiados).

Sr. Presidente: é um negocio deploravel, este, porque se trata de miseraveis, de desgraçados, e sobretudo de uma nota de civilização que nos falta por completo, e que por isso, na Europa inteira, nos faz estar a par do país mais atrasado, a Turquia, porque na Europa inteira não conheço senão esse país, que se possa equiparar ao nosso no f ponto de vista da assistencia de alienados.

É com effeito dos alienados que vou tratar neste momento.

Como disse a V. Exa., a verdade é que em 80 annos de Governo parlamentar o país não tem tido senão a figuração de Governo parlamentar; a verdade é que nos não somos um Parlamento e na organização constitucional não vamos alem de uma figura decorativa de cujos votos e opiniões se faz o caso que no momento se quer fazer; o país não tem sido governado senão pelo arbitrio; as nossas leis são consideradas ou não como os governos querem; o verdadeiro e unico poder neste país senta-se naquellas cadeiras; o poder legislativo é uma ficção; o Parlamento pode ter quantas iniciativas quiser, que ellas serão abortadas se não forem por outro lado trabalhadas pelos bastidores e á custa de processos politicos que não são dignos nem estão á altura da civilização de um país.

A lei cumpre-se conforme os Ministros querem; se as leis lhes agradam ainda se executam, mas se lhes não conveem põem-se á margem com o maior dos cynismos, porque chega a haver leis em que a parte util para os Governos é aproveitada e applicada, lançando-se ao esquecimento aquella que possa representar encargos e obrigações; desfaz-se uma lei em duas para aproveitar a parte que convem deitando a outra para o caixote do lixo.

Perguntava o outro dia um illustre membro do partido dissidente o que tem feito o Sr. José Luciano dê Castro em 50 annos de politica, e eu perguntarei, em mais amplo rasgo, o que tem feito a Monarchia Constitucional em 80 annos de existencia?

O que tem feito, é que no ponto de vista economico estamos desgraçados, porque temos uma divida que é superior ás nossas forcas, uma divida que attinge hoje a perto de 900:000 contos de réis, e com todo esse dinheiro que se tem desperdiçado, os serviços publicos estão caídos no maximo abandono; todos os serviços publicos que representam para a civilização uma condição obrigatoria acham-se completamente desprezados.

Eu perguntarei qual é a situação da instrucção publica do nosso país?

A instrucção publica está reduzida á extrema miseria no fim de 80 annos de chamada liberdade, e estamos chegados ao ponto de sermos o povo mais atrasado em toda a Europa civilizada, pois a nossa percentagem de analfabetos anda por perto de 80 (Apoiados), ao passo que noa países do norte algumas unidades apenas representam a percentagem do analfabetismo.

E, a par da instrucção primaria, que por escarneo se diz obrigatoria e gratuita, está a instrucção superior, não menos miseravel do que a instrucção primaria.

Portugal, como organização do ensino superior, está atrás de todos os países da Europa, da America do norte e do Brasil. Não ha laboratorios, não ha trabalhos práticos, emfim, não ha nada d'aquillo que aos outros países lhes dá o cunho de civilização. Nem fazemos sciencia, nem temos com que ensinar sciencia.

Ao lado da instrucção superior, vem logo a organização e sobretudo a pratica da hygiene publica; os nossos regulamentos de saude publica são excellentes, não ha duvida, mas teem este pequenino defeito de não passarem do papel. A execução é o abandono, porque começa logo pela deficiencia do material indispensavel no combate das epidemias.

Qual é, por exemplo, a cidade do continente português, á excepção de Lisboa e Porto, que possua sequer esta cousa insignificante que é um posto de desinfecção?

Com a assistencia publica ainda peor, porque essa nem sequer no papel está organizada.

Quanto se não poderia ter feito com tão importantes sommas que teem ido pela janela fora! No que só temos prosperado é em corrupção, que essa está espalhada pelo país inteiro, a mais nefanda corrupção que tem sido fomentada pelos governos e que não dá somente a estes o poder de perturbarem quanto possa estar organizado, mas a todo aquelle que tenha nas mãos um vislumbre de autoridade. Governos e burocracia são as grandes forças do Estado português.

Não se me foi, porem, a esperança de assistir a um resurgimento do país. Muito pensei que seria este factor biologico por excellencia, o meio, o clima, o sol radiante, o ceu azul, o causador essencial, se não exclusivo, da nossa molleza, da nossa imprevidencia, do nosso descurar de todas as questões serias e vitaes, que fosse elle o obstaculo insuperavel a toda a marcha progressiva.

Era a perda de toda a esperança.

Mas ao ver como uma raça irmã da nossa, vivendo em condições de meio physico ainda mais extenuantes, soube um dia resurgir para o progresso e para a civilização, e em poucos annos tornar-se um país glorioso entre povos civilizados, a minha fé renasceu: e em presença do movimento popular a que assistimos, começa o nosso coração a encher-se da doce esperança de que este povo saberá, pela imposição da sua vontade soberana, entrar francamente numa era de prosperidades. (Apoiados).

Á questão dos alienados em Portugal é a demonstração frisante, é a synthese brutal do que teem sido Governos nesta terra.

A nossa assistencia de alienados é hoje ainda uma cousa ignominiosa. Comparando-se Portugal com povos adeantados, encontramo-nos em presença de um constraste de numeros que nos enche as faces de vergonha. Não temos mais que dois hospitaes de alienados, abrigando 1:160 doentes, o que dá uma proporção de 1 alienado hospitalizado para 4:592 habitantes.

Pois na Allemanha a proporção é de 1 para 945 habitantes, no Estado de Nova York de 1 para 348, na Inglaterra e país de Galles de 1 para 299, e finalmente na cidade de Londres de 1 para 192! Estes numeros dizem tudo. Em Portugal quasi que se, não conece o que seja hospitalizarem-se doidos.

Nem era precisa esta comparação de numeros. Bastaria ver o que se passa por esse país fora em questão de doidos, como elles andam ao abandono por essas terras ou como os guardam pelas cadeias, sem qualquer tratamento, e apenas para defesa contra os seus maleficios, bastaria ver isso para reconhecer como vivemos em país selvagem e como não houve nunca um movimento de consciencia que levasse a applicar em assistencia de alienados umas migalhas d'aquelles 900:000 contos de réis, que são a divida que nos esmaga, ou que fizesse applicar utilmente um pouco das sommas que se extraem de contribuições que não menos nos esmagam.

Os alienados vivem por esse país como se fossem criminosos: enclausurados pelas cadeias, onde chega a haver homicidios por elles praticados, ou acorrentados nos escuros desvãos da casa familiar ou ainda a monte por essas terras fora.

Foi esta situação miseranda que levou o mallogrado Antonio Maria de Senna a trabalhar por uma lei de assistencia dos alienados, que elle conseguiu arrancar ao Parlamento. E a lei de 4 de julho de 1889.

A lei de Antonio Maria de Senna manda proceder, por meio de emprestimos, á construcção de hospitaes de alienados em Lisboa, Porto e Coimbra - e esses hospitaes nunca se construiram, - e manda por outro lado recolher receitas a isso destinadas, - e essas receitas não se desde-

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nharam. Apenas se lhes deu destino differente d'aquelle que a lei ordenava.

Nessa lei foram-se buscar fontes de receita a numerosas origens, criando-se em particular um sêllo novo chamado do fundo dos alienados, a applicar numa multidão de documentos: passaportes, dispensas de casamentos entre consanguineos, diplomas de titulos nobiliarios, licenças para casas de penhores, e por fim os orçamentos annuaes de todas as irrnandades e confrarias, estatutos de associações, etc. Depois pertencia ao fundo de alienados que a lei assim criava uma parte do imposto do sêllo sobre lotarias, todos os valores apprehendidos nas casas de jogo prohibido, metade dos bens dos conventos que se extinguissem depois da promulgação da lei, e por fim uma parte do producto dos trabalhos dos presos. Pois tudo isto se tem recebido e continua a receber e de nada disto se sabe.

Já V. Exa. vê que estas fontes de receita representam alguma cousa de muito consideravel, e as quantias arrecadadas devem estar hoje numa importancia avultada.

Qual é essa importancia? Ignora-se por completo.

Por mais de uma vez se teem feito requerimentos ao Governo para que nos diga em que altura está o fundo dos alienados. Eu mesmo, na sessão passada, tive occasião de fazer um desses requerimentos.

A resposta foi o silencio. O Governo não dá conta dos seus actos ao Parlamento.

E não é por sua vontade que se sabe que o fundo dos alienados deve hoje ascender a uma quantia importante, que esse fundo deve ter tido boa applicação em adeantamentos á Casa Real (Apoiados) e outros fins igualmente interessantes, e que nem 5 réis teem sobrado para melhorar a sorte dos alienados. Por mim, calculo que o fundo dos alienados deve estar em quantia superior a 2:000 contos de réis.

Como disse a V. Exa., o Governo não cumpriu esta obrigação constitucional de dar conta dos seus actos ao Parlamento, e por isso tratei, por modo indirecto, de ver se conseguia apurar alguma cousa a respeito do fundo dos alienados, e alguma cousa me parece ter conseguido.

Em primeiro logar fui estudaria questão da emigração. V. Exa. sabe que pela lei dos alienados em cada passaporte tem de se applicar um sêllo do valor de l$000 réis. Fui á estatistica da emigração e apurei que no periodo que vae de 1890 a 1908 tem havido um movimento de emigração que anda por uma media annual de cêrca de vinte cinco mil emigrantes, o que quer dizer que dessa origem tem entrado no fundo dos alienados uma quantia annual de 25 contos de réis aproximadamente.
Fazendo o calculo sobre os numeros exactos publicados na estatistica da emigração, chega-se, fazendo entrar em linha de conta juros compostos, a um total quasi fabuloso de réis 964:200$400!

Quer dizer que em dezanove annos o Estado tem mettido na sua algibeira um valor de 964 contos de réis. D'esta importancia ha uma certa quantia a deduzir correspondente ao numero de passaportes que são isentos de sêllo, e que são os que se referem aos empregados do Estado ou operarios que saem do país em serviço publico. Mas é evidente que se trata de quantia de pequena monta.

Por outro lado, fui procurar a verba correspondente ao excesso do rendimento do sêllo das lotarias sobre o rendimento de 1887-1888, visto que metade desse excesso pertence ao fundo dos alienados. Somente consta dos relatorios da Santa Casa da Misericordia de Lisboa. Fazendo o calculo de anno para anno chego a quantias que são fabulosas e que V. Exa. e a Camara vão conhecer; o avultado de taes quantias não é de admirar quando nos lembramos que o rendimento que ellas representam veio a cair sobre as lotarias nacionaes num momento em que as lotarias estrangeiras se prohibiam em Portugal, havendo immediatamente por esse facto uma enorme elevação no producto da lotaria nacional.

O resultado a que se chega é que, proveniente das lotarias, o fundo dos alienados deve ter recebido desde 1888-1889 até 1907-1908 a importancia de 438:312$700 réis, calculada a arrecadação a juros simples de 6 por cento ou de 501:623$400 réis, fazendo o calculo a juros compostos.

Juntando as duas verbas: a correspondente aos emigrantes e a correspondente á lotaria chegamos ao seguinte resultado: 1.219:552$700 réis a juros simples, réis 1.465:826$744 réis a juros compostos.

Aqui tem V. Exa. e a Camara como o Estado, somente de duas verbas da lei de Senna, tem recebido nada mais nada menos do que 1:400 e tantos contos de réis, locupletando-se com elles sem que tenha feito a mais pequena applicação aos alienados. Esse dinheiro só pertence aos alienados e o Governo não tem o direito de o guardar nas suas algibeiras, nem ninguem tem o direito de tirar aos alienados o que exclusivamente a elles pertence.

O que se diz do Estado ter dado dinheiro aos alienados é uma historia muito interessante que vou contar.

A lei de 22 de junho de 1898, que transitou por toda a fieira constitucional, mandou applicar, ou antes, entregar ao Hospital de Rilhafolles, sob a administração do Hospital de S. José e Annexos, as quantias do fundo especial que pertencem á hospitalização dos alienados dos districtos do sul do reino e do districto do Funchal, e isto a partir de 1892.

Estas quantias correspondem a pouco mais de 10 contos de réis por anno, e destinam-se, como a Camara está vendo, a ser entregues ao hospital dos alienados. Mas como este hospital está sob a administração do de S. José, vem a ser este quem as tem recebido, quem tem recebido mais de 180 contos de réis, de 1892 até hoje, para as applicar aos alienados de Rilhafolles.

Mas, Sr. Presidente, a lei de 22 de junho de 1898 é infelizmente um ludibrio, um logro, uma artimanha, para dizer muitos qualificativos e evitar o unico verdadeiro e egitimo que não seria parlamentar. Essa lei é simplesmente um bluff!

Pode esse dinheiro ter dado entrada em todos os hospitaes, mas nunca em Rilhafolles. Pode ter tido applicação em todos os hospitaes, menos no de Rilhafolles. O hospital dos doidos é que nem o mais pequeno beneficio recebeu dessa proveniencia.

Falhas de recursos e deficits do Hospital de S. José poderão ter sido saldados com o dinheiro dos alienados; os alienados é que nada lucraram com o que entrou nos cofres do Hospital de S. José.

E hoje o Hospital de Rilhafolles tem a mesma situação que tinha ha muitos annos. Um facto unico bastará para dar a medida do que são os recursos do unico manicomio official que haja montado em Portugal.

O Hospital de Rilhafolles foi regulamentado em 1851 e já então se comprehendia que era um erro a sua annexação ao de S. José, porque em muitas passagens do regulamento de 7 de abril de 1851 se põe a situação como provisoria e se annuncia a desannexação.

Marcou-se então a lotação do hospital em trezentos doentes e para elles se fixaram dois médicos. Um medico para cento e cincoenta doentes. Ora, a população hospitalar tem aumentado a ponto de hoje estar em setecentos e cincoenta doentes, e todavia mantem-se o mesmo numero de medicos! Setecentos e cincoenta doentes para serem tratados por dois medicos apenas! É revelação que por certo deixa assombrada a Camara. (Apoiados).

Mas ha mais ainda. E é que, como as duas divisões sexuaes de Rilhafolles teem uma população muito desigual, quinhentos homens e duzentas e cincoenta mulheres, e como cada divisão tem o seu medico, resulta que em Rilhafolles ha um medico que tem a seu cargo o tratamento de nada menos de quinhentos doentes! Isto é monstruoso. (Apoiados).

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É necessario que se tenha uma organização physica como a minha, desculpe a Camara que o diga, para se poder ter debaixo de vista, em tratamento e em vigilancia, quinhentas criaturas humanas doentes de alienação mental!

Este facto não se vê em país algum. (Apoiados).

Em parte alguma se entregam quinhentos doentes á assistencia de um só medico.

isto está fora de tudo que possa ser civilização. Estou certo de que se no Estado Livre do Congo, hoje annexado á Bélgica, se fosse fundar um hospital para alienados, não se entregavam quinhentos doentes a um só medico. Isto chega a ser uma ignominia! (Apoiados).

Veja a Camara como temos recuado. Em 1851 marcavam-se dois medicos para trezentos doentes, hoje são os mesmos dois medicos que se encarregam do. tratamento de setecentos e cincoenta!

São estes os melhoramentos que se teem feito no hospital de Rilhafolles!

Não se venha dizer que os 10 contos de réis que annualmente se destinam ao Hospital de Rilhafolles teem precisamente acudido a esse aumento de população. Porque o que é facto é que a maior parte dos doentes que entram nesse hospital pagam a sua hospitalização. O que é facto é que os doentes que. vêem de fora de Lisboa não podem ser admittidos senão com guias das respectivas camaras municipaes ou misericordias pelas quaes a lei as obriga a tomarem a responsabilidade pelas despesas do tratamento aos doentes que essas guias acompanham á razão de 300 réis por dia e por doente.

Em resumo, a lei de 22 de junho de 1898, que se fez approvar a titulo de beneficio para os alienados, é um verdadeiro ludibrio, e como ludibrio se fez passar pelo Parlamento, que piamente acreditou que o Governo tinha tido um relampejar de consciencia e uma vez tinha chegado a interessar-se pela sorte dos alienados.

Aqui tem V. Exa., Sr. Presidente, entre muitas outras, as razões que me levaram a elaborar o projecto de lei que tenho a honra de apresentar ao Parlamento e que salvaria a situação se eu pudesse pensar que elle chegaria a transitar por esta casa, que o Governo o deixasse passar.

lima voz: - Talvez tenham medo de lhe cair nas mãos.

O Orador: - Talvez, e pela certa eu devo dizer que, se não hoje, em annos anteriores alguns dos que ali se teem sentado tinham o seu logar marcado em Rilhafolles; não hesito em dizer que alguem, que se sentou naquellas cadeiras, devia ter entrado antes num manicomio.

Isto não é uma accusação. Exactamente porque sei que é um desgraçado que soffre na sua mentalidade, exactamente porque sei que alguem que lhe era superior ainda mais soffria do que elle, eu os quereria ver devidamente acautelados, e quanto mal se não teria poupado a este desgraçado pais!

Sei bem que o meu projecto irá acompanhar o do Sr. Estevam de Vasconcellòs relativo aos accidentes de trabalho, e tantos outros que vão dormir o somno das cousas innopportunas. Mas faço o que devo - Fais cê que dois, advienne ce qui pourra, e eu fico com a consciencia tranquilia de que, occupando este logar no Parlamento, fiz o que o dever me ordenaya. (Apoiados).

Sr. Presidente: o meu projecto de lei garante em primeiro logar o fundo dos alienados.

Garante-o para o presente e garante-o para o futuro, se não é que consiga salvar o passado. E garante-o pela fixação de uma dotação de 140 contos por anno e pela fundação de uma junta de fiscalização e de protecção que vae servir para a gerencia e administração desse fundo.

Ao par d'isto, a junta de protecção vae fazer alguma cousa mais, porque servirá á fiscalização da assistencia

dos alienados e á garantia da liberdade individual. Hoje, com effeito, estamos numa situação em que não só os alienados, mesmo hospitalizados, estão ao abandono de toda a vigilancia do Estado, mas ainda se chega ao ponto de não haver serias garantias para evitar que alguem, com o seu juizo perfeito, seja mettido e detido numa casa de doidos.

Isto anda á vontade e anda á matroca.

Não ha organização nenhuma, quer para os estabelecimentos publicos, quer para as casas de saude, ou hospitaes de alienados, particulares, onde os internamentos se podem fazer e se fazem sem solidas garantias de legitimidade.

O Sr. Affonso Costa: - Casas de sequestração?

O Orador: - Não direi que o sejam, mas podem no ser.

Se amanhã em Rilhafolles eu pensasse em reter alguem indevidamente, poderia fazê-lo com facilidade. Se amanhã fundar uma casa de saude que possa servir a fins criminosos, a sequestrações arbitrarias, e por tempo, indefinida, poderei fazê-lo, porque nenhuma fiscalização mo virá impedir.

As casas de saude não dão absolutamente nenhuma garantia aos poderes publicos da sua seriedade para se fundarem, visto que não precisam mais do que de uma simples licença dos governos, civis e a sua fiscalização por parte dos poderes publicos é nulla.

É por todas estas razões que no, projecto que tenho a honra de apresentar crio a junta de assistencia, servindo em primeiro logar para administrar os fundos destinados aos alienados e em segundo logar á fiscalização da sua assistencia, do modo como são tratados, e finalmente para garantir a liberdade do cidadão, hoje tanto em perigo pela completa passividade do Estado.

Por este meu projecto faz-se tambem a desannexação de RilhafoUes do Hospital de S. José; isto representa um trabalho extraordinario, para quem tenha a seu cargo a, direcção plena do hospital de alienados, mas não se comprehende que haja um estabelecimento comportando em media 700 pessoas e cuja direcção technica pertença, a uma parte e a administrativa a outra. Para a boa direcção dos serviços: de um hospital de alienados é essencial a sua completa autonomia, e tanto é assim que é a pratica corrente nos países adeantados. Uma tal autonomia não tem nada que ver com a constituição politica, do pais, porquanto não ha país da Europa civilizada em. que a constituição politica seja mais proxima da autocracia do que a Allemanha, e ahi os hospitaes de alienados teem a maxima independencia.

E o mesmo succede na Inglaterra e nos Estados Unidos.

São esses os paises, Sr. Presidente, em que a hospitalização dos alledados maiores cuidados tem merecido ao Estado; e porque em todos elles a autonomia hospitalar é a regra invariavel, os estabelecimentos teem chegado a um grau de riqueza, de conforto, e até de luxo que deixa assombrado a quem os visita.

A nossa hospitalização é pelo contrario a maior miseria. Tenha V. Exa. a certeza, Sr. Presidente, de que, se nos sertões da Africa se fizesse a hospitalização de alienados, ella estaria mais proxima dá nossa do que a nossa está da hospitalização da Allemanha, Inglaterra, ou Estados Unidos.

Ao lado dessas e outras disposições, uma ha do maior interesse para o país, não só pelo que traria de beneficio aos alienados, mas ainda porque serviria a dar uma pintura de civilização á nossa organização administrativa, serviria para fingir ao menos que somos um país civilizado. Proponho no meu projecto que se crie uma cadeira de

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SESSÃO N.° 23 DE 19 DE ABRIL DE 1909 7

psychiatria. Não existe em Portugal uma cadeira de psychiatria, não ha nas nossas escolas onde se ensine a medicina mental!

Esta falta é a vergonha das vergonhas. (Apoiados).

Das escolas medicas saem os estudantes sem ter sequer visto um alienado, sem que tenham recebido a mais pequena noção de medicina mental. E vêem cá fora fazer a sua clinica sem que possam ou saibam tratar com consciencia os alienados para que sejam chamados e que assim, abandonados ao seu mal quando o tratamento pode ter mais efficacia acabam ordinariamente por se tornar incuraveis. E ainda mais, Sr. Presidente, a esses medicos, a, quem o Estado recusou qualquer ensino da psychiatria, é o mesmo Estado que exige os conhecimentos especiaes, quando os chama, por exemplo, para fazer obra de peritos perante os tribunaes. E quantas vezes a honra, a vida e a fortuna de um cidadão e até de uma familia estão, na exclusiva dependencia de um exame pericial!

E em contraposição a esta desgraçada situação ahi temas toda a Europa civilizada e não civilizada, toda a Europa á exclusão da Turquia, em cujos cursos de medicina não falta o ensino da psychiatria.

Eram estas as considerações que tinha que fazer ao apresentar o meu projecto de lei, mas antes de o passar a ler, ainda quero accentuar bem que o fundo dos alienados deve attingir hoje uma somma consideravel, que eu julgo calcular muito certamente num minimo de 2:000 contos de réis.

É preciso que o Estado entregue tudo o que tem recebido e indevidamente tem retido.

A situação presente é indecorosa e mostra mais uma: vez que o país está em tal estado de corrupção que: parece que até se faz gala em negocios de adeantamentos.

Lar de cima adeantam-se com o Estado. O Estado adeanta-se com os doidos. E por fim o Hospital de S. José vae-se tranquillamente adeantanio com a que exclusivamente pertence ao hospital de Rilhafolles. Veja; a Camara se-ha situação mais extraordinaria. Dm plena regime de adeantamentos!

Portanto o Estado tem de. repor o dinheiro que tirou, aos alienados. Essa quantia, com os respectivos juros, tem de ser entregue. Não ha ninguem que tenha direito de ficar com esse dinheiro, que pertence aos alienados. (Apoiados).

O Governo e o Parlamento poderão fazer tudo quanto, quiserem para o futuro, poderão fazer novas leis4 privando os alienados dos rendimentos que lhes pertencem. O que ninguem pode é distrahir da sua; applicação as importancias já recebidas, o que ninguem pode é ficar com o dinheiro até agora arrecadado para os alienados, e que aos alienados pertence. (Apoiados).

O Sr. Presidente: - Faltam cinco minutos, para se entrar na ordem da dia.

O Orador: - Peço a V. Exa. que faça distribuir pelos Sm Deputados, o projecto impresso que mandei para a mesa. (Vozes: - Muito bem).

O Orador: - Passo a ler o meu projecto. (Leu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

O Orador (interrompendo a leitura): - V. Exa. sabe que é obrigatoria, a leitura por isso desejava conclui-la.

O Sr. Presidente: - Eu vou consultar a Camara sobre se permitte; que V. Exa. termine a Leitura.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, queira V. Exa. continuar.

O Orador: - Muito agradecido a V. Exa. e á Camara. (Continua a ler).

O Sr. Presidente: - O projecto do Sr. Deputado; Miguel Bombarda ficou para segunda leitura.

Convido os Srs. Deputados que tiverem papeis a apresentar a enviá-los para a mesa.

O Sr. José Jardim: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, com a maior urgencia, me seja enviada, pela Direcção Geral dos Negocios Ecclesiasticos, copia de todo o processo (incluindo a informação do Sr. Bispo Conde) relativo a um pedido para a divisão da freguesia de Quiaios, concelho de Figueira da Foz, em duas freguesias, ama com sede em Quiaios e outra com sede no Bom Successo. = José Jardim.

Mandou-se expedir.

O Sr. Magalhães Ramalho:- Envio para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pela Secretaria de Estado dos Negocios, da Guerra, me seja enviado o projecto de organização do exercito elaborado pelo Supremo Conselho de Defesa Nacional, que serviu de base á proposta de reorganização da exercito apresentado nesta Camara; na actual sessão pela Sr. Ministro da Guerra. = Magalhães Ramalho.

Mandou-se expedir.

O Sr. Queiroz Velloso: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo Ministerio da Marinha, e com toda a urgencia, me seja enviada a copia do relatoria que durante o mês de janeiro, passado, foi entregue ao Sr. Ministro da Marinha pela Direcção Geral dos Caminhos de Ferro do Ultramar sobre o estado das negociações do tenente-coronel Garcia Rosado com o Governo do Transvaal. = O Deputado, Queiroz Velloso.

Mandou-se expedir.

O Sr. Affonso Costa: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro, pelo Ministerio da Marinha é Ultramar, com a maior urgencia, copia dos seguintes documentos:

1.° Correspondencia entre o Governo e a Companhia de Moçambique acêrca das tentativas de desenvolvimento do caminho de ferro; e do porto da Beira, por meio de combinações entre essa companhia e a Beira Railway.

2.° Correspondencia entre o Governo e a Beira Railway sobre o mesmo assunto.

3.° Correspondencia entre a Beira Railway ou qualquer seu representante e a Companhia de Moçambique, sobre o referido assunta, á qual será requisitada por intermedio do commissario do Governo junto da Companhia de Moçambique, se porventura ainda não existir, por copia, no Ministerio.

4.° Correspondencia entre o coronel inglês Arnold e a Companhia de Moçambique em qualquer das suas direcções (conselho de administração e comités estrangeiros) a respeito da Beira Railway, e situação actual d'esse official no territorio português, da Companhia de Moçambique. = Affonso Costa.

Mandou-se expedir.

O Sr. João de Menezes: - Pergunto a V. Exa. se

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já teve resposta o meu requerimento sobre a representação da Associação Commercial?

O Sr. Presidente: - Vou mandar saber á secretaria, se ha alguma resposta.

(Pausa).

A primeira parte da ordem do dia trata das declarações do Governo e a segunda do emprestimo.

Mas como alguns membros do Governo se encontram na Camara Alta, acho melhor entrar-se na segunda parte, (Apoiados), ficando a primeira, para quando o Governo venha a esta Camara. (Apoiados).

Continua ainda no uso da palavra o Sr. Archer da Silva. S. Exa. tem, ainda, 40 minutos e mais 15 que lhe concede o regimento.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do incidente

sobre o emprestimo dos 4:000 contos de réis, garantidos com os fundos dos caminhos de ferro

O Sr. Archerda Silva: - Sr. Presidente: tendo ficado com a palavra reservada na ultima sessão, permitta-me V. Exa. que eu repita - e peço a attenção dos Srs. Ministros das Obras Publicas e da Fazenda - as considerações que então fiz.

A S. Exas. peço a fineza de as rectificarem, se não forem a expressão da verdade, e a V. Exa., Sr. Presidente, peço para chamar a attenção dos Srs. tachygraphos.

Eu declarei: tendo ido ao Ministerio da Fazenda, a fim de ver o documento original n.° 15, que consta do folheto mandado distribuir pela Direcção Geral da Thesouraria e que se refere á acta do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro, verifiquei que esse documento nunca existira no Ministerio da Fazenda.

Foi a declaração que eu fiz, declaração formal, de que até sexta feira, ás duas horas da tarde, tal documento lá não existia nem nunca tinha entrado officialmente ali.

Nesta minha declaração, empenho a minha palavra de honra como homem e como Deputado da Nação.

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Vou dar a S. Exa. as informações que colhi na Direcção Geral da Thesouraria.

Vozes: - Isso, assim, não pode ser.

O Orador: - S. Exa. comprehende que assim não pode ser.

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Alguns Srs. Deputados estão dizendo que "isso não pode ser". Julguei que estava satisfazendo o pedido do Sr. Archer da Silva.

O Orador: - Eu pedi aos Srs. Ministros das Obras Publicas e da Fazenda que rectificassem se isto não fosse verdade.

Houve um jornal que deturpou esta minha declaração, dizendo que eu tinha vindo declarar á Camara que essa acta não existia.

Isto é redondamente falso. Comprôhendo perfeitamente que não podemos de modo nenhum pedir á imprensa que as palavras dos extractos parlamentares sejam tal qual aquillo que os Deputados dizem.

Refiro-me a isto, por ter apparecido no Diano de Noticias uma carta assinada pelo Sr. Fernando de Sousa, em que este senhor desmente as minhas affirmações, declarando terminantemente não ser verdade que a acta não existisse, e não ser verdade tambem o não existir no Ministerio da Fazenda copia d'ella.

Não comprehendo como numa questão como esta, entre Ministros e Deputados, haja um empregado do Ministerio que venha intervir.

Dito isto, vou continuar as minhas considerações.

Sr. Presidente: vou agora analysar o contrato do emprestimo em face d'estes documentos. Para isso começarei por fazer accusações ao Governo transacto pelo modo como fez o emprestimo garantido com o fundo do caminho de ferro do Estado.

O documento n.° 6 é o parecer assinado pelo Sr. Perestrello em que S. Exa. declara que o fundo disponivel do caminho de ferro é de 226:652$667 réis.
Depois disto, apparece uma proposta que foi presente ao Governo pela Companhia dos Tabacos, que offerecia tomar 3:000 contos de réis representados por 92:735 obrigações de 90$000 réis a 4 4/2 por cento de juro.

O Conselho de Ministros mandou ouvir o conselho de administração, como consta do documento publicado no folheto.

A resposta do conselho de administração foi que o Governo não podia acceitar essa proposta, porquanto entendia que nella devia entrar a Caixa Geral de Depositos.

Pois, Sr. Presidente, é depois que apparece a proposta que foi acceite pelo Governo, com a data de 19 de fevereiro, na qual o Banco Lisboa & Açores, casa Fonseca, Santos & Vianna e Burnay, se propunham tomar o emprestimo.

Note-se bem que a data dessa proposta é de 19 de fevereiro de 1909.

O Governo tinha de resolver sobre essa proposta e entendeu que devia ouvir o conselho de administração.

Quer V. Exa. e a Camara saber o dia em que o Governo mandou ouvir o conselho de administração, isto quando os proponentes deviam acceitar a proposta até o dia 24 de fevereiro?

Foi no dia 23, precisamente, a terça feira gorda!

Consta do documento n.° 14.

Eu desejava perguntar ao Sr. Ministro das Obras Publicas se quando o Governo mandou, em 25, ao Banco Lisboa & Açores, a resolução tomada em 24, já tinha visto os documentos do conselho de administração, se esses documentos tinham sido apresentados em Conselho de Ministros e se havia alguma copia da acta?

Eram estas as perguntas que eu desejava fazer. Espero que S. Exa. me responderá.
O conselho de administração reuniu no dia 24, e sabe V. Exa. quando saiu do Ministerio das Obras Publicas a copia da acta que desappareceu? Foi em 24 de março, isto é, depois do contrato estar em execução.

Chamo novamente a attenção da Camara para este ponto: em 19 entrou a proposta e em 23 é que se mandava o aviso, e em 23 é que foi mandado ouvir o conselho de administração.

Deixo isto á consideração da Camara, para ella apreciar como estes documentos foram feitos.

Curioso é que, da primeira proposta da Companhia dos Tabacos, ha um officio mandando ouvir o conselho de administração e deste ha só a copia.

Veja a Camara o que ha de nebuloso neste emprestimo! (Apoiados).

O inquerito que nos pedimos ha de dizer o que ha de verdade sobre este assunto, porque o que nos queremos é absolutamente a verdade.

Em 24, o Conselho de Ministros resolveu mandar um officio, dizendo que acceitava em geral, com pequenas modificações.

O conselho de administração viu a resposta do Banco Lisboa & Açores?

Acceitou a obrigação, com a commissão de 2 por cento?

É preciso, é absolutamente indispensavel que o Sr. Ministro das Obras Publicas, que tem a sua responsabilidade ligada a este decreto, diga se effectivamente acceitou

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tudo quanto nelle se contem; é necessario que opponha numeros a numeros; é necessario que responda argumento a argumento, para provar que o contrato é bom, ou então sair das cadeiras do poder.

Este desgraçado contrato já arrancou das cadeiras Ministeriaes o Sr. Ministro da Fazenda, mas a elle está tambem ligado o Sr. Ministro das Obras Publicas. Então não saiu o Sr. Ministro das Obras Publicas e saiu o Sr. Espregueira?

Nos não podemos separar um do outro.

Sr. Presidente: foi depois de 29 de fevereiro que se assinou este decreto, que começa Jogo pelo seguinte: "Hei por bem, ouvido o conselho de administração, determinar o seguinte".

Parece que está provado ser isto redondamente falso, porque o Governo não podia ter na sua mão um documento que o autorize a essa declaração.

O Governo obrigou o rei a pôr a sua assinatura neste decreto. É a accusação que eu faço ao Governo.

Esse decreto é illegal, como vou provar a V. Exa. A illegalidade d'elle já foi bem demonstrada, e largamente, pelos Deputados d'este lado da Camara.

Ainda ultimamente o illustre Deputado Sr. Brito Camacho apresentou taes argumentos que de forma alguma podiam ser contestados pela maioria.

Não me cansarei a repeti-los, e direi apenas o seguinte: podem S. Exas. citar as leis que quiserem, mas o que e bem claro, o que é bem explicito, é que pela lei de 14. de julho de 1899 só se pode realizar um empréstimo que caiba dentro da garantia do fundo disponivel.

Quer V. Exa. saber qual é, segundo os documentos fornecidos pelo Ministerio da Fazenda, o fundo disponivel? É de 226:652$667 réis.

E o Sr. Ministro das Obras Publicast sabe com certeza qual é o encargo, pois que o assinou. É de 242:512$687 réis!

O Governo não podia de forma alguma acceitar o encargo d'este emprestimo que, como se vê, é absolutamente illegal, e tem materia de falsidade o decreto que o Sr. Ministro das Obras Publicas assinou tambem.

Mas prosigamos: O que era esse contrato? Era um contrato emittindo 57:503 obrigações, do valor nominal de 80$000 réis, ao juro de 5 por cento.

Segundo a proposta da Companhia dos Tabacos seriam emittidas 42:735 obrigações de 90$000 réis e 4 1/2 o que representaria 3:846 contos de réis.

O Estado constituia-se devedor de 3:846 contos de réis, recebendo 3:000 contos de réis.

Os proponentes tomavam firmes 4:000 dessas obrigações ao preço de 72$000 réis, menos 2 por cento de commissão ou 72$000 réis e as restantes 38:735 á opção do mesmo preço.

Era um juro de 5,769.

Pelo emprestimo realizado são emittidas 57:553 obrigações de 80$000 réis e 5 por cento o que representa 4:604 contos de réis.

O Estado constituia-se devedor de 4:604 contos de réis recebendo 3:740 contos de réis.

As obrigações são tomadas firmes a um preço que fica ao devedor a 65$000 réis descontado a commissão de 2 por cento.

É um juro do 6,16.

Ficou o Estado prejudicado:

1.° Pagando mais 0,29 por cento de juro.

2.° Recebendo menos por obrigação do que recebia acceitando a primeira proposta e relativamente ao valor nominal das obrigações, visto que a paridade dos titulos de 90$000 réis de 4 1/2 a 70$200 réis seria para titulos de 80$000 réis 5 por cento 69$336 réis, o que dá contra o Estado 4$336 sobre 65$000 réis.

Consultado o Conselho de Administração sobre a primeira proposta aconselhou o Governo a não acceitar, por o juro ser demasiado e a interessar no emprestimo a Caixa Geral de Depositos.

O Governo desta vez fez o contrario, contratando o emprestimo a mais de 6 por cento e não só não interessando a Caixa Geral de Depositos, mas prejudicando-a em 109 contos de réis.

É certo que na outra proposta não. era o emprestimo tomado firme, mas a Caixa dispunha pelo menos de 2:000 contos, o que lhe permittia adquirir a 70$200 réis 28:490 obrigações, que, juntas ás 4.000 que os proponentes tornavam firmes, perfazia 32:490.

Ficavam apenas 10:245 por collocar. Haveria receio de collocar essas obrigações com o juro de 5,76 garantidos com os caminhos de ferro e sobretudo não se affrontando o mercado com as obrigações da Caixa Geral?

Para a Caixa o negocio era superior, pois tornando obrigações de 90$000,4 1/2 a 70$200 réis teria o juro de 5,76, emquanto que agora tomou obrigações de 80$000 e õ por cento a 73$000 réis, o que lhe dá de juro 5,48.

O capital da Caixa Geral ficava rendendo mais 0,28 por cento.

Isto tudo é muito elucidativo. E está no poder um dos Ministros signatarios dá ruinosissima operação!

Ora, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Fazenda declarou que tinha transmittido á Caixa Geral de Depositos o offerecimento dos tomadores, tendo recebido em resposta um officio, acceitando-o.

Mais ainda. Foi publicado um ofiicio do director da Caixa Geral de Depositos que, para tambem não divergir do tom em que estão escritos todos os documentos, é obscuro e parece querer empoeirar os olhos de quem o lê, como vou demonstrar.
Esse officio diz o seguinte:

"1.° Porque elle representava em relação ao preço por que era aberta a subscrição publica um lucro para a Caixa de 27:200$000 réis.

2.° Porque, se a Caixa fosse reembolsada do ,seu credito em dinheiro, este collocado na divida fluctuante só renderia 4 por cento, ao passo que, reembolsada nos novos titulos, estes rendem, pelo preço da compra, 5,479 por cento, ou seja no total mais 14:682$350 réis por anno. = Adolpho Guimarães".

Se o Governo tivesse seguido o que lhe aconselhou o conselho de administração da primeira vez, que era: se entendia que a Caixa Geral de Depositos devia ficar com as obrigações, que separava de uma parte desse emprestimo, a 65$000 réis, não eram 27:300$000 réis, mas eram 36:000$000 réis de lucros.

Mas a segunda parte é que é mais curiosa.

Ora, Sr. Presidente, quem foi que mandou o director da Caixa Geral de Depositos declarar que tinha de empregar esse dinheiro na divida fluctuante? Qual o artigo da lei em que se fundou? Porque não comprava inscrições que estavam a 37,700, que lhe davam de juro 5,29?

De modo que parece que isto está escrito para leigos, para empoeirar os olhos de quem o lê.

Não havia necessidade de empregar esse dinheiro na divida fluctuante, podiam comprar inscrições que davam melhor rendimento. Fiz tambem o calculo, e sabe V. Exa. quanto lhe rendia se tivesse acceitado a primeira proposta da Companhia dos Tabacos nas mesmas condições ? Rendia 5,76. Sabe V. Exa. quanto lhe rendia se fosse a 65$000 réis? Rendia 6,15.

Sr.. Presidente: não faço accusações sem as provar. Portanto, não é uma accusação que vou fazer, mas no meu direito parlamentar e como Deputado da nação tenho a dizer a V. Exa. e á Camara que na praça de Lisboa corria que, antes deste officio ser mandado ao Ministro da Fazenda, já tinham, havido conciliábulos em que elle tinha

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tomado o compromisso de se fazer esta operação, sem o que os tomadores não a acceitavam. Corria mais na praça de Lisboa que, se se fosse procurar no copiador de uma casa coinmercial, lá havia nota d'este facto.

Sr. Presidente: eu bem sei que não se podem, fazer accusações senão documentadas, e eu sou incapaz de as fazer, mas quando um facto destes vem aos nossos ouvi dos, quando ouvimos em toda a cidade de Lisboa essas accusações correr de boca em boca, temos o dever de pedir um inquerito rigoroso sobre o facto, de exigir que a verdade seja posta a claro. Não é o nosso interesse que está aqui em jogo, é o interesse do pais, de todos. O dinheiro da Caixa Geral de Depositos deve ser absolutamente sagrado, porque é o dinheiro dos orfãos e das viuvas. É indispensavel que o Governo olhe bem para este facto, que comprehenda que da nossa parte não houve intuito nenhum em nos malquistarmos nem com o Governo nem com o Ministro da Fazenda; o que houve foi o direito, o dever, de elucidar uma questão que se apresentava absolutamente obscura, de demonstrar por todas as formas, que era necessario para honra nossa e para o publico que tudo viesse á luz do dia. (Apoiados).

Sr. Presidente: estas são as principaes accusações que tinha de fazer ao Governo, e estou convencido, repito, de que o Governo que ahi está, é, como disse outro dia, a resurreição do Governo passado, pois olhando para as bancadas do Governo, e excluindo o Sr. Ministro da Fazenda e o Sr. Ministro da Marinha, ambos os quaes tem demonstrado a sua boa vontade, todos os outros fazem-me recordar o tempo em que eu era novo, e em que um artista chamado O'Kill, o celebre ventriloquo, apresentava no Colyseu um grupo de fantoches articulados, que manobrava lindamente. O'Kill era quem falava por elles: Este Governo não digo que esteja tão bem accionado como os taes fantoches, porque levanta-se o Sr. Presidente do Conselho e diz - não sei - e o Sr. Ministro das Obras Publicas diz - não me lembro- e os fantoches de O'Kill respondiam sempre; este Governo não, precisa de ir primeiro ao Paço dos Navegantes receber o santo e senha.

Sr. Presidente: estou convencido de que o Sr. Ministro das Obras Publicas, que é um novo, que tem feito uma carreira distincta, que um dia quebrou com magua sua, certamente, e nossa, os laços que o uniam aos seus correligionarios, que quebrou os laços de parentesco que o podiam unir a qualquer outra pessoa, porque entendeu para o bem do país sentar-se naquellas cadeiras, estou convencido, repito, de que se S. Exa. entender que com effeito o decreto sob o qual levianamente pôs a sua assinatura não o satisfaz, não hesitará um instante em romper com o resto do Governo e sair d'aquellas cadeiras. Se não fizer assim, é porque concorda em que é bom, mas, nesse caso, é indispensavel que S. Exa. se levante e declare categoricamente o seu modo de pensar, que responda argumento a argumento, que conteste os numeros que apresentei, que mostre que estudou a questão, que não assinou levianamente, que estudou a proposta da Companhia dos Tabacos, que viu que era melhor a outra, quando eu vejo que é peor; mas que responda numero a numero. Demonstre-nos assim o Sr. Ministro das Obras Publicas a sua boa fé; declare categoricamente: seu vi no Conselho de Ministros onde se fez esse contrato a copia official da acta do conselho de administração.

É indispensavel ainda que nos mostrem a copia official da acta do conselho de administração dos caminhos de ferro e a resposta do Banco Lisboa & Açores, e que o Sr. Ministro das Obras Publicas nos diga se esta questão foi presente ao Conselho de Ministros e que foi só então que se resolveu a por a sua assinatura no decreto. Depois disto é que o Sr. Ministro das Obras Publicas tem direito a continuar á frente do seu Ministerio. No caso contrario não pode nem deve continuar.

O Sr. Pereira Cardoso: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a Camara sobre se permitte que seja dada a materia como discutida. = O Deputado, Antonio A. Pereira Cardoso.

O Sr. Archer da Silva: - Isto é phantastico! (Vivos apoiados da esquerda).

(Sussurro).

O Sr. Affonso Costa: - Então o Sr. Ministro das Obras Publicas consente numa cousa d'estas!? (Apoiados).

O Sr. Archer da Silva: - Peço a palavra para explicações antes de se encerrar a sessão.

(Ápartes). (Sussurro).

O Sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo Sr. Deputado Pereira Cardoso.

(É lido).

(Sussurro).

O Sr. Ernesto de Vilhena: - Peço a palavra para um requerimento sobre o modo de votar.

O Sr. Presidente: - Eu não posso dar a palavra a V. Exa. O regimento é expresso, não ha requerimentos sobre requerimentos.

Vae votar-se o requerimento do Sr. Pereira Cardoso.

É approvado.

(Apartes). (Sussurro).

O Sr. Archer da Silva: - Eu, a pedi a palavra para explicações, mas desejava tambem que V. Êxa. me dissesse se o Sr. Ministro das Obras Publicas se tinha já inscrito tambem para explicações antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Obras Publicas ainda não se inscreveu.

(Protestos da esquerda). (Sussurro).

O Sr. Affonso Costa: - Mas o Sr. Ministro das Obras Publicas tem que responder.
(Vivos apoiados da esquerda).

O Sr. Presidente: - Eu peço ordem.

Vozes da direita: - Ordem, ordem.

(Sussurro).

O Sr. Presidente: - Peço a attenção da Camara.

Em harmonia com a disposição do artigo 174.° do Regimento vão ler-se as moções mandadas para a mesa durante a discussão pelos Srs. Deputados que nella tomaram parte.

Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Lourenço Cayolla.

(Leu-se na mesa).

O Sr. Lourenço Cayolla: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requuiro se consulte a Camara sobre se permitte que

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eu retire a minha moção. = O Deputado, Lourenço Cayolla.

É approvado.

O Sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa pelo Sr. Deputado Brito Camacho.

(Leu-se na mesa).

O Sr. João de Menezes: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro votação nominal sobra a moção do Sr. Deputado Brito Camacho. = O Deputado, João de Menezes.

É approvado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Eu peço aos Srs. Deputados o favor de se conservarem nas suas cadeiras e responderem á chamada de maneira que na Presidencia se ouça bem se approvam ou rejeitam, para não haver enganos.

O Sr. primeiro secretario vae fazer a chamada, os Srs. Deputados que approvam dizem approvo os que rejeitam dizem rejeito.

Fez-se a chamada.

Disseram rejeito os Srs.: Abel de Mattos Abreu, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Pereira, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves Oliveira Guimarães, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto de Castro Sampaio Côrte Real, Aurelio Pinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de AzeVedo, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Francisco Miranda da Costa Lobo, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, João Augusto Pereira, João Henrique Ulrich, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, Jorge Vieira, José Bento da Rocha e Mello, José Cabral Correia do Amaral, José Coelho da Motta Prego, José Joaquim da Silva Amado, José Julio Vieira Ramos, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Paulo Monteiro Cancella, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Thomás de Almeida Manuel de Vilhena (D.), Visconde de Coruche, Visconde de Ollivã, Visconde de Villa Moura, Antonio Augusto Pereira Cardoso, João José Sinel de Cordes e José Joaquim Mendes Leal.

Disseram approvo os Srs.: Affonso Augusto da Costa, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Augusto Cesar Claro da Ricca, Conde de Mangualde, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Jardim de Vilhena, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Mello Archer da Silva, João Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Pinto Rodrigues dos Santos, José Augusto Moreira de Almeida, José Caeiro da Matta, José Estevam de Vasconcellos, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria Pereira de Lima, José Maria de Queiroz Velloso, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio e Vicente de Moura Coutinho de Almeida de Eça.

O Sr. Presidente: - Disseram approvo 36 Srs. Deputados e rejeito 56; está portanto rejeitado.

São 5 horas da tarde; ás 5 horas e 30 minutos entrava-se na segunda parte da ordem do dia, mas como a maioria dos membros do Governo está na outra casa do Parlamento, eu interrompo a sessão até ás 5 horas e 30 minutos da tarde.

Eram 5 horas da tarde.

As 5 horas e 30 minutos da tarde reabre a sessão.

O Sr. Moreira de Almeida: - Peço a palavra para um negocio urgente.

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado a vir á mesa declarar qual o assunto urgente de que deseja tratar.

(Pausa).

O Sr. Presidente: - Chamo a attenção da Camara. O Sr. Moreira de Almeida deseja tratar em negocio urgente do seguinte assunto:

"Declaro que desejo interrogar o Governo sobre a communicação a esta Camara do tratado com o Transvaal, visto constar da imprensa desta manhã que já foi telegraphicamente recebido o texto d'aquelle diploma, que o Sr. Ministro da Marinha declarou que apresentaria ao Parlamento logo que chegasse. = J. A. Moreira de Almeida".

É rejeitada a urgencia.

(ápartes. - Protestos da opposição).

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

O Sr. Carlos. Ferreira: - Sr. Presidente: discute-se ainda neste momento a ultima crise ministerial e a apresentação do novo Ministerio da presidencia do meu illustre correligionario e amigo o Sr. Conselheiro Sebastião Telles.

É exclusivamente a este assunto que vou referir-me. Mas, tendo acabado de votar-se um requerimento do Sr. Moreira de Almeida, em que se pedia urgencia para discutir o tratado com o Transvaal, eu direi que o que me parece urgente é que nos deixemos de retaliações politicas, para apenas nos interessarmos pelos negocios publicos; direi que, nas questões que neste momento se ventilam no Parlamento e, em especial, no que se refere ao convénio realizado com o Transvaal, o que todos devemos querer é a serenidade que é necessaria em negocios desta ordem e desta magnitude. (Apoiados). Direi que devemos aguardar com aquella circunspecção e com aquella serenidade de que usam os que querem o interesse do país, a solução do assunto! A minha opinião é que devemos aguardar que o Sr. Ministro da Marinha possa prestar ao Parlamento os esclarecimentos necessarios.

E, dito isto, estou convencido em minha consciencia, que a maioria procedeu muito bem, não considerando urgente o assunto de que o Sr. Moreira de Almeida queria tratar.

Passemos agora á ultima crise ministerial.

Discute-se ainda, coutinua na tela do debate essa crise,

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quando é certo que outros mais graves assuntos ha, a tratar no Parlamento. (Apoiados).

Esses graves assuntos politicos são já do conhecimento de toda a Camara.

Poderia dizer mais e melhor. Por parte do partido progressista já foi, porem, dito pela Sr. Moreira Junior, meu illustre leader qual é a attitude do partido progressista perante o novo Gabinete. Aos leader s dos differentes partidos politicos representados nesta Camara não poderia eu responder mais e melhor e não teria a actividade do Sr. Sebastião Telles, que a todos respondeu.

Desnecessario seria, pois, vir eu falar nesta altura da discussão, e não me teria inscrito, se não fosse por ter de responder ao discurso do brilhante parlamentar, o Sr. Dr. Egas Moniz, discurso a que eu presto homenagem, como modelo de oratoria parlamentar, como attestado de um grande talento, mas contra o qual levanto o meu protesto mais energico, porque contém affirmações que são não só violentas mas descabidas.

Foi esse o motivo que me levou a pedir a palavra sobre a ordem.

Um dos pontos largamente tratados pelo Sr. Dr. Egas Moniz, e que constituiu hoje o assunto da primeira parte da ordem do dia, foi o do emprestimo contratado pelo Gabinete de que fazia parte o Sr. Conselheiro Espregueira.

Quero pois accentuar que, resolvido parlamentarmente esse assunto, o facto constatado é que sobre o empréstimo do Sr. Espregueira, com garantia do fundo dos caminhos de ferro, estão sobre as mesas da Camara dos Pares e da Camara dos Deputados documentos fornecidos ainda por esse Ministro; mais ainda: o Sr. Conselheiro Espregueira deixou convites a todos os Pares e Deputados para irem ao seu Ministerio examinar todos os documentos relativos a esta questão.

Quem assim procede, procede com lealdade e clareza. (apoiados).

O Sr. Archer da Silva: - Alguns documentos não; estavam lá. Pergunte ao Sr. Ministro da Fazenda.

O Orador: - Não tenho que perguntar cousa alguma; o que digo é que os- documentos que ali estão explicam sufficientemente a questão. (Apoiados).

Não posso, neste momento, ao ter da saudar o novo Governo, deixar de me lembrar com saudade dos Ministros que saíram d'aquellas cadeiras, porque, justiça é dizê-lo, cumpriram honradamente o seu dever. (Apoiados). Não quero esquecer ainda que o Sr. Conselheiro Espregueira saiu assinalado por uma gerencia habil e cuidadosa. (Apoiados).

Pode a politica fazer insinuações, mas o que não pode é derruir a verdade dos factos.

O nome do Sr. Conselheiro Espregueira ha de ser proferido, pelo menos onde eu estiver, com aquella consideração e respeito que lhe são devidos.

Passemos agora ao segundo ponto tratado pelo illustre Deputado Sr. Egas Moniz: a crise politica do Ministerio da Presidencia do Sr. Campos Henriques. Essa crise, como todas as crises dos ultimos tempos, deve-se, na opinião do illustre Deputado e dos seus amigos politicos, ao chefe do partido progressista.

E elle o causador de: todos os damnos e maleficios de que temos enfermado; vamos ver porque.

Quem provocou a crise da Gabinete Campos- Henriques? Foi o Sr. José Luciano? Não; foram principalmente e quasi exclusivamente os tumultos feitos propositadamente nesta casa do Parlamento.

E esta a forma como eu vejo classificar o procedimento dás opposições.

Ai de nós se esta doutrina pudesse ser acceita; não havia mais Governos nem mais Parlamento em Portugal.

A crise da ultima situação, da presidencia do Sr. Campos Henriques não foi, portanto, provocada pelo chefe do partido progressista, foi provocada por aquelles que, quando se convenceram de que na discussão do emprestimo não podiam levar de vencida o Governo e a sua maioria, firme para o defender, recorreram a um combate parlamentar desleal.

O Sr. Egas Moniz: - Desejava que S. Exa. explicasse o que quis dizer com o combate desleal das opposições.

O Orador : - Se V. Exa. me pergunta se foi parlamentarmente desleal a luta que V. Exas. fizeram contra o Gabinete do Sr. Campos Henriques, eu digo que sim; está na minha consciencia.

(Cruzam-se ápartes. O Sr. Presidente agita a campainha).

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que não interrompam o orador.

O Sr. João Pinto dos Santos: - Eu calo-me, desde que seja explicada a palavra "desleal" pronunciada pelo Sr. Carlos Ferreira.

O Orador: - Eu disse que os tumultos praticados lá fora e dentro do: Parlamento foram desleaes.

Não digo a V. Exa. que tenha um caracter desleal.

O Sr. João Pinto dos Santos: - O que desejava simplesmente era saber o alcance da palavra que proferiu..

O Orador: - Fica portanto, bem esclarecido.

As opposiçSes entendem-se no direito de falarem o mais violentamente que querem, de nos dirigirem por vezes frases que, se não offendem a nossa honra, pelo menos beliscam o nosso orgulho, mas não permittem que nos defendamos da mesma forma, que tenhamos a mesma liberdade. (Apoiados).

Pois no uso do meu pleno direito, de que não prescindo, hei de responder nos mesmos termos em que a opposição se nos dirigirmos direitos são perfeitamente iguaes.

Faço esta observação em resposta e em virtude do debate que se estabeleceu.

O Sr. Dr. Egas Moniz fez um dos discursos mais violentos que aqui teem sido feitos.

Presto justiça á correcção de S. Exa., á correcção com que a seu discurso foi proferido; mas S. Exa. ha de notar tambem que durante elle, sendo nos tão amigos e alguns. muito intimos do Sr. Espregueira, todos o ouvimos, amargamente, é certo, mas sem a interromper, e essa garantia que a opposição tem, não no-la quer dar.

O Sr. Egas Moniz (interrompendo): - Quando V- Exa. me quiser interromper dar-me ha muito prazer!

O Sr. Presidente: - Peço ao orador o favor de dirigir o seu discurso para a Presidencia, e aos Srs. Deputados a fineza de o não interromperem

O Orador: - Acato as prescrições de V. Exa.: salvo se me interromperem, porque em tal caso responderei.

Começava eu, e tão suavemente, a referir-me á crise e logo: se levantou celeuma, e os apartes não me deixaram proseguir nas minhas considerações. Dizia eu que o chefe do partido progressista não tinha absolutamente nada com os tumultos que levaram o Sr. Campos Henriques a dirigir-se ao Chefe do Estado, pedindo-lhe a demissão do Gabinete.

É de justiça accentuar aqui, que a correcção do Sr. Campos Henriques foi tanta e tão extraordinaria, que o pro-

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prio Sr. Egas Moniz aqui accentuou o brilho d'esse procedimento.

O chefe da situação transacta sacrificou tudo: e sacrificou uma situação ministerial parlamentarmente segura, com o apoio das maiorias, que nunca faltaram, e com o apoio da opinião publica, que ainda neste momento se está manifestando. Sacrificou tudo para deixar á Coroa, como fiel e leal patriota que já era, mas que ainda mais se revelou nesta questão, plena liberdade para uma solução em que de modo algum podia intervir.

O Sr. Egas Moniz disse que se o Sr. Campos Henriques tivesse pedido a dissolução isso era um meio de pôr termo aos tumultos que se tinham levantado. Mas o Sr. Campos Henriques, que fora accusado de ter tido ambições politicas para ascender aos altos cargos a que ascendeu, mostrou bem que tal assim não era, mas que a isso simplesmente se decidira pelos interesses do país. (Apoiados).

Levantou-se uma revolução dentro do Parlamento, que outra cousa não foi o espectaculo a que nos aqui assistimos. O Sr. Campos Henriques julgou, melhor sacrificar uma situação que era instavel, do que lançar perturbações que pudessem porventura, tornar mais áspero e mais agudo o momento actual da politica portuguesa. Deu-se então a crise como acabo de expor em poucas palavras, como o país inteiro a conhece, e vem-se dizer agora ao Parlamento que é mais uma obra do chefe do partido progressista!

E depois, Sr. Presidente, dada a crise, o que succedeu?

Á Coroa, procedeu como era seu direito legitimo. Consultou quem entendeu que devia, consultar. (Apoiados).

Consultou os Presidentes das Camarás e consultou todos os chefes de partidos. A todos esses homens publicas foi concedido o direito de dar o seu conselho sincero. Apenas ao chefe do partido progressista, se nega esse direito. (Apoiados).

Ao Conselheiro de Estado mais antigo nega-se esse direito. Nega-se esse direito áquelle que tem sabido sempre cumprir o seu dever atravesse todas as vicissitudes e de todas as campanhas, por mais violentas, que tenham sido, (Apoiados).

É esta a verdade dos factos que venho apresentar, não só como progressista, mas como Deputado.

Qual o motivo por que o chefe do partido progressista não pode ser ouvido, quando são ouvidos todos os outros chefes politicos? (Apoiados).

Então pode ser ouvido o chefe da mais pequena facção politica, é não pode ser ouvido pelo Rei o chefe do partido progressista, cuja bandeira tremula, hoje com tanto brilho como dantes, apesar de terem saído alguns combatentes, mas que nem por isso está menos unido, nem mais enfraquecido, conservando-se hoje forte, como sempre, cheio de prestigio, unido, firme e respeitoso á. voz do seu chefe, o que só por si constitue uma força para esse homem que se chama Luciano de Castro.

Ao Sr. José Luciano de Castro foi pedido o seu voto, como foi pedido a qualquer outro homem publico.

O Ministerio não foi desfeito na Rua dos Navegantes, foi desfeito aqui, na Camara dos Deputados. Foi demolido aqui, com o barulho das arruaças, e o resoar das frases as mais insultuosas que nos, maioria, ouviamos com uma tranquillidade que ás vezes chegou o parecer impossivel.

Depois constituiu-se o Ministerio segundo todas as indicações constitucionaes, e mais ainda, em harmonia com o conselho que ao Chefe do Estado foi dado pela maioria dos homens publicos que foram chamados a dar a sua opinião.

O Governo que está sentado naquellas cadeiras, tendo o Sr. Sebastião Telles investido, nas funcções de Presidente do Conselho, está ali por legitima maioria de votos. Não está ali por livre arbitrio do Rei, nem por intrigas ou artimanhas.

Por intrigas e artimanhas, não! Mas por bom criterio e conselho de quem dirige o partido progressista, e de quem conhece os homens.

Se esses são os defeitos do chefe, do meu partido, eu venho dizer que sim.

É essa a obra do partido progressista, é essa a causa da nossa força.

O Sr. Archer da Silva: - V. Exa. pode, dizer-me uma cousa?

Como sabe que o Sr. Sebastião Telles está naquelle lagar por maioria de votos?

O Orador: - Sei, como toda a Camara sabe, e se V. Exa. não sabe, pergunte ao Sr. Pereira dos Santos.

O Sr. Conselheiro Beirão disse na Camara dos Pares, em sessão de 16 de. março ultimo, a proposito da attitude do Sr. José Luciano, que não podia, ter sido mais correcta.

Ora quando homens da estatura do Sr. Conselheiro Beirão fazem affirmações d'esta ordem, é porque representam simplesmente a verdade. (Apoiados).

Disse tambem o illustre Deputado Sr. Dr. Egas Moniz que o Sr. Sebastião Telles fora chamado a constituir Ministerio, acceitando hoje o que não tinha acceitado hontem.

O nobre Presidente do Conselho já explicou á Camara porque assim fizera.
S. Exa. entendeu, e em minha opinião muito bem, que cumpria um dever de patriotismo, acceitando a missão de formar Gabinete na segunda vez que El-Rei para isso o convidou. (Apoiados).

O illustre Deputado a quem tenho a honra de responder, na apreciação que fez do actual Ministerio, começou por se referir ao Sr. Ministro do Reino Alexandre Cabral, prestando inteira justiça, como toda a Camara, ao nobre caracter de S. Exa.

Mas o illustre Deputado não lhe encontrou outros meritos senão o de ser irmão de um Ministro da ultima situação, o Sr. Conselheiro Antonio Cabral.

Foi S. Exa. injusto.

Um homem como o Sr. Conselheiro Alexandre Cabral, parlamentar antigo, que, tanto na Camara dos Deputados como na dos Pares, mostrou sempre, aliado a um alto espirito, um firme criterio em todas, as questões que entrava, uma intelligencia elevada, manifestada, na Camara dos Deputados e accentuada, na Camara dos Pares, e ainda, Sr. Presidente, um homem que occupou com distincção o logar de prelado da Universidade, não é escolhido para uma pasta, unicamente por ser irmão de um Ministro do Gabinete, transacto.

Atem disso, o Sr. Conselheiro Alexandre Cabral, como governador civil, já tinha dado provas, do seu tino administrativo, da sua; intelligencia e do seu elevado criterio.

Está, pois, mais que, justificada a sua entrada nos Conselhos da Coroa.

Em país nenhum do mundo existe a theoria de que um homem, por ser irmão de um. Ministro tem de se. annullar; S. Exa. não havia de se metter em casa e desapparecer da vida publica, por ser irmão do Sr. Conselheiro Antonio Cabral.
Cada um é apreciado pelo seu trabalho e pelo seu talento. (Apoiados).

E, ai de nós, se assim não fosse.

E, de resto, vejo; filhos de politicos muito; em evidencia, que são por exemplo Deputados e que, se essa theoria vingasse, ficavam privados de fazer a sua carreira politica - e é menos justo que nos vamos exigir aos outros o que não queremos para nos.

Em resumo, p Sr. Conselheiro Alexandre Cabral é Ministro pelo seu valor e pelo seu caracter.

E agora, passemos ao Sr. Ministro da Justiça, Conde de Castro e Solla. Para esse não foi o Sr. Egas Moniz

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desagradavel. Reconheceu-lhe valor para occupar a pasta da Justiça.

Associo-me calorosamente ás palavras de justiça pronunciadas pelo Sr. Egas Moniz, a respeito do Sr. Conde de Castro e Solla; agradeço-as como amigo pessoal do illustre Ministro da Justiça e, principalmente, por fazer parte do Governo que o partido progressista apoia - apoio que é, como sempre, leal e desinteressado.

Segue-se o Sr. Conselheiro Soares Branco, Ministro da Fazenda.

O que fez o Sr. Soares Branco para ser Ministro da Fazenda?

O Sr. Soares Branco manifestou desde muito novo, com uma intelligencia elevada, um espirito muito educado no estudo, uma razão clara a servir uma ponderada energia

O Sr. Soares Branco accentuou a sua individualidade no Parlamento, tendo sido escolhido para a pasta da Fazenda, pelo Sr. Presidente do Conselho, que o foi buscar á maioria parlamentar. É, pois, um nome que dá brilho e força. (Apoiados).

Segue-se agora o Sr. Ministro da Marinha. Para esse illustre Ministro, de quem sou amigo pessoal e intimo, não tenho senão que fazer minhas as palavras de justiça, que o Sr. Egas Moniz proferiu.

Sobe-se aos Conselhos da Coroa, ou por uma longa carreira parlamentar, ou por uma longa folha de serviços. Está S. Exa. neste ultimo caso. O Sr. Conselheiro João Coutinho tem arriscado a sua vida, combatendo com grande valor e desmedida coragem (Apoiados), e nos altos cargos administrativos, de que tem sido investido, demonstrou sempre o seu grande tino e intelligencia. (Muitos apoiados).

Saudo, portanto, a sua elevação aos Conselhos da Coroa.

Em seguida, temos o Sr. D. João de Alarcão, que foi um dos Ministros mais vivamente atacado pelo Sr. Egas Moniz. Resta saber se S. Exa., procedendo assim, tinha qualquer razão fundada para, no Parlamento, fazer as affirmações que fez.

Tenho visto espalhadas, aqui e alem, referencias ao Sr. João de Alarcão, que eu reputo absolutamente injustas.

S. Exa. conviveu cominigo um anno, dia a dia, como director do Correio da Noite, iogar que foi desempenhar desinteressadamente, e apenas para servir o seu partido e o seu chefe. Ahi se revelou um jornalista de extraordinario valor. (Apoiados) e não consta que, durante o tempo que S. Exa. foi director desse jornal, elle desmerecesse das illustres penas que nelle teem collaborado como Antonio Ennes, Antonio Candido, Anselmo de Andrade e José de Alpoim.

O Sr. D. João de Alarcão marcou o seu logar na imprensa portuguesa: entrou no Correio da Noite, no cumprimento de um dever e saiu por uma questão de honra.

Foi só no Correio da Noite que se revelou o Sr. D. João de Alarcão?

Como governador civil de varios districtos, S. Exa. nunca deixou de vincar a sua passagem e ainda hoje, nesses districtos o seu nome é proferido com respeito.

Em circunstancias gravissimas na Universidade de Coimbra, para onde, ainda não ha muitos annos, o Sr. D. João de Alarcão foi em commissão especial, houve-se de tal modo que uma simples questão academica, que ameaçava tornar-se em questão de ordem publica, foi por S. Exa. aplanada.

Como ajudante do procurador geral da Coroa, o Sr. D. João de Alarcão, alem de funccionario zeloso e cumpridor dos seus deveres, tem revelado uma intelligencia e uma erudição a que só faz mal a sua grande modéstia. (Apoiados).

Fosse elle menos modesto e nos veriamos que todos o consideravam como muito intelligente; na sua passagem pelo Ministerio das Obras Publicas e pelo da Justiça deixou alguns documentos que affirmam a sua competencia.

Então um homem nestas condições, a que se allia uma outra que não é indifierente - a da sua nobre fidalguia que mais nobre se tem tornado pelo seu brio, pelo seu caracter; um homem que nunca espesinhou ninguem para caminhar - é tão cruelmente tratado e tão injustamente perseguido pelo Sr. Egas Moniz?! Porque?

Disse tambem o illustre Deputado, Sr. Egas Moniz, que o Sr. D. João de Alarcão tinha o Sr. Wenceslau de Lima como mentor.

Referiu-se á noticia de que o Sr. Wenceslau de Lima ficou encarregado de continuar a negociar os tratados de commercio por elle iniciados e para o que o mesmo Sr. Wenceslau de Lima tem especial conhecimento. Na minha opinião e na de quem quiser ser sincero, reconheço que é um de excepcional ponderação; e se S. Exa., com igual criterio, continuar a gerir os negocios da sua pasta, temos um Ministro dos Negocios Estrangeiros com bastante prestigio, competente e amante do seu país.

Eu pergunto: quando Antonio de Serpa foi encarregado de ir a França negociar um tratado de commercio, o Ministro dos Negocios Estrangeiros ficou vexado com isso? Quando o Sr. Mattozo foi ao Brasil negociar um tratado de commercio, o Ministro dos Negocios Estrangeiros de então ficou deshonrado com isso?

E pergunto ainda: quando o Sr. Conde de Tattenbach negociava em Lisboa com o Sr. Wenceslau de Lima o tratado de commercio entre Portugal e a Allemanha, o Ministro dos Negocios Estrangeiros em Berlim julgava-se desconsiderado?

A accusação do illustre Deputado é de todo o ponto injusta.

Mas ha mais: não seria caso vulgar que um Ministro dos Negocios Estrangeiros se não encarregasse de negociar tratados de commercio - e mesmo hoje não é o Ministro que se encarrega das negociações, porque nem sempre succede com os Ministros dos Negocios Estrangeiros o que succede com o Sr. Wenceslau de Lima, que tem competencia especial e grande influencia no estrangeiro, por condições especiaes da sua vida, por conhecer em todas as suas minucias os assuntos.

Pode-se dizer que o Sr. Wenceslau de Lima é um entendido nestas questões, e, em questões diplomaticas como esta, é bom que haja uma certa continuidade, porquanto, se não tivesse havido continuidade na acção da politica portuguesa, a nossa alliança com a Inglaterra não teria dado os resultados que tem dado.

Eu entendo que o acto do Sr. D. João de Alarcão é o mais correcto possivel e do mais largo alcance, pois que por elle se vae prestar muitos serviços ao país.

O Sr. Wenceslau de Lima pode ainda acrescentar aos serviços que já prestou o tratado de commercio com a Allemanha.

O Sr. D. João de Alarcão tem no seu Ministerio muitos assuntos diplomaticos a resolver e aonde pode empregar a sua actividade. (Apoiados).

Nestes assuntos vou mais longe; não queria só um alto funccionario nomeado para tratar destas questões; desejava que no Ministerio houvesse uma commissão para isso (Apoiados), como succede noutros países.

Portanto, a que vem a censura, a ironia do illustre Deputado, a respeito do Sr. Ministro dos Estrangeiros?

Eu protesto, porque o Sr. D. João de Alarcão, ou nos conselhos da Coroa ou fora, tem sempre, como homem de honra, sabido cumprir o seu dever.

Devia-lhe esta homenagem de sinceridade, como meu amigo pessoal e como meu correligionario.

As minhas declarações a respeito do Sr. Ministro da Fazenda applicam-se ao Sr. D. Luis de Castro, que vejo sentado naquellas cadeiras.

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Porque ficou o Sr. D. Luis de Castro? Perguntou o Sr. Egas Moniz.

Ficou, porque a opinião publica representada por importantes associações agrícolas e syndicatos, reclamou que ficasse. Ficou, porque a agricultura pediu que ficasse. (Vozes: - Muito bem).

Ficou, porque a agricultura tem nelle fundadas esperanças, porque é o homem que ha tantos e tantos annos se dedica a estes assuntos e que, dentro do Governo, espera pôr em pratica algumas d'essas medidas, que em artigos de jornal teem sido tratadas e que até alguns Srs. Deputados da opposição teem apoiado.

De resto, até hoje só houve uma manifestação que desgraçadamente foi contra nós, e não contra o Governo, que só tem recebido provas de confiança. (Apoiados).

Deixem-se de política, tratem das questões coloniaes. Não me importa que os Ministros sejam A, B ou C, ou que os Presidentes do Conselho sejam o Sr. Sebastião Telles, ou o Sr. Wenceslau de Lima, ou o Sr. Beirão...

O Sr. Egas Moniz numa das passagens do seu discurso disse que estão ainda presos, por causa do movimento de 28 de janeiro, militares implicados nesse movimento.

S. Exa. pediu ao Governo immediatas providencias contra esses militares, supplicou-lhe que os amnistiasse, visto que se tinha concedido amnistia, aos civis.

Sr. Presidente: como homem, o meu coração pede-me para que me ponha ao lado de todos aquelles que se interessam pelos infelizes, e desventurados, qualquer que seja o motivo d'essa infelicidade e desventura.

Oxalá que o Governo possa attender o pedido, a instancia eloquente é sincera do Sr. Egas Moniz.

Mas, como muito bem disse o Sr. Presidente do Conselho, ha deveres a cumprir. Que esses desgraçados sejam julgados para depois o pedido do Sr. Egas Moniz ser tomado na devida consideração.

Mas se o for, Sr. Presidente, nunca nós os políticos, pela paixão política, pela effervescencia dos nossos desejos, pela guerra que tenhamos de fazer ao Governo, possamos concorrer para que o exercito, representado nos mais graduados officiaes, falte ao seu dever militar e deixe de manter á mais absoluta neutralidade, porque os militares teem como missão defender a patria e não se metterem em lutas internas, por mais justas que ellas sejam.

E agora Sr. Presidente, para terminar a minha resposta às considerações do illustre Deputado, direi que a attitude das maiorias parlamentares acceitando em uma das ultimas sessões a proposta do Sr. Pinto dos Santos, não podia representar da parte da minoria cousa que fosse menos airosa para a proposta de S. Exa. Essa proposta divergia da forma como foi apresentada a do Sr. Magalhães Ramalho.

Era isto o que eu queria dizer. Vou terminar, e ao illustre Deputado a quem tive a honra de responder peço desculpa se não o acompanhei a par e passu nas suas considerações, ao que o discurso de S. Exa. tinha incontestavel direito.

Se não pude responder mais, foi porque alguma parte do discurso de S. Exa. me passou despercebida, mas parece-me que respondi com aquella correcção que a um parlamentar como S. Exa. se pode responder.

Agora não sei se está na sala o illustre Deputado que me fez um aparte. Queria dizer-lhe, se estivesse presente, que á vivacidade do aparte de S. Exa. respondi eu no mesmo tom. É a forma parlamentar; quando me interrompem, respondo nos termos que o meu feitio parlamentar exige, mas sem intenção de offensa.

Mando para a mesa a minha moção, que é a seguinte:

Moção

A Camara, reconhecendo os valiosos serviços prestados ao país pelo Governo transacto, e satisfeita com o programma do actual Governo, que prova ser sua principal preoccupação tratar das questões economicas, financeiras e coloniaes, a que se deve dar toda a cooperação, continua na ordem do dia. = O Deputado, Carlos Ferreira.

(O orador não reviu).

(Vozes: - Muito bem).

O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho): - Pedi a palavra para communicar á Camara que recebi hontem em telegramma o texto do acordo celebrado em Pretoria pelo Sr. Garcia Rosado com o Governo do Transvaal. Esse telegramma é por tal modo extenso que está ainda no Ministerio do Ultramar para ser copiado, e por isso me vejo inhibido de o mandar hoje para a mesa, mas espero amanhã poder fazê-lo. A Camara me relevará não poder apresentá-lo hoje, como desejava. (Vozes: - Muito bem).

O Sr. Presidente: - Como a hora vae adeantada não sei se o Sr. Claro da Ricca quererá usar da palavra.

O Sr. Claro da Ricca: - Se V. Exa. me dá licença, aproveito os poucos minutos que faltam.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Claro da Ricca: - Sr. Presidente: começo pela forma como o illustre Deputado que me antecedeu acabou, lendo a minha moção, que é a seguinte:

(Leu).

Sr. Presidente: o Sr. Conselheiro Carlos Ferreira falou muito bem, falou com muita energia, mas a verdade é que o que a eloquencia não consegue destruir são os ecos que se repercutem na alma de um povo e na consciencia publica, e entre isso avulta o que eu vou dizer do fundo da minha alma com toda a consciencia e com toda a sinceridade. E que os factos occorridos, tristemente conhecidos e aggravados seriamente com o recente tratado luso-transvaaliano, fazem com que a solução dada á crise constitua um gravissimo perigo nacional, torno a repeti-lo, constitua um gravissimo perigo nacional. (Apoiados).

Não quero neste momento, por melindres que facilmente se comprehendem, discutir a forma, que eu reputo atribiliaria, como se procedeu nesta questão; isso ficará para ulterior analyse; mas não posso deixar de accentuar que se fez assumir o peor dos systemas de dirigir um povo, porque se mascarou um poder pessoal definido, nitido, na hypocrisia de um falso constitucionalismo, assumindo assim um poder mentiroso, que, sem ter a vantagem dos outros, reune os defeitos de todos. (Apoiados). A questão agora é mais precisa, e eu vou para o campo para que me chamou o illustre Deputado que me precedeu; na guerra, como na guerra, e affirmo com toda a sinceridade que não era meu intento orientar assim o discurso que estou proferindo quando ha pouco transpunha as portas da sala. A questão é mais precisa, não basta a affronta, a injuria atirada às faces do país pela ruina moral, colonial, politica, financeira e até social.

Sr. Presidente: foi-se mais longe, procedeu-se da mesma forma, repetiu-se esse procedimento nas vésperas, no dia, na semana immediata áquelle momento em que longe do país se assinava um crime constitucional, o tratado da província de Moçambique com o Transvaal, tratado que faz crer que ha de ser uma verdadeira gollilha da autonomia da nossa colonia. É o principio do fim! Hoje Moçambique, amanhã Angola, depois a metropole. Devemos olhar para os exemplos que nos dá a historia. Note V. Exa. que hontem á noite, falando com um dos espíritos mais lucidos d'esta terra, um jornalista distincto, lembrava-me S. Exa. o seguinte facto historico da nossa politica:

Num Gabinete de Saldanha, Garrett assinou, sem res-

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tricções um tratado de commercio simples é sem duvida nenhuma vantajoso para nós, com a França. O Conselho de Ministros quando tomou conhecimento do facto repelliu o procedimento do seu collega e foi levado á Corôa o seu erro. A Rainha demittiu immediatamente o Ministro delinquente, e demittiu-o com uma censura ostensiva, porque no decreto de exoneração mandou cortar aquellas palavras que apesar de officiaes constituem como uma compensação.

E o que se dá agora?

Note V. Exa. que o factor inspirador de todos os ultimos Ministerios, a cuja inhabilidade, incompetencia, má acção de Governo se deve a acção periclitante em que se acha a politica portuguesa, é mais do que isso, a nossa autonomia, o nosso futuro, escondeu do país, pois já devia ter conhecimento d'esse facto, escondeu da Camara o acto da assinatura d'esse convenio sem restricções e conseguiu fazer renovar os mesmos dois Gabinetes anteriores sobre uma nova forma, os mesmos Gabinetes que tinha dirigido e a cuja acção se deve a estructura do novo Governo.

Chegou-se a esta solução; mas quaes são os seus pormenores, que tantos elogios mereceu ao illustre Deputado que me precedeu no uso da palavra?

Não ha duvida que o Governo foi assediado não só por uma opposição formidavel, violenta, mas tambem leal e patriotica dos seus adversarios politicos, mas podia manter-se na omnipotencia do poder, se visse que havia um eco de applauso na opinião publica.

Mas não, a opinião publica estava eivada de suspeitas. Alem do convenio do Transvaal convulsionava-a essa operação escura da prata. (Apoiados).

A opinião estava maguada pelas perfidias praticadas para com o país e muito fazia lembrar que não podia haver differença entre a dignidade pessoal e a dignidade politica.

Sr. Presidente: fez-se a Corôa talvez inconscientemente, cumplice d'esta solução cujo significado posso calar na minha dor por decencia e respeito, mas que não posso esquecer como membro que sou do partido regenerador.

Formou-se o novo Ministerio, mas esse Ministerio é a resurreição do anterior, com mais responsabilidades.

É a manutenção do partido progressista no poder, cujos effeitos deleterios já são conhecidos.

Ninguem tem nelle confiança. Fora d'essas alcatifas dos conluios, os mais moderados esperam o momento da derrocada geral.

Esta é a situação e por isso digo que a solução dada á crise constitue um perigo constitucional gravissimo.

Mas independentemente d'estas considerações, devemos attender ao valor intrinseco dos membros que formam o Gabinete, pára se ver se essa contextura politica não será um perigo.

A hora está adeantada, na proxima sessão continuarei as minhas considerações, mas desde já declaro que não dou a ninguem o direito de ver nas minhas palavras, intuitos que não estão no meu pensamento.

Os homens que se sentam naquellas cadeiras perdem, para a discussão, as suas qualidades individuaes para só ficar a qualidade de membros do Poder Executivo, e como tal, tenho o direito de os apreciar como entender e julgar mais consentâneo aos interesses do país. (Apoiados).

Se V. Exa. Sr. Presidente e a Camara me permiitem fico com a palavra reservada para a sessão seguinte.

Consultada a Camara, resolveu affirmativamente.

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro das Obras Publicas (D. Luis de Castro): - Pr. Presidente: não fujo nunca às responsabilidades que legitimamente me pertencem; mas com toda a sinceridade devo declarar a V. Exa. que, realmente, por lei, não me cabe responsabilidade alguma na questão que aqui foi levantada pelo Sr. Archer da Silva e que era a continuação dos debates sobre o emprestimo.

O artigo 57.° da Lei que regula o assunto diz:

(Leu).

Mais abaixo no artigo 63.° diz-se:

(Leu).

Foi o nome honradissimo do Sr. Calvet de Magalhães quem executou o disposto no artigo 57.°

Fez a communicação ao Ministro da Fazenda de que se podia realizar o emprestimo em determinadas condições e a mim coube-me assinar o contrato firme no artigo 63.° e executado pelo Ministro da Fazenda como a lei manda.

V. Exa. sabe e toda a Camara que em Conselho de Ministros trata-se da generalidade de todas as questões que occupam as diversas pastas e como entre todos os Ministros ha, como não podia deixar de haver, mutua confiança, a minuciosidade d'essas questões pertence aos respectivos Ministros.

A opposição que tinha posto este debate antes da queda do Ministerio transacto, continua agora nessa discussão, mas como já não encontra o Sr. Conselheiro Espregueira ataca-me a mim por ter o meu nome nesse contrato. Foi isso o que a opposição quis, na intenção, no firme proposito de derrubar Governos, o que já se vae tornando um sport nacional.

A quem, pergunto eu, se pretender fazer acreditar na responsabilidade do Ministro das Obras Publicas neste contrato?

O nome do Ministro das Obras Publicas figura neste documento, porque, como garantia aos credores d'esse emprestimo, os rendimentos dos caminhos de ferro asseguram o pagamento da divida contrahida pelo Ministerio da Fazenda.

Não representa absolutamente mais nada.

Tambem o Sr. Teixeira de Sousa assinou o contrato de 1903, do Sr. Conde de Paçô-Vieira e ninguem se lembrou de o accusar ou de o louvar per esse facto.

Quero para mina as mesmas regalias e mais nada.

Isto pode não ser politico, mas tomem estas declarações como de quem são: são de um lavrador, de um professor de economia agricola que aqui está por opinião da agricultura nacional; a sinceridade com que falo não me advém por temperamento de politico faccioso nem por ser orador parlamentar; digo as cousas que sei e que me perguntam, exponho com sinceridade e francamente a minha opinião.

Quando a Camara, na sua maioria, entender que este Governo não cumpre o seu dever, eu saio com prazer; e saio espontaneamente, talvez, quando me convencer de que não posso corresponder aos desejos da agricultura portuguesa, mas não aos gritos da opposição.

Não entro na questão financeira, porque não tenho de entrar nella.

O illustre Deputado que se dirigiu a mim não tome á falta da minha resposta por desconsideração, mas apenas porque a questão está esgotada e o país conhece perfeitamente a questão financeira do emprestimo; illustres Deputados dos dois lados da Camara a teem versado e eu não sou mestre em questões financeiras.

(O orador não reviu).

O Sr. Archer da Silva: - Em primeiro logar permitta-me V. Exa. que eu diga que ha momentos me disseram que o Sr. Carlos Ferreira, espontaneamente, no final do seu discurso dera as explicações necessarias às palavras que me dirigiu. Dou-me por plenamente satisfeito com as explicações de S. Exa.

Antes de responder às considerações do Sr. D. Luis de Castro, permitta-me V. Exa. que eu peça uma resposta ao Sr. Ministro da Fazenda. S. Exa. fez-me uma observação. Era sobre uma questão gravissima, sobre uma questão em que eu tinha empregado a minha palavra de honra.

Eu pedia ao Sr. Ministro da Fazenda a especial fineza,

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SESSÃO N.° 23 DE 19 DE ABRIL DE 1909 17

já que nessa, occasião não pude fazê-lo, de me dar essa explicação.

Entretanto, faço uma reflexão ao Sr. D. Luis de Castro.

S. Exa. levantou-se para dar explicações; deitou fora todas as responsabilidade e disse estas palavras: "O Ministro das Obras Publicas só tem de dizer se o rendimento dos caminhos de ferro do Estado chega para garantir o emprestimo".

Nesse caso, eu pergunto: como é que reputa a accusação que lhe fiz, de que, sendo o rendimento de 229 contos de réis, S. Exa. assinou um contrato de 642 contos de réis?

É o Sr. Ministro das Obras Publicas, não é o Sr. Ministro da Fazenda. (Apoiados). Esta é que é a questão que eu levanto.

O Sr. Presidente: - Não quero, de forma nenhuma, coarctar o direito de S. Exa. usar da palavra, mas lembro-lhe apenas que está usando da palavra para explicações, visto que este assunto já foi votado. (Apoiados).

Espero, pois, da gentileza de S. Exa. o cingir-se apenas às explicações.

O Orador: - Eu vou terminar, dizendo unicamente que o Sr. Ministro das Obras Publicas nas palavras que ha pouco proferiu, só teve em vista sacudir a agua do seu capote, como se costuma dizer, e nada mais.

Tenho dito.

O Sr. Ministro da Fazenda (Soares Branco): - Sr. Presidente: effectivamente eu ainda agora ia fazer uma interrupção, que me parecia que havia de ser agradavel ao Sr. Archer da Silva, mas, como os illustres Deputados do opposição começaram a dizer "isto não pode ser", eu aproveitei o ensejo e assentei-me. Mas como o illustre Deputado Sr. Archer da Silva me pediu o favor de eu dizer agora o que ia dizer ha pouco, vou fazê-lo e responder aos pontos concretos a que S. Exa. deseja resposta.

Confirmo que effectivamente na sexta-feira, quando o illustre Deputado esteve no Ministerio da Fazenda, não existia na Direcção Geral copia da acta.

O folheto a que S. Exa. se referiu foi mandado imprimir muito rapidamente, tendo o Sr. Conselheiro Perestrello conferido o original com a publicação que está no folheto.

Por consequencia, a affirmação do illustre Deputado, dizendo que nada existia na Direcção Geral, era exacta...

O Sr. Archer da Silva: - E não havia nos livros de registo do Ministerio da Fazenda copia da acta?

O Orador: - Já respondi às perguntas que o illustre Deputado me fez; nada mais tenho a dizer.

O Sr. Presidente: - Deu a hora.

A primeira sessão é amanhã 20, á hora regimental, sendo a ordem do dia na primeira parte as declarações do Governo e na segunda parte a crise ministerial.

Está encerrada a sessão.

Eram 7 horas da tarde.

O REDACTOR = Arthur Brandão.

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