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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1088 424-A

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Competiria mais apropriadamente a alguns dos membros da commissão de legislação commercial, que estudou e deu parecer sobre a proposta de lei para ser approvado o novo codigo de commercio, responder á pergunta do illustre deputado; mas como s. exa. se dirigiu directamente a ruim, não tenho duvida em dizer ao illustre deputado que não só me não opponho a que a discussão do codigo commercial seja a mais ampla possivel, mas que até isso muito agradavel me será.
Não tenho pois difficuldade alguma, pela minha parte e por parte do governo, em acceitar a discussão rios termos em que ella possa ter a maior amplitude. (Apoiados.)
Feita esta categorica declaração, inutil será dizer que concordo em que, alem da discussão na generalidade, haja tambem discussão na especialidade. Com respeito, porém, a este ultimo ponto da proposta, peço licença ao illustre deputado para lembrar uma simples modificação, mas que mo parece essencial, para a discussão na especialidade se tornar mais perfeita.
S. exa. propoz que o projecto fosse discutido na especialidade, por capitulos, e eu lembro que será melhor discutil-o por titulos, e isto pela simples rasão de que o codigo é dividido em livros, e estes em titulos, e não em capitulos.
A difficuldade pratica, se se approvasse a ultima parte da proposta do illustre deputado, começaria logo no principio do livro primeiro, pois que esta abre por um titulo em que não ha capitulos.
Portanto, se s. exa. não tem duvida em substituir a palavra capitulos pela de titulos, podemos ficar perfeitamente de accordo em que logo depois de se discutir a generalidade do codigo commercial, que é approvado no artigo 1.° da lei preambular, se discutam em seguida especialmente os titulos do codigo e depois os artigos subsequentes d'aquella lei.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Ainda hoje, antes do illustre deputado pedir a palavra para propor a questão previa que acaba de suscitar com respeito á disposição contida no § unico do artigo 3.° do projecto, foi-me perguntado particularmente por alguns srs. deputados se porventura esta disposição prejudicava qualquer resolução que se pretendesse tomar com relação á Madeira, ao que logo respondi negativamente, isto é, que de modo algum essa disposição podia prejudicar qualquer resolução que se pretendesse tomar com respeito á Madeira, (Apoiados.) e que até quando se discutisse a materia do paragrapho a camara poderia tomar qualquer providencia a tal respeito.
E s. exa. sabe perfeitamente quaes as rasões de ordem superior que legitimam a disposição geral do citado paragrapho, mas isso por modo algum pôde prejudicar a adopção de qualquer providencia que o governo e o parlamento, em rasão de acontecimentos recentes, ou da aggravação de condições anteriores, tenham a tomar com respeito á Madeira. (Apoiados.)
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Mais uma vez tive a infelicidade de não lograr ser percebido pelo illustre deputado no que disse. Só essa infelicidade pôde explicar, quanto a mim, não ter o illustre deputado comprehendido as rasões que apresentei.
O sr. Julio de Vilhena, porém, não só declarou não comprehender as minhas rasões, mas até acrescentou que eu, como ministro, faria votar hoje pela minha maioria a disposição do artigo 1315.° do actual codigo, na parte vigente, para dias depois vir derogar esta deliberação, e concluiu dizendo que tal procedimento exautora o parlamento, e não é serio.
Protesto terminantemente contra similhantes proposições. Tudo quanto aqui ,se faz é serio e a maioria vota o que em sua consciencia entende dever votar. (Muitos apoiados.) Nada mais.
Mas que disse eu para merecer taes censuras? Disso que a disposição que estava no paragrapho d'este artigo não prejudicava qualquer resolução, do governo ou do parlamento.
Pois para esta declaração se tornar n'uma realidade é preciso voltar o projecto á commissão e suspender a discussão do código commercial, que nada tem com isso? Parece-me que não.
De certo que foi por defeito meu, e não de s. exa., que não me pude fazer comprehender, mas repito as terminantes declarações que fiz em nome do governo. O governo mantém o que disse; a discussão d'este paragrapho em nada prejudica quaesquer providencias que a situação da ilha da Madeira aconselhe. (Apoiados.}
E tanto esta foi sempre a minha idéa, que antes de s. exa. ter-se levantado já eu o tinha dito particularmente a alguns srs. deputados que se tinham dirigido a mira a fazer a mesma pergunta. Não sei em que isto possa prejudicar a discussão do codigo; entretanto a camara decidirá como entender.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Entrando na discussão do projecto do codigo commercial, cumpre-me responder ao illustre parlamentar e eminente jurisconsulto o sr. conselheiro Dias Ferreira. Antes porém de encetar propriamente a discussão, não posso deixar da agradecer a s. exa. as expressões benevolas que entendeu dever dirigir-me, a proposito da apresentação d'este projecto. Agradecendo, porém, essas expressões, devo acrescentar que se eu tiver a felicidade de referendar com a minha assignatura o projecto do codigo commercial em discussão, não tomarei para mim qualquer gloria que d'esse facto possa provir. Essa gloria recáe sobre todos aquelles que tão patriotica, como desinteressadamente, collaboraram na obra, em verdade grandiosa, de reformar a nossa legislação mercantil, sobre todos quantos se deram ao improbo trabalho de o rever, sobre todos que paciento e conscientemente o analysaram e discutiram, sobre todos, em fim, que deram contingente para se levar a cabo tão importante obra. A esses todos é quo realmente cabe a gloria de ter sido convertido em lei o projecto do novo codigo. (Apoiados.) Ainda, quo no logar apropriado eu já tenha a alguns d'esses indefessos trabalhadores tecido os merecidos elogios, todavia como é esta a primeira vez que a todos me retiro no parlamento do meu paiz, nào deixarei escapar essa occasião sem lhes prestar, mais uma vez, o tributo da minha homenagem como ministro, e da minha gratidão como homem. De entre todos sei ia flagrante injustiça e ingratidão grande não especializar, n'este momento, a commissão de legislação commercial d'esta camara, que, com uma pertinácia só igual á sua illustração, habilitou o parlamento a discutir o projecto. Dil-o-hei, e com orgulho o digo, que os trabalhos d'essa commissão proseguidos desveladamente em conferencias numerosas, prolongadas, instructivas e animadas, fazem honra não só aos homens que a compõe, mas á camará que os elegeu, e ao systema que noa rege. Todos comprehenderão que eu, levantando-me para discutir o presente projecto, não podia deixar de prestar o meu testemunho insuspeito a essa illustrada commissão. A mim cabe mo apenas a satisfação do dever cumprido : nada mais.
Dito isto, passarei a responder, conformo possivel me for, ás observações que o sr. Dias Ferreira acaba de fazer, e que se referiram, segundo os apontamentos que tomei, unicamente a tres pontos geraes. S. exa. declarou que se limitaria a fazer declarações nu generalidade, e que tendo-se resolvido houvesse discussão na especialidade, por titulos ou capitulos, reservava se para então acrescentar o mais que tivesse a dizer.
Acompanharei o illustre deputado nas considerações que
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por emquanto entendeu dever apresentar, procurando seguir a ordem que adoptou.
S. exa. lamentou que o projecto do codigo commercial não viesse acompanhado de ura projecto do codigo do processo. Tem o illustre deputado rasão, mas a minha resposta será tão simples como concludente. Não coube, no tempo, organisar esse trabalho. Eu entendi em harmonia com os melhores codigos das nações estrangeiras, que devia separar em regra, e quanto possivel, a organisação judicial mercantil e o processo commercial do codigo do commercio e limitar este diploma áquillo que a jurisprudencia chama direito substantivo. Isto fiz, mas donde todo o principio do meu trabalho julguei de conveniencia como que completar as disposições do novo codigo commercial com a reforma do processo mercantil. Faltou o tempo, repito, mas nem por isso tenho deixado de meditar no modo pratico de levar a cabo o mais promptamente possivel esse natural complemento do actual projecto. Como o illustre deputado sabe, ha já um trabalho que póde auxiliar nos no intuito desejado, e que por sua duvida, tem de ser tomado em consideração. E um projecto do sr. conselheiro Gaspar Pereira da Silva, que foi jurisconsulto tão illustrado como austero estadista. Este projecto póde servir de base para qualquer trabalho que haja a fazer-se sobro processo commercial, e introduzindo-se-lhe as necessarias modificações, fundamentar a proposta que espero, se continuar a permanecer n'este logar, apresentar ao parlamento. Não costumo fazer promessas sem intenção de os cumprir. Repito, pois, espero trazer á camara uma lei do processo complementar do codigo commercial, trabalho esta, que hoje depois da publicação do codigo do processo civil, se simplifica muito, procurando-se formular um processo quanto possivel commum para o commercio e para o civil.
Entrando na discussão do que podemos chamar lei preambular, notou o illustre deputado a divergencia que ha entre a fórma por que se acha redigido o artigo 3.° do projecto e aquella que se deu ao artigo da lei que aprovava o codigo civil, e mostrou desejos de que o artigo do projecto fosse redigido por forma diversa.
Antes de expor as considerações quo podem fundamentar a redacção dada ao artigo citado, e de apreciar as indicações feitas pelo sr. Dias Ferreira, devo dizer ao illustre deputado que, desde que a discussão do codigo commercial e questão aberta, em que se tem tudo a ganhar com o maior desenvolvimento que se lhe de, a nossa intenção é admittir e apreciar na commissão, não só com relação a este mas a todos os outros pontos, as propostas mandadas para a mesa ou as indicações suggeridas durante os debates. Nenhuma d'ellas deixará de ser tomada em consideração, e pela minha parte acceitarei todas aquellas que, não offendendo os principios fundamentaes do codigo, possam servir para o melhorar. (Apoiados.)
Feita esta solemne declaração, desde que o illustre deputado, ou outro qualquer, apresentar duvidas fundamentadas que a forma por que qualquer artigo se acha redigido possa suscitar, eu acceitarei aquella redacção que mais clara for e melhor possa afastar toda e qualquer interpretação menos apropriada.
Voltemos porém, ao artigo 3° Expoz o illustre deputado as duvidas quo a leitura d'elle lho suscitara, e lembrou substituil o por uma da duas fórmas: ou redigir o artigo como o correspondente da lei do 1867, no sentido de que só fica revogada a legislação anterior sobro materia commercial que esteja comprehendida no codigo, ou no sentido de ficar revogada toda a legislação anterior, quer geral quer especial, que recair sobre direito commercial, propriamente dito.
Parece-me, salvo o respeito duvido ao illustre deputado, que nenhuma d'estas fórmas de dizer, póde ser rigorosamente adoptada.
A primeira forma que s. exa. queria dar ao artigo era a da correspondente da lei de l de julho do 1867, que approvou o codigo civil.
Diz esse artigo:
«Desde que principiar a ter vigor o codigo civil, ficará revogada toda a legislação anterior que recair nas materias que o mesmo codigo abrange, quer essa legislação seja geral, quer seja especial.»
Devo dizer que mui de caso pensado sã não quiz dar ao artigo 3.º do projecto a redacção d'este artigo da lei de 1867, que, como é natural, seria a primeira a occorrer. E vou dizer, resumidamente a rasão. O projecto não abrange materias sobre quo recáe a actual legislação commercial.
Por exemplo, as cartas de credito, as terras da terra, não têem disposições especiaes no novo codigo, por se entender quanto áquellas que representando apenas uma fórma usual de operações commerciaes aliás reguladas não careciam de provisões especiaes, e quanto ás segundas por que tendo-se julgado conveniente adoptar ura novo systema para a letra, em que não é condição essencial a distantia loci, inuteis seriam preceitos especiaes á chamada letra da terra. Isto posto, se se houvesse redigido o artigo no sentido de ficar revogada a legislação anterior que recaisse nas materias que o mesmo codigo abrangesse, o mesmo seria que dizer que ficavam em vigor todas as outras, sobre materia commercial, não contidas no actual codigo, e isto embora não fossem convenientes e nem apropriadas no nosso estado actual.
A redacção da lerdo 1867 com respeito no codigo civil era admissivel, pois que effectivamente ficava vigorando, como ficou, legislação civil anterior a elle, mas que recaia sobre materias n'elle não abrangidas, como por exemplo, os vinculos ainda subsistentes, a que o illustre deputado se referiu, mas essa redacção applicada á presente lei seria incorrecta por isso que o que se quiz é que ficasse revogada toda a legislação commercial anterior, embora não recaia sobre materias abrangidas no codigo.
A outra formula que s. exa. indicou no sou discurso tem para mim o inconveniente grande de ser em demasia indeterminada a expressão direito commercial, e tanto o illustre deputado d'ella se arreceou que a clausulou com o additamento «propriamente ditou. Mas ainda assim qual a caracteristica positiva do que fica sendo o direito revogado? Difficil seria determinar praticamente o valor juridico e legal da expressão.
Isto, porém, não quer dizer que se não de ao artigo outra redacção mais adequada á traducção nitida da idéa do legislador, se isso parecer necessario á commissão e á camara.
Qual foi essa idéa? Comprehendeu-a bem o illustre deputado, quando disse que da revogação da legislação mercantil anterior se ha de excluir o processo commercial, pois que emquanto não só achar publicada-a lei organica do novo processo commercial, tem de ficar em vigor todas as disposições da actual legislação mercantil relativas a processo. Perfeitamente de accordo. Essa é a idéa da commissão e do governo. Toda a legislação do processo tem de ficar necessariamente em vigor. Excepto, entenda se, sendo incompativel com disposições do novo codigo. E se a redacção não traduz bem esta idéa, esteja o illustre deputado certo que a illustre commissão a ha de formular no sentido de tirar qualquer duvida. Ficará salva a legislação do processo, mas é preciso advertir, repito, que innovando o actual código muitos pontos de direito mercantil, é possivel que certas prescripções do actual processo não sejam compativeis com as disposições do codigo. Essas é que não podem continuar a subsistir. Avisadamente, pois, se andará, resalvando da revogação a legislação de processo, que for compativel com o futuro codigo commercial, em quanto por outra fórma não for regulada,
Apreciados estes dois primeiros pontos a que se referiram as considerações do illustre deputado, passemos ao ultimo, mas que de certo o não é na importancia.
Foi esse um dos assumptos que mais larga discussão

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APPENDICE A SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1888 424-C

mereceu á illustre commissão de legislação commercial, e que mais de uma vez tem sido discutido no fôro, e agitado na imprensa juridica. Com respeito á esse ponto considero as disposições do projecto - digo o com toda a franqueza - não só como das mais importantes, mas tambem como das mais salutares innovações que n'elle se comprehendem.
Refiro-me ás providencias tendentes a tornar effectivas; em commercio, as responsabilidades do vario casado, commerciante, ou que contrahe dividas mercantis. Sito as disposições contidas nos artigos 10.° e l5.° do projecto do codigo, e que rezam assim:
(Leu.)
Para bem se medir o alcance pratico das provisões que ficaram consignadas no projecto do codigo commercial, depois de larga Discussão, e até da discordância de votos na commissão, é preciso ver quaes são as disposições do nosso direito vigente. A camara conhece-as de certo, mas a importância capital da materia obrigar-me-ha a reproduzil-as no decurso da minha argumentação para pleno conhecimento de todos a quem não sejam tão conhecidas como aos membros do parlamento.
Antes de proseguir, porém, devo dizer que concordo com o illustre deputado em que a organisação e fins da sociedade civil estão acima de todas as considerações commerciaes. Isto, porém, não obsta a que se concedam ao exercício do commercio as condições necessarias para o seu desenvolvimento e progresso todas as vezes que ellas não attentem contra aquella organisação, nem prejudiquem esses fins. O dever do legislador o por isso, no caso presente, do parlamento, é procurar resolver os problemas em que só envolvem a organisação da sociedade e a organisação do commercio por modo que, som de leve menoscabar os direitos da familia não sejam prejudicados os justos interesses do commercio.
O illustre deputado n'um rapto da sua eloquencia, e quasi diria da sua indignação, arguiu-me de vir propor ao parlamento do meu paiz providencias que atacam, a seu juizo, os principios fundamentaes da organisação da familia. Não mo accusa a consciencia, de similhante attentado. Esse testemunho porém não basta em questões de direito positivo e em casos de legislação pratica. Defender me-hei
Sois, e, tanto mais que a accusação formulada pelo illustre deputado não se dirige só ao ministro da justiça, mas vae mais longe e attinge a illustre commissão de legislação, commissão que, na sua maioria, approvou a minha tentativa. A commissão de certo não queria revogar os principios do nosso, direito em que assenta a organisação da familia. Não foi essa a idéa do governo, já o disse, não era essa a idéa dos, que toem reclamado na pratica a necessidade da inserção no codigo commercial de principios em virtude dos quaes ao mesmo passo que se respeitassem os direitos da familia, se não deixassem ludibriar os interesses do commercio que são também importantes e justificados. Isto posto, entremos em materia.
O illustre deputado allegou, senão a contradição, a diversidade que, em seu entender, se dá entre as disposições do codigo civil referentes ao regimen matrimonial e as d'este projecto.
S. exa. que conhece perfeitamente, o nosso codigo civil, que ate o discutiu proficientemente n'esta camara, que o commentou acuradamente, disse que aquelle codigo tinha feito nas relações entre o marido e a mulher uma grande innovação, dando á mulher, na sociedade conjugal, posição, em regra igual á do homem. E acrescentou, avisadamente, que o codigo civil legislando assim revogara o antigo direito portuguez que, fundado em principios romanistas, considerava a mulher casada como que serva do marido.
Exaltando assim o codigo civil n'esta parte, e eu acompanho-o sinceramente n'essa apreciação, censurou, amargamente, o projecto do codigo commercial por que retrograda, n'esse ponto, dando, em materia commercial ao marido mais direitos do que á mulher, e chegou até a achar menos repugnante aos principios o systema da lei velha.
Não, sr. presidente, não ha contradição alguma entre os principios adoptados pelo codigo civil e os que se contêem n'este projecto.
Os principios reguladores da organisação familiar e do regimen matrimonial que estão no codigo civil c que s. exa. em nome da moderna philosophia do direito tanto exaltou, e com rasão, são os principios dominantes que se acham estabelecidos no projecto em discussão.
Disse o illustre deputado que pelo codigo civil o marido sem auctorisação da mulher não podia em caso algum comprometter os bens proprios d'ella nem ainda a parte dos bens do casal que constituir a meação d'ella nos bens communs, salvo provando-se que as dividas contratadas só pelo marido tinham sido applicadas em proveito commum, ou no caso de ausencia ou impedimento da mulher em que não seja possivel esperar o regresso ou a cessação do impedimento.
Tal é a doutrina, sr. presidente, nenhuma duvida a esse respeito.
Mas é isso exactamente o que se contém n'este projecto. O marido continua nas mesmas condições em que se encontra hoje, isto é, não póde comprometter em qualquer transacção commercial sem auctorisação da mulher mais bens do que aquelles que o codigo civil lhe permitte responsabilisar, os bens proprios e a sua meação nos bens communs.
Nada mais.
Este principio acha-se até consignado, quasi direi repetido, no projecto que se discute, quasi pelas mesmas palavras como se acha consignado no codigo civil.
É ver o artigo 10.° do projecto, e comparal-o com os artigos 1:112.° e 1:114.° do codigo civil. .
Por consequencia o codigo commercial está perfeitamente de accordo com o codigo civil, e não ha portanto n'esta parte a, contradição nem sequer diversidade que s. exa. quiz notar.
Que mais diz o codigo civil?
Preceitua que quando a mulher não tiver dado a sua outorga a qualquer obrigação contrahida pelo marido, mas a divida respectiva tiver sido applicada em proveito commum dos conjuges, fiquem os bens communs obrigados ao pagamento d'ella.
São o n.° 2.° do artigo 1:110.° e o § 2.° do artigo 1:114.°
Ora o que diz, n'esta parte o projecto?
Preceitua-o artigo 15.° que as dividas provenientes de actos commerciaes contrahidas só por um dos esposos que for commerciante, ou pelo marido commerciante presumir-se-hão applicadas em proveito commum dos conjuges.
O que o artigo faz unicamente é estabelecer uma presumpção, nada mais.
E não será de todo o ponto fundada similhante presumpção?
Parece-me que sim.
Em primeiro logar note a camara, e isto é importante, que a disposição do artigo 15.° é exclusivamente applicavel ao commerciante.
Isto posto não será justo presumir, que o homem casado, e este principalmente, que exerce o commercio por profissão,, applica as dividas contrahidas no exercicio d'essa profissão em proveito do casal?
A consciencia da camara que responda.
E devo acrescentar que já hoje, á sombra da legislação actual, os tribunaes, ao que me consta, têem applicado esta presumpção.
Assim, pois, o codigo n'esta parte limita-se a estabelecer uma presumpção legal que, como é de direito, pode ser illidida pela prova contraria. Se o não for o que se faz? Applicar a disposição do direito civil, nem mais nem menos.
Prosigamos.
O codigo civil responsabilisa, como disse, ás dividas con-

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trahidas só pelo marido, sem outorga da mulher, a meação d'elle nos bens communs, mas acrescenta que o pagamento só póde ser exigido, depois de dissolvido o casamento, ou de haver separação.
Escuso do lembrar á camara os inconvenientes e difficuldades que na pratica do commercio se têem levantado a este respeito, e quantas vezes se tem abusado de um principio salutar em theoria, mas de que se póde abusar na pratica commercial.
Não preciso insistir n'este ponto, não só porque o proprio sr. Dias Ferreira reconhece que essa disposição tem inconvenientes que carecem de ser considerados polo legislador, mas porque fallo diante de pessoas que sabem bem quanto se tem abusado d'esta disposição do codigo civil.
Que fez, porém, o projecto? Obriga acaso os bens da meação da mulher ao pagamento de dividas contrahidas pelo marido sem sua outhorga? Não, que isso seria contrariar o codigo civil. Apenas permitte que se faça a divisão do bens do casal, de modo que o credor possa logo pagar-se pelos bens do marido, mas, note a camara, salvaguardando então e acautelando de futuro, os bens de meação da mulher.
Eu leio o § unico do artigo 10.º É o seguinte :
(Leu.)
Não foi uma innovação esta que o prurido do reformar fizesse surgir na mente das pessoas que collaboraram na organisação do projecto do codigo ou da commissão d'esta casa; este ponto já estava muito considerado na pratica a já havia reclamações urgentes por parte do commercio e principalmente por parte de representantes da associação commercial do Porto, que pediam que se reconsiderasse uma disposição que era causa de grandes prejuizos para o commercio.
Lembro-me que o meu illustre antecessor, o sr. Manuel de Assumpção, em deferimento a uma representação da associação commercial de Lisboa, convidou a associação commercial do Porto a indicar os pontos principaes da legislação mercantil que devessem ser innovados ou reformados. A esta consulta respondeu a associação commercial do Porto, e na sua resposta, que é mui digna de ser apreciada, um dos pontos em que insistiu foi exactamente aquelle a que se referiu o illustre deputado o sr. Dias Ferreira. O alvitre proposto pela associação commercial foi quanto possivel tomado em attenção pela commissão.
Portanto, póde-se dizer que um tal principio estava na mente de todos, e quo a reforma, n'esta parte, correspondia a uma verdadeira necessidade do commercio.
Disse já, e ninguem póde contestar a minha asserção, que a disposição do codigo civil está prejudicando, e em muito, a pratica do commercio licito. Resta-me, n'esta parte, reportar-me ás considerações do illustre deputado.
Vejamos agora, quaes são, em vista do projecto, os inconvenientes que podem surgir e que tanto parecem preoccupar o sr. Dias Ferreira.
Vamos favorecer o usurário com prejuizo da mulher casada, exclama o illustre deputado. E porque? Porque o marido fica habilitado a dissipar toda a fortuna do casal, e a familia fica privada de repente, de um momento para o outro, dos bens e rendimentos de que viviam. Como póde acontecer isto, sr. presidente, se o projecto dá expressamente á mulher casada o direito de se oppôr á execução na parte em que affectar a sua meação, e de libertar d'essa execução os bens que compõe tal meação ? Mais ainda: a mulher casada acautela essa mesma meação, já salva da primeira execução, de toda é qualquer responsabilidade futura contraida só pelo marido, pois que, decretada a separação, a consequencia e tornarem-se os bens da meação da mulher proprios d'ella e por isso irresponsaveis de futuro. É expresso o artigo 1224.° do codigo civil. E para este ponto chamo eu muito especialmente a attenção da camara.
Era preciso considerar a materia do artigo 1114.° do codigo civil com respeito ás relações commerciaes? Sem duvida. Adoptei de todas as soluções a que consignei no § unico do artigo 11.° da minha proposta. A commissão pensou maduramente no assumpto, e acceitando fundamentalmente, a disposição formulou o presente § unico do artigo 10.° A camara agora cumpre decidir.
Disso mais s. exa., copiei quasi textualmente as suas palavras: o projecto parece respeitar a meação da mulher nos bens communs, e comtudo priva-a logo dos rendimentos visto como a penhora importa a apprehensão dos bons, quo são entregues ao depositário que só judicialmente dá conta dos rendimentos.»
Mas, sr. presidente, acaso isto é innovação do projecto ? Pois hoje não acontece o mesmo? Não se estão por ahi fazendo penhoras em bens communs, e não está a mulher privada dos rendimentos da sua meação, emquanto não são julgados procedentes quaesquer embargos que tenha deduzido? Por corto. Tem s. exa. completa rasão n'um ponto, confesso. Creio que nada Bera mais desagradavel do que ver entrar por casa dentro o official de justiça e soffrer uma penhora, mas repito, o que pergunto é, se as condições mudam, se não ficam as mesmas que existem hoje?! Hoje dão-se exactamente esses mesmos factos! Assigna um indivíduo, embora não commerciante, uma letra de cambio, a mulher não outorgou n'essa letra, não paga a divido, vae o credor fazer a penhora; e essa terrivel situação em que virá a ficar a familia, privada de rendimentos, os filhos reduzidos á miséria, em fim, todos os infortúnios com que s. exa. nos commoveu, não se estão dando actualmente? Sem duvida. Pois não está isto acontecendo todos os dias, sem que ainda esteja em execução este codigo?! Por certo As condições são as mesmas; e n'este ponto não houve modificação alguma e por isso eu dizia a s. exa., que não ha contradirão alguma entre o codigo civil applicavel á hypothese e este codigo commercial. (Apoiados.)
O que acontece hoje? A mulher que não assigna, póde vir com embargos, nos quaes pôde justificar que d'aquella divida, nada foi applicado em proveito do casal; que certos bens são os de sua meação nos bens communs, mas emquanto não justificar tudo isto, e digamol-o porque assim é, emquanto não vencer uma demanda, fica privada dos rendimentos. Ora o que vae acontecer? A mulher em logar de vir com esses embargos vem unicamente requerer separação judicial, não de pessoas, é preciso distinguir, mas separação de bens.
E n'esta parte tambem o illustre deputado viu um ataque radical ao systema do regimen matrimonial vigente entro nós. Porque? Porque a lei não permitte requerer a separação judicial do bens senão no caso da mulher casada estar em perigo manifesto de perder o que é seu, pela má administração do marido. Mas replicarei, desde que se provar que uma divida commercial contrahida só pelo marido não foi applicada em proveito commum dos conjuges, qual e a conclusão quo d'ahi se deve tirar? É de que o marido que pratica um acto commercial cujos resultados não são beneficos ao casal, praticou um acto de má administração e d'ahi para a mulher o direito á separação dos bens. E expresso o artigo 1:219.° do codigo civil.
A mulher, portanto, requerendo a separação, salvaguarda, para o futuro, a sua meação. Se este projecto passar a ser lei, ficam-lhe resalvados logo todos os seus direitos e fica tendo como bons proprios, uma parte do seu casal, a parto que lhe pertence, segundo o direito. De maneira que o que póde levar o credor, é a parte por que o marido responde, mas a outra parte essa fica completamente resalvada para a mulher.
Ora, pergunto, se a mulher casada não fica mais bem garantida pelo projecto que se discute do que o estava pelo systema actualmente em vigor?
Para isto é que é necessario chamar a attenção d'esta assembléa.
Se o credor não conseguir pagar-se pela meação do ma-

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APPENDICE Á SESSÃO DE 6 DE FEVEREIRO DE 1888 424-E

rido nos bens communs, a outra metade fica livre de qualquer arresto, de qualquer penhora a que de futuro o marido tenha de sujeitar-se.
Disse o illustre deputado e disse bem que o direito antigo só exigia a intervenção da mulher para o marido poder alienar bens de raiz, mas que esse direito era illusorio, porque o marido simulava emprestimos, por virtude dos quaes eram penhorados e vendidos esses bens sem o consentimento da mulher. E hoje á sombra da lei nova, do codigo civil, que está acontecendo? O marido póde dispor de todos os bens mobiliarios - d'elle e da mulher - e esta só pode obstar á alienação dos immobiliarios. Ora o projecto melhora a situação, pois que, conhecido um acto de má administração, a mulher póde requerer em juizo a separação de bens, para ficar salva a sua meação, que tanto póde ser composta de bens immobiliarios como mobiliarios.
Acrescentou, mais, o illustre deputado: o credor que empresta a homem casado e não exige o consentimento da mulher, queixe-se de si, pois sabe que a obrigação não póde ser extensiva a todo o casal senão com intervenção do marido e mulher, exija a assignatura da mulher alem da do marido!
Pois o illustre deputado, que conhece as praticas commerciaes, imagina que a exigencia da, assignatura da mulher póde adaptar-se ás condições do commercio? Como é possivel que um homem para praticar o mais simples acto commercial tenha de recorrer á mulher para lhe conceder a outorga? Pois é isto pratico? No commercioso lucro, e é esse o seu fim, depende ás vezes de ura momento. Como conciliar esta urgência, esta necessidade do, não deixar es capar a occasião, com a exigência de ir procurar a mulher para obter a assignatura? E depois lembro apenas uma circumstancia, a da mulher estar residindo em localidade diversa. Como proceder? Imaginem-se as dificuldades que n'este caso adviriam para o commercio da exigência da as assignatura da mulher!
Isto era impossivel.
O que era necessario era achar uma formula que, som prejudicar os direitos da familia, - e estes já mostrei que ficavam melhor assegurados e garantidos - uma formula que, sem pôr em perigo os direitos da familia, viesse dar uma resposta ás reclamações que o commercio fazia, em vista, dos abusos, que nào quero individualisar, mas que effectivamente se davam. Essa formula creio que se encontrou; - e parece me, mesmo pelas proprias observações do illustre. deputado, que - não tem os inconvenientes que s. exa. tão eloquentemente apontou.
Viu, por ultimo, o i ilustre deputado mais um ataque aos principios fundamentaes da organização da familia, no estabelecimento da presumpção a que já me referi, contida no artigo l5.°
Supponhamos uma letra de cambio, ou, como se passa a chamar, uma letra, assignada só pelo marido:-diz o illustre deputado, pela jurisprudencia do projecto a divida presume-se contratada, em beneficio commum do casal. O sr. Dias Ferreira sabe bem o que acontece hoje. Assigna-se uma letra que representa de facto beneficio para o casal. Vence-se. Não se paga. Faz-se a execução sobre os bens do mesmo casal. Procede se á penhora. A mulher vem com embargos, allega a sua falta de outorga. Ao credor incumba a prova de que a divida foi applicada em proveito do casal. Mas o sr. Dias Ferreira é o proprio a confessar que o credor fica collocado, se não na impossibilidade, na dificuldade, de provar que a divida foi effectivamente contrahida em proveito do casal, quer dizer, ficou completamente ludibriado e defraudado! E sobretudo este abuso que levantou, da parto dos que lidam mais de perto no commercio, reclamações, pedindo que se fizesse uma modificação qualquer no estado actual.
O que se faz hoje? Em primeiro logar a presumpção de que uma obrigação commercial contrahida pelo marido bem outorga da mulher, é apesar d'isso contrahida em beneficio do casal, não é extensiva a um ou outro que pratique accidentalmente o commercio. Esta presumpção não é appllicada a qualquer cidadão que assigna uma letra ou pratica actos de commercio, applica-se unicamente-nunca é demais dizel-o-ao caso do marido que assignou a letra ou contrahiu a obrigação ser commerciante. Pergunto á camara aquelle que exerce a profissão do commerciante que, segundo a lei satisfaz a certas condições para ser considerado como tal, não deve presumir-se como praticando, todos os actos da sua profissão em proveito do casal? Por certo. É isso o que diz o artigo 14.°
(Leu.)
Como se vê pela leitura d'este artigo a presumpção é com respeito aos negociantes, e não a qualquer que pratique actos accidentaes do commercio. A presumpção, como s. exa. sabe perfeitamente, cede á prova contraria, applica-se não a todo e qualquer que vá assignar uma letra, mas unicamente ao commerciante que para o ser, repito tem de satisfazer a certas condições legaes e fazer do commercio profissão habitual. Nada mais.
Taes foram as considerações que o illustre deputado fez na discussão da generalidade; e por isso ponho termo ás minhas reflexões exactamente no ponto em que s. exa. acabou as suas.
Parece-me ter respondido a todos os pontos a que s. exa. se referiu. Em todo o caso, porém, como de corto terei de pedir a palavra, para então reservarei o que mais tiver a dizer.
Vozes: - Muito bem.

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