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APPENDICE Á SESSÃO N.º 28 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1898 384-A

Discurso do sr. deputado Oliveira Matos, que devia ler-se a pag. 884, da sessão n.° 23 de 28 de fevereiro de 1898

O sr. Oliveira Matos (sobre a ordem): - Mando para a mesa a minha moção de ordem, que passo a ler.

(Leu.)

Sr. presidente, por um acaso da ordem da inscripção, cabe-me n´este debate a honra de responder ao illustre deputado e meu antigo amigo o sr. Cabral Moncada, e devo essa honra a um pequeno incidente passado com outro deputado, tambem meu antigo amigo e patricio, que muito considero e respeito, o illustre membro da minoria, sr. dr. Luciano Monteiro.

Na ultima sessão, antes da ordem do dia, fiz eu algumas considerações e dirigi varias perguntas ao nobre ministro da fazenda ácerca do pagamento dos juros aos portadores da divida interna, referindo-me com mágua e indignação ao alarme que tinha cansado no paiz a noticia de que n´esta casa do parlamento só tinha affirmado por porte da opposição, sem protesto ou desmentido, que durante dois ou tres annos, pelo menos, não se satisfariam os encargos da referida divida e os credores nada receberiam, vendo diminuir o valor dos seus titulos, caso se approvasse o projecto da conversão, que discutimos. Tratei do assumpto como sabia e conforme o permittia o meu temperamento um pouco nervoso, que me faz exaltar quando tenho rasão e defendo o que é justo, no interesse do paiz, sem de fórma alguma querer irritar os debates e ainda menos melindrar os meus illutres collegas; mas o meu amigo sr. Luciano Monteiro, que me interrompeu com os seus habilidosos e repetidos ápartes e interrogações, não gostou das minhas considerados e respostas, achou mal cabido o momento, e um pouco irritado queixando-se dos ouvidos, desafiou-me a que na ordem do dia tratasse a questão, porque achava de mau gosto encabeçal-a tão extensamente no sessão antes da ordem do dia.

Mais pela muita consideração que s. exa. me merece, como um dos mais talentosos e distinctos parlamentares da opposição, do que pelo proprio desejo e vontade de entrar n´um debato tão importante como este, reconhecendo a minha insufficiencia e falta de recursos, pedi a palavra desde logo sobre a ordem, para mostrar que antes ou depois da ordem do dia eu não me arreceava de fallar, como posso e como sei e não fujo a discussão quando o cumprimento do dever o exige, estando prompto a usar n´este caso do direito que a todos assiste, na defeza das minhas opiniões, sincera e honradamente norteadas pelos interesses do paiz. Era-me indifferente tratar, antes ou depois, ou na ordem do dia, assumpto que eu reputava e reputo de muita gravidade e de grande interesse publico e eu entendia e entendo, que para isso todas as occasiões são boas e opportunas.

E aqui está explicada, sr. presidente, a verdadeira e unica rasão porque eu tenho a honra, com que não contava, de fallar em seguida ao illustre deputado sr. Moncada. Pois que sem se ter dado o referido incidente a palavra não me caberia n´esta altura, e certamente que oradores da maioria muito mais competentes e illustrados do que eu, e sobretudo muito mais sabedores da especial- dade de que se trata, a conversão da divida externa, haviam de responder a s. exa. e trazer novos elementos ao debate, com certeza muitissimo melhor do que eu o pesso fazer. Comtudo, vou esforçar-me quanto possa para acompanhar o meu illustre collega nas admiraveis divagações que fez á roda do projecto, quasi sem lhe tocar nem o apreciar e discutir, como têem feito os outros seus correligionarios.

O sr. Moncada, ao contrario do que se esperava, pelo seu feitio parlamentar e pelos exemplos dos seus collegas da opposição, foi tão moderado e correcto no seu brilhante discurso, que eu não posso deixar de o felicitar muito cordialmente por esta sua nova e valiosa feição parlamentar.

Fallou e muito bem, com uma correcção de phrase, serenidade e compostura, que contrasta notavelmente pelo acerto e reflexão das considerações, pela maneira como se dirigiu ao governo e á maioria, fazendo justiça as intenções de todos, sem aquelles grandes e destemperados arrebatamentos de incontinencia de palavra, de falta de bom senso, do exagero inconveniente, improprio e injusto, apaixonado e faccioso, mascarado de patriotismo, com que foi iniciado o debate d´este importantissimo projecto pelos seus exaltados collegas ! (Apoiados.}

Esta digna attitude de s. exa., um orador tão vibrante e nervoso, este seu moderado processo de ataque saindo tanto do molde dos seus irrequietos e turbulentos correligionarios, levo-me a crer que no seu espirito illustrado e justo, de jurisconsulto distincto, entrou o convencimento pela discussão que tem ouvido, de que o projecto não é tão mau como o pintam, e do que não viu apresentar ainda cousa melhor que o substituisse. E tanto assim é, que s. exa. com todo o seu saber, que é muito, não quiz aprecial-o para o combater; limitou-se a achal-o mau sem querer dar a rasão do seu dito, sem contra elle adduzir prova alguma, como demonstrarei.

Mas vamos adiante.

S. exa., repetindo as palavras de um outro orador da opposição, começou por lamentar que não tivessem entrado em fogo na discussão d´este projecto todos os grandes marechaes, os cabos de guerra da maioria. Eu tenho pena de ser um simples soldado, o mais modesto e humilde do batalhão da maioria, embora já não seja recruta pelo tempo de praça, e muito queria n´este momento ser um dos seus mais considerados generaes ou ao menos capitão, para ter a honra de corresponder aos desejos de s. exa.. Infelizmente para mim, a minha vontade e desculpavel ambição não podem supprir a falla dos meus recursos, e os galões como os meritos não se podem improvisar, mas conforme podér e sonhar, irei vendo se consigo responder às considerações que o illustre deputado fez. E desculpará, conto com a sua generosa benevolencia, como com a dos meus queridos camaradas, se eu não estiver, como de certo não posso estar, á altura de um tão notavel estrategico, que bem podia ser generalissimo.

E direi já, como soldado que não volta a cara ao inimigo, que me cansou grande estranheza que os illustres deputados d´esse lado da camara tanto tenham notado que os cabos de guerra da maioria não entrem em fogo, n´um assumpto tão importante como este, sem se lembrarem de que eu podia dizer-lhes e é verdade, que se assentam nas cadeiras da opposição quatro ministros de estado honorarios, não contando o sr. João Franco, ausente, e que nem um só d´elles entendeu ainda dever ter pedido a palavra para discutir, combater, apreciar, explicar ou

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aperfeiçoar com as luzes do seu talento e saber, o projecto (Apoiados) de que nos occupâmos!

De duas uma: ou realmente o caso não tem essa grande importancia malefica, perniciosa, funesta aos destinos do paiz, que s. exa. lhe querem attribuir, alcunhando-o de antipatriotico e ruinoso, e é por isso que os seus cabos de guerra, ainda os mais graduados generaes, os commandantes que ostentam as cores de cardeaes, aquelles que têem mais directamente as suas responsabilidades compromettidas, não fallam, nem se pronunciam, assistindo ao debate descansados e mudos; ou se tudo o que têem dito é exacto, sem exageros nem falsidades, elles têem faltado propositadamente no seu posto e ao cumprimento do seu dever, quando a patria corre perigo! (Apoiados.)

Eu deixo á sabia comprehensão dos illustres deputados a apreciação d´este memoravel facto, de que eu poderia tirar ponderosas consequencias, o que não faço, porque, a meu ver, para o caso pouco importa. Cada general e cada soldado defende aqui com o mesmo brio e ardor, como póde e sabe, a sua idéa, a sua opinião, os seus argumentos, como no campo de batalha defende a sua bandeira, distinguindo-se no ardor do combate os que são mais valentes, sejam ou não graduados.

A nossa bandeira aqui é esta: a da defeza de um projecto que julgâmos indispensavel á salvação da patria! O nosso posto é este! E estamos convencidos de que não só o defendemos intemeratamente com honra e energia, mas que assim cumprimos o nosso sagrado dever (Apoiados), como s. exa. atacando o, defendendo uma opinião contraria, estão talvez convencidos de que cumprem o seu! (Apoiadas.) Não podemos ser juizes de nós mesmo! A nação e a historia farão a devida justiça a todos!

O que é certo, porém, e fica constatado, é que, querendo s. exa. provar que d´este lado da camara não ha cabos de guerra nem generaes que se prestem a defender o projecto, porque o não acham digno d´isso, o seu argumento é fraco e contraproducente; tanto mais que até é inexacto, pois já usaram da palavra e brilhantemente, d´este lado da camara, entre outros, dois dos seus mais considerados oradores, - e talentoso relator, e o notabilissimo parlamentar o meu prezado amigo o sr. Villaça, que trouxeram á discussão com todo o luminoso brilho da sua palavra, os elementos mais claros de apreciação, a justificação mais completa do projecto! (Apoiados.)

Alem de que, s. exa. têem atacado o projecto tão frouxamente, com declamações tão inanes e banaes, que bastam os modestos soldados como eu para o defender! Os grandes cabos de guerra, os nossos mais gloriosos generaes, não precisam mesmo entrar em acção! Emquanto o inimigo assim atacar, bastam os guerrilheiros, as pequenas mas destemidas patrulhas, para sustentarem briosamente o fogo contra os simulados ataques de s. exa., porque os seus tiros têem sido de rhetorica, (Apoiados) de polvora secca, a fingir, fogos, mas fogos de vista, infantis, sem ferir, sem matar, sem bala nem chumbo! Peças carregadas, metralhadoras de boa convicção, argumentos esmagadores, provas irrefutaveis, tiros certeiros de canhão, nem um sequer! (Apoiados.)

Portanto, no dever que me impõe o meu alistamento de simples praça combatente, vou ver se posso, não digo satisfazer a s. exa., o que seria vaidade da minha parte, mas responder às considerações que não argumentos, que s. exa. hontem fez brilhante e distinctamente, como costuma, mais por dever de opposição, noblesse oblige, do que por intima convicção.

S. exa. facilitou-me, e ainda bem, a defeza a fazer do projecto, que realmente pouco atacou, limitando-se a mais correctamente repetir o que está dito e redito pelos seus collegas opposicionistas.

Para responder no illustre parlamentar, quasi que escusava de fallar ácerca do projecto; mas, emfim, para provar que o estudei e apreciei como merece, alguma cousa direi, não só para justificar o voto consciencioso que tenciono dar-lhe, como tambem para demonstrar que não assisti, nem podia assistir, estranho ou indifferente, ao debate d´esta questão financeira, que todos nós reconhecemos no fundo ser a maior, a mais importante, a mais ponderosa e grave para o interesse e proveito nacional, que ha muitos annos se tem apresentado n´esta casa do parlamento (Apoiados). É de vida ou de morte para a nossa existencia como nação autonoma, independente, ,e honrada, que lucta heroicamente para sustentar as suas gloriosas tradições! (Apoiados.)

Esta importantissima questão devia ser discutida e tratada serenamente, com muita prudencia e reflexão, arredando-se d´ella completamente o irritante facciosismo politico, as desalmadas paixões partidarias, que tudo azedam e estragam, as retaliações e as lembranças desagradaveis do passado, para todos mais ou menos amargo, e em que todos têem responsabilidades, e só tratarmos sensata e patrioticamente do presente e do futuro, para ver se produzimos alguma cousa de bom, de util e duradouro, que nos possa acudir de prompto e remediar o grande mal que nos afflige! Estou convencido que, no seu intimo, são estes tambem os desejos da opposição, faço-lhe essa justiça!

Portuguezes antes de tudo e acima de tudo, (Apoiados) de certo que s. exa. têem no fundo da sua alma o mesmo desejo que nós temos, o mesmo nobilissimo ideal que nos anima - o da salvação e engrandecimento da nossa querida patria - querendo sustentar, tanto quanto possamos fazel-o, os enormes compromissos que em seu nome se tomaram e a que ella está honrada e lealmente obrigada!

Mas, cousa extraordinaria, lamentavel e contradictoria, que se tem observado n´esta discussão desde o seu começo!

Não correspondem nada as obras, os factos, ás palavras que parecem sinceras, da illustre opposição! Esta é a triste verdade! (Apoiados.)

Desde o principio d´este já longo debate, como desde o começo da presente sessão parlamentar, que esta flagrante contradicção se tem accentuado notavelmente! Um dos chefes visiveis, reaes, do partido regenerador, illustre leader da opposição n´esta camara, declarou pelo mesmo do alto do seu logar, que não era intenção do seu partido e da opposição, em nome de quem fallava, fazer guerra ao governo no intuito de o derrubar; que ainda, não tinha chegado essa occasião opportuna, o momento azado de o substituir, e que, portanto, nas suas palavras, nos seus ataques às medidas governamentaes, no procedimento dos seus collegas da minoria que com elle combatiam o governo, nas questões a tratar, ninguem visse a pretensão e a ambição do poder, que por emquanto não pretendiam.

Parece que n´estas palavras e affirmações do illustre leader da minoria, que ainda não havia um anno tinha deixado as cadeiras do poder, se reconhecia em primeiro logar, que a linha de conducta do governo não era tão má e prejudicial aos interesses publicos, que fosse necessario desde já guerreal-o valentemente com a energia e processos de ataque precisos para o expulsar d´aquellas cadeiras; em segundo logar, que tendo o seu partido saido ha tão pouco tempo do poder, ainda se não podia julgar habilitado, nem rehabilitado, nem com direito algum, para de novo o querer occupar. Estas palavras davam a entender que a opposição n´esta casa seria sensata, correcta, moderada e serena, entrando n´um caminho de acalmação politica, muito para elogiar em tão critico momento, occupando-se placida e serenamente, com reflexão e estudo, de tratar sobretudo da questão magna, importantissima e melindrosa, da questão de fazenda, que estava para vir á discussão, examinando-a minuciosamente, discutindo-a leal e honradamente, apreciando-a comnosco, dando toda a sua valiosa cooperação ao projecto de lei em discussão, corrigindo-o, aperfeiçoando-o, melhorando-o, concorrendo quanto podesse para que elle se tornasse melhor, o mais perfeito possivel, esclarecendo o debate, com as suas idéas

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sobre o assumpto, com o seu talento, com o seu trabalho e experiencia dos negocios publicos, offerecendo novos alvitres, ou mesmo apresentando emendas ou até propostas de substituição, que fossem mais vantajosas e que convencessem o governo e a maioria, de que realmente eram preferiveis as suas medidas ás nossas que sustentâmos e o governo apresentou!

Mas o que succedeu? Corresponderam as obras e os actos da opposição às suas boas palavras esperançosas e patrioticas? Não!

Tem-se provado á saciedade que essas palavras não eram sinceros, que as intenções da opposição não eram realmente as que annunciou! É o que se tem visto! (Apoiados.)

Este debate iniciou-se por mais de um discurso inconveniente, violento, impetuoso, indo-se rebuscar nos diccionarios os adjectivos mais extraordinarios para compor imagens rhetoricas de grande effeito, ameaçadoras, tetricas e pavorosas, para afear e ennegrecer propositadamente o quadro já de si realmente triste, desolador, da nossa pobreza e miseria economica e financeira, chegando a dizer-se que este projecto estava sentenciado a ser a vergonhosa mortalha da nossa nacionalidade, a ruina e o opprobrio, a porta aberta á administração estrangeira, a perda da nossa autonomia e independencia!

Isto disse-se e repetiu-se levianamente, em phrases mais ou menos rubras de indignação e violencia, em todos os tons, conforme a força dos pulmões e o temperamento mais ou menos irritavel e apaixonado dos principaes oradores da opposição! (Apoiados.)

Parecia que não se tratava de uma questão magna, de vida ou de morte para o pais! De uma alta e grave questão economica e financeira! De um projecto importantissimo, a que bem se póde chamar de salvação publica, destinado a melhorar a angustiosa e improlongavel situação em que nos encontrâmos, mas sim que se estava debatendo e degladiando uma acirrada e facciosissima questiuncula, de politiquice de campanario, de alguma renhida eleição sertaneja, d´essas que tanto apaixonam e irritam os mandões locaes e os regedores, e que por vezes até fazem repercutir os sons nos echos d´esta camara!

Declaro que n´este ponto não estou fazendo referencia ou dirigindo insinuação pessoal nenhuma a alguem, ou a casos passados na sessão de hoje; fallo em geral.

Questiunculas, repito, a que nós para sustentarmos o fogo sagrado d´esses regedores e d´esses mandões, damos grande importancia e transformâmos em occorrencias de um alto valor civico, para que chamâmos a attenção do governo, pedindo providencias energicas e urgentes!

Cinco votos de mais, cinco votos de menos; a eleição da junta de parochia ameaçada, a da camara tremida; um administrador tyranno que não deixa votar os mortos; um governador civil que requisita tropa para manter a liberdade da urna, uma que não dá o resultado que se deseja; estas sim, que são as graves questões que mais interessam, que mais se discutem, que mais attenções merecem e reclamam!

Mas a questão financeira, a seria e grave questão financeira e economica, que se aggrava e manifesta cada vez mais aguda, perigosa e irreductivel, não de hoje, mas de ha seis, sete ou dez annos, a gravissima questão por excellencia, a que a todas sobreleva e cujo deploravel estado, diga-se imparcialmente, é da responsabilidade de todos os partidos politicos e de todos os nossos homens publicos, embora haja alguns que a tenham maior do que outros, essa parece tratar-se levianamente, sem estudo, sem reflexão, sem seriedade, de animo ligeiro, como cousa de somenos importancia, que aborrece, que enfada, que não merece consideração! (Apoiados.)

É por isso que os eleitores, os contribuintes, a grande maioria do paiz, a que trabalha e paga, por vezes, em arrancos de sinceridade e de revolta, mas de revolta surda, porque o paiz ha muito que não tem coleras nem forças para se revoltar e reagir com energia, faz as criticas mais acerbas ao que se passa n´esta casa, rematando-as com a já conhecida phrase, que realmente não é muito de honrar o nivel moral do parlamento, "de que tão bons são uns como os outros"...

E a verdade é, sr. presidente, que, as culpas do lastimoso estado de pobreza e ruina a que chegamos, da nossa triste decadencia financeira e economica, de tudo o que se está passando de grave e ameaçador, de quasi irremediavel, são talvez quasi tanto d´este lado da camara, como aquelle; mas as d´aquelle lado (indico, a opposição), são mais tremendas, mais esmagadoras, muitissimo mais pesadas, porque nos ultimos e nefastos annos de desleixada e pessima administração, são os regeneradores que mais têem exercido o governo, que mais tempo têem catado no poder que d´elle têem usado e abusado largamente, sem se terem preoccupado com as ameaças da medonha derrocada que os subverteu e obrigou a cair, sem que ninguem os empurrasse! (Apoiados.)

No ultimo quartel d´este seculo, nos ultimos vinte e cinco trinta annos da nossa pacata e socegada vida constitucional, tem sido quasi sempre, ininterruptamente por successivos annos occupado o poder pelo partido regenerador; e, portanto, não é elle que póde desculpar-se, como progressista, não é elle que póde elleger ter menos responsabilidades, nem é elle o que póde, com certeza, atirar a pedra ao telhado do seu vizinho, irrogando censuras, levantando clamores de indignação, que não têem direito a fazer, devendo queixar-se de si proprio, das suas mais graves faltas, accusar-se e fazer penitencia, antes e accusar os seus adversarios politicos, que só raras vezes e sempre em circumstancias difficeis têem logrado o poder!... (Apoiados.)

Portanto, menos palavras, menos declamações e mais obras! Sejam patriotas, sejam sinceros, antes de ser regeneradores sejam portuguezes e auxiliem o governo estudando e apreciando devidamente os seus projectos e os seus planos de salvação, ampliando-os, emendando-os, melhorando-os, para ver se conseguimos saír com honra da perigosa situação em que nos achâmos, o que a todos deve interessar por igual!

Cumprâmos todos o nosso dever! (Apoiados.)

E quando digo todos, quero abranger aquelles que n´esta casa tambem tenham agora levantado vozes de recriminação e censura, e que tendo tido assento nos conselhos da corôa, em circunstancias favoraveis - unicas - para tudo poderem tentar e fazer, nada produziram de util e proveitoso para o bem da nação, o que não podem eximir-se ás grandes responsabidades do seu governo; governo, que não tendo saído da chamada rotação constitucional dos partidos, subiu ao poder em condições excepcionalissimas, em um determinado momento historico, como nenhum outro houve, animado de applausos, cheio de confiança, forte e vigoroso, rodeado de sympathias e esperanças populares, não lhe faltando nenhum elemento para tudo poder emprehender a bem da causa publica, da salvação da patria, e que, nada tendo feito do que se esperava, caíu de fraco e gasto, restando ao chefe d´esse governo a triste gloria de agora aqui vir condemnar asperamente as medidas que se apresentam, censurando tudo e todos, sem se lembrar que quando podia e devia, nada tinha feito de bom, de grande, e salvador, tendo o paiz ficado completamente desilludido a respeito do seu governo e dos seus planos redemptores. Refiro-me, está claro, ao ministerio do sr. Dias Ferreira. (Apoiados.)

E lamento, sr. presidente, não ver ali no seu logar aquelle illustre parlamentar e notavel jurisconsulto, para que elle podesse ouvir as mais considerações que tenho a fazer ácerca da sua nefasta e perniciosa administração, que elle apregoa e defende como sendo a melhor que tem havido, atacando violentamente a dos governos do que não

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fez parte. E lamento-o e sinto-o tanto mais, por s. exa. estar ausente do paiz, como a camara sabe, por motivo de doença grave de pessoa de sua familia, que deve ferir a sua alma de pae extremoso, fazendo eu sinceros votos por que cesse tão doloroso motivo.

Nada direi na minha apreciação do seu governo e do seu discurso sobre este projecto, que possa maguar o menos ainda offender pessoalmente os bons creditos e a honra do homem digno, a quem me ligam cordiaes relações e que considero como um cidadão honesto, laborioso e respeitavel ; mas que, como estadista, como politico, como o apregoado e recommendado salvador da nação, me não merece o mesmo conceito, porque a sua mesquinha obra o não vale, nem lhe posso tributar a homenagem que se deve aos grandes homens, aos benemeritos patriotas e consummados estadistas que souberam prestar relevantes e inolvidaveis serviços ao seu paiz. Não me parece que s. exa tenha direito a ser considerado como tal, e tão pouco possa ter o de vir aqui fallar tão de alto e indignado, accusando todos e condemnando tudo, com manifesta injustiça e sem rasão, dizendo que todas as culpas são nossas, são do actual governo, que agora vae entregar o paiz algemado ao estrangeiro!

Assim, com tão extraordinaria e audaz attitude, pensa o sr. Dias Ferreira que faz esquecer as suas grandes responsabilidades e do seu governo, na triste situação que nos afflige, que são tão importantes, ou mais ainda, do que as dos ministros que lhe succederam ?

Pois engana-se!

Foi s. exa. quem deu o primeiro o mais fundo e perigoso golpe no nosso já abatido credito no estrangeiro, não sabendo negociar, nem tendo uma noção exacta do que pretendia, do que era preciso e conveniente! Foi s. exa. quem mais nos comprometteu e até vexou perante os credores externos, promettendo e faltando, avançando hoje para recuar ámanhã, expondo o bom nome do paiz ao que se soube e viu, augmentando com o seu procedimento incorrecto, o descalabro das nossas finanças!

Lá fóra, isto; cá dentro, a anarchia e a desordem em todos os ramos da administração publica. Uma tal embrulhada de leis, de decretos, de ordens, baralhando e confundindo tudo com notavel prejuizo dos serviços administrativos e judiciaes, (Apoiados.) sem orientação nem criterio, que assombraram os funccionarios e levantaram em toda a parte duvidas, queixas, reclamações, pelas flagrantes contradicções, pelo reconhecido desacerto! Era um cahos, uma barafunda inexplicavel! (Apoiados.)

E sobre tudo isto, a violenta imposição de um pesadissimo augmento de contribuições I Mais de 10:000 contos de réis! 10:000 contos de réis de impostos! Mas fizesse o paiz esse enorme sacrificio e estaria salvo por uma vez, dizia-se! Eram as promessas. Os calculos não falhariam.

Eram certos, exactos, verdadeiros! Não havia orçamentalogia. 10:000 contos de réis, as ultimas gotas de sangue dos arrasados contribuintes, mas já, e ninguem receasse! Ou isto, que era a salvação; ou a perda da nossa autonomia, a deshonra, a miseria, a vergonha, com todo o seu horroroso cortejo de desgraças! O paiz, este desventurado e honradissimo paiz, bem digno de melhor sorte, deu os 10:000 contos de réis. Deu mais, muito mais! Deu tudo ao novo Messias, ao decantado redemptor, e depois viu a maneira coma elle o salvou. Escuso de a relembrar! Os seus effeitos estão patentes. Tudo inutil, tudo perdido! (Apoiados.) O mal aggravado em tão pouco tempo e quasi sem remedio ! O salvador falhou por completo! Parece que agora ainda tenta nova salvação!... Os juros da divida interna foram reduzidos, os magros vencimentos dos empregados diminuidos. Começou a miséria e a fome para as familias e até para os estabelecimentos pios que se sustentam da caridade dos bemfeitores, ao passo que se pouparam ao sacrificio geral, classes poderosas e ricas!... Era a inflexibilidade da justiça. Entendeu-se que com as reducções á fome, dos pobres, dos acommodados, dos pequenos, se havia de equilibrar o orçamento do estado; e que, faltando-se aos compromissos solemnes que se haviam contraindo, lançando assim mais uma onda de suspeição sobre o credito nacional, difficultando as negociações que depois se haviam de fazer, por força de circumstancias, estava tudo feito, estava a patria salva!..

Perdida, completamente perdida e para sempre é que ella estaria, se o redemptor não tem sido posto fóra dos bancos do poder, para que não podesse completar a sua obra, de ruina e descredito, com assombro e admiração de nacionaes e estrangeiros! (Apoiado".)

Este illustre professor da universidade de Coimbra, este notável causidico, que como tal tem reputação de meritos reconhecidos, que diga-se a verdade, mais lhe tem nenhum para estadista, para chefe de governo. A sua obra foi mediocre, ficou muito áquem do que se esperava! Foi apenas o que já disse, e mais a celebre lei de 26 de fevereiro de 1892, contendo a doutrina do artigo 10.°, que o auctor agora renega! Não soube aproveitar as circumstancias favoraveis unicas, que se lhe depararam!

Como politico, como deputado eleito pelo favor de todos os governos, fazia o seu já conhecido decurso annual, na resposta á falla da corôa, na discussão do orçamento, ou nas medidas de fazenda, repetindo no parlamento as sediças e insulsas phrases do estylo, "os nossos amigos, os costumes da terra, o jubileu, as pratas da casa, e a cantata sobre a constituição de 30 e a liberdade", apregoando-se e inculcando-se sempre como o unico salvador possivel do paiz, pela sua independencia dos partidos militantes, pela ausencia de compromissos com correligionarios, pela isenção e firmeza com que saberia resistir a pedidos e empenhes de quem quer que fosse, de alto a baixo, com processos novos de economia e moralidade, com uma boa norma de administração dos dinheiros publicos norteada pela sua longa experiencia e abstenção do poder de mais de vinte annos, etc., etc.

Esquecido o já tão longe 19 de maio de 1870, de pouco gloriosa memoria, a ultima revolta militar, a que o apregoado salvador deveu uma pasta, que até 1892 nunca mais lográra, azou-se então occasião à opportuna para se experimentarem os seus offerecimentos e promessas, os meritos de que fazia gala. Foi chamado a organisar gabinete.

Teve o apoio leal dos partidos, e o favor da opinião publica esperançada, emquanto não chegou o triste desengano. Do que elle fez, da maneira como governou, como cortou a fundo nos abusos, como emendou os erros, como foi forte, intransigente, sabio e justo, pratico e habil, nos interesses do paiz, interna e externamente, resa a historia do seu triste consulado, que aggravou a má situação, que contribuiu poderosamente para o estado; em que nos encontrâmos ! (Apoiadas.) A lição não podia ser mais cruel!

O desengano mais completo! A carrapata do celebre convenio feito e desfeito, a falta de seriedade nas negociações com os credores externos, as arrogancias de um dia traduzidas em vergonhosa fraqueza e hesitações no outro, arrastaram lá fóra o nosso bom nome e o nosso credito, por tal fórma, que foi esse lamentavel desastre o começo, a causa principal, dos que se lhe seguiram e irremediavelmente nos vieram conduzindo á desgraçada situação financeira de hoje! (Apoiados.}

Ora, sr. presidente, é por isso, por estas rasões que venho expondo a v. exa. e á camara, e que a final ninguem ignora, que eu o outro dia muito estranhei, e ainda agora estranho e censuro, que o sr. Dias Ferreira, que tem o seu nome indissoluvelmente ligado á ameaçadora derrocada financeira que nos póde subverter, venha aqui accusar o governo, atacar e combater violentamente o projecto da conversão, sem apresentar alvitre melhor, e ouse fallar accusando, em culpas e responsabilidades, como se elle as

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não tivesse tremendas e inigualaveis até, pela maneira inconveniente, leviana e prejudicial, como iniciou e dirigiu no seu nefasto governo, as negociações com os portadores da divida externa. (Apoiados.)

Seja-me por isso desculpado o calor que tomo, a indignação que me impulsiona, ao apreciar tão insolito e provocador procedimento, por parte de quem n´esta questão tem tantas e tão grandes culpas e responsabilidades, ou mais, do que os outros homens publicos! E especialmente mais do que o actual governo, tão immerecidamente atacado, que encontrou ao subir ao poder esta desoladora situação herdada da seus antecessores, que agora nas injustas censuras, pelos seus representantes n´esta camara, fazem côro com o sr. Dias Ferreira e lhe dão apoiados!... É revoltante o ver este desplante com que todos querem attribuir ao ministerio progressista, que ha tão pouco tempo está no poder, as culpas e responsabilidades de tudo, como se ellas não fossem igualmente de todos os politicos da opposição, que por mais que se causem lhe não podem fugir, e que mais bem avisados andariam se as pretendessem diminuir, ajudando nobre e patrioticamente o governo a resolver as difficuldades que lhe legaram. (Apoiado".).

É necessario fazer-se justiça a todos, e eu confesso na minha qualidade de politico ingenuo, que não comprehendo ainda as vantagens d´estas ficelles, d´estes trucs da grande, da alta politica, em se estar a negar e a pretender illudir á verdade dos factos, reconhecidos e sabidos por toda a gente, e que são de ha dois dias, que estão na memoria de todos nós, como na do paiz que nos ouve e aprecia. Emfim, será a transcendental a incomprehensivel tactica dos grandes e invenciveis generaes, que a simples soldados não é dado comprehender !...

Mas o que é triste, o que irrita e merece censura, é este edificante espectaculo do sr. Dias Ferreira e dos que o apoiam, tão desmemoriados, clamando irado e trovejante, ardendo em zêlos de dignidade patriotica, de civismo intransigente, que não provou quando foi ministro e chefe de gabinete - que com a approvação d´este projecto promovemos a bancarrota, que abrimos a porta á administração estrangeira, que o governo vae voluntariamente entregar o pescoço da nação ao cutello do algoz estrangeiro !...

Este processo de opposição, acintoso e condemnavel, em um momento tão solemne e critico como o que atravessâmos, e em que a união, esforço e conselho leal de todos os homens publicos só devia conjugar para ver se podiamos remediar o mal que nos assoberba, o improprio de um homem da estatura politica do sr. Dias Ferreira, que tão graves responsabilidades tem, e que ainda aspira a voltar ao poder, do que me parece está bem livre, não obstante os novos elixires de salvação publica que anda offerecendo o seu orgão na imprensa! (Apoiados.}

Repito, é necessario, que ao menos uma vez, e n´um assumpto de tanta magnitude, haja bom senso e se faça justiça a adversarios e amigos, e que se seja verdadeiro, sincero e coherente; não com essa coherencia que por parte da opposição se tem exhibido na discussão d´este projecto, porque essa tem deixado muito a desejar como provarei, e de que me vou occupar.

Deixando em paz o sr. Dias Ferreira, a quem era devida a resposta que ao seu brilhante discurso acabo de dar, em logar especial, como o é tambem a posição que s. exa. n´esta casa muito distinctamente occupa, apenas relembrarei, que a sua administração e a sua politica, foram de tal maneira acceites e apreciadas pelo paiz, com tal sympathia e gratidão, que procedendo á eleição de deputados não teve um circulo que o quisesse eleger! Andou em bolandas nos do continente aonde foi batido, e teve que se refugiar no ultramar para não ficar fóra da camara!

Como presidente do conselho, é caracteristico ! Nunca isto lhe succedeu nos vinte e cinco ou trinta annos em que foi eleito pelos differentes governos, que apoiou ou guerreou, conforme lhe convinha!...

E agora, sr. presidente, passando a occupar-me de incoherencias e contradicções entre palavras e obras, lembrarei o que aqui se passou quando ha poucos dias fallou n´esta camara o meu distincto amigo o sr. Luiz da Magalhães, um dos illustres deputados que deu apoiados ao sr. Dias ferreira, o que não admira tendo sido sen partidario e governador civil, mas que declarou não pertencer ao partido regenerador.

O meu illustre e antigo amigo, na sua phrase viva, colorida, scintillante, de orador impetuoso e apaixonado, de escriptor primoroso, com a sua reputação feita (Apoiados.) e que não deixa obliterar as tradições do glorioso nome que usa, disse brilhantemente como costuma, para a opposição e para a maioria: "Meus senhores - passou o momento das palavras, vamos às obras; se querem fazer alguma cousa, obras... e obras, basta de palavriado." Pois esta exclamação sincera, da sua bella alma de bom patriota e de bom portuguez, que era como que uma advertencia ou critica benevola ao procedimento palavroso da opposição, não achou echo d´esse lado da camara, que a recebeu com notavel frieza, porque não quadrava aos seus planos de obstruccionismo mal disfarçado, e talvez tambem como castigo á sua nobre franqueza, declarando que não era regenerador !

(Risos.)

Não teve apoiadas, por isso!

Ninguem lhe perguntava o que era! O que se queria era que fallasse contra o projecto da conversão, que o atacasse violentamente em coro com os irritados declamadores !

S. exa. ousou fazer uma declaração que não se lhe pedia, nem era necessaria! Não foi habilidoso, finorio, espertalhão, estragou a ovação que podia ter! (Risos.)

E porque s. exa. é como eu - salvas as distancias, que infelizmente para mim nos separam, do seu grande talento e da sua reconhecida illustração - um politico ainda ingenuo, não conhecendo estes trucs da alta tactica parlamentar, não apanhou um unico apoiado da opposição!

De certo se não desgostou com isso. Se não o apoiando, ao menos no interesse do paiz, lhe ouvissem os sensatos conselhos, que eram sinceros e vinham de um amigo, que tambem se não disse progressista, porque se considera independente, algum proveito se tinha tirado da sua rude e altiva franqueza!

Mas não o ouviram, não o quizeram ouvir! A opposição continuou e continua a fallar de tudo, a ressuscitar casos de historia politica antiga, velhos e sediços, que nada vem a proposito, a citar factos inteiramente estranhos ao assumpto, a inventar boatos, para sobre elles fazer criticas e accusações acerbas, sem fundamento algum, a tentar desacreditar o governo e os seus planos financeiros, a provocar inconvenientemente retaliações que se podem fazer, com o fim de não entrar n´uma discussão seria e digna do projecto, pretendendo varrer a sua testada, deitar a agua fóra do seu capote, como só costuma dizer, fugindo às suas tremendas responsabilidades para os querer lançar sobre os adversarios politicos! (Apoiados.) Esta é que é a verdade!

A opposição não tem feito mais do que declamar contra este projecto, alcunhando-o com quantos nomes feios lhe occorreu, achando-o mau, detestavel, pessimo, anti-patriotico, affrontoso para os brios da nação e prejudicial aos seus interesses, e até criminoso!

Mas não trata de o apreciar devidamente, de o estudar, de fundamentar as suas erroneas e facciosas declamações, baseando-as em elementos de valor, em argumentos comprovativos das suas insensatas accusações, de maneira a poder demonstrar convincentemente a rasão ponderosa dos seus raivosos ataques, tão inanes como bombasticos! (Apoiados)

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384-F DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Limita-se a descompol-o, a dizer mal d´elle, a tentar desacredital-o no conceito publico; mas quando é convidada a leal e honradamente nos auxiliar no seu aperfeiçoamento, na emenda dos defeitos que lhe possa notar, nos erros a corrigir para que seja melhorado, no interesse do paiz, para sair d´esta casa tão completo e perfeito que dê o bom resultado que se deseja, satisfazendo o fim patriotico, de salvação publica, a que é destinado, então não tem uma palavra, uma idéa, um alvitro, uma emenda a fazer, uma proposta a formular! (Apoiados.)

Calam-se! Immudecem! Ninguem d´esse lado da camara diz nada de util, de aproveitavel á discussão, ou como emenda, ou como substituição! Nem mesmo o illustre deputado o sr. Mello e Sousa, o prognosticado e esperançoso candidato á pasta da fazenda, fez ou disse mais do que os seus collegas! (Apoiados.)

S. exa., que em questões de fazenda, de cifras e calculos, se tem mostrado competentissimo para entrar brilhantemente em debates d´esta especialidade, n´este assumpto, no projecto da conversão, não entrou como podia e devia; parece que não quiz, ou teve receio de lhe dedicar os recursos da sua valiosa intelligencia e larga pratica dos negocios economicos financeiros e commerciaes.

Nós todos, que em outras occasiões temos presenciado a maneira distincta e digna com que s. exa. trata as questões de fazenda, (Apoiados) e a que por mais de uma vez, d´este lado da camara, se tem feito a justiça que eu proprio lhe estou fazendo, estamos admirados e tristemente surprehendidos, com o seu estranhavel procedimento na discussão d´este importantissimo assumpto, a meu ver, o mais capital e grave de quantos ha mais de meio seculo se tem apresentado á apreciação do nosso parlamento!

Pois s. exa., ácerca d´este projecto, na sua desejada interferencia, deixou muito a desejar! Ficou muito áquem dos seus meritos e creditos ! (Apoiados.)

Nada mais adiantou do que os seus collegas! E como futuro ministro da fazenda, os seus novos argumentos, os seus planos, as suas idéas, as suas emendas ao projecto que censura e condemna com violencia desusada, affirmam-se pelas suas palavras - que é mau, que é detestavel, que é pessimo, que é anti-patriotico, que não podemos com os encargos que traz, que estamos perdidos e ficâmos peior, que não dá melhoria de situação ao thesouro, que é ruinoso, que abre a porta aos estrangeiros, que é uma deshonra e uma vergonha - e não saíu d´este campo, d´este phraseado, d´este coro banal e improficuo, em que o antecederam os mais oradores da opposição! (Apoiados.)

Ora, como remedio ao grande mal que nos afflige, como elemento aproveitavel para a crise que nos assoberba, isto é muito pouco, é nada, é peior do que nada; porque é inconveniente, mais nos rebaixa e humilha aos olhos dos credores externos, e difficulta mais ainda a espinhosa missão do governo, que é bem pouco invejavel nas actuaes circumstancias, e devia, por honra de todos e do paiz, ser sinceramente auxiliada por todos os portuguezes que amam a sua patria e a sua independencia! (Apoiados.)

Se a opposição fosse coherente e quizesse estar de harmonia com as suas repetidas declarações, de que não quer crear embaraços ao governo, para que bem possa regular a questão financeira; se essas declarações fossem o que deviam ser, verdadeiras e sinceras, não teria duvida em se associar fielmente ao governo e á maioria, unicamente com a sua illustrada e sensata cooperação, no pensamento de se melhorar o projecto com a sua collaboração, sem responsabilidade alguma politica; porque o governo e a maioria, não pediam nem podem, nem precisam pedir á opposição, que lhe d´esse os seus votos, que o approvasse; votos e muitos, os de toda a maioria unida e concordo, tem e ha de ter o projecto, que ella reputa vantajoso e indispensavel á salvação do paiz! (Apoiados.)

O que se pedia, o que se desejava, o que era de esperar, era que os illustres membros da opposição viessem ao debate, serena e reflectidamente, com as suas luzes, experiencia e bom conselho, ajudar a aperfeiçoal-o, comtribuir para o seu melhoramento, como é do seu dever, pois juraram ao entrar n´esta casa, fazer leis sabias e justas, e não é da fórma que se tem visto que que cumprem tal juramento! (Apoiados.)

Não me consta que sobre a mesa da presidencia esteja qualquer proposta, qualquer emenda ou substituição ao projecto de lei; nem sei, que fallada ou escripta, se tenha revelado alguma d´estas manifestações usuaes de quem deseja sincera e lealmente cooperar n´um trabalho d´esta ordem, para serem devidamente apreciadas, que tenham vindo d´aquelle lado da camara. (Apoiados.) Nada, absolutamente nada!

Ora realmente, fallar, declamar, gritar, dias e dias, com violencia de phrase, com gesto irado e ameaçador, com adjectivos pomposos, assomos de colera e indignação injustificavel, forçando a nota patriotica, na aria da perda irreparavel da nossa autonomia, da entrada do estrangeiro, comparando-nos inconveniente e levianamente, á Grecia, á Turquia, á Hespanha, á China, a estas e aquellas nações, sem criterio e sem rasões de paridade, deixando no esquecimento o assumpto principal da discussão, n´uma completa indifferença, n´um absoluto desprezo pela sua capital importancia, não se me afigura que seja este o dever da opposição, nem que ella o tenha cumprido! (Apoiados.) O sen processo de combate tem sido, declamar e teimar! Não dá a rasão da sua teima. Tomou-se de birra contra o projecto, e repete e insiste e teima, sem dizer por quê, que elle é mau!

N´este ponto, n´esta insistente teima, a illustre opposição tem-se mostrado impertinente, irritada, como uma creança rabugenta, teimosa, embirrando em repetir em todos os tons: é mau, não presta - é mau, é mau, é mau - parodiando assim o conhecido dito que se lhe póde applicar - é de pau, é de pau e tenho dito, é de pau e bem bonito! Com a differença de aqui se achar que é mau. (Risos.) E teimou, e na sua teima ficará...

Continuando, irei, pela ordem dos meus apontamentos, respondendo ao meu illustre amigo e distincto parlamentar o sr. Moncada, sobre quem tive a honra de me inscrever; e ao mesmo tempo quando vier, como se diz, a talhe de foice, a alguns outros illustres deputados da minoria que me precederam no uso da palavra, conforme calhar e poder, visto que, como bem se vê, não estou fazendo um discurso methodico, preparado, o que seria impossivel com o meu desordenado feitio parlamentar, que a camara já conhece e na sua benevolencia desculpa.

E agora entendo, que antes de mais nada, devo destruir por completo um argumento que s. exa. apresentou contra o projecto e com que julgou fazer uma profunda impressão na camara. Disse s. exa. que o governo ia fazer aos credores externos uma consignação de rendimentos inteiramente nova, sem precedentes, que elle não podia nem devia fazer; e que não existia em lei alguma anterior, como se havia dito, clausula que assim se podesse interpretar, oferecendo o governo voluntariamente e sem necessidade uma consignação a que não estava obrigado.

Eu não posso attribuir a má fé de s. exa. este desgraçado argumento de effeito contraproducente, que só prova que s. exa, ou não conhece bem a lei a que se referiu, ou a não quiz interpretar com aquella lucidez do seu claro espirito; e até quando o sr. ministro da fazenda lhe disse que assim não era, combatendo n´uma rapida interrupção o que s. exa. erradamente queria sustentar, s. exa. respondeu e affirmou que sim, e que emquanto não lhe provassem o contrario não o convenciam. Ora é muito facil de provar. E faço a justiça devida á intelligencia comprovada do meu amigo sr. Moncada, de que, tendo reflectido um momento, lendo a lei, deve ficar bem convencido.

E não é preciso grande trabalho, nem deitar a livraria abaixo, como se diz, para demonstrar a s. exa. e á cama-

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 23 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1898 384-G

ra, se isso fosse preciso, que o seu fraco e unico argumento cáe pela base! E permitta-me s. exa. que lhe diga, que sendo como é, um jurisconsulto distincto, illustrado ajudante do procurador geral da corôa, antigo magistrado com creditos de bom advogado, quiz sustentar uma cousa, que á face da lei, clara terminante, como se vê, é uma heresia juridica, um erro de tal ordem, que não ha interpretação possivel por mais forçada que seja, que o possa desculpar! (Apoiados.}

Eu vou ler bem alto, para que todos ouçam e o avaliem, o artigo da lei, que quero crer que s. exa. leu, mas tanto á pressa talvez, que o interpretou por fórma differente da que devia ser, parecendo-lhe aproveitavel para melhor atacar o projecto e aventar a tão estrambotica e mal fundada doutrina, de que a consignação não existia e aparece só agora n´este projecto, o que é inexacto!

Peço attenção.

Diz o artigo 10.°, que s. exa. aqui citou.

(Leu.)

(Interrupção.}

Não ha nada revogado. Nenhuma lei posterior derogou esta, e muito ao contrario, outras a vieram corroborar mantendo-lhe o pleno vigor de todas as suas disposições, como está provado! (Apoiados.}

Eu não fallo a cegos, a ignorantes; não estou a discutir com leigos; fallo e dirijo-me a homens de intelligencia lucida, cultos e peritos na materia, muitissimo mais do que eu, que sou um simples curioso.

É a lei que responde clara e indiscutivelmente aos illustres deputados, não sou eu ! É a lei que não offerece duvidas nem se presta a interpretações differentes, nem as póde ter, pela maneira explicita terminante, como está redigida e ao alcance de todas as comprehensões! Ainda restam algumas duvidas ao sr. Moncada e aos que o apoiam nas suas interrupções? Pois eu leio novamente a lei. É com ella, só com ella, que os hei de convencer até ao silencio ! (Apoiados.}

(Leu.}

Ora, passando d´este artigo 10.° da lei de 26 de fevereiro de 1892, para o decreto de 13 de junho do mesmo anno, e depois para a lei de 20 de maio de 1898, que diz:

(Leu.)

Nenhuma duvida póde restar de que subsistiu sempre a auctorisação dada, e esteve como ficou e tem estado e está em vigor, não tendo sido revogada por nenhuma outro lei! Parece-me que não ha nada mais claro! (Apoiados.)

(interrupção do sr. Luciano Monteiro.}

Ora, ora. Isso poderá ser uma rabulice; um argumento serio, uma rasão admissivel, é que não!... É uma auctorisação dada, está aqui bem expressa e clara; ninguem a revogou, não se póde contestar! E vem depois o sr. Fuschini, ministro da fazenda do partido regenerador, e serviu-se d´ella como estava; não a emendou, aproveitou-a e acceitou todos as suas responsabilidades, interpretando-a pela unica fórma que ella podia e devia ser interpretada! (Apoiados.}

(Interrupção.}

Podem dizer agora o que quizerem e mais lhe convenha ao ataque do projecto; mas a verdade é esta, e é só uma, e não conseguem destruil-a por mais que façam, por mais que barafustem e me interrompam! Está aqui na lei; não se destroe, nem se póde negar! É o que é, pese a quem pesar! Fica bem e indiscutivelmente provado que a consignação já existia! (Apoiados.}

O sr. Presidente: - Peço que não interrompam o orador.

O Orador: - Eu não me incommodo nada com as interrupções. Até gosto de as ouvir. E peço a v. exa. que conceda, desde que eu o permitto, que me interrompam, Não tem duvida; deixe-os interromper, que eu respondo, e não haverá alteração da ordem; isto é tudo entre amigos, no fundo boas pessoas, e até se amenisa um pouco a monotona discussão com estes ápartes e interrupções, que estimo, porque me animam... (Hilaridade.}

Alem d´isso, repito, eu sou amigo dos illustres deputados que as fazem, e inter amicos non est geringonça, como se diz no latim macarronico. (Riso.)

Depois das interrupções mais vivas, acaloradas, vem a discussão serena, placida e elucidativa, como deve ser e mais convem, e tudo continua bem. Não ha duvida nenhuma, s. exa. podem continuar a interromper-me quando quizerem, que não só lh´o permitto, mas até lh´o agradeço.

Eu não sou jurisconsulto; e nem sequer bacharel formado, como toda a gente, no dizer de um distincto poeta que já foi nosso collega; mas vendo que tinha de tratar com jurisconsultos tão abalisados, com advogados tão amestrados no fôro como nas lides parlamentares, peço licença para dizer que, tendo de metter a fouce em ceara alheia, estudei o melhor que pude o assumpto, com toda a attenção da minha intelligencia e boa vontade, e cheguei conscienciosamente às conclusões justas e unicas que se podem tirar, e que apresentei e sustento leal e sinceramente!

Mas para que nenhuma sombra de duvida possa ficar no espirito esclarecido dos meus illustres contendores, ácerca da existencia da consignação, o que é importante para os debates, agora que os animos estão mais serenos, e passou a trovoada das interrupções em côro, eu peço á camara, sem querer abusar da sua tolerancia e da benevolencia com que me tem ouvido, que consinta que eu leia muito pacificamente a lei de onde me proveiu o completo convencimento do que disse e sustento como irrefutavel.

(Leu.)

E sabem s. exa. quem assigna a ultima parte que tive a honra de ler? O sr. Augusto Fuschini, aquelle mesmo illustre ex-ministro da fazenda, que então era regenerador acerrimo e convicto defensor d´estas idéas e pensava de uma fórma, e que hoje, mudando de rumo politico, ao que parece em tudo, anda agora muito indignado a fazer a grande propaganda contra o convenio e contra a consignação, que elle proprio acceitou! (Apoiados.}

(Interrupção da opposição.}

(Interrupção do sr. presidente.}

Não me incommodam!

O sr. Luciano Monteiro: - V. exa. dá-me licença?...

O Orador: - Eu trouxe isto ao debate para mostrar ao meu amigo o sr. Luciano Monteiro, que foi infelicissimo no seu argumento, o que elle nada prova nem diminue o valor do que a lei diz bem claramente.

O sr. Luciano Monteiro: - Isto representava apenas uma faculdade concedida ao governo, e de que elle podia utilisar-se ou não utilisar-se; veiu depois o decreto a que s. exa. se refere, e diz:

(Leu.}

Por consequencia, para que a consignação dos rendimentos podesse tornar-se effectiva, era necessario que n´este decreto viesse declarado o uso d´esta auctorisação.

O sr. Presidente: - Eu peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.

Orador: - Eu agradeço ao illustre deputado e meu prezado amigo o sr. Luciano Monteiro, a sua explicação, mas não fico convencido com ella, nem ninguem o póde ficar, nem está, a começar por s. exa., que é muito intelligente para isso, e que apenas quiz evidenciar mais um recurso das suas muitas faculdades.

S. exa., pretendendo justificar a sua opinião, chamou a esta lei uma lei obsoleta; mas eu não comprehendo o que sejam leis obsoletas, quando não tenham sido revogadas, quando estejam em pleno vigor, inteiramente de pé, como esta a que me referi, que traduz nitida e indiscutivelmente o pensamento do legislador, que não offerece a menor duvida nem se presta a outra interpretação fiel, que não seja a da existencia da consignação, que de resto, e ha

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384-H DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

muito tempo, desde os planos financeiros do sr. Marianno de Carvalho aos do sr. Dias Ferreira, desde os d´este com Oliveira Martins, até aos dos regeneradores com o sr. Fuschini, estava no espirito de todos e figura entre todas as negociações que se tentaram ou que se fizeram, como toda a camara muito bem sabe. (Apoiados.)

Direi ainda mais. Não deve repugnar tanto a s. exa. e aos seus collegas, o acceitar esta idéa da consignação dos rendimentos; porque se tivessem ainda algumas duvidas sobre se ella tem ou não figurado em todas as tentativas de negociação com os credores externos, e se o ultimo governo do seu partido a mandou offerecer ou não, bastará que s. exa. se dignem consultar os seus illustres chefes, que estes podem elucidal-os bem sobre o assumpto, e de certo não quererão, nem podem, e nem d´isso são capazes, por que então faltariam á verdade, deixar de confessar que a propozeram e acceitavam, tendo n´esse sentido compromettida a sua opinião, como a têem os principaes homens publicos do nosso paiz. Ninguem o ousará negar !... (Apoiados.)

Tendo destruido por completo este argumento da consignação, que foi o principal, e o unico que parecia de algum valor, do discurso do meu illustre amigo o sr. dr. Moncada, vou dar uma pequena explicação elucidativa ao distincto parlamentar e meu velho amigo o sr. Avellar Machado, que tão pouco preparado se mostrou para entrar n´esta discussão, tendo a infelicidade de manifestar, de certo só para poder combater o projecto, que ignorava o que não é licito que possa deixar de saber, um parlamentar distincto como s. exa., que se propõe a fallar sobre um assumpto d´esta ordem, embora um pouco estranho á sua arma.

S. exa. lamentou profundamente, por mais de uma vez, que o projecto não viesse acompanhado de valiosos dados que facilitassem a sua apreciação e estudo, não dizendo sequer ao menos a quanto montava a divida publica externa, os seus encargos, agora, e depois da conversão, o que ignorava ! Por essa occasião, admirado com tal declaração de s. exa., indiquei-lhe o Diario do governo e o orçamento do ministerio da fazenda, aonde estava o que desejava e o podia esclarecer. Eram documentos officiaes e insuspeitos, que precisava conhecer e consultar.

Mas, como é mais facil declamar e dizer mal do projecto, do que estudar convenientemente as questões e orçamentos, o que é realmente fastidioso e dá trabalho, succede o que se está vendo, e queixam-se os illustres deputados de que lhe faltam os elementos de estudo, que não querem procurar. Não é por falta de competencia que assim tratam esta grave questão, é porque (Apoiados.} uns não têem tempo e outros não desejam ter o arduo trabalho da investigação e analyse minuciosa, que os assumptos financeiros e os calculos e contas exigem.

Continuam porém a clamar que o projecto é mau, a vibrar a estafada nota patriotica, e a queixar-se do governo, o que é facil; mas estudar, trabalhar, apresentar idéas, alvitres, emendas de utilidade, como se lhes pede, isso custa mais, é um pouco mais difficil. E o illustre deputado sr. Avellar. Machado, seguiu as pisadas dos seus collegas, e como elles não esteve para massadas, mostrando que nem sabia a quanto montava a divida e seus encargos e pedindo esclarecimentos! Eu, querendo ser agradavel a este meu amigo e á opposição, tenho aqui uma nota elucidativa para offerecer ao illustre deputado e aos seus collegas d´esse lado da camara, que queiram servir-se d´ella, evitando-lhes assim uma das suas repetidas rasões de queixa contra o sr. ministro da fazenda, que não ensina tudo, que não acompanha o projecto de todos os elementos precisos para poupar trabalho aos oradores que o combatem!

Não sou padre mestre em cifras, nem em calculos, como se cognomina merecidamente um nosso talentoso collega, e nem sequer posso ser discipulo que honre os padres mestres; mas com um poucochinho de trabalho e boa vontade, como qualquer outro podia ter, demonstrarei que alguma cousa fiz e que me interessa a investigação d´essas cifras e estudos do orçamento, para poder habilitar-me a conhecer o estado financeiro, da situação em que nos encontrâmos, apreciar o projecto, e votal-o ou não, conscienciosamente, conforme o entenda melhor aos interesses do paiz.

Chamarei n´este ponto a obsequiosa: attenção, não só do sr. Avellar Machado, que precisa de ser esclarecido, como declarou, mas tambem a do sr. Mello e Sousa, que, competentissimo como é n´este assumpto de cifras e calculos, verá se eu tenho ou não rasão na despretenciosa exposição que vou fazer á camara, e se os numeros e contas que apresento relativamente á divida publica, são exactos, os verdadeiros e unicos por onde nos devemos guiar na apreciação de um projecto que estudei e defendo, não como um bem, mas como um remedio de que é forçoso lançar mão ! (Apoiados}

A nota da divida publica externa com relação ao 1.° de abril de 1898, segundo os melhores dados officiaes, de cuja veracidade não temos nem podemos ter o direito de duvidar, emquanto se não provar que não são exactos, e isso ainda nenhum sr. deputado provou, nem espero que provará, é a seguinte:

O capital nominal de toda a divida externa, com excepção da que tem garantia especial dos tabacos, 1.º e 2.º serie, e a da camara municipal de Lisboa, é:

Fundo de 3 por cento perpetuo...... 187.794:340$600

Fundo amortisavel:

De 4 por cento................... 8.267:330$000

De 4 1/2 por cento................, 57.964:330$000

Ou sejam ao par, réis............., 254.016:530$000

Os encargos annuaes d´esta divida, como consta do orçamento de 1898-1899, são:

Juros:

Da divida consolidada de 3 por cento, reduzida a 1 por cento ............ 1.877:943$400

Da divida amortisavel de 4 por cento, reduzida a 1 1/3 por cento......... 110:086$800

Da divida amortisavel de 4 1/2 por cento, reduzida a 1 1/5 por cento......... 868:758$075

De juros......................... 2.856:788$281

Amortisações:

Mais............................. 175:500$000

Premio do oiro:

Da divida de 3 por cento........... 938:971$702

Da divida de 4 por cento........... 67:643$400

Da divida de 4 1/2 por cento......... 509:629$037

Ou seja, total ao premio do oiro...... 1.516:144$139

Mais:

Supplemento de juro, pelas receitas alfandegarias:

Da divida de 3 por cento........... 457:750$212

Da divida de 4 por cento........... 26:854$221

Da divida de 4 1/ 2por cento......... 211:895$567

Ou sejam...... 696:500$000

Total dos encargos geraes, réis....... 5.244:932$420

O que é realmente bem differente da cifra de 7:000 contos de réis, como se tem dito com menos exactidão, no intuito de afear mais o quadro, já de si pouco agradavel, do nosso estado financeiro.

Em 1897-1898, o encargo foi de cerca de 5:200 contos de réis.

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 23 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1898 384-I

Eu não posso de um modesto curioso que vae estudar estou aridos assumptos, pelo desejo de acertar e de se orientar tanto quanto possa, sobre o estado da fazenda publica, para poder justificar a minha opinião e o meu voto; mas sempre desejava que os illustres deputados me dissessem se os meus calculos estavam certos e se o distincto financeiro da opposição, que me deu a honra de os ouvir, acha que conferem, que estão exactos, embora possam talvez divergir dos que s. exa. aqui tenha citado.

O sr. Mello e Sousa: - Quem confere calculos é o sr. ministro da fazenda, não sou eu.

O Orador: - Se v. exa. quizer dar-se ao trabalho de estudar e calcular, com a sua reconhecida intelligencia, é facil que acerto. Não o reputo, em contas, menos competente que o sr. ministro da fazenda. O que póde é não ter tanta pachorra para investigações minuciosas, nem é obrigado a isso por dever de officio como o sr. ministro, que, no seu brilhantissimo e notavel relatorio de fazenda, que todos aqui têem elogiado merecidamente, nos deu mais uma prova do seu altissimo talento, das suas poderosas faculdades de intelligencia e methodo do trabalho! (Apoiados.)

Mas, continuando na minha ordem de considerações sobre os algarismos citados. Vêem os srs. Avellar Machado, e Mello e Sousa, como toda a camara, o resultado a que cheguei com algum trabalho e investigação no Diario do governo, nos orçamentos, nas contas publicados e no valioso relatorio do sr. Ressano Garcia.

Mas porque é que fiz isto? Seria por assomos de vaidade, mal justificada em mim, para vir aqui fazer ostentosa exposição de conhecimentos e meritos que reconheço não ter? Não foi, nem podia ser. O meu intento, o meu modesto fim, era bem outro, outro o meu norte. Foi unicamente para poder provar, sem receio de contradicta, que sendo o encargo da divida publica de 5.244:032$420 réis, o que resulta de todas as suas despesas, e que sendo o rendimento das alfandegas, que se vae onerar, só na parte, respectiva aos encargos d´esta despeza, de cerca de 12:000 contos de réis, numeros redondos, como dos documentos officiaes, nós temos ainda um saldo ou acrescimo de perto de 7:000 contos de réis, para juntar às outras mais receitas do estado e fazer face aos seus encargos! (Apoiados.)

Os dados estatisticos officiaes dão isto; e ficam ainda de fóra completamente livres e desoneradas, as valiosas receitas dos juros das obrigações da companhia real dos caminhos de ferro, os rendimentos importantes das novas linhas ferroas em exploração, e outros, que é preciso considerar.

Alem d´isto, as minhas investigações e calculos deram-me mais o resultado seguinte, que reforça a minha opinião : A receita exacta dos rendimentos publicos calculada no orçamento geral do estado, é de 53:000 contos de réis; portanto, deduzindo 5:244 contos de réis dos encargos da divida externa, ou mesmo 5:500, ainda na peior da hypotheses para qualquer differença de cambio que só possa dar, temos um excedente de 47:500 contos de réis para todas as mais despezas que haja a fazer. (Apoiados.) Não póde, pois, haver receio de que a receita não chegue para as despezas, ou de que possam deixar de se pagar, como leviana e inconvenientemente aqui se disse, os juros da divida interna, tão sagrados como os da externa e em que nenhum governo se atreveria a tocar! (Apoiados.)

A situação do thesouro, que está realmente longe de ser boa, não é, comtudo, tão precaria e irreductivel, tão afflictiva e tão impossivel de remediar, como se tem querido sem base fundamentada nem argumentos convincentes, provar, d´esse lado da camara. (Apoiados.) O que era preciso e util, é que todos se congregassem n´um patriotico esforço de boa vontade, concorrendo efficazmente para se remediar o mal, e não se viesse para este logar, de onde nos escutam nacionaes e estrangeiros, fazer exposições vergonhosas dos nossos erros passados, que são de todos, e dizer cousas que mais contribuam para o nosso descredito e para difficultar as negociações com os credores, que a força das circumstancias nos impõem e que representam o unico meio de salvação possivel, no angustioso momento historico que atravessâmos!

É um triste symptoma de decadencia o que aqui se está passando por parte da opposição! Não deviamos ser nós, os representantes da nação, os tambem culpados nas responsabilidades do passado, quem n´este afflictivo instante devia trazer ao parlamento o censuravel pregão das nossas faltas, o estendal das nossas fraquezas, a contagem dos nossos desastres, o negro sudario das nossas desgraças financeiras e economicas, revolvendo toda a miseria da situação a que chegámos, estando a cavar mais fundo na propria ruina e a dar armas aos nossos inimigos externos e internos, como que fazendo gala de afear ainda mais o triste quadro da nossa penuria! (Apoiados.)

Parece que ha empenho em que lá fóra se veja bem, ouvindo o que aqui se diz de animo leve, que nós não poderemos satisfazer aquillo a que nos compromettermos!

Que somos um paiz de fallidos, de negociadores de má fé, pretendendo illudir aquelles com quem vamos contratar!

Como é que os credores externos com quem queiramos negociar hão de ter confiança em nós? (Apoiados.) Como é que hão de acreditar nas nossas promessas? Que juizo farão dos nossos orçamentos, dos nossos calculos, da nossa palavra honrada e da nossa boa fé, indispensaveis á realisação de contratos da natureza do que se discute? Que pessimo, que deploravel caminho é este que se está seguindo? (Apoiados.) E d´aqui que devem sair as vozes que lá fóra nos desconceituem e deshonrem? Pensem bem n´isto os que acima de tudo, antes de tudo, devem ser, como creio que são, bons portuguezes! (Apoiados.)

Queixam-se da subida dos cambios, do elevado agio do oiro, das enormes difficuldades com que luctam o commercio e a industria esmagados pela situação cambial da praça, que embaraça as suas transacções pondo em risco o credito e a honra de todos, e não querem ajudar o governo a procurar o melhor meio de accudir ao grave mal que só aggrava dia a dia, e que poderá tornar-se irremediavel, se não se tomar alguma providencia?

Pois era bem melhor, mais digno, mais pratico e proveitoso, que, em vez de se estar a exagerar o perigo e a situação, que ninguem contesta ser má, procurassemos todos, sem preoccupação politica, e ainda menos partidaria, facciosa, a maneira de a poder remediar! (Apoiados.)

É isto o que o paiz precisa, é isto o que elle tem direito a exigir de todos, regeneradores ou progressistas! É este o nosso dever! Saibamos cumpril-o nobremente com isenção e patriotismo! (Apoiados,)

O nobre e talentoso ministro da fazenda apresentou este importantissimo projecto da conversão como resultado das suas locubrações, dos seus trabalhos, do seu estudo aturado, que lhe deu o conhecimento exacto da situação economica e financeira do paiz; e apreciando ao mesmo tempo com os documentos e informações officiaes de que dispõe, o estado da opinião dos credores estrangeiros ácerca d´este assumpto e de tudo que com elle se possa relacionar, formou o seu juizo e convenceu-se de que o unico remedio para de prompto tentar acudir á nossa situação, era o accordo com os credores, que levantando o nosso credito facilitaria qualquer operação a realisar que fizesse melhorar os cambios, sustar a drenagem do oiro que tende a desapparecer, e nos podesse garantir o pagamento lá fóra de alguns coupons, satisfazendo honradamente os nossos compromissos, e o nosso dever.

Bem convencido d´isto, o illustre ministro apresentou o seu projecto á camara. Mas como o fez s. exa.?

Foi da maneira mais correcta, franca, digna e alevantada que se podia fazer (Apoiados), appellando para a sabia e justa cooperação de todos, dizendo sinceramente a

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verdade, revelando as boas intenções de que estava animado, desejando e pedindo uma discussão serena, proveitosa, fóra de toda a paixão politica! (Apoiados.)

Não fez questão ministerial, da approvação do seu projecto, e menos ainda governamental, embora todo o ministerio o approvasse e julgasse indispensavel á salvação publica essa approvação, que a sua maioria lhe não recusava! Não! O sr. ministro da fazenda apresenta o seu projecto e diz: - «Eis o resultado do meu trabalho, das minhas investigações, do meu estudo, da minha observação; parece-me acceitavel, não o imponho, e poderemos ainda melhoral-o, porque estou prompto a acceitar todas as emendas e alvitres que tendam a aperfeiçoal-o.

Convertendo-se já em lei, fazendo-se o que proponho, parece-me poder asseverar que ha ainda um remedio ao mal que nos afflige. Se nada fizermos, se continuarmos no estado em que nos achâmos, o que é impossivel, não creio que haja remedio algum e estaremos irremediavelmente perdidos.» - E acrescentou, com a mais elogiavel correcção e lealdade: que o projecto estava em discussão aberta, quer dizer, questão aberta para que todos podessem apreciar, ver, examinar, estudar, corrigir, emendar, comtanto que não fosse alterada a sua essencia, a idéa fundamental. E que elle e o governo acceitavam e a commissão de fazenda acceitaria igualmente, todas as emendas que tendessem a melhoral-o, a aperfeiçoal-o e até a substituil-o, por outro que se provasse ser mais vantajoso aos interesses da nação! (Apoiados.)

Ora eu pergunto a v. exa. e ao meu illustre amigo e collega o sr. Mello e Sousa, se por parte da opposição parlamentar se apresentou já algum projecto de lei melhor do que este? Se sobre a mesa estão algumas emendas? E, emfim, se appareceu em todo este longo debate, uma idéa, um alvitre, um plano financeiro, que possa substituir o do sr. ministro da fazenda? (Apoiados.) Se o projecto é mau, que tentativa se fez por parte da opposição para o melhorar? (Apoiados.) Como justificaram a sua postiça indignação contra o projecto? (Apoiados.) Empregando adjectivos pomposos, usando termos improprios, chamando-lhe pulha carnavalesca, fraude, burla, bancarrota, traição, crime, Vilipendio, deshonra nacional, e outras injurias que nunca deviam sair de labios portuguezes, n´este logar e n´este momento! (Apoiados.)

Foi votando-o a uma completa indifferença, pelo lado do estudo e da analyse elucidativa que se podesse utilisar, resumindo a argumentação a violentas diatribes e a appellos inconvenientes, perigosissimos, para a opinião publica, para que por todos os meios, á força que tivesse de ser, o não acceitasse, contra elle se insurgisse e revolucionasse, se tanto fosse preciso?

Foi por este modo, foi assim, tentando até chamar o paiz á desordem, á resistencia illegal, á guerra civil, a maior das desgraças que agora nos podia succeder, que a opposição entendeu que cumpria patrioticamente o seu dever?! (Apoiados.) Responda a consciencia de s. exa.!

Essa intima resposta, que ninguem ouve, será o seu maior castigo! Não comprehendo, não posso comprehender, que seja assim, por esta fórma, que os representantes da nação possam cumprir dignamente o seu dever! (Apoiados.)

Perdoem-me os iIlustres deputados que o diga como o sinto, sem querer offender ninguem! O governo apresenta esta medida de salvação publica ao parlamento, a commissão respectiva, composta de homens competentes, estudam-na minuciosamente, apreciam-na em todos os seus pontos, dão-lhe parecer favoravel para que seja convertida em lei, e diz sinceramente e com mágua:

Não é bom o projecto, sangra a nossa alma de portuguezes, de patriotas, ter de apresental-o, de o defender e approvar; mas não temos outro melhor para apreciar, que possa dar o resultado que se deseja.

Tem-n´o s. exa.? Apresentem-n´o! Estamos promptos a discutil-o e acceital-o se elle der mais garantias, trouxer menos sacrificios, melhorar mais a nossa situação economica e financeira, tirando-nos do estado angustioso em que nos encontrâmos e que todos reconhecem perigoso e improlongavel! (Apoiados.} Como respondeu a opposição a este franco e lealissimo appello do governo e da maioria da camara?

Não fazendo absolutamente nada de pratico, de positivo, de aproveitavel! (Apoiados.}

Respondeu unicamente com palavras, palavras e palavras! (Apoiados.}

Declamou, gritou, fez berreiro, fingiu-se indignada! Politicou! Até hoje, absolutamente mais nada!

A isto se tem resumido o seu glorioso papel, na discussão mais ponderosa, mais importante, de maior gravidade que ha muitos annos se tem ventilado no parlamento portuguez e em circumstancias excepcionalissimas, em que periga a honra e a independencia nacional! (Apoiados.}

A isto, e a lançar suspeições e descredito, que alarmam a opinião publica, sobre o nosso primeiro estabelecimento bancario, a que logo me referirei! ...

Parece-me, portanto, que a campanha que se intenta levantar contra este projecto, não provém do convencimento de que elle seja ruinoso, de que nos possa collocar em peiores circumstancias do que estamos, de que nos entregue manietados ao estrangeiro, de que vá abrir as portas á administração do credor externo, ao contrôle, como se finge acreditar!

Não é nada d´isso, e nem mesmo uma manifestação alevantada de patriotismo ou de louvavel zêlo pelos interesses do paiz, não! Pelo contrario, a insensata campanha é uma manifestação, triste, facciosa, condemnavel, um lamentavel symptoma da vergonhosa decadencia, da pequenez da politica portugueza, que os processos parlamentares evindenceiam de uma maneira tão singular e extraordinaria, n´esta angustiosa hora da nossa attribulada existencia nacional! (Apoiados.)

Que para ser justo, devo dizer, que eu não censuro ou não me refiro só aos illustres deputados da opposição, ao notar com profunda mágua a nossa innegavel decadencia, em tudo; quero fallar de politicos em geral, de deputados e ministros, de estadistas e seus auxiliares, dos que nos têem governado e governam. Quando se está n´esses logares, (indica a opposição) tudo que vem dos bancos do governo é defeituoso, é mau, é pessimo, é detestavel, deve ser combatido e guerreado; quando se está na situação opposta, no governo, muda logo a opinião, tudo se acha bom, tudo é optimo, tudo se defende, elogia e approva, pensa-se e faz-se exactamente o contrario de quando se era opposição! E n´esta facil incoherencia de um facciosismo politico mesquinho e acanhado, n´esta incorregivel e errada comprehensão do desalmado; partidarismo, da pretestada disciplina, se vae consumindo; esterilmente o melhor tempo da nossa existencia politica e administrativa, deixando crescer e avolumar o mal e os repetidos erros, por todas as fórmas, sem emenda, e parece que sem consciencia das tremendos responsabilidades da falta do exacto cumprimento do dever! Se n´este critico momento historico não formos superiores a mesquinhas paixões, se não tratarmos de pôr um forte travão nos maus costumes politicos e parlamentares, se não corrigirmos os grandes e inveterados defeitos de que temos sido victimas, se deixarmos continuar este estado de cousas, correremos o perigo eminente, o risco inevitavel, de afundarmos vergonhosamente, não só os partidos monarchicos militantes, o regenerador e progressista, mas até, o que muito mais importa, talvez a gloriosa nacionalidade portugueza e as suas instituições, que mal poderiam resistir á revolta, á desordem e anarchia que se pretende fomentar, excitando os animos, assoprando tempestades, aconselhando resistencias illegaes e criminosas! (Apoiados.)

Querem isto os deputados da opposição? É este o fim que se pretende conseguir com o seu insolito procedimento

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APPENDICE Á SESSÃO N.º 23 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1898 384-K

n´esta camara e na imprensa do seu partido ? Querem lançar o paiz na revolução, incitando o povo a que se insubordine e lucte e guerreie este projecto até correr sangue? Querem tumultos, desordens, coleras e vinganças, que mal se póde calcular até aonde nos levariam? (Apoiados.)

Não querem? Não é isso?! Mas então o que pretendem? É o poder? Querem o poder? Querem ser governo? Mas se o deixaram vergonhosamente abandonado haverá apenas um anno, e como ? (Apoiados.)

Deixaram-no n´uma situação extraordinaria excepcional, como outra nunca existiu desde que entre nós ha systema constitucional! Abandonaram-no, deitaram-se abaixo sem opposição parlamentar, que não tinham, sem guerra violenta que os empurrasse como mereciam, sem lucta a vencer porque ninguem lhe disputava, governando como queriam, sós, com os seus processos, com a sua vontade, com as suas arbitrariedades, a que ninguem queria associar-se, pelo caminho errado que tinham seguido! (Apoiados) Caíram, porque não poderam sustentar-se mais, tendo recorrido a toda a casta de expedientes para não deixar o governo, no fim de quatro annos de pessima administração, de repetidos erros, de completa inconsciencia da situação, legando a pesada herança que se tem visto! (Apoiados.) Deitaram-se abaixo quando quizeram, cairam porque a força das circumstancias os esmagava, porque já não podiam nem sabiam como viver, como aguentar-se! (Apoiados.) Caíram corridos abandonados, da opinião publica, convencidos da sua incompetencia, da nullidade dos seus esforços para se sustentar !

Porque é que o governo regenerador não continuou no poder? Porque não poude? Porque não quiz? Porque não soube?

Uma voz: - Não soube.

O Orador: - Não soube, não; não poude! Querer, queria elle ainda e tentou resistir até á ultima! Mas não os desgostemos mais, que bem lhes basta a triste mágoa que tiveram os ministros e os seus acolytos em deixar aquellas cadeiras, por que tão sentidamente já choram, coitados,.. (Riso.)

Sem opposição na camara, nem lá fóra, usando e abusando da indifferença, se não do desprezo publico, tinham os regeneradores governado á vontade e á larga como queriam e entendiam durante um longo periodo.

O tantas vezes recomposto e já gasto ministerio, que não tinha opposição violenta lá fóra nem aqui dentro, tinha de andar, no parlamento a mendigar, a pedir com empenho aos seus proprios correligionarios, que fingissem de opposição, que o atacassem, que assim o auxiliavam e ajudavam a viver! Lá fóra era o que se via, aqui dentro era peior, uma triste comedia mal representada que em vez de indignar enojava! (Apoiados.)

Pois bem; foi a colera popular, a indignação publica, a voz da justiça, a violencia de uma opposição apaixonada, quem expulsou d´aquellas cadeiras o governo e o partido regenerador? Foi a opposição progressista que conquistou á força de rasão e como de direito aquelles logares que hoje occupa?... Não foi! Nenhum d´esses dois factos se deu! Caíram condemnados pelo desprezo da opinião! Caíram obrigados pela sua fraqueza, sem já poderem offerecer a minima resistencia! Caíram... como os cogumellos no outono, apodrecidos, já sem força para poderem sustentar-se! ... (Riso.) Mas já lhes parece que é tempo de voltarem ao poder! Um anno afigura-se-lhes um seculo!.

Mina-os cruelmente a nostalgia do mando, dos conselhos da corôa. É a saudade que os flagella-o delicioso pungir de acerbo espinho - de que fallou o grande Garrett, aguilhoa-os em manifestações turbulentas de irritação, de desejos insoffridos do poder, de despeites e ambições mal reprimidas, apesar de declararem muito solemnemente que não o querem! Mas se assim é, como se desculpa a guerra acintosa, violenta, inexplicavel, que fazem ao governo? Como se justifica o que estão fazendo n´esta casa e n´esta discussão ?! Os seus actos, as suas acções, a sua attitude incorrecta e faccioso, não estão em harmonia com as suas palavras, com as suas declarações, que, pelo que se vê, não parecem ser sinceras, servindo apenas para occultar as suas intenções reservadas, que a final são bem, transparentes e conhecidas!...

Sejam coherentes, e vejam bem a figura que estão fazendo com tão manifestas contradicções! (Apoiados.)

Mas, vamos a diante. Fallou-se, na ultima sessão na agitação popular que já começa a sentir-se, que o paiz se convulsionará de norte a sul, que vae protestar energicamente e enviar representações fulminantes contra o projecto, contra a camara, e contra o governo; e o meu amigo o sr. Luciano Monteiro, com o brilhante colorido da sua palavra fluente e inflammada, clamou e que o paiz prefere morrer eapingardeado n´essas ruas às balas do exercito, a entregar-se manietado ao estrangeiro!" (Apoiados da qpposição.) Mas quem é que quer entregar o paiz ao estrangeiro ou espingardear o povo?! A quanto leva o exagero da paixão, a intemperança da palavra em orador tão notavel!

As comparações com a Grecia, são disparatadas e mal cabidas! Às circumstancias são muito differentes, felizmente para nós. E é exactamente para não podermos vir a chegar á triste situação da Grecia, que precisâmos de tratar a serio com os nossos credores externos e de cumprir honradamente o que com elles tratarmos, não hesitando em lhes dar garantia das nossas boas intenções e honestidade! (Apoiados.) É por isso, e é para isso que eu estudei e defendo com convicção este projecto da conversão, que estou certo que é um remedio, mau como já disse e como são todos os remedios em casos extremos, mas o unico talvez, que se póde e deve acceitar n´este instante! (Apoiados.) E ainda não vi apresentar ou offerecer outro melhor que o substitua! (Apoiados.)

Se s. exa. é portuguez e quer continuar a sel-o, como diz, tambem eu e todos d´esta camara, sem distincções politicas, creio eu, e somos e queremos ser, amando com nobre orgulho e dedicado afecto a nossa querida patria, por quem faremos os maiores sacrificios! (Apoiados.) Se um partido, um governo, ou um ministro qualquer, ousasse apresentar ao parlamento uma medida, ainda mesmo de salvação publica, em que houvesse alguma cousa de condemnavel, criminoso ou offensivo, para o brio e decoro nacional, que podesse proxima ou remotamente abrir as portas do paiz ao dominio estrangeiro, não haveria absolutamente nada n´este mundo, juro-o, partidarismo ou consideração alguma disciplinar, politica ou pessoal, que me obrigasse a acceital-a, que fizesse com que eu deixasse de a combater energica e violentamente até ao ultimo esforço 1 (Apoiados.) E creio bem que todos nós fariamos o mesmo! Era o nosso dever! (Apoiados.)

Defendo esta que se discute, porque, repito, estou sinceramente convencido que é a unica e a melhor, nem outra ainda apareceu, que se póde apresentar n´este aflictivo e perigoso momento da nossa grave situação! E se não é assim, se estou em erro, convençam-me do contrario, com boas rasões, com argumentos attendiveis e não com heresias juridicas e com declamações inflammadas, que irritam o debate e nada provam! (Apoiados.)

S. exa. diz "que tem familia e haveres que perder, e que nenhuns interesses politicos o movem". Tambem eu! E naturalmente todos os mais que aqui estão! (Apoiados.)

E de interesses politicos, posso dizer bem alto, aqui como em toda a parte: não devo nada ao partido progressista, em que milito desinteressadamente; nunca recebi nem quiz, alguma graça, emprego, ou posição, por amor das quaes o deva defender injustamente! Nem lhe peço nada, nem nada quero, nem espero, para que pretenda merecer a sua gratidão ou remuneração! Estou n´elle e sirvo-o dedicadamente, de graça, e com independencia, porque elle tem idéas que perfilho, no interesse do paiz, um chefe

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dignissimo que respeito, e homens honrados e do merecimento, que considero e aprecio! (Apoiados.}

Defendo o projecto dedicadamente, porque me convenço que elle aproveita ao bem da nação, porque é um travão posto á rapida marcha para a nossa completa ruina, que me preoccupa e assusta! (Apoiados.} Estamos á beira de um perigosissimo abysmo, que tudo, tudo, póde subverter e querem-nos deixar caír n´elle? Não querem que se empreguem todos os meios para o evitar? Deveremos deixar o governo cruzar os braços e deixar-nos ir para o fundo? (Apoiados.} Mas não fazer nada, nada tentar para se sair d´esta situação asphyxiante, esmagadora, que nos opprime, que nos assoberba e ameaça, é que seria um crime, uma infamia, uma traição e fraqueza indignas de portuguezes e do estadistas!

Assim é que nada se poderia remediar! E n´esse caso são, os que nada fazem nem deixam fazer, e não nós, e não o governo, quem quer entregar o paiz ao estrangeiro, quem lhe deixará abrir a porta, pelo desleixo, pela fraqueza, pela imprevidencia, por não ter feito uma unica tentativa de resistencia!... (Apoiados.} É isso o que querem com os seus processos de opposição?!

Pois não o queremos nós, não o quero eu, como s. exa., leal e dedicado patriota, que tanto quero á minha terra, a este meu queridissimo Portugal, aonde tenho a minha familia, o meu lar, os meus parentes e amigos, e os meus modestos haveres de que unicamente vivo e não da exploração do orçamento do estado, de benesses auferidos pela politica! (Apoiados.} Nunca exerci, na minha já longa vida, commissão alguma publica remunerada, nem pertenci a algum syndicato, companhia, banco, empreza publica ou particular, commissariado ou agencia, com ligação alguma directa ou indirecta com os governos ou com o estado!

Posso dizer isto de cabeça levantada, bem alto, n´este logar e perante o primeiro auditorio do paiz, como em toda a parte!...

Portanto, quando ponho o meu trabalho, o meu estudo, a sinceridade das minhas convicções, a minha consciencia, a minha honra, como a minha alma, ao serviço de uma causa, de uma idéa, de uma questão verdadeiramente nacional e de tanta gravidade como a que se debate, é porque tenho a certeza, é porque estou bem convencido, de que ella é justa, indispensavel, urgente e inadiavel aos grandes, aos sagrados interesses da patria (Apoiados.} e da sua conservação e independencia, os unicos que aqui defendo e defenderei, no exercicio do meu direito, no cumprimento do meu dever, sem me importar com quaesquer considerações de outra ordem!... (Muitos apoiados.}

Se um ministro do meu partido ou um governo d´elle saído, hoje ou ámanhã, fizesse votar uma lei, praticasse um acto, que aborta ou disfarçadamente podesse dar logar a que se fosse abrir a porta ao estrangeiro, para que governasse ou interviesse nas cousas de Portugal, eu seria o primeiro a combatel-o e a guerreal-o com toda a energia e violencia de que sou capaz, e iria corajosamente á frente dos mais ousa-dos, dos mais indignados e accesos em justificada colera, exercer até aos ultimos extremos a minha vingança de portuguez, contra o traidor ou traidores que tal fizesse, (Apoiados.} que em tal consentisse!

Mas tal não poderá nunca succeder! Não ha portuguez algum que o faça, nem portuguezes que o tolerem, sejam de que partido for! E os ominosos tempos de 1640, dos renegados e traidores, vão longo e não se podem repetir! (Apoiados.}

N´esta abençoada e encantadora terra, que nos é tão cara, a nossa amada patria, temos as nossas casas, as nossas queridas familias, as sepulturas de nossos paes, que morreram portuguezes, e queremos tambem ter as nossas e as dos nossos filhos, (Apoiados} defendendo este sagrado torrão que nos foi berço e ha de ser sepultura, até á ultima gota de sangue! (Apoiados.}

Não seria com a minha palavra, com o meu voto, com a minha tolerancia, com a minha cooperação sincera e leal, que eu continuaria a apoiar este governo e especialmente o seu illustre e honrado chefe, em que tudo confio, se porventura podesse suspeitar que na sua obra politica, administrativa ou financeira, podia haver o mais leve intuito de entregar a nossa querida patria ao estrangeiro, abrindo-lhe as portas, facilitando-lhe a entrada!... Seria eu o primeiro, repito, a protestar bem alto, com toda a independencia da minha alma e da minha coragem e desassombro, contra o vil attentado! Seria o primeiro a revoltar-me contra elle e com as armas na mão, se, tanto fosse preciso, como estou certo que todos se revoltariam, e que as proprias pedras das calcadas se haviam de levantar, e todas seriam poucas, para lapidar quem tal ousasse, quem á tal se atrevesse! (Muitos apoiados.)

Esteja a opposição bem certa d´isto, que não a reputo, nem é, mais altivamente patriota e portugueza do que eu, do que todos os que me ouvem! (Apoiados.)

Por isso, acho mau, e isso é que se me afigura crime de lesa-nação, e estar-se aqui com palavras e opiniões, que n´este logar se não deviam ouvir, a incitar o povo á revolta, á desordem, á resistencia por todas as fórmas, aconselhando-o insensatamente a fazer o que não deve e para o que não tem rasão, pintando-lhe as cousas ainda peiores do que ellas são, illudindo-o com affirmações de todo o ponto exageradas, inexactas, e inconvenientissimas!

Tenta-se desacreditar tudo e todos, instituições e funccionarios, levar a suspeição e a desconfiança nos homens publicos ao espirito popular, e não se quer ver, n´uma cegueira continua e apaixonada, os graves perigos, as tristes consequencias que d´ahi podem resultar! (Apoiados.)

O projecto da conversão é mau, é pessimo, será tudo isso que dizem, mas até agora ainda não apresentaram nada de melhor que o possa substituir! (Apoiados.)

Isso é que seria realmente de bons patriotas, (Vozes: - muito bem.) de amigos do seu paiz, o que daria a prova do seu sincero interesse em remediar o mal, que se reconhece existe, a que o projecto se propõe dar remedio!...

Sr. presidente, eu peço desculpa a v. exa. e á camara, pelo tom mais alto e acalorado com que fallei, vigorosamente impulsionado por sentimentos e impressões que não pude dominar; mas custa-me realmente muito, como custará a todos, ver a facilidade com que de animo leve se lança do seio do parlamento, da nossa primeira assembléa nacional, da que mais responsabilidades tem, tem, tão publico pregão de descredito e de deshonra, que vão achar echo e servir de arma aos encarniçados inimigos das instituições cá dentro, e aos inimigos da nossa autonomia lá fóra, sendo vergonhoso e indesculpavel, que sejam os proprios representantes do paiz, que desempenhem um tão triste e criminoso papel! (Apoiados.)

Quando as nações atravessam periodos criticos e angustiosos, de desventura e ruina, como este por que estamos passando, os seus homens publicos mais eminentes, sem distincção de côr politica, têem um unico fito em todas as suas palavras e acções - o da salvação da patria commum!

Em vez de gastarem o tempo e as forças a guerrearem-se tristemente, e a inutilisarem-se com mesquinhas questões de um condemnavel e revoltante facciosismo, os partidos politicos unem-se sinceramente como um só, formando o partido nacional, e cooperam e trabalham todos para o mesmo honroso fim! (Apoiados.)

Haja vista, agora mesmo, o nobre e patriotico exemplo da altiva e cavalheirosa Hespanha, aonde se estão congregando todos os partidos e todos os politicos e homens de valor, em torno da mesma bandeira, a sagrada bandeira da patria e da monarchia, fazendo os mais heroicos sacrificios para ajudal-as a sair triumphantes e gloriosas, da enormes difficuldades com que tão honrosamente luctam, para manter illeso o seu patrimonio territorial e as suas respeitaveis tradições seculares! (Apoiados,)

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APPENDICE Á SESSÃO N.° 23 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1898 384-M

Ao passo que isto succede em Hespanha, a dois passos de nós, aos nossos olhos, como succede e tem sempre succedido em outras nações, no nosso paiz, n´este desventurado Portugal, bem digno de melhor sorte, pullulam as pequenas ambições do mando e do poder, as tristissimas invejas e intrigas de um facciosismo doentio, mesquinho e estreito, que, dominado pela obcecação mais completa dos verdadeiros principios do patriotismo, levanta campanhas irritantes contra o governo, e pretendo por todos os meios crear-lhe difficuldades, entravar-lhe a acção governativa, diminuir lhe a força de que elle tanto precisa, para não sossobrar esmagado pelas terriveis circumstancias que o rodeiam, que não creou, de que não tem culpa! (Apoiados.)

Parece que tudo se oblitera e esquece, n´este desgraçado momento, para só se dar ouvidos ao despeito e á represalia, á paixão desordenada e á retaliação politica! (Apoiados.)

E, n´esta inconsciencia, n´este desvairado caminho, não se quer ver que se aggrava cada vez mais a situação, que ella se póde tornar dentro em pouco, por culpa de todos, irreductivel, perigosissima! (Apoiados.}

Parece que a opposição faz gala de assoalhar bem alto a nossa desgraça! E querendo apresentarmos á Europa como um paiz perdido, sem recursos, desconceituado, sem meios de cumprir o que prometta, não se cansa de, n´este logar, para que bem a ouçam, ir clamando todos os dias:

«vejam esta miseria em que vivemos! Não se fiem nas palavras do governo! Orçamentos, calculos, provisões, estatisticas, elementos de apreciação, planos financeiros, é tudo uma burla! É tudo para arranjar dinheiro! Não nos emprestem nada, que perdem tudo! Acautelem-se! Desconfiem ! Isto é um paiz irremediavelmente condemnado! Estamos em bancarrota, ninguem confie nas palavras e promessas do ministro da fazenda! Não queiram ajudar-nos a sair d´esta situação! Não caíam em nos ajudar a salvar, que podem perder tudo!»

E é com estas patrioticas exclamações para os estrangeiros, que aqui têem os seus representantes a ouvir e que informam os seus governos, e é aconselhando os nacionaes a que se levantem, que se revoltem, que protestem e promovam toda a casta de resistencia, que os insignes patriotas da opposição pretendem salvar a patria! (Apoiados.)

E depois, têem a audacia de vir dizer á camara, ainda em nome d´este seu mesmo patriotismo, que tome sentido o governo, que trema, porque o paiz está revoltado, a sua agitação é enorme, a sua colera tremenda, e tudo póde naufragar de um momento para o outro, no estado de desespero e convulsão que já se começa a notar e que póde ser funestissimo pelas ameaças terriveis que já se ouvem! Não se ouve nada! (Apoiados.)

Pobre paiz! Tomara elle que o deixassem em paz. Está desenganado e bem desilludido do que valem e representam estes conselhos e indignações, da mais descarada exploração politica, com mira no poder!

Deixem-no em paz e socegado!

E já que lhe não dão nem podem dar, a felicidade e o bem estar a que elle tinha direito, deixem-no ao menos pacificamente no seu honrado labor quotidiano, entregue ao seu afanoso lidar na agricultura, no commercio, na industria, aonde, fóra do embate das ruins paixões politicas, póde ganhar dignamente, com o amargurado suor do seu rosto, o pão de que precisa, produzindo ainda o sufficiente para ir contribuindo generosamente, com sacrificio que seja, para os encargos do estado, para a sustentação do existente! (Apoiados.)

Deixem-no, pois, em socego, que é o melhor que podem fazer!

Nem o provoquem, nem o tentem illudir, nem o desinquietem e aconselhem mal, que podem ser victimas da sua justiça! (Apoiados.)

O sr, Presidente; - O sr. deputado falla ha uma hora e tem ainda um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Eu vou resumir, sr. presidente, as minhas considerações, e vejo, pelo adiantado da hora, que muito me ficará ainda por dizer...

E fallam aqui os oradores da opposição, em agitação e revolução, incitando o povo a ella com as suas palavras e opiniões, sem quererem ver o grande mal que estão fazendo! (Apoiados.)

Que pensem em a promover e fomentar os desvairados e encarniçados inimigos das instituições e da ordem, os pescadores de aguas turvas que nada têem que perder, e que para fazer vingar os seus ideaes politicos, lançam mão de todos os meios, sem nenhuns escrupulos, póde compre-hender-se, vá, estão no seu papel; mas que tal façam homens que se dizem monarchicos, que têem exercido altos cargos publicos, que têem grandes responsabilidades do governo, que se apregoam conservadores, defensores até do poder pessoal, e que se jactam de ser leaes conselheiros amigos da corôa, isso é que não se comprehende nem se póde desculpar! (Apoiadas.)

Eu respeito todos as idéas politicas, todas as opiniões manifestadas, todas as espirações de liberdade, quando sejam legitimas e sinceras, quando não pretendam, com a sua acção mephytca e dissolvente, fóra do dominio legal, embaraçar e destruir a liberdade e o direito dos poderes constituidos, que todos temos o dever de acatar e defender.

Aqui, como em qualquer outra parte, respeitarei as opiniões adversas, emquanto ellas não tentarem, por meios illicitos e violentos, impor-se e querer esmagar a minha liberdade e o ideal politico que m´a garante, que tenho rigorosa obrigação de sustentar e defender, por convicção e porque assim o jurei! (Apoiados.)

Mas a minha tolerancia com os reconhecidos inimigos das instituições, ou com aquelles que o pareçam, para explorarem erradamente a opinião publica, transformando a sua palavra n´uma arma poderosa e perigosa, para fomentar a monarchia e a desordem, que podem trazer os mais tristes resultados, tem limites, e não póde ir alem do que dignamente seja permittido. (Apoiados.)

As palavras que a opposição tão inconscientemente aqui solta, são diariamente publicadas, em typo graúdo, nos jornaes mais avançados, mais adversos á monarchia e a todas as instituições existentes, e escandalosamente commentadas e exploradas, como fortes argumentos e boas rasões para as combater!

Haja, pois, mais cobro, mais cautella na lingua, e menos paixão, menos fel na alma! (Apoiados)

Fomenta-se e anima-se insensatamente d´este logar a resistencia ao projecto de conversão, para depois se vir dizer que ella existe lá fóra, que é tremenda, energica, assustadora, ameaçante até á mão armada!

Mas como se comprehende a existencia de tal revolta, de tal colera popular que ameaça desfechar em revolução, se nem sequer ha n´esta camara, noticia de alguma manifestação de protesto, nem ao menos uma unica representação, das que costumam vir em casos similhantes?! (Apoiados.)

Peço a v. exa., sr. presidente, que se digne dizer-me e á camara, se ha na mesa alguma proposta, reclamação ou representação, contra o projecto da conversão?

O sr. Presidente: - Não, senhor. Não ha cousa alguma.

O Orador: - Pois bem, não ha nada, e estamos ha tres semanas a discutir o projecto, e foi annunciada ha muito tempo a sua apresentação ao parlamento! Isto prova, que a, tal forte resistencia, a revolta ameaçante e atterradora, só existe no animo da opposição, e parece que nos seus desejos, para crear difficuldades ao governo; e que, se alguma manifestação se der fóra d´esta assembléa, nem é expontanea nem tem valor, porque é a resultante do que

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propositadamente aqui se diz, propala e affirma, com o intuito de alarmar a opinião publica, que se mostra indifferente aos incitamentos e planos dos que pretendem promover agitações e arruaças para as explorarem! (Apoiados.)

Não ha na mesa nenhuma representação nem protesto, contra o ruinoso, o odiado, o infame projecto? Pois é preciso que haja!

Ha de haver manifestações, para satisfazer os desejos e propositos da opposição, para coroar os seus esforços parlamentares !

E sabem como é que ellas se fazem, como havemos de ouvir aqui os echos da ruidosa agitação? É por esta fórma, vão ver!

Eu pego n´um jornal regenerador, em accordo de idéas com os jornaes republicanos, embora seja sisudo e redigido por um dos mais talentosos e graduados membros d´esse partido, e vejo: Contra a conversão, na maior parangona, no alto da primeira pagina, no logar de honra, e leio:

«Promove-se activamente pelas provincias um movimento de protesto contra a conversão. E, segundo lemos n´um jornal da manhã, esse movimento é iniciado pelo partido republicano. Honra lhe seja.

«De lamentar será que os partidos de governo se conservem n´uma attitude, que a muitos poderá afigurar-se connivencia e a todos um erro politico irremediavel, se a Providencia divina se não amercear de nós, mallogrando o accordo que se projecta.

«Nem sobre o valor moral da proposta, nem sobre a sua importancia economica, temos duvidas: não as póde ter o paiz, se de todo em todo lhe não são indiferentes as palavras proferidas no parlamento ou escriptas na imprensa contra tão deploravel expediente govemativo.»

Promove-se activamente pelas provincias, ouviu bem a camara? O protesto vae ser solicitado, preparado, propositadamente promovido!

É como quem promove um espectaculo, uma toirada, uma festa, um divertimento com convite, incitamento, e programma a aguçar o appetite!

Arranja-se assim uma grande e espontanea manifestação de resistencia, de agitação profunda a tumultuar nas das e nas praças, onde, no dizer do sr. Luciano Monteiro, se deve preferir morrer espingardeado a acceitar a conversão! (Apoiados.)

Promove-te activamente o protesto, aconselham-se e animam-se os republicanos á folia, e depois aqui o teremos pela mão da illustre opposição monarchica, que o tratará carinhosamente.

O sr. Teixeira de Sousa (com vehemencia): - Isso não é exacto. (Apoiados da esquerda.)

O Orador: - Está aqui escripto. Póde v. exa. ler o jornal. Eu não leio senão o que aqui está...

O sr. Teixeira de Sousa: - v. exa. affirma que se promove a agitação.

O Orador: - Peço perdão. Um jornal do partido regenerador é que diz isto e o affirma, não sou eu. Por mim apenas o leio á camara, e ella e o paiz de certo tiraram os conclusões que entenderem. (Apoiados.)

Queira v. exa. ouvir, sr. Teixeira de Sousa, e não se irritar tanto, porque não tem do que. As cousas são o que são, dou a quem doer!

Se nas minhas palavras ou commentarios aos factos houver alguma cousa que possa melindrar v. exa., o que não é intenção minha, eu dou-lhe completas explicações d´ellas, dentro dos limites da cortezia e do respeito que todos nós nos devemos, sem isso coarctar em nada o meu direito e liberdade de apreciação, porque eu sou dos que aqui, e em toda a parte, sustentam dignamente as suas palavras e opiniões. Não provoco conflictos, mas tambem não fujo às minhas responsabilidades. Não tendo nunca intenção de offender ninguem, quando não tenha motivo, desagrada-me, confesso-o, a attitude tão exaltada do illustre deputado!

S. exa. não tem rasão no que disse. Eu não alterei o que está escripto, li bem; e torno a ler. Que soffra censuras quem as merecer.

Diz o referido jornal: «Promove-se activamente pelas provincias um movimento de protesto contra a conversão».

Abre o artigo de fundo por estas palavras, que me parecem muito significativas, para se concluir a espontaneidade e importancia do movimento de resistencia e protesto que virá convulsionar o paiz e aterrar o governo. Nada mais. E eu, do illustre redactor do jornal, um dos homens mais importantes do partido regenerador, e de quem sou amigo, nada disse nem tinha que dizer.
Referi-me elogiosamente á sua conhecida individualidade, mas não discuti nem tinha que discutir, nem custumo discutir pessoas; avalio e discuto os factos! Repeti o que está escripto, e dei-lhe importancia por vir no jornal aonde vem.

Vozes da esquerda: - Mas quem promove?

O Orador: - Ah! meus senhores. Vamos a ver quem promove. Promovem os que fazem opposição ao projecto. Creio que não podem ser os que o defendem! (Apoiados.} Promovem os que querem explorar a opinião publica!

O sr. Luciano Monteiro: - Se se promoveu essa agitação, essa promoção era justa, e patriotica.

O sr. Presidente: - Peço aos srs. deputados que não interrompam o orador.

O Orador: - O que entenderá s. exa. por promoção justa e patriotica? A que melhor convenha aos planos politicos do seu partido? A de incitar e chamar o paiz para a desordem? A de fazer o jogo dos inimigos das instituições?!

Pois s. exa. são tão amigos do povo, bons amigos e conselheiros, que o querem trazer para a rua, para a desordem, para depois o verem espingardeado (Apoiados) na indispensavel repressão dos tumultos, da revolta, com quem ninguem póde ganhar? Que amigos do povo!

Uma voz: - Venha tudo isso e a colera popular e a guilhotina para executar algumas cabeças.

O Orador: - Sim, virá! poderá vir!

Mas tambem lhes digo, que se ella chegar a vir e a funccionar, não é d´este lado da camara que ha de recrutar maior numero de cabeças, (Apoiados) estejam bem certos!

Vozes: - Porquê? Explique!

O Orador: - Eu vou dizer porque. Não deixo de dar a rasão do meu dito, não se afflijam nem irritem tanto!

Eu disse isto, e repito: que teriam de recrutar d´ahi maior numero de cabeças, porque o povo sabe; muito bem, que tendo estado o partido regenerador muitos mais annos no poder, do que o progressista, tem maiores responsabilidades e muito mais culpa do estado a que chegámos. (Apoiados.) Não quero dizer que haja crimes; ou criminosos, d´esse ou d´este lado da camara, porque n´um ou noutro partido, não considero ninguem criminoso emquanto isso não se provar. O que digo, e é verdade, é que tendo sido o poder um farto morgadio do partido regenerador, durante tantos annos, elle tem pelos seus erros de administração e pelos seus grandes e tradicionaes esbanjamentos, a maior somma de responsabilidades, a quasi totalidade, da precaria situação em que nos encontrâmos e de que agora tanto accusa os seus adversarios! (Apoiados.) Nós, o partido progressista, temos tido muito raras e pequenas interinidades de governo, que tem sido effectivo e quasi permanente para os regeneradores nos ultimos vinte e cinco annos, e por isso a nossa culpa e responsabilidade, é bem menor, (Apoiados) nem se póde comparar!

Portanto, se chegar o tal sombrio momento da colera e justiça popular, das forcas ou dos fuzilamentos, em que v. exa. parece que esquecidos, tão levianamente fallam, não é d´aqui. não é no nosso partido, que ha de haver mais victimas! (Apoiados.) Creiam!

Mas, ai de nós, ai de s. exa. e de todos, se essas suas

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perniciosas doutrinas forem por diante, se os seus tristes vaticínios se realisarem!

A colera e a fome são mas conselheiros e são cegas!

Não escolhem pessoas nem poupam ninguem! No seu furor indomavel, victimam inncentes e culpados, fazem pagar o justo pelo peccador, como a historia de todos os tempos nos tem ensinado! (Apoiados.) Cautela pois I

Não estejâmos a brincar com o fogo, que nos podemos queimar... Cautella!...

Mas, voltemos serenamente ao assumpto principal, que o tempo urge. Eu queria ainda dizer e provar, o que é facil, que os partidos politicos militantes, que têem estado no poder, incluindo o governo, sem partido, do sr. Dias Ferreira, têem tido nos seus planos financeiros e de tentativas ao arranjo com os credores externos, a idéa da consignação de rendimentos para garantia de Juros, e até com o mesmo deposito d´esses rendimentos em estabelecimento bancario, tal qual como agora se pretende fazer pelo projecto em discussão. (Apoiados,)

Consignação, que aliás, existe e figura no orçamento geral do estado, ha muitos annos, como se póde verificar.

Desde o sr. Oliveira Martins e Dias Ferreira até ao sr. Fuschini e ao ultimo ministerio regenerador, foi acceite a consignação, e peior, muito peior do que ella, a participação nos rendimentos alfandegarios! (Apoiados) E o governo do sr. Hintze Ribeiro, que antecedeu o actual, bem se esforçou para que no estrangeiro lhe acceitassem como base de convenio para negociações financeiras, a mesma garantia que agora se dá! (Apoiados.)

Não posso pois comprehender, nem acho justificada, a grande repugnancia que os illustres deputados regeneradores mostram, sem nenhuma coherencia, em hoje achar mau, ante-patriotico, criminoso, infamante para a nação, o que hontem era bom e unico recurso acceitavel, só por que era proposto pelo seu partido! (Apoiados.) Bem se vê como no fundo de tudo isto, na essencia d´esta questão vital, está a desalmada politica facciosa com todos os seus monstruosos defeitos! Bem se vê! (Apoiados)

Tem-se citado aqui mais de uma vez a cavalheirosa, a altiva Hespanha, que realmente o é, como nobre exemplo de patriotismo, do brio e altivez, dignos de se imitarem.

Pois bem, vejamos o que ali se tem feito e se faz ainda, sem quebra da dignidade e independencia nacional, sem que nenhum hespanhol, no parlamento ou fóra d´elle, ouse dizer que a Hespanha só deshonrou, que abriu as portas ao dominio estrangeiro, porque em horas de amargura e inadiavel precisão de arranjar dinheiro, deu aos credores externos hypotheca de rendimentos para garantia de juros, e mais ainda, entregou a uma commissão estrangeira a administração das fontes de receita dos rendimentos consignados, o que é bem differente do que se vae fazer em Portugal! Chamo a attenção da camara para os pontos que vou ler, dos Planos financeiros, do notavel homem de estado, o sr. Marianno de Carvalho, aonde se relata e prova irrefuctavelmente o que acabo de dizer da vizinha Hespanha, e se vê a maneira bem differente e honrosa para todos, como ali se comprehende e pratica o verdadeiro, o sincero, o grande e elogiavel patriotismo! Ouçam v. exa.

(Leu.)

Creio que ninguem póde duvidar de que é verdade o que acabo de ler! (Apoiados.)

E agora pergunto sinceramente e á boa paz, aos que estão d´esse lado da camara e que tão violentamente combatem este projecto de salvação publica, deixou a Hespanha, porventura, de ser a mesma que era, uma nação considerada, nobre, altiva, orgulhosa e ciosa da sua autonomia, pelo facto de consignar o rendimento das alfandegas e o da exploração das suas rendosas minas, fazendo mais, muito mais sacrificios, do que nós vamos fazer, entregando a sua valiosa administração, como se viu, a uma commissão estrangeira escolhida pelos credores? Não deixou! (Apoiados.)

Ninguem o ousará affirmar!

Todas as nações a respeitam e estimam da mesma maneira. Precisava, via-se afflicta, lançou mão dos recursos que tinha para se salvar!

Fez o que devia! (Apoiados.)

É bom que a par dos exemplos que se citaram com louvor, e bem merecido, se citem e acceitem como bons tambem, estes que dei e que têem applicação ao caso que se aprecia.

Portanto, não é odioso, nem deshonroso para a nação, nem póde representar a perda da nossa independencia, uma clausula que se insere n´um contrato de boa fé, que honradamente devemos cumprir, e a que as circumstancias obrigam, para provarmos aos nossos credores que o que lhe vamos offerecer, pouco, porque mais não temos, lhe é garantido dignamente, o que os deve animar a auxiliar-nos e a respeitar a nossa desgraçada situação! (Apoiados.)

Esta medida financeira, é uma imperiosa necessidade! Mas nem abre a porta ao estrangeiro, nem nos envergonha vexatoriamente, nem admitte o controle ou fiscalisação alguma externa, que nos possa humilhar!

Deshonra e vergonha é, dever e não pagar! E prometter e não cumprir! É deixar arrastar nas praças estrangeiras o credito e o bom nome da nação, por se fallar ao que se promette, como já no fez!

Aqui, como em Hespanha, será um estabelecimento nacional do credito, o banco de Portugal ou a junta do credito publico, quem arrecadará a importancia das receitas consignadas e quem, de sua conta propria, satisfará os encargos da divida, guardando só o preciso para esse fim.

O sr. Luciano Monteiro: - Tudo, tudo; guardará tudo e não chega.

O Orador: - Peço perdão; não é tudo. V. exa. exagera e é menos exacto na sua affirmação! E só o preciso ou indispensavel para garantir o pagamento dos juros. E o deposito a fazer é unicamente o das quantias destinadas a esse pagamento, que será pontualmente cobrado por duodecimos, semanal, quinzenalmente, ou como melhor se entenda e convenha ao estado e ao thesouro, que regulamenterão essa arrecadação. (Apoiados.)

O sr. Luciano Monteiro: - O que é o indispensavel, dada a existencia do cambio?

O Orador: - É extraordinaria, por não dizer outra cousa, tal pergunta feita por um deputado tão intelligente! As circumstancias e alternativas que se forem dando é que hão de responder exactamente. Para o momento presente os calculos são feitos pelo cambio do dia, pelo estado actual das cotações! Trata-se do presente!

Como quer v. exa. que se responda com certeza, pelo que ha de succeder ámanhã, por uma cousa que é de sua natureza incerta e variavel, dependente de mil circumstancias e occorrencias imprevistas e incalculaveis, independentes da vontade do governo? (Apoiados.)

Responda agora v. exa.: Foi por vontade do partido regenerador que elle, quando á força de circumstancias desastrosas, abandonou o poder, deixou as cousas no desgraçadissimo estado em que ficaram? Seria por sua vontade que os cambios desceram, que do Brazil não vinha dinheiro, que o agio do oiro subia consideravelmente, e que as difficuldades eram tantas que o obrigaram a deitar-se abaixo sem opposição?

Os sophismas e rabulices do habil advogado com que s. exa. argumenta e por vezes me interrompe, são de má lei e destroem-se á mais simples reflexão, nada podendo lucrar com elles a ruim causa que pretende defender. (Apoiados,)

E agora, muito de passagem, responderei ao que tão insensatamente se disse do banco de Portugal, de que não sou procurador e nem sequer accionista, mas que me revoltou pela maneira inconveniente e leviana como aqui se

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proclamaram heresias de um novo direito internacional, ácerca de agencias, e se sustentaram considerações que feriam o credito d´esse respeitavel estabelecimento bancario, a que estão ligados intimamente os interesses do estado.

Parece incrivel o que aqui se tem dito! As hypotheses de fallencia aventadas, as duvidas sobre as responsabilidades a liquidar, os direitos dos credores externos em caso de quebra das agencias, ou suspensão de pagamentos, os calculos dos haveres e operações do banco, tudo isto apreciado de uma fórma tão censuravel e inconveniente, que se reproduziu lá fóra e cansou impressão como um grito de alarme aos accionistas e á opinião publica, que ficaram attonitos e desconfiados!

Se era isso o que a opposição pretendia, querendo levantar desconfianças na praça e no estrangeiro, e augmentar as difficuldades do momento, não podia ter andado melhor!

Mas, felizmente, que os creditos do banco de Portugal estão de tal maneira inabalaveis e firmados em bases tão solidas, que nenhuns ataques d´esta natureza e procedencia lhe podem causar damno! (Apoiados.) Nem deteve a opposição, na sua mal dissimulada má vontade, no intuito politico de ferir o ministerio, e saber que a governação suprema da gerencia do acreditado banco, a que bem se póde chamar o banco do estado, foi e está confiada a um seu talentoso e honrado partidario, o sr. conselheiro Julio de ViIhena, que pelos seus meritos e honestidade é, como os directores do estabelecimento, garantia segura de que nada ha a receiar de menos correcto e digno nas operações que só façam com o estado ou com particulares! (Apoiados.)

Alem d´isto, e apesar da pessima situação da praça e da geral desconfiança e retrahimento dos capitaes, o movimento do banco tem augmentado nos ultimos tempos, como rapidamente demonstrarei, provando-se que a confiança publica o distingue e procura de preferencia! (Apoiados.)

Peço licença á camara para lhe ler um pequeno resumo do ultimo relatorio ha pouco publicado, e que confirmando o que digo nos esclarece da maneira que se vae ver:

Contos

Os depositos em dinheiro existentes no banco em 31 de julho de 1896 eram de...............61:474

Os feitos e existentes em igual data do anno de 1897 eram de............................66:714

Differença para mais no ultimo anno, não obstante ter augmentado a crise.................. 5:239

Isto prova como se foi restabelecendo a confiança publica no banco, e depõe a favor da administração e gerencia do governo progressista, que concorreu para a melhoria da situação do nosso credito em geral.

A circulação fiduciaria, que se tem dito ter augmentado por dezenas de milhares de contos, soffreu apenas a alteração seguinte:

Contos

Notas em circulação em 31 de dezembro de 1896 (contas redondas).........................58:933

Notas em circulação em igual periodo de 1897 (contas redondas).........................65:059

Differença para mais em circulação............ 6:126

Eis a que se reduzem as dezenas de milhares!...

Eu tinha muitas mais notas elucidativas e eloquentes para ler á camara e provar bem á saciedade o estado prospero do banco e a melhoria do nosso credito interno, depois que o actual governo subiu ao poder, não obstante o ter peiorado muito o agio do oiro e a descida dos cambios, mas eu não tenho já tempo e não quero abusar da tolerancia da camara, que se tem dignado ouvir-me com tanta benevolencia.

Como a hora está muito adiantada, e eu não posso continuar no uso da palavra, deixarei em silencio muito do que ainda tinha para dizer, e vou restringir-me apenas ao mais essencial. Não quero, no pouco tempo que me resta, deixar sem protesto o que disse o meu illustre amigo o sr. deputado Luciano Monteiro, e a que não me recordo bem se já alludi, n´este meu desconnexo e modesto discurso, se assim se lhe póde chamar, sobre o risco que s. ex. affirmou corriam os credores internos de não receberem, pelo menos nos tres ou quatro annos mais proximos, juro das suas inscripções. Isto não é exacto! (Apoiados.)

E nenhum fundamento ou rasão de ser tem uma tão inconveniente como assustadora declaração, feita n´este logar por um deputado tão esclarecido.

Este caso á sensação, que s. exa. pretendia explorar contra o governo, já foi sufficientemente desmentido com as categoricas declarações do nobre ministro da fazenda, que eu provoquei n´uma das ultimas sessões. Não tenham, pois, duvida alguma a tal respeito os prestamistas internos, que todos, como eu que tambem o sou, continuaremos a receber pontualmente como até aqui, e sem mais nenhuma deducção, bem basta a dos pesados 30 por cento, os nossos reduzidos juros! (Apoiados.)

E agora, e por ultimo, sr. presidente, quanto ao projecto de lei da conversão que se discute; e que tenho apreciado, eu direi em minha consciencia: como portuguez que sou e me prezo e honro de ser; como portuguez honesto, honrado, independente, e amigo sincero e leal da sua querida patria; como portuguez que não está preso por interesse algum, directa ou indirectamente, aos governos ou aos orçamentos do estado; como portuguez e politico que não tem pretensões a deferir, nem está de mão estendida e espinha curvada diante do seu partido ou do governo que o representa; como deputado que nada quer, nada precisa, nada solicita; digo em minha honra e consciencia immaculada de homem de bem, que pela convicção que tenho, baseada no estudo que fiz, na minuciosa analyse d´esta questão, pelo que tenho ouvido n´este parlamento e pelo que o governo franca e lealmente expoz, entendo que o posso e devo approvar! {Apoiados.)

Que tratando-se, como se trata, não, da salvação da familia, o que é muito, mas da salvação da patria, d´esta nossa tão querida e amada patria que é a familia de todos nós, e é muito mais que isso, dou o meu voto consciencioso e livre ao projecto, com a inteira convicção, sincera e leal, de que pratico um bom acto, de que cumpro o meu mais sagrado dever! (Apoiados.) E digo bem alto e claro, com toda a força da minha convicção e da minha alma, que todo o portuguez que se preze, que é patriota, e que põe acima de tudo a salvação da sua nacionalidade ameaçada, embora com pena e mágua, com lagrimas de dor, não póde n´este angustioso momento deixar de votar este projecto, á falta de cousa melhor que o possa substituir! (Apoiados.)

Disse-se d´aquelle lado da camara, sem rebuço, impensadamente, no ardor desculpavel da discussão acalorada, que seria um crime nefando, uma infamia sem nome, o votar este projecto assassino, porque elle era a exauctoração, a deshonra e a perda da patria ! Isto se ousou dizer n´esta illustrada assembléa de representantes da nação! Que desvairamento e que triste symptoma! (Apoiados.) O sr. Presidente: - O sr. deputado já falla ha mais de um quarto de hora alem da hora que lhe é dada.

O Orador: - A exauctoração, a deshonra, e a perda da patria! Mas é isso mesmo o que o governo, o que nós todos queremos evitar, á custa seja de que sacrifícios for!

Mas é a isso mesmo, a evitar esse grande perigo, que mira como um salutar remedio o projecto que se debate! (Apoiados.) Cobardia e infamia seria continuar a deixar cair lá fóra o honrado nome de Portugal, cada vez mais abocanhado, mais abatido e desacreditado, espesinhado por todos, ferido a rudes golpes de injurias, arrastado pelas

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praças publicas como um calloteiro, como um insoluvel, como um desprezivel sem brio nem dignidade, até que a final se afundasse de vez n´um monte de miseria, n´um mar de lama, sem que se empregasse nenhuma tentativa para o salvar! Era a isto, a esse estado que a opposição queria que o deixassemos chegar? Era então, quando já nenhum remedio houvesse que se lhe havia de acudir ?

Que patriotismo é este? Que patriotas são estes que nos accusara e censuram! (Apoiados.) Cautela! Cautela, que o paiz está alerta e a todos vê e julga! Não estejamos aqui tão despreoccupadamente e só por politica a assoprar o incendio! Não estejamos a brincar com o fogo que nos póde queimar a todos... Uma faulha, as vezes, basta para produzir labaredas que tudo destroem, e que só muito sangue apaga! Haja prudencia! O fogo é perigoso, queima, não o ateiem!

Uma voz: - Mas depura, e algumas forças tambem não era mau!

O Orador: - Depura, talvez; mas destroe e consome, com certeza! E o peior é, que no caso presente, sobre os seus montes de cinzas ainda quentes, póde cair e desapparecer, abrazada para sempre, uma gloriosa nacionalidade inteira, pagando as faltas de meia duzia de culpados. (Apoiados.} Eis o grande, o incalculavel perigo!

Que se queimam, que se afundem e desappareçam os partidos politicos, que se enforquem e abrazem alguns homens, se o merecem, e se tiverem de ser victimas da sua propria obra, isso pouco importa! O que importa e muito e tudo, é que só salve a nação, é que com elle se não queime, afunde e desappareça, esta nossa gloriosa, tradicional, altiva e nobilissima nacionalidade portugueza, que já deu leis ao mundo e descobriu mundos! (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado pelos srs. ministros e por quasi toda a camara.}

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