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Para o mesmo.
Illustrissimo e Excellentissimo Senhor. - As Cortes Sendo-lhes presente a inclusa representação do Visconde de Azurara, na qual expõe, que ainda se não realizará o oferecimento que ele dirigiu ás Cortes em 14 de Setembro de 1821 , e se mandou verificar por ordem da mesma data constando do quarto quartel de todos os ordenados, que venceu no ano de 1807, da tença de trinta mil réis que leva por duas adições na casa das carnes, entrando com os vencimentos, os quinze anos que se lhe devem do monte Pio que venceu sua irmã D. Ana Teresa Salter de Mendonça, e do terço dos ordenados dos lugares do Desembargo do Paço, e casa da Suplicação, começando este terço desde a referida data em diante, e continuando em quanto durarem as mesmas urgências. Mandam remeter a mesma representação ao Governo para que se faça verificar o mencionado oferecimento, e se diga a razão por que até ao presente se não tem verificado. O que V. Exca. levará ao conhecimento de Sua Majestade.
Deus guarde a V. Exca. Lisboa Paço das Cortes 23 de Dezembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.
SESSÃO DE 24 DE DEZEMBRO.
Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Moura, leu-se a acta da antecedente, que foi aprovada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração de voto do Sr. Telles da Silva: Na sessão de ontem votei pela validade da eleição do doutor Cândido Rodrigues Alves de Figueiredo, para Deputado ás Cortes.
O Sr. Secretario Felgueiras deu conta do expediente, mencionando
1.º Um ofício do Ministro dos negocios da marinha com a copia de uma representação dos lentes da academia nacional da marinha. Passou á Commissão respectiva.
2.º Um oficio do Ministro dos negocios da fazenda com uma consulta da junta da administração do tabaco, relativa ao contrato deste genero. Passou á Commissão de fazenda.
3.º Um officio do Ministro dos negocios da guerra, assim concebido: - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor: - Não tendo ainda havido decisão alguma sobre o objecto de que tratava o ofício, que em data de 7 de Abril foi dirigido a V. Exca. para ser presente ás Cortes Extraordinarias e Constituintes, o Governo se vê embaraçado, não só pela reclamação dos oficiais do exercito de Portugal, mas tambem para qualquer promoção geral que seja preciso fazer; o que Sua Majestade me ordena que participe a V. Exca. a fim de chamar a atenção do soberano Congresso sobre a decisão do objecto daquele ofício, não só para que o Governo possa resolver sobre a reintegração dos oficiais de infantaria n.º 3, mas tambem para poder regular-se sobre as promoções nas diferentes classes que tiveram os batalhões destacados no Brasil sem lhes pertencer pela escala da antiguidade do exercito de Portugal.
Deus guarde a V. Exca. Palacio da Bem-posta em 23 de Dezembro de 1822. - Illustrissimo e Excellentissimo Sr. João Baptista Felgueiras. - Manoel Gonçalves de Miranda,
Mandou-se remeter á Commissão de guerra.
4.º Uma carta do Sr. Deputado Castro e Silva, representando a falta que sofre de meios de subsistencia e pedindo que se dêem a seu respeito as providencias que se deram a respeito de outros Deputados do Ultramar; que se mandou á Commissão de fazenda.
5.º As felicitações das camaras da cidade de Tavira, da vila do Vimioso, da vila do Rabaçal, da vila de Chaves, da vila de Aviz, da vila das Aguias, da cidade de Elvas; das quais todas se mandou fazer monção honrosa.
6.º As felicitações do juiz de fora do Fundão, do substituto do juiz de fora de Valença do Minho, do juiz de fora do Sabugal, do juiz ordinário de Carrazeda de Anciães, e do juiz ordinario de Arruda; as quais foram ouvidas com agrado.
O Sr. Secretario Thomaz de Aquino mencionou a oferta que faz Antonio Joaquim Neri de uma colecção do periodico que redige com o titulo de Campeão Lisbonense, a qual colecção se mandou para a livraria das Cortes.
O Sr. Deputado Araujo Costa mencionou o oferecimento que faz Antonio de Sousa Dias, boticario de hospitais regimentais da cidade do Porto, do prover de medicamentos todos aqueles hospitais pela terceira parte do seu valor: a qual representação se mandou á Commissão de fazenda.
O Sr. Deputado João Francisco de Oliveira ofereceu ao Congresso o busto do celebre publicista Benjamim Constant, para ser colocado naquele lugar que mais conveniente se julgasse: a qual oferta foi recebida com agrado, e se encarregou á Commissão de policia das Cortes a designação do lugar que parecesse mais oportuno para nele ser colocado aquele busto.
Feita a chamada, acharam-se presentes 100 Deputados, faltando sem causa motivada os Srs. Gomes Ferrão, Antonio José Moreira, Gouveia Durão, Ledo, Borges de Barros, Domingos José da Silva, Aguiar Pires, Assis Barbosa, Moniz Tavares, Sousa Moreira, Lyra, Ferreira da Silva, Fortunato Ramos, João Pedro Ribeiro. Cirne, Fernandes Pinheiro, Alencar, Fagundes Varela, Filipe Gonçalves, Granjeiro, Castro e Silva, Manuel Patricio, Zeferino dos Santos, Marcos Antonio, Borges Leal, Vergueiro, Araujo Lima, Bandeira, Lemos Brandão; e com causa motivada os Srs. Betencourt Queiroga, Almeida e Castro, Rodrigues Bastos, Sá, Felgueiras Senior, e Roque Ribeiro.
O Sr. Pereira Pinto, como membro da Commissão de guerra, pediu licença para ler dois pareceres desta, sobre materia, cuja decisão era de urgencia sendo-lhe concedida, leu primeiro o seguinte
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PARECER.
A este soberano Congresso representa José Antonio Ferreira Vieira, que em consequencia do parecer da Commissão de guerra lhe fôra concedida a graduação de coronel aggregado a algum corpo de caçadores, ou de artilheiros nacionaes, vencendo sómente o soldo de 2.° tenente: o que foi participado ao Ministro Secretario de guerra por ordem das Cortes em 12 de Julho de 1822. Sendo porém nomeado agora governador das ilhas de S. Thomé e Principe, pertende, visto ir entrar ali em exercicio, e pertencer ao estado maior, que se lhe passe a patente de coronel com o soldo de 2.° tenente d'armada, ficando addido ao estado maior do exercito.
A Commissão de guerra examinando o parecer, e ordem de que o supplicante faz menção, e achando tudo conforme com o allegado, he de parecer que se conceda ao supplicante a patente de coronel de milicias, ficando addido a algum dos corpos designados na mesma ordem de 12 de Julho de 1822, e com o soldo de 2.° tenente da armada Nacional e Real, por ser, repugnante á lei, que transite por tal modo da 2.ª para a 1.ª linha.
Sala das Cortes 18 de Dezembro de 1822. - Jorge de Avillez Zuzarte de Sousa Tavares, Bernardo da Silveira Pinto, Manuel de Castro Correia de Lacerda, Luiz da Cunha Castro e Menezes, José Pereira Pinto, Luiz Paulino de Oliveira Pinto da França, José Victorino Barreto Feio.
Posto á votação, decidiu-se que não pertencia ás Cortes.
Leu depois o Sr. Pereira Pinto o seguinte
PARECER.
Pelo Ministro da guerra foi remettido a este soberano Congresso o requerimento dos officiaes do batalhão provisorio destinado para Africa, em que pedem esclarecimentos sobre o decreto das Cortes Constituintes, de 29 de Maio do corrente anno, e pretendem as mesmas vantagens e providencias, que pelo mesmo decreto forão concedidas aos officiaes inferiores e soldados, quanto ao tempo de serviço, e ao seu pronto regresso das provincias a que são destinados sem dependencia de novas ordens nem sujeição ao arbitrio dos governadores, e bem assim a sua re-integração nos corpos donde agora saem.
A Commissão observa, que por decreto de 28 de Julho de 1821 está, determinado que toda a força permanente de terra do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarve terá considerada como formando um só exercito, e que os destacamentos que saírem de Portugal para serem empregados em qualquer provincia, nunca excederão o tempo de quatro annos; finalmente pelo decreto de 29 de Maio do corrente anno se manda contar aos officiaes dos destacamentos d'Africa o tempo de serviço dobrado para as reformas o condecorações; consequentemente a Commissão he de parecer que pelos mencionados dois decretos está providenciado tudo quanto os supplicantes requerem.
Sala das Cortes 13 de Dezembro de 1822. - Bernardo da Silveira Pinto; Jorge d'Avilez Zuzarte de Sousa Tavares; Luiz da Cunha Castro Menezes; José Pereira Pinto; Manoel de Castro Corrêa de Lacerda; Luiz Paulino de Oliveira Pinto da França; José Victorino Barreto Feio.
Foi approvado.
Passando-se á ordem do dia, entrou em discussão o seguinte
Parecer da Commissão especial para examinar o relatorio do Ministro dos negocios do Reino relativo á recusação da Rainha a prestar o juramento á Constituição.
A Commissão encarregada de dar parecer sobre o processo formado pelo Poder executivo, ácerca da recusação da Serenissima Senhora D Carlota, Joaquina em jurar a Constituição da Monarquia portuguesa, não cançará o soberano Congresso com a exposição deste acontecimento, clara e ordenadamente expendido no relatorio que delle fez o Secretario de Estado dos negocios do Reino, e nos documentos que o instruem; o que tudo Sua Magestade, logo que se terminou este negocio, mandou remetter ás Cortes para seu inteiro conhecimento, e se mandou imprimir.
Limita-se pois a Commissão a apresentar ás Cortes este processo, como uma nova e luminosa prova da sabedoria e virtudes que adornão a pessoa do Senhor D. João VI; da sua intima e sincera união com a Nação, e do seu amor á observancia das leis. A circunspecção e energia com que este negocio foi tratado nas diversas sessões do Ministerio, ouvido o Conselho de Estado; as anticipadas communicações que por palavra e escrito se fizerão á Rainha desde o dia 22 de Novembro, para previnir que não incorrei-se por falta de conhecimento na sancção da lei; o pronto cumprimento que a esta se deu, decretando-se logo no dia 4 de Dezembro haver perdido todos os direitos inherentes á qualidade de cidadão, e á dignidade de Rainha, aquella desaconselhada Senhora que fundava e ratificava a sua solemne recusação de jurar pela simples razão de ter assentado de nunca jurar em sua vida, e uma vez haver dito que não jurava, não obstante bem conhecer a mesma lei; as attenções em tudo guardadas com ella, especialmente sobre a escolha do paiz estrangeiro para onde quereria retirar-se, e sobre os meios da sua viagem: o deferimento, em fim, dado á sua representação para se suspender a viagem, quando pela unanime declaração de dez medicos da real camara constava não se poder ella agora fazer sem imminente perigo da sua vida, mandando-a entretanto retirar para a quinta do Ramalhão, que ella mesmo havia designado, acompanhada sómente das pessoas indispensaveis ao seu serviço pessoal: tudo, Senhores, attesta as virtudes do Senhor D. João VI, e a prudencia e firmeza dos seus Ministros. A lei cumpriu-se sem tergiversação, como he forçoso fazer-se em um paiz constitucional onde ella he igual para todos: a humanidade respeitou-se: o decoro e attenções devidas á augusta Esposa de Sua Magestade guardárão-se.
TOMO. I. LEGISLAT. II. Hh
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Como pois a lei esteja cumprida, e sómente espaçada a sua execução na parte em que por ora se torna impossivel, e o negocio não pertença ás attribuições das Cortes, parece á Commissão que nada resta senão declarar-se na acta que ellas ficão inteiradas.
Sala das Cortes 9 de Dezembro de 1822. - Manuel Borga Carneiro; Antonio Lobo de Barbosa ferreira Teixeira Gyrão; Manoel José Baptista Felgueiras; José Corrêa da Serra; João Pedro Ribeiro.
Post scriptum.
Alguns dias depois de haver a Commissão assignado o antecedente parecer, se lhe mandou remetter a indicação que sobre este mesmo objecto se anticipou a apresentar o Sr. Deputado Accursio das Neves, não lhe consentindo seu animo esperar, como pedia a ordem, a occasião da discussão do dito parecer, para expor então quaesquer razões com que intentasse combatelo. As Cortes terão observado a moderação com que foi concebido aquelle parecer: assim como observárão o descomedimento e ousadia que se deprehende da indicação, o que a Commissão não creria se a não visse assignada por seu autor, e por seus quatro companheiros." A Constituição, dis elle, tem sido mui extraordinariamente violada na augusta pessoa da Rainha, a quem tem processo nem sentença do Poder Judiciario despojárão dos seus direitos civis e politicos, dos rendimentos da sua casa, e até da sua liberdade, não lhe permittindo levar comsigo suas filhas para a quinta do Ramalhão, para onde foi mandada retirar, com a notavel ordem de ser unicamente acompanhada pelas pessoas indispensaveis ao seu serviço pessoal. Que mais lhe farião se fosse convencida de grandes crimes? Quando fosse liquido estar ella no caso da Lei? Quem deu autoridade aos Ministros para se arvorarem teus juizes, debaixo do arrastado nome de ElRei? Houve nisto invasão do Poder executivo no Poder judiciario; ataques de direitos pessoaes e reaes da Rainha; e nenhuma consideração com as Cortes, a quem devia consultar antes de proceder a passar esses decretos attentatorios de 4 do corrente mez."
Estas e semelhantes expressões acarreta o Sr. Deputado na sua indicação: a Commissão não pode poupar-se a fazer-lhe a merecida censura. A ElRei constou logo no dia 3 de novembro que a Rainha recusava dar procuração para o juramento da Constituição: ella mesma declara que assim lhe havia mandado dizer. Julgando ElRei, dia o relatorio, dever a sua augusta Esposa a communicação do que determinava a lei, para que por falta do conhecimento della não incorresse na sua sancção, enviou a 12 do dito mez de Novembro tres dos seus Ministros a participar-lhe mui respeitosamente que no caso não esperado de não jurar dentro do prazo prefixo na lei, se acharia Sua Magestade na dura necessidade de esta se cumprir, e de dever sair do Reino quem recusava jurar a Constituição da Monarquia. Se a Rainha fundasse a sua recusação em alguma razão tendente a mostrar que ella não era comprehendida na lei, embora se poderia pretender, que ou o Poder judicial decidisse a questão, ou as Cortes interpretassem a lei; porém a Rainha respondeu aos tres Ministros: "Que já havia mandado dizer a ElRei que não jurada; que tinha assentado de nunca jurar em sua vida; que assim uma vez o tinha dito, e uma pessoa de bem não se retractava; que bem sabia a lei e conhecia a pena, e que estava disposta para isso," Esta resposta a confirmou depois por escrito a 28 do mesmo mez, dizendo: "Já fiz a minha solemne e jornal declaração de que não jurava, e agora torno a ratificala: estou pronta a executar o que ElRei me manda em virtude da lei: a minha intenção he ír para Cadiz por mar." Que havia pois aqui senão uma declaração tão firme e expressa, quanto livre e espontanea de não querer adherir ao pacto social, nem por consequencia pertencer á Nação portugueza? Não se tratava de averiguar se a Rainha era ou não comprehendida na disposição da lei: ella mesma confessava estar nella comprehendida; declarava solemnemente que bem a sabia e bem conhecia as consequencias: que para ellas estava disposta; e que desde já designava o porto de Cadiz aonde queria ser conduzida.
Nesta insistencia formal e positiva quem devia ceder? A Lei, ElRei, e o Governo encarregado pela Constituição de a executar, ou a Rainha, que mui deliberadamente declarava por todo o espaço de um mez fixado na mesma lei, não querer sujeitar-se a ella, e estar disposta a sair do Reino, mas não a jurar o pacto social? Se o Governo tivesse deixado de executar a lei, teria desempenhado o nome e a attribuição de Poder Executivo! Estarião os ministros livres de se lhes exigir hoje a sua responsabilidade? Poderia considerar-se mais do que uma tergiversação o interpellar-se o poder judicial a favor de quem declarava não jurar o pacto social por querer antes sair do Reino do que jurar? Trata-se acaso da imposição de pena, ou do implemento de condição? Portanto quatro Secretarios de Estado justamente se conformão em que a lei se devia executar logo que chegasse o seu termo, e que para esse fim se tomassem as disposições preparatorias. A Commissão sente ter de dizer, que o Ministro da marinha foi o unico que se apartou de seus collegas para seguir a maioria do conselho de Estado: isto he, que este negocio fosse decidido pelo poder judicial, depois de ter sido levado ao conhecimento das Cortes: a cujo respeito he notavel haverem os tres conselheiros de Estado Dantas Pereira, Mello Freire, e Gomes de Oliveira, na segundas sessão do conselho, lida a dois de Dezembro, mettido era duvida se as mulheres, e muito menos a Rainha, estavão comprehendida na lei; chegando o dito Dantas Pereira a accrescentar que tinha razões para lhe parecer que nella não estão comprehendidas, como se a lei as não comprehendesse em palavras claras e terminantes, e como se a mesma Rainha assim o não reconhecesse nas suas respostas. He deste modo que nos tempos da arbitrariedade se tercião e estiravão as leis com interpretações forçadas, segundo as paixões, e os caprichos; e hoje veríamos disso ainda um exemplo, se o Rei, e seus Ministros não estivessem firmemente dedicadas ao reinado constitucional, que he o reinado da justiça e da fiel observancia das leis.
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Como pois ousa o autor da indicação accusar de precipitação o ministerio, porque findando o prazo da lei a tres de Dezembro, já em vinte e dois de Novembro andava com intimações á Rainha, e já em vinte e sete fazia aprontar a fragata que a devia conduzir, a fim (diz elle) de a deportarem precisamente no dia quatro? Pois que; não cumpria á franqueza de ElRei e dos ministros declarar anticipadamente á Rainha o que era forçoso acontecer se ella deixasse passar todo o mez, persistindo na intenção que havia manifestado?
A prosperidade publica, segundo a Constituição, consiste na pronta e exacta observancia da lei; esta he igual para todos: quem quer que a infrinja, incorrerá na sua sancção. Tal he a divisa do reinado da justiça e dos tempos constitucionaes. Acaso deverá o Governo ser considerado como provocador, quando alguém lhe diz "Eu bem conheço a lei e a sua sancção; porém não me sujeitarei a ella: sei a obrigação do pacto social; mas não o reconhecerei, porque esta foi sempre a minha intenção, e não a devo retractar, uma vez que cheguei a concebela."? Quando o Governo he tão injusto quanto atrozmente inculpado, taes invectivas só servem de propalar o odio que se lhe tem, e o esteril desejo de provocar os povos a que similhantemente o odêem; servo de mostrar que se ama a arbitrariedade e os sofismas com que as leis se illudem.
E que dirá do Rei quem assim trata os ministros? Diz "que elle fora por estes arrastado a uma fogosa determinação, tão repugnante aos sentimentos do seu coração, com a qual precipitárão a Nação; porque sendo sabida nos paizes estrangeiros, dir-se-ha que este bom Rei está posto em estado de coacção por estes ministros."
Porém quem não vê que o autor da indicação espalha idéas contrarias a uma verdade conhecida dentro e fóra de Portugal, uma verdade que a mesma Rainha francamente attesta?
"Estou pronta, diz ella na resposta de 28 de Novembro, a executar o que ElRei me manda em virtude da lei": E mais abaixo. "Estou bem certa que ElRei, nem o Governo não hão de querer que eu vá morrer por esses caminhos". E na sua primeira resposta diz "que já havia mandado dizer a ElRei que não jurava". Como pois a Rainha attribue toda a acção neste negocio a ElRei, se elle vai arrastado pelos ministros? Acaso teremos de dizer que lambem a Rainha, aliás são firme no seu proposito, falla nisto com coacção? Mas quem ha em Portugal que ignore com quanta espontaneidade ElRei está unido á Nação, e ao pacto que jurou? Dir-se-ha sim nos paizes estrangeiros que elle está posto em coacção; mas sómente o dirão os inimigos do regime representativo, que o não podem atacar senão com calumnias atrozes.
Em verdade parece que sómente para os paizes estrangeiros se escrevêrão expressões, que dentro do Reino não podem ser cridas. Inculca-se a Rainha como reclusa na quinta do Ramalhão, e privada da sua liberdade; á sua sabida do Reino dá-se o nome de deportação; representa-se a Nação submersa em dolorosas impressões, a não se haver sustado o embarque pela junta dos medicos, que fez gritar a humanidade a favor da Rainha. O processo convence a falsidade destas asserções. A Rainha muito antes de espirar o prazo da lei declara "que ella está pronta a saír do Reino como ElRei lhe manda em virtude da lei; porem que, como se acha mui doente, em tão rigorosa estação se não atreve a emprehender a jornada; e para mostrar a toda a Nação que não entra absolutamente em cousa nenhuma, está pronta para se retirar para a sua quinta do Ramalhão até que o tempo permitta principiar a sua jornada, sendo sua intenção ir para Cadiz por mar." Assim se fez: os medicos attestárão o estado de molestia da Rainha: permittiu-se-lhe ir para a sua quinta, como havia desejado, para de lá em convalescendo ir para onde for sua vontade fóra do Reino. Onde está pois aqui a privação da liberdade? onde a deportação? onde as dolorosas impressões da Nação por ver gritar a humanidade? O que a Nação quer he que as leis se cumprão imparcialmente; pois pela falta deste cumprimento he que ella se insurgiu contra o antecedente Governo, e contra o systema da arbitrariedade, e do absolutismo.
Mas já he tempo de chegar á conclusão. O autor da indicação conclue que ante omnia sejão revogados os attentatorios decretos de 4 do corrente mez, e restituida a Rainha ao pleno gozo de todos seus direitos; e que depois se forme o processo ou perante a autoridade que as Cortes designarem, ou perante as mesmas Cortes á maneira do que se praticou no Parlamento inglez na causa da ultima Rainha. Ora eis-aqui finalmente excedentes principios constitucionaes! As Cortes fazerem a lei, e executarem-na: as Cortes principiarem por desfazer o que fez o poder executivo em consequencia das suas attribuições: a Rainha ser julgada por uma Commissão nomeada pelas Cortes, ou descerem ellas mesmas ás funcções do poder judicial, porque assim se fez na Inglaterra onde ha uma segunda camara ou Parlamento, o qual segundo a Constituição daquelle paiz he o juiz nato, e permanente dos Magnates, e dos delictos contra o Estado!! Eis-aqui o que no parecer do autor da indicação se deve fazer para sermos bons observadores da nossa Constituição!! Parece por tanto á Commissão que a indicação deve ser rejeitada, como cheia de asserções falsas e calumniosas, de principios erroneos, subversivos e anticonstitucionaes, e tendente a semear a cizânia entre os povos, e a romper a união que felizmente subsiste entre o poder legislativo, e executivo: os quaes principios, e asserções se seu autor os quizer sustentar na discussão do primeiro parecer da Commissão, espera esta que serão facilmente debellados pela sabedoria, e zelo dos illustres Deputados que compõem esta assembléa.
Sala das Cortes 13 de Dezembro de 1822. - Manoel Borges Carneiro; Manoel José Baptista Felgueiras; José Correia da Serra; João Pedro Ribeiro; Antonio Lobo de Barbara Ferreira Teixeira Gyrão.
O Sr. Pereira do Carmo: - O relatorio que o Governo apresentou ao Congresso, e o parecer da Commissão ácerca deste relatorio, e da indicação do Sr. Accursio das Neves, offerecem-nos as tres seguin-
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tes importantissimas questões: 1.ª, a lei que manda jurar a Constituição politica da monarquia, entende-se tambem com a Rainha? 2.ª, a quem compete executar a lei, ao Governo, ou ao poder judicial? 3.ª, o Governo, na execução da lei, aggravou ou modificou a sua sancção? A resolução dos tres problemas abrange tudo quanto se póde dizer na materia. Eu vou falar sobre ella com a mais decidida repugnancia, porque não pertendo esconder ao Congresso, que á Rainha devo o unico lugar que occupei na magistratura; mas eu devo á patria o sacrificio de todas as minhas afeições, e sentimentos, mesmo os de gratidão. De mais, no momento actuar, em que ao longe se forjão os ferros para algemar os pulsos de todos os constitucionaes da Peninsula, eu olho este negocio como um reagente politico, que vai dar a conhecer o aferro que cada um tem ao systema representativo, que todos adoptámos. Nada de conducta equivoca: nada de furtar o corpo, quando está imminente o perigo: a minha divisa he, e será sempre = Constituição, e nada mais = Constituição, e nada menos = Basta de exordio; vamos ás questões. E he a primeira:
A lei que manda jurar a Constituição politica da Monarquia entende-se tambem com á Rainha?
A lei de 11 de Outubro do corrente anno manda que os funccionarios publicos, e os que possuem bens antigamente chamados da corôa e ordens, prestem seu juramento á Constituição politica da Monarquia. He pois a Rainha um funccionario publico? Possue a Rainha bens antigamente chamados da corôa, e ordens? Eis-aqui duas questões secundarias, de que depende a resolução dá questão principal. Eu abro esta mesma Constituição, que a Rainha recusou jurar, e no capitulo 5.º, artigo 149, vejo que a Rainha he chamada para fazer parte da Regencia provisoria, quando vagar a corôa, durante a minoridade. Logo a Rainha he um funccionario publicos cujas attribuições estão marcadas na Constituição: logo seria absurdo dizer-se, que a Constituição concede direitos a quem não reconhece o dever de jurala. Em quanto aos bens da corôa, he necessario ser inteiramente hóspede na historia de nossas cousas, para ignorar que a casa das senhoras Rainhas se compõe desta sorte de bens. Não precisamos remontar até ao Sr. D. Affonso V, que já no § 1.º titulo 70 do liv. 2.º de suas ordenações declarava, que os Reis que ante elle forão, costumavão fazer doações ás nobres, e virtuosas Rainhas por bem, e virtude de seus matrimonios, e teus grandes merecimentos, de certas villas e lugares com suas jurisdicções altas, e baixas, mero, e misto imperio: basta saber tão sómente que e Senhora Dona Catharina, mulher do Sr. D. João III possuiu esta casa, que por sua morte se incorporou na corôa, aonde esteve até á feliz acclamação do Sr. D. João IV em 1640, salvo a villa de Alemquer, que foi doada por Filippe IV a D. Diogo da Silva com o titulo de marquez da mesma villa. Nas Cortes porem de 1641 os procuradores da villa de Alemquer requerêrão, e obtiverão, que se destacassem dos proprios da corôa todos os bens que tinhão antigamente formado a casa, camara, e estado da senhora D. Catharina, para formarem a casa, camara, e estado da senhora Rainha D. Luiza, o que EiRei concedeu pela carta patente de doação de 10 de Fevereiro de 1642. Estes bens consistião então nas villas de Alemquer, Obidos, Cintra, Aldegalega da Merceana, e Silves, e Faro no Algarve, e constituem ainda hoje, além de outros, a casa da Rainha actual: logo a Rainha actual possue bens antigamente chamados da corôa ; logo está ligada a prestar o requerido juramento. Temos pois resolvido o primeiro problema, isto he, lemos demonstrado, que a lei que manda jurar a Constituição politica da Monarquia, se entende tambem com a Rainha: 1.° porque he um funccionario publico: 2.° porque possue bens, antigamente chamados da corôa e ordens, e hoje nacionaes.
Mas se a lei abrange tambem a Rainha, a quem cumpre fazer executar a lei? Eis-aqui o segundo problema.
Em regra toda a execução da lei nada mais he do que a sua applicação a qualquer caso occorrente: a natureza porém do caso indica o poder politico, que deve applicar a lei. Se o caso he contencioso, se he um crime, só os juizes lhe devem applicar a lei. Ao contrario, se não ho contencioso, e he mio he crime, só ao Governo compete esta attribuição. Resta pois averiguar, se a Rainha perpetrou um crime, quando recusou jurar a Constituição politica da Monarquia. Eu já sustentei nesta sala, e deste mesmo lugar, que o Cardeal Patriarcha não havia commettido crime, quando recusou jurar pura e simplesmente as bases da Constituição; e as razões que então dei são as que produzo agora com tanta maior confiança quanto ellas forão constantemente abraçadas pelas Cortes Constituintes. A Constituição politica, Senhores, he o contrato social, em que se estipulão as condições, com que qualquer nação pertende constituir-se em corpo politico; e como da essencia dos contratos he a vontade, e não a coacção, segue-se, que qualquer membro da sociedade póde recuar ser parte no contrato, sem que por isso tenha commettido um crime, porque não infringiu uma lei penal. Logo a Rainha não perpetrou crime algum, recusando jurar a Constituição politica da Monarquia. Logo no Governo, e não ao poder judicial, ha que compete fazer executar a lei.
Aggravou porém ou modificou o Governo a sancção da lei? Eis-aqui o terceiro e ultimo problema.
Quanto mais me demoro sobre o relatorio que nos foi apresentado, e documentos que o acompanhão, mais me convenço de uma verdade, e he que o Governo conciliou o respeito devida á lei com a consideração que merece a augusta esposa do nosso bom Monarca. A lei devia pontualmente executante, porque ai! do systema constitucional, quando a lei recuar diante de qualquer individuo, por mais autorizado que seja! Mas executou-se depois que tres Ministros forão ponderar á Rainha es funestos effeitos da sua fatal allucinação, e depois que a Rainha confirmou por escrito o que vocalmente lhes havia declarado, isto he, que não jurava. Era então forçoso que quem não queria pertencer á Nação portugueza perdesse todas as vantagens que lhe vinhão da Nação, e que
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despejasse o seu territorio. Todavia, como a barbaridade não presidiu aos conselhos do Governo, assentou elle de sobre estar na ultima parte da execução da lei, e pôr todo este negocio na presença das Cortes, visto que por voto unanime dos facultativos a Rainha não podia agora commetter viagem sem risco imminente de sua vida. Approvo por tanto o procedimento do Governo, porque nelle encontro firmeza, humanidade, e respeito á Rainha. Não approvo porém o parecer da Commissão, por diminuto; eu me explico. Quereremos nós por ventura que a augusta esposa do melhor dos Reis, a mãi do successor na coroa destes Reinos, viva vida miseravel e mesquinha, ou na sua quinta do Ramalhão, ou em paizes estrangeiros? Consentiremos nós que os santos aluados gozem do prazer de sustentarem com regateadas esmolas a que foi Rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves? Convirá por ventura á dignidade nacional, que o nosso grande Rei, que tantas vezes tem dito, e que tantas outras tem provado, que só he feliz quando a Nação he feliz, desfalque sua apoucada dotação para acodir á sua Real consorte? Consentiremos em fim, que as Senhoras Infantas sacrifiquem ao diario alimento de sua augusta mãi aquellas mesadas que a Nação lhes consignou, para sustentarem o real decoro? Eu não o poeto acreditar, e faço aos membros da Commissão a justiça de me persuadir, que elles não tocárão nesta especie, porque lhes escapou. Remediemos pois o mal em quanto he tempo, e por isso, approvando plenamente a conducta do Governo, sou de voto que o parecer torne á Commissão para arbitrar os alimentos com que a Rainha deve ser soccorrida em qualquer paiz que escolher para sua residencia. Nem se diga que o meu additamento he alheio da presente questão: por quanto só o Governo deve cumprir pontualmente, a respeito da Rainha, a lei de 11 de Outubro do corrente anno; por necessaria consequencia ha de ser autorizado para o fazer com aquella dignidade que he propria da briosa Nação de que somos representante.
O Sr. Carlos José da Cruz e Silva: - Eu sou entre todos os membros deste soberano Congresso o que póde fallar menos a respeito do grande assumpto, que está em debate. Reconheço que não tenho forças para illudir os argumentos do illustre membro que acaba de fallar, posto que não sigo a sua opinião.
Louvo o Governo, por ter neste caso grave consultado o Conselho de estado; segundo lhe prescreve o artigo 167 da Constituição. Tambem o louvo pela declaração, que faz de serem as suas vistas a exacta observancia da lei, combinada com as necesssrias attenções á alta dignidade, e jerarquia de S. Magestade a Rainha.
E passando a tractar da materia, fallarei primeiramente do parecer do conselho de estado. O voto de seis conselheiros de estado, que fazião a maioria do conselho, foi: que o negocio devia ser submettido a um processo regular depois do dia 3 de Dezembro, para ser decedido por sentença, que passando por julgado se execute: que para designar o juizo, onde se deverá tratar este gravissimo negocio, e para se proporcionarem ao Governo os meios necessarios para as despezas da execução, e assim tambem para só tomaram consideração o actual estado, da saude da Rainha, visto acharem-se reunidas, e em exercicio as Cortes geraes, devia ser levado ao seu conhecimento, para decidirem o que convier. Com este voto se uniu o de um ministro secretario de Estado.
O voto dos outros dois conselheiros de Estado, e dos outros cinco ministros secretarios de Estado foi em contrario; concordárão porém na remessa ao corpo legislativo só quanto a espaçar a sabida da Senhora Rainha pelo motivo da molestia.
Desta sorte ficárão empatados os votos; sete pela negativa de pertencer o conhecimento ao poder executivo, e sete pela affirmativa. Com tudo o Governo decidiu, e a favor das suas attribuições: elle expediu 2 decretos no dia 4 de Dezembro, um que declara terá Senhora Rainha perdido os direitos civiz, e politicos de cidadão portuguez, e de Rainha, e que a mandava expulçar do reino immediatamente; outro que suspendia a sahida em attenção ao seu imminente perigo de vida, e ordenava se retirasse entretanto para a quinta do Ramalhão acompanhada unicamente das pessoas indispensaveis para o seu serviço pessoal. Estas decisões do Governo forão intempestivas, a não serem incompetentes. Ao Governo não pertencia decidir sobre as suas proprias attribuições, quando ellas estavão duvidozas, não pelo simples dito de um particular, pois seria absurdo, que o Governo se inhibisse para similhante modo, mas pelo voto da maioria do conselho de estado, o qual he dado pela Constituição para guiar o Governo nos negocios graves.
A decisão pertencia e pertence a este soberano Congresso, e entendo ser da sua dignidade não a dimittir de si. Consequentemente, reputo que os mencionados decretos, independente de outros fundamentos, se devem declarar irritos, e de nenhum effeito, etc. Examinarei porem os fundamentos da opinião, em que se fundamentou o Governo para assumir a decisão deste negocio. 1.º fundamento: a lei he clara, o Governo deve executada: logo tratarei disto. 2.° fundamento: não adherir ao pacto social he acto livre. e não delicio. A liberdade, ou a devemos considerar civil, ou natural; a civil, diz a nossa Constituição, consiste em não ser obriga-lo o cidadão a fazer o que a lei não manda; nem a deixar de fazer o que ella não prohibe. O juramento á Constituição não está neste caso; porque o artigo 13 do Decreto de 10 de Outubro proximo diz: Todo aquelle, que sendo obrigado pelo presente decreto a jurar, recusar cumprir, perderá a qualidade de cidadão, e sahirá immediatamente do territorio portuguez. Este decreto manda jurar, obriga a jurar sob o perdimento dos direitos de cidadão, e de expulção da patria. Uma lei que monda, que obriga, e que pune a desobediencia, tira ao cidadão a liberdade civil de se comportar de differente modo; o cidadão ou ha de obedecer, ou sugeitar-se a essas privações: se da essencia do contrato social he a liberdade civil para cada um dos cidadãos o aceitar, ou regeitar, eu não vejo aqui essa liberdade, vejo sim a liberdade natural, ou a espontaneidade necessaria para a imputação dos actos humanos. Esta liberdade natural existe nos delictos, e sem ella não póde haver de-
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licto. Chamamos delicto, á falta de observancia da lei com positivo animo de a transgredir. Por tanto a liberdade, com a qual o cidadão não presta juramento á Constituição, e desobedece á lei, que o manda jurar, he que constitue o delicio. Ë julgo por isto ser falso, que a desobediência á dita lei do juramento, e a liberdade com que isso se pratica, não seja delicto.
3.° Fundamento: a perda dos direitos inherentes á qualidade de cidadão, e a expatriação, não são penas, são simples consequencias naturaes desse acto livre. Por isto mesmo he que eu lhe chamo pena; pois toda a pena; consiste na privação de direitos, e toda ella emana mui natural, e simplesmente do acto livre da desobediencia á lei.
Tiro de tudo isto por consequencia que o cidadão chamado naquelle decreto para jurar a Constituição, não quer juralla, comette um delicto, e lhe deve ser imposta a pena sanccionada no dito decreto. Isto pertence ao poder judiciario, não ao executivo.
Tratarei agora do primeiro fundamento: se a lei he clara. Tres conselheiros de Estado disserão, que não era claro comprehender a lei do juramento á Constituição as mulheres casadas, tendo jurado seus maridos. E menos claro comprehender a Rainha.
Examinando o decreto de 10 de Outubro só encontro a respeito das mulheres no artigo 1.º as seguintes palavras: as mulheres, e os legitimamente impedidos se admittirão a jurar por procurador. Por estas palavras he evidente, que as mulheres também são chamadas a esse juramento. Mas que mulheres?
Não pôde entender-se de outros se não das que tambem são expressadas neste artigo, e ainda estas não todas; porque o artigo não chama os menores de 25 annos.
Sobre os casados he a questão. Parece-me, que os sobreditos tres conselheiros de Estado, entre outras razoes, terião em vista a identidade de circunstancias a respeito dos casados, e dos menores de 25 annos. A razão porque os homens de idade de 14 annos, e as mulheres de 12 annos não são chamados a este juramento, não he porque elles já não possão jurar, a lei do Reino já os chama a jurar em juizo. He sim. porque só depois dos 25 annos entrão em plena administração dos bens. Ora as mulheres casadas estão debaixo da administração de seus maridos, os quaes dispõem como bem lhes agrada sobre o seu casal, e somente os contractos de bens de raiz exigem pela mesma lei do Reino expresso consentimento das mulheres casadas, e ainda assim se suppre pela Magestade. Eu pouco tenho dito, mas confesso que não encontrei autor de direito publico, o qual fizesse necessário o consentimento das mulheres casadas para validade do pacto social. Julgo que não me enganarei haver autor, que pelo contrario até quer que as mulheres casadas se sujeitem á religião, que seguirem seus maridos. Sem a lei do juramento á Constituição chamar expressamente as mulheres casadas, que razão ha para as chamar, e obrigar os maridos a perderem a sociedade conjugal, a privarem-se para sempre da companhia de suas mulheres, os filhos a perderem os cuidados, e vigilância de suas mãis, e o casal os rendimentos dos bens que até ali tinha?
A pronta reversão dos bens da coroa he uma consequência necessária. E porque ha de perder o marido tudo isto? Pelos exemplos, ou pela teima de sua mulher em recuzar o juramento! Julgo impróprio entender a lei com tanta dureza, e tanto prejudicial á sociedade. Muitas destas razões são applicaveis á Senhora Rainha. He separala para sempre de seu Augusto Esposo: separala das Senhoras Infantas suas filhas, o Reino perder a sua Rainha, sem que ella se encontre chamada expressamente para o pretendido juramento. A Senhora Rainha he mulher, mas mulher do chefe do poder executivo; e deve entender-se chamada por esse nome mulher, a Senhora Rainha?
As Cortes Constituintes chamão as Senhoras Rainhas ao juramento á Constituição, mas em o caso único expresso na mesma Constituição; e he no caso da Regência: ellas a chamarão pelo nome da dignidade Rainha; e ellas ahi declarárão o lugar mais respeitável para o juramento ante as Cortes. As mesmas Cortes a chamarião agora também =como Rainha = expressamente, merecendo quando casada não menos contemplação, que sendo viuva. Ficará o pacto social mais firme com a adherencia desta Senhora por juramento? Depende della o vigor do mesmo pacto, ao qual adheriu seu Augusto Esposo? Que pena tinha ella não querendo dar juramento naquelle caso da Regência? Creio que nem a perda de direitos, nem a expatriação. E agora porque motivo uma tal pena? O argumento que se quer deduzir do caso do juramento á Regência, nada he pois favoravel ao presente caso. Accresce que a Senhora Rainha se goza de bens nacionaes he por differentes títulos, que os outros donatários. Ella não he donatária, são as Rainhas de Portugal. Ella deixará esses apanagios se chegar a ser viuva.
Devo accrescentar ainda, que a lei do juramento á Constituição não tira ás mãis os direitos da natureza, para as separar de seus filhos em quanto estão neste Reino. Devo dizer, que a expulsão immediata, que a dita lei ordena não entendo signifique expulsão no dia 4 de Dezembro, a palavra immediatamente, julgo quer dizer sem perda de tempo; e um cidadão não ha de sair sem arranjar os seus negócios, e sem levar o que he seu; pois o confisco está abolido. As leis do Reino dão ao possuidor injusto, e como tal convencido por sentença, dez dias para largar a posse dos bens. E porque não se devem entender concedidos ao menos outros dez dias para a expulsão do territorio portuguez? Creio que ao patriarca, e a outros já expulsos se lhe deu tempo conveniente.
Concluo (e já he tempo de não abusar da paciencia deste Augusto Congresso), e digo: que tudo deve reduzir-se ao antigo estado antes dos decretos do Governo; e voto assim contra o parecer da Commissão. Decidindo este Augusto Congresso, que o negocio pertence ao Governo, então o Governo decretará. Se for ao poder judiciario, como a mim me parece, quando a lei comprehenda a Senhora Rainha, o que eu julgo inverosimil, então depois de julgada, se executará a sentença.
O Sr. Serpa Pinto: - Quando os povos do cir-
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culo de Penafiel me honrarão com á sua escolha para representante da Nação neste soberano Congresso, bem persuadidos estavão de que eu não vinha aqui recitar eloquentes, e pomposos discursos: elles sabem que eu não sou um Orador, mas também não ignorão que amante da verdade é zeloso em extremo pelos interesses da minha pátria, nunca perderei occasião em que os possa defender, sem me acobardar diante de politicas considerações. Agora pois somente pelo meu dever, e pela escassa luz da minha razão, eu vou sustentar quanto em mim estiver, o judicioso parecer da Commissão que tenho á vista. A Rainha, Sr. Presidente, deveria ter acceitado o pacto social offerecido por uma nação briosa que cheia de enthusiasmo a recebeu no seu seio, e que sempre a honrou, é considerou desde á sua mais juvenil idade. Eis-aqui sem duvida o que tinha direito a esperar um povo de heroes, que sem recursos, sem dinheiro, sem exercito, órfão em fim, e com o seu Rei a duas mil legoas de distancia, assim mesmo ousou e conseguiu defender sua independência nacional, reedificando um throno despedaçado pelo mais ambicioso despota, que o mundo todo ha visto, throno em que um dia deve assentar-se algum dos Principes que esta mesma Senhora trouxe no seu seio. Quem diria, Senhores, quem diria, que a Rainha entrando no Tejo com sentimentos tão constitucionaes, seria ella mesma quem hoje vem entornar e calix de amargura sobre os corações desses mesmos Portuguezes, que vendo-se tratados como se fossemos uma colonia, ao sair de tão cruenta luta, vendo o seu numerario systematicamente roubado, a sua população diminuida, vendo-se entregues a um Governo immoral, despotico, e corrupto. Constituídos em fim na precisa necessidade de abrirem os alicerces para edificarem o magestoso edificio da sua regeneração politica, nem um só momento hesitarão em proclamar perpetuamente sobre o throno portuguez, a dynastia da sereníssima casa de Bragança, e por consequência á descendência desta mesma Senhora que hoje nos rejeita, e talvez aborrece. Mas era fim, Senhora, calarei o que a Rainha devia fazer, para somente ajuntar duas palavras sobre o que ella fez. A Rainha não jurou a Constituição Política da Monarquia Portugueza, e por effeitos de uma tenacidade, cuja razão facilmente se póde explicar, em um momento menos considerado ella quebrou todos os laços que a prendião a seu augusto, e virtuoso Esposo, esqueceu quanto devia á sizuda Nação portugueza, e até suffocou dentro em si a persuasiva voz da natureza que altamente gritava contra um procedimento que para sempre a ía separar das mais caras porções da sua alma. Falo, senhores, das encantadoras Princezas que são o ornamento do seu sexo, e as delicias dos Portugueses.
A conducta da Rainha he tanto menos desculpavel, quanto mais assíduos forão os cuidados de seu augusto Esposo para a trazer ao seu dever, é para a conduzir apar de si por essa estrada de gloria, que o tem colocado acima de todos os Réis do mundo. Entretanto, senhores, a Rainha deixando de o ser, nem por isso he menos a esposa do melhor dos Reis: esta qualidade a par da franqueza, e boa fé em que ella mesma se pronunciou no clarissimo caso da lei, devia merecer-lhe uma consideração particular. Graças sejão dadas á sabedoria d'ElRei, e á firmeza, e dignidade com que seu ministerio se houverão em negocio tão novo, e melindroso para nós. A lei cumprio-se, e a dignidade nacional ficou salva, e todavia não se postergárão essas eternas, e santas leis dá humanidade, que são inseparaveis de um Governo constitucional e justo. Approvo por tanto o parecer da illustre Commissão em quanto ella legaliza os procedimentos do Governo neste melindroso negocio. Quanto porém á alguns dos conselheiros d'Estado, e particularmente a um, eu quereria que immediatamente se lhe formasse causa, e se tornasse effectiva sua responsabilidade, mas como não temos ainda decretada lei alguma da responsabilidade, peço ao Sr. Presidente que se digne lembrar ao soberano Congresso a necessidade em que estamos de levar á presença d'ElRei á proposta para novo conselho d'Estado como determina a Constituição. Abstenho-me, senhores, de pronunciar a minha opinião sobre a doutrina subversiva, e anticonstitucional da indicação do Sr. Accursio das Neves, porque espero que seu illustre autor melhor aconselhado peça licença para a retirar, lavando deste modo, se ainda for tempo, tão asquerosa mancha que imprudentemente deitou sobre a sua reputação literária. Se o não fizer pouco importa, visto que este papel está impresso, e falará sempre mais energicamente contra o autor do que eu mesmo poderia fazer.
O Sr. Trigoso: - A difficuldade desta questão he igual á sua importancia. He difficil esta questão, por isso que sommados todos os votos que se derão no conselho d'estado, e no ministerio a respeito do juramento da Rainha, observa-se que metade destes vogaes seguirão uma opinião, e outra metade seguirão outra: além disto ainda que eu não esteja acostumado a tirar muito tempo para ler, e examinar os jornaes que todos os dias se imprimem em Lisboa, tive comtudo a curiosidade para instrucção minha, de examinar alguns papéis relativos a este objecto, e nelles observei a mesma diversidade de opiniões que já observará nos pareceres do conselho d'Estado e ministério. Mas a maior prova que eu tenho da difficuldade desta materia, vem a ser, que não só os que falárão neste assumpto segue diversas opiniões, mas ainda os que seguem a mesma se fundão em argumentos diversissimos, a maior parte dos quaes eu não posso approvar. Em consequencia terei que dar uma opinião nesta materia, a qual se não for fundada em boas razões, ao menos serião estas novas, e darão occasião a que se possa melhor liquidar a verdade.
A importancia da questão he escusado provala, porque com effeito não será uma cousa de pequena monta o procedimento que tivermos relativamente á Rainha: visto que elle está exposto a dois perigos, quaes são, ou perder esta os seus direitos, e ser obrigada a sair do Reino, sem que a lei expressamente lhe imponha essa pena; ou a conservar os direitos, e a ficar no Reino, sendo a primeira pessoa que dê o fatal exemplo de desobediencia ás leis e á Constituição. Está pois o legislador nas circunstancias de ser obrigado a decidir uma questão difficil e importante,
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na qual o Congresso ha de mostrar a sua justiça e imparcialidade.
Prescindo agora do facto da recusação da Rainha ao juramento da Constituição considerado em si mesmo; das circunstancias de que o mesmo facto he revestido; e das impressões que havia de fazer em o publico; por isso que ja não tem remédio algum. A Rainha obstinou-se no proposito de não prestar o juramento, e, agora não pode ja jurar. Quanto ao procedimento do Governo estamos em diversas circunstancias. Seria politico ou não que o Governo, tomasse o arbitrio que tomou relativamente a recusação da Rainha? Seria o Governo demasiadamente exacto e rigoroso? Não o pretendo decidir; nem isso agora me importa; porque se elle obrou dentro dos limites dos poderes que lhe forão dados, a elle pertence o louvor ou deslouvor dos actos que praticou, e inutilmente o Congresso os examinaria e qualificaria. Por tanto a questão única que temos a considerar he se o procedimento do Governo foi justo, isto he, conforme ou não conforme com a Constituição, e com a lei. Se foi conforme, ainda que fosse muito impolitico, nos o deveriamos sustentar; mas se elle não foi conforme com a Constituição e a lei, nos o devemos notar como tal, para ser rejeitado e desapprovado. He pois o verdadeiro estado da questão que vou a tratar. Se o procedimento do Governo, relativamente a Rainha, [...] e por isso começo e acabarei as minhas [...] com os actos praticados no dia quatro de Dezembro, isto he, com os dois decretos referendados pelo Ministro dos negocios do Reino, e com o relatorio que os acompanhou, e que o dito Ministro remetteu as Cortes. He necessario porem que esta materia se discuta com toda a delicadeza, e ao mesmo tempo com todo o sangue frio e imparcialidade, porque não se trata aqui nem de defender ou de combater a Rainha, nem de defender ou de combater o ministerio: trata-se só de averiguar a justiça e a verdade. A questão he gravissima; já mediarão quasi dois mezes desde o seu principio até hoje, e convém que se considere com frieza as razões que ha de uma e outra parte fim de que demos uma decisão tal, que nos [...] coberto da nossa propria responsabilidade para com os nossos concidadãos, e para com a posteridade.
Entrando pois no assumpto, parece a primeira vista que o negocio da Rainha estaria decidido no artigo 30 da Constituição que trata da divisão e independencia dos poderes. Representa-se logo a quem considera esta matéria que tratamos de uma lei, tratamos de um facto que esta em opposição com essa lei, tratamos da pena imposta ao que commette esse facto; e em consequencia temos facto, lei, e pena; o que suppõe a necessidade de um processo e de uma sentença. Se isto he assim, então evidentemente a desisão do Governo foi uma decisão injusta, porque deveria este negocio ter levado ao conhecimento do poder judiciario, o qual, segundo he expresso no artigo 176 da Constituição, he privativo dos juizes, sem que as Cortes, nem o Governo possão intrometter-se de maneira alguma no processo judicial.
Esta foi a opinião da pluralidade dos vogaes do Conselho d'Estado, porém o relatorio do Ministro dos negocios do Reino, referindo-se a ella, accrescenta, que este negocio não devia pertencer ao poder judiciario, porque não era duvidoso que a Rainha por ser chamada a presidir a Regencia, no caso do artigo 149 da Constituição, e pela qualidade de possuidora de bens nacionais, era obrigada a jurar: e por outra parte não se tratava da applicação de pena a facto illicito, mas sim das consequencias naturaes do acta livre de não adherir a Rainha ao pacto social. Sobre cada um destes argumentos farei algumas reflexões.
Diz primeiramente o Ministro, que não havia duvida alguma, que a Rainha fosse obrigada a jurar. Supponhamos que não havia duvida; ainda mesmo nesta hypothese era necessario o processo e sentença. Nos crimes notorios, e por mais notorios que sejão, necessario he o processo, necessaria he a sentença; e seria na verdade uma cousa de muito mao exemplo, e contraria a liberdade dos cidadãos, que com o pretexto de notoriedade de crime, immediatamente podesse o Governo applicar a lei ao facto. Ainda pois que não podesse haver duvida nenhuma sobre a obrigação que a Rainha tinha de jurar, assim mesmo era necessario um processo, assim mesmo era necessario que houvesse sentença.
Diz a Commissão que a Rainha era a propria que confessava, que tinha obrigação de jurar. He verdade que a Rainha disse que conhecia a lei, e se sujeitava a pena; mas isto não basta para fazer desnecessario o processo e a sentença. Prescindamos das razões que teria a Rainha para julgar que a lei a obrigava; pergunto eu, se a persuasão da Rainha fosse em contrario deveria só por si valer a favor della? E se fosse certissimo que a Rainha estava isempta de jurar, e apegar disso ella se confessasse sujeita a obrigação e não jurasse, por ventura diriamos, que a lei lhe era applicavel, e que em consequencia deveria sair de Portugal? Parece que não. Logo a confissão parte ainda que ella se julgasse comprehendida na lei não pode embaraçar a que se faça um processo, que se de uma sentença.
Mas, diz-se, que a lei manda, que todo o que não jurar a Constituição, por esse mesmo facto perca os direitos de cidadão, e immediatamente saia do territorio portuguez. Estas expressões parecem denotar que aqui não ha necessidade alguma de processo, e com effeito ja vi não sei aonde, que ellas erão trazidas para provar isto. Mas as nossas leis tem especies muito particulares analogas a este caso, e eu desejaria que ellas tivessem sido tomadas em consideração por quem tratou este negocio. Ha uma lei muito conhecida, que he a ordenação do livro 2.º til. 37 a qual determina que a mulher que tiver bens de corte, e casar sem licença d'ElRei, por este mesmo facto perca esses bem. Apezar desta lei, e apesar de ser tão facil de provar o facto do casamento, com tudo não se applica a pena, sem que haja um processo, e uma sentença. Esta he a pratica do foro, e as leis marcão qual he a pessoa que pôde oppor perdimento de bens em que incorra a mulher que casa deste modo, e qual o juizo onde se deve conhecer deste facto. Ha outra especie ainda a notar, e vem a ser a ordenação do livro 2.º til. 15, pela qual os que
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imperão provisões de Roma contra as graças concedidas a ElRei ou a Rainha, por isso mesmo ficão desnaturalizados, e perdem a fazenda que tiverem ou esperarem herdar. Mas apezar da expressa disposição da lei ainda neste caso não se pôde incorrer na pena sem processo e sentença, do que com effeito temos exemplos assas conhecidos no foro. De maneira que se pode estabelecer em regra, que quando as leis dizem, que o que commetter tal facto, por isso mesmo soffrera tal pena, apezar de se explicarem assim, necessariamente ha de haver um processo e sentença; e so quando a lei diz, que sem processo e sentença, se deve executar a lei, de que também temos exemplos na nossa legislação, so então he que não he necessario o processo e a sentença. Temos pois, que o primeiro principio que estabelece o Ministro dos negocios do Reino no seu relatorio, de que não havia duvida, que a Rainha devesse prestar o juramento, não he por si mesmo suficiente.
Vejamos porém se he exacto, isto he, se a Rainha tinha obrigação de jurar por algum dos dois motivos que o ministro aponta, ou por ser chamada a regencia provisional do reino, ou por possuir bens nacionaes. A Rainha he chamada a regencia provisoria do reino pelo art. 149 da Constituição, mas he excluída pelo art. 148 da regencia permanente, o que faz que seja muito duvidoso, que a Rainha deva ser considerada como funccionario publico, pois facil he de perceber que por outro mui diverso motivo he que a Constituição a chama para presidir a uma regencia que só tem lugar quando as Cortes não estão reunidas, e que deve durar mui poucos dias, em quanto ellas se não reunem extraordinariamente. Mas o caso he que ainda quando a Rainha he chamada para presidir a regencia provisional, só então he que he obrigada a prestar o juramento na forma do artigo 151: d'onde parece seguir-se, que antes disso não tinha obrigação de prestar o dito juramento na qualidade de regente provisoria.
O segundo motivo he um pouco mais difficil de decidir: consiste elle em ser a Rainha possuidora de bens nacionaes? Por mais que se diga em contrario, nada se diz que mereça attenção; pois que eu estou persuadido de que a Rainha he possuidora de bens nacionaes e uma verdadeira donataria da coroa. A casa da Rainha provém da coroa, e se não em todo, ao menos em grande parte. As Rainhas de Portugal a possuem de tempos antiquissimos; nellas exercitavão até agora amplíssima jurisdicção, que so lhes podia provir da coroa ; e esta posse e exercício durava por toda a sua vida; porque so em virtude do artigo 137 da Constituição seria a actual Rainha a primeira que perdesse a casa no caso em que viuvasse: porém esta situação que fez a Constituição não tira a Rainha a qualidade de donataria, ou de possuidora de bens nacionaes, em quanto ElRei seu marido for vivo; pois que não he da essencia das doações da coroa serem ellas feitas de juro e herdade, ou em vidas de uma ou mais pessoas, ou por outro qualquer espaço de tempo. Além disto as nossas leis sempre considerão as Rainhas como donatarias, e a Ordenação Manoelina determina em dois titulos separados como as Rainhas usarão da jurisdicção que por ElRei lhes he dada, e o regimento de que deve usar o ouvidor das suas terras. Supprimirão-se estas disposições na Ordenação Filippina, por isso mesmo que pela occupação do Reino feita pelos Reis Catholicos a casa das Rainhas se incorporou na Coroa, apezar disso em um ou logares desta Ordenação se considerão as Rainhas como donatarias; e he sem duvida que ElRei D. João IV logo que subio ao trono, fez doação a Rainha D. Luiza da antiga casa das Rainhas da maneira que ellas a tinhão e possuão, fazendo incorporar na carta de doação os dous titulos da ordenação manoelina que ja mencionei. He logo a Rainha uma verdadeira donataria e possuidora de bens nacionaes; e por isso nesta qualidade esta no caso da lei de 10 de Outubro, e deve prestar o juramento a Constituição? Mas qual sera a razão, porque a Rainha devera ser excluída de prestar este juramento como outros pertendem?Sera por ventura por ser Rainha inviolavel? Isto he uma cousa inteiramente pueril, porque a Rainha não so pela nossa Constituição, mas pelo direito antigo portuguez sempre foi sujeita as leis civis da Nação. Sera porque a lei fala das mulheres, e não especifica as mulheres casadas? Parece-me isto de pouco pezo, porque as mulheres casadas posto que para a maior parte dos effeitos se julguem representadas por seus maridos, nem por isso fazem com elles uma pessoa moral; algumas cousas ha em que especialmente se requer o seu consentimento: por exemplo, he preciso citar a mulher quando se move contra o casal alguma acção de revendicação; e exige-se o seu consentimento para a hypotheca e venda convencional ou judicial de bens de raiz. Por isso d'ElRei ter jurado a Constituição, não se segue que a Rainha não a deva jurar, sendo ella como alias he uma verdadeira donataria.
A única razão forte que me move a duvidar se a Rainha he ou não obrigada a jurar, he a sua qualidade de estrangeira: e eis-aqui o que ainda não achei notado em nenhum dos escritos que tratão desta materia, e que me parece observação inteiramente nova. A lei de 10 de Outubro diz muito expressamente no artigo 11 que "os cidadãos portuguezes que se acharem em paizes estrangeiros, possuidores de bens nacionaes nos termos do artigo 1.º, dem o juramento a Constituição." O artigo 12 diz que "os portuguezes que desfrutão bens d'antes denominados da coroa, serão delles privados se não mostrarem haver jurado a Constituição, "E continua o artigo 13 que "todo aquelle (portuguez dizia a fonte d'onde este artigo foi tirado) que sendo obrigado pelo presente decreto a jurar a Constituição, recusar cumprir tão religioso dever perdera a qualidade de cidadão, e saira immediatamente do territorio portuguez." He pois expressissimo, que somente os cidadãos portuguezes, que possuem bens da coroa, são obrigados a prestar juramento; e que todos aquelles que não são cidadãos ainda que por dispensa de lei possuão bens dos chamados da coroa e ordens, e ainda que por isso sejão rigorosos donatarios, não tem pela lei obrigação alguma de jurar, nem lhe pode ser applicada a pena de saírem para fora do reino.
Se a Rainha he ou não cidadã portugueza, isto
Tom. I. Legislat. II. Ii
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póde ser questão, que eu não pretendo decidir, por isso que como legislador não posso ser seu juiz; mas se por ventura ha argumentos que provem que ella o seja, muitos sei que parecem provar claramente que o não he. A nossa lei antiga, a ordenação do reino, e a nossa Constituição moderna exprime claramente quaes são os requisitos que devem ter as pessoas para terem naturaes, e ja só sabe que entre nós ser portuguez e cidadão he uma e a mesma cousa. Estes requesitos consistem em ter nascido no reino de pais portuguezes, ou ter obtido carta de naturalisação. A Rainha não nasceu no reino de pais portuguezes, nem obteve carta de naturalisação; por isso pode sustentar-se, que ella não he cidadão portuguez.
Este assumpto he delicado, e eu proporei alguns argumentos, para dar occasião a que os honrados Membros reffictão nelles a fim de os apoiarem, ou refutarem. He expresso na ordenação do liv. 2 tit. 55 que todas as pessoas que nascerem em Portugal de pais portuguezes, são naturaes: que um estrangeiro por mais tempo que resida em Portugal, ainda que tenha bens de raiz e fixe aqui o seu domicilio, nunca se faz cidadão portuguez: que o filho de pai estrangeiro, e mãi portugueza não he havido por natural, salvo quando o pai tiver domicilio e bem no reino, e nelle viver por espaço de dez annos: e que pelo contrario os nascidos no reino de pai natural e mãi estrangeira, são havidos por naturaes. Seguem-se daqui duas cousas: primeira, que para ser portuguez he preciso ter nascido na reino de pai ou mãi portugues; e segue-se também, que a mulher, nem sempre segue o estado político do marido, porque se a ordenação reconhece o caso de nascer um filho de pai estrangeiro e mãi natural, ou de pai natural e mãi estrangeira, segue-se que nisso mesmo reconhece que a mulher segue sempre a natureza, ou condição de seu marido; e que em consequencia não pôde haver direito para que uma pessoa estrangeira que vem casar a Portugal e com marido portuguez se possa chamar portugueza. O que digo do direito estabelecido na nossa ordenação, he o mesmo que passo a dizer da Constituição. Ella tem dois artigos notaveis que dizem respeito a Rainha. Diz o artigo 155 que durante a menoridade do successor da coroa, sera seu tutor quem o pai lhe tiver nomeado em testamento; na falta deste a Rainha mãi, em quanto não tornar a casar, faltando esta, as Cortes o nomearão: e continua, no primeiro e terceiro caso devera o tutor ter natural do reino. Donde concluo eu que no segundo caso pode deixar de ser natural, e que as Rainhas portuguezas tendo nascido em paiz estrangeiro não são pelo seu casamento havidas por naturaes. O artigo 148 determina que a regencia seja composta de tres ou cinco cidadãos naturaes deste reino. Logo a Rainha viuva que pelo artigo 155 póde ter a tutoria apezar de não ser natural, e que pelo artigo 149 póde presidir a regencia provisional, fica excluída pelo artigo 148 da regencia permanente pela sua qualidade de estrangeira. Até aqui o direito, vamos aos factos. Ha um muito notavel que occorreu durante a menoridade d'ElRei D. Afonso V. Tinha seu pai, ElRei D. Duarte, nomeado sua mulher a Rainha D. Leonor que era aragoneza, regenta do reino; os cidadãos de Lisboa que não tinhão amizade a Rainha, e estimavão muito o Infante D. Pedro, irmão mais velho do Rei defunto, querião que este fosse o regente. Convocarão-se Cortes para decidirem esta contenda que dava ja causa a grandes perturbações; mas os ditos cidadãos ajuntando-se antes da reunião das Cortes na camara de Lisboa, representarão em seu manifesto que o Infante D. Pedro devia ser o regente, adegando entre outras razões ser elle natural, e não estrangeiro. Logo a opinião corrente neste tempo era não se considerarem naturaes as Rainhas portuguezas. Vimos a mesma opinião na menoridade d'ElRei D. Sebastião: queria a Rainha D. Catharina, que era castelhana, largar a regencia do Reino, e os povos não convinhão nisso porque a estimavão mais que ao cardeal D. Henrique seu cunhado; e adverte o chronista, que se nos tempos passados sentira o reino que o governasse a Rainha D. Leonor, mãi d'ElRei D. Affonso V e mulher d'ElRei D. Duarte, por ser estrangeira, e por haver no reino Infantes de muitas virtudes, então pelo contrario sentião muito que estoutra o largasse. Logo a opinião commum era que as Rainhas de Portugal ainda que estrangeiras de origem, podião ser ou não ser regentes do reino; mas nem por isso devião ser consideradas como portuguesas. A Rainha D. Luiza, que era castelhana, pertendendo succeder na casa e morgado do Príncipe d'Eboles, de quem se dizia descendente, com exclusão daquelles a quem de direito pertencia, visto serem estrangeiros, pediu a seu marido ElRei D. João IV, que a declarasse habil para esta successão, visto que como Rainha ficava sendo natural e no mais alto grao de natureza, e desejava poder haver a successão como de natural do reino, supprindo ElRei e concedendo tudo o que fosse necessario para succeder por esta maneira: ao que ElRei D. João IV annuiu por sua carta patente de doação, na qual com effeito supprio e concedeu tudo o que fosse necessario para este effeito. Finalmente a Rainha fundada no direito que lhe dava o titulo de Infanta de Hespanha pertendeu, apoiada por seu augusto esposo, ser jurada successora da coroa de Hespanha, no caso de morrerem sem successão, ou permanecerem no captiveiro seus irmãos; e assim o conseguiu. Parece pois assas provado de direito e de facto, que as Rainhas de Portugal que são de origem estrangeira, não se devem reputar portuguesas. Este ponto he que merecia ser mais ellucidado; eis-aqui porque este negocio deveria ser levado ao poder judiciario. Resumindo o que tenho dito, parece-me que fica mostrado que a questão de que se trata, não he simples, que ainda que o fosse, deveria ser decidida judicialmente, visto que também nos factos notórios he necessario processo e sentença, que a confissão da parte não he motivo bastante para se dispensar este processo; e que finalmente he muito duvidoso que a Rainha fosse obrigada a jurar, visto ser estrangeira e não gozar por isso dos direitos de cidadã portuguesa, que por consequencia não pôde perder: por isso necessariamente este negocio deveria ser levado ao poder judicial. Ha porem um terceiro argumento no relatório do Ministro. Diz elle que aqui não se trata de um facto illicito, trata-se de um acto livre, e es-
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pontaneo da Rainha não querer acceder ao pacto social. Isto merece grande consideração, porque he doutrina constantemente professada pelas Cortes Constituintes, e que eu reputo muito verdadeira, que a Constituição uma vez feita obriga a todos, e que so a uma pessoa não obrigava, que era ElRei, e por isso Lê que muito expressamente se requereu a sua acceitacão. Esta acceitação era livre e espontânea; mas ElRei esteve pelas condições do novo pacto social, e por isso ficou obrigado a elle. Todas as mais pessoas julgão-se lerem acceitalo este pacto, porque tile foi feito pelos representantes da Nação, munidos para teso de poderes especiaes, e por isso obriga a todos logo que por elles esteja feito e sanccionado. Eis-aqui porque as Cortes Constituintes não quizerão que os povos jurassem a Constituição, para que não parecesse que o juramento, que de sua naturesa não he mais que um acto puramente accessorio, inclue em si uma espécie de acceitação, a qual ja não esta va dependente depois de sanccionada a Constituição pêlos seus representantes. Neste mesmo caso estava a Rainha, ella era subdita da lei, e em consequencia tinha obrigação de obedecer ao novo pacto, sem que dependesse do seu arbitrio acceitalo, ou não acceitalo, pois o juramento não inclue a idéa da acceitação; sendo elle mandado prestar pela lei, aquelle que o não presta, commette um acto illicito, porque eu não sei chamar acto illicilo a outra cotisa, senão ao que se faz livre, e espontaneamente contra a disposição da lei. A lei não põe na liberdade de certas pessoas jurarem ou não jurarem, manda-lhes que jurem, reputa que são obrigados (moralmente) a isso: considera o juramento a Constituição como um religioso dever: e quer que todos os que faltarem a elle, fiquem sujeitos a certo padecimento. Quem dira que não ha nisto uma obrigação, um delicio, e uma pena? Assim não me parece exacto o que diz o relatorio do Ministro que não se trata de um facto illicito, mas de um acto livre e espontâneo de acceitar, ou não acceitar o pacto social. E com effeito Deus noz livre de applicarmos este principio a outras pessoas, pois se a todos os que devessem jurar, lhe fosse licito dizer que não jura vão, seria inútil o trabalho que tiverão as Cortes Constituintes, e realmente não poderíamos dizer que a Constituição obrigava os Portuguezes, visto que por elles não foi aceitada. Mas a verdade he que a Constituição esta feita, e que todos os cidadãos são obrigados a obedecer-lhe, e a jurala quando a lei o determina. Tenho pois provado, segundo entendo, que as razões apontadas pelo Ministro dos negocias do Reino no seu relatorio para que o negocio da Rainha não fosse sujeito ao poder judicial, não são exactas. Mas o caso he que neste negocio do juramento não deixou, de haver uma espécie de processo, e de sentença: houve uma intimação (este he o proprio nome que se lhe deu) feita a Rainha para jurar, seguiu-se a declaração que ella fez por escrito, houve provas por instrumento, que foi a certidão da camara, donde constava que não tinha prestado este juramento no prazo determinado : declara-se que incorreu nas penas da lei. Ouvem-se depois conforme o direito os facultativos em similhante materia; e a vista da sua declaração defere-se a execução da lei, mandando-se retirar a Rainha para a quinta do Ramalhão.
Não ha em tudo isto um arremedo bem manifesto de processo judicial? e não tem razão a Commissão de começar o seu relatorio dizendo que fora encarregada de dar parecer sobre o processo formado pelo poder executivo acerca da recusação da Rainha? Ultimamente direi, que este processo, alem de incompetente, foi defeituoso. O tempo foi pouco, houve alguma pressa na deliberação, o negocio era espinhoso, dè-em-se embora quantas desculpas se quizerem dar. Eu mesmo talvez no principio em que se começou a agitar esta questão não fazia o conceito que hoje faço delia: e talvez a pressa fez com que esquece sem cousas que deverião lembrar. Supponhamos, que no poder do Governo estava applicar a lei ao facto da Rainha, esqueceu uma cousa muito notavel. As Rainhas tem a sua casa que administrão e que formão o seu apanagio, e no caso em que a Rainha se julga s se comprehendida na lei para soffrer a sua pena, rião poderia nunca ser despedida do territorio portuguez, sem que ao mesmo tempo se liquidasse o que ella devia levar. Eis-aqui o que eu mio sei decidir, porque isto não depende do direito publico, mas do direito particular das capitulações e tratados de casamento dos nossos Príncipes. Os mais antigos que eu tenho visto considerão mui differente hypotheses relativamente no que deve haver a Princeza que casa em Portugal, no case de separação. Nunca vi o tratado do casamento de ElRei, mas sendo provavel que similhantes hypotheses venhão ali acauteladas, deveria o Governo telo examinado: e ao mesmo tempo que fez a declaração relativamente a saída da Rainha, deveria também declarar os rendimentos que ella devia levar. Eis-aqui o que o Governo não fez nem as Cortes devem fazer, e que da novo motivo para que este negocio deva ser levado ao poder judicial. A outra cousa que não me parece propria do decreto he o augmentar alguma cousa a pena. A lei diz que deveria perder et direitos e os bens da coroa: o decreto diz, que perca a dignidade de Rainha, e isto não he expresso na lei. Se a Rainha não he estrangeira, parece ao menos que era a unica pessoa que podia ser considerada como estrangeira neste caso, e entretanto deveria perder os bens da coroa, sair do territorio, mas nunca perder a dignidade de Rainha; de maneira que quando saísse, não se dissesse que saiu como Infanta de Portugal. Eis-aqui tudo quanto tenho a dizer a este respeito. Julgo que o procedimento do Governo foi precipitado, e não conforme com a lei: precipitado, mos não doloso, nem eu me atreveria a affirmar que o fosse, não tendo disso provas bastantes, conhecendo que não era facil decidir te a Rainha estava ou não comprehendida na disposição da lei; e não podendo perceber que motivo poderia ter o Governo para fazer sair a Rainha do territorio portuguez, cem julgar que para isso havia uma causa justa e urgente. Não concluo por tanto que obrasse com dolo, mas não o posso eximir de culpa. Entendo que elle não decidiu bem esta questão, e que ella deve, nova e seriamente ser considerada e decidida.
O Sr. Araujo Costa: - O illustre Deputado que
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acaba de falar, previniu-me em alguns dos seus argumentos, que erão tambem meus, posto que sigamos diversas veredas. Deixando pois de repetilos, indicarei a minha opinião, accrescentando algumas reflexões. He da attribuição deste augusto Congresso interpretar aã leis, fazelas observar, e não menos obviar, que se entendão, e appliquem abusivamente. Por conseguinte he de sua necessária competencia interpretar o decreto de 10 de Outubro do corrente anno, se a sua intelligencia padece duvida, e em falta, ou não desta, decretar que o poder executivo, Ou os ministros e secretários de Estado abusarão, e postergando parte dos votos, e especialmente de um judicioso conselheiro, torcerão, arrastarão, e fizerão applicavel á Rainha de Portugal a Senhora D. Carlota Joaquina, aquelle decreto, torcendo, arrastando, e fazendo applicavel sobre tudo uma sancção como a do parágrafo 13; quando, a poder fazer-se uso de algum, de nenhuma mitra poderia mais, que a da do parágrafo 12. Tal deve ser o procedimento desta assemblea legislativa, uma vez que vem ao seu conhecimento o facto exposto pelo Ministro de Estado dos negocios do Reino, ou fundado no motivo so de buscar a approvação de se ter suspendido a pronta execução da pena, segundo quizerão limitar preventivamente dois dos conselheiros, de modo pouco digno para com este respeitável corpo, o primeiro da Nação; ou por ventura fundado no remorso de que ella pudesse chamar, e reclamar sua autoridade em facto assim notoriamente invasivo ...
não tendo aqui cabimento o poder judicial pelo mesmo argumento dos ditos dois conselheiros, visto que a falta de juramento, e não adherencia não constituem acção iliicita, que deva julgar-se contenciosamente. Entrando já, Senhores, na questão, diz o Ministro (leu): Como porem não era duvidoso que a Rainha por ter chamada á Regencia no cato do artigo 149 da Constituição, e feia qualidade de possuidora de bens nacionaes, era obrigada a jurar ...
E que maior duvida poderia recrescer no ministerio, quando he de notoria evidencia a certeza do contrario, isto he que nem a Rainha era obrigada a jurar, nem quando o fosse, poderia nella recair a sancção imposta, e ao muito apenas a do parágrafo 12? O decreto assim na letra, como na sua mente não comprehende a Esposa augusta do melhor dos Reis; e pretender incluila ahi seria o maior dezar que carregasse nos Legisladores, que não obstante serem Constitucionaes, havião sempre fazer differença entre uma Rainha, e sua alta jerarquia, e entre uma simples, e humilde cidadã, e não envolver aquella a par desta sem distincção. Se eito he chamada na Constituição pata presidente da Regencia, torna-se contingente que esta se verifique, ou não; e verificando-se, quem a não ve precisada a prestar então um especial juramento. E a que fim, ou com que pretexto se lhe exige agora outro tanto de ante-mão? Se ella he possuidora de bens nacionaes, isso não passa de problema debatido, e por isso hora irresoluto; porem na graciosa hypothese de que os possuisse, que outra sancção deveria impôr-se-lhe, a não ser a da perda e privação desses bens conforme o instituido e sanccionado no parágrafo 12? Todavia impoz-se-lhe a do parágrafo 13, quer dizer-se, a perda dos direitos de cidadã, e immediata saida do Reino. E que attentado contra o profundo saber, prudencia, e mais partes da Assemblea legisladora! Esta decretou acerca dos empregados públicos, e dos possuidores daquelles bens; terminantemente instituio, e sanccionou para os segundos a perda so desses bens no parágrafo 12, e para os primeiros a do subsequente paragrafo 13. Se isto não he assim, e se ha lugar outra intelligencia, seguir-se-ha nada menos do que constituirem os Legisladores duas sancções para os segundos, que so devem jurar e guardar por si proprios, quando apenas uma para os primeiros, que devem si-milhantemente jurar e fazer guardar pelos outros; seguir-se-hia uma desproporção, e desigualdade nunca vistas em materia de legislação, relevando estes, e sobrecarregando aquelles; e seguir-se-hia finalmente, que importando a perda dos foros de cidadã, e pronta saida, a outra consequente, e necessária perda da posse dos bens da coroa, e hoje nacionaes, seria redundante, ociosa, e vã esta segunda pena. E que attentatorios resultados sobre um corpo legislativo! Daqui vem, que o parecer da Commissão em quanto dá por inteiradas as Cortes, e pretende que nos portemos insensiveis espectadores, não deve merecer a sua approvação; e muito mais sendo especioso quanto se imputa á Rainha. He verdade ter ella respondido, que bem sabia a lei, conhecia a pena que impunha, e estava disposta para isso. Porem respondeu ella que à entendia, como quer a Commissão, que era obrigada a jurar, e que em falta deste dever se reconhecia incursa na pena da privação dos foros de Portugueza, e da saida immediata do Reino? De nenhuma sorte, e bem se infere que sabia, conhecia, e opinava da pena, como fica exposto. E como arrastar um tal enunciado, e servir-se delle para confissão, ainda assim genero de prova o mais imbecil? Similhantemente não se nega que ella se portou obediente á saida ordenada, e que escolhera lugar de destino. Mas que pôde inferir-se daqui? Nada mais, senão pronta e cega obediencia as ordens, que nessa mesma forma erão enunciadas, e lhe erão dirigidas, uma vez que não respondeu, nem afirmou expressamente ser esta a pena do decreto, e nella achar-se incurso. Ainda que tudo isto não fosse, como he sobejo, e que a Rainha entendesse, como sente a Commissão, passando por axioma juridico, que he fraco o entender das mulheres, o illustrado entendimento do Congresso acudiria a esta falta, e para pôr a coberto a innocencia, usaria de suas attribuições augustas, decretando segundo ao principio se dissera.
O Sr. Telles: - Reconhecendo a pequena orbita dos meus conhecimentos, e minha consideravel falta de expressão, eu serei breve pira não enfastiar os illustres membros do Congresso, cingindo-me aos tres problemas estabelecidos pelo Sr. Pereira do Carmo, que resolverei comtudo de differente modo. Primeiramente eu digo que a Rainha não era obrigada a jurar a Constituição politica da Monarquia, nem está incluida na generalidade do §. 13 do decreto de 11 de Outubro do corrente anno, pira merecer a pena del-
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le (havendo algum sussurro nas galerias, disse o Orador dirigindo-lhes a palavra «Se cuidão que me atterrão, enganão-se, pois que livremente hei de dizer a minha opinião. «O Sr. Presidente, depois de reclamar a ordem, disse: « O Sr. Deputado pôde continuar» o que elle fez da maneira seguinte): A Rainha não he obrigada aquelle juramento, como possuidora de bens antigamente chamados da coroa, e hoje nacionaes, segundo pretende o relatorio; porque, supposto a lei estabeleça que todos os possuidores de bens das ordens militares, e da coroa sejão obrigados a jurar, e no § 13 estabeleça a pena aos que faltarem a este dever, estou convencido que não comprehende na sua generalidade as mulheres catadas, tendo jurado seus maridos, pelas seguintes razões que expenderei: 1.a porque formando o marido e mulher uma sociedade individual, e indissoluvel, em que existem dois n'uma só carne, segundo a expressão das sagradas leiras, sempre no systema de nossa legislação se reputarão actos da sociedade conjugal os praticados pelo marido, quando alei expressamente não requer a intervenção da mulher para sua validade, o que não acontece no nosso caso; e assim tirando o marido, lemos preenchido e executado a i, é no juramento do Hei implícito o do Rainha: 2.a porque excluindo a lei expressamente no artigo 1., e 12. os menores de 25 annos, pelo motivo de estarem sujeitos ao poder paternal, ou debaixo da autoridade de um tutor ou curador, igual ramo milita nas mulheres casadas, que por nossas leis estão subordinadas aos maridos, ou isto se repute consequencia da imbecilidade de suas potencias fysicas, ou effeito da primeira sentença: Et sub potestate viri cris, et ipse dominabitur tui: 3.a porque não falando a Constituição da Rainha no artigo 103, n.º 1., artigo 126, artigo 135, e outro algum, nem a comprehendendo expressamente a lei de 11 de Outubro para a necessidade do juramento, e menos determinando como, quando, e aonde devia jurar, com o ceremonial e considerações devidas a sua alta jerarquia, e decoro de sua real pessoa, está visto não a cingir ao juramento ; pois que o principio de que a lei he igual para todos, diz á respeito á sua observância e disposição, e não tolhe todas as considerações pessoaes que existem de direito, e são inauferiveis de facto: 4.a finalmente, porque sendo da privativa competencia do juizo e autoridade eclesiastica o decretar a separação entre os conjuges, existindo causas legitimas de divorcio perpetuo ou temporario, quero dizer, o adulterio ou sevícias, te intromettia indirectamente o poder civil nestas funcções, ou para melhor dizer, qualquer conjuge, aborrecido dos incommodos da sociedade, valeria da disposição da lei, para desatar de facto, tem causa justa, o vinculo conjugal; e a pena reverteria em prejuízo do consorte innocente, que obedeceu á lei, como no nosso caso acontece a ElRei, que fica privado de sua augusta esposa, contra o artigo II da Constituição, em que se estabelece que toda a pena he personalíssima, e nenhuma passa da pessoa do delinquente. Mas para que mais razões, se nem a Senhora D. Luiza de Gusmão jurou em 1640 na acclamação do Senhor D. João IV, seu marido, em que a Nação, sacudindo um jugo estrangeiro, escolheu dynnstia, e reclamou sua independencia, nem tem jurado as mais Rainhas nas acclamações de seus maridos, em que jurão guardar o antigo pacto social e foros dos povos, ao mesmo passo que jurão os infantes? E note-se que isto mesmo aconteceu á Senhora D. Carlota Joaquina, na acclamação do Senhor D. João VI em o Rio de Janeiro. Ex abundanti, acrescendo, que o patrimonio que forma a casa e estado das Rainhas, nem entra na conta de bens das ordens militares, que são merces em vidas, nem forma amassa dos bens da coroa ou nacionaes, que são os incorporados no livro dos proprios, e passão para os herdeiros, estando sujeitos á reversão, nos termos da lei mental; mas a casa das Rainhas consta de bens privativos delias, inherentes a esta dignidade, e comprehendidos na classe de dotaes, que se regulão por direito civil, e ou forão apanágios de algumas Rainhas, ou forão doações que fizerao os povos ao Senhor Rei D. Sancho I, e se verificarão nas Senhoras Infantas, D. Teresa, D. Sancha, e D. Mafalda, suas filhas, o que aconteceu a respeito de Alemquer, e Montemor o velho. Também o Rainha nossa senhora (foi chamado á ordem o Orador, dizendo-lhe o Sr. Presidente « que nem o Rei nem a Rainha erão senhores nossos. «Ao que o Orador respondeu: « Foi equivocação minha; peço desculpa»). Torno dizer, (continuou) que a Rainha também não he obrigada ao juramento, como aquella que tem de presidir á Regencia do Reino no caso do artigo 149 da nossa Constituição: 1. porque esta providencia he so eventual á Senhora D. Carlota Joaquina: 2. porque no caso de verificar-se, cila deve jurar então perante a Deputação permanente, segundo o artigo 151 da Constituição: 3. porque não estando nos ainda nas circunstancias da presidencia, milita a razão dos Deputados substitutos, que não são obrigados a jurar, logo que são eleitos, mas sim quando entrão no exercício de suas funcções. Passando ao segundo problema, digo que o procedimento do Governo foi inconstitucional; e attentatorio o primeiro decreto de 4 de Dezembro, porque nelle foi exautorada a Rainha, privada de todos os direitos civis e políticos inherentes á qualidade de cidadã, e dignidade de Rainha, e mandada sair do territorio portuguez, o que importa uma verdadeira pena, ou mal de soffrimento, que não lhe podia ser infligida senão pelo poder judiciário. Nem obsta a reflexão de que não ha delicto, mas so o facto de não querer adherir ao novo pacto social, que faz perder a qualidade de cidadão portuguez, como insinuarão alguns dos conselheiros de Estado; porque esta razão sendo applicavel a qualquer estrangeiro que fosse convidado para entrar na sociedade por carta de naturalisação ou alforria nos termos do artigo 21 da Constituição, cessa naquelle ou naquella que já anteriormente gozava os foros de cidadão portuguez. Este soffre uma verdadeira pena, privação, ou perda, e a mesma lei se explica pelo vocabulo, perderá. E como podia o Poder executivo arrogar-se o applicar a lei á Rainha, quando o artigo 30 da Constituição declara os tres poderes politicos de tal maneira independentes, que um não pôde arrogar a si as
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attribuições do ouro? Mas eu aponto um exemplo ao nosso caso. O prior d´obidos não quis prestar o puramento ás bases da constituição, e foi entregue ao poder judiciario, que inverão do poder juridico no executivo, ou agora o deste naquelle. E como assim em casos identicos? A outra reflexão, de que sendo a lei clara, não pode ter giversar - se a sua litteral disposição e o governo só tem a executar o que ella determina, he aargançosa, e sofytica. No homicidio acontecido em campo maoir do Piambi, que há pouco lamento um nosso coliega, temps facto bem notorno, e lei bem clara. E poderia o governo mandar aggarrar os recletos que o perpetrurão, e enforcados sem preçados legitimo processo da accusação perantes o competente juiz? Eu deixo á consideração deste soberano congresso a resolução do negocio da rainha, não importando, mesmo pelo lado politico, e concluo dizendo que ella não estava obrigada a jurar, e que mesmo quando o estivesse, só pertencia so poder judiciario applicar a hi no facto da renuncia, devendo proceder-se em termos da indicação.
O Sr. Azevedo das Neves. - Não preciso de acrescentar assunto ao que está dito na minha indicação, e dos meus quatro honrados companheiros, que a assegurão; porque ella por si mesma se sustenta, e mui principalmente sendo tão debeis argumentos, em que a comparecerão. O parecer da Commissão he cheio de investidos contra ella, contra os autores della, contra os conselheiros de estado, e contra o ministro da marinha, que não forão fogosos, e precipitados em seus votos. A indicação he tratade de descomdade, e ousado, e depois de muitos sofismas, e personalidades, conclue-se que deve ser regeitada como cheia de asserções falsas, e calumniosas, de principios erroneos, subsersivos, e inconstitucionaes, e tendentes a semear a cizania no povos, e romper a união que felizmente subsiste entre o poder legislativo, e executivo.
Quianam tanti cinxerut athera nimbi? Não respondo a personalidades, e essa parte podem os illustres membros da Commissão cantar desde já o seu triunfo, porque sou mui fraco nesse genero de combates. Pergunto, Sr. Presidente, se estou em liberdade, e se de tal maneira posso continuar(o Sr. Presidente respondeu que estava em toda a liberdade, que podia continuar, o que elle fez nos seguintes termos): He uma das attribuições principaes das Cortes guardar a Constituição politica da monarquia; e ella tem sido violada de um modo muito extraordinario na augusta pessoa da Rainha a Senhora D. Carlota. Eisaqui a minha these, que tanto callor excitou, e a tantas provocações tem dado causa, não sei porque o motivo.
Vejamos seus factos, e justificações. Sem preceder processo nem sentença do poder judiciario, diz a indicação, despojarão-na dos seus direitos civis, e politicos, dos rendimentos da sua casa, e até da sua liberdade, não lhe permittindo nem levar com sigo as Senhoras Infantas suas filhas para a Quinta do Ramalhão, para onde foi mandada retirar, e com expressa, e notavel ordem de ser acompanhada unicamente pelas pessoas indispensaveis para seu serviço pessoal. Que mais lhe farião se fosse convencida de grandes crimes? Não he tudo isto o que consta do relatorio, e documentos, que o Governo enviou ás cortes, e os que todos nós sabemos? Haverá alguma couza contra isto? Há, porque não há couza alguma, a que se não possão oppor soffismas. Mostrão-se muito offendidos os illustres membros da Commissão porque a Rainha se afigura privada da sua liberdade; mas não tornem a culpa aos autores da indicação, sim aos ministros que praticão este excesso. Diz o segundo decreto de 4 de Dezembro (leu). Diz a intimação feita á Rainha pelo ministro dos negocios do reino(leu). He verdade que não meterão a Rainha dentro das paredes do limoeiro; porém mandarão-na retirar para a Quinta do Ramalhão, privarão-na da companhia das Senhoras suas filhas, e de todas, e quaesquer pessoas, á excepção das indispensaveis para o seu serviço pessoal. Diz a isto a Commissão (leu). Porque escolheu a Rainha a quinta do ramalhão, se não porque via de um aparte a intimação de embarcar precisamente no dia 4; e pela outra o perigo imminente de vida que a ameaça, se emprehendesse a viajem na presente estação? Se em lugar da quinta do Ramalhão escolhesse o limoeiro, deverião os ministros metella no limoeiro, e diriamos que ella ahi estava na sua liberdade? Eis-aqui a que se reduz o argumento da Commissão. Continuemos com a indicação. O motivo com que ministros cobrião estes procedimentos, forão o não Ter S. Magestade prestado o juramento á Constituição na forma da lei de 11 de Outubro etc. A lei não fala na Rainha, e só poderia comprehender em generalidade, como donataria (se o fosse) de bens nacionaes, (note-se porque aqui tem laborado em um equivoco) não quaesquer, porem daquelles que antigamente se denominavão bens da coroa; porque somente desses he que a lei fala. E indigárão elles, se a Rainha he donataria de juros e herdade? Se os bens da sua casa são dos que antigamente se denominavão bena da coroa? Se estão lançados no livro dos proprios? Parece que os ministros reconhecerão a fraqueza deste principio, e por isso se reforção no relatorio com o outro, que não era duvidoso ser a Rainha obrigada a jurar, por ser chamada a presidir á Regencia no caso do artigo 149 da Constituição; porem este argumento até he irrisorio. Por isso pode acontecer o caso de que a Rainha seja chamada um dia a presidir á Regencia, he obrigada desde já a jurar? Então não há Portuguez algum que não deva Ter jurado; porque nenhum há que não esteja habilitado para um dia Ter emprego publico, ou possuir bens dos que antigamente se denominavão bens da coroa, e havendo consideravelmente perto de tres milhões de Portugueses na Europa que não jurarão, porque razão os que puzerão todos do reino no dia 4 de Dezembro?
Nas he absolutamente inutil seguir esta questão. Está provadissimo não ser liquido, que a Rainha fosse obrigada a jurar, mas quando o fosse quem deu autoridade aos Ministros para se arvorarem juizes da Rainha? Desculpão a sua ingerencia, porque se não tratava, como diz o relatorio da applicação de pena a facto illicito, mas sim das consequencias naturaes do acto livre de não adherir a Rainha ao pacto social. A commissão tambem sustenta este prin,
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cipio com a interrogação: trata- se acazo da imposição da pena, ou de implemento de condição? Pois bem. Seja assim. Supponhamos que a rainha tinha declarado não adherir ao pacto social: a consequencia não podia ser outra, se não ficar privada das vantagens resultantes desse pacto: ficava reduzida ao caso de extrangeira. E que se faz a um extrangeiro que vem a portugal? Deixa - se residir aonde elle quer deixar- se viajar por onde elle quer; não o separão da sua familia: não lhe prohibem ser acompanhado das pessoas que bem lhe agrada. E que se faz a Rainha? Mandou- se retirar para a Quinta do Ramalhão, prohibiu-se-lhe a companhia das senhoras Infantas suas filhas, e até a de quaesquer outras pessoas, á excepção das indispensaveis para o seu serviço pessoal. Pois não há imposição de pena, e prohibe-se á augusta.
Esposo do nosso Rei o que se concede a qualquer estrangeiro da arribada? E o tirar-se lhe a sua casa não era objecto de uma sentença?
Com que estamos Houve uma rigorosa infracção de constituição; uma invasão do poder executivo no judiciario apenas concebivel em um governo constitucional; e he uma impiedade em fazer d'ElRei e proprio juiz que condenasse a sua consorte, o que não he admissivel nem em paizes barbaros. O remedio desta desordem he proceder na forma do indicação, e as que a propêm são verdadeiros amigos da patria, que desejão se acharem a constituição, e se evitem se consequencias, a que poderão conduzir e demasiado fogo; e para mais eclarecer, e afirmar algumas ideas, apresento um documento impresso, e rogo a V. Exca. (o sr. Presidente) que o mande distribuir.
O Sr. Borges Carneiro: - Tem-se pretendido mostrar que a presente questão he mui difficil, e importante. Importante dia: difficil só e he para aquelles que em se tratando de pessoas poderemos, vacillão e largão da mão a lei. Em realidade tem - se atraplhado bem a questão: não me admiro disso, porque estamos ainda no principio do reinado constitucional, quando a lei ainda suffocada pelas comtemplações e respeitoso: ainda paixões podem mais que a lei, ainda os torpes achaques dos tempos despotivos, e os joelhos costumados a dobrar - se ao servilismo, ainda se dobrão ao minimo repolso. Eu pois só a lei que manda jurar a constituição, ao facto de recusação de jurar, e nada acho mais facil e claro do que uma e outra cousa. A lei ou decreto de 2 de Abril de 1821, publicado pela Regencia, e na chanceltama mor do Reino, diz. Só he membro da sociedade aquelle que quer submetter - se á lei fundamental della... quem recusa jurar a constituição, deixo de ser cidadão, e deve sair immedatamente do territorio portuguez. Tal he tambem a disposição da carta de lei de 11 de Outubro de 1842, no 1, 3, e da sancionada pelo Rei, e publicada na Chamaceleria maior do reino, a qual declara as pessoas obrigadas a jurar, e que estas ficarão sujeitas a sair immediatamente do Reino, e a perder os bens que tiverem da coroa: e entre estas pessoas refere as que servem empregos publicos, ou possuem bens, ou capellas destes denominados da cerca, ou sejão homens ou mulheres, permittindo a estas ultimas jurar por procurador.
Tem-se logo começado por por em duvida se a rainha he donataria da coroa. Assim tambem duvidarem es estamos aqui nesta sala. Eu poderia remetter a quem suscita tal duvida para as cartas de doação que estão ao fim do tomo 6.º das ordenações, e para os titulos ali copiados da ord. do sr. D. Manoel, e mais leis, pelas quaes as Rainhas possuem os bens e jurisdicções ali mencionadas, e são altas donatarias, com o direito desfrutar bens e direitos, e exercitar jurisdicação por meio do seu conselho d´Estado, e mais ministros, que em nome das mesmas Rainhas fazem muitos actos jurisdicionaes, e cobrão muitos rendimentos; nomeião para as igrajas do seu padroado, etc. Donde lhes vem tudo isto serão de douções da coroa? As leis de 1790 a 172 sobre donatarios expressamente chamão as rainhas altas donatarias, e todas as leis respectivas dão o mesmo titulo as casa de bragança e Infantado. Negar taes cousas mais mostra servitismo, do que ignorancia. As Rainhas tem mesma attribuições na ordem politicas. Pelos artigos 149,190, nos caos de vacuncia da coroa, ou de impedimento de Rei, a Rainha he presidente nata d a regencia do Reino, e para o ser há dar o juramento do artigo 131, sete he, de observar e fazer observar a constituição politicas decretada pelas cortes contituidas. Como pois se verificará isto com quem recusas jurar, e diz que pelas leis de passos de não deve nunca mais fazer aquillo que uma vez teve reação de não fazer? Logo continuamos a ter uma Rainha de quem já sabemos que se por desgraça se verificar alguns aquelles casos, são há de ser presidente da Regencia, nem haver tal Regencia?
Fogem para dentro lado, e dizem-nos: «essa questão por mui materia que seja deve ser julgadas, e nunca pode haver pena sem sentença.» A Commissão não fundou o seu parecer na autoridade do facto da recusação de jurar: elle bem sabe que em juizo a notoriedade não exclua a necessidade de prova, e da sentença: funda- o em não haver aqui delicito nem pena: há só execução de lei. O citado decreto claramente o diz: porque só he membro da sociedade quem quer submetter-se á lei fundamental della: quem não quer ser, sáe dessa sociedade. A Rainha diz que não quer, para que se ateima tanto em questinar sobre essa sua contade? Forte teima esta para que a Rainha seja processada como delinquente? Se ella allegasse não estar por algum principio comprehendida na lei, como por haver jurado seu augusto marido, por ter estado impedida, por ser estrangeira, etc., embora se processasse esta questão; porém ella só diz que reconhece estra comprehendida na lei, e sabe as consequencias que se seguem de não entrar no social pacto portuguez, porém que quer essas consequencias antes, do que estar na sociedade. Então para que he aqui vir o promotor com os seus provarás? Para concluir que se faça aquillo que a Rainha quer? Ou para ajuntar as suas clausulas salutares meliori juris modo, protestos necessarios? Quem não quer estar em uma irmandade ou misericordia, nem estar pelo compromisso della, não está; e sobre isto são ha-
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mais que processar, nem julgar. Fica de fóra da sociedade, e aos que estão de fóra não há que julgalos, como diz S. Paulo, non de his qui sunt foris judicare. Qui vult quod antecedit, non debet nolle quod consequitur.
E quem deveria julgar a Rainha? Diz a indicação, as Cortes, como se faz no Parlamento inglez, ou uma Commissão por ellas nomeada. Eis-aqui o que é pôr as cousas em seu logar. Commissão está proibida pela Constituição: as Cortes na Inglaterra julgam certas jerarquias ou classes de pessoas na segunda camara, que delas é juiz nato: nós cá não temos essa segunda camara, e passemos bem sem ella, porque de aristocratas temos de sobejo, e o poder e bens que houver na casa portuguesa queremos que agora se repartão quanto convier por toda a familia, e que o povo (perdoe-se-me a expressão) deixe de ser a besta de carga de alguns centenares de oligarchas. A nossa Constituição dividiu muito cuidadosamente os poderes publicos, e em nenhum caso deu ás Cortes faculdade de julgar a quem quer que seja. Leio os artigos 102 e 103, que referem as attribuições das Cortes, e neles não acho nenhuma que se pareça com a de julgar a Rainha: uma só é aplicável, que diz: promover a observância das leis; esta sim, e como a lei de que tratamos está cumprida pelo Governo, nada resta ás Cortes, senão quando muito louvar o Governo por haver cumprido a sua obrigação sem tergiversar.
Dizem: "Pois então seja a Rainha julgada pelo poder judicial, mas nunca pelo Governo." O poder judicial só trata de casos contenciosos, ou de acções criminais: aliàs diremos que elle deve fazer tudo o que não for legislar, pois tudo o que não é legislar, é comparar factos com leis. O Governo sempre que executa uma lei, applica-a a algum facto; quando exige contas a um official de fazenda, faz um recrutamento, etc. é tudo isto senão aplicar leis a factos. Logo para entrar o poder judicial é necessario que se trate de uma acção criminal, ou de um facto contencioso, o que aqui não há, pois a Rainha nem delinquiu, nem contesta; diz que não quer estar na sociedade portuguesa, e que por tanto está disposta a sair do Reino, e a ir já para a cidade de Cadiz que tem escolhido.
E quem terião de ser esses juizes? Quereriam ver acaso entregue aos desembargadores, e o promotor com libelo acusatorio? O patriarca não quis jurar, saíu do Reino por ordem do Governo; assim se faz agora com o prior de Laveiras, e sempre com os diplomaticos que infringem o direito das gentes, como aconteceu ao conde de Vogrado ha poucos meses, nisto não entra o poder o judicial.
Tambem se fez cargo ao Governo pela pressa com que já em Novembro andava fazendo intimações á Rainha. Senão lhe fizesse estas participações antecipadas, por isso mesmo lhe fariam maiores cargos. Primeiramente isto não são intimações: intimar diz-se em sentido juridico, de uma sentença ou mandado. Declarou-se antecipadamente á Rainha tudo o que era forçoso suceder-lhe logo no fim do prazo taxado na lei, se ella persistia em sua recusação, convém saber, o ter de sair do Reino, a separação das suas augustas filhas, o descontentamento de seus domesticos, etc., porque a lei se havia infallivelmente de cumprir; isto a fim de que ella assim o entendesse, e não podesse por inadvertencia soffrer as consequencias de não tomar melhor conselho. Nisto obrou o Governo mais prudentemente, e era essa a vontade do Rei; porque a lei diz: sairá immediatamente do Reino, e os ministros senão responsaveis senão fizessem cumprir esta clausula da lei; mas este pronto e immediato cumprimento das leis, é o que não se casa com as ideias dos que costumados a tribunais cadavéricos, se alimentam da trapaça, e nunca dam a cada um o seu, senão depois de o moerem por dez ou doze anos, e iludirem longamente as leis. As Cortes, o Governo, o reinado constitucional não pode assimilar-se a esses tribunais decrepitos e caducos, onde a trapaça illude os direitos dos credores, e espezinha as leis: agora só se olha se ha lei, e sem discutir se ella he boa ou não, trata-se só de que se cumpra. Tal he o reinado constitucional.
Porém, disse um ilustre Preopinante, "a questão deveria ser decidida pelo poder judicial." Eis-aqui uma nova torcedura. A Constituição quando trata dos cidadãos ou estrangeiros, fala só dos varões; e nada diz das mulheres, porque estas seguem a condição de seus maridos, ou pais. Uxor viri dignitate coruscat, diz uma lei romana. Como seria uma estrangeira presidente da Regencia, quando a Constituição constantemente exclue os estrangeiros de outros cargos menores? Bella idéa a de ser uma mulher Rainha de Portugal, e não ser cidadã de Portugal! E diriamos então que he melhor a condição do estrangeiro que a do cidadão? Porque este se recusa cumprir a lei, tem de sair do Reino; e aquelle ainda que o recuse quando lhe fosse mandado, não incorreria por isso em consequencia alguma. Pelo contrario o estrangeiro, que fosse mandado, e recusasse jurar o nosso pacto social, mais facilmente seria sujeito a despejar o Reino, e reverter para fóra do pais a que não pertence.
Diz mais o mesmo Preopinante: «sempre o Governo obrou precipitadamente, porque a intervenção do poder judicial era ao menos necessaria para se decidir quaes bens pertenção á Rainha pela escritura dotal.» Não he isso o que diz a lei no tal adverbio immediatamente: ella não permitte que o que não quer ter parte no pacto social se demore no Reino com o pretexto de liquidar direitos, ou cobrar dividas, quer que sáia logo, e do lugar para onde for intentará, por procurador, quaisquer acções, ou tratará quaisquer transacções e cobranças.
Agora acabarei notando a injusta recriminação que o autor da indicação fez á Commissão por esta a taxar de conter principios subversivos. Sim nella se divisa animosidade em inculpar o Governo, querendo que as Cortes revoguem quanto elle fez, o que seria destruir a harmonia que em Portugal (bem como em Espanha) felizmente subsiste entre os corpos legislativo e executivo, e he a melhor garantia do systema constitucional, e da felicidade publica; e seria ultrapassar os limites marcados na Constituição. Acusa-o
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de nenhuma consideração para com as Cortes, como se elle lhe não houvera dado parte do acontecimento, no mesmo dia 4 de Dezembro, em que este havia terminado; parte que lhe dá, diz o officio do Ministro, para conhecimento das mesmas Cortes, e diz bem porque nenhuma providencia ou intervenção das Cortes julgava necessaria em um assumpto meramente executivo. - Diz finalmente o autor da indicação «que o Governo tirou a ElRei sua augusta consorte debaixo do arrastado nome do mesmo Rei, á vista do que se dirá nos paizes estrangeiros que elle está posto em coacção pelos Ministros." Esta linguagem he intoleravel, como oposta a uma verdade conhecida por todo o Portugal, e fóra delle; confessada pela propria Rainha que nas suas declarações attribue ao Rei toda a acção e espontaneidade neste negocio, e injuriosa para um Rei que pela sua muita prudencia e sabedoria, e pelo justo ressentimento que em seu real animo havião causado aquelles que sempre debaixo do seu nome infelicitárão a Nação, se uniu cordialmente com esta, sendo seu melhor prazer o de que as leis se observem exactamente. Deixe o ilustre Preopinante aquella linguagem ao Principe Real, que com ella tem rebellado muitos povos do Brasil; deixe-a aos Laibachistas, que com ella inculcárão prisioneiro o rei de Napoles quando tratava de cumprir o que prometera á Nação, e só livre quando o puseram no meio de si a dizer quanto a elles lhes convinha; deixe-a aos santos alliados que com esse pretexto querem annullar tudo o que se diga ou faça não favoravel ao que elles chamam principio monarquico, e nós chamamos despotismo, ou monarquia absoluta. O Rei nunca podia ir arrastado, pois era senhor de demittir os Ministros.
Concluo pois que as Cortes estão inteiradas do pronto cumprimento da lei, e se alguma cousa lhe restasse fazer seria sómente louvar o Governo por haver satisfeito a sua obrigação.
O Sr. Manoel de Macedo: - Sr. Presidente, este negocio da recusação da Rainha a prestar o juramento á Constituição Politica da Monarquia Portuguesa; está altamente discutido; nem eu tenho a vaidade de querer abrir novos argumentos, ou razões, para mostrar a fraqueza dos motivos em que a Rainha se funda para não jurar: entre tanto para não deixar em duvida a minha opinião em objecto de tanta importancia, direi o que me ocorrer.
Duas questões estão em discussão neste augusto Congresso; é a primeira: se a Rainha está comprehendida na disposição dos paragrafos 1.º, 12.º, e 13.º da lei 236 que manda sair do reino todo portuguez, que recusa prestar o juramento á Constituição politica da Monarquia. He a segunda: se a execução desta lei, para ser applicavel á Rainha, depende do conhecimento e sentença do poder judiciario.
Quanto á primeira = scillicet = se a Rainha está compreendida na disposição do paragrafo 1.º 12.º, e 13.º da lei 236, confesso que não alcanço como se póde sustentar a negativa á vista das palavras da lei, diz ella «Todo aquelle, que sendo obrigado pelo presente decreto a jurar a Constituição Politica da Monarquia, recusar cumprir este religioso dever, perderá qualidade de cidadão, e sairá immediatamente do territorio português.» Nada é mais claro, Sr. Presidente; a Rainha por isso que he chamada pela Constituição á regencia do reino; por isso que he um funcionario publico que exercita jurisdição, pois que tem um tribunal que lhe administra as suas rendas, para o qual ella nomeia ministros; que tem terras onde põe as justiças; e um secretario d'Estado que faz o expediente para os empregados na administração da casa da Rainha; e finalmente porque goza bens que são proprios da nação; he sem duvida obrigada a prestar o juramento á Constituição Politica da Monarquia, porque a lei assim o determina: não vejo lei alguma que conceda á Rainha o privilegio exclusivo para não jurar; e menos ainda posso conceber como haja de existir em uma sociedade um individuo, que seja isento das leis da mesma sociedade. Por tanto digo, que a Rainha pelo facto de não querer jurar, perdeu a qualidade de cidadão portuguez; está comprehendida na disposição da citada lei, e na do decreto de 2 de Abril de 1821, e deve consequentemente sair logo do territorio portuguez.
Quanto á segunda questão = scillicet = se a exclusão das citadas leis, para ser applicavel á Rainha, depende de conhecimento e sentença do poder judiciario; digo que não, e admiro-me até que nisso se faça questão; por quanto a Rainha quando recusa prestar aquelle juramento não commette um crime, ou um delicto; falta sim a um dever que a lei lhe impõe; não vejo lei que declare este facto criminoso, e então não alcanço como o poder judiciario havia ingerir-se nesse conhecimento, e ordenar um processo para proferir uma sentença; qual havia ser o corpo do delicto! Quem são as partes legitimas que hão de figurar nesse processo! Na verdade eu perguntaria a esses conselheiros d'Estado que votárão pela remessa deste negocio ao poder judiciario, qual he a lei, que faz crime á Rainha por não querer jurar a Constituição Politica da Monarquia! Perguntaria mais se sendo das attribuições do poder executivo, o poder executar as leis; porque motivos ha de depender esta execução, do poder judiciario, neste caso especial em que não ha delicto nem base desse conhecimento! Em uma palavra, Sr. Presidente, ou o que se executa he a lei, ou ha de ser essa sentença; se a lei de que serve a sentença; e se a sentença para que servirá a lei!
Quanto ao projecto do ilustre Deputado o Sr. José Accursio das Neves, na verdade muito infeliz foi a lembrança de pertencer que a Rainha seja restituida aos seus direitos contra o que determina a Constituição, e as leis referidas; e ainda he mais infeliz o exemplo que elle acarreia da Rainha de Inglaterra; lá tratava-se de uma acusação criminal, que tinha o seu fundamento em um delicto; e cá nem sombra há de delito, como já mostrei: talvez o illustre Deputado nos quizesse tirar da duvida em que podiamos estar da sua adhesão ao systema de Governo que a nação portuguesa adoptou; e por isso emprehendesse um semelhante projecto, sou por tanto de voto que na acta se declare que o projecto do Sr. Deputado foi desprezado por indigno.
O Sr. Marciano de Azevedo: - Tem-se dito
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contra o parecer da Com missão, que alei impõe uma pena, e do que se concilie que he necessário o processo, e uma sentença que a imponha, e a mande executar: disse-se mais, que a Rainha a Senhora D. carlota Joaquina era obrigada a jurar, e por consequencia outra vez se diz, que era necessário uru processo, e tuna sentença que a convencesse, e tornaste effectiva a sua obrigação: não, na verdade, sofismas que ao primeiro intuito illudem; mas elles desapparecem á vista da lei. Temos lei dictada pelas Cortes Constituintes cm nome da Nação; e he a que ha pouco citou o Sr. Borges Carneiro, pela qual se declarou, que a cada um era livre entrar ou deixar de entrar na sociedade portugueza, e que, quem não quizesse, por isso mesmo deixaria de ser sócio. Não prohibe que alguem deixasse de ser cidadão, nem fez desse caso um crime; mas sim um acto de franca liberdade. E então, indicar agora que ha prohibição, que ha um crime, e uma pena, que precisa processar-se perante o poder judicial, não será positivamente ir contra a expressa disposição da lei, ou não será pretender arrastar-nos para o inveterado abuso de fazer da lei um jogo de palavras, exposta sempre ao livre arbitrio decada um? Se não tiveramos li, bastavão-nos os principios gravados no coração de cada um pelo direito natural. A boa razão dieta que he livre entrar, ou deixar de entrar em um contracto, ou associação; e que, se se não presta o consentimento á convenção, não nascem della obrigações para quem o não prestou, mas tambem lhe não nascem direitos de qualidade alguma. A Nação Portugueza rompeu o sen antigo pacto, e constituiu-se de novo; formou nova investidura, e novas condições, sem que por alguma delias imponha a alguem a forçosa obrigação de adherir, e fazer parte desta sociedade novamente constituida: e então, como dizer-se que á uma obrigação, um crime, e uma pena, que he preciso processar perante o poder judicial? Dois individuos Convencionarão entre si sociedade sobro urna negociação, ou um vasto terreno, estipulando que ambos o occuparião, e ambos receberião em commum os seus interesses; a cordárão-se depois ambos em convidar para a sua sociedade um terceiro; apresentão-lhe o pacto social, e as suas condições; e elle, observando-as, declara, que não quer a sociedade. Pergunto, commetteria um crime, ou usaria da sua liberdade? Ficaria não obstante sócio, ou teria direito aos interesses de uma sociedade, em que cila não quiz entrar? Por certo que não: pois então poderia alguem dizer sem absurdo que, para não gozar das vantagens dessa sociedade que rejeitou, deveria primeiro chamar-se a juizo, convencelo, condemnalo? Se assim fosse, seria necessário constituir o poder judicial por arbitro e dominador das acções mais livres do homem : um que hoje vendesse um predio, que o doasse, trocas-se, ou por outro qualquer modo traspassasse voluntariamente o direito que nelle tinha, diria amanha que não podia ser privado do seu predio que entregara, sem que o poder judicial primeiramente o convecesse, e sentenceasse. Tal he, Senhores, o caso da Rainha a Senhora D. Carlola Joaquina convidão-na para a sociedade, cujo pacto a Nação formou por meio dos seus representantes, e ella declara que não quer jurar, e por consequencia que não quer pertencer a tal sociedade. Quem deixará aqui de reconhecer que ella usou da sua liberdade, e do seu direito; porque nem a Constituição, nem outra alguma lei lhe impoz a rigorosa obrigação de adherir ao força social, e sor á força sócia: e então poderia dia ficar ainda com o direito que rejeitou? Poderia gozar das vantagens de uma sociedade que não o quiz ? E por ventura seria necessário demandala, e convencela, para a privar de um direito que não quiz adquirir ? Ate ha um principio geralmente recebido que mesmo depois de alguem ler entra-lo em sociedade, ter convindo nas suas condições, poder não obstante affastar-se della, e desde esse momento deixa de ser sócio, não tem mais direito aos interessei da sociedade; e para o não ter, já mais foi preciso demandado, e convencello: pois esta doutrina, pela qual se regulão os particulares, he a mesma pela qual se tem regido todas as sociedades, ou nações, em todos os seus codigos, e em todos os publicistas se acha escrito, que o cidadão de um estado, pôde quando, queira, deixar de o ser, sem que para isso se precise de mais que o simples facto de se apresentara outra nação, pedir que o acceitem por seu cidadão, e passar-se-lhe carta de naturalisação: eu mesmo que sou portugucz, e já mais deixarei de o ser, se hoje mesmo, ou há mais tempo quizesse, em vez de portuguez, seria hespanhol; mas desde esse momento eu ficaria sem os direitos de cidadão portuguez, som que para isso fosse preciso que primeiro me demandassem, e convencessem, porque as leis mo permittião, e eu usava da minha liberdade. Ora, se nas nações, cujo governo he absoluto, que ordinariamente uno a justiça dos seus fins á injustiça dos meios, se franquea ao cidadão a plena liberdade de deixar de ser seu membro, em que para isso precise primeiro de urna demanda e urna sentença, não seria fazer uma injuria ao estado constitucional que tem por timbre manter os direitos, liberdades, e foros de seus sócios, se boje dissessemos que ninguem linha a liberdade de deixar de ser portuguez, e de não gozar das vantagens da sociedade portugueza, sem que primeiro seja demandado, e condemnado, ao mesmo tempo que n'outros estados não constitucionais tudo isso he livre a seus cidadãos? Por tanto não ha obrigação forçosa, não ha crime nem pena; não ha consequentemente necessidade de processo e de sentenças. Tem-se dito que a Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina tinha jurado, e prestado o seu consentimento ás condições do pacto social; porque, fazendo ella com seu augusto esposo uma só pessoa, uma vez prestado por ElRei o juramento, era o mesmo que estar prestado pela Rainha, mas ao mesmo tempo confessa-se que apesar dos maridos serem os administradores de suas mulheres, ha muitas vezes nelles considerações particulares, e não estas as que se verificou na Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina, porque he donataria dos bens que compõem a sua caza; he ella quem principalmente a administra, e ate exerce jurisdicção; porque tem um tribunal composto de mineiros que exercem jurisdicção em nome da Rainha, para o qual costuma passar decretos, conforme
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os quaes os seus ministros tem de obrar, de maneira que a querer pertencer d sociedade portugueza, não tinha só a prestar o juramento de guardar a Constituição, mas tambem de fazer guardar. Disse-se que não he donataria de bens chamados da coroa, mas isto he negar a evidencia de publica natoriedade, pois que na ord. e em muitas leis se faz menção da doação, de que se compõe a sua casa: nas leis de 1790 e 1792 que extinguirão as ouvidorias se declarão as Senhoras Rainhas por altas donatárias; e quando fallecem, os bens de que se compõe a sua caza não passão aos seus herdeiros, ruas revertem para a coroa, ou passão á que então he Rainha. Disse-se ate que a Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina era estrangeira; tuas, prescindindo de que a mulher segue sempre a condição de seu marido, basta olhar só para a lei, que considera todos os que possuem bens da coroa e exercem jurisdicção sejão elles estrangeiros, ou naturaes de Portugal, para se não hesitar um só momento de que todos os que estiverem em taes circunstancias, se quizerem gozar das vantagens da sociedade, hão de prestar o seu consentimento sub juramento. Eisaqui pois, como por modo nenhum se convenceu o parecer da Commissão: eu por isso me conformo com elle.
O Sr. José Liberato: - Sr. Presidente: eu levantei-me para declarar o meu voto sobre a importante materia que se acha em discussão; e digo que approvo o parecer da Commissão. Eu não serei longo em algumas das suas particularidades, porque já de parte a parte se acha este negocio amplamente discutido, he para notar que os defensores da Rainha sejão os mesmos que a pertenderão fazer criminosa, e queirão por isso que seja sentenciada. A Constituição diz que ella não he criminosa, pois que todo o caso se reduz só a ella não querer observar esta mesma lei, que deixa a todos a liberdade de a executar, ou não executar. Logo se isto está em seu poder, como he que se ha de julgar criminosa? Ella não faz mais nada que querer ou não querer; dizem porem que como estrangeira não estava obrigada a jurar =. Um estrangeiro, que entra em um paiz, pelo mesmo facto de estar dentro delle sujeita-se ás leis do mesmo paiz pelo tempo em que nelle persiste. A questão he outra: a lei diz = que todos os que possuirem baú nacionaes devem jurar a Constituição = e não pôde estar o estrangeiro nas mesmas circunstancias? Houve tempo em que as Rainhas forão consideradas estrangeiras, e temos o exemplo na mulher do Sr. D. Affonso V, porem o caso desta senhora está já decidido na Constituição, pois que lhe dá o direito de poder ser Regente, o que não lhe seria concedido, não sendo cidadã portugueza: assim por esse principio não pôde ser julgada estrangeira. E concederiamos nós que a Rainha, a segunda pessoa em graduação, e dignidade no Reino, e que está destinada para exercer as funcções mais augustas depois da pessoa de ElRei, se conservasse em Portugal sem jurar a Constituição? Isto seria uma verdadeira monstruosidade cm politica. Por tanto para poder gozar dos bens que a Constituição lhe offerece he forçoso que jure, ou que perca sua dignidade e seu titulo, saindo para fora dos dominios portuguezes.
O Sr. Peixoto principiou a ler um papel que tirou d'algibeira, mas advertindo-lhe o Sr. Presidente que não era permittido na Asseroblea recitarem-se discursos escritos, tornou a guardar o papel, e prosseguiu desta maneira: - Illustres Representantes da Nação! Eu quero expor boje ás vossas vistas que a presente discussão sobre o juramento da Senhora Rainha, não deveria te apparecido neste templo da honra portugueza: logo na sua origem deveria ser recluso, e sepultado em um eterno esquecimento. A Rainha de Portugal he filha distincta dos augustos catholicos Reis de Hespanha; eu queria dizer mais, porem não me atrevo, porque diviso ria palidez dos semblantes do respeitável auditório, e de todos que presentes se achão, que esta discussão não tem servido senão para magoar o vosso espirito, e affligir os vossos corações; por tanto, quero terminar a questão, e aliviar os vossos corações do pezo enorme que os sobrecarrega, honrados cidadãos, e fieis Portugueses, entoando este hymno de alegria: Viva a Rainha de Portugal! Viva a Rainha Fidelissima!... (Depois de um momento de profundo silencio, filho da surpresa e admiração, romperão de toda as partes as vozes de ordem! ordem! ordem!).
Sr. Presidente: - Eu chamo muito severamente á ordem o Sr. Deputado, porque faltou a ella, em querer influir na decisão das Cortes com o nome da Rainha, quando nesta assemblea não he permittido nem invocar o nome do Rei para tal fim.
O Sr. Freire: - Na conformidade do regulamento, todo o individuo que pertende influir nas opiniões dos Deputados, ou que avança proposições alheias do decoro desta assemblea, deve dar uma explicação das suas palavras; em consequencia o Sr. Deputado deve dar uma explicação do motivo porque entrou aquelle hymno; no caso de a não dar, a assemblea deve determinar a pena que deve ter.
O Sr. Presidente o illustre Deputado deve dar Uma explicação dos motivos por que entoou vivas á Rainha.
O Sr. Peixoto: - Nunca foi minha tenção influir nos votos dos illustres Deputados. A minha tenção foi pôr termo a esta questão, e não influir.
O Sr. Presidente: - Pergunto á assemblea se está satisfeita com a explicação do illustre Deputado.
O Sr. Gyrão: - Eu pela minha parte estou satisfeito. O que sinto, he que ao illustre Preopinante lhe pareça que nós estamos pálidos e amarellos no meio de uma discussão tão viva.
O Sr. Freire: - E o que eu admiro he que o illustre Deputado trazendo o discurso de sua casa, já soubesse que nós haviamos de estar pálidos! Em consequencia sou o mesmo que digo que o Congresso deve dar por satisfeito, porque não deve fazer caio de um tal desvario.
O Sr. Silva Carvalho: - Eu dou-me por satisfeito porque supponho o Sr. Deputado de muito pouco juizo, e como tal não tem imputação.
O Sr. Derramada: - Eu tinha-me levantado para exigir uma explicação ao que havia dito o Sr. Deputado Peixoto; porem acho-me satisfeito, e peço ao Sr. Presidente haja do fazer observar a ordem nas gal-
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lerias, o fim de estarmos neste recinto em inteira liberdade.
O Sr. Presidente: - Eu não posso censurar as gallerias: ellas apenas tem dado leves signaes de approvação, ou desapprovação; e nestes mesmos apenas chamo á ordem, logo vejo reinar o maior socego.
O Sr. Xavier Monteiro: - Falando sobre o objecto direi que o Sr. Presidente deve advertir ao Sr. Deputado para que daqui era diante se porte e com seriedade, pois obrando desta maneira já ninguem interrompe os seus discursos, nem as gaitarias se amotinarão. Quem raciocina tem direito a que o escutem, mas he preciso pensar e raciocinar de uma maneira decente, ainda que por outra parte o raciocinio abunde em erros, e inexactidões, e por isso parece-me que o Sr. Presidente deve advertir o Sr. Deputado para que daqui em diante se porte de outro modo.
O Sr. Borges Carneiro: - Eu estava fora e ouvi dizer que. o Sr. Deputado acabara a sua fala puxando um lenço com que acenou para as gallerias, e entoando vivas á Rainha; sempre quando elle leni falado nos tem dito que está para annunciar grandes verdades, ellas ainda não chegarão. Ora quando nas duas vezes que tem falado tem sempre excitado tumulto e concitado os animos, que fará quando nos annunciar essas grandes verdades. Por isso o meu parecer he que V. Exca. deve reprehender o illustre Deputado; e continuando elle o portar-se do mesmo modo, proceder-se de outra maneira; de outro modo não estou satisfeito; deve ser reprehendido, visto que verdadeiramente he um reo, porque perturbou a ordem da assemblea.
O Sr. Trigoso: - Parece que he conservar-se a ordem a este Congresso, e ella tem sido já duas vezes alterada por este Sr. Deputado. He absolutamente necessário que os espectadores estejão em um religioso silencio; mas tambem he necessário que o Sr. Deputado attenda á sua própria dignidade. Duas vezes pelo menos já eu percebi que elle tinha faltado a si próprio, receio que terceira vez aconteça o mesmo, e que isto possa produzir algum dissabor maior, não só ao Sr. Deputado, que he nosso collega, cuja dignidade nós devemos manter, mas tambem ao Congresso ; e por isso desejara que elle daqui por diante tome conta nos seus discursos, e meça as suas palavras.
O Sr. Pessanha: - Eu estou que o Sr. Deputado não está em termos de reprehensão; elle mostrou um discurso que não tendia a cousa nenhuma, e disse a final, que queria impor silencio á questão dando vivas á Rainha. Ora isto são actos de mera loucura. Estou pois, que o Sr. Deputado não está em estado de reprehensão: deve sair do Congresso e fazer-se-lhe uma junta de medicos para examinarem o estado do seu juizo.
O Sr. Presidente poz a votos se devia ser reprehendido o Sr. Peixoto, decidindo-se que sim, disse: Eu reprehendo mui severamente ao Sr. Deputado em nome do Soberano Congresso; não só por ter já segunda vez provocado neste recinto uma scena desagradável, apresentando principios subversivos de toda a ordem publica, capazes de concitar o povo a unia reacção a que nunca espero haja de ser arrastado, como principalmente por ser não portar com aquella seriedade que he devida a este Congresso, e que deva si mesmo, como representante da Nação, procedendo de uma maneira irrisória, qual he a que agora mostra, rindo-se de uma reprehensão que lhe da o Presidente das Cortes em nome das mesmas.
O Sr. Soares franco: - Ainda que seja doloroso tratar de um objecto realmente desagradável, diminue esta magoa considerar que ha uma só estrada a seguir, e esta he marcada pela lei: a lei he uma divindade tutelar, a quem todos devemos obedecer; nos estados em que ella não se executa, ou se interpreta arbitrariamente, reina a escravidão, e foge a liberdade. Alguns Srs. disserão que os Ministros devião seguir a maioria do conselho de Estado: he ignorarem a Constituição, porque ella faz só os ministros responsáveis pela execução das leis. Disserão outros que a Senhora D. Carlota Joaquina não era donatária, já se respondeu suficientemente a isso; ella possue foros, jugadas, rações etc., nas villas de Alemquer, Mira, Anca ele onde tambem punha justiças. E não donatária? He tambem um funccionario publico, porque exercita jurisdicção em tudo o que pertence ao estado da Rainha. Logo está claramente nos termos da lei de 11 de Outubro de 1822, obrigada a jurar a Constituição. Houve quem lembrasse, que sendo casada, tinha virtualmente jurado, quando seu marido jurou; não se ve que esta asserção he falsa; ella he administradora independente da sua casa, os seus bens não são communs, a esse respeito não tem sujeição alguma. Resta pois estar no caso da lei. Porem diz-se, ha uma applicação da lei a um facto particular, e pertence por tanto ao poder judicial. Não ha um principio mais absurdo, e ate he incrivel como possa ser enunciado por homens peritos em legislação. Pois todos os actos administrativos não são applicações de lei a factos particulares, pertencendo somente ao poder executivo, e ao administrativo sua consequencia? Fazer pagar aos individuos as contribuições; proceder ao recrutamento, etc., etc., não são meras attribuições do Governo, e applicações de leis a factos? Tambem se disse, que sendo um crime, devia pertencer ao poder judicial o julga Io. Aqui não ha crime; he livre jurar, ou não jurar; acceder, ou não acceder ao pacto social, mas á sociedade pertence o determinar que quem não jura não deve permanecer no seu território, nem gozar das rendas da mesma sociedade , he a condição da lei, e pertence só ao Governo executala. Diz-se mais: a Rainha he estrangeira supponho que houve alguma contradicção com outra asserção do mesmo illustre Preopinante, que emittiu esta opinião; porque pouco depois disse que o Rainha não devia ser livre em jurar, ou não, porque só a ElRei competia essa liberdade, e todos os outros cidadãos portuguezes erão obrigados a estar pela Constituição sem jurar. Estando obrigada a estar pela Constituição, era portugueza, havendo liberdade de jurar, não era estrangeira. Porem prescindindo disto, a verdade he que a mulher segue neste caso a condição do marido, e a Senhora D. Carlota Joaquina como Esposa do Augusto Monarca o Sr. D. João VI., he portugueza.
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Concluo de tudo, que o ministerio sem faltar ao decoro devido á Senhora D. Carlota Joaquina, procedeu com dignidade e justiça. Não posso deixar de tocar algumas cousas da indicação; nella se diz que a ida para a quinta do Ramalhão he uma verdadeira reclusão: não considera seu illustre autor, que fôra pedida pela mesma Senhara como mais conveniente; e que em quanto a levar suas duas Augustas Filhas era cousa impossivel de concedesse, porque ellas estão debaixo da tutela de seu Augusto Pai, e como Infantas de Portugal ao abrigo das leis portuguezas? Porem o que mais me espanta na indicação, he dizer-se que ElRei fora arrastado. Todos sabem a liberdade, a espontaneidade com que Sua Magestade tem adherido aos votos da Nação portugueza. O illustre autor, que deve ser instruido na historia de Inglaterra, sabe que os ceus historiadores notão que os seus Reis, que se tem unido ao parlamento, tem sido felizes, o que particularmente se conhece com a actual dynastia depois que veio de Hanover; e pelo contrario tem sido desgraçados os que se tem embrulhado com o parlamento, e com a Nação. Pois o que he effeito de juizo em Inglaterra, em Portugal será coacção, e acto arrastado? Porque havemos de negar ao nosso Rei aquelle talento que admiramos nos outros? Quanto mais este foi o procedimento do Sr. D. João IV. quando subiu ao trono; seu Augusto Neto não faz senão seguir as pizadas daquelle grande Monarca; elle convocou as Cortes em 1641, e nos annos seguintes; ellas he que decretárão a contribuição de oitocentos contos para a guerra, e n formação de dezeseis mil infantes, e quatro mil cavallos para a nova luta com Hespanha; ElRei conformou-se com todas as suas opiniões. Que faz o Sr. D. João VI. senão o mesmo que fez ha quasi duzentos annos o Sr. D. João IV.? Já que toquemos nisto, devo dizer que não temos hoje menos gente ou menos riqueza; então teríamos dois milhões de habitantes; hoje passa de tres; então eramos muito mais pobres. Porem voltando ao nosso objecto, voto que a indicação deve ser rejeitada, como avançando princípios falsos, anti-constitucionaes, e subversivos.
Sendo chegada a hora de fechar-se a sessão, e não se julgando a materia sufficientemente discutida, decidiu-se que ficasse adiada.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação da discussão adiada, e dos artigos sobre as izenções do recrutamento para o tempo que sobejasse.
Levantou-se a sessão depois dos duas horas da tarde Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.
RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.
Para Francisco Antonio de Campos.
As Cortes havendo julgado nulla a eleição dos Arcos de Valdevez, resolvem, que aos Deputados eleitos por aquella divisão Antonio Jose de Sousa Clima, Antonio Jose da Silva Cerqueira Brandão, e Antonio de Azevedo Lopes Serra, seja satisfeita não só a despeza de vinda e volta segundo o determinado no artigo segundo do decreto das Cortes de 2 de Novembro do presente anno, mas tambem a dieta pelos dias da demora involuntaria, conforme o que se acha regulado no artigo 3.° do mesmo decreto para os Deputados de Ultramar, nos intervallos das sessões. O que participo a V. Sa. para sua intelligencia, e execução.
Deus guarde a V. Sa. Lisboa Paço das Cortes 24 de Dezembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.
Para Innocencio Antonio de Miranda.
As Cortes tendo julgado illegitima a eleição de Candido Rodrigues Alvares de Figueiredo e Lima, mandão convocar a V. Sa. para vir apresentar o diploma da sua eleição de Deputado substituto pela divisão de Villa Real, a fim de que sendo verificada a sua legitimidade, V. Sa. entre no exercicio de Deputado em Cortes.
Deus guarde a V. Exca. Lisboa Paço das Cortes 24 de Dezembro de 1822.- João Baptista Felgueiras.
SESSÃO DE 27 DE DEZEMBRO.
ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Moura, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração de voto pelo Sr. Antonio Pretextato de Pina e Mello - Na sessão do dia 24 votei contra a decisão de ser simplesmente reprehendido o Sr. Deputado Peixoto.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou o seguinte expediente:
1.º O seguinte officio do Ministro dos negocios do Reino: - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Tendo requerido Manoel Caetano, do lugar de Montachique, que se lhe vendessem umas oliveiras que se achavão em terreno seu, sito no valle de S. Gião, freguezia do Milharado, pertencentes á Casa Pia, informou por esta occasião o primeiro director, o doutor Joaquim Xavier da Silva, que a Casa Pia tinha 3:753 peso d'oliveira plantados ás bordas das estradas nos dezeseis julgados do termo desta cidade, de que lhe não resultava utilidade alguma, pois que estando as oliveiras mui dispersas, e sujeitas a continuados roubos de azeitona, era necessario ter um guarda, ao qual se pagava 140$000 reis de ordenado por anno, e porque havia dois em que faltava visa vigia, tinha sido o seu rendimento tão diminuto, que rendendo no anno de 1820, em que ainda existia o guarda, a quantia de 395$995 reis, só produziu em 1821 a de 70$500 reis, e no de 1822 a de 16$000, conforme o mappa que remettia, e vai junto por copia; e isto sem o abatimento das respectivas despezas; concluindo finalmente que seria de maior vantagem para a Casa Pia não só a venda das oliveiras pertendida, mas a de todas as outras, empregando-se o seu producto em apolices, que tenhão um premio estabelecido,