O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 23

— 23 —

N.º 3. sessão de 4 de fevereiro. 1853.

PRESIDÊNCIA DO Sn, SILVA SANCHES.

Chamado: — Presentes 79 Srs. Deputados. Abertura: — Á uma hora da tarde. Acta: — Approvada.

O Sr. Presidente. — Permitta-me a Camara ler-lhe uma resolução tomada na Sessão passada. (Leu) — Se inça a chamada ás 11 horas e meia, publicando-se, no Diario do Governo os nomes-dos que, sem causa, se não acharem presentes (Apoiados); e bem assim para que á uma hora e meia da tarde se entre na, ordem do dia. — Esta resolução, principalmente a primeira parte della, vai mostrando a experiencia que muito conviria ser posta em execução. A Camara determinará se quer ou não que ella se execute.

A Camara assentiu.

CORRESPONDENCIA.

s

Officios: — 1.º Do Sr. Deputado Julião José da Silva Vieira, participando que o seu máo estado de saude continua a impossibilita-lo de comparecer nas Sessões da Camara. — Inteirada.

2º Do Sr. Deputado Barão de Almeirim, participando que por incommodo de saude não póde comparecer á Sessão de hoje, e talvez a mais algumas. — Inteirada.

Declaração: — Do Sr. Moraes Pinto — de que o Sr. Mello e Carvalho não póde comparecer á Sessão de hoje por motivo de molestia. — Inteirada.

O Sr. -Arrobas: — Mando para a Meza um Requerimento de que peço a urgencia; (Leu) Por esta occasião renovo outro que fiz na Sessão passada, pedindo esclarecimentos a respeito de Vapores de Guerra da nossa Marinha, que ainda não foi satisfeito, em consequencia, talvez, de se ler dissolvido a Camara. Pretendo que elle se satisfaça antes de se tractar do Orçamento. —

Desejo tambem seja prevenido o Sr. Ministro da Marinha de que tenho de o interpellar sobre a falta de pagamento das Letras do Ultramar.

Não se julgando urgente o primeiro Requerimento, ficaram ambos para seguinte leitura.

E em quanto á interpellação foi avisado o Sr. Ministro.

O Sr. Pegado: — Peço a v. Ex.ª que me conceda a palavra quando estiver presente o Sr. Ministro da Marinha.

O Sr. Francisco Damazio: — O Sr. Deputado por Castello Branco, Henrique Teixeira de Sampaio, encarregou-me de participar á Camara que não compareceu á Sessão de hontem em consequencia de estar sua mulher gravemente enferma.

A Camara ficou inteirada.

ORDEM DO DIA.

Continua a dicussão do Parecer da 2. Commissão de Verificação de Poderes sobre o Circulo Eleitoral de Lamego.

O Sr. Lousada: — Eu estava hontem a dizer que a simples falla da rubrica nas listas em que senão falla na Acta de Fornellos, com quanto seja uma formalidade marcada na Lei, não pareceu á maioria da Commissão uma falla insanavel pela qual sé devesse annullar desde logo a eleição daquella Assembléa, porque se a Lei assim o exigisse, havê-lo-ia ordenado, como ordenou no artigo 84. para as Mezas. Eleitoraes, que forem eleitas antes das 10 horas; mas não o marcando assim ninguem póde levar as nullidades aonde a Lei as não levou. No artigo 76º do Decreto Eleitoral, quando se enumeram as solemnidades de que se deve fazer menção na Acta, não sómente senão refere o preceito da rubrica das listas, como e muito menos ainda se impõe a pena de nullidade á sua falta.

Sr. Presidente, o artigo 80. é muito claro a este respeito quando diz, que tanto, as Actas, como os originaes, que são remettidos para a cabeça do Circulo Eleitoral, por via do Presidente da Assembléa, serão fechadas e lacradas; e se é preciso que as Actas sejam fechadas e lacradas, então tambem a Acta da Assembléa de Penajoia, onde funccionou o Sr. Conde de Samodães (Francisco) como Escrutinador, se deverá considerar como nulla a quererem impôr a pena de nullidade a toda a falta de formalidades. Mas quero pensar que a Camara não estará nesse accôrdo, porque a observar-se uma similhante doutrina em todo o seu rigor, rara será a Acta onde não houvesse falta de alguma formalidade.

Alas porque a maioria da Commissão não declarou a pretendida nullidade, pergunto eu — Póde ella ser arguida de menos escrupulosa, e de ter em menos conta a liberdade da urna, e a sinceridade da eleição?.. Não por certo; porque se maioria da Commissão não declarou nulla a eleição de Fornellos, foi porque intendeu que ainda não tinha motivos bastantes, nem provas sobejas para o fazer; e se a minoria foi de outro pensar, é porque se achou talvez mais habilitada para isso; no entretanto que a nenhum dos dois lados se podem levar a mal as duas convicções mormente em um ponto sobre o qual ainda poderão vir a estar accordes.

E não tendo a maioria da Commissão provas bastantes para approvar ou rejeitar a mesma eleição, qual deveria ser o seu procedimento? Parece-me que não podia ser outro senão querer instruir-se, e isto só o podia fazer por dois modos, ou pelos papeis que se lhe apresentassem, Ou por outros quaesquer meios de provas. Pelos papeis que até agora foram presentes á Commissão, já se vê que ella não podia

Página 24

— 24 —

fazer obra, porque uma justificação graciosa, que se lhe apresentou feita muito posterior ao acto eleitoral, não póde ser documento, ou prova sufficiente para produzir uma convicção cabal e segura do facto, que por ella se pretende demonstrar.

Todos sabem que para um depoimento testimunhal poder ser bem avaliado ha mister attender bem no aspecto, e constancia com que falla a testimunha; se ella varia, ou vacilla no que diz, ou se unicamente depõe para fazer a vontade de quem a chama; mas a Commissão, que a tudo isto foi estranha, que não viu as testimunhas depor, e que não sabe se essas testimunhas deram as razões de facto proprio que referiram, como poderia dar aos seus ditos tamanha auctoridade, que unicamente por ellas, e só por ellas se decidisse a dar como certa a existencia de um crime, qual teria de ser o facto imputado aos que se dizem falsificadores da urna de Fornellos, a ser verdadeira a imputação feita no depoimento que estou analysando?

Eu sei muito bem que se me ha de dizer que esta não é uma justificação para ser analysada por uma Camara no rigor dos preceitos juridicos; mas eu tambem sei que tirando-se esse rigor dos preceitos juridicos, a justificação para mim não vale cousa alguma, porque aquillo que se escreve sem contestação da. parte, sem ter sido essa mesma parte inquerida por quem a saiba inquerir, vem o seu depoimento a ser gracioso e o seu valor igual ao dos Protestos apresentados na Assembléa do apuramento.

Por conseguinte a maioria da Commissão sem auxilio intrinseco, e tirado, como vulgarmente se diz, do ventre dos autos, que melhor cousa poderia fazer, a não estar convencida como o estava a minoria da Commissão de uma cousa em que ella senão pôde combinar na maioria?.. Por certo que nenhuma outra que não fosse pedir esclarecimentos. E com isto mostrou ella o quanto sabia respeitar a liberdade da urna, que ella não quiz verde maneira nenhuma affrontada por quem quer que fosse. Assim como ella não teve duas diversas opiniões, acêrca de Piães, porque a rejeitou tão depressa como ella se convenceu de que o Precidente da Mesa, que havia querido substituir o primeiro, não tinha em seu favor um documento que podesse isenta-lo de toda a suspeita de parcialidade, e antes se convenceu de que tinha havido proposito e caso pensado de fazer emprego da força; por haver a mesma sido requesitada já no dia anterior ao da eleição; assim tambem a maioria da Commissão intendeu que no segundo caso não devia armar á popularidade, nem devia tambem confundir a religião da liberdade com a hypocrisia della, dizendo prompta, e instantaneamente que a eleição de Fornellos era nulla, quando ella, maioria, não tinha motivos nem razões bastastemente fortes para se convencer dessa nullidade.

Portanto não foi a Commissão que andou nisto de leve, muito pelo contrario andou muito meditadamente neste assumpto. Foi este o motivo de divergencia na Commissão, que durou por mais de uma Sessão; talvez quatro ou cinco Sessões teve ella para ver se combinava neste assumpto. Foram diversos os alvitres que se propuzeram; nenhum pareceu bastante á totalidade dos seus. Membros: uma parte delles recuou, portanto diante da falla de prova que encontrou, e tambem sobretudo diante dos resultados que haveriam a tirar-se de uma annullação immediata e prompta da Assembléa de Fornellos- recuou, porque uma vez annulladas ambas as eleições, ella mesma maioria da Commissão não poderia ainda dizer qual seria o procedimento que esta Camara deveria ter. Considerou que ella não podia ser Mesa de apuramento para tirar um diploma a um Sr. Deputado que aqui o trouxesse para da-lo a outro que o não tinha trazido; não havia tambem de tomar sobre si a responsabilidade de infligir uma pena a quem não era delinquente; não queria que aquelles que não tivessem tido parte nas tropelias, ou como lhe queiram chamar, das duas eleições, se é que as houve, fossem condemnados a serem privados do seu voto, quando não ha razão nenhuma para lh'o tirar por factos para os quaes elles não tinham concorrido.

O que eu quero fazer ver á Meza e á Camara é que ella deve de alguma maneira ser indulgente para com a maioria da commissão, porque se ella não tomou uma resolução definitiva sôbre a Assembléa de Fornellos, foi porque não se julgou cabalmente convencida daquillo que se lhe quiz apresentar como sendo negocio que inteiramente estava resolvido. Sei que houve a falla que se notou da rubrica das listas; mas sei tambem que nem sempre essas faltas devem dar occasião e logar ás consequencias, que dellas se querem tirar.

Eu nunca tirei consequencias de um facto sem estar cabalmente convencido da sua realidade; e como não o estivesse daquelle de que se tractava, não pude por consequencia submetter-me a uma decisão que me obrigava a dar como certo aquillo que para mim ainda o não era. Houve muito tempo em que na Commissão vogava a idéa de que aquillo que singularmente não póde produzir prova, collegido poderia dar algum resultado; attendendo ao preceito Juridico que diz — Singula quae non possunl, multa collecta juvant mas assim mesmo, depois do maior exame, depois da maior indagação, depois de confrontações de urnas com outras testimunhas, depois de uma comparação de uns documentos com outros documentos e depois sobre tudo que se viu que tudo quanto se fez, quanto se arranjou, foi posterior aos actos da eleição, e não foi no proprio acto do Processo Eleitoral; faltou a coragem a quem até ahi podesse pretender annullar a eleição de Fornellos. Depois que tudo isto se conferiu, houveram duvidas sobre duvidas que não estão ainda hoje completamente resolvidas, e que me parece que quanto mais forem disputadas nesta Caza, tanto mais tornaram vacillantes o animo e espirito de quem sobre ellas fizer um serio, e minucioso exame.

Não deixarei pois acabado este meu discurso de repetir que eu quero o systema eleitoral um pouco mais agitado do que elle não tem sido até agora em Portugal; eu quero que os partidos se discriminem pelas suas opiniões; que combatam por ellas franca e lealmenle; que estabeleçam os seus arraiaes de um lado e do outro lado; que não se pejem de affrontar as iras do Governo; que não se deixem supplantar pelas Auctoridades; que tenham a coragem necessaria para usar dos recursos, que a Lei concede apresentando perante os Membros do Poder Judicial, que ainda hoje são declarados como os salva-guardas da liberdade, as querellas, ou o processo correcional que a Lei permitte?

E se o não quizerem fazer assim porque ao me

Página 25

— 25 —

nos não procuraram fazer aquillo que fizeram, com a legalidade indispensavel, citando os Delegados do Procurador Regio, como os Fiscaes da Lei para verem depor as testimunhas, e tambem poder-lhes oppôr as contradictas, que tivessem para por essa maneira se conseguir legal e juridicamente aquillo que se quiz fazer por outros meios indirectos, e que para mim não valem coisa alguma?.. Se as eleições de ora em diante ficarem dependentes de Justificações posteriores a essas mesmas eleições, declaro desde já muito francamente que nenhuma eleição lerá de ora avante de ficar em pé, e esse mal é o que eu muito receio que venha a acontecer se se decretar sem mais exame a nullidade da eleição de Fornellos.

Sr. Presidente, resta-me ainda fallar em uma pequena observação que fez o Sr. Avila, á qual eu quero dar uma razão que se deriva do proprio facto.

Na Assembléa de Leomil é certo que os votos, á excepção de 6 convergiram exactamente em número de 103 a favor de 3 turnos de Candidatos. Se fossem 2 os turnos, ainda eu intenderia que leria sido aquillo uma combinação expressamente promovida para annullar a eleição aos 2 partidos contendores como disse o Sr. Avila; mas quado eu vejo, em vez de 2 turnos, 3, não me parece que se possa d'ahi inferir outra coisa senão que naquelle concelho de Leomil havia 3 influentes, e que cada um dispunha de igual numero de votos, o que não será para admirar porque segundo as influencias assim é o resultado da votação.

Pois se a minha influencia leva um certo numero de individuos, se a influencia, por exemplo, A leva outro certo numero, a influencia B ou C outro numero, que muito será para admirar que esses votos assim levados á urna dêem em resultado quasi igual entre todos os votados!! Por tanto quando se vê que em vez de 2 turnos houve 3, o que se póde suppôr é que os eleitores se dividiram por esses 3 differentes Chefes conforme as influencias a que obedeciam; porque, como todos sabem, são ellas as que decidem do resultado de qualquer eleição. Intendo pois que porque alguem obteve um numero exactamente igual aquelle que outro obtivera, não se deve logo d'ahi concluir que isto prova pouca sinceridade na eleição — Cada um póde dispor do seu voto como bem lhe approuver a favor deste ou d'aquelle Candidato, póde combinar-se mesmo com um seu inimigo politico para de commum accordo votarem em certos nomes contidos n'uma mesma lista; as transacções, que eu nunca seguirei, estão presentemente muito nu moda, e por tanto não admira que assim como se fazem entre os elegiveis, se façam igualmente entre os eleitores.

Resumindo pois digo; que a Commissão divergiu por que 2 dos seus Membros intenderam, ou estavam convencidos de si para si que a eleição de Fornellos não se podia nem devia approvar, e a outra parte da Commissão se não annullou esta eleição, tambem não a declarou subsistente, declarou-se ainda não convencida — Mas eu pela minha parte torno a declarar, e este é o meu voto singular, porque não procurei, nem procuro saber qual neste ponto será o voto ou opinião dos meus Collegas da maioria da Commissão, declaro, (repilo) que se me obrigarem a votar ou pela subsistencia ou pela nullidade da eleição, votarei pela subsistencia da eleição, por que me terei de arrepender menos de ter declarado valioso um negocio, ainda que n'elle se tivessem commettido algumas pequenas irregularidades, do que de o declarar nullo quando ainda depois me puder vir a convicção de que não havia motivos para assim o declarar (Apoiados).

Por consequencia tenho explicado qual foi a causa da divergencia na Commissão, qual o assumpto sobre que ella versou; espero que a Camara tenha toda a indulgencia para com os seus Membros; e que acreditando que elles não andaram neste negocio com precipitação, e que nem foram dirigidos por considerações particulares, e que antes pelo contrario tanto os Membros da minoria como os da maioria não quizeram nem desejaram outra coisa que não fosse a de chegar a um resultado certo e seguro obre o assumpto de que foram encarregados, emittindo francamente a sua opinião, e dizendo cada uni aquillo que pensava sobre a eleição do circulo de Lamego (Apoiados — Muito bem).

O Sr. Casal Ribeiro; — Sr. Presidente, eu entro nesta questão com a maior, com a mais decidida repugnancia; não me trouxe a ella nem despeito pessoal, nem opposição politica. Se me fosse licito regular-me pelas affeições pessoaes, votava pela validade da eleição e por consequencia pela admissão dos Candidatos que se dizem eleitos; alguns delles são meus amigos politicos e particulares: se me fosse licito regular-me por considerações politicas votava ainda no mesmo sentido, porque — e aproveito esta occasião para o declarar — a minha posição para com o Governo, não é uma posição hostil, não é de opposição por systema; porque intendo que assim sirvo melhor o meu Paiz que me concedeu o mandato de seu Representante, e melhor tambem os interesses da opinião politica, a que me honro do pertencer.

Não entro pois nesta questão por principios, interesses, conveniencias ou opiniões politicas, nem por motivos de despeitos ou affeições pessoaes; tomo a palavra por um principio mais alto, pelo credito do Systema Representativo, que se acha ameaçado por toda a parte, (Apoiados) estacado de frente por toda a parte, (Apoiados) que no nosso Paiz ainda felizmente se conserva, (Apoiados) mas para o qual nada haverá mais perigoso do que se aqui consentimos que elle seja ridiculamente sofismado, (Apoiados) que seja parodiado no seu acto mais augusto, mais transcendente e importante qual o da eleição dos Representantes da Nação. (Apoiados)

Hoje mais que nunca eu chamo a attenção da Camara para este ponto, (Apoiados) hoje mais que nunca, porque nós, Representantes do Povo, somos obrigados, e não podemos por modo algum prescindir disto, somos obrigados, digo, a contestar e pugnar pela dignidade e decoro do Systema Representativo; (Apoiados) e é a dignidade e o decoro do Systema Representativo que vai involto nesta questão que ora se tracta. (Apoiados),

Sr. Presidente, eu pedi a palavra mais para dar a explicação do meu voto do que para entrar detida e circumstanciadamente neste debate. Eu intendo que ha neste Processo Eleitoral de Lamego tantas monstruosidades, tantos vicios, tantas illegalidades que para entrar no exame minucioso dellas a maior difficuldade é saber por onde se ha de começar; (Apoiados) a maior difficuldade é escolher o ponto de partida.

VOL. II. — FEVEREIRO-1853

7

Página 26

— 26 —

Eu não quero entrar no exame de todas essas monstruosidades, vicios e illegalidades que se deram nesta, eleição, notarei panas algumas que fizeram mais impressão no meu animo, e que me induziram a votar no sentido da nullidade da-eleição, espero a resposta áquellas que já teem sido apresentadas por alguns Srs. Deputados, e espero que outros que teem estudado mais a materia, e examinado melhor os documentos, todos, apresentem ainda mais algumas.. São fallarei nessa singular arithmetica no numero certo dos 103 votos para cada um dos 3 grupos de Candidatos explicada pelo illustre Relator da Commissão, fallando da eleição de Leomil; acredito, se quizerem, que essa repartição mathematica perfeitamente igual dos votos que se deu naquella Assembléa, seria motivo de suspeita se o divisor fosse 8, e que deixa de o ser sendo 12;, mas até se explicou este facto pela moda das transacções! Ignoro e mesmo custa-me a crer que este methodo de transacções esteja em moda; mas desejo, e desejo-o muito sinceramente que tal moda do numero exacto de votos, repartido por 2, 3 ou-mais grupos, não se generalise; (Apoiados) que se não aposse tal moda do systema eleitoral; esta moda ainda tem muito pouco uso por ora; e oxalá que não vá por diante, porque se póde generalisar a tal ponto que annulle ou anniquille completamente o Systema. (Apoiados) Em tendo todos os Candidatos de todos os Partidos igual numero de votos a eleição não dá resultado, não ha eleição, (Apoiados) esta moda oreio eu que é muito nova; e não lhe desejo numerosa propagação. (Apoiados)

Não entrarei tambem no exame das provas que demonstram que em muitos Concelhos, que em muitas Assembléas do Circulo Eleitoral de Lamego houve interferencia abusiva da Auctoridade; houve promessas, ameaças com o recrutamento e com o augmento das contribuições, e finalmente se empregaram meios de coacção moral, e violencia moral. Os documentos que se tem apresentado, mais ou menos concludentes, senão produzem uma prova juridica, senão trazem comsigo o cunho de uma evidencia mathematica, trazem pelo menos o de uma grande probabilidade. Não entrarei no exame do que se passou nos Concelhos de Armamar, Sinfães, e em muitos outros, nem mesmo me demorarei nos factos que tiveram logar no Concelho de Aregos onde estão provados por testimunhas as violencias que alli houve, aonde appareceu tambem uma nova moda; onde a Auctoridade fez assignar as listas pelos Eleitores a quem as distribuía a fim de saber se esses Eleitores tinham, ou não cumprido as suas determinações.

A Lei manda que o voto seja secreto; manda que as listas não tenham signaes; mas não se podia lembrar que o Administrador de Aregos havia de exigir de cada um dos votantes que votasse em si mesmo em quinto logar Votação perfeitamente innocente, falla de modestia completamente desculpavel, porque os nomes a mais não são contados. Mas tambem optimo segredo de escrutinio! Grande respeito pela legalidade, este que não podendo marcar as listas, as faz assignar!....,

Mas passando de leve por tudo isto; entretanto não posso deixar de chamar a attenção da Camara para o. que se passou na Assembléa de Moimenta da Beira. Alli apparecem factos notaveis, apparece em primeiro logar que concorreram á urna quasi todos os recenseados, á excepção de um pequeno numero de 20 ou 30, os recenseados oram 630 a 610, o numero da, listas que se dizem entrarem na urna foi de 602, apparece uma votação quasi unanime a favor dos Candidatos alli. votados, estes obtiveram de 600 a 580 votos.

Ora se esta quasi unanimidade não é por si só argumento concludente contra a eleição, pelo menos impõe forte suspeita, porque eu sempre que vejo completa uniformidade no votar desconfio da verdade da eleição. Para mim, a maior prova de que houve liberdade na eleição, é quando a votação se divide, é quando se mostra pelos resultados que todas as opiniões, que todas as fracções politicas maiores ou incolores com as suas maiores ou menores influencias concorreram á urna, e ahi manifestaram a livre expressão dos seus desejos. Mas esta uniformidade perfeita é repugnante á natureza dos homens reunidos em sociedade, que revelam sempre por pequenos que sejam os grupos, diversidades de gostos, de desejos, de opiniões. Até aqui a suspeita fundada no que consta das proprias actas; agora outras que derivam do testimunho positivo dos Parochos. Apresentam-se os Attestados dos parochos de Arcozello, Cabaços, Arcos, Ariz, Castella, Pera-Velha e S. Martinho; Lodos estes declaram e affirmam cada um em relação á sua freguezia, uns que faltara, um numero certo de Eleitores a votar; outros não declaram numero certo mas affirmam de lembrança que faltaram a votar de tantos a tantos Eleitores; ha um só — o do Villar que affirma que todos os recenseados da sua Parochia foram á urna.

O caso é que ainda tomando só os numeros certos e tomando os minimos dos que attestam de lembrança, temos que faltaram mais de 100 Eleitores, quando pela acta consta que faltaram apenas 20 ou 30 recenseados que deixaram de votar. Mas argumenta-se contra os Attestados dos Parochos, e diz-se que não fazem prova contra as actas, porque estas fazem prova provada. E diz-se tambem que os Attestados são filhos do espirito de facção, que todos estes Parochos estavam com o espirito fascinado a ponto de que não tiveram vergonha de declarar perante os seus Parochianos uma cousa perfeitamente falsa, e que era desmentida logo pela consciencia de todos. Se estes Attestados não viessem recair-sobre uma eleição já altamente suspeita pelo facto da unanimidade da votação, eu tambem não os acreditava como prova plena, mas acredito estes Attestados como uma grande prova de suspeita, quando veem recair sobre uma eleição tão desusadamente unanime.. Ora quando estes Attestados veem recair na eleição de um Conselho que apresenta 600 e tantos recenseados, quando o Decreto Eleitor declara que este Conselho tem 1765 fogos, não póde este facto tambem deixar de produzir outra forte suspeita sobre essa eleição. Eu já pertenci a uma Commissão de Recenseamento no Bairro Alto. Esta Commissão que recenseou todos os Eleitores de um, dos bairros da Capital dos mais populosos, não chegou a recensear 2500 Eleitores; e o Bairro Alto tem para cima de 10 mil fogos. Pois em Moimenta da Beira o numero dos recenseados é muito superior em relação á população calculada pelos fogos; é muito superior do que a que se encontra n'um dos Basrros mais. populosos da Capital..

É este ainda outro motivo de suspeita. Felizmente descobriu-se em Moimenta da Beira uma pequena California, e escuza de dizer-se que é a Capital quem

Página 27

— 27 —

paga mais exactamente a contribuição directa. Agora vemos o contrario. A contribuição directa não separa em parte nenhuma como em Moimenta. É alli onde o numero dos contribuintes está em relação ao numero de fogos em razão superior a um terço!

Sr. Presidente, repito que não venho aqui defender senão os principios que intendo serem de moralidade e credito no Systema Representativo; custar-me-ia muito a approvar uma eleição, contra a qual vejo tão fortes motivos de suspeita, mas ainda isto não basta; e ainda ha tambem muitos outros factos que corroboram essa suspeita. Se argumentamos que o recenseamento parece que está viciado, porque a proporção dos recenseados para com o numero dos fogos é maior do que em qualquer outro ponto do Reino, não seria talvez esta inducção sufficiente para me fazer votar contra esta eleição.

Mas a isto accresce ainda outra prova directa embora não completa, embora não proceda de acto judicial, mas que vem reforçar as minhas razões para que eu não possa deixar de chegar ao ponto de crêr que esta eleição está illegal. Ainda ha outra cousa notavel.

Eu, Sr. Presidente, não conheço nenhum daquelles Reverendos, nem sei até que ponto seja verdadeira ou calumniosa a imputação de facciosos que se lhes faz; mas noto que se estes Parochos são faccioso, são corajosos, como se diz porque para ser faccioso a tal ponto e preciso tambem ter coragem; se são corajosos a ponto de não duvidarem, contra o desejo das Auctoridades, firmar um documento. São os Attestados dos Parochos das diversas freguezias, que compunham aquella Assemblea, nos quaes se assevera que faltaram á eleição muitos dos recenseados. Todos os Parochos, á excepção de um só, affirmam e juram que das suas freguezias deixaram de concorrer Eleitores.

Alguns declaram o numero certo dos que fallaram; outros attestando de lembrança dizem que das suas freguezias deixariam de concorrer de tantos a tantos Eleitores. Ora ainda tomando só os numeros certos e designados, e tomando dos que attestam de lembrança apenas os numeros minimos, ve-se que deixaram de votar mais de 100 recenseados, numero este consideravelmente superior ao dos nomes que não, tem descarga nos cadernos de recenseamento. E como se contrariam estas asserções dos Parochos tão terminantes e positivas? Como, Sr. Presidente, primeiramente allega-se que taes attestados não fazem prova juridica, que não podem infirmar a prova provada das actas. De accôrdo, se se tractasse aqui a questão pela legalidade das formas; de accôrdo se a Camara fosse um Tribunal Judicial. Mas nós somos aqui um grande Jury. que procura formar a sua convicção por toda e qualquer ordem de provas que possam ser sujeitas ao nosso exame. A forma não deve ser nada para nós — o tudo é a verdade. (Apoiados)

Ora quando estes Attestados vem confirmar aquillo mesmo que já se deduzia de inducções ião vehementes, poderemos recusar a sua auctoridade? Eu não daria tambem grande attenção a estes Attestados, se elles não recaissem sobre uma eleição fortemente suspeita pela enormidade do recenseamento, e pela espantosa uniformidade do voto.

Allega-se ainda, Sr. Presidente, que os Parochos são facciosos, que o espirito de opposição, e o despeito da denota os obsecou a ponto de affirmarem solemnemente factos os quaes cada um dos seus freguezes acharia um desmentido no sen- proprio conhecimento dos factos. Já é difficil de comprehender uma tal obsecação. Já e difficil de admittir uma tal combinação de sete Parochos para mentir em tal assumpto, expondo-se ao despreso e desconsideração de todos os seus Parochianos. E levar muito, longe o espirito de facção!.. Em que declaram cousas que induzem a crer que o resultado daquella, eleição é ser nulla; esses mesmos Parochos foram tão condescendentes e tão tímidos no acto da eleição que votaram no, sentido do Governo. Note-se bem, que é o que se mostra do resultado da eleição? E que o Candidato mais votado reuniu. 600 votos; ás listas são 602; logo estes Parochos á excepção de 2 se quizerem não se atreveram a dar um voto contrario ao Governo; e nessa eleição que correu livre e sem coacção de ninguem votaram na lista da maioria. Não comprehendo esta combinação de fraqueza e de coragem, de opposição facciosa, e de ministerialismo condescendente nos mesmos individuos. Não comprehendo como fazendo um exame serio da eleição daquella Assemblea nos havemos de concluir approvando-a.

Quando á Assembléa de S. Thiago de Piães tem-se dicto bastante, e esta eleição a credito que poucos votos poderá ter a seu favor nesta Caza. Para mim é indifferente a questão qual é ou não verdadeiro Presidente. A questão a que mais imporia attender, é que nesta eleição appareceu força armada, appareceram punhaes e baionetas, e que foi debaixo desta influencia de terror que se fez a eleição. Fizeram-se prisões na igreja, arrancaram-se armas uns para os outros, foram conduzidos os presos para as cadeias de Lamego; uma eleição feita debaixo de taes impressões do terror, e apresentando quasi unanimidade no seu resultado é para mim uma eleição mais que suspeita, é uma eleição, que a minha consciencia reprova sem a menor hesitação, e stigmatisa sem o menor escrupulo. (Apoiados)

Mas por esta occasião, e sem querer fazer recriminações, direi alguma cousa de passagem em resposta a uma asserção que se proferiu do lado direito, e que» não posso deixar passar sem resposta. Disse-se que este facto de Piães não tinha precedentes na nossa historia eleitoral, nem mesmo em 1838. Se se não tivesse, fallado em 1888, eu não diria nada. Eu não venho defender aqui nem accusar os homens de 1888, mas é muito mal trasida para esta questão similhante comparação; foram muito mal trasidos esses factos de 1838, porque alguem poderia apresentar factos similhantes, senão mais graves, e de uma época muito menos remota que a de 1838, talvez até com consequencias muito mais graves do que tiveram os factos de Piães, se os factos de Piães não tem precedente na historia-eleitoral de 1838, tem-o talvez-em outros menos recentes. Esses facto de Piães são nesta ordem os unicos nesta eleição, pelo menos eu não. tenho conhecimento de outros; e não digo isto em seu abono, porque estigma-liso sempre todos os abusos, e violencias, parlam ellas da direita, da esquerda ou do centro; o abuso é sempre abuso, e a violencia sempre violencia. (Apoiados) Trago isto só para me felicitar com a Camara por ler de condemnar a excepção que já foi a regra geral em outras Administrações. (Apoiados)

Página 28

-28-

Agora aonde se concentra principalmente a discussão e na Assemblea de Fornellos.

Ora, Sr. Presidente, parece-me que a simples leitura do Parecer da Commissão é bastante para fazer acreditar que a eleição na Assemblea de Fornellos e nulla, mas se não bastasse essa leitura, bastaria o methodo aliaz muito habil com que foi sustentada por quasi 2 dias successivos, com tanto vigor e proficiencia, como o fez o illustre Relator da Commissão. O illustre Relator da Commissão descreveu os actos Eleitoraes como uma grande batalha, e serviu-se de todas as analogias da estrategia militar; desenhou os acampamentos; poz tudo a postos; dividiu as fôrças, assestou as baterias para esta campanha Eleitoral; S. Ex.ª deu-nos mais de uma prova da sua pericia como General, porque não só apresentou a theoria, mas pô-la em practica e no modo porque sustentou o campo e adoptou os planos de defeza em uma causa ião difficil, consinta-me que lhe diga, seguiu a tactica napolionica. Tendo diante e conta si fôrças superiores que não podia bater todas juntas, procurou dividi-las, e bate-las em detalhe: foi isto o que S. Ex.ª fez.

Ora assim realmente não se póde argumentar, não se póde discutir. Se se allega a falla de rubrica nas listas, responde-se: a Acta não traz n declaração expressa de que se commettesse essa falla; e é notavel que o illustre Relator da Commissão, e os que defendem o Parecer, mostrando-se tão formalistas, tão sectarios dos principios juridicos se esquecessem tambem das analogias, por exemplo, da reforma Judicial neste caso; pois a Reforma tambem não suppõe feito aquillo que se não declara expressamente, tambem diz que qualquer formalidade do processo não se presume, antes deve constar clara e terminantemente que foi observada; por tanto querendo adoptar a forma de argumentar do illustre Relator eu diria que para se mostrar a falla desta solemnidade, basta que a Acta não diz que se practicou; entretanto, para aqui não vem os principios juridicos, para aqui já não sois formalistas?..

Diz-se: mas apparecem indicios na Acta de que se não rubricaram as listas; responde-se — isso não imporia, porque a Acta não o declara seguramente, e declaraes isto como uma simples omissão. Mas além da falta de rubrica que se allega, ha provas directas que vem mostrar que a urna foi viciada; que de noite se tiraram listas, introduzindo-se outras, que a expressão do voto foi burlada e sofismada naquella Assembléa por estes meios indecentes; á falla da garantia seguiu-se a violação do direito, ou antes a garantia foi omittida para o direito ser impunemente violado. E como se desfazem estas provas? Em primeiro logar separando os dizeres das diversas testimunhas; depois diz-se que não foram interrogadas com todas as formalidades da Ordenação do Reino, accrescentando-se, que segundo a Reforma Judicial tudo aquillo que a Lei não declara que é nullidade insanavel, não deve reputar-se tal. Ora se querem tractar a questão de boa fé, permittam-me os illustres Deputados que lhes diga que isto não é uma questão de Reforma Judicial, nem de Ordenação, nem de Digesto, nem nada disso; isto é uma questão de consciencia e boa fé; todos os modos de provar são admissiveis; podemos fazel-o analysando, examinando e apresentando o que aconteceu antes da eleição, no acto eleitoral e depois delle; o caso é que

essas nos tragam a convicção de que são exactos os factos, porque nós não decidimos aqui nem pela Reforma, nem pelo Digesto. Allega-se que o Governo não leve Curador naquella justificação, creio que.se quiz dizer que não houve citação do Ministerio Publico; mas a que vem isso? Pois essas justificações apresentam-se aqui como documentos e provas juridicas? Se assim fosse, não estavam legaes de certo; mas as justificações não se trazem aqui senão como simples depoimento das testimunhas; não se pódem considerar de outro modo; é o mesmo que se as proprias testimunhas viessem aqui depor, não valem nem mais nem menos.

Mas clama-se, não com o que se fez, mas com o que se não fez, e diz-se: porque não preferiram a querella, e os meios marcados no Decreto Eleitoral? Ora, o que diria o illustre Relator da Commissão, se em vez de se ler feito o que se fez, se tivesse adoptado o meio da querella? Talvez argumentasse por outro modo ainda melhor e mais seguro; talvez dissesse — deu-se a querella, mas não houve julgamento e sentença, e a querella podia ter sido dada por uma indisposição qualquer, mesmo por despeito de se ler perdido a eleição, porque os vencidos procuram todos os modos de tirar aos vencedores o resultado da sua victoria, e por consequencia isto nada prova; de maneira que se se segue o meio da querella não vale, porque não ha sentença; se se segue o meio da justificação não vale, porque não é admittido em direito. Ha aqui tanto amor ás fórmas, tanto espirito juridico, e até tanto romancismo que não deixa campo para o senso commum, e para se formar a consciencia e a convicção.

Mas é notavel, Sr. Presidente, que depois de tantos esforços, e de uma tactica tão habilmente com binada para se provar a validade da eleição na Assembléa de Fornellos, a maioria da Commissão não chegue a essa conclusão, e isto faz-lhe honra; mostrou que desejava acertar, mas que não queria de modo algum precipitar o seu vo-lo. Mas permitta-me a illustre Commissão que lhe diga, que não posso concordar com a sua opinião; ha aqui uma certa discordancia sobre o modo porque ella sustenta o Parecer, e a conclusão do mesmo Parecer; á vista da maneira porque ella sustenta o Parecer, á vista do modo porque sustenta a incompetencia das provas, nada mais natural do que julgar válida a eleição e bem eleitos os Deputados; mas não é isso que faz a Commissão; a Commissão depois de sustentar que os documentos e justificações que se apresentam, não provam nada, propõe que se faça um inquerito!... E que quer isto dizer? A principio suppuz que a illustre Commissão propunha que se fizesse um inquerito administrativo; mas agora fiquei mais confuso depois de ouvir as explicações do seu Relator, porque disse elle que o inquerito poderia ser da Camara, ou do Governo; eu suppunha pela leitura do Parecer que a idéa da maioria da Commisão era o inquerito pelo Governo, mas vejo agora que póde ser pela Camara ou pelo Governo; e que a maioria da Commissão não faz questão disso. Pois eu declaro francamente que não voto nem por um, nem por outro. O inquerito da Camara neste caso, Sr. Presidente! Pois é para este negocio que nós havemos de ir por em practica pela primeira vez em Portugal o principio eminentemente liberal consignado no Acto Addicional! Pois é possivel que algum de nós se per

Página 29

— 29 —

suada que essa Commissão dava resultado algum? Pois e possivel suppôr que houvesse aqui quem se prestasse a abandonar os trabalhos Legislativos, o auxilio da sua intelligencia e da sua vontade, para marchar daqui até Lamego a indagar o que se fez na eleição de Fornellos.

Mas dado o caso que houvesse quem acceitasse tal Commissão, que ía ella fazer a Lamego? Nada absolutamente; porque este principio está, é verdade, consignado na Lei Fundamental do Paiz, mas está dependente para a sua execução de uma Lei Organica, e essa Lei ainda não existe; não ha ainda Lei nenhuma que determine as relações que -deve haver entre os Funccionarios de todas as ordens, e essas Commissões da Camara, e nem mesmo entre os Cidadãos e as Commissões; de modo que a Commissão apresentava-se em Lamego, mandava chamar um ou outro individuo para depor sobre os acontecimentos, e esse individuo respondia que não queria depor, quem o havia obrigar? Qual é a Lei que o obrigava a reconhecer a Auctoridade da Commissão? Por consequencia, por um lado difficuldades, senão querem que diga impossibilidades, porque a Commissão não podia de certo funccionar, porque lhe não reconheciam a sua auctoridade; se já existisse a Lei Organica, e se a distancia se podesse transpor por meio só dos bons desejos da Commissão, era de certo esse o unico inquerito possivel e verdadeiro, mas não existe tal Lei; e um inquerito similhante seria uma parodia do Acto Addicional.

Vamos ao inquerito administrativo; inquerito administrativo para este caso!, Eu sinto realmente que se apresentasse esta idéa; eu já fiz justiça aos motivos que creio sinceramente que levaram a maioria da Commissão a adoptar este pensamento; mas a conclusão a que vieram, realmente se fosse admittida, era o precedente mais terrivel e destruidor do Systema Representativo que se podia adoptar. Pois se já é um defeito, defeito a que muitos homens intendidos, e que se occupam destas materias tem procurado remedio, que os Poderes sejam verificados pelos proprios interessados; o que sejamos todos aqui juizes e réos a um tempo; quanto mais perigoso não era entregar a verificação dos Poderes ao Executivo? Pois não era outra cousa este inquerito. Quer dizer, o Governo mandava informar se effectivamente se tinham ou não practicado em Fornellos estes acontecimentos; para este fim dirigia-se naturalmente ao Governador Civil do Districto, e este aos seus Subalternos; ora não é de crer que elles tivessem o máo gosto e a consciencia de declarar que effectivamente tinham commettido essas illegalidades que se lhes attribuem, não seriam tão candidos, que viessem depor contra si.

Eu digo a v. Ex. francamente a minha opinião sobre este objecto. Collocado na alternativa devotar pela validade da eleição, ou pelo inquerito administrativo, votava sem hesitar pela validade da eleição; era máo, mas o inquerito administrativo era um precedente que se ía estabelecer, que viciava completa mente a Representação Nacional neste ponto. Ora eu a respeito da eleição desta Assembléa de Fornellos estou perfeitamente de accôrdo com o que disseram os illustres Cavalheiros que compõem a minoria da Commissão, isto é, que tudo prova que a eleição desta Assembléa é nulla, e que deve ser declarada como tal; mas tambem ha um ponto em que discordo da opinião da illustre minoria da Commissão', e é sobre a consequencia, que ella tira da rejeição das Actas de Piães, e Fornellos. Vamos a ver qual é a consequencia que a minoria da Commissão quer tirar deste facto.

Diz a minoria da Commissão — Annullem-se as eleições da Assembléa de Piães e Fornellos, descontem-se os votos aos quatro Candidatos mais votados, e a consequencia é que os tres mais votados devem ser proclamados, porque quanto a cates não influe a eleição, mas quanto ao quarto, sim, porque o mais votado da lista contraria tem maior numero de vo-los, e então deve ser elle quem se deve chamar. Eu não concordo na conclusão do chamamento do immediato em votos, e direi que com quanto tenha em muita consideração os illustres Membros da minoria, não me parece que esta idéa possa ser admittida, porque nós não estamos aqui para dar procurações, e acontece que o immediato em votos não tem procuração. Nós estamos aqui para verificar a legalidade das procurações que se nos apresentarem, mas áquelles que não as leiu, não lhes podemos verificar a sua legalidade.

Ha ainda uma outra razão e é que me parece ser este principio altamente perigoso, e muito mais em vista do preceito que vem consignado no Decreto Eleitoral, e Com o qual eu já declarei que não concordo, que é o que diz respeito a ser bastante a quarta parte dos votos para ser qualquer proclamado. Se se combinar este preceito com a theoria admittida pela minoria da Commissão; segue-se que logo que haja uma maioria que tome um certo caracter faccioso, ella tem na sua mão o meio de fazer com que se annullem aquellas eleições primarias de que precisar, porque é muito facil encontrar meios para ír annullando certas Assembléas que lhe não convenham, e fazer com que os mais votados não tenham a quarta parte dos votos. Esta theoria admittida é uma arma que se dá ás maiorias para se desfazerem a seu belprazer das Opposições.

Finalmente, Sr. Presidente, pelos motivos que indiquei, por todos os factos, por todas as suspeitas, por todas as illegalidades mais ou menos claramente provadas neste Processo, é que eu intendo que a resolução melhor que a Camara póde tomar, seria votar a nullidade da eleição de todo o Circulo, e intendo que votando assim, votava em primeiro logar pelo interesse e credito do Systema Representativo, que não póde sustentar-se na presença da approvação dos escandalos que o deturpam, e que fazem que os povos lhe percam o amor e o respeito; votava pelo interesse dos illustres Cavalheiros eleitos, porque deste modo appellando para os Eleitores, os Eleitores poderão se assim o intenderem, reconduzi los, e exprimirem o seu voto de um modo mais legal, mais espontaneo, e mais insuspeito, adoptando-se para isso as medidas que devem ser adoptadas para a garantia e realidade da expressão do seu voto. Intendo que isto se deve fazer mesmo pelo interesse dos proprios Cavalheiros que foram eleitos, porque será para elles muito melhor o apresentarem as suas procurações livres de toda a suspeita, e livres de toda e qualquer mancha; é podendo sem que ninguem impugne, tomar logar nesta Assembléa. Portanto, voto pela annullação completa do Circulo.de Lamego, a começar desde os primeiros actos de recenseamento.

O Sr. Nogueira Soares: — Sr. Presidente, sobre

VOL. II. — FEVEREIRO — 1853

Página 30

— 30 —

a eleição de Lamego tem-se apresentado A Pareceres, não concordo com nenhum delles, sou obrigado a tomar a palavra para sustentar a minha opinião: Tem-se apresentado Pareceres e vou dizer quaes elles são: um é da Commissão, que annulla a eleição, que teve logar na Assemblea de Piães, e propôr um inquerito sobre a eleição de Fornellos; outra da minaria da Commissão que annulla a eleição de Piães e Fornellos; outro dos Cavalheiros, que sustentam a validade de todas as eleições practicados no Circulo de Lamego; e em fim o dos Srs. Deputados Avila, Casal Ribeiro e Barão de Almeirim, que fundando-se nas ameaças o violencias, que dizem commettidas pelas Auctoridades no Circulo de Lamego, votam pela nullidade de toda a eleição.

Não ha synthese sem analyse, Sr. Presidente, eu não posso concordar com a opinião do illustre Deputado que acaba de fallar quando diz — Que o conjuncto de todas as circumstancias que se deram, produzem a nullidade desta eleição. — Torno a dizer, não ha synthese sem analyse. Para que nós possamos examinar bem este negocio no seu todo, é necessario tambem que vejamos bem primeiro quanto vale cada um dos capitulos de accusação, que se fazem.

Diz-se que houve em todo o Circulo Eleitoral ameaças e violencias, que moveram os Eleitores a votar em pessoas diversas daquellas em quem o fariam, se não fossem violentados. — Não basta dizer estas cousas, é necessario provar as asserções que se apresentam; e quando eu desço a procurar as provas, não as encontro.

Diz-se que o Governador Civil precorreu alguns Concelhos do Circulo de Lamego. — Mas não se prova que fosse por causa de eleições, e ainda que o fosse, não se prova que elle empregasse meio nenhum violento ou abusivo. Eu darei a minha opinião sobre como o Governo póde influir nas eleições. As eleições são um negocio nacional: o Governo não deve empregar meio nenhum de Auctoridade pelo qual faça pender a balança para o seu lado. -Todos os Cidadãos podem sem duvida emittir livremente a sua opinião, e decidir-se ou pelo systema adoptado pelo Governo, ou por qualquer outro. Mas o que é certo', é que os homens que estão ás tesla do Governo, são homens que tem um systema, tem certas idéas sobre a governação do Estudo, e tem os seus amigos; e pergunto eu, porque não hão de os seus procurar convencer os Eleitores dessas idéas? Creio que sobre isto não póde haver duvida nenhuma. A Nação para assim dizer, é o grande Tribunal que decide entre o Governo e as Opposições, e eu creio que os illustres Deputados que se sentam daquelle lado, (o direito) não negarão a nenhum dos contendores o direito de advogar a sua cansa.

Estabelecendo pois como boa e ortodoxa ir doutrina que o Governo póde influir por meio da persuasão e com vencimento, por Via da influencia legitima dos seus amigos, das pessoas que estão ligadas com elle, eu verei se applicada esta theoria ao Circulo de que se tracta, ha ou não provas de que ella fosse violada. Como já disse não encontro prova nenhuma de que se commettessem violencias — c-ameaças; antes pelo contrario, examinando o mappa geral da votação do Circulo, eu chego á conclusão contraria. Ha Concelhos onde a Opposição venceu, e venceu por uma grande maioria.

No Concelho, de Ferreiros de Tendaes os Candidatos do Governo, isto é, os amigos do, Governo ou da Politica que actualmente o Governo segue, tiveram 60 votos, e os da opposição tiveram, perto de 300 votos. Em outros Concelhos acontecendo mesmo, e em alguns foi muito pequena a differença! entre uns e outros Candidatos. Já se vê portanto que houve Concelhos onde preponderou a Opposição, e houve Concelhos onde, proponderou o Governo; mas se se tivessem feito essas ameaças o violencias por parte da Auctoridade, do certo que não leria, acontecido porque estendendo-se a Auctoridade a toda a parte, tendo ella Agentes seus em todos os Concelhos, Assembléas e Freguezias, devia ahi sentir-se igualmente a oppressão. Dir-se-ha — que uns tem um animo mais forte para resistir a essas ameaças e violencias, e que outros tem um espirito mais acanhado, e se deixam dominar mais facilmente — mas então como é, Senhores, que em certos e determinados Concelhos se juntaram todos os espiritos fortes, e em outros todos os espiritos fracos? Não é cousa que se possa acreditar, e o que eu concluo é que não houve taes violencias, que houve persuasão, influencias legaes, o que cada um venceu onde tinha mais meios. Rejeito pois completamente esta razão geral das violencias «ameaças, e rejeito-a porque não a vejo provada. Como o meu illustre amigo que acabou de fallar, eu preso de coração o Systema representativo; hoje que elle e atacado em toda a Europa, creio que devemos fazer quanto pudermos da nossa parte para que seja uma realidade, para que a eleição não seja uma farça; mas não creio que para sustentar o Systema Representativo seja necessario annullar eleições por motivos que não se provam, por méras asserções idas partes vencidas e despeitadas. Apresentem-se as provas e eu dobrarei de boa vontade a minha cabeça a ellas, mas em (planto m'as não apresentarem, não se podem escandalisar que eu, regulando-me pelos verdadeiros principios, julgando os outros como quero que me julgem, não vá imputar á Auctoridade do Circulo de Lamego, ao Governador Civil de Vizeu, violencias que eu não, vejo razão nenhuma para lhes attribuir. Sobre as considerações geraes que se fizeram contra esta eleição nada mais direi, porque não vejo motivo para dizer, não vejo a que responder.

Descerei agora a outras considerações analyticas que os illustres Cavalheiros que me precederam e especialmente o meu nobre amigo o Sr. Cazal Ribeiro, fizeram sobre a eleição de alguma» das Assembléas do Circulo. Quanto ao Concelho de Moimenta, o meu illustre amigo alacou a votação neste concelho primeiramente porque o recenseamento lhe pareceu viciado, pois que Lendo aquelle concelho 1500 fogos appareceram 600 recenseados, quando n'um bairro de Lisboa onde havia talvez 12 mil fogos, não chegaram a 3 mil os recenseado;, e que não era natural que em Moimenta a proporção entre, os Eleitores e os fogos fosse superior á mesma proporção num dos bairros da Capital. Peço ao meu illustre amigo licença para lhe observar, que se tivesse um pouco mais conhecimento das aldeãs não, faria de certo este argumento. Pela Lei Eleitoral são contadas as Congruas dos Parochos para se conceder o direito devotar, e tambem se conta o Subsidio Litterario, mas bastam as Congruas Parochiaes para abranger um grande numero de Eleitores, porque nas Congruas Parochiaes entram a derrama, as primicias,

Página 31

-31-

as oblatas, em fim todos os tributos que as diversas parochias: pagam para os seus Curas d'A Imas, e na maior, parte das freguezias ruraes montam a tanto estes tributos que quasi não fica um só chefe de familia que não seja recenseado (Apoiados).

O recenceamento nos districtos ruraes é muito, mais forte de que nas cidades, — porque nas cidades não ha derrama, não ha oblatas, não ha primicias, e nas aldeãs ha todas estas contribuições e todas ellas são contadas para o recenseamento em virtude da Lei: não é portanto para admirar que nas aldeãs seja mais forte a proporção entre os recenseados e o numero de fogos nas cidades (Apoiados).

Mas, Sr. Presidente, ainda quando o recenseamento tivesse sido feito com alguma latitude mais do que aquella com que o podia ser, não era agora a occasião de fazer esta censura, não era a Camara que havia de notar este defeito. A Lei Eleitoral dá amplo recurso a todos aquelles que se julgam lesados, e no artigo 104 § unico com respeito á Junta Preparatoria diz o seguinte (Leu).

Não podemos pois tomar conhecimento das questões de recenseamento, havemos de acceitar o recenseamento como elle está feito, não podemos modifica-lo, de maneira nenhuma,. Se o recenseamento está mal feito, aquelles que eram interessados em que fosse bem feito, os Cavalheiros do partido de Opposição que dirigiram as eleições no Circulo de Lamego, tivessem lançado mão dos competentes recursos; como não o fizeram, nós não podemos dar remedio a isso. Ainda quando nós annullassemos a eleição e mandassemos proceder a outra eleição, não se podia dar remedio a esse mal, porque o artigo 153. do Decreto Eleitoral § unico diz assim (Leu).

Não se póde pois locar no recenseamento e todas as eleições que.se tiverem de fazer ou sejam eleições supplementares, ou sejam em virtude de nós annuirmos estas, hão-de ser feilas pelo recenseamento tal e qual está, embora esteja mal feito, porque não se lhe póde tocar.

Já vê por tanto o meu-illustre amigo que tudo quanto disse com relação ao recenseamento, não procede. Mas accrescentou que se espantava; primeiro de que sendo 600 e tantos os-recenseados concorressem á urna 602 e isto n'um dia chuvoso; e em segundo logar da unanimidade com que votaram em certos Cavalheiros; porém eu não me espanto com isso. Seguramente nos Concelhos ruraes ha influencias que assoberbam, que dominam sobre todos, e quando essas influencias se inclinam para um lado ou para outro todos os Eleitores vão á urna dirigidos por ellas. Ha mesmo Concelhos onde as influencias são só de uma côr politica, e essas levam comsigo todos os Eleitores que votam unanimes. Nas, eleições do anno passado lembro-me de que em alguns Concelhos onde dominava a opinião miguelista, não foi possivel formar Mezas. Em Pinhel em duas ou tres Assembleas não foi possivel formar a Meza por que os Cavalheiros que alli influiam, assentaram que. não se devia ir á urna e disseram aos seus visinhos que não fossem; não foi ninguem e não se formou Meza. Se esses Cavalheiros, que pregaram a abstenção, aconselhassem ali uma certa lista, essa lista seria sem duvida unanimemente votada. Se os meus nobres amigos desse lado percorrerem as Actas das diversas Assembléas dos Circulos, em que foram votados, hão de achar, que em muitas dellas o seu nome era ião

popular, como doí Cavalheiros que se sentam no banco inferior, no Concelho de Moimenta.

Mas, dizeis vós, sette Parochos, que attestam que muitos dos seus freguezes não concorreram á urna. Sr. Presidente, todos nós sabemos o, que valem estes attestados graciosos passados aos interessados, que os pedem, que os sollicitam, que os arrancam aos seus dependentes e subordinados. Não foi debalde, que a Lei cercou o Acto Eleitoral de tantas garantias, que lhe prescreveu tantas solemnidades, cadernos para as Actas rubricados por toda a Commissão, que deve ser mixta, Mezas tambem mixtas, publicidade em tudo, fiscalisação de todos os interessados, rubrica das listas, e sêllos quando, a eleição dura mais do que um dia. Depois de tantas cautelas a. veracidade da Acta deve reputar-se affiançada pelo-testimunho de todos os Membros da Assembléa. E quereis invalida-la com as asserções graciosas, com os attestados gratuitos passados ás escondidas por alguns Parochos, que são suspeitos por terem legitimado com a sua presença as falsidades que arguem?

Sr. Presidente, tambem o illustre Deputado atacou. a eleição da. Assembléa do Concelho de Leomil pelo facto do neste Concelho se terem os votos dividido era numero igual por todos os Candidatos da maioria e da Opposição: eu não creio, que seja muito natural este acontecimento, mas é possivel, Sr. Presidente, que quando nós não achemos este acontecimento muito regular, possamos dahi nunca concluir, que a eleição está nulla? Se se tornar a proceder a outra eleição, podem os Eleitores deste Concelho não ír á urna; e seria isso um motivo de nullidade para a eleição geral? Ha algum artigo no Acto Addicional que torne obrigatoria a faculdade eleitoral? Pois 1 a votação de Leomil equivale á abstenção.

Tambem se fallou no Concelho de Armamar, com relação ao qual se diz, que houve ameaças, não chegaram a dizer violencias: disse-se que neste Concelho esteve um destacamento de Infanteria 9 nas vesperas da eleição, e que esse destacamento influira nas eleições, de modo que o resultado foi diverso daquelle que se esperava. Já o illustre Cavalheiro, que se senta no banco inferior, explicou o motivo porque esse destacamento ahi foi. Mas ha ainda outra circumstancia a notar e é, que os Candidatos da Opposição tiveram um numero muito maior de votos, do que os que eram Candidatos por parte do Governo; de modo que parece que os illustres Cavalheiros daquelle lado querem que os influisse contra os seus amigos;, é vontade de accusar.

Com relação ao Concelho de Rezende disse-se que nas listas appareceu outro nome, além dos 4. (O Sr. Correa Caldeira. — Não é Rezende, é Aregos) pois bem; em Aregos; appareceu outro nome além dos votados para Deputados, que era o do proprio votante, por outra eram as listas assignadas, era flagrantemente violado o segredo do escrutinio, Mas se se examinar o mappa geral da votação, ver-se-ha que neste Concelho quasi se equilibraram, as forças de uns e outros contendores da eleição, não, correu á revelia, foi vigiada por Cavalheiros influentes. Como é então que elles deixaram escapar um vicio ião manifesto, sem protestarem in continenti, sem requererem que taes-listas fossem annulladas ou pelo menos appensas, ao Processo Eleitoral? Sr. Presidente, tanta cegueira, ou tanta condescendencia cri

Página 32

-32-

tão, e tantos escrupulos hoje mostram bem que não e amor da verdade que dirige os informadores dos illustres Deputados. Não e com justificações graciosas, que se ha de invalidar o testimunho solemne de uma Acta, aliançada pelo proprio vencedor.

Resta-me, Senhores, fallar do Concelho de Sanfins: quanto á Assembléa de Fornellos ha — 1. Protesto apresentado pela Junta do apuramento — 2.º Uma justificação graciosa — e depois a falla de rubrica das listas.

Quanto ao Protesto sabe se que nada vale, quando não é provado; e para demonstrar que não vale nada, eu não me soccorrerei a muitos argumentos que aqui foram já apresentados, e unicamente direi que á justificação a que se allude, não se lhe póde dar valor, porque é feita sem citação de partes, e porque é inverosímil o depoimento das testimunhas que se dizem inquiridas. Declaram ellas que viram ás 11 horas da noite entrar o Presidente da Meza Eleitoral com os 2 Escrutinadores para a casa da Camara, onde se guardou a urna; viram no quebrar-lhe os sêllos, abri-la, e tirar della as listas, e substituidas por outras; perguntarei a todos os homens de senso; se é crivel que estando a casa da Camara dentro de um pateo murado e fechado com uma porta principal, tendo um segundo andar, havendo alli duas salas, a primeira dando para o pateo, e a segunda para a primeira, sendo nesta ultima sala que estava guardada a urna; perguntarei, torno a repeli-lo a todos os homens de senso; se era possivel que de fóra se visse o que se estava fazendo nesta ultima sala? O Presidente da Meza e os 2 Escrutinadores não haviam de ter a consciencia do que commettiam um acto illegal e criminoso, para fecharem a 1.º 2.º e 3.º poria, e acautelarem-se muito bem para não serem vistos? E absolutamente incrivel que 2 homens que ficaram cá fóra, e.de mais a mais senão viam um ao nutro, vissem practicar taes factos

Sr. Presidente, em quanto á falta da rubrica das listas, em primeiro logar não se prova que as listas não fossem rubricadas, por que no fim da Acta se diz — foram cumpridas todas as outras formalidades do Decreto Eleitoral — E provavel que os Secretarios que fizeram a Acta, tivessem incluido debaixo desta formula geral a formalidade da rubricadas listas. Mas ainda quando esta solemnidade fallasse, e com quanto reconheça que ella é importante, e que póde servir como uma das boas garantias para a verdade da eleição, não creio que seja uma solemnidade essencial. Se os Eleitores interessados no resultado desta eleição tivessem protestado por esta falla, se a tivessem accusado, se a tivessem requerido e depois faltasse, poder-se-hia então acreditar que houve vicio nesta eleição; mas nada disto acconteceu, Sr. Presidente: pelo contrario os cadernos appareceram. escriptos em forma, e com as competentes notas de descarga em relação ás listas que se apresentaram; não vejo pois que haja motivo para se dizer que a urna foi violada, e que se lhes accrescentaram as listas..,

Resta-me fallar da Assembléa de S. Thiago de Piães. Que o Administrador do Concelho entrára com um destacamento de Infantaria 9, e que prendeu Joaquim Macario do Amaral, Presidente da Meza Eleitoral, e o escrutinador José do Nascimento Coutinho, é este o facto que se allega para que seja annullada a eleição desta Assembléa; mas eu

não querendo agora omittir a minha opinião sobra este facto, direi unicamente que o Regimento da Camara nas questões da eligibilidade dá aos Cavalheiros que são objecto dellas, o direito de virem aqui defender-se. Ora se esta Assembléa julgar validas as eleições de todas as Assembléas do Circulo de Lamego, menos a de Piães, devem ser proclamados Deputados da Nação Portugueza os 3 primeiros Cavalheiros que se mencionam no Parecer, por isso que ainda que lhes sejam descontados os votos que obtiveram na Assembléa de Piães, sempre reunem maioria.

E quanto ao Sr. José de Vasconcellos Noronha cuja eleição offerece duvida, a minha opinião é que a Camara não deve pronunciar Juizo algum sem que seja ouvido este Cavalheiro, convidando-o a vir defender a sua eleição, do mesmo modo que se tem praticado a respeito d'outros em identicas circumstancias, e do mesmo modo que se adoptou com relação aos Cavalheiros que se;entam neste banco, e que por certo não tem mais direito de serem convidados para defender a sua eleição, do que o Sr. José de Vasconcelos; concluo portanto votando que a Camara deve julgar validas as eleições de todas as Assembléas do Circulo Eleitoral de Lamego, á excepção da da Assembléa de S. Thiago de Piães, do Concelho de Sanfins. Sobre a eleição nada mais tenho que dizer, mas não acabarei sem fazer um reparo sobre as considerações apresentadas pelo Sr. Avila. Esse Cavalheiro concluiu o seu discurso com um voto de censura ás Auctoridades Administrativas, ao Governador Civil de Lamego, ao Official que commandava o dastacamento, não sei se mais alguns.

Sr. Presidente, intendo que esta Camara não póde nem deve dar voto de censura ás Auctoridades Administrativas subalternas ao Governo, porque a responsabilidade é do Governo; se essas Auctoridades se portaram mal, accuze-se o Governo, mas não venham accusar aqui Auctoridades ás quaes a Camara não póde pedir responsabilidade, por que a acção desta Camara é unicamente sobre o Governo; não se póde dar voto de censora a essas Auctoridades, não se póde senão accusar o Governo, e creio que a Camara não póde accusar o Governo pelo procedimento do Secretario Geral do Governador Civil, por quanto não ha prova nenhuma a seu respeito, nem tambem pelo procedimento do Commandante do destacamento, porque não fez mais do que prestar a força ao Presidente que elle julgára legitimo. Talvez me diga o illustre Orador que me está ouvindo, que o Presidente não tinha necessidade de chamar o auxilio da força, senão ouvindo a Meza.

Mas, Sr. Presidente, antes de existir a Meza, existe o Presidente, e se houver uma desordem antes de existir a Meza, não se póde negar ao Presidente o direito de exigir a força; então intendo que senão deve censurar o Commandante do destacamento por isso que não fez mais do que prestar a força pedida ao Presidente que elle reputara legitimo, porque trazia os cadernos dos Recenseamento. Quanto ao procedimento do Administrador do Concelho de Sanfins não sei se se portou bem ou mal, pelas Cartas que recebi hoje daquella localidade consta que o Governo manda proceder a um Inquerito sobre o procedimento d'aquelle Administra dor, e então quando se concluir esse Inquerito o Go-

Página 33

— 33 —

. verno o virá apresentar pessoalmente á Camara; nem os illustres Deputados que se dizem governamentaes, não haviam de querer que o Governo tomasse uma decisão sem se informar cabalmente do -negocio. Já se vê que não lia logar a censurar o Governo por deixar impunes os attentados que se dizem practicados por este Funccionario; se o Governo não o tem punido, não é senão porque está tractando de averiguar se são ou não verdadeiras as accusações que se lhe fazem, e de reconhecer se elle é ou não digno de castigo.

Concluo portanto, Sr. Presidente, votando como já disse, que se considerem validas as eleições de todas as Assembléas Eleitoraes do circulo de Lamego, á excepção da Assembléa de S. Thiago de Piães, e em consequencia desta resolução que se proclamem Deputados os tres mais votados, e que se adie a discussão sobre essa eleição, convidando o Sr. Deputado eleito José. de Vasconcellos a vir defender a sua eleição.

O Sr. Corrêa Caldeira: — Sr. Presidente, não é dito meu, mas dito antigo, que não ha cousa mais lastimosa do que vêr um grande calculo posto ao serviço de uma pessima causa. Applico a maxima ao meu illustre Collega o Sr. Deputado que acaba de fallar. Não esperava na verdade, porque q conheço de ha muito tempo, e faço justiça ao seu caracter e saber, que em materia tão transcendente como aquella de que se tracta, S. Ex.ª viesse com subterfugios evadir-se á evidencia das razões e argumentos.

Como o illustre Deputado principiou o seu Discurso por considerações geraes, e estas prendem com o que eu já tive á honra de apresentar nesta Camara sobre a generalidade do Processo Eleitoral, deu-me assim occasião para vir a esse campo e responder-lhe ainda.

Parece ao ouvir sempre a mesma resposta por parte dos nobres Deputados da maioria da Camara que fôra imposta aos Deputados do lado, a que tenho a honra de pertencer, a pena que segundo a Mythologia fôra imposta d Sisypho — arrastar eternamente uma pedra ao alto de um monte! E despenhada ella, recomeçar o mesmo trabalho.

Sr. Presidente, attribue-se constantemente ao lado direito a doutrina de que é abusiva e criminosa toda a influencia do Governo em eleições e todavia tanto eu como os Deputados deste lado da Camara nos limitámos a sustentar sómente, que era admissivel a influencia do Governo, em quanto elle a exercesse dentro dos limites que lhe impõe a Lei, e a moralidade publica, e não degenerasse em fraudes e violencias. A que proposito pois vir uma e mais vezes, e ainda hoje lançar em rosto aos adversarios que — esquecem as crenças do partido politico a que pertencem, que contradizem todo o seu passado, que abandonaram os principios, theorias, e crenças do partido conservador?

Mas como se insistiu naquella asserção principalmente com referencia pessoal a mim, chegando a dizer-se — que eu tinha encarnado nas idéas, e na escola ultra-liberal. — Responderei clara e terminantemente, como costumo — que não pertenci nunca, não pertenço nem desejo pertencer a essa escola. — E bem o sabe o illustre Deputado que me fez esta allusão, porque me conhece ha muito tempo. Mas se eu nunca pertenci á escola ultra-liberal, o meu illustre adversario tem estado, segundo me parece,

muito perto della; e na rapidez com que dahi passou á situação em que agora está, aconteceu que por correr muito passou além do alvo. Assim neophyto recente nas» doutrinas conservadoras não as explicou bem.

S. Ex.ª sustentou que era crença, principio capital do partido conservador — dar á auctoridade a maior força — e intendeu que eu e os meus Amigos tinhamos mudado de crença, e abdicado este principio, illudiu-se nesta appreciação. Eu e os meus Amigos sustentamos o principio, intendido como deve ser. Eu quero que a Auctoridade tenha força, mas a força moral que a torne respeitavel, e facilmente obedecida — a força moral que provém do legitimo uso das suas attribuições — da conformidade dos seus actos com as Leis que os regulam — da harmonia dos meios que. emprega com o fim moral e politico da sua missão.

A força que o partido conservador quer dar á auctoridade, e que a Auctoridade tenha, não é a força que opprime — a força que viola o direito — a força que zomba das Leis — não é emfim a força brutal que impõe as bayonetas — não é a força que impõe a vontade da Auctoridade á vontade do Eleitor, e que converte o exercicio de um direito na evolução de um autómato.

Tambem eu, como o meu illustre adversario, conheço e adopto a doutrina de Benjamin Constant nesta parte, isto é, a influencia do Governo na eleição, em quanto ella fôr legitima; mas, como aquelle distincto publicista, não reconheço dentro dessa acção legitima nem as fraudes nem as violencias e foi contra a violencia e as fraudes; que eu argumentei (o Sr. Justino de Freitas — Apoiado).

Sr. Presidente, foi-me feita outra allusão pessoal, quando não se respondendo cabalmente aos defeitos que notei no Decreto Eleitoral de 30 de Setembro, se quiz tornar-me participante, ou moralmente responsavel por Decretos eleitoraes anteriores, feitos por homens de quem me prezo de ser amigo, e Decretos que o meu illustre adversario considera muito inferiores na bondade e pi evidencia das suas disposições ao de 30 de Setembro ultimo.

Sem descer ao exame comparativo desses Decretos responderei, que o argumento não é concludente, ainda suppondo que fosse exacto na sua base — porque de ler eu algum tempo approvado uma cousa não muito boa, não se segue que seja boa a que hoje critico e censuro e qualifico má — Mas responsabilidade ou participação moral quanto a Decretos Eleitoraes apenas pode com razão ser-me attribuida, a que provier da cooperação do meu voto ao Projecto de Lei Eleitoral que fôra em 1851 approvado na Camara de que tive a honra de fazer parte — e a esse Projecto de Lei pertence a prioridade da introducção das disposições penaes contra as principaes infracções que podiam commetter-se contra. o Direito Eleitoral — bem como outras muitas disposições liberaes e excellentes que delle foram copiar lauto os Redactores do Decreto de 20 de Junho de 1851, como os do ultimo Decreto Eleitoral (Apoiados do lado direito). Posto isto entrarei na materia.

O illustre Deputado que me precedeu, percorrendo os argumentos produzidos para invalidar a eleição do Circulo de Lamego repetiu que nas arguições feilas á intervenção abusiva da Auctoridade, não se precisam os factos e as circumstancias que deviam de

VOL II. — FEVEREIRO — 1853.

9

Página 34

— 34 —

monstrar a existencia fias ameaças, da coacção moral, da intervenção abusiva — e um dos Srs. Deputados eleitos por aquelle Circulo, ato pôz em duvida que o Secretario Cerai, servindo de Governador Civil, tenha ido por duas vezes ao Circulo de Lamego para tractar de objectos eleitoraes.

Todavia é irrecusavel este facto — assim como que o fim destas visitas repelidas era o triunfo eleitoral da lista do Governo. — Na Justificação feita em Rezende, que hontem mandei para a Meza, está provada a ida daquelle Funccionario a Rezende — a conferencia politica que alli tivera com o Juiz de Direito da comarca, e outros Empregados, e as ameaças que fizera ao Escrivão Maximo para o compellir a trabalhar na eleição, e a responsabilisar-se pelo vencimento della, sob pena de ser transferido para Escrivão do Juizo Ordinario de Armamar.

Parece-me que não são estas as vagas asserções a que alludiu o Sr. Nogueira Soares.

Na mesma Justificação já citada está provado por testimunhas imparciaes o facto de que já fez menção o Sr. Casal Ribeiro, de ter o Administrador de Aregos compellido os seus Subordinados de quem desconfiava, a inserirem na lista que lhes distribuiu dos Candidatos do Governo, o nome proprio do Empregado eleitor em quinto logar (porque os Deputados a eleger eram quatro) para por este modo conhecer se cada um delles tinha obedecido exactamente á sua injuncção.

E a estes factos, e a outros muitos que constam de todo este processo, demonstrativos do abuso e coacção exercida pela Auctoridade, parece impossivel que se dê a denominação de asserções vagas!

Terei occasião de citar muitos outros no decurso das minhas observações, e notados aquelles, vou occupar-me das occorrencias de Piães.

Sr. Presidente, nunca imaginei depois do modo como foi por toda a Imprensa periodica referido o attentado de Piães — depois da impressão geral que elle fez na opinião publica, e até nos proprios Ministros, como pode inferir-Se dos termos e maneira porque a tal acontecimento alludiu o Sr. Ministro da Fazenda — depois do que se viu de todos os documentos juntos ao Processo Eleitoral, e do que se lê no Parecer da illustre Commissão — nunca imaginei, repito, que alguem viesse nesta Camara defender a legalidade dos actos practicados em tal Assembléa! — Mas illudi-me pensando assim, porque não faltou um defensor aos actos daquella Assembléa, e esse foi o Sr. Deputado Eleito Sarmento Saavedra.

S. S. esforçou-se em provar para o seu fim, que Joaquim Macario do Amaral não era o Presidente legal da Assembléa, mas sim o Cidadão que lhe disputou a preferencia, e para chegar a esta demonstração sustentou: 1. que Joaquim Macario do Amaral não tinha diploma algum de nomeação, porque o não apresentara no momento em que foi contestada a sua Presidencia; 2. que ainda não existia quando se reuniu a Junta do apuramento, porque ahi mesmo não fóra apresentado; 3.º que em fim o seu diploma era destituido de caracteres de authenticidade, não só porque contra o estylo era passado em fórma de Carta Patente (parece-me ser esta a expressão) mas porque sendo a Commissão do Recenseamento composta de 7 Membros, embora o diploma estivesse assignado por 4, neste numero se incluia a assignatura do proprio nomeado.;

A este ultimo argumento respondeu triunfantemente te o meu illustre amigo e Collega, o Sr. Avila, fazendo vêr ao seu auctor a triste contradicção em que ia abysmar-se, quando punha em duvida a legitimidade da nomeação, contando-se- o nome-de Joaquim Macario para fazer maioria, visto que assim votava em si mesmo, e ficavam apenas 3 votos, quando reputava legitimo o 2.º Presidente, que para ser nomeado votára tambem em si proprio, não ficando, além delle mais que 2 votos, isto é, disputava que 3 fossem maioria legal de 7, e admittia que o fossem 21!

Quanto aos primeiros argumentos, encarrego-me eu de responder-lhes.

Sr. Presidente, se o diploma de Joaquim Macario não foi produzido por elle no instante da contestação, e do conflicto, é facil saber a razão. Alli, não se disputou com razões, nem com allegações de direito, mas com bayoneta calada, punhal alçado, e bacamartes; e o Sr. Deputado Eleito, a quem respondo, reconhecerá que um diploma por mais authentico que seja, não é arma de igual calibre, nem tão decisivamente convincente.

Tambem não foi (diz o illustre Deputado) produzido aquelle diploma na Junta do apuramento — mas se o não foi, é muito obvia a explicação da omissão, e provém da perseguição que foi feita a este Cidadão: e eu aproveito a occasião de referir á Camara, e, por este modo, á Nação a historia inaudita das violencias e excessos commettidos pelo Administrador Tameirão a respeito de 2 individuos que elle arrancou á mão armada da Mesa da Assembléa Eleitoral de Piães no acto da eleição.

Não bastou para aquelle homem que de sua propria auctoridade se arrogasse o direito de decidir qual o Presidente que devia presidir a esta Assembléa de Piães; não bastou que seguido por 6 soldados armados entrasse na igreja com um punhal na mão, e depozesse á força, e arrancasse dos seus logares o Presidente e outro Cidadão Escrutinador na Meza, que num logar de tanta respeitabilidade estavam exercendo ou dirigindo o exercicio no acto eleitoral; não bastou, digo, a sanctidade do logar, a respeitabilidade das funcções que desempenhavam os individuos contra quem se dirigia; não bastou o arrojo com que, em resposta ás observações que elles lhe fizeram com a Lei na mão, foi buscar força armada para expulsar da Meza e do templo esses Cidadãos que impediam ao que parece, com a sua presença que a eleição se fizesse como Tameirão queria; não bastaram tantas prepotencias e violencias para ficar satisfeito. E por isso além de os ler violentamente arrancado da Meza Eleitoral e da igreja, prendeu o Presidente Joaquim Macario do Amaral, e o Escrutinador José do Nascimento de Azevedo Coutinho, conduziu-os logo a uma casa proxima, e no dia 13 de Dezembro fe-los marchar escoltados para Lamego! No dia 14 officiou o Administrador Tameirão ao Juiz de Direito da Lamego dizendo-lhe, que José do Nascimento fôra preso em virtude do mandado de prisão, que lhe remettia, pelo qual se via que estava pronunciado no Juizo de Arouca, e que devia por tanto ficar preso á ordem do respectivo Juiz de Direito.

É conveniente que a Camara e a Nação, para avaliar toda a iniquidade do procedimento deste Agente do Governo, saibam donde proveiu este mandado de prisão. Em 1819 instaurou-se em Arouca um processo crime em que o proprio Tameirão tinha

Página 35

-35-

sido parte, contra diversos Cidadãos, e entre elles, se incluia José do Nascimento de Azevedo Cominho, que foi pronunciado: Ta moirão obteve para a sua mão o mandado de prisão contra o dicto José do Nascimento; mas, tendo este Cidadão aggravado da injusta pronuncia, obteve provimento na Relação, e o Tameirão recorreu! desta para o Supremo Tribunal de Justiça, onde lhe> foi denegada, a revista Estava pois o processo findo, ç mandado de prisco invalidado, José, do Nascimento livre de toda a. acção da Justiça, e Tameirão,. parte decaída, no processo, sabia-o melhor que ninguem. Apesar de tudo. isto a Camara sabe o que aconteceu!! Tameirão, que tinha ainda em seu poder o mandado de prisão respectivo ao processo, findo, serviu-se delle, mandou José do Nascimento, preso para Lamego, e remetteu este mau. dado a que alludi! Mas note-se, ainda aqui uma circumstancia aggravante, e é que a, Comarca do domicilio de José do Nascimento era a. de Rezende, a Comarca onde correu o processo era a de Arouca, e isso não obstante, o Tameirão mandou o preso e o? presos para Lamego; não sei como os não mandou para Loulé, a. legalidade do procedimento fôra ou seria a mesma. Os presos chegaram ás cadêas de Lamego no dia 13; no dia 14 officiou Tameirão ao Juiz. de Direito dizendo, que José-do Nascimento devia considerar-se preso á ordem do Juiz de Direito de Arouca, porque estava alli culpado, como constava do mandado; não fallou porém em Joaquim Macario do Amaral, nem uma só palavra disse no officio a respeito deste, segundo as informações que tenho. Chegados os presos a Lamego mandou abrir-se-lhe assentamento na cadêa á ordem do Juiz de Direito de Arouca. José do Nascimento, obtida certidão do motivo da sua prisão, requereu immediatamente ao Juiz de Direito de Arouca, a quem o Administrador de Sanfins não consta que participasse o que fizera, e este Magistrado reconhecendo a injustiça da prisão pelas noticias já referidas, mandou Deprecada ao Juiz de Direito de Lamego para ser solto José do Nascimento. Este Juiz ainda duvidou ordenar a soltura deste, e de Joaquim Macario, contra o qual nem pretexto de prisão se allegam, e só quando os presos insistiram requerendo que cumprisse a Depracada, ou indeferisse o requerimento para aggravarem do despacho, é que os mandou soltar; mas quando é que foram soltos?.. A 2 de Janeiro!,. De sorte que estes dois Cidadãos arrancados do seu domicilio, arrancados da Assemblea onde exerciam um direito que lhes pertencia, foram presos, e dahi transferidos para as cadêas de Lamego, Comarca estranha, e alli gemeram 21 dias!!!.. Nunca se lhes deu nota da culpa; nunca se formou corpo de delicto, se o havia, nem se practicou nenhuma das formalidades que a Carla e o direito commum manda que se observem quando se procede assim contra a liberdade individual do Cidadão!... Ainda até hoje não consta que se procedesse severamente contra à Auctoridade que se houve para com estes dois Cidadãos de um modo tão violento e arbitrario!... Isto são-factos sobre os quaes não ha duvidas, sobre os quaes não ha duas opiniões, sobre os quaes ha provas incontestaveis; e entretanto já os ouvi qualificar de asserções vagas!.. Aqui esta pois explicada a razão porque na Junta do apuramento dos votos não appareceu (se não appareceu) o diploma que Joaquim Macario do Amaral tinha para ir presidir á Assembléa Eleitoral de Piães;

Joaquim. Macario do Amaral estava, preso nas cadêas de Lamego, e ao tempo que estava procurando, os meios de sua soltura, de recuperar a sua liberdade, não podia apresentar-se na Junta do apuramento para provar completamente que, tinha um, diploma legal para presidir á Assembléa de Piães. Referi, todos estes, factos á Camara como os sabia por informações, dignas, de toda a fé: estimarei que sejam rectificados se não são exactos.

Quando, Sr. Presidente, me, lembro, de que, ena outras épocas por-cousas quasi insignificantes; por motivos ou frivolos, ou inexactos se faziam censuras vehementes e severas contra suppostos attentados á Liberdade do Cidadão apenas, se reputavam, despresadas as mais pequenas formulas da Lei, não sei que pensar ou ajuizar agora quando observo factos, como o de serem presos dois Cidadãos sem culpa formada, sem nenhum crime, e estarem encarcerados 21 dias sem ao menos se lhes dizer o motivo da sua prisão, procedendo-se a respeito delles, em tudo e por tudo arbitrariamente, e ao mesmo tempo contemplo o silencio, a resignação, a indifferença cora que são taes attentados esquecidos por aquelles que tão, asperos eram na censura com outros homens, e n'outros tempos por cousas de menos valor!... (Apoiados do lado direito.) Não sei, admiro até como se não votaram louvores a José Pinto da Silva Tameirão!...

Quanto ao que disse o Sr. Deputado eleito Saavedra a respeito do legitimo emprego da força armada para dar a presidencia da Assembléa de Piães, ao segundo intitulado Presidente, emprego de forças que S. S.ª qualificou de tal modo, dando por omisso na Lei o caso de que se tractava, responderei que estava reservado para mim ouvir no anno de 185.3 declarar no meio de uma Camara Legislativa, que. nos casos omissos nas Leis.se podia, ou devia recorrer ao emprego de bayonetas! Ninguem duvidará que um tal principio é o mais decisivo possivel. — Nos caos omissos nas Leis recorre-se para as bayonetas Não disputo este principio porque não é disputavel, mas o caso nem é tolamente omisso na Lei, porque me parece poder decidir-se por analogia com, o que se acha disposto no artigo -19.º para o caso em que o Presidente nomeado ou não compareça, oi) compareça uma hora mais tarde. Mas ainda não querendo considerar-se applicavel esta disposição, o meio regular adoptavel era que o supposto legitimo Presidente, vendo outro no seu logar funccionando com aprasimento da Assembléa, protestasse, e deixasse á Instancia Superior a decisão da questão.

Nunca podia ser legitimo nem toleravel o recurso para os meios de violencia de que se lançou mão. E no caso presente o attentado é mui mais grave por estar completamente demonstrado que o Sr. Joaquim Macario do Amaral tinha um diploma legal que o nomeava Presidente da Assembléa de Piães, embora esse diploma tivesse ou não a fórma de Carta Patente, como disse o Sr. Sarmento Saavedra.

Nem é exacto que acalmado o tumulto, e todos os effeitos que na Assembléa de Piães produziu o acontecimento relativo aos Presidentes, o acto da eleição corresse depois placida e regularmente, por quanto pelo depoimento de quatro testimunhas n'unia das justificações apresentadas, se vê que os Eleitores que ficaram, votaram constrangidos pelo Administrador do Concelho. Por consequencia tendo em consideração as violencias e vicios que antes, e durante o acto

Página 36

-36-

Eleitoral occorreram naquella Assemblea, a eleição não póde deixar de se considerar nulla em todos os seus resultados.

E, Sr. Presidente, a Camara não póde nestas questões eleitoraes deixar de attender aos documentos que lhe são presentes, embora cada um delles não faça prova juridica, porque a (-amara quando examina

O Processo Eleitoral, e a validade das eleições não é um Tribunal de Justiça, mas um grande Jury Nacional, e nesta qualidade tendo a formar a sua convicção por todos os fados, pelo conjuncto de todas as-informações que sirvam para esclarecer a questão, não póde despresar os documentos, quaesquer que elles sejam, que tenderem a mostrar-lhe a verdade.

Não são as regras, e principios do direito stricto que devem servir-lhe para graduar a importancia desses documentos, nem a boa critica sobre o gráo de credito que merecem, comparadas, e bem avaliadas todas as circumstancias dos factos a que são relativas.

Não se argumente, como já se fez, com o não ler ale hoje apparecido querela alguma a respeito dos factos illegaes practicados pelas Auctoridades, porque se a Lei permitte o praso de 6 mezes para ellas se poderem dar, não se segue que por não terem apparecido até agora ainda não possam apparecer; e desejaria muito que o illustre Relator da Commissão me dissesse o que faria se ellas apparecessem, visto que agora vota pela validade da eleição em consequencia de se não allegar que foram dadas? Pois não seria mais conveniente, visto que se apresentam tantos documentos, tantos testimunhos, que mostram e provam quanto o Acto eleitoral em todo o Circulo de Lamego está viciado, o mandar-se proceder a uma nova eleição, a fim de que os novos eleitos se apresentem perante a Nação com titulo mais digno de respeito do que aquelles com que o foram agora! De certo que sim. (Apoiados.)

O illustre Relator, que eu muito preso e respeito, considerou d meio das querelas muito preferivel ao das justificações para provar os abusos commettidos pelas Auctoridades, e todas as infracções, e illegalidades que invalidam o acto Eleitoral: mas eu não me conformo com essa opinião, não só porque a que ela em si mesma não é mais que uma queixa, que póde ser fundada, ou infundada — e ainda porque não é documento que podesse trazer-se ao conhecimento da Camara, visto que em quanto se não proceder ao summario, e á pronuncia, e não se conseguir a prisão, faz parte do processo crime preparatorio, o qual é secreto segundo a Lei, como o illustre Relator muito bem sabe, mas pela razão peremptoria de que nos termos do artigo 152º do Decreto Eleitoral a condemnação daquelles contra quem fôr dada, não imporia a nullidade da eleição, se ella tiver sido declarada valida pelos Poderes competentes.

Pela querela o que se pretende obter é a punição aos delinquentes, e não o criterium da validade, ou nullidade do acto Eleitoral

E nestes lermos forçoso é que os que impugnam a validade da eleição, recorram a outros meios. — E o que lêem feito.

Sr. Presidente, a falta de rubrica nas listas é uma cousa que póde influir muito na substancia e legalidade do acto Eleitoral, e por isso, e em vista da disposição do Direito Commum, que eu invoco tambem, visto que invocado foi pelo illustre Relator, intendo que embora o Decreto Eleitoral] não impozesse a esta emissão a pena de nullidade, essa omissão junta ao que resulta do depoimento de duas testimunhas de vista que affirmam que a urna fóra viciada, é tão grave, que por aquelle principio deve considerar-se bastante para em vista della se julgar nulla a votação da Assembléa de Fornellos.

A respeito de Protestos vejo que pela Jurisprudencia da Commissão nem todos os individuos podem protestar; é preciso que estejam recenseados na propria Assembléa onde protestam, de modo que ainda que os factos allegados em qualquer Protesto sejam muito verdadeiros, incontestaveis e irrecusaveis, não sendo o Protesto recebido pela razão apontada, os factos consideram-se como não existentes!!

Isto é novo e inadmissivel! Mas não é tudo: o Protesto apresentado na Assembléa de Almacave, o foi por-um Cidadão que estava recenseado senão naquella freguezia, na freguesia da Sé, e não é por tanto exacto nesta parte o Parecer da illustre Commissão. Também é fóra de duvida que na Assembléa de Almacave, em Lamego, não houve liberdade na eleição, porque o Administrador, Regedor, e Cabos de Policia andaram dando e tirando listas nos Eleitores, e ameaçando aquelles que não comprissem com as ordens da Auctoridade. Se não apparece junto á respectiva acta o Protesto apresentado pelo Bacharel José Moreira da Fonseca, não foi porque elle se não apresentasse a tempo na Assembléa de Almacave, mas porque a Meza Eleitoral o não quiz receber. Isto aconteceu em outras Assembléas; e por me lembrar agora, citarei entre outros factos o que aconteceu na de Aregos.

A vista pois dos factos que occorreram em Lamego, Moimenta da Beira, Armamar, Sanfins, Rezende, Aregos. Leomil, emfim, em todas ou na maior parte das Assembléas do Circulo Eleitoral éle Lamego, factos que convencem a todos os imparciaes dos grandes vicios de que está revestida a eleição, parece impossivel que a Commissão hesitasse em dar por provado o que está sufficientemente provado, e que hesitasse em annullar toda esta eleição!

E tambem para admirar que a Commissão propozesse que o Governo procedesse a um severo exame de inquerito acêrca dos factos praticados em Fornellos, quando é sabido: 1.º, que a Camara não póde impôr as suas determinações ao Governo senão por meio de Leis que passem por todos os tramites marcados na Constituição: e 2., porque sendo o Governo pelas circulares e insinuações que dirigiu aos seus Agentes subalternos, o principal accusado de ler concorrido poderosamente para todas as violencias e illegalidades que se practicaram, seja a esse que se commettesse o inquerito!...

Sr. Presidente, ainda julgo impossivel que esta Camara declare válida uma eleição que a opinião publica quasi por unanimidade tem qualificado de fraudulenta, tumultuaria, e nulla.

Muitas outras considerações tinha ainda a apresentar á Camara mas como deu a hora, e estejam ainda muitos Srs. Deputados inscriptos, por isso não continuarei hoje, pedindo comtudo desde já a palavra para fallar segunda voz se assim o julgar preciso.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para a Sessão de ámanhã é a mesma de hoje. Está levantada a Sessão — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º redactor

J. B. Gastão

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×