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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 1 DE FEVEREIRO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

Antonio Eleuterio Dias da Silva

Chamada — Presentes 68 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano Pequito, Affonso Botelho, Annibal, Braamcamp, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, A. B. Ferreira, Quaresma, Eleuterio Dias, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Lemos e Napoles, Pinheiro Osorio, A. V. Peixoto, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão do Vallado, Albuquerque e Amaral, Abranches, Almeida e Azevedo, Carlos Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Cesario, Domingos de Barros, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Cadabal, Medeiros, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, Mártens Ferrão, J. J. de Azevedo, Sepulveda Teixeira, Rodrigues Camara, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, José da Gama, Figueiredo de Faria, Feijó, D. José de Alarcão, J. M. de Abreu, Costa e Silva, Frasão, Rojão, José de Moraes, Oliveira Baptista, Batalhós, Mendes Leal, Camara Falcão, Levy M. Jordão, Camara Leme, Alves do Rio, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Modesto Borges, Monteiro Cas-

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tello Branco, Ricardo Guimarães, Charters, Simão de Almeida e Thomás Ribeiro.

Entraram durante a sessão — Os srs. Garcia de Lima, Vidal, Abilio, Sá Nogueira, Carlos da Maia, Gonçalves de Freitas, Ferreira Pontes, Arrobas, Fontes de Mello, Mello Breyner, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, A. de Serpa, Barão das Lages, Barão de Santos, Barão do Rio Zezere, Garcez, Freitas Soares, Beirão, Pinto Coelho, Claudio Nunes, Conde da Torre, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Bivar, Izidoro Vianna, Pulido, Gaspar Pereira, Gaspar Teixeira, Henrique de Castro, Blanc, J. da Costa Xavier, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Calça e Pina, Joaquim Cabral, J. Coelho de Carvalho, Matos Correia, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, Infante Pessanha, Sette, José Guedes, Alves Chaves, Casal Ribeiro, Sieuve de Menezes, Silveira Menezes, Menezes Toste, Julio do Carvalhal, Freitas Branco, Manuel Firmino, Mendes Leite, Moraes Soares, Fernandes Thomás e Visconde de Pindella.

Não compareceram — Os srs. Correia Caldeira, Seixas, David, Barão da Torre, Oliveira e Castro, Almeida Pessanha, Conde de Azambuja, C. J. da Costa, Poças Falcão, Drago, Barroso, Abranches Homem, Coelho do Amaral, Diogo de Sá, Fernandes Costa, Gavicho, Bicudo Correia, F. M. da Cunha, Chamiço, Carvalho e Abreu, G. de Barros, Gomes de Castro, Fonseca Coutinho, Albuquerque Caldeira, Ferreira de Mello, Torres e Almeida, Simas, Faria Guimarães, Galvão, Silva Cabral, Latino Coelho, Alvares da Guerra, Gonçalves Correia, Affonseca, Moura, Alves Guerra, Rocha Peixoto, Pinto de Araujo, Vaz Preto, Sousa Feio, Placido de Abreu, Teixeira Pinto e Seiça.

Abertura — Ao meio dia e tres quartos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.º Um officio do ministerio da fazenda, acompanhando 140 exemplares das contas das despezas do ministerio da fazenda, comprehendendo a gerencia do anno economico de 1862-1863, e a conta do exercicio de 1861-1862. — Mandaram-se distribuir.

2.º Do ministerio da guerra, acompanhando duas copias das relações da effectividade do corpo do estado maior do exercito, referidas aos mezes de novembro e dezembro do anno proximo passado, e que foram pedidas pelo sr. Arrobas. — Para a secretaria.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

REQUERIMENTO

Requeiro que o governo, pelo ministerio do reino, haja de enviar a esta camara a nota exacta da quantia que fraudulentamente foi levantada do deposito publico de Lisboa, por meio de precatorios falsos, passados pelo cartorio do ex-escrivão da 4.ª vara, Aniceto Maria Paes Gago. = O deputado pela ilha de S. Thomé, Bernardo Francisco de Abranches.

Foi enviado ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Aldeia da Cruz, povoação notavel do antigo concelho de Ourem, foi elevada á categoria de villa e cabeça de concelho por carta regia de 25 de setembro de 1841; conferindo-lhe Sua Magestade d'ahi em diante a denominação de Villa Nova de Ourem com todos os privilegios e isenções proprias da sua nova categoria.

A municipalidade que nasceu d'esta recente ordem de cousas teve logo que lutar com grandes difficuldades graves, e tão graves que algumas têem sido insuperaveis até hoje.

Os rendimentos do novo municipio, provenientes unicamente de impostos, foram sempre escassos para acudir ás necessidades mais instantes da população, e por isso a camara não tem podido destinar uma parte d'esses rendimentos para a edificação dos paços do concelho de que carece.

Um municipio novo erige-se por uma carta regia; mas os paços de um concelho, que comprehendem casas da camara, tribunal judicial, administração de concelho, repartição de fazenda, recebedoria do concelho, cadeias, etc. só se levantam com grandes sommas de dinheiro.

A camara municipal de Villa Nova de Ourem funcciona ha mais de vinte e dois annos n'uma casa impropria para as suas sessões, e não tem, por si só, meios sufficientes para edificar os paços do concelho.

A camara porém, contando com a benevolencia do parlamento e com a boa vontade dos seus administrados, resolveu proceder á referida construcção.

A camara de Villa Nova de Ourem requereu em tempo ao governo, pelo ministerio das obras publicas, o auxilio de 1:000$000 réis para a construcção de seus paços municipaes. E o governo, reconhecendo a justiça da camara municipal, declinou comtudo o deferimento da pretensão, por não se julgar legalmente habilitado para tal despeza.

É por esta rasão que tenho a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º E auctorisado o governo, pelo ministerio das obras publicas, a conceder á camara municipal de Villa Nova de Ourem o auxilio de 1:000$000 réis para a construcção dos paços do concelho da mesma villa.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos deputados, 29 de janeiro de 1864. = Joaquim Pinto de Magalhães.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda, ouvida a de administração publica.

O sr. Levy: — Quando em algumas das sessões passadas tomei a palavra, fazendo diversas considerações com relação a assumptos da repartição da justiça, tive a infelicidade de s. ex.ª, o sr. ministro, não estar presente; mas essa infelicidade subiu de ponto, porque o dia que s. ex.ª escolheu para me responder foi justamente, aquelle em que eu, por motivo de serviço, tive de faltar á Camara.

Não podendo dar-me por satisfeito com as respostas de s. ex.ª, mas não desejando tomar de novo a palavra sem ver o sr. ministro n'aquelles bancos (apontando para as cadeiras dos srs. ministros), tenho esperado alguns dias para voltar ao assumpto; como porém não é possivel achar aqui o sr. ministro antes da ordem do dia, por este motivo sou obrigado, na sua ausencia, a responder-lhe...

Uma voz: — Á sombra de s. ex.ª

O Orador: — Um dos pontos sobre que eu chamára a attenção do sr. ministro fôra a necessidade de modificar o decreto de 2 de janeiro de 1862, de modo que os parochos encommendados fossem admittidos e attendidos no concurso documental ás igrejas vagas, e hoje acrescentarei tambem os coadjutores.

S. ex.ª dignou-se responder com a urbanidade que o caracterisa, que = não podia admittir os encommendados ao concurso documental, porque isso contrariava o pensamento dominante o fundamental do decreto de 2 de janeiro, que só attendia n'essa especie de concurso os ecclesiasticos munidos de instituição canonica =. Perdôe-me s. ex.ª, mas não póde satisfazer-me esta resposta pelas duas rasões que passo a apresentar.

Em primeiro logar quero conceder por hypothese que o decreto de 2 de janeiro só contempla os individuos com instituição canonica (o que não é exacto, como logo mostrarei); mas será isso rasão para não attender os encommendados? Por certo que não. É preciso ver se é ou não de justiça attender esses encommendados no concurso documental; se é, ainda quando o espirito ou a letra do decreto não lhes fosse favoravel, o remedio seria muito simples, pois se reduziria a modificar e alterar o mesmo decreto. A admittir-se a doutrina de s. ex.ª não haveria lei ou decreto que fosse reformado; porque, em geral, toda a reforma se oppõe á legislação anteriormente em vigor.

E será de justiça admittir os encommendados ao concurso documental? Entendo que sim (apoiados). O decreto de 2 de janeiro attende os collados, porque os presume dignos pelo facto da instituição canonica, que já tem; pois a mesma presumpção milita a favor dos encommendados; um ecclesiastico que durante dois, tres, quatro e cinco annos (Vozes: — E até de mais.), está parochiando uma igreja com encommendação do prelado, devo presumir-se igualmente digno, a não se querer suppor (o que eu não devo admittir) que os bispos sejam tão pouco cuidadosos das suas ovelhas, que durante tanto tempo confiem a sua guarda a homens indignos (apoiados).

Logo o governo não deve hesitar em admittir ao concurso documental os encommendados, nem deve receiar que os prelados tenham n'isso duvida, porque elles não podem sem contradicção recusar a instituição canonica a esses ecclesiasticos, sem serem contradictorios comsigo mesmo (apoiados).

A outra rasão que tenho, para me não dar por satisfeito com a resposta de s. ex.ª, é que não é exacto, antes inexactissimo, que seja pensamento dominante e exclusivo do decreto de 2 de janeiro admittir ao concurso documental sómente os ecclesiasticos revestidos de instituição canonica; para d'isso nos convencermos basta ler o artigo 15.°

E com effeito poderá s. ex.ª negar que o decreto tambem contempla os sacerdotes que, tendo ido a concurso oral e sido approvados, foram todavia preferidos por outros julgados superiores? Não; logo se esses não têem instituição canonica, e são admittidos a concurso documental, d'ahi resulta: 1.°, que não é exacto serem excluidos pelo decreto os que não têem instituição canonica; 2.°, que ha maior rasão para admittir os encommendados, porque alem de terem já por si a opinião do prelado que, pelo facto de os escolher, os julgou dignos, possuem de mais a pratica da vida parochial, ao passo que aquelles têem sim approvação de sciencia, mas falta-lhes a pratica (apoiados).

Bem sei que na applicação dos principios que tenho exposto póde haver alguma difficuldade, se indistinctamente se quizer admittir ao concurso documental qualquer encommendado, só pelo facto de ser encommendado; mas parece me que não poderia haver inconveniente em os contemplar, quando tivessem um certo tempo de serviço, e quando concorressem á propria igreja em que estivessem encommendados.

O que tenho dito com relação a estes, milita com tanta ou maior rasão a respeito dos coadjutores (apoiados). Todos sabem que elles são approvados pelo prelado e propostos pelos parochos; e quasi sempre fazem mais serviço do que estes (apoiados). É justo pois que sejam tambem contemplados; e em França, por exemplo, aonde se sabe o que é administrar, s. ex.ª não desconhece as vantagens que têem os vicaires, a que entre nós correspondem os coadjutores.

Insto pois novamente sobre o assumpto, esperando que estas minhas observações sejam attendidas pelo sr. ministro da justiça; mas se s. ex.ª for surdo a estes clamores que levanto aqui em nome de uma classe digna de toda a consideração, n'esse caso, usando da iniciativa que me compete como deputado, empregarei os meios que a lei me faculta, para que se faça justiça a quem a tem.

Já que fallei de concursos, permitta-me s. ex.ª que lhe lembre a necessidade de umas providencias entre os abusos muito possiveis aos concursos oraes, e que supponho mais de uma vez se tem verificado, ar serem verdadeiras as queixas que tenho ouvido e lido. É certo que pela legislação actual não ha recurso algum para o candidato que se julga injustamente qualificado pelos examinadores synodaes (apoiados); mas é para lamentar que tendo a igreja dado remedio a isto por uma constituição do santo padre Pio V. não se possa por ella fazer obra emquanto isso não for declarado pelo poder executivo; porque sendo uma decisão pontificia, carece, segundo o direito do reino, do real beneplacito, para ter execução.

Essa decisão é a constituição in conferendis de 18 de março de 1587; n'ella determina o pontifice que o candidato que se julgar injustamente qualificado no concurso pelos examinadores synodaes, possa, sendo de diocese suffraganea, recorrer ao metropolita para perante elle ser examinado, ou sendo da metropole ou do bispado isento, recorrer para o bispo mais proximo para o mesmo fim.

Parece-me de toda a justiça esta legislação da igreja, porque, permitte um recurso ao offendido, e offerece mais garantias (apoiados), e por isso lembro ao sr. ministro da justiça a necessidade de lhe dar toda a força, ou de suscitar a sua observancia, se porventura aquella constituição já n'algum tempo teve o real beneplacito, o que não me consta.

O que eu vejo por tudo isto é que se hoje ha reclamações e queixas contra os concursos oraes, já as havia no seculo XVI, o que levou a igreja a prover de remedio, e como o mal ainda nos nossos tempos se vae repetindo, bom será que se lhe vá applicando o mesmo remedio (apoiados).

Seguindo o systema que tenho adoptado n'outras occasiões, aproveito esta para lembrar ao sr. ministro da justiça a conveniencia, não digo bem a urgente necessidade de applicar no reino o decreto de 24 de agosto ultimo, que estabeleceu nas colonias o registo criminal. Esta medida, que está sendo executada com grandes vantagens, tem merecido no estrangeiro os elogios dos homens mais competentes, e constituiria só por si um monumento de gloria na administração do sr. ministro da marinha (apoiados), se ella não tivesse outros titulos ainda maiores para perpetuarem a sua memoria na nossa historia governativa.

O registo criminal que em França é conhecido pelo nome de casiers judiciaires, tem por fim habilitar a sociedade a conhecer os antecedentes judiciarios de qualquer individuo. E o que existe hoje no reino para esse fim? Uma cousa que para nada serve, e que não preenche o intuito a que é destinado. Se um individuo commette um crime numa comarca, lança-se n'um livro especial a nota do seu nome, filiação e mais indicações com a da sentença que o condemnou; se o mesmo individuo torna posteriormente a commetter outro crime ou delicto na mesma comarca, póde o mesmo tribunal saber se já o condemnou, porque tem lá o livro de registo; mas se o facto é praticado noutra comarca, como póde outro tribunal adivinhar que o réu já commetteu crime anteriormente? D'aqui resulta que o meio seguido até hoje é absolutamente inefficaz para constatar não só as reincidencias, mas todos os antecedentes judiciarios do individuo. Para conseguir esse fim foi imaginado em França pelo sr. Bonneville o systema dos casiers judiciaires, adoptado n'outras nações, e funccionando já entre nós no ultramar. O meio é simples e de facil execução, consiste em centralisar as indicações relativas a qualquer delinquente na comarca da sua naturalidade. Se um individuo de Bragança, por exemplo, commette um crime em Lisboa, o ministerio publico respectivo extrahe logo um boletim que envia para a comarca de Bragança, aonde todos os boletins são classificados alphabeticamente. Se esse individuo annos depois commette outro crime, e ha duvida se já foi ou não condemnado, o ministerio publico respectivo, sabendo que elle é de Bragança, officia ou envia um telegramma, segundo a urgencia do caso, ao delegado d'essa comarca, e pelo exame que este faz dos boletins classificados alphabeticamente, conhece-se immediatamente se o individuo é ou não reincidente, ou se já soffreu outra qualquer condemnação.

Se esta instituição, em cujos detalhes a estreiteza de tempo me não permitte entrar, é de grande alcance considerada em relação á justiça repressiva, não é menos importante considerada em relação á administração publica, porque por esse meio se sabe facilmente quaes os individuos que estão privados de direitos politicos ou civis por virtude de sentenças, o que importa muito não só á pureza do recenseamento eleitoral, mas ás nomeações a fazer para cargos publicos, evitando que individuos menos dignos possam surprehender os poderes publicos e obter d'elles vantagens ou honras que só devem ser conferidas aos homens probos e honestos (apoiados).

Insto por isso novamente com o sr. ministro da justiça, a fim de ser applicada ao reino uma instituição tão importante, que sendo tão applaudida no estrangeiro, já está funccionando entre nós nas colonias, apesar das difficuldades que ali existem, e que não ha no reino (apoiados).

Aproveito a occasião, sr. presidente, para fazer á camara e ao paiz uma declaração solemne, a que sou obrigado pelas circumstancias. Quando n'uma das sessões passadas apresentei o projecto de lei sobre liberdade de cultos, projecto sobre o qual já as respectivas commissões deram o seu parecer, concluindo ser assumpto que não póde ser tratado em côrtes ordinarias (ao que responderei quando o parecer entrar em discussão), houve quem se lembrasse de espalhar, com fins bem conhecidos, que eu apresentára um projecto atacando a religião catholica apostolica romana, que todos felizmente professámos.

Vivendo n'um paiz livre, não sou obrigado a dar conta a quem quer que seja das minhas opiniões religiosas; mas por isso mesmo é que não tenho duvida em declarar que sou catholico apostolico romano, que n'esta fé nasci, tenho vivido e espero era Deus que hei de morrer. Se como liberal entendo que a doutrina da liberdade de cultos é a mais justa, porque é a que consagra o respeito a um dos direitos mais sagrados do individuo; como catholico nunca podia acreditar que esta doutrina atacasse a minha religião; não só porque, sendo um principio justo, nunca poderia estar em opposição com a religião, sem que Deus, que é a fonte da justiça e da religião, fosse contradictorio comsigo mesmo,

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supposição que seria, alem de absurda, herética; mas tambem porque seria confiar pouco na divindade da religião catholica acreditar que a liberdade concedida aos cultos dissidentes a poderia prejudicar (apoiados). Menos catholicos do que eu, ou antes falsos catholicos, para não lhes chamar hypocritas, são os que se lembraram de pôr em duvida os meus sentimentos religiosos pelo facto de querer a liberdade de cultos; mais catholico sou eu porque, acreditando do coração nas promessas de um Deus que prometteu que = nem as portas do inferno poderiam prevalecer contra a sua igreja =, nada receio da liberdade concedida aos cultos dissidentes (apoiados). As proprias tradições do catholicismo mostram, para quem estiver de boa fé, que elle não condemna a liberdade de cultos. Jesus Christo queria que o seguissem voluntariamente, e condemnava qualquer especie de violencia; e era o principio da liberdade que a igreja invocava, quando o paganismo a perseguia e martyrisava (apoiados), quando a perseguia e martyrisava em homenagem a uma religião de estado, principio que Tertulliano fulminava, dizendo que = era soberanamente ridiculo que um Deus não podesse ser Deus sem licença do senado (apoiados).

Sobre a justiça do principio da liberdade em materia religiosa, eu vejo, sr. presidente, testemunhos insuspeitos em todas as communhões christãs, bastando citar, entre os catholicos, o do celebre cardeal Wisemann.

Sobre a conveniencia do mesmo principio entendo que é até mais vantajoso que o catholicismo; pelo menos vejo que a religião catholica brilha com maior explendor nos paizes em que ha liberdade de cultos; e apesar de todo o respeito que tributo ao nosso episcopado, muito feliz me julgaria se entre nós figurassem n'elle homens tão distinctos como Wisemann em Inglaterra, Dupanloup, Pie e outros em França.

Á camara, que me fez justiça, peço me desculpe esta declaração que fui forçado a fazer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Camara Leme: — Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra, um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo ácerca da pretensão do major commandante da torre de S. Lourenço.

Mando juntamente um projecto de lei, para ser ouvida a commissão de marinha sobre a intrepretação dada ao artigo 3.° da carta de lei de 2 de junho de 1863.

O sr. Ayres de Gouveia: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Mando tambem para a mesa uma representação que dirigem a esta camara os aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto do Porto, em que pedem que sejam igualados os seus ordenados aos dos amanuenses do governo civil.

Espero que a commissão, a quem for enviada esta representação, tomará por ella a mesma solicitude que costuma tomar por outros negocios de summa importancia que têem sido commettidos ao seu exame.

O sr. Rojão: — Não tratarei agora de fundamentar as minhas interpellações, e isto por duas rasões: primeira, porque toda a camara sabe muito bem que o meio facil e mais rapido de communicações equivale a diminuir as distancias, e por conseguinte equivale a economisar capital, trabalho e tempo; segunda, porque não estando presente o nobre ministro das obras publicas, terei de o fazer quando s. Ex.ª se declare habilitado para me responder. Entretanto direi a v. ex.ª e á camara que — quasi todos os dias recebo cartas de muitos cavalheiros do districto de Evora a rogarem-me que inste e peça ao governo que mande quanto antes proceder á construcção da estrada de Villa Viçosa, passando pelo Redondo até Evora; e a estrada real de 1.ª ordem, que parte d'esta cidade, passando pelos Reguengos até Mourão. Direi mais, sr. presidente, que a imprensa da minha provincia toda pede em altas vozes a construcção d'estas duas estradas; e finalmente direi que — todas as vezes que vou no comboio até Evora, elle me pede que não deixe de pedir a construcção d'estas duas entradas, porque espera tirar d'ellas a maior parte do seu sustento.

Sr. presidente, nada mais digo agora, reservando-me faze-lo quando o nobre ministro vier a esta casa responder-me.

O sr. B. F. de Abranches: — Pedi a palavra para chamar a attenção da illustre commissão de fazenda, para que haja de dar o seu parecer sobre uma proposta que veiu approvada da camara dos dignos pares, e que tem por fim auctorisar o governo a mandar pagar aos que devidamente se mostrarem habilitados as quantias que fraudulentamente foram tiradas do deposito publico de Lisboa, por meio de precatorios falsos.

Se esta camara no anno passado, approvando o projecto de lei n.° 86 apresentado pela governo, entendeu que satisfazia a um dever sagrado mandando pagar a um subdito Prussiano uma quantia excedente a 10:000$000 réis, que do deposito publico tinha sido fraudulentamente tirada por meio de precatorios falsos, não menos Sagrado deve hoje considerar o dever de mandar pagar aos subditos portuguezes as quantias que lhes pertenciam, e que tambem fraudulentamente e por meio de precatorios falsos foram tiradas do mesmo deposito publico.

A este respeito nada mais digo, porque estou convencido de que a illustre commissão de fazenda não ha de deixar de apresentar o seu parecer logo que possa, principalmente porque sendo esta a ultima sessão da presente legislatura, não ha de ella deixar de concorrer para que a camara approve uma medida que é o complemento da outra que approvou no anno passado.

Já que me acho com a palavra, e apesar de não estar presente o sr. ministro da justiça, não posso deixar de dizer alguma cousa em resposta ás observações feitas por s. ex.ª na sessão de 25 do mez passado, porque não desejo que se julgue que me dei por convencido com as rasões apresentadas por s. ex.ª; só hoje é que me coube a palavra, e por isso aproveito-me d'ella para responder a s. ex.ª O sr. ministro da justiça, referindo-se aos differentes projectos de lei que tenho apresentado, disse que = achava n'elles algumas disposições aceitaveis, e outras que precisavam ser modificadas =; disse tambem que = d'elles trataria quando viessem á discussão, ou quando pela commissão fosse convidado para sobre elles emittir a sua opinião; porém que entendia que não podia nem devia ser o solicitador dos meus projectos, nem lhe competia pedir á commissão que d'elles se occupasse =. Eu não quero nem pretendo que o governo seja o solicitador dos meus projectos, porém se s. ex.ª entende que nos meus projectos existem algumas disposições que acha aceitaveis, parece-me que tinha rigorosa obrigação de emittir a sua opinião na commissão, declarando quaes eram as disposições que aceitava, e quaes eram as que rejeitava.

O deputado que apresenta uma proposta de lei é o juiz da conveniencia da sua proposta; porém o governo deve ser não só o juiz da conveniencia d'essa proposta, mas tambem o juiz da sua opportunidade; ao governo póde mesmo parecer conveniente e justa uma proposta apresentada por qualquer deputado, mas entender que não é opportuno que ella seja approvada; n'um ou n'outro caso deve sempre emittir a sua opinião, e por isso entendo que, logo que um deputado apresenta um projecto de lei, ao governo compete estuda-lo e emittir sobre elle a sua opinião no seio da commissão, muito embora esta lh'a não peça.

Declarou porventura o sr. ministro quaes eram as disposições que aceitava e quaes eram as que entendia que precisavam ser modificadas? Parece-me que não.

Se o sr. ministro quer declinar a sua responsabilidade para a commissão, ella que lhe responda. Eu é que não posso deixar de insistir em pedir que o governo e a commissão tratem de dar os pareceres sobre os differentes projectos da iniciativa dos deputados, e peço isto para que não seja uma illusão a iniciativa dos membros d'esta casa.

O sr. ministro tambem disse, na sessão de 25 do mez passado, que = lhe parecia que não havia necessidade de uma nova lei para regular os despachos dos delegados, porque esta materia se achava regulada na novissima reforma judicial, e no decreto de 20 de setembro de 1849 =.

Peço perdão para dizer que as disposições da reforma judicial a respeito dos delegados são differentes d'aquellas que se acham no decreto de 20 de setembro de 1849.

Este decreto estabelece os requisitos que são necessarios para os individuos serem despachados delegados, e na reforma judicial diz-se que = os delegados para serem despachados juizes devem ter seis mezes de serviço; = o que eu pretendo não se acha regulado nem na reforma judicial, nem no decreto de 20 de setembro de 1849.

Eu hei de insistir n'este objecto, e talvez apresente um projecto de lei para que o despacho dos delegados seja regulado, aceitando se o principio que já declarei n'uma das sessões passadas; e vem a ser — fazendo-se os despachos alternadamente, umas vezes seguindo-se o principio de antiguidade combinado com o merito; e outras seguindo se unicamente o principio do merito, subsistindo n'este caso a disposição do § unico do artigo 91.° da novissima reforma judicial. Mas é necessario, é indispensavel, que se apresente uma lei que regule este objecto, porque não são só os delegados os unicos que podem ser nomeados juizes de direito. Podem ser despachados juizes, porque são candidatos legaes á magistratura judicial, como v. ex.ª e a camara sabem, os delegados que tiverem seis mezes de exercicio, nos termos do § unico do artigo 91.° da novissima reforma judicial. Podem tambem ser despachados juizes, porque são candidatos legaes á magistratura judicial, os sub-delegados que tiverem um anno de exercicio, nos termos do § 1.° do artigo 128.° da novissima reforma judicial. Podem tambem ser despachados juizes de direito, porque são candidatos legaes á magistratura judicial, os administradores de concelho, nos termos da lei de 29 de maio de 1843. E finalmente podem ser despachados juizes, ou hão de poder ser nomeados juizes, os conservadores, quando os houver, nos termos da lei que ainda votámos no anno proximo passado, porque elles são tambem candidatos legaes á magistratura judicial.

Ora, quando nós temos quatro classes de funccionarios que, exercendo cargos differentes, sendo um d'elles inteiramente alheio á repartição do ministerio da justiça, podera ser despachados juizes, já se vê que, quanto maior for o numero dos candidatos á magistratura judicial, maior é a latitude que o governo tem para poder nomear juizes em prejuizo dos delegados. Eu posso fallar n'esta materia e insistir n'ella desaffrontadamente, porque não sou delegado, nem preciso ser despachado juiz.

Note v. ex.ª, que se a lei por um lado considera os de legados, depois de seis mezes de exercicio, candidatos á magistratura judicial, e considera tambem por outro lado os sub-delegados, depois de um anno de serviço, candidatos á magistratura judicial, eu digo que os delegados estão em peiores circumstancias do que os sub-delegados, porque um individuo para ser despachado delegado precisa ter dois annos de pratica e precisa ter boas informações da universidade. São estes, alem de outros, os requisito a que exige o decreto de 20 de setembro de 1849, citado por s. ex.ª, emquanto que, para um bacharel poder ser nomeado subdelegado, basta que o delegado o proponha e que o procurador regio approve essa proposta.

Póde portanto ser despachado sub-delegado um bacharel que não tenha boas informações; mas admittindo mesmo que elle tenha essas boas informações, póde não ter os dois annos de pratica, etc.; o serviço de um sub-delegado durante um anno nunca póde ser julgado igual ao serviço de um delegado durante seis mezes; o serviço d'este é sem duvida muito superior e mais importante do que o d'aquelle.

É uma miseria que o delegado que na sociedade desempenha funcções tão importantes, seja tão desconsiderado, já pela infima paga que recebe do estado, e já pela pouca garantia que tem nos seus accessos. Se ha delegados com dez e vinte annos de serviço, que, não são bons empregados, sejam demittidos, porque não deve ser sufficiente a circumstancia d'elle a serem delegados por dez ou vinte annos para o governo os conservar, se elles não cumprem os seus deveres.

Se o governo os conserva nos seus logares, tem tambem rigorosa obrigação de os despachar juizes; e para que se não diga que lhe fica completamente vedado o arbitrio que a carta lhe concede para poder nomear os individuos que entender que devem ser despachados, estabeleça-se o que eu já propuz.

N'este ponto já vê v. ex.ª e a camara que eu não me podia dar por satisfeito com a resposta dada por s. ex.ª o sr. ministro da justiça, assim como tambem me não posso dar por satisfeito com a resposta dada por s. ex.ª sobre o projecto de lei que apresentei a respeito da magistratura do ultramar. S. ex.ª disse que = entendia que era indispensavel que este objecto fosse regulado, e que o havia de regular de accordo com s. ex.ª o sr. ministro da marinha =; porém o que eu não sei é se o sr. ministro da justiça já tem algumas bases definidas para dizer — se ha de adoptar uma medida n'este ou n'aquelle sentido.

A iniciativa sobre este objecto entendo que deve partir do ministerio da justiça, mas se ella não partir do ministerio da justiça, entendo que o sr. ministro da marinha por isso, se não deva julgar inhibido de tomar uma iniciativa sua e declarar as suas opiniões ao sr. ministro da justiça, para que ambos de accordo apresentem uma proposta de lei que regule este objecto.

O sr. ministro da marinha póde muito bem tomar a iniciativa sobre este objecto, porque já a tomou em outros muito importantes, como disse o meu nobre collega O sr. deputado pela ilha do Principe S. ex.ª já tomou a iniciativa sobre o registo criminal, e esse registo ainda não temos no continente. S. ex.ª já regulou a maneira por que os cartorios deviam ser montados no ultramar e indicou os livros que ali deviam haver, e a maneira por que deviam ser escripturados; e no entretanto este regulamento não existe no continente, e este objecto precisa ser attendido.

S. ex.ª que tem tomado muitas providencias para o ultramar, espero tambem que ha de tomar a iniciativa para acabar com a distincção entre a magistratura judicial do reino e a magistratura judicial do ultramar, o que acho de grande conveniencia, pelas rasões que por varias vezes tenho apresentado n'esta casa, e que por isso escuso agora repetir.

Já disse quaes eram os pontos em que me não dava por satisfeito com as respostas de s. ex.ª o sr. ministro da justiça. Agora devo declarar quaes são aquelles em que me dou completamente por satisfeito.

Estimei saber que já se achavam concluidas as novas tabellas dos emolumentos, e que s. ex.ª ha de apresentar n'esta sessão; assim como tambem estimei saber que s. ex.ª estava de accordo com as idéas emittidas por mim, e por todos, no sentido de serem extinctos todos os juizos ordinarios, creando-se algumas comarcas novas. O que senti foi que s. ex.ª tendo sobre este objecto um projecto na pasta, como declarou, o não tivesse apresentado até hoje. Se s. ex.ª tem este projecto, como acredito que tem, espero que o apresente, porque é necessario que se acabem com os juizos ordinarios, e que em logar desses juizos se criem mais vinte ou vinte e cinco comarcas (apoiados).

Tambem chamo a attenção do governo, e principalmente do sr. ministro da justiça sobre, a necessidade de serem devidamente considerados os bachareis que exercerem os logares de secretario do supremo tribunal de justiça e de secretario dos tribunaes do commercio de 1.ª e 2.ª instancia; sendo igualmente considerados para o futuro os secretarios das relações de Lisboa e do Porto. V. ex.ª e a camara sabem que pelo decreto de 5 de novembro de 1851, os secretarios da procuradoria geral da corôa e das procuradorias regias de Lisboa e Porto são considerados como commissões do ministerio publico; não ha portanto rasão para que o secretario do supremo tribunal de justiça, e os secretarios dos tribunaes do commercio de 1.ª e 2.ª instancia, que devem ser bachareis como aquelles, e os secretarios das relações de Lisboa e Porto, não tenham todos a mesma consideração.

Quando se promulgou o decreto de 5 de novembro de 1851 não se attendeu a tudo quanto se devia attender; mas isto não é rasão sufficiente para que se não faça agora aquillo que se devia ter feito ha doze ou treze annos. Espero pois que s. ex.ª apresente quanto antes um projecto a este respeito, porque não acredito já na iniciativa dos deputados. O deputado apresenta um projecto, vae para as commissões e lá morre (apoiados). Espero que o governo tome a iniciativa em todos estes assumptos; e declaro a v. ex.ª e á camara que hei de fazer muito pouco uso do direito que tenho de annunciar interpellações ou de apresentar projectos de lei, porque vejo que as interpellações não são respondidas e os projectos morrem nas commissões (apoiados). Tenho concluido.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — O illustre deputado que me precedeu pediu a solicitude da commissão de fazenda para um projecto que s. ex.ª diz ter vindo da outra camara, ampliando, para aquelles que se mostrarem legalmente habilitados, o pagamento das sommas que com precatorias falsas foram fraudulentamente tiradas do deposito publico. Póde o illustre deputado contar por parte da commissão

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com a sua solicitude; mas noto ao illustre deputado que me não consta ter já chegado á commissão esse projecto, e...

O sr. Abranches: — Já veiu, e foi distribuido ao sr. Torres e Almeida.

O Orador: — Então seria alguma distribuição feita pelo sr. secretario da commissão, de que eu não soube.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa uma representação dos desenhadores do ministerio das obras publicas, pedindo que os seus vencimentos sejam equiparados aos de iguaes funccionarios no ministerio da guerra.

O sr. Gouveia Osorio: — Tinha pedido a palavra antes de hontem, quando estava presente o sr. ministro das obras publicas, porque desejava chamar a attenção de s. ex.ª sobre um objecto importante para a provincia da Beira, para o circulo que tenho a honra de representar e vizinhos, que é sobre a necessidade da construcção da estrada de Vizeu a Mangualde, estrada que ha de pôr em communicação a capital da Beira com o mercado de Mangualde, um dos mais importantes da provincia, e que ha de servir para que entre si se communiquem as duas mais importantes estradas do districto. É da mais urgente necessidade e da mais manifesta conveniencia que da construcção d'esta estrada se trate com preferencia a outra qualquer.

S. ex.ª não está presente, mas como nos bancos do governo está um dos seus membros, aproveito a occasião para chamar a sua attenção sobre uma das questões mais importantes e graves que esta camara deve resolver quanto antes, é a questão do Douro, questão cuja resolução reclamam todos os homens que se occupam dos interesses do paiz; todos os lavradores vinicolas dos differentes pontos do mesmo; todos os negociantes que se occupam d'este importante ramo de commercio, e sobre a qual já foi por differentes vezes e sobre differentes formas chamada a attenção dos poderes publicos, e ainda ultimamente pelos nossos compatriotas que existem no imperio do Brasil.

Esta questão tão grave, na qual se acham envolvidos tão grandes interesses, é da dignidade do parlamento resolve-la quanto antes, para que se não diga que uma questão tão estudada e tão sabida não obtem do parlamento, onde está pendente, uma resolução; e para que esta camara, que não tem recuado diante de medidas de um grande alcance, recue diante do velho monopolio do Douro, o mais absurdo e injustificavel dos monopolios.

Já sobre esta questão fallaram os meetings, representaram as camaras municipaes, peticionaram os lavradores; os defensores dos differentes systemas têem escripto a respeito d'ella muitos folhetos e brochuras; considerando-a por todos os lados e sobre todos os aspectos, a imprensa tem tratado d'ella largamente, e por todas as maneiras; o parlamento já a discutiu e tem todos os elementos para discutir de novo e com toda a largueza: não póde portanto, nem deve, nem é util e conveniente que a sua resolução se adie por mais tempo.

É minha opinião, e creio que o será tambem da camara, que questão de tanta importancia e gravidade se não deve discutir sem se saber qual a opinião do governo a respeito d'ella, e como elle tenciona proceder relativamente á discussão d'este assumpto. Apesar de que o governo já na sessão passada manifestou claramente e de um modo bem explicito a sua opinião, e que desde então até hoje nada appareceu que podesse servir de motivo ou pretexto para elle mudar de opinião; todavia como eu não quero nem fazer surprezas, nem deixar de cumprir tudo o que eu considero como um dever de lealdade e de cortezia, tomo a liberdade de pedir ao nobre ministro da marinha se digne prevenir o meu collega das obras publicas, de que eu dentro de poucos dias hei de solicitar de s. ex.ª uma resposta clara, terminante e categorica, relativamente á questão do Douro, a qual hei de sujeitar tambem á deliberação e votação da camara.

Ainda que tenciono promover, tanto quanto em mim couber, e sempre que a occasião se offereça, a resolução d'este importante assumpto, comtudo a respeito d'elle nada mais direi hoje, reservando me para o fazer quando o governo se tiver pronunciado.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO DE RESPOSTA AO DISCURSO DA CORÔA

O sr. Presidente: — Continua com a palavra o sr. Fontes Pereira de Mello, que ficou com ella reservada da sessão passada.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Tomo novamente a palavra para continuar o meu discurso interrompido na sessão de sabbado; e permitta-me a camara lhe diga — que senti duplicadamente que a hora em que comecei a fallar me obrigasse a interromper as minhas observações para as continuar no dia de hoje. Senti duplicadamente; primeiro, porque é sempre desagradavel cortar o fio das minhas idéas e continua-las depois de tantas horas de intervallo; segundo, porque, principalmente o receio de faltar no meu posto, me impediu de ir cumprir o doloroso dever de acompanhar á sua ultima morada os restos mortaes de um homem de quem fui amigo; de um homem digno da estima de todos nós (muitos, apoiados). N'esta camaradagem politica em que todos estamos; n'estas lutas incruentas em que andámos, e que os vencidos de hoje são os que hontem foram vencedores, é justo, é conveniente que o paiz saiba que as paixões partidarias não cáiam tão fundo n'aquelles que se occupam das cousas publicas, que levem os seus resentimentos alem do tumulo (muitos apoiados).

E eu que sou ha muito tempo soldado de um partido que tem escripta na sua bandeira a tolerancia politica, não precisava mesmo d'essa circumstancia, bastavam os sentimentos do meu coração, para não faltar aos deveres de cortezia, de religião e de amisade. É por isso que eu sinto, que no meio das discussões pacificas, economicas, administrativas e governamentaes que têem logar n'esta casa, se levantem vozes que procuram irritar os espiritos, azedar os animos, envenenar o debate, e desviar a attenção do assumpto de que se trata para o campo das paixões partidarias, que ainda bem que ha muito tempo não affligem tão profundamente o paiz como em outras epochas.

É justo que se diga — que este systema não é seguido nem foi inaugurado por homens que se sentam na opposição; este systema apparece sempre manifestado, hoje por um, ámanhã por outro, dos cavalheiros que pertencem á maioria d'esta camara, e que entendem certamente no uso do seu direito; mas lamento profundamente que assim o pratiquem, que é conveniente fazer esta exhumação politica em vez de tratar especial e precisamente das questões administrativas e economicas que nos occupam (apoiados).

Eu devia continuar hoje no exame retrospectivo a que fui chamado, mostrando á camara quanto tinham sido injustas e immerecidas as considerações que se fizeram por parte da commissão de resposta ao discurso da corôa, pela bôca do primeiro dos seus membros que tomou parte no debate, quando se referiu a situações que já não existiam á frente do poder, mas cujos homens têem voz e assento n'esta casa para defenderem os seus actos e repellirem os ataques immerecidos que ainda hoje lhes são dirigidos; porém não quero agora, e não quero em nome das observações que acabo de fazer á camara, em nome da conveniencia da discussão parlamentar, e para chamar o debate aos seus verdadeiros termos, ao objecto mais proeminente d'elle, e que lhe dá a feição mais caracteristica; não quero continuar n'este momento o caminho que tinha encetado na sessão passada; ficará para occasião opportuna fazer as observações que me parecerem justas e necessarias para levantar as palavras duras e immerecidas que proferiu o illustre deputado, que sinto não ver presente, e a cujo talento já mais de uma vez tenho prestado homenagem.

Mas agora permitta-me a camara que eu concentre a minha attenção principalmente no objecto mais notavel d'este debate — na questão do emprestimo e no paragrapho da resposta ao discurso da corôa que lhe diz respeito; e que procure provar á camara, quanto couber em minhas forças, que, sem faltarmos á verdade dos factos, e sem destruirmos o resultado do exame de circumstancias que a discussão tem revelado, não póde ser approvado o parecer da commissão como se acha exarado n'este papel.

Sinto, e é caso novo e insolito, que sendo a commissão de resposta ao discurso da corôa uma commissão eminentemente politica, composta de caracteres muito distinctos, sem duvida cada um d'elles muito competente para dar a sua opinião sobre todos os negocios que têem de ser submettidos ao exame da camara electiva, mas muito incompetente a commissão para os apreciar, fosse ella que trouxesse ao campo do debate e nos forçasse a examinar, a proposito da discussão de resposta ao discurso da corôa, um assumpto que pertence exclusivamente ao exame das contas que o governo tinha que dar ás côrtes, na conformidade dos seus deveres, do modo por que tinha usado das auctorisações consignadas na lei para fazer o emprestimo de Londres. Era essa a occasião opportuna de tratar esta questão, porém a commissão de resposta ao discurso da corôa entendeu fazer d'isto uma questão politica, entendeu transformar a questão economica n'uma outra que lhe era inteiramente estranha, e trouxe para este campo a discussão do ultimo emprestimo e de outros que se têem feito no paiz, com os quaes a commissão confrontou o que ha pouco celebrou o sr. ministro da fazenda na praça de Londres.

E não me ocupo da circumstancia aliás muito notavel, da revelação importantissima que foi feita n'esta casa pelo illustre cavalheiro que me precedeu no debate, relator da commissão de resposta ao discurso da corôa, e como tal assignado no respectivo parecer. S. ex.ª que é um membro importante d'esta assembléa, como eu já disse na sessão passada e como todos reconhecem, que é um homem que já foi ministro n'esta situação, que foi escolhido para relator da primeira commissão da camara, vem dizer a esta assembléa, n'um assomo de franqueza militar que é proprio da sua profissão e do seu caracter: «Eu sou aqui um relator fingido (são as proprias palavras do illustre deputado), eu não assignei de cruz este papel, mas não escrevi o que aqui está, e comtudo eu sou o relator da commissão de resposta ao discurso da corôa!» Esta revelação importa uma questão de familia em que não entro, mas importa tambem uma questão de dignidade parlamentar, de que eu posso ser juiz, como qualquer de nós (apoiados). Pois apresenta se á camara o relator de uma commissão tão auctorisada como esta, dizendo — eu fiz um parecer, não m'o aceitaram, rasgaram-m'o, fizeram outro, declararam-me relator d'elle e aqui estou relator fingindo, que não vi os documentos, que não conheço o negocio, que não estudei a questão, aqui estou eu a decidir ex-cathedra que o ultimo emprestimo foi o melhor de todos os emprestimos! E não sou eu que o digo, que era incapaz de fazer essa injuria ao illustre deputado, foi elle que em tom alto e significativo disse: «Eu não conheço o emprestimo, não sei como se fez, ignoro o preço dos fundos, não sei se em Inglaterra ha fundos a 3, a 4 ou a 5 por cento, não vi documentos alguns, mas julgo que o emprestimo celebrado pelo sr. ministro da fazenda é o melhor de quantos se têem feito nesta terra!»

Que confiança podemos ter na opinião, que devia ser tão auctorisada, da commissão de resposta ao discurso da corôa, quando pela bôca do seu relator, do seu órgão principal e official n'esta casa se diz ao parlamento: «Ignoro tudo, mas isto é o melhor!» (Apoiados.) Permittam ao menos que eu duvide que assim seja, permittam-me que trate de provar á camara, como já fizeram os cavalheiros meus illustres amigos, que me antecederam no debate, e que o trataram tão brilhante e satisfactoriamente, quanto é inexacta a resposta ao discurso da corôa quando diz que = foi realisado este emprestimo em mais avantajadas condições do que as operações anteriores de igual genero; prova incontestavel do augmento do credito publico, elemento essencial da prosperidade das nações =.

Prova incontestavel! Engano, perfeito engano! Se formos calcular a prosperidade da nação pelo valor dos seus fundos, nunca a nação tinha estado mais prospera do que no momento em que acabou de saír da guerra civil, em que tinha por fazer todos os seus melhoramentos publicos, em que estava n'um grande atrazo, que lhe fôra legado pelas criticas circumstancias de graves perturbações anteriores, e quando se via a braços com as paixões politicas extremamente irritadas, e com as maiores difficuldades que nasciam n'aquella epocha das extraordinarias circumstancias em que se achava. Pois era essa porventura a epocha de maior prosperidade d'esta terra? Póde acaso dizer-se que o paiz estava mais prospero em 1834 ou 1835 do que hoje, porque os fundos então estavam mais elevados?! Que engano! Que erro! E diz-se que é prova incontestavel do augmento do credito publico, elemento essencial da prosperidade das nações!

Eu não condemno que se façam emprestimos, nem isto é caso que se approve nem se condemne, nem póde formar uma escola politica, nem ser uma opinião absoluta de ninguem fazer emprestimos ou deixar de os fazer. Devem fazer-se emprestimos quando as circumstancias os exigem, mas circumstancias imperiosas; quando absolutamente se não poderem evitar (apoiados).

Eu não contesto ao governo a necessidade era que se achou collocado, de fazer o emprestimo de 30 de julho com a casa Stern, assim como lhe não tinha contestado o que tinha celebrado em 23 de julho do anno antecedente com a casa Knowles & Foster; o que eu sinto é a tendencia que temos de recorrer sempre ao credito em tudo e por tudo, resolvendo só por este meio todas as difficuldades financeiras do paiz (apoiados). O que sinto é que esta tendencia nos vá levando successivamente e cada vez mais para um ponto que não sei se estará já muito longe dos limites possiveis de taes sacrificios (apoiados). Digo dos limites, porque o credito publico tambem tem limites, porque as nações não podem, como os individuos, levantar quantias sem terem segurança dos meios com que devem fazer face a esses encargos, sem mostrarem a falta dos seus recursos proprios, e sem manifestarem tendencias e desejos de quererem primeiro que tudo manter o credito, recorrendo aos emprestimos para resolverem as suas dificuldades, sómente quando tiverem demonstrado que as não podem resolver pelos seus proprios meios (apoiados). Desgraçadamente nada d'isto se dá actualmente, e ao contrario ha a mais decidida tendencia a favor dos emprestimos (apoiados). Esta tendencia é que é absolutamente necessario fazer desapparecer no paiz; esta tendencia é que eu desejava ver repellida por parte de todos os homens publicos, para nos não vermos em difficuldades talvez insuperaveis em pouco tempo, e que nos obriguem a sacrificios que nenhum de nós póde calcular ainda (apoiados).

Diz se: «Estes emprestimos são uma necessidade, e fostes vós que nos legastes esta necessidade».

É verdade, mas é notavel que o enthusiasmo pelos emprestimos se desenvolvesse tanto n'esta terra depois que a situação politica, que hoje está á frente dos negocios publicos, tomou conta das redeas do governo (apoiados).

O governo de que eu fiz parte em 1856 veiu apresentar á camara um projecto para ser auctorisado a negociar um emprestimo não de 5.00:000 libras, não um emprestimo de 7.500:000 libras esterlinas, como esta situação tem feito, mas de 3.000:000 esterlinos. E ouvi dizer a um illustre deputado na sessão passada que = nunca fôra mais necessario do que hoje habilitar o governo com as sommas necessarias para occorrer ás grandes despezas que tem a seu cargo =. Pois não sabe v. ex.ª e toda a camara que foi n'aquella epocha que se inauguraram os melhoramentos publicos, e que era necessario realisar os meios precisos para lhe fazer face?! Pois não foi n'aquella epocha que se fizeram não tres, quatro, nem cinco kilometros de estradas em cada districto, mas leguas e leguas, como nunca em Portugal se tinham feito? Pois não era n'aquelle tempo em que as obras publicas se faziam em toda a parte, em que o numero dos operarios n'ellas empregado era muito superior ao que depois tem sido? (Apoiados.) Pois só agora é que são precisos 5, 7, 12 e mais milhões esterlinos, e então não eram precisos 3?! Grande differença tem feito a opinião dos homens da situação politica que actualmente está á frente dos negocios publicos; quando então se procurava por todos os meios aditar as massas e promover representações contra o governo, porque elle se tinha lembrado de levantar 3.000:000 esterlinos os praça de Londres, a fim de satisfazer ás urgentes necessidades do serviço publico, e particularmente para prover ás obras de maior vulto e mais importantes que se tinham emprehendido n'este paiz. E digo aqui em alto e bom som, como já tenho dito mais de uma vez, e como tenho provado já n'esta casa de uma maneira irrefragavel com documentos officiaes, á vista dos quaes se mostrava que n'aquella epocha, durante cinco annos que tive a honra de estará frente dos negocios da fazenda, nem um real distrahi dos dinheiros destinados para obras publicas, para applica-lo ás despezas correntes. Nem um real, repito, o que demonstrei com documentos.

Foram os meus adversarios politicos ao poder, provoquei-os que demonstrassem o contrario. Emudeceram n'aquellas cadeiras (apontando para as cadeiras dos srs. ministros); e as vozes que até então se tinham levantado para mostrar á camara os desperdicios da regeneração e as sommas que se consumiam indevidamente, essas vozes ficaram silenciosas e mudas quando se sentaram n'aquellas cadeiras. D'este logar disse: «Provae que era verdade o que as-

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severastes, ahi tendes á vossa disposição os archivos do thesouro, tendes em vosso poder os documentos dos registos publicos, vinde á camara e provae as vossas asserções». Mas nada, o silencio, o silencio absoluto! E ainda o anno passado o illustre deputado e meu prezado amigo o sr. Casal Ribeiro, que acaba de entrar n'esta casa, mostrou de uma maneira clara e evidente a todas as luzes que o que estou referindo á assembléa é a pura verdade. Não fiz emprestimo algum importante no estrangeiro; contrahi no paiz os limitados emprestimos indispensaveis para satisfazer a obras de estradas que se emprehenderam. Recorri aos meios de casa, permitta-se-me a expressão que é caseira tambem. Reduziu consideravelmente as despezas aquelle governo que então estava á frente dos negocios publicos. Se for preciso mostrarei á camara, com os documentos á vista, a quanto montam as economias então realisadas. Reduziu tambem os juros. Empreguei medidas talvez violentas, mas conseguimos que o paiz progredisse na via dos melhoramentos publicos sem augmentar os seus encargos consideravelmente, como se tem feito nos ultimos tempos. Satisfizemos a todas as obrigações que se tinham contrahido. Pagámos a todos. Satisfizemos ás obras publicas, desenvolvemo-las em larga escala, e não fomos ao credito pedir que viesse em nosso auxilio. Talvez fosse um erro, talvez outra escola politica podesse dizer que nós tinhamos calcado aos pés os principios de credito, e que por meios violentos haviamos procurado sustentar a situação. Ha principios de principios. Não ha duvida alguma que o credito publico é uma necessidade, e tambem uma grande e poderosa alavanca da civilisação moderna. Mas tudo está no modo de se entender o credito. Eu entendo sempre, e entendeu a escola politica a que tenho a honra de pertencer, que o modo de estabelecer o credito sobre bases duradouras e não por meios fictícios e transitorios, consiste principalmente em mostrar ao paiz e á Europa, ao paiz a que pertence, e á Europa a quem teremos a necessidade de ir negociar os fundos publicos, que esta terra tem capacidade para se governar; que tem meios de solver os encargos; que tem recursos para desenvolver a sua prosperidade, e para não comprar com o preço por que em toda a parte se tem comprado, que é a peso de oiro.

Tudo isto se faz. Por meio de operações combinadas, de economia em todos os ramos do serviço publico, por meio do desenvolvimento das suas proprias faculdades, nós conseguimos levar o convencimento ao animo de todos que o paiz tem solvabilidade.

Este é o unico meio verdadeiro, rigoroso e efficaz por que póde estabelecer-se o credito do paiz. Esse outro meio financeiro artificial de fazer emprestimos sobre emprestimos, de pagar os juros com o producto dos mesmos emprestimos, é fatal, é fatalissimo, tem sido sempre em todos os paizes, e queira Deus que o não seja tambem para nós. Não é assim, não é por estes recursos, com estes expedientes que havemos de provar á Europa que estamos habilitados a satisfazer a todos os nossos encargos, que somos capazes e temos os meios necessarios para pagar aos nossos credores. Portugal felizmente tem grandes recursos, que nos habilita para entrarmos francamente no verdadeiro caminho, e proseguirmos n'elle com perseverança e incontestavel vantagem, sem ser necessario lançar-nos n'esse outro que reputo altamente prejudicial; e que fatalmente compromette o nosso futuro. Não demos por isso graças ao governo, por aquillo que não é obra sua; mas demos graças á Providencia que ainda nos reservou os meios necessarios e a capacidade productiva, indispensavel para poder, apesar d'estes desvarios e d'estes desacertos, seguir adiante, conquistar o futuro digno de uma nação que se preza de ser illustrada, e de cumprir religiosamente os seus deveres (apoiados).

Nós figurâmos na lista das nações da Europa como uma das mais individadas. É uma triste verdade, considerando-a em relação á população do paiz; mas figurâmos tambem n'essa lista como uma d'aquellas nações em que os recursos do paiz, proporcionalmente com o numero dos seus habitantes, estão em prosperidade. Esta circumstancia é que nos dá a vantagem de poder ainda, apesar d'estas successivas experiencias, conservar nas praças da Europa os preços dos nossos fundos. Senão fóra isto, ai de nós! Porque este systema, invariavelmente seguido de emprestimo em emprestimo, de operação em operação, sem crear os meios de receita para o paiz e sem esperar que elles se desenvolvam por si mesmo; este systema póde ser fatal!

Em 1856, quando vim propor á camara o levantamento de 3.000:000 esterlinos, ou, para melhor, dizer, réis 16.000:000$000, porque o resto era necessario para outros encargos que pesavam sobre o estado, propuz ao mesmo tempo a dotação d'estes fundos com um imposto que renderia approximadamente 480:000$000 réis.

O governo então veiu dizer, ao paiz: «Nós carecemos de meios, precisâmos para isso de levantar um emprestimo, precisâmos emfim de recorrer ao credito». Mas o credito não é uma palavra vã, o credito conquista-se (apoiados), e o modo de o conquistar e assegurar é tirar todo o partido que as circumstancias exigem imperiosamente, que os principios reclamam (apoiados); é dotar o paiz com os meios necessarios para satisfazer aos seus encargos (apoiados). O governo então propunha as levantar cerca de 16.000:000$000 réis, os juros d'essa operação eram 480:000$000 réis, mas o governo propunha ao mesmo tempo um augmento de receita para fazer face a esse encargo (apoiados).

Quando a segunda vez tive a honra de fazer parte do ministerio em 1859-1860, o meu nobre amigo, o sr. Casal Ribeiro, mais feliz do que eu o tinha sido em 1856, pôde fazer passar n'esta camara, parte por si mesmo, parte pelos homens que o apoiavam e acompanhavam, e parte pelos seus proprios adversarios (apoiados); porque não tiveram remedio senão reconhecer a verdade doa principios, a necessidade das suas propostas, a utilidade e urgencia d'ellas (apoiados): elle, digo, mais feliz do que eu, pôde fazer com que os corpos legislativos convertessem em lei do estado as reformas financeiras,) que bastavam ellas para fazer a sua gloria e a sua reputação (apoiados). Então recorreu-se ao credito é verdade, mas unicamente para levantar pequenos emprestimos para satisfazer ás urgentes necessidades da actualidade: os recursos porém que legámos ao paiz, carregando com o odioso dessas reformas financeiras e estabelecendo novos impostos, não só dotavam largamente os encargos das operações que se pretendiam, e era indispensavel fazer, mas habilitavam aquelles ministros e os ministros futuros, aquella administração e as administrações que se lhe seguissem para poderem recorrer ao credito, e alargar a area das operações financeiras sem prejuizo dos interesses publicos (apoiados), pois que havia meios para satisfazer aos respectivos, encargos pelo augmento dos recursos do thesouro (apoiados).

Este é que é o procedimento dos ministerios e das situações que se compenetram da sua missão, que zelam os interesse do seu paiz, e que precisando recorrer ao credito, conhecem quaes são as consequencias utilissimas que se podem tirar d'aquella grande alavanca civilisadora (apoiados). Mas deixar tudo ao acaso. Mas augmentar as despezas progressivamente. Mas acrescentar os encargos no serviço publico. Mas não realisar nem uma só economia em nenhum ramo de administração publica (apoiados). Mas fazer emprestimos sobre emprestimos. Mas accumular divida sobre a divida... tudo isto é um terrivel exemplo e um triste expediente de que o paiz póde ser victima (apoiados), e que a todos póde ser fatal (muitos apoiados).

Economias! Já ninguem falla em economias. Economia, palavra que está riscada do diccionario historico, e riscada desde ha muito (apoiados). Houve porém um tempo, decorreram annos em que n'esta casa não se levantava um deputado da opposição, um deputado que pertencesse ao partido que actualmente está á testados negocios publicos, que não perguntasse ao governo: «Porque não fazeis economias? (Apoiados.) Porque não reduzis as despezas? (Apoiados.) Porque não acabaes com as sinecuras? (Apoiados.) Porque não pondes fim aos desperdicios? (Apoiados.)»

Mas agora pergunto eu vós que fazeis, senhores, que fazeis vós? (Muitos apoiados.) As sinecuras estão todas em pé sem excepção de uma só (apoiados), acrescentadas e augmentadas (apoiados). Fazem-se reformas sobre reformas, cresce a despeza publica (apoiados); os nichos (como então se dizia) continuam e estabelecem se outros novos (apoiados); as sinecuras e os desperdicios sempre os mesmos, e as despezas publicas sempre em augmento (apoiados): crescem deploravelmente os encargos publicos sem se alargarem os recursos do estado (apoiados). É o que nós estamos vendo, é o que o paiz tristemente está presenciando (apoiados).

Passando agora á analyse do emprestimo de 1863, declaro que o não julgo absolutamente mau, entenda-se bem; é o nobre ministro não precisa d'esta minha declaração para justificar o seu procedimento, ou para o auctorisar, mesmo porque eu não auctoriso cousa alguma com as minhas palavras ou declarações mas é somente para emittir a minha opinião e dou-lha francamente. O emprestimo de 1863, absolutamente fallando, não é mau. É um emprestimo emittido a 48 estando os nossos fundos a 49 1/4 com uma commissão que é, pouco mais ou menos, aquella que se costuma dar em casos iguaes, e os mais encargos provenientes de operações d'esta ordem, que não está na mão do ministro evitar; portanto, digo, que o emprestimo de 1863, absolutamente fallando, não é mau.

Mas a proposito do emprestimo, pelo modo por que foi feito, pelas circumstancias que acompanharam esta negociação, e pelas revelações que a discussão trouxe a publico, entendo que nós não podemos approvar o projecto de resposta na parte que se refere á esta importante questão financeira; mas que temos serios e graves reparos a fazer ao governo, e pedir-lhe contas por factos e circumstancias que ainda não vi verdadeiramente justificadas, nem por parte do nobre ministro da fazenda nem por parte dos illustres deputados da maioria que têem entrado n'este debate.

E permitta-me a camara que lhe diga — que eu não creio que nenhum ministro possa desprender-se do amor proprio natural de ter feito uma acção meritoria. Até certo ponto é um sentimento nobre e generoso ter a consciencia da bondade dos actos praticados, e de que se imitaram os bons precedentes; mas entre o orgulho e a vaidade está o cumprimento do dever (apoiados), está o reconhecimento d'elles (apoiados); e está da nossa parte sobretudo o dever imperioso de não ceder a esses vôos de imaginação do nobre ministro da fazenda até ao ponto de pretender e pedir que os seus adversarios o cobrissem com uma corôa de gloria, e lhe levantassem uma estatua (apoiados); porque tinha feito a operação financeira mais vantajosa a este paiz de todas quantas anteriormente se realisaram!... O que porém se diz n'esta parte, na resposta ao discurso do throno, está mui longe da verdade; e creio por isso que a camara me acompanhará no sentido de não approvar n'um documento d'esta ordem e d'esta importancia uma asserção dirigida ao augusto chefe do estado, que não póde ser justificada pela exactidão dos factos (apoiados).

Temos feito emprestimos, e desgraçadamente ha tantos para comparar, que a abundancia chega a assoberbar o meu espirito. Temos emprestimos do tempo do governo absoluto, temos emprestimos do tempo da guerra e do tempo da paz; temos emprestimos de 1823, 1835, 1836, 1840, 1850, 1856 e 1857, e d'ahi por diante; temos todos esses emprestimos; mas começarei pelo primeiro d'aquelles, que de certo não podia ter esquecido nem ao nobre ministro nem á illustre commissão de resposta: fallo do emprestimo celebrado pelo conde da Povoa, quando ministro da fazenda em 1823, emprestimo que foi auctorisado por decreto de 25 de setembro de 1823, e que depois foi tomado pela convenção feita com o Brazil em 25 de agosto de 1825, para aquelle paiz pagar por nossa conta, encontrando-se na importancia de 2.000:000 esterlinos, que aquelle imperio se obrigára a satisfazer a Portugal. Esse emprestimo porém continuou a onerar o thesouro, porque em Londres não se reconheceu a exclusiva responsabilidade do Brazil, e quizeram que Portugal continuasse á responder por elle. Esse emprestimo foi de 1.500:000 libras na rasão de 87 por cento, o que corresponde a 52 e uma fracção.

Ora, se no tempo em que Portugal não nadava em prosperidade, no tempo em que as paixões politicas estavam agitadas, em que os campos já estavam divididos, o governo ainda pôde levantar um emprestimo, cuja emissão correspondia a mais de 52 por cento, como é que a illustre commissão de resposta ao discurso da corôa, vem dizer ao paiz que — a operação ultimamente effectuada pelo sr. ministro da fazenda foi mais vantajosa que todas e quaesquer operações anteriormente de igual genero? Pois certamente que não é.

O nobre ministro apresentou aqui o argumento = que ninguem podia duvidar de que 48 era mais de que 44 =; pois eu respondo que ninguem dirá tambem que 52 é menos do que 48. Pergunto ao nobre ministro — se do emprestimo de 1823 não entraram no real erario, como então se chamava, sommas mais avultadas, proporcionalmente fallando, do que do emprestimo Stern? (Apoiados.) Pois se a commissão e o governo não provarem, contra os documentos publicados, que este ultimo emprestimo é mais vantajoso, eu começo por dizer desde logo que a resposta ao discurso da corôa é n'esta parte completamente inexacta.

Mas temos depois os emprestimos Ardoin contrahidos no tempo da guerra civil; emprestimos feitos em tempos difficeis, em que um punhado de bravos estava no meio de um rochedo tratando de conquistar a liberdade da patria (apoiados). As operações financeiras n'estas calamitosas circumstancias não podiam ser vantajosas; mas assim mesmo, se se attender aos graves apuros e ás grandes difficuldades que assombravam o bom exito de tão arriscada empreza e punham em perigo a causa do partido liberal e dos homens que a sustentavam, e que então se achavam em tão graves embaraços e em situação tão difficil, se se considerar tudo isto, como podemos dizer com a mão na consciencia que o emprestimo contrahido no seio da paz, com o reconhecimento de toda a Europa, com o grande desenvolvimento que os melhoramentos publicos vão obtendo, com as boas disposições do espirito publico, com a representação nacional e todos os poderes publicos funccionando regularmente, é mais vantajoso que os emprestimos realisados pelos homens da ilha Terceira, na occasião em que o throno da Rainha estava em imminente precipicio? Pergunto — se porventura, dadas aquellas circumstancias, esses emprestimos foram mais vantajosos ou menos vantajosos do que este?

E se os illustres deputados não querem fazer estas considerações, se as despresam, e se querem avaliar os emprestimos só pelo seu producto, pergunto — qual foi o preço dos fundos em 1834, quando a guerra civil existia accesa no paiz, quando o poder das armas se fazia sentir em toda a parte? O emprestimo para remir o papel moeda, que já aqui se mencionou, e de que logo fallarei para mostrar que qualidade de operação era essa, em que o governo dava titulos e recebia dinheiro, esse emprestimo foi contrahido em 1834, na somma de 1.000:000 esterlino para remir o papel moeda, e um cavalheiro que é insuspeito á maioria, e cuja auctoridade não póde deixar de ser reconhecida, pela sua capacidade individual e pelas funcções de que se achava revestido, o sr. Francisco Antonio de Campos, hoje barão de Villa Nova de Foscoa, dizia no relatorio que precede o orçamento apresentado ás côrtes, o seguinte:

«Comtudo não posso deixar de observar que esta operação do resgate do papel moeda foi menos bem combinada; pois não importando o papel em circulação em menos de 8.000:000$000 réis, não era possivel extingui lo com 950:000 libras, que tanto produziu o emprestimo de 6 por cento de 1.000:000 libras contrahido para esse fim».

N'aquelle tempo o partido historico não estava convertido aos emprestimos; detestava os emprestimos e condemnava-os em nome do interesse publico. Então dizia que = se pretendia subverter o paiz levantando emprestimos sobre emprestimos, e que fazendo-se estas operações, que se allegava eram para elevar o preço dos nossos fundos, não serviam senão para nos arruinar =. Então o partido historico negava aquillo que parece agora ser axioma para os illustres deputados, e para a maioria d'esta camara. O sr. barão de Villa Nova de Foscoa dizia que = um tal systema era a maneira positiva de nos perdermos =.

Eu não quero ler á assembléa todo o relatorio para a não fatigar, e mesmo porque não quero tomar a responsabilidade d'aquellas asserções que reputo em grande parte inexactas.

Bastará dizer que o sr. Francisco Antonio de Campos declarava á camara que detinha realisado um emprestimo de. 1.000:000 libras esterlinas, o qual tinha produzido 950:000 libras; operação que fora feita em titulos de 6 por cento, correspondendo a 95 por cento ao par, ou a 47 1/2 effectivo em titulos de 3 por cento; quantia esta muito superior aquella que o illustre ministro da fazenda nos seus mais doirados calculos declara que produziu o emprestimo de que se trata. E se o nobre ministro da fazenda entende que não se póde avaliar o merecimento dos emprestimos senão pelas sommas que entram no thesouro, declaro que é inexacto, ainda mesmo debaixo d'esse ponto de vista, que o ultimo emprestimo fosse realisado em mais avantajadas condições que todas as anteriores operações d'este genero, comparado

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esse emprestimo não só com o de 1823 a que ha pouco me referi, mas tambem com o de 1834 destinado para resgatar o papel moeda.

Mas não pára aqui. Temos depois os emprestimos de 1835. O nobre ministro e a commissão de resposta ao discurso da corôa pozeram de parte todos estes acontecimentos historicos, elles que são historicos da gemma, e vieram declarar á camara com um rasgo de penna que tudo isto desapparecia dos registos do paiz, e que não ficava senão o emprestimo de 2.500:000 libras contratado em Londres com a casa Stern; tudo o mais desappareceu, é pó, cinza e nada!

Todos sabem que em 1834 foi publicado o celebre decreto de 19 de dezembro, em virtude do qual o governo ficava auctorisado a tomar todas as providencias e fazer todas as operações financeiras que julgasse convenientes para, sem augmento dos encargos do thesouro publico, melhorar a situação economica do paiz. Em virtude da disposição do artigo 3.° d'este decreto, porque elle comprehende differentes especies, o governo d'aquelle tempo julgou se auctorisado a mandar negociar em Londres por varias vezes grandes sommas de bonds portuguezes para fazer principalmente a conversão dos fundos de juro mais elevado a outros de um juro mais inferior, e para se habilitar tambem a prover as necessidades do serviço publico, que então já eram urgentissimas.

Em virtude d'esta auctorisação o governo celebrou na praça de Londres com a casa Rothschild os emprestimos de 1, 3 e 29 de abril de 1835, o primeiro de 2.000:000 esterlinos, o segundo de 2.000:000 esterlinos, e o terceiro de 4.000:000 esterlinos, o qual não se chegou a verificar em metade d'esta somma por causa de posteriores acontecimentos politicos d'aquella epocha, e tambem em consequencia de uma baixa que os fundos tiveram depois d'este contrato.

E notavel que n'aquelle tempo os fundos desciam depois dos contratos, emquanto que agora sobem depois do contrato Capotados). Já se vê que eu não attribuo este facto ao sr. ministro da fazenda. S. ex.ª não tem na sua mão fazer subir ou descer os fundos, mas é possivel que as casas negociadoras, e isso não fica mal a ninguem, procurem contratar quando os fundos estão na baixa, em logar de contra tarem quando os fundos estão altos ou em tendencias para descerem.

Mas consultemos os registos d'aquella epocha, e vejamos que emprestimos foram estes e o que produziram para o thesouro publico.

Apesar de que se disse que isto não eram emprestimos, mas sim operações mixtas, e que não se podiam comparar quantidades heterogeneas, citando-se até um auctor de arithmetica que foi muito bom no seu tempo e que hoje está velho, mas que assim mesmo não admitto estas aberrações, apesar d'isso direi ao illustre deputado que tenho presente nada menos que um relatorio, que não póde tambem ser suspeito á maioria d'esta casa, e cujos auctores estão de accordo pelas tradições que deixaram com os illustres cavalheiros da commissão, com o nobre ministro da fazenda, e com a maioria d'esta casa; fallo do relatorio mandado fazer pelo mesmo cavalheiro o sr. Francisco Antonio de Campos, e apresentado n'esta casa quando s. ex.ª era ministro da fazenda, juntamente com o orçamento de 1836, a que me referi ha pouco. É o relatorio da commissão nomeada pelo decreto de 25 de novembro de 1835, commissão composta de cavalheiros respeitaveis, porque n'esse relatorio vejo assignados os srs. João de Oliveira, depois conde do Tojal, Manuel Joaquim Jorge, Faustino da Gama, Luiz Antonio Rebello e José Ferreira Pinto Junior.

Estes cavalheiros foram encarregados de examinar especialmente as operações de 1835, porque se tinham levantado algumas apprehensões a respeito d'essas operações, sendo necessario, para dar satisfação á opinião publica, crear uma commissão de homens importantes, encarregada de dar o seu parecer ao governo sobre o que havia a respeito d'aquellas transacções.

Ora sabe v. ex.ª porquanto foi contratado o emprestimo de 2.000:000 esterlinos com a casa Rothschild por intervenção de Mendizabal, auctorisado pelo governo portuguez? A 67 1/2 em fundos de 3 por cento, com as commissões e encargos um pouco maiores, mas com pouca differença d'aquelles por que se contrata na actualidade. Estes 2.000:000 esterlinos eram destinados, como disse antes, para fazer a conversão dos fundos de 6 por cento; mas como se carecia de meios para prover ás necessidades da administração do estado, o governo viu-se obrigado a distrahir uma parte desses fundos, a fim de os vender no mercado e occorrer pelo seu producto ao deficit, o mesmo que se faz agora; isto já é velho, todos sabem que uma parte do ultimo emprestimo foi para cobrir o deficit. D'esse emprestimo, como se diz no relatorio assignado pelos cavalheiros que referi ha pouco, foram distrahidas 120:000 libras vendidas a 58, e 12:300 libras vendidas a 60. Não foi conversão n'esta parte, foram fundos vendidos a dinheiro, a libras que vieram para Lisboa no paquete, unicamente com os encargos de transferencia e premio de risco, o que sempre se faz em casos similhantes.

Sabe v. ex.ª o que diz o relatorio a respeito do segundo emprestimo? Diz que foram realisadas 200:000 libras de fundos a 60 por cento, termo medio. Mas permitta-me a camara que eu faça uma ligeira observação a respeito de conversões e operações mixtas. A conversão considerada como era, e é sempre o mesmo em casos similhantes, equivale a um verdadeiro emprestimo, com a differença de que em logar de ser feito com a casa contratadora, e essa casa pagar esse emprestimo ou ficar com elle, é realisado por intermedio dos possuidores de apolices ou bonds com um juro superior.

Ora, estando os bonds no mercado a um certo preço, as transacções fazem-se em relação com esse preço.

O que aconteceu então? Disse se que foram dados na rasão de 150 por cento bonds de 3 por cento em troca de bonds de 6 por cento, isto é, o governo em logar de pagar 6 por cento ao par, ficou pagando 4 ½ porcento, ao par. A quanto correspondem os fundos a 4 ½ por cento? Correspondem a 66 e uma dizima periodica de 66, isto é, um pouco abaixo 67 ½ de preço do contrato. E, se não fosse assim, é claro que os possuidores de bonds de 6 por cento, não tendo interesse nenhum na conversão, não concorriam a ella.

O mesmo succedeu com o emprestimo de 4.000:000 libras, que em parte se realisou mais tarde. Foram negociados a 72 por cento fundos de 3 por cento. D'esses uma parte veiu para Portugal pela venda effectiva, e outra foi convertida na rasão de 140 por cento, fundos de 3 por cento em troca de fundos de 5 por cento. Correspondia isto a emittir fundos a 71 e uma fracção um pouco abaixo de 72, pela mesma rasão que eu disse ha pouco, e que escuso de repetir.

Já se vê que estas operações mixtas a que se referiu o illustre deputado não o eram; representavam uma venda de fundos, um emprestimo, ou feito com os contratadores directamente ou com a praça por via d'elles, ou com os possuidores de fundos que vinham á conversão.

Mas se os illustres deputados carecem de documentos mais positivos (talvez não os satisfaça esta explicação que eu dou á conversão, comquanto ella tire completamente as duvidas que podia haver no meu espirito a tal respeito), eu leio á camara os documentos que vera juntos ao relatorio.

N'um dos documentos com que o relatorio foi auctorisado, diz se o seguinte:

«Libras 120:000 vendidas a Rothschild a 58 por cento.

«Libras 12:300 vendidas ao publico a 60 por cento.»

Noutro documento, conta n.° 2, diz-se o seguinte:

«Producto de 2.500:000 libras vendidas n'este mercado (Londres) e n'outros, segundo a conta junta n.° 1, com o juro d'esta data, 1.645:489.»

D'onde se vê que esta ultima venda se effectuou ao preço de 65 8/10.

Isto não foi concessão, foi venda a dinheiro.

Por consequencia está se no mesmo caso do emprestimo de que se trata, que não é outra cousa senão a venda de fundos de 3 por cento ao preço de 45 1/4 ou 45 l/2 ou 45 3/4, como quer o sr. ministro da fazenda.

De 45 3/4 a 65 8/10 vae uma distancia tão grande que não é possivel que os nobres deputados sejam de parecer, que este emprestimo se póde considerar como a melhor das operações.

Este ponto é grave. Eu estou talvez cansando a assembléa (Vozes: — Não, não.), porque a materia é desagradavel, não se presta senão ao exame dos documentos; mas é com esses documentos que pretendo responder ao illustre ministro e á commissão.

Permitta-se-me, porém, que invoque ainda testemunho mais proximo. Como as pessoas que intervieram n'essa operação estão vivas, têem mais auctoridade.

Quando a situação de 1856, em nome das difficuldades que se suscitaram por causa do emprestimo que queria levantar, se retirou do poder a 4 de julho, se me não engano; a 15 do mez seguinte já estava votada uma auctorisação ao governo, que nos succedeu, para levantar 1.500:000$000 réis, sem limitação, nas melhores condições em que os podesse levantar.

Emittiram-se então 833:000 libras.

Emquanto para nós o levantamento de fundos seria uma fatalidade, para os que nos succederam, para a situação que veiu substituir nos, tornou se uma cousa facil, simples e regular! E tanto que não se julgou necessario pôr nenhuma condição no contrato quanto ao uso que o governo havia de fazer d'essa auctorisação.

Eu votei, porque votava aos meus adversarios politicos o que queria para mim proprio. Não faço como muitos que me recusaram a mim o que foram conceder a outros.

Não me refiro a ninguem, que a ninguem quero offender.

Bem sei que ha aqui o principio da confiança, que póde justificar até certo ponto estas que eu chamo aberrações politicas.

O sr. José Jorge Loureiro, de saudosa memoria, que me substituiu no ministerio da fazenda, foi quem em parte levou a effeito esta operação. Subsequentemente o sr. Antonio José d'Avila completou esta operação em termos vantajosos; e mais tarde pôde este cavalheiro effectuar para as despezas do caminho de ferro diversas vendas na praça de Londres, que chegaram a realisar-se a 47 1/4.

Perguntarei agora — tambem estes cavalheiros, os srs. José Jorge Loureiro e Antonio José d'Avila, são suspeitos aos illustres deputados? Parece-me que não.

O preço por que se fizeram estas diversas operações foi mais alto, é mais vantajoso do que aquelle por que foi realisado o emprestimo actual.

Aqui está o que disse o sr. Antonio José d'Avila na sessão de 30 de maio de 1860:

«Em consequencia d'isto, quando tive de fazer outra operação para fazer face ás despezas do caminho de ferro, segui o mesmo caminho: encarreguei o banco de fazer as vendas em Inglaterra; chegaram-se a effectuar vendas em Inglaterra a 47 1/4, e o banco dava todas as garantias, etc.»

Era para fazer face ás despezas do caminho de ferro; era para o mesmo fim. E eram os mesmos bonds. Tudo o mesmo.

É o que consta dos registos publicados, o que não foi contestado n'esta casa por ninguem, e o que o sr. Antonio José d'Avila é muito capaz de sustentar hoje e de justificar com documentos authenticos e irrefragaveis.

Mas tenho auctoridade, n'este caso, ainda melhor do que a do sr. Antonio José d'Avila; tenho a auctoridade do sr. ministro da fazenda; porque s. ex.ª, que tomava parte n'estas discussões e que era um membro conspicuo d'esta casa, não se recusava a emittir a sua opinião sobre assumptos de similhante qualidade.

Eis-aqui o que dizia na sessão de 29 de maio o sr. Lobo d'Avila:

«Mas, por exemplo, na negociação das 424:000 libras, onde não ha juros de nenhum adiantamento, eu vejo que a operação saíu por pouco mais de 1 por cento, quer dizer, que com uma simples commissão de 1 por cento, levantaram-se fundos a 45, 46 e 47, e note se que sendo estas vendas feitas em Londres, longe de baixarem os fundos, pelo contrario subiam e as vendas iam-se fazendo successivamente com mais vantagem.»

Oh! excellencia das operações a retalho (apoiados), que então faziam o enlevo dos ministros, e que hoje são a sua mais aspera censura! Então s. ex.ª achava estas vendas successivas que se faziam até 1847 na praça de Londres, muito superiores aquella que o illustre ministro adoptou agora; e este discurso está impresso á parte: quer dizer, foi visto e revisto e tornado a ver pelo illustre ministro, e mandado depois para a imprensa para ser publicado. Não está no corpo da sessão.

Sr. presidente, quando tudo isto é assim, quando todas estas opiniões não servem senão para mostrar que a operação de que se trata foi contratada por um preço bastante inferior e notavelmente inferior a outras muitas que têem tido logar, parece impossivel que a commissão possa dizer á Camara que approve o paragrapho que diz respeito á operação contratada em 30 de junho de 1863.

Mas o nobre ministro nas questões economicas e financeiras, e nos importantes debates em que tomou parte na sua antiga opposição, não se limitava simplesmente a indicar á assembléa quaes os termos em que se tinha feito esta operação: estabelecia principios que elle julgava de eterna verdade e que deviam seguir-se em circumstancias identicas.

Discutia-se n'esta casa um projecto que approvava o contrato do caminho de ferro de Vendas Novas a Evora e Beja. Todos sabem que as sommas levantadas por esse governo e por outros que se lhe tem seguido, são auctorisadas por carta de lei de 5 de maio de 1860, que approva o contrato do caminho de ferro de leste e norte; e pela carta de lei de 29 de maio do mesmo anno, que approva o caminho de ferro de Evora a Beja, por auctorisações votadas annualmente pelo parlamento, e que se permitte que o sr. ministro da fazenda proveja aos encargos publicos por meio de auctorisações, comtanto que o preço não exceda a 7 por cento. E logo provarei como é que esta operação nasceu e como seguiu.

Mas tratava se d'essa discussão importante, e tinha eu proposto por parte da opposição, que - como meio de governo, como principio regular, como uma garantia para o paiz e para todos em uma palavra, para que as operações que se fizessem não fossem ruinosas, que os encargos que resultassem d'ellas (e propuz isto a proposito do contrato Petto),não fossem maiores que o juro correspondente ao preço do mercado, addicionados com mais 1/2 por cento, differença estanque eu julgava sufficiente, porque dava ao ministerio a largueza necessaria para levar a effeito qualquer emprestimo; e era ao mesmo tempo uma garantia para o publico.

Discutiu-se depois a lei de 29 de maio; era eu então ministro, e o sr. ministro da fazenda deputado.

Quer v. ex.ª saber o que dizia o sr. ministro em 1860? Então era elle ministerial e estava unido de corpo e alma com a reacção (apoiados), e eu hei de pedir ao illustre ministro que me ajude a defender d'aquella reacção que nós apoiámos, um dentro do ministerio, outro fóra d'elle (apoiados).

Mas sabe v. ex.ª o que o illustre ministro dizia para contrariar a proposta que eu, quando deputado da opposição, tinha indicado ao governo? Dizia s. ex.ª na sessão de 4 de maio daquelle anno:

«Esta auctorisação dada ao governo de emittir e negociar fundos, com a condição de que o encargo annual resultante não exceda a 1/2 por cento acima do juro d'esses titulos no mercado, parece me demasiado largo, e depende de eu julgar conveniente concede-la ou não, saber o modo porque o sr. ministro entende esta disposição consignada no artigo.

«Eu vou mostrar mais claramente o receio que tenho de se conceder esta auctorisação. Estão os titulos a 50 por cento, ou 6 por cento de juro, podendo o governo elevar esse juro a 6 1/2, isso equivale a ter a faculdade de emittir os fundos a 46 por cento, ou 4 por cento abaixo do preço do mercado, o que tornaria a operação demasiado onerosa para o estado.

«Se os fundos estivessem a 46 por cento, pela mesma regra o governo poderia emitti los a 43 por cento. Portanto entendo que se lhe deixa uma latitude alem do que seria rasoavel.»

Demasiado oneroso para o estado! E este a quantos o fazem agora? A quantos por cento o fizestes abaixo do preço do mercado? Aqui tendes a condemnação do sr. ministro da fazenda feita por elle proprio. E quando se achava sentado nos bancos da opposição, e nos bancos dos ministros os individuos que tinham sido seus amigos da vespera, dizia (leu).

Aqui já eram 3 por cento abaixo do preço do mercado, e assim mesmo dizia que era um limite alem do que seria rasoavel. Quer dizer que a opinião do sr. ministro da fazenda é — que não é rasoavel uma operação de fundos em que o estado perde mais de 3 por cento; e quando o proprio sr. ministro entende que não é rasoavel a operação que ultimamente teve logar, estranho que os illustres membros

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da commissão de resposta ao discurso da corôa achem vantajoso o que o sr. ministro julga condemnavel (apoiados).

Mas que differença de tempos! Nós devemos honrar o systema representativo, e é necessario que cada um que tem que emittir a sua opinião n'esta assembléa não possa: vir no dia seguinte renegar as opiniões que tenha sustentado na vespera (apoiados), e achar bom o que condemnava então! (Apoiados.)

O sr. ministro disse, e todos repetiram que =os fundos quando estão proximos do par têem já pouco que subir, e quando estão distantes do par têem mais tendencia para subir =. Muito bem. Mas a que preço figurou o nobre ministro a sua hypothese? A 50; quer dizer, a um preço ainda mais proximo do par do que estavam os fundos quando s. ex.ª contratou.

Era n'estas circumstancias que s. ex.ª, não tendo então em consideração esta descoberta, que foi mais moderna, entendia que 4 por cento abaixo do preço do mercado seria pouco rasoavel e demasiadamente oneroso.

Os fundos proximos do par quando estão a 49 1/4! É uma cousa pouco seria para ser dita pelo sr. ministro da fazenda, e para ser apoiada por cavalheiros tão conspicuos como aquelles que se associaram a essa idéa.

E a escala que vae d'ahi até 100, que vae d'ahi até ao que se chama o par?

Pois o par é 50 ou 60? Pois será alguma cousa nova entre nós estarem os fundos de 3 por cento acima de 49 l/4?

Por esse modo, nos emprestimos contrahidos em 1835 a 72 seria necessario conceder 10 ou 12 abaixo do preço do mercado. Então é que estariam perto do par.

Em Inglaterra, onde os fundos estão actualmente a pouco mais de 90, e ás vezes chegam a tocar o par, quanto seria preciso que o governo inglez concedesse abaixo do preço do mercado para convidar os capitalistas a irem contratar com elle?

Não fallando porém da Inglaterra, porque é um paiz excepcional a respeito de credito de fortunas e de capitães, os fundos de 3 por cento de outras nações estiveram e estão ainda hoje a mais de 60 e 70 por cento. Os da Belgica, os da Dinamarca, e até os de 2 1/2 por cento da Hollanda têem estado por vezes mais altos do que nunca estiveram os nossos de 3 por cento.

E não são estas as grandes nações do mundo, e que dispõem de mais avultados recursos; são nações pequenas que administram bem, que comprehendem o que é o credito; não abusam d'elle, cimentam-no nas verdadeiras bases, para se poderem sustentar: quer dizer, no equilibrio da receita com a despeza, na economia dos serviços publicos, na capacidade e regular solvabilidade dos seus encargos.

É assim que essas nações, pequenas em territorio, mas grandes pelo bom governo que as dirige e pelas idéas justas dos homens que presidem aos seus negocios financeiros, conseguem que os seus fundos estejam na praça de Londres por um preço muito mais alto do que os nossos.

E não é a situação politica. Essa situação politica de que em quasi todas as sessões se nos falla n'esta casa, porque desde que entrou aqui o dito do barão Louis não podemos ver-nos livres d'elle: «Dae-nos uma boa situação politica, e eu voa darei, uma boa situação financeira».

Pois este dito póde ter applicação ao nosso estado politico? Pois aquelle illustre financeiro, quando dizia isso, referia-se ás côres das bandeiras dos partidos que estão á frente dos negocios publicos, ou á influencia na paz interna e ás complicações exteriores que podiam trazer taes e taes ministerios? Pois referia-se a estarem no poder historicos, regeneradores ou cartistas?

Não se cita um homem illustre como este para com um dicto espirituoso e conceituoso justificar posições financeiras e situações politicas, que não têem nada de commum com aquellas a que aquelle homem de estado se referia (apoiados).

N'um paiz como a França, em que os partidos politicos, quando chegam ao poder, não renegam a sua bandeira, não esquecem as suas tradições, para adoptarem as dos seus adversarios (apoiados), nem pedem aos seus contendores politicos que lhes dêem os projectos que hão de fazer votar no parlamento (muitos apoiados); mas têem idéas suas, levam-nas por diante, e fazem nas triumphar ou cáem com ellas (apoiados); n'esse paiz póde um homem d'estado dizer: «Dae-me uma boa situação politica, e eu vos darei uma boa situação financeira». Porque alguns dos partidos politicos daquelle paiz, subindo ao poder, transtornam a ordem publica, levando por diante as suas tendencias mais exageradas e exclusivas, e compromettem a paz da Europa. A guerra na França é o compromettimento da paz da Europa.

Isto é grave, é importante, é serio, quando um paiz — porque á frente dos seus negocios está um certo homem de governo que um dia póde tomar providencias que façam com que no dia seguinte se apresentem nas suas fronteiras um poucos de exercitos — tem isto a receiar. Mas, porque está a frente dos negocios publicos um partido que se chama historico, regenerador ou cartita, ou de qualquer outro modo, vir citar o nome, e a auctoridade de um illustre estadista, dizendo: «Dae-me uma boa situação politica, e eu vos darei uma boa situação financeira», é improprio, e não corresponde á altura das idéas e ao talento das pessoas que o proferiram.

Andemos porém um pouco para diante, quando não receio não acabar nunca; andemos um pouco para diante, e examinemos as condições e a natureza do contrato de 30 de julho de 1863 com a casa Stern. Este contrato tambem é historico, e a sua historia consta já de importantes documentos, que são bem conhecidos.

Declaro á camara que me é completamente indifferente, como creio o é a todos os meus collegas, sem excepção, que o contrato fosse feito com a casa Stern ou com este ou aquelle banqueiro; completamente indifferente; e digo mais: o governo estava no seu direito de contratar com quem melhor entendesse, e que mais garantias, lhe desse, porque a responsabilidade, é toda do governo. Não serei eu, porque está muito longe dos meus habitos, quem lhe faça a este respeito a mais leve censura, ou lhe lance qualquer suspeita, e sentiria muito mais que isso se podesse inferir da minha argumentação.

O nobre ministro sabe e a camara que sou incapaz de dirigir um ataque directo e formal ás intenções dos meus illustres adversarios, e eu que faço isto, eu que sempre o fiz, declaro mais a v. ex.ª e á camara, que nem por suggestões, nem por insinuações de ninguem, sáiam ellas dos bancos dos srs. ministros ou da maioria, o faço; porque não é do meu caracter; e o modo por que tenho entrado em todas as questões graves, e ás mais difficeis comprova sobejamente esta minha asserção (apoiados).

Senti, e a camara vae talvez admirar-se do que lhe vou dizer, que o sr. ministro, cujas palavras são sempre vehementes e ás vezes pungentes, viesse fazer a declaração solemne de que cortava de hoje para sempre com estas tradições dos seus actos parlamentares; confessar á camara que tinha errado no modo por que avaliara operações feitas em outras epochas; operações que s. ex.ª tratou inexoravelmente. Senti-o como homem de parlamento, e que sinceramente deseja ver mantida sempre a dignidade do poder. Estas declarações podem abonar a humildade do ministro, podem abrir-lhe as portas do céu, mas não lhe conquistam as influencias da terra, porque o poder não se eleva quando os seus sacerdotes vem dizer á camara: «Enganei-me, errei, apreciei mal, fui injusto; tenho sido violento; tenho atacado os meus adversarios injustamente; mas d'aqui para diante vou ser manso, benevolo e justo.» Entendo que o nobre ministro como homem se elevou, porque é digno sempre confessar os erros, e arrependermo-nos d'elles; mas se como homem se elevou, já não assim como governo, porque o governo não se eleva nunca senão quando os homens que estão á frente d'elle mostram que foram sempre coherentes; que as suas idéas foram sempre justas; que nunca as exageraram; e que as paixões partidarias não influiram no seu animo a ponto de se acharem em contradicção com os seus amigos da vespera e os seus adversarios do dia seguinte (apoiados).

O governo contratou pelas cartas de lei de 5 e 29 de maio do anno passado o emprestimo de 2.500:000 libras esterlinas. Este contrato foi celebrado em 30 de julho proximo passado, com a casa Stern e Brothers; e depois de ter contratado recebia propostas no ministerio da fazenda para emprestimos similhantes, e para applicar ao mesmo fim, do cavalheiro que era representante da sua propria casa, e da estrangeira, em nome da qual fazia propostas.

Ora, ha diversos modos de fazer emprestimos. Permitta-me a camara que faça breves reflexões a este respeito.

Os emprestimos contratam-se por meio de subscripções publicas; e n'este caso não ha necessidade d'estes contratos particulares, que não podem verificar-se, e que são até contrarios á natureza d'estas operações. Fazem-se tambem por meio de propostas em cartas fechadas, dirigidas ao ministro ou a uma commissão nomeada por elle para esse fim; ao ministro naturalmente, e entre nós é quem as deve aceitar; mas essa hypothese, esse systema está excluido pelo methodo adoptado pelo governo.

Resta outro meio, que é o contrato directo com uma casa qualquer; foi aquelle de que usou o governo, tendo escolhido para esse effeito a casa Stern. Estava no seu direito de contratar como entendesse e com quem quizesse, uma vez que o contrato estivesse concebido em condições que fossem justificaveis perante o corpo legislativo. Mas o que fez o governo? Quando já tinha contratado e estava ligado com a casa Stern pelo contrato celebrado em 30 de julho de 1863, recebia propostas, e usava d'ellas mostrando as condições dos proponentes aquella casa, a fim de que as condições em que se tinha contratado o emprestimo primitivo podessem modificar se de sorte que não viesse dizer ninguem ao parlamento que o governo tinha contratado em circumstancias inferiores aquellas em que podia contratar na presença das propostas que lhe tinham sido apresentadas.

Diz o nobre ministro da fazenda: «Pois se eu consegui levantar mais 1/2 Por cento sobre o preço por que tinha contratado; se de 47 1/2, por que primitivamente tinha contratado, pude elevar o emprestimo a 48 por cento, alcançando d'este modo um beneficio para o thesouro de réis 50:000$000, para que me vindes perguntar o modo e por que principios e por que meios pude conseguir isto?! Quando devíeis exaltar-me e levantar me sobre os escudos, quando devíeis dizer — bem haja o ministro da fazenda que, contratando primeiro a 47 1/2 por cento, soube fazer uso dos seus recursos, da sua habilidade e do seu talento para elevar o emprestimo a 48 por cento, dando-nos o beneficio de mais 1/2 por cento, que corresponde a 50:000$000 réis, vindes pedir-me contas do modo por que o fiz!»

Eu sinto ver apresentar esta doutrina do banco dos ministros, porque a reputo uma immoralidade (apoiados) que não póde ser approvada, seguida nem reconhecida por ninguem, e que é preciso condemnar altamente n'esta assembléa, para que se não diga no anno de 1864, que os fins justificam os meios, e que desde que o governo declara que realisára para o paiz qualquer vantagem, grande ou pequena, ninguem deve ter o direito de lhe perguntar o modo por que o conseguiu! (Apoiados.)

Pois para que estamos nós aqui? Pois para que são os representantes do paiz? Pois não é uma das obrigações do nosso mandato tomar contas ao governo dos seus actos? Pois não temos direito de saber quaes são os meios de que o governo usou sobre um dado assumpto, e havemos de approvar esses meios, sejam quaes forem, comtanto que se prove que d'elles resultou pata o paiz alguma vantagem? Não, senhores; não se faz assim na vida particular, e muito menos na vida publica (apoiados). O homem não póde justificar qualquer procedimento que tenha tido, dizendo — eu ganhei tantos contos de réis; é preciso saber o modo por que os ganhou, e os meios que empregou para os ganhar; estas é que são as regras (apoiados).

Eu declaro bem alto que rejeito esse beneficio de réis 50:000$000, obtidos pelos meios que o governo empregou, porque entendo que são improprios do governo, e que podem comprometter para o futuro os interesses mais caros do paiz (apoiados), mesmo debaixo do ponto de vista financeiro, pelas difficuldades era que ficam todos os homens que estiverem á testa do ministerio da fazenda, de poderem fazer um emprestimo em circumstancias vantajosas para o paiz (apoiados).

Se a camara, approvar este procedimento, se o elogiar, que dirão os estrangeiros e todos aquelles que tiveram parte n'isto? E que nos responderão quando as circumstancias nos obriguem a contratar outro emprestimo? Hão de dizer: «Se vós aceitaes as propostas que na melhor fé vos entregámos para as apresentardes aos vossos escolhidos, aquelles com quem já estaes compromettido, para em virtude d'este procedimento, que não é lícito a ninguem ter, alcançardes alguns contos de réis para o paiz, como poderemos contratar comvosco? Como poderemos ter confiança em vós?» E com muita rasão (apoiados).

Eu espero que a camara não ha de approvar similhante principio contrario a todos os interesses politicos e a todas as regras de justiça, porque importa o mesmo que dizer = que todo o meio é licito, comtanto que d'elle se tenham colhido mais alguns contos de réis =. Isto não póde ser, a camara de certo não póde approvar tal.

Mas que fez o governo? O governo tinha contratado em 30 de julho, peço que se tome nota das datas, que são tudo aqui. O governo contratou em 30 de julho, e a 24 de setembro, quer dizer, quasi dois mezes depois do contrato feito, que tinha sido a 47 1/2, recebeu no ministerio da fazenda diversas propostas. E note o sr. ministro da fazenda que não faço uso de proposito senão dos documentos publicados na folha official directamente por ordem do governo; não preciso de mais nenhuns; só o que não posso deixar em reparo, é que fosse preciso que os deputados da opposição viessem trazer á camara esta questão importante, e declarassem que havia lacunas graves na publicação dos documentos, para que s. ex.ª se resolvesse a mandar publicar aquelles que faltavam, e que a commissão entendeu que não eram necessarios para dizer que o emprestimo tinha sido realisado em mais avantajadas condições do que as operações anteriores de igual genero!

Mas era 24 de setembro apparece a primeira carta do sr. Nighat, dizendo: «V. ex.ª dignou-se pedir que eu lhe submettesse as perspectivas que haveria para emittir um emprestimo nacional; venho por conseguinte expor a v. ex.ª a minha humilde opinião.»

Este documento foi publicado pelo sr. ministro, sem pedido de ninguem, espontaneamente.

Ora, o sr. ministro, fazendo o seu relatorio que acompanha o projecto de contrato, não desmente em parte alguma a asserção do sr. Nighat, de que lhe fez uma proposta a pedido do sr. ministro da fazenda. Note a camara quanto é mais grave a asserção que se faz aqui do que seria mesmo se o governo, sem ter pedido, recebesse propostas, o que eu aliás considero já censuravel. Aqui não era o sr. Nighat que pedia, era o sr. ministro; e a este respeito, silencio.

Mais adiante eram os srs. Fonseca, Santos & Vianna que diziam na sua proposta de 24 de setembro:

«De conformidade com o que se tem passado na conferencia que v. ex.ª me tem concedido para combinarmos a maneira de conseguir, nos melhores termos possiveis para o thesouro, o levantamento de um novo emprestimo, etc.»

Os srs. Fonseca, Santos & Vianna, como acabo de ler, tinham combinado com o sr. ministro da fazenda sobre o modo de realisar o emprestimo. Que diz a isto o nobre ministro? Nada! No seu relatorio declara s. ex.ª que recebeu propostas, mas não diz que as pediu, quando mesmo n'essa occasião mandava publicar os documentos officiaes, d'onde se inferia terminantemente que o governo tinha pedido propostas! Isto é notavel! Mas quaes são as propostas? Sabe v. ex.ª quaes são as propostas? Em geral as condições das propostas são as mesmas; mas ha uma differença entre ellas; ha uma muito notavel, e a mais frisante é a da casa proponente ligada com a casa Knowles & Foster, que tinha feito o contrato anterior. Esta casa declarava ao governo que estava prompta a fazer a emissão do emprestimo a 48 por cento, quando o ministro tinha contratado a 47 l/2 por cento. Notavel condição, vantagem que lhe dava uma posição muito superior aquella que tinha o contrato feito com Stern. Mas não ficou aqui. Essa casa propunha uma ordem de pagamento para as prestações que asseguravam 16 por cento do emprestimo antes de janeiro, e acrescentava ainda o seguinte:

«Parece-nos que um contrato feito n'estas condições, e com alguma alteração, que a intelligencia de v. ex.ª lhe suggerir, satisfará completamente os seus desejos e os interesses do thesouro.»

Quer dizer que antes de janeiro, em que se vencia o coupon do segundo semestre do 1863, a casa Santos, Fonseca & Vianna se promptificava a entrar com 16 por cento do emprestimo; emquanto que a outra casa se propunha apenas a entrar com 10 por cento. Esta questão das entradas é importante porque altera essencialmente esta parte, e não havia rasão para a inconsiderar, como realmente o sr. ministro não inconsiderou.

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Vou mostrar á camara que o nobre ministro a considerou, e considerou tanto, que fez objecto da reforma ou da elevação do contrato de 30 de julho de 1863 (apoiados).

Disseram mais os proponentes ao sr. ministro: «Esta proposta que fazemos não é um contrato definitivo; esta proposta é uma indicação para saberdes que estamos habilitados e decididos a contratar».

Ora, já se vê d'aqui que o nobre ministro estava ainda em circumstancias de propor modificações ás propostas vantajosas que lhe fizeram, sendo, como eram, tão vantajosas algumas d'ellas; mas o governo não fez isso, apesar de poder alcançar mais vantagens. Que fez o governo? O governo recebeu a proposta dos srs. Fonseca, Santos & Vianna em 24 de setembro, e em 26 de novembro escreve para Londres, dizendo qual era a conveniencia de elevar o emprestimo a 48 por cento; e não só mostrou a necessidade de elevar o emprestimo a 48 por cento, mas indicou a necessidade de alterar o praso das prestações. Prova evidente de que o governo queria por força fazer uma tal modificação ao contrato Stern que o habilitasse a declarar que todas as condições apresentadas por propostas da casa Fonseca, Santos & Vianna, e Knowles de Londres, eram inferiores aquella sua proposta. Expediu pois um telegramma dizendo o seguinte:

«Concorrem diversas propostas, e esperam se ainda outras, chegando já o preço a 48 por cento. Tenha isto em vista quando tratar com Stern sobre o augmento, que agora mais necessario se torna. = Lupi».

Podia talvez chegar a 49 por cento; e então que seria de nós se o preço subisse?! Talvez a casa Stern não quizesse acompanhar este movimento, e o nobre ministro via-se na necessidade de fazer o emprestimo em condições muito inferiores aquellas que lhe offereceram aquelles cavalheiros. É o que se prova por outro trecho do telegramma a que ha pouco me referi, dirigido para Londres ao conselheiro Brito:

«Devendo suppor-se, diz este documento, proxima a publicação do prospecto, e dependendo ella de estar ahi a obrigação, cuja expedição ficou dependente de aviso de v. ex.ª, conforme o meu officio de 5 de agosto, convem que Stern attenda a isto logo que chegar ahi, e v. ex.ª participará o resultado.»

Quer dizer que as circumstancias que se deram já importavam uma alta de preço, e não se sabia se a casa Stern acompanhava este movimento para não ficar em condições inferiores aquellas. Sabe v. ex.ª o que diz a agencia financial de Londres em resposta a isto? Aqui está o telegramma de 1 de outubro:

«Londres, 1 de outubro de 1863. — Ex.mo conselheiro Lupi — Lisboa. — Stern não póde ir a Lisboa sem demorar muito o emprestimo; mandará sobrinho, se absoluto preciso. Annue ao preço de 48, promettendo o governo dar-lhe a preferencia no proximo emprestimo. A emissão ao emprestimo terá logar logo que s. ex.ª o determine. Peço resposta immediata. = (Assignado) Brito.»

É a annuencia de Stern ao preço de 48 por cento.

Diz-se aqui que Stern não póde ir a Lisboa. Não póde ir a Lisboa?! Quem pediu a Stern que viesse a Lisboa? Quem mandou que Stern viesse a Lisboa? Aonde está o documento comprovativo? Aqui faltam documentos (muitos apoiados). Aonde está o documento que pediu a Stern que viesse a Lisboa? Porque é que de Londres, sem ninguem fallar n'isto, a agencia financial diz ao governo que Stern não póde ir a Lisboa? Mas quem o chamou?! Está tudo publicado? É deploravel, é tristemente deploravel, mas é verdade que não estão publicados todos os documentos d'esta negociação. Não póde ser. Logo provarei á camara com documentos ainda mais irrecusaveis, se é possivel, que não estão publicados todos os documentos. Este procedimento do governo é que eu profundamente lamento. O emprestimo a 48 por cento, a 47 1/2 por cento ou a 44 por cento, são cousas pequenas para os interesses do paiz e para a sua dignidade sobretudo, mas a necessidade de publicar a correspondencia que houve com aquella casa, a correspondencia que deu logar á elevação do preço e a correspondencia que motivou este telegramma, que é a resposta á pergunta ou pedido que se fez, e que não se sabe qual foi, isso é que o governo devia ter apresentado, e é muito para estranhar que se não tenha feito. E note-se que não faço insinuações nem ao sr. ministro nem a ninguem, mas tenho o direito de exigir a responsabilidade do governo pelos seus actos. Quero saber se procedeu de um modo legal, se teve em attenção a dignidade do seu posto, se soube manter os interesses do paiz na sua verdadeira esphera. Tenho direito de exigir tudo, e n'esse ponto hei de ser severo, mas justo. Se tivesse alguma duvida a este respeito tinha d'onde tira-la. «Stern não póde ir a Lisboa». Note bem a camara que isto dizia-se em 1 de outubro.

Da proposta dos srs. Fonseca, Santos e Vianna de 24 de setembro, não se sabe nada, mas sabe-se que se convidava o sr. Stern a vir a Lisboa. Ha um telegramma que diz que o sr. Stern não póde vir, e esta lacuna é necessario que se preencha (apoiados), e ha de se preencher. Mas o que é impossivel, o que é mesmo para admirar, é que se estejam arrancando um por um estes documentos (apoiados), para a propria justificação do sr. ministro, e para se lhe fazer justiça completa e inteira, como elle de certo quer que se lhe faça.

«Stern annue ao preço de 48, promettendo o governo dar-lhe a preferencia no proximo emprestimo.»

Elle annue!... Não annue, vende; não annuiu, vendeu ao preço de 48 por cento que nós tinhamos cá, sem o comprar por concessão alguma (apoiados). Esta é que é a questão (apoiados).

O Sr. Stern, diz: «Estou prompto a aceitar a emissão a 48, mas haveis de me dar a preferencia.» Logo veremos o que é a preferencia, e a preferencia em igualdade de circumstancias.

O governo em resposta a este boletim mandou o seguinte de 2 de outubro.

«Ao conselheiro Brito. — Londres. — S. ex.ª agradece a annuencia de Stern ao preço de 48 por cento, e promette em compensação dar lhe preferencia, em igualdade de circumstancias, no proximo emprestimo que fizer.

«Stern escusa d'aqui vir.

«Sexta feira, 2 de outubro. = (Assignado) Sousa e Cunha.»

Stern escusa de vir! Para que é a ordem que lhe dá o sr. ministro, ou a insinuação em que lhe diz que escusa de vir? Porque é que elle tinha dito primeiro que não podia vir? É porque lhe tinham mandado dizer que viesse (apoiados). Esta lacuna é manifesta, e é necessario que se preencha.

Eu não quero admittir aqui o sr. Lupi, n'estas alturas não admitto aqui nenhum director da thesouraria (apoiados). Aqui não admitto senão o ministro responsavel (muitos apoiados). Quando o director da thesouraria não cumprir os seus deveres, faça o governo o seu, mas aquelle empregado é muito digno, muito honrado (apoiados), e muito intelligente, e quando diz uma cousa, é porque ella assim é. Mas se não é, o sr. ministro tome o seu logar, e puna os empregados. Mas sabe v. ex.ª o que diz o governo em resposta ao primeiro quesito que lhe fizera o illustre deputado e meu amigo, o sr. Serpa? Aqui está na folha official.

«Resposta ao 1.° quesito. — Em cartas particulares (de que não ha registo nem minutas na repartição) foram recommendadas as diligencias necessarias para se estipular em novo accordo, preço superior a 47 1/2 por cento, visto que o estado do mercado tinha melhorado; e prevendo se este caso antes de celebrado o contrato de 30 de julho, já se havia solicitado que nas condições que se ajustassem se fizesse dependente o preço dos titulos do que fosse cotado na occasião da emissão do emprestimo; reconhecendo se posteriormente que este alvitre não podia ser adoptado, por ser indispensavel que se achasse definido o valor dos titulos quando se tratasse da sua emissão.»

É pena que em um assumpto d'esta importancia haja cartas particulares de que nem ao menos fiquem minutas de uma negociação sobre a qual se tomam resoluções que podem affectar tão profundamente os interesses publicos (apoiados).

Digo só isto.

(Continuou a ler.)

«Áquellas diligencias se referiu o telegramma de 26 de setembro, e o resultado d'ellas foi communicado no telegramma de 1 de outubro.

«Foi em presença d'estes documentos que se expediu a portaria de 2 de outubro de 1863.»

Ora, eu nego-o redondamente, e vou mostra lo á camara pela redacção da propria portaria de 2 de outubro. Lê-se n'este documento:

«Havendo sido ajustadas com mrs. Stern Brothers diversas alterações no contrato de 30 de julho ultimo: manda Sua Magestade El-Rei, pela direcção geral da thesouraria, que o conselheiro Brito, encarregado da agencia financial em Londres, convide os referidos mrs. Stern Brothers a consignarem em um novo contrato, que seja declaratório d'aquelle a alterações que se acham approvadas, e são as seguintes:

«1.ª Transferencia da emissão do emprestimo para outubro;

«2.ª Augmento no preço do emprestimo, sendo 48 em logar de 47 l/2;

«3.ª Transferencia para a primeira prestação de 5 por cento do capital da subscripção que deveria ser satisfeito em 1 de janeiro proximo futuro.

«Paço, em 2 de outubro de 1863. — Joaquim Thomás Lobo d'Avila.»

Quaes declarações!... Quantas? Como foram propostas, como foram approvadas? Qual documento? Não está cá (apoiados). Não o vejo. A camara não sabe qual é (apoiados). Quando foram approvadas? Pois o governo diz em 2 de outubro que foram ajustadas umas declarações e alterações ao contrato de 30 de julho, e não apparece o documento d'onde se deprehenda este ajuste? (Apoiados.) Ha um telegramma de 1 de outubro que é a resposta do agente financeiro em Londres em que diz que Stern annue aos 48 por cento, uma vez que lhe dêem a preferencia, e o governo dá como assentado o accordo para pagamento das prestações em epochas mais proximas.

Onde está o documento que prova que os contratadores annuiram a esta alteração? Esta alteração importa o adiantamento de muitas mil libras esterlinas, e não era uma cousa indifferente para o governo nem para os contratadores, nem o governo havia de dizer que estava ajustado sem o estar. Mas onde se encontra, repito, esse documento? Ninguem o viu. Mas não é só isto. Teve a preferencia.

Graças a Deus que já ha preferencias em igualdade de circumstancias (muitos apoiados). Hoje já isto é uma cousa apresentavel, digna de defeza, que póde ser estipulada por ministros, applaudida pela maioria, e ter o apoio d'esta casa (apoiados), porque, durante muito tempo, me fulminaram por uma concessão similhante, que eu tinha feito em um contrato, a respeito do qual tenho de dar algumas explicações á camara, e mostrar a differença que vae entre as condições do contrato que eu fiz e aquellas que se dão no contrato de que se trata.

Dizia-se então que = eu estava vendido aos judeus de París =; assim se fallava na imprensa, e não sei se tambem na camara. Nesse tempo não se tinham ainda feito as, admoestações benevolas para uso da occasião (apoiados — riso); mas que esquecem no dia seguinte, deixando os homens publicos a descoberto de toda a casta de injurias e de affrontas ao seu caracter. Felizmente para mim tenho visto desfazer, como bolas de sabão, todas essas accusações pungentes que se me fizeram (apoiados). Citarei esse contrato approvado e convertido em lei pelos meus proprios adversarios. Disse-se aqui que eu tinha concedido um bonus aos accionistas da companhia dos caminhos de ferro. O bonus foi pago e integralmente pelos meus proprios adversarios (apoiados). Agora vem a preferencia que elle tinha concedido em igualdade de circumstancias, e que pelo modo por que a apresentava estava em caso muito diverso d'aquelle que se dá agora.

Graças a Deus que já é justo, bom e licito (apoiados). E isto não é com o nobre ministro da fazenda, que então nos apoiava, que então vivia comnosco, e achava isto bom (apoiados); é talvez com um seu collega que está tomando notas para me responder (apoiados), e com muitos outros distinctos cavalheiros, que acharam aquillo detestavel, e que hoje lhes parece menos feio (apoiados). Isto é triste e lamentavel (apoiados). Eu posso regosijar me particular e pessoalmente por ver destruidas as accusações que me fizeram immerecidamente (apoiados), e que repelli com a dignidade propria do meu caracter (apoiados); vejo as destruidas, e destruidas, graças a Deus, pelos meus mais implacaveis adversarios (muitos apoiados).

Mas quanto á preferencia pergunto — o que é a preferencia em igualdade de circumstancias? A preferencia em igualdade de circumstancias é um valor, e um valor em libras. Não é uma preciosidade, não é uma perfeição, está muito longe d'isso, é uma condição que só póde ser aceita pelo governo quando a pressão das circumstancias é tal que o obriga a fazer isso (apoiados).

E sabe v. ex.ª quando o nobre ministro da fazenda se prestou a conceder esta preferencia á casa Stern? Foi quando tinha caducado o contrato (apoiados); foi quando ella o não tinha cumprido (apoiados), foi quando o artigo 5.° tinha deixado de existir (apoiados); artigo 5.° que mandava abrir a subscripção para o emprestimo até ao dia 30, ou antes do dia 30 de setembro precisamente.

O contrato de 30 de julho podia reputar-se morto; porque aquelles individuos, ou casa com quem tinha contratado, haviam faltado, sem annuencia do governo, a uma das mais importantes condições do referido contrato, como hei de mostrar á camara; digo isto sem offensa dos concessionarios, que não conheço, mas creio e estou certo que são pessoas respeitaveis, que não são os judeus de Londres e París (apoiados).

Em 1856 nós estavamos excluidos da praça de Londres. E pensa v. ex.ª e acamara que esta exclusão d'aquella praça provinha de actos praticados pelo ministerio d'essa epocha? Não, senhor. É um engano em que se tem estado por muito tempo, e em que muitos homens publicos têem caído irreflectidamente, e não por má vontade, que a não supponho em nenhum d'elles.

Nós estavamos excluidos da praça de Londres em virtude das deducções que se tinham feito na divida externa havia muitos annos (apoiados). E se a camara duvida d'isso consulte as regras e regulamento do Stock-Exchange, lá verá quaes são as condições expressas, terminantes e positivas com que as operações e as vendas de fundos ali são permittidas. Os nossos fundos figuravam na lista do Stock-Exchange, mas não estavam cotados, ou o estavam a um preço muito baixo, e o governo não podia emittir novos fundos nem crear bonds de milhões de libras esterlinas (apoiados), para negociar como actualmente se está negociando (apoiados); não podia crear bonds, ou fosse a retalho, como agora se diz, ou por junto, como agora se faz (apoiados). E eu, quando quiz negociar por junto em 1856, os mesmos cavalheiros, que apoiam agora esta transformação, dizendo que = negociar por junto é o melhor systema =, impugnaram então tal systema (apoiados). Para elles o systema é bom ou é mau conforme os homens que estão no poder (apoiados). Mas isto, no fim de tudo, é triste para os homens que amam verdadeiramente o seu paiz (apoiados), que desejam levantar o systema constitucional e parlamentar do abatimento a que o têem levado estas aberrações continuas (muitos apoiados).

Mas, como ía dizendo, estavamos excluidos da praça de Londres, estavamos excluidos do Stock Exchange pelos factos que acabei de annunciar á camara. Que havia a fazer? Eu precisava recorrer ao credito. A regeneração não o tinha até ali feito porque não havia effectuado nenhum emprestimo valioso e importante, havia apenas feito peque nos emprestimos para obras publicas. Repito, a regeneração não tinha feito um emprestimo avultado, a regeneração não tinha lançado um só imposto, note bem a camara isto, a regeneração em cinco annos não tinha lançado um só imposto, tinha reduzido alguns dos existentes, como, por exemplo, nos vinhos do Douro, em relação aos direitos de saída, que foram reduzidos de 15$000 réis a 3$000 réis, comprehendidos os addicionaes, e não a 9$600 réis como aqui se disse; a regeneração tinha feito uma importante reducção nas pautas das alfandegas, reducção que se dizia então, e mesmo n'esta casa se affirmou, que ía arrancar ao thesouro publico 500:000$000 réis de receita, reducção que mais tarde foi segunda pelos meus illustres adversarios (apoiados), que foi continuada e augmentada, e que hoje está sendo uma das causas mais effecientes do augmento da receita publica n'aquella casa fiscal (apoiados); a regeneração reduziu tambem alguns impostos na alfandega municipal, e outros de que me não lembro agora e que não preciso enumerar; portanto não augmentou nem acrescentou nenhum imposto, pagou a todos (apoiados), manteve a lealdade dos contratos que se fizeram durante a epocha era que estive á frente dos negocios da fazenda; mas o que eu

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não podia facilmente conseguir era fazer cotar os nossos antigos e novos fundos na praça de Londres, visto que pesava sobre elles um anathema terrivel, porque não tinham sido pagos pelas administrações anteriores os encargos dos fundos existentes. Que se havia de fazer n'estas circumstancias? Abandonar o paiz? Dizer que não tinha remedio? Não (apoiados). Era preciso conseguir levantar os fundos necessarios e promover que outros os podessem de futuro levantar (apoiados). E entendeu-se que o accordo de Londres não serviu de nada! Accordo que não serviu senão para os meus adversarios me cobrirem de injurias, accordo que, apesar do que se disse, serviu para depois os meus adversarios poderem ter meios á sua disposição, para levantarem milhões sobre milhões (apoiados), e para virem enriquecer as paginas da nossa legislação com um dos melhores contratos que se têem feito n'este paiz! (Apoiados.)

Porém era muito para desejar que tudo isso que se tem agora feito fosse substituido por outras medidas que revelassem mais iniciativa e mais tendencia para melhorar o estado lastimoso em que se têem achado os negocios publicos e o paiz (apoiados). O contrato ou accordo de Londres não estava auctorisado, por consequencia tinha de ficar sujeito á apreciação, exame e resolução do corpo legislativo. N'essa occasião fui a París, procurei relacionar-me com uma das casas mais respeitaveis d'aquella nação e da Europa, com o credit mobilier; tratei tambem relacionar-me com os srs. Fould, Deveaux e outros differentes banqueiros de Londres e París, que não era com homens insignificantes que não mostrassem respeitabilidade e não dessem garantias de cumprirem religiosamente os contratos que fizessem; contratei com aquelles capitalistas, roas em que condições? Pensa v. ex.ª que tive precisão de ir dizer aquellas palavras mysteriosas ao ouvido do director geral da thesouraria, a que se referiu o meu espirituoso amigo o sr. Carlos Bento n'uma das sessões passadas, para arredar das portas do thesouro quem vinha propor-me emprestimos? Não, senhores. Tinha de solicitar, tinha de pedir, tinha de empenhar-me, tinha de empregar todos os recursos que a minha imaginação inventasse, a fim de poder habilitar o governo com os meios necessarios. Não, tres vezes não, mil vezes não; e se fosse preciso podia prova-lo com documentos irrefragaveis e fóra de toda a duvida.

Que queríeis vós? Queríeis que não sendo nós conhecidos nas praças estrangeiras senão pela falta de cumprimento dos nossos contratos, contratassemos em condições tão vantajosas para todos, como agora se faz, depois que as portas do Stock-Exchange se abrem para os nossos fundos? Pois são as mesmas circumstancias? Quereis comparar quantidades heterogeneas, como dissestes aqui pela bôca de um dos vossos mais auctorisados correligionarios? Podeis vós imaginar que era possivel contratar nas mesmas circumstancias? Nenhum de nós, pondo a mão na sua consciencia, o dirá; as circumstancias eram diversas, e não era possivel obter um emprestimo com as mesmas vantagens que hoje se podem obter (apoiados).

Mas seja me permittido dizer, não por vaidade, que não uso d'ella, mas por uma satisfação de amor proprio que me parece não é condemnado, e que eu não condemno nos outros, seja-me licito dizer, repito, que o contrato de 15 de dezembro de 1856 realisado por mim, e que não foi levado a effeito; apesar das condições desvantajosas em que fôra feito, em relação ao que se podia fazer hoje, se fosse levado á execução no momento em que os fundos estavam a 49, ainda deixava para o thesouro mais avultadas sommas, do que produziu aquella operação, a que o sr. ministro da fazenda se referiu em uma portaria que o sr. Carlos Bento já leu, dizendo que era a pagina mais brilhante da nossa historia financeira! É facto; aquelle contrato, estando os fundos a 49, dava maiores vantagens para o thesouro do que aquelle que o governo realisou, e que tantos elogios lhe tem valido.

Sabe v. ex.ª qual é a differença capital n'esses contratos? É que no contrato que teve logar quando eu era ministro, não se fixa preço, exactamente ao contrario do contrato Stern. No contrato Stern acautela se para a eventualidade dos fundos descerem abaixo de 44, e eu acautelava para o caso dos fundos subirem. N'este caso de que tratâmos quem se acautela é o banqueiro, no outro quem se acautelava era eu; e o governo quando tem a fortuna de, a troco de uma concessão de preferencias em igualdade de circumstancias, poder riscar outras disposições do contrato, não se lembra de fazer riscar esta! (Apoiados). Ainda que não fosse senão para deixar de apparecer em um contrato feito pelo governo uma tal e tão inconveniente clausula toda a favor do banqueiro, valia a pena de a eliminar.

Dizia eu que n'aquelles tempos calamitosos não se fixava o preço; o preço havia de variar em relação ao preço dos fundos no mercado. Se o preço dos fundos no mercado fosse abaixo de 46, a emissão seria feita a 2 por cento menos (agora foi a l 3/4 quasi 2); mas se estivesse acima de 46 a emissão seria feita a 2 1/2 por cento abaixo do preço do mercado no mez que precedesse o voto das côrtes. E fiz isto porque todo o meu fim era que os fundos subissem: queria empenhar o banqueiro pelo seu proprio interesse, que era o unico modo de fazer com que os fundos subissem. Aqui, se as circumstancias não fossem favoraveis, ganhava o banqueiro em que os fundos descessem, porque se elle visse que não podia ganhar uma certa somma, com as esperanças que tinha concebido, descendo a mais de 47 não era obrigado, e o governo não tinha tomado as precauções necessarias; emquanto que ao preço de 46 eu esforçava-me para fazer subir os fundos, e garantia ao governo a maxima vantagem. Agora fixa-se um preço de 47 1/2 pelo qual o governo fica obrigado, e o banqueiro inteiramente livre (apoiados). Esta é a comparação natural e singela dos dois documentos a que me tenho referido.

Mas, sr. presidente, a preferencia fica; aqui não ha senão um meio de obrigar-nos, e esse meio não o vi invocado nem pelo sr. ministro, nem pelos illustres membros da commissão que trataram da questão do emprestimo. A preferencia obriga o governo pelo menos a cingir-se a um certo methodo de levantar emprestimos.

Os emprestimos que se podem fazer com preferencia em igualdade de circumstancias, são sómente os emprestimos em concurso e em carta fechada. O governo annuncia que recebe as propostas que lhe quizerem fazer e que depois escolherá. N'este caso se encontram propostas inteiramente identicas em relação ao preço e ao custo; n'esse caso o governo está no seu direito, prevalecendo o principio da preferencia em igualdade de circumstancias, de preferir o banqueiro que tem essa condição, aquelle que a não tem. Da parte do governo pode não haver um sacrificio pecuniario e immediato; mas pode haver o sacrificio da garantia, e essa não se póde apreciar simplesmente pelo preço do contrato. A garantia tem um preço inestimavel, mas é um preço que não se póde reduzir precisamente a libras. E comtudo é pena que o governo se veja preso por esta consideração imperiosa que deriva de um acto seu, e que é uma obrigação a que elle tem de satisfazer, embora apenas consignada em cartas; não importa que não esteja no contrato, isso é a mesma cousa, e logo direi á camara como é que lá fóra se entende a obrigação de um ministro para com particulares por meio de cartas que obrigam reciprocamente a tomar certa responsabilidade.

Creio ter provado que as circumstancias em que tive necessidade de contratar uma disposição similhante, eram inteiramente distinctas e diversas d'aquellas em que nos achámos. Peço á camara que attenda a que se fiz esta justificação, é porque se me fizeram allusões directas da parte de um cavalheiro que não está presente, e cujo talento eu reconheço e applaudo, que é novo nas causas publicas e que devia ser isento das paixões partidarias que envenenaram por tanto tempo os debates parlamentares e as lutas politicas, e que dirigindo-se ao sr. Antonio de Serpa disse:

«Não vos lembraes que um amigo vosso já contratou tambem uma preferencia em circumstancias similhantes?»

Eu lamento este appello constante para o passado (apoiados), este appello que faz alargar os debates, que faz irritar as paixões, que obriga os homens publicos a discutir actos que já estão julgados ha muito pelos poderes publicos, e que longe de facilitar a resolução dos negocios, complica os e torna cada vez mais difficil a gerencia doa negocios publicos.

Vozes: — Deram quatro horas.

Como deu a hora, e não posso concluir hoje, peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por um grande numero de srs. deputados e dignos pares.)

(O orador não reviu este como não costuma rever nenhum dos seus discursos.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para quarta feira é a continuação d'esta discussão, e mais o projecto de lei n.° 11, d'este anno.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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