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SESSÃ0 DE 14 DE ABRIL DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Cabral de Sá Nogueira

Secretarios — os srs.

Adriano de Abreu Cardoso Machado

Domingos Pinheiro Borges

Summario

Apresentação de representações, requerimentos e projectos de lei. — Ordem do dia: Continuação da discussão, na generalidade, do projecto n.º 9.

Chamada — 52 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho de Ornellas, Alberto Carlos, Pereira de Miranda, Soares de Moraes, Teixeira de Vasconcellos, Sá Nogueira, Antunes Guerreiro, A. J. Teixeira, Freire Falcão, Pedroso dos Santos, Pequito, Sousa de Menezes, Eça e Costa, Ferreira de Andrade, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Francisco Mendes, Pereira do Lago, Coelho do Amaral, Bicudo Correia, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme Quintino, Barros Gomes, Freitas e Oliveira, Candido de Moraes, Barros e Cunha, Ulrich, J. J. de Alcantara, Mendonça Cortez, Alves Matheus, Nogueira Soares, Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Almeida Queiroz, Mexia Salema, José Tiberio, Julio do Carvalhal, Julio Rainha, Luiz de Campos, Augusto Pimentel, Affonseca, Marques Pires, Paes Villas Boas, Lisboa, Mariano de Carvalho, Sebastião Calheiros.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Villaça, Veiga Barreira, Rodrigues Sampaio, Santos Viegas, Antonio de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão do Salgueiro, Bernardino Pinheiro, Conde de Villa Real, Francisco de Albuquerque, Francisco Beirão, Costa e Silva, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Zuzarte, Gusmão, Mello e Faro, Latino Coelho, Moraes Rego, Mello Gouveia, Nogueira, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Pedro Roberto, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Arrobas, Antonio de Vasconcellos, Cau da Costa, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Pereira Brandão, Palma, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Augusto da Silva, Lobo d’Avila, Dias Ferreira, Elias Garcia, José Luciano, Rodrigues de Carvalho, J. M. dos Santos, Mendes Leal, Teixeira de Queiroz, Lopo de Mello, Camara Leme, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora e meia da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.º Officio do ministerio das obras publicas, satisfazendo ao requerimento do sr. deputado José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, e remettendo uma nota das sociedades anonymas, ás quaes, por contratos ainda hoje em vigor, tem sido concedida isenção do pagamento de impostos.

2.° Officio do ministerio do reino, em resposta ao pedido feito pelo sr. deputado Alberto Carlos Cerqueira de Faria, ácerca da faculdade que têem as juntas geraes de districto e as juntas de parochia de lançar impostos indirectos sobre o consumo ou venda de generos.

3.º Officio do mesmo ministerio do reino, acompanhando a consulta da junta geral do districto de Lisboa, relativa ao anno de 1870, pedida pelo sr. deputado Henrique de Barros Gomes.

Representações

Ácerca das propostas tributarias, e especialmente a da contribuição industrial

1.ª Dos tintureiros, com estabelecimentos de tingir.

2.ª Dos fabricantes de pós de gomma.

3.ª Dos trapeiros com estabelecimentos.

4.ª Dos mestres de velame para embarcações.

5.ª Dos fabricantes com offciaes e mercadores por miudo de calçado.

6.ª Do cidadão Antonio Cabral, industrial, preparando cordas de arame para guitarras.

7.ª Dos operarios de fabricas de cortumes.

8.ª Dos agentes de leilões.

9.ª Dos taberneiros ou vendedores por miudo de vinho, aguardente e vinagre, no concelho de Oeiras.

10.ª Dos mercieiros estabelecidos no concelho de Oeiras.

11.ª Dos padeiros do concelho de Oeiras.

12.ª Dos escriptores publicos.

13.ª Dos corrieiros.

14.ª Da direcção da sociedade anonyma limitada, que se denomina caixa de credito industrial.

15.ª Dos droguistas do Porto.

16.ª Da camara municipal do concelho de Gavião.

Acerca de diversos assumptos

Dos aspirantes de 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Lisboa, pedindo augmento de ordenado.

Pedindo para se tornarem extensivas as disposições da lei de 11 de setembro de 1861 aos officiaes de diligencias

Dos officiaes de diligencia de Villa Franca de Xira.

Requerimentos

1.° Requeiro que se peça ao ministerio das obras publicas o parecer do delegado de saude Mesquita, emittido por occasião da vistoria á fabrica de lanificios de Oeiras, documento que pedi na sessão anterior e que ainda não foi satisfeito.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1871. = Domingos Pinheiro Borges.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettido com urgencia a esta camara:

I. Certidão da data em que deu entrada na administração do concelho de Belem um officio do regedor da freguezia de Santa Maria de Belem, sobre o caso do supposto parto de Maria do Rosario, moradora em Pedrouços, o qual officio consta foi assignado pelo dito regedor na administração do concelho de Belem no domingo ultimo;

II. Certidão passada pelo escrivão da administração do concelho de Belem, em que declare se a junta do lançamento da congrua reuniu, ou não, no mez de julho de 1870, como se lê nas actas das suppostas reuniões da mesma junta.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1871. = O deputado por Belem, Pedro Augusto Franco.

3.° Requeiro, com urgencia, que pelo ministerio da marinha e ultramar seja enviada a esta camara uma nota dos rendimentos do seminario de Macau e das missões de Cantão.

Requeiro igualmente uma relação das disciplinas ecclesiasticas ensinadas no seminario de Macau, e do numero de alumnos que nos ultimos quatro annos tem frequentado as mesmas disciplinas.

Sala das sessões, 12 de abril de 1811. = Alves Matheus.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviado a esta camara o relatorio da commissão ultimamente nomeada para examinar os inconvenientes que até hoje têem impedido a realisação da decretada juncção das alfandegas de Lisboa e municipal.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1871. = Antonio Augusto Pereira de Miranda. Foram expedidos.

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SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — O projecto de lei relativo aos alumnos do curso de engenheria militar, ultimamente approvado n'esta camara, tornou bem notavel a posição pouco lisonjeira em que se acha uma prestante classe do exercito — a dos alumnos habilitados com o curso do estado maior.

Destinados pelas suas habilitações especiaes a desempenharem as mais importantes e complexas commissões militares, e por isso escolhidos pelo governo entre as primeiras classes da escola polytechnica, encontram posteriormente o olvido como premio do seu merito.

Emquanto os seus condiscipulos, que concluem os cursos de engenheria e artilheria; são desde logo empregados em serviços proprios com uma gratificação; que é augmentada depois de decorridos dois annos, os candidatos ao corpo do estado maior, obrigados a um tirocinio mais penoso, ainda que necessario, são privados de todas as vantagens pecuniarias, e concluido esse tirocinio ficam ainda sujeitos á permanecerem nas fileiras de cavallaria ou da infanteria, onde se lhes não proporciona uma applicação adequada aos conhecimentos adquiridos nas escolas, ficando assim improductiva a despeza feita pelo thesouro para os habilitar.

Fundando-me n'estas considerações, tenho a Honra de submetter ao vosso exame o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a empregar nos diversos serviços do corpo do estado maior os tenentes habilitados com o respectivo curso, que tenham satisfeito ao tirocinio exigido por lei, os quaes serão addidos ao referido corpo.

Art. 2.° Aos tenentes n'estas condições ser-lhes-ha abonada a gratificação assignalada aos segundos tenentes de engenheria na tarifa que faz parte do artigo 7.º do regulamento do corpo de engenheria de 12 de fevereiro de 1812.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 12 de abril de 1871. = D. Luiz da Camara Leme.

Á commissão de guerra.

Requerimento

Requeiro que o sr. deputado Caldas Aulete seja aggregado á commissão de instrucção publica. = Alves Matheus.

Foi approvado.

O sr. Mendonça Cortez: — Hontem, cumprindo as ordens d'esta camara, eu e os meus collegas dirigindo-nos ao paço d'Ajuda para, interpretando os sentimentos d'esta camara, manifestar a Sua Magestade que a camara dos senhores deputados, acatando as altas qualidades do Soberano, tinha aceitado cheia de respeito e reconhecimento a cessão generosa e patriotica que Sua Magestade houve por bem fazer da parte da sua dotação.

Sua Magestade acolheu-nos com a sua costumada benevolencia, e fez-nos saber que se dava por feliz em poder dar este testemunho de patriotismo os reis d'esta terra sempre têem dado ao povo portuguez quando a situação do paiz o exige, e que, sendo o primeiro na dignidade, queria ser o primeiro no exemplo do respeito as leis patrias e no cumprimento dos deveres patrioticos, e que emfim esperava encontrar em todos o auxilio indispensavel para que a patria podesse ser salva das graves circumstancias em que se achava, o que poderia conseguir-se com o respeito da ordem e da lei, as mais solidas garantias de prosperidade d'este paiz.

O sr. Presidente: — A camara ouviu com a maior satisfação a communicação feita pelo illustre deputado que acaba de fallar.

Leu-se na mesa um officio da direcção geral dos trabalhos geodesicos, topographicos, hydrographicos e geologicos do reino, remettendo dois exemplares do plano hydrographico da barra do Porto.

O sr. Presidente: — Creio que a camara quererá que se declare na acta que estes trabalhos da commissão (...) foram recebidos com especial agrado (muitos apoiados}.

O sr. secretario vae dar conta á camara de uma representação que foi remettida á mesa.

O sr. Secretario (Adriano Machado): — É uma representação dos industriaes de differentes objectos da cidade do Porto, reclamando contra a proposta de fazenda, e que se acham comprehendidos na 5.ª classe da tabella B da mesma proposta.

O sr. Presidente: — Chamo a attenção dos srs. deputados que foram nomeados para as commissões de regimento, vinhos e expostos, lembrando-lhes que é necessario que se constituam quanto antes, a fim de que as mesmas commissões possam funccionar.

Agora devo lembrar á camara que tem sido pratica, ha algum tempo a esta parte, o chamar a mesa para exercerem os logares de secretarios alguns srs. deputados quando faltam na camara os srs. secretarios e vice-secretarios. Esta pratica póde ter inconvenientes. Até aqui não os tem tido, mas não é conforme a lei, nem conforme as prerogativas da camara, que costuma eleger os seus secretarios; por consequencia seria conveniente que se tomasse uma resolução, isto é, ou que a camara approvasse esta pratica, ou que adoptasse outro expediente que lhe parecesse mais conveniente. Deixo isto ao juizo da camara.

0 sr. Mariano de Carvalho: — Ha um meio muito facil que é, qualquer sr. deputado mandar para a mesa uma proposta estabelecendo, como artigo regimental, que a mesa fique auctorisada a escolher para secretarios, na falta de secretarios e vice-secretarios, os srs. deputados mais novos pela ordem da idade, porque é isto mesmo que se faz na assembléa preparatoria; e n'este sentido vou mandar para a mesa uma proposta.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o sr. presidente d'esta camara seja auctorisado para designar na ausencia dos srs. secretarios e vice-secretarios, quaesquer membros para exercerem as funcções de secretarios.

Sala das sessões, 14 de abril de 1871. = Mariano de Carvalho.

Foi admittida, e approvada sem discussão.

O sr. Presidente: — Tenho a pedir ás commissões, a cujo exame estão submettidos alguns projectos de lei e alguns requerimentos de particulares, que dêem os seus pareceres sobre elles quanto antes, porque já tem acontecido não ter a mesa objecto algum para dar para ordem do dia, e os particulares tambem têem direito a ser attendidos; é até uma disposição da carta constitucional; por isso, repito, é necessario que as commissões dêem quanto antes os seus pareceres, a fim de que a camara os tome em consideração.

Actualmente temos só dois projectos que possam ser dados para ordem do dia.

O sr. Pinto Bessa: — Mando para a mesa duas representações contra á proposta de contribuição industrial, sendo a primeira dos negociantes de vinhos engarrafados da cidade do Porto, e a segunda dos barbeiros é cabelleireiros.

Peço a v. ex.ª que lhes mande dar o devido destino.

O sr. Julio Rainha: — Declaro a v. ex.ª e á camara que a commissão de legislação nomeou para seu delegado junto á commissão de fazenda o sr. Luciano de Castro.

Devo tambem declarar, em vista da observação que v. ex.ª acabou ha pouco de fazer, que a commissão de legislação se tem occupado dos assumptos que lhe estão affectos, e talvez hoje sejam apresentados alguns pareceres d'esria mesma commissão.

O sr. Pedroso dos Santos: — Sr. presidente, em algumas das sessões passadas differentes collegas nossos têem apresentado representações de officiaes de diligencias dos juízos de primeira instancia, pedindo que se lhes torne extensivo o disposto na carta de lei de 11 de setembro de 1861.

Estudando a materia, e vendo das disposições d'esta lei que não havia rasão para deixar de tornar extensivos aos

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officiaes de diligencias os beneficios por ella concedidos aos escrivães, tabelliães e aos revedores e distribuidores, formulei o projecto de lei, que passo a ler e que submetto à elevada apreciação da camara (leu).

Fizeram me a honra de tambem assignar este projecto os nossos illustres collegas e meus amigos, os srs. Pereira de Menezes e Julio do Carvalhal.

No relatorio estão desenvolvidas as rasões em que fundo o meu projecto, e se eu tiver a fortuna de que seja submettido à discussão da camara, por essa occasião exporei mais detidamente os fundamentos, pelos quaes entendo que deve ser convertido em lei.

Mando tambem para a mesa o seguinte requerimento (leu).

Quando se trata de elevar o imposto, quando está proxima a discussão do orçamento, quando se diz por toda a parte que o estado do thesouro é precario e que, a nossa situação é temerosa e quasi desesperada, é necessario que todos pensemos desveladamente nos meios praticos de obviar aos inconvenientes resultantes da falta de recursos, que, abalando o credito, contribue para o mau estado das nossas finanças. E um d'elles é que quem deve ao thesouro pague (apoiados).

É publico e notorio que se devem ao thesouro quantias avultadas, e ha muitos annos. Isto induz uma falta de patriotismo da parte d'aquelles que devem e não pagam, da parte dos encarregados da cobrança e arrecadação dos impostos, um desleixo e incuria a que é necessario pôr cobro (apoiados), e da parte dos governos, d'aquelles que porventura tenham commettido esta falta, uma certa condescendencia perigosa em conceder moratorias, que a lei não permitte.

Confio que o sr. ministro da fazenda dará as providencias ao seu alcance, para que os empregados fiscaes e os tribunaes administrativos e judiciaes, dando prompto é continuo expediente aos processos pendentes, submettidos à sua apreciação, façam arrecadar pelo fisco as sommas que lhe são devidas, e de que muito carece na actual conjunctura.

Eu não sei se a este requerimento succederá o mesmo que tem succedido a outros em que pedi esclarecimentos ao governo. Tenho tido sempre a infelicidade de requerer debalde, porque os meus pedidos ainda até agora não foram satisfeitos e attendidos! Ainda assim tenha v. ex.ª a bondade de fazer expedir com urgencia o requerimento que mando para a mesa.

Se tivermos a fortuna de ver o mappa a que alludo, talvez nos espantemos das cifras fabulosas a que attingem as dividas ao thesouro!

Aproveito o ensejo e mando para a mesa um requerimento de D. Emilia Schiappa Monteiro, viuva do general de brigada Francisco Monteiro de Carvalho, pedindo uma pensão em virtude dos serviços prestados ao paiz por seu fallecido marido, serviços pelos quaes entende que lhe póde ser applicado o artigo 1.° da carta de lei de 11 de junho de 1867.

O requerimento é tão explicito nas rasões de justiça, em que se funda a signataria, que eu, dispensando-me de fazer considerações mais largas, o entrego à justiça da respectiva commissão, que sobre elle deve dar o seu parecer.

O sr. A. J. Teixeira: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Ancião, concelho que faz parte do circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo para ser restabelecido um circulo de jurados n'aquelle concelho.

Na representação estão expostos os motivos que assistem à justiça do pedido d'aquella camara.

Nada digo agora a similhante respeito; e reservo-me para em occasião opportuna fazer as considerações que se me offerecerem, se a commissão de legislação, à qual peço que seja enviada esta representação, apresentar dentro em breve os seus trabalhos, como é de esperar do seu reconhecido zêlo.

Mando tambem para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da cidade do Porto, pedindo para lhes ser applicada a lei de 11 de setembro de 1861, que permittiu aos empregados de justiça serem substituidos por ajudantes. É um pedido justo e conforme com a idéa do projecto de lei, que n'este momento acaba de apresentar o meu illustre collega e amigo o sr. Pedroso dos Santos.

Permitta-me v. ex.ª que aproveite esta occasião para participar, que por motivo justificado deixei de comparecer a duas das tres ultimas sessões d'esta camara,

O sr. Candido de Moraes: — Recebi, assignada por diversos individuos, uma representação que é dirigida ao augusto chefe do estado. Julgo que o que me compete fazer é envia-la a v. ex.ª, e rogar-lhe o obsequio de proceder em ordem que este documento chegue ao seu destino.

Os signatarios da representação queixam-se do augmento de 150 por cento sobre o direito que pagava o melaço, e estes individuos todos têem fabricas de distillação em S. Miguel.

Quando se discutiu a reforma parcial da pauta geral da alfandega, em sessão que terminou em um dos ultimos dias do anno passado, tive a honra de dizer à camara que me parecia inconveniente aquelle augmento excessivo de imposto sobre uma materia prima de uma industria, que necessariamente morreria desde que se fizesse aquella modificação na pauta, que eu então impugnei.

Infelizmente vejo que as minhas previsões se realisaram completamente, e os individuos que exploravam uma industria que tendia a tomar um certo desenvolvimento estão inhibidos de continuar no exercicio d'ella. Alem d'isso outro resultado da falta de exploração d'esta industria é que os navios na torna viagem do Brazil, para os portos dos Açores ficam inhabilitados de conduzir carga para os portos d'aquellas ilhas; de sorte que isto vae produzir uma influencia muito notavel e prejudicial em relação ao commercio d'aquelle archipelago com o Brazil que em outro tempo foi importante.

Ha tempo a imprensa dos Açores, e a de Portugal subsequentemente, tem-se occupado detidamente de um assumpto que deve merecer a mais particular consideração dos poderes superiores do estado, e é esse assumpto uma tendencia manifesta dos povos d'aquellas ilhas, para considerarem cada vez mais distinctos os seus interesses dos interesses da metropole.

Tambem ha pouco tempo publicou-se um escripto notavel em Lisboa intitulado A independencia dos Açores, se bem me recordo.

N'ésse escripto mencionava-se o facto e chamava-se a attenção do governo para uma idéa que tendia a tomar desenvolvimento progressivo, e cada um de nós póde apreciar os tristes resultados que podia ter, desde que chegasse a um certo incremento. Seria excellente que poderes superiores do estado attendessem bem aos interesses dos povos açorianos, não fomentando com medidas impoliticas um mal que, se existe, é incipiente, e para debelar o qual basta fazer justiça.

Eu desejava que se combatesse essa idéa, reconhecendo-se um certo numero de aggravos, de que se queixam com justiça os povos açorianos, attendendo-se sempre ás circumstancias peculiares das ilhas, e não se pretendendo nunca fazer o que eu já n'esta casa combati, e que vem a ser considerar aquelles povos absolutamente em circumstancias identicas ás dos povos do continente.

Por esta occasião desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para alguns pontos, que são a construcção de um lazareto no Faial, construcção que está determinada por uma lei; e o estado de adiantamento do projecto para a construcção do porto artificial na bahia da Horta, construcção que tambem já está determinada por lei.

Desejava que s. ex.ª me desse algumas explicações sobre estes dois pontos, e não farei reflexões sobre elles,

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porque seria inopportuno quanto eu dissesse a esse respeito, attendendo a que s. ex.ª não está presente.

Peço portanto a v. ex.ª, sr. presidente, que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, a fim de lhe pedir esclarecimentos, se s. ex.ª se julgar habilitado a dar-m'os, ou a fim de me dizer se o não está, para eu formular sobre estes pontos uma nota de interpellação.

O sr. Eça e Costa: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação, assignada por cento e tantos proprietarios e donos de machinas de distillação de aguardente do concelho de Leiria, que reclamam perante esta camara contra a proposta de lei de 11 de março do corrente mez, apresentada pelo sr. ministro da fazenda, na parte que diz respeito à contribuição lançada aquelles estabelecimentos.

O sr. Alberto Carlos: — A camara e o conselho municipal de Coimbra encarregaram-me, e aos meus collegas, os srs. dr. Teixeira e Miranda, de apresentar uma representação que aquellas corporações dirigem a esta camara, contra a organisação da engenheria districtal, decretada em 30 de outubro de 1868.

Eu estava então no Alemtejo, e por isso não a podendo apresentar remetti-a ao sr. dr. Teixeira, mas este senhor, e o sr. Miranda, por delicadeza não o quizeram fazer até que eu viesse.

É este o motivo por que só hoje a apresentâmos. E portanto parecendo-me um negocio gravissimo e digno de muita consideração aquelle de que ella trata, remetto-a para a mesa, pedindo que seja enviada à commissão respectiva; e na occasião opportuna nós poderemos, depois da devida reflexão, manifestar as nossas idéas a este respeito, sendo certo que a camara e o conselho municipal invocam fundamentos muito graves, attendiveis e dignos da consideração d'esta camara.

O sr. Faria Guimarães: — Mando para a mesa uma representação dos mercadores de cal por miudo, residentes na cidade do Porto, que se queixam do excesso com que se pretende que elles sejam tributados na proposta de lei de contribuição industrial; dizendo que o augmento que se propõe para elles é de 150 por cento, o que acham excessivo, quando, segundo as rasões que apresentam, deveria a sua contribuição, quando muito, ser mantida na altura em que se acha.

O sr. Paes Villas Boas: — Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, que passo a ler (leu).

V. ex.ª terá a bondade de mandar este projecto à commissão respectiva, que parece ser a de administração publica.

O sr. Presidente: — Fica sobre a mesa para ter segunda leitura.

O sr. Alves Matheus: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação ao sr. ministro da justiça (leu).

Se eu tivesse a fortuna de ver presente o sr. ministro da justiça, perguntaria a s. ex.ª qual o estado em que se acham os trabalhos de divisão parochial commettidos a uma commissão, que para aquelle fim foi nomeada ha uns poucos de annos.

A divisão parochial é preliminar e a base indispensavel de uma dotação do clero justa e regularmente feita. Desde 1841 que pelos poderes publicos tem sido promettida uma dotação ajustada ás necessidades d'aquella classe e aos seus importantes serviços. Baldada tem sido a esperança, porque a promessa constantemente renovada pelos governos ainda até hoje não foi cumprida. Queixa-se o clero, e particularmente a classe parochial, de haver sido tratada com uma desconsideração tal, que à conta do ludibrio a tem já. Ha grandes desigualdades que a justiça e a equidade mandam corrigir. Ao passo que algumas freguezias têem valiosos passaes, e os parochos vivem com abastança, outras ha de área mais extensa, e de mais trabalhosa pastoreação em que os parochos vivem com aperto e sem meios de subsistencia sufficiente e decorosa. Se esta respeitavel classe faz à sociedade um serviço importantissimo, porque é o serviço da ordem, da moral e da civilisação, é de rigorosa justiça que a mesma sociedade lhe dê uma remuneração correspondente a esses serviços e à elevação e grandeza das funcções exercidas.

Tem-se dito que a dotação do clero é uma idéa reaccionaria; entendo, sr. presidente, que é uma idéa liberal, porque o respeito do direito e da justiça é condição inseparavel da liberdade. Nem a fome convence, nem a injustiça converte ninguem; mas ao contrario, irrita os animos e exacerba as resistencias, que felizmente não existem por parte do clero portuguez, que, respeitando as instituições e cumprindo as leis, tem sofrido resignado grandes privações e penurias, e que se alguma falta tem commettido é em não pugnar com mais energia e decisão pelo seu direito a uma retribuição condigna. O meio mais poderoso para uma instituição ser amada e grangear adhesões é o encontrar-se justiça à sombra d'ella. E como fallo n'este assumpto, aproveito a occasião para responder a algumas considerações feitas pelo illustre deputado, o sr. Bernardino Pinheiro, quando pediu aqui esclarecimentos ao governo ácerca dos bens das mitras, cabidos e conventos de freiras; disse s. ex.ª que = os bens das freiras representavam uma grande riqueza, que o governo devia aproveitar para attenuar o deficit =. Não posso deixar de protestar contra esta idéa, que se não póde abonar com rasões de justiça.

Os bens das freiras fazem parte da propriedade da igreja portugueza, e não devem saír fóra da igreja; não devem ser applicados a outras necessidades que não sejam as necessidades de ordem religiosa, e principalmente à sustentação do culto e do clero.

A dotação do clero é uma questão de que o governo se deve occupar com brevidade, para melhorar as condições deploraveis em que se acha esta classe.

Nos bens que pertencem ás ordens religiosas do sexo feminino encontraria o governo mais tarde um valioso recurso para estabelecer uma dotação regular; e quando alguma cousa sobejasse d'esta applicação, deveria attender com esse sobejo ás necessidades religiosas das nossas provincias ultramarinas.

Como v. ex.ª sabe, n'aquellas provincias é a religião o elemento mais efficaz para n'ellas se consolidar o nosso dominio, e ser mantida a obediencia e o respeito à corôa portugueza.

É a religião, allumiando ignorancias e desterrando barbarias, o elemento mais accommodado para alargar o trato e relações commerciaes, e principalmente para converter à fé e ao mesmo tempo à civilisação os povos incultos que habitam nessas paragens.

Disse tambem o illustre deputado que pelo direito canonico devem ser supprimidos todos os conventos que tivessem menos de doze professas. Não é facil nem possivel encontrar similhante disposição no direito canonico; este determina que deve ser de doze pelo menos o numero de pessoas preciso para se fundar uma associação religiosa do sexo feminino. Mas não diz, nem podia dizer, que, havendo menos de doze freiras em qualquer convento, deve este ser supprimido.

Inteiramente me conformo com as considerações que o sr. Bernardino Pinheiro fez, mostrando a necessidade de se melhorar a administração d'esses bens, que é pessima e irregular, porque provém da falta de probidade dos procuradores dos conventos de freiras. Deve o governo pôr cobro ás delapidações, que são notorias, e tomar providencias energicas para obstar à continuação de taes abusos e malversações.

Ha ordens religiosas do sexo feminino, que têem ainda avultados rendimentos, emquanto que outras vivem com extrema pobreza e padecem graves privações.

Lembra-me agora a narrativa que fez o sr. Alexandre Herculano, quando ha annos foi visitar o antigo e historico

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convento de Lorvão. Referiu o grande historiador em carta publicada pela imprensa que «dentro do arruinado edificio passavam fomes e estavam na maior miseria umas freiras já idosas, e que para arredar dos olhos este triste espectaculo, devia o governo mandar formar em linha essas infelizes mulheres, e ordenar a um regimento que lhe desse uma descarga, pois era este o meio de se resolver o problema para que serve em Portugal a força armada». O dito era pungente, mas merecido em presença de tal desamparo e de tão vergonhoso procedimento por parte do governo portuguez.

Limito aqui as minhas observações, que não alargo mais, porque m'o não permitte o meu estado de saude.

Peço a v. ex.ª que dê à minha interpellação o destino conveniente, porque desejo verifica-la quanto antes, e evitar o que me succedeu na sessão passada, em que tendo eu annunciado uma interpellação ao sr. ministro da justiça, sobre um assumpto relativo à dotação dos cabidos, passaram dois mezes sem que eu podesse verifica-la.

O sr. Candido de Moraes: — Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra, relativo ao requerimento que fez à camara dos senhores deputados o sr. Antonio José Gonçalves, que foi primeiro sargento do regimento de cavallaria n.º 4.

O sr. Calheiros: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias do juizo de direito da comarca de Vianna, em que pedem para ser auctorisados por lei a nomear substitutos, a exemplo do que já têem pedido outros individuos da mesma classe.

Espero que a camara tomará esta petição na devida consideração.

O sr. Francisco Beirão: — Mando para a mesa, por parte da commissão de redacção, o parecer sobre o projecto de lei que alarga os limites do concelho da Gollegã.

A commissão de redacção, examinando com todo o escrupulo o projecto e comparando as novas confrontações mencionadas no primeiro artigo da lei, com as indicações do mappa corographico d'essa parte do paiz, pareceu-lhe que a orientação referida no projecto não era completamente exacta.

Tambem pelo estudo que a commissão fez da ultima parte d'este artigo, pareceu-lhe, pela maneira por que elle se acha redigido, poder dar logar a algumas questões.

Comtudo a commissão, attendendo a que lhe não é permittido mais do que examinar a redacção dos projectos, sem lhe ser permittido alterar a essencia d'elles; considerando que qualquer alteração no projecto poderia dar logar a bastantes questões, entendeu dever mandar o projecto como foi votado.

E alem d'estas considerações, parece que a orientação póde-se considerar quasi exacta se se attender à orientação magnetica, e quanto à ultima parte o governo poderá resolver segundo as indicações do projecto.

Dou estas explicações não só para mostrar o cuidado com que a commissão de redacção deu o seu voto, e para a camara tomar alguma providencia, se julgar necessario, mas tambem para explicar a demora que a commissão teve em dar o seu parecer; demora que foi devida a querer ouvir todos os seus membros, e a fazer um estudo explicito do assumpto.

O sr. Mello e Faro: — Mando para a mesa uma representação dos officiaes de diligencias da comarca de Peso da Regua, em que pedem que lhes seja extensiva a disposição do decreto de 11 de setembro de 1861, que auctorisa os escrivães a terem ajudantes para os substituir no caso de impossibilidade.

O sr. D. Miguel Pereira Coutinho: — Participo a v. ex.ª que o sr. João Antonio dos Santos e Silva me encarregou de communicar a v. ex.ª e à camara que, por motivo de doença, deixou de comparecer à sessão de quarta feira, e por igual motivo não comparecerá à de hoje, e deixará ainda de comparecer a mais algumas.

O sr. Pinheiro Borges: — Declaro a v. ex.ª que o sr. visconde dos Olivaes não compareceu à sessão de quarta feira, não comparece à de hoje, e não comparecerá a mais algumas por motivo de doença.

O sr. Vasconcellos Coutinho: — Na sessão de 9 de novembro do anno passado pedi à camara que fizesse com que tivesse andamento a representação que foi mandada à camara no dia 20 de maio do mesmo anno, em que os habitantes do concelho de Oleiros pediam que a camara resolvesse em relação à representação que tinham feito para a reducção do praso do pagamento que os emphyteutas eram obrigados a pagar à commenda de Malta, que não podiam satisfazer de prompto, e exigiam que se lhes desse uma moratoria, pela qual fossem pagando o anno atrazado é o que fosse correndo.

Esta representação consta-me que foi remettida à commissão de fazenda em 12 de novembro. Eu desejava que a illustre commissão dissesse o seguimento que tem tido esta representação, e, quando não tenha tido, reclamava o seu andamento, a fim de que os interessados possam saber o direito com que devem contar.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 9, sobre a contribuição pessoal

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da fazenda para continuar o seu discurso.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Não desejava prolongar o debate dando logar a que os cavalheiros inscriptos illustrassem com as suas observações o assumpto; entretanto não me posso dispensar de dar ainda algumas explicações à camara exigidas pela natureza do projecto que se discute, e pela posição particular que devo tomar na discussão.

Na sessão passada já dei algumas explicações em relação ás observações do illustre deputado que me precedeu, e disse que aceitava todas as considerações que o illustre deputado tinha feito relativamente à modestia que devemos ter na sustentação das nossas opiniões, mas declarei tambem que não sentia compromettida a dignidade da minha posição politica quando entendi dever ceder ás alterações feitas no projecto que se discute.

E tambem observei ao illustre deputado que devia notar, que explicar as irregularidades apparentes de um procedimento qualquer por ausencia de elevação de sentimentos era uma temeridade que acabava quasi sempre por uma injustiça.

Não é esta a primeira occasião que eu, na minha longa carreira politica, tenho demonstrado praticamente que sei sacrificar os meus interesses pessoaes à delicadeza da minha posição politica (apoiados).

Eu aceito os conselhos que me dão, mas julgo-me com o direito de poder dizer, que tenho dado exemplos em vez de conselhos, exemplos um pouco mais difficeis de apresentar do que dar conselhos, que por muito respeitaveis que sejam não é comtudo preciso um grande capital de abnegação para os dirigir a qualquer pessoa.

Desejo dizer tambem que uma das rasões que me levaram a não dever insistir no supposto rigor de algumas disposições do projecto, era o tratar-se de uma contribuição que já tinha sido sobrecarregada ha pouco tempo com um importante addicional. Isto aconteceu tambem à contribuição industrial, que do mesmo modo foi sobrecarregada com um addicional muito superior aquelle que foi lançado sobre a contribuição predial. A desigualdade da importancia dos addicionaes lançados sobre as contribuições pessoal e industrial em relação aquelle que foi lançado sobre a contribuição predial, póde indicar que se deve ser muito reflectido no proposito de fazer passar todas as disposições, que se julguem rigorosas, de qualquer projecto a respeito d'aquellas contribuições. E devo observar, não pela vaidade de pôr em relevo o que disse n'outra occasião, mas para me

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fortalecer na convicção de idéas que professo, que tratando-se de medidas financeiras apresentadas pelo meu honrado amigo o sr. Braamcamp, eu declarei formalmente que não só votaria o imposto addicional então proposto à contribuição predial, mas votaria mesmo o que anteriormente havia sido proposto pelo sr. conde de Samodães.

Por consequencia, eu reconhecia então, como reconheço agora, que não ha nada tão arriscadamente oneroso como adiar a satisfação de encargos indispensaveis e conducentes ao fim do chamado e tão preconisado equilibrio de receita com a despeza. Se quando se trata de difficuldades praticas; quando se trata, por exemplo, da formação de tabellas para o lançamento de qualquer imposto, é muito de suppor que o ministro, que deve ter toda a responsabilidade dos projectos que apresenta, tenha comtudo consultado para a formação d'essas tabellas individuos competentes; o ministro teria uma vaidade de uma natureza indesculpavel se, quando se apresentam representações de interessados que podem revelar segredos technicos que não estão à disposição completa do ministro em todas as circumstancias, deixasse de attender a essas representações revestidas em o maior numero de casos de um caracter de competencia, e de um estylo conveniente, e de mais a mais com conhecimento da primeira necessidade do paiz, porque os representantes não se subtrahem ao augmento do imposto quando esse augmento não for alem do que suppõem ser as suas possibilidades collectaveis. Não era, pois, possivel deixar de dar a summa attenção ás representações que têem sido apresentadas n'este sentido, e devo declarar que n'uma d'essas representações encontrei eu a doutrina fundamental a que se deve attender na decisão de assumptos d'esta natureza. Lê-se na representação do centro promotor dos melhoramentos das classes laboriosas, que é effectivamente a difficuldade do accesso ao capital que torna precaria a sorte das industrias do paiz. É uma verdade, mas esse capital ha de ser tanto mais inaccessivel ás industrias quanto maior for a concorrencia do governo nos mercados (apoiados).

Nós somos forçados a ser concorrentes com as industrias; e emquanto o governo se achar n'estas circumstancias, emquanto tiver de concorrer ao capital em condições tão onerosas, não póde haver bases regulares industriaes n'este paiz (apoiados); e então n'este caso querer saír d'estas difficuldades, occulta-se o pensamento reservado de nos estabelecermos em condições, em que a producção no nosso paiz tenha as garantias que tem nos outros, e essas garantias não existem nunca, quando a fazenda do paiz continuar a existir nas circumstancias em que existe (apoiados). As necessidades onerosas do credito exigem imperiosamente de todos os governos os expedientes decisivos que as modifiquem.

Essas considerações são tanto mais faceis de apresentar n'esta occasião, quando a verdade é que temos progredido, e que as circumstancias têem melhorado incontestavelmente, devendo esse melhoramento ser atribuido principalmente à deposição que se conhece de não querermos proseguir na continuação de um estado de cousas, que é absolutamente impossivel, de accordo com os principios de administração; porque desenganemo-nos que ninguem se salva com o favor alheio.

Durante muito tempo suppozemos que, pela condescendencia dos capitaes estrangeiros, haviamos de pagar todo o descuido das administrações do paiz; mas uma cruel experiencia veiu-nos mostrar que não são os estranhos que se hão de encarregar de nos salvar, quando nós não empregâmos, os meios efficazes para nos salvarmos em pessoa.

Hoje tem-se podido mostrar a alguns estrangeiros, que entendiam que estavamos inteiramente à disposição das condições que nos impunham, para quaesquer adiantamentos para o thesouro portuguez, que no paiz ha recursos sufficientes, ha possibilidade de recorrer ao credito em muito melhores condições do que até aqui; e é preciso confessar que nós temos quasi pago, muito religiosamente, todos os encargos a que estavamos ligados, sem recuarmos diante dos sacrificios que nos impunha a solução d'esses encargos. Hoje começa a fazer-se-nos justiça; hoje é mais facil alcançar o que ha pouco era impossivel obter. Concorre tambem para isso o ver que os principios e a ordem estão estabelecidos debaixo das condições da liberdade; e esta situação, repito, tem concorrido para obtermos o credito que as nossas perturbações politicas, qualquer que seja a causa que as determinasse, compromettiam todas as vezes que se apresentavam.

As nações ricas, essas ainda poderiam custear o desassocego e as inquietações publicas a que imprudentemente se deixassem conduzir; as nações com difficuldades financeiras, essas não podem nunca aspirar ao perigoso luxo politico do compromettimento do socego publico.

O projecto de que se trata não apresenta um grande excedente de receita, todavia muda a base do imposto, e essa base melhora as condições em que se achavam estes impostos.

Um illustre deputado que me precedeu reconheceu essa verdade, e na minha opinião muito bem, que a vigilancia na observancia da materia collectavel viria fazer augmentar o imposto de que se trata, muito alem dos limites em que, segundo os dados estatisticos existentes, se indica que esse augmento se deve verificar.

Eu estou de accordo com essa opinião; estou persuadido de que o governo, empregando os meios que deve empregar para conseguir este fim, ha de chegar ao resultado que o illustre deputado indicou; e para não desanimar no emprego dos meios para chegar a um resultado, direi que não ha duvida nenhuma que temos melhorado em alguns pontos da nossa administração, como, por exemplo, na cobrança dos rendimentos publicos.

Ninguem póde negar que se tem melhorado consideravelmente sobre este ramo de administração.

Ainda ha pouco um illustre deputado fallava na necessidade de que se não concedessem moratorias.

As moratorias ha uns poucos de annos eram a idéa mais natural da administração da fazenda que se podia apresentar. N'este parlamento todos os dias se pediam moratorias, quanto a individuos, classes e corporações, e hoje desterraram-se inteiramente do nosso repertorio de expedientes financeiros; o recurso das moratorias tem caido no descredito que merecia.

Por consequencia basta só isto para demonstrar que a situação financeira tem feito progressos.

Eu tambem entendo que um dos elementos que se deve ter em attenção é a barateza da cobrança; mas n'esse ponto não tem havido descuido da parte dos governos que têem estado à testa da administração.

Comprehendo, reconheço e advogo a necessidade de introduzir novos melhoramentos para que a cobrança dos impostos se faça com a menor percentagem possivel.

Não acredito que seja possivel faze-la gratuitamente, e entendo que é necessario interessar os individuos encarregados da cobrança dos impostos na realisação da receita; mas o que é verdade é que basta considerar os algarismos, para ver que as quotas dos encarregados d'essa cobrança têem diminuido nos ultimos annos.

No anno economico de 1867-1868 importaram essas quotas em 294:000$000 réis; no anno de 1868-1869 passaram a ser de 223:000$000 réis, e no anno de 1869-1870 desceram a 212:000$000 réis.

E quando se repara que desde aquelle anno as contribuições têem augmentado consideravelmente, muito maior é a impressão que nos deve fazer a diminuição de despeza n'esta parte.

Ora eu tambem me posso vangloriar de ter empregado alguns dos meios que trouxeram comsigo este effeito.

Em 1869 tomámos uma deliberação, em virtude da qual desceram consideravelmente as quotas recebidas pelos individuos encarregados da recepção dos impostos.

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Já declarei que ao governo não podia ser alheia uma consideração que era commum a todos os srs. deputados, e que por consequencia havia de estar de accordo com desejos tão louvaveis como aquelles que se haviam apresentado. É certo que no momento actual me occupo da consideração das mudanças a effectuar nas quotas, mas eu não posso prometter economias alem de certos limites n'este ponto de que se trata.

Ultimamente introduziu-se o costume, em attenção à economia, de se excluirem todos os novos augmentos de receita da percentagem que devia corresponder aos cuidados dos exactores da fazenda.

É possivel estabelecer ainda reducção nas quotas; mas eu entendo que é conveniente com essa reducção fazer entrar toda a materia tributavel na percentagem que se paga aos individuos encarregados de fiscalisar essa materia, e não comprehendo que possa ser bom o systema de que os encarregados da cobrança de um dado rendimento não vão interessados n'essa cobrança.

Devem-se fazer reducções; mas é necessario attender a que estando uma parte da cobrança já fóra do algarismo das quotas, essas reducções não podem ser consideraveis, pelo menos em relação a uma parte dos exactores.

Eu sou partidario das reducções, e tenho-as praticado sempre que tenho podido.

Chegámos a um ponto em que todos temos obrigação de ser economicos, queiramos ou não.

E não se pretenda n'este ponto estabelecer uma preferencia de escolas, que póde trazer comsigo a falta de unidade de esforços para se conseguir o mesmo resultado.

A economia é mais uma questão de chronologia do que de classificação de partidos.

Chegámos a uma epocha em que toda a gente viu e reconheceu que não era possivel haver um pesado luxo administrativo, se em alguma occasião elle existiu. Havendo, reducções ainda a fazer, é necessario que essas reducções não deixem de ser uma realidade.

Entendo que é necessario que o estado gaste debaixo de condições que melhorem o estado da administração do paiz, mas nem todos reconhecem que o governo póde applicar sommas inexgotaveis em más condições para o supposto desenvolvimento da riqueza do paiz. É necessario que a riqueza do paiz possa acompanhar os meios de que o governo dispõe para conseguir os resultados que deseja; ou, mudando de expressão, entendo que em vez das finanças deverem acabar por lentamente melhorar as condições economicas do paiz, é urgente que sejam as condições economicas do paiz que venham com efficacia em auxilio da finanças do paiz (apoiados).

Ora, eu tenho a consciencia de que o momento actual se presta a fazer algumas reducções, se o parlamento ajudar n'este empenho o governo. E devo dizer que, com as medidas financeiras que já se tem votado nas sessões anteriores, se tem auxiliado o governo a proseguir n'este caminho. Não anda por certo em menos, antes em mais de réis 100:000$000, as economias que se têem feito na despeza da divida fluctuante externa que existia, e isto porque a camara tem habilitado o governo com os meios que já tem votado, para poder tirar partido vantajoso d'esta situação.

Pela minha parte posso asseverar que me não tenho descuidado de empregar os meios para esse fim ao meu alcance, e dão d'isso testemunho o preço dos nossos fundos e as melhores circumstancias financeiras em que hoje nos encontrâmos. O preço dos fundos em Portugal é de 35, e em Inglaterra é de 34, quando em junho do anno passado chegou a ser de 25.

Quando entrei para o ministerio vendiam-se os fundos a 27; pude mandar sustar a venda; e se quizessemos podia-mos já vender em larga escala a 33 por cento.

Já a camara vê, que quaesquer que sejam as considerações politicas que possam desviar qualquer membro do parlamento de ter confiança em um dado ministro, o governo tem satisfeito ao mais imperioso dos seus deveres.

Agora direi mais.

Agradeço ao sr. Barros e Cunha a posição em que se collocou n'esta questão, posição em que o tenho encontrado muitas vezes, e que não reflecte tanto da sua posição politica, como do que s. ex.ª entende ser o cumprimento dos seus deveres publicos...

O sr. Barros e Cunha: — Ao contrario; é tambem a situação politica em que estou que regula o meu proceder.

O Orador: — Tanto melhor, porque entendo que não deve haver distinções politicas, para a resolução da questão financeira. O governo assim o entende, e confia plenamente no parlamento.

Ora, é por esta rasão que eu digo que o illustre deputado, o sr. Barros e Cunha, apresentando idéas que são muito geralmente aceitas, entendeu, que se não devia; deprimir o rendimento da contribuição pessoal. E é assim, que tende eu declarado francamente que o addicional dos 40 por cento não tinha sido tomado, em consideração para o augmento do imposto industrial, n’este projecto devo dizer ao illustre deputado que estou de accordo, com elle, mesmo porque este projecto tinha sido originariamente, redigido de modo, que começava por dizer. «É dividida a contribuição pessoal em duas contribuições de lançamento denominadas contribuição de renda das casas e contribuição sumptuaria». Mas como eu tinha a idéa de que effectivamente os 40 por cento recaíssem sobre esta contribuição, fiz redigir a proposta não importando a abolição da contribuição pessoal, mas dividindo-a em dois systemas differentes.

O illustre deputado tambem fallou nos 2 por cento para falhas.

Eu entendo que essa idéa não era desagradavel, e esses 2 por cento não importavam uma somma muito consideravel, e podiam mesmo concorrer para se tirar uma illação que podia ser mal considerada, isto é, que a contribuição sumptuaria vinha a ser sem aquelle recurso algum tanto melhorada.

Eu devo, declarar que da contribuição, sumptuaria não se póde esperar um grande resultado financeiro; mas nas circumstancias em que nos encontrâmos é a mais moral de todas as contribuições (apoiados).

Eu entendo que, quando somos obrigados a augmentar os impostos sobre os objectos de primeira necessidade, quando fizemos, pagar os impostos indirectos ao consumo é indispensavel manter a contribuição sumptuaria como se acha, e n'isto não fazemos mais do que seguir o exemplo de nações muito, mais adiantadas e que têem as suas finanças muito mais prosperas da que as nossas, como é a Inglaterra, aonde esta contribuição existe; e ainda que a sua importancia não é grande, todas as considerações moraes exigem a sua permanencia.

Ainda ha bem pouco tempo apparecia no orçamento inglez uma verba de 1:000 libras, esterlinas, imposta sobre os pós que servem para empoar as cabelleiras aos creados, e o parlamento inglez, tratando-se de um orçamento de libras 70.000:000, entendeu por muito tempo não dever prescindir de uma verba que de certo não era conservada só pelo seu resultado fiscal.

Ora quando estes impostos, ou outros analogos, existem em outras nações, não ha nenhum motivo plausivel para que deixem de existir entre nós.

É certo que do augmento d’este imposto não se póde esperar uma somma muito importante; mas entendo tambem que da sua diminuição não póde provir augmento de receita, porque a diminuição só, por exemplo, do imposto, sobre carruagens, não habilita ninguem, a poder usar d’este meio de transporte; portanto, assim como não creio que o augmento d'esta contribuição sumptuaria possa fazer desapparecer este rendimento, tampem, não supponho que a diminuição d'ella o possa fazer augmentar. Basta ver que este ramo de materia collectavel não recuou tão horrorisado

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diante d'este imposto, que não duplicasse o seu rendimento quando o sr. Casal Ribeiro, ministro da fazenda, apresentou n'esta camara a proposta com relação ao augmento da contribuição pessoal sumptuaria, que foi approvada, sendo um dos que tinham carruagem e, por consequencia, dos que estavam sujeitos à mesma contribuição.

De passagem tambem, e voltando ainda ás economias, deverei dizer que assim como a receita habilita o governo a effectuar as maiores economias, assim tambem as reducções são um meio de receita. Ninguem póde negar que todas as reducções que não prejudiquem os serviços são um meio efficaz de receita, e tem uma grande importancia moral.

Disse-se que a apreciação do orçamento poucas garantias poderia dar de se effectuarem reducções importantes na despeza publica. Eu não sou inteiramente d'esta opinião.

Quem póde desconhecer que a apreciação das verbas de um orçamento é occasião de se effectuarem certas economias?

A Inglaterra não é um paiz atrazado, e todavia não se dispensa de discutir o orçamento, verba por verba, em que muitas vezes faz reducções.

E de mais, quem não sabe que os orçamentos são sempre acompanhados de leis que contêem disposições, que, à falta de outras, reduzem a despeza?

Pois não contém o orçamento dos annos antecedentes importantes disposições em relação ás reformas e aposentações?

Não contém o projecto do orçamento actual o pedido de uma auctorisação para effectuar reducções nos quadros é simplificar os serviços?

Não se póde então dizer que seja indifferente a discussão do orçamento.

O governo entende que na parte relativa à despeza a discussão do orçamento deve ser muito proficua; e é indispensavel até como elemento de legalidade.

Ha todavia reducções, com as quaes não posso conformar-me, e que podem momentaneamente importar uma diminuição de despeza; mas os illustres deputados que as lembram, aliás auctorisados por exemplos muito competentes, devem reflectir que a adopção de certos alvitres em administração não é indifferente em todas as circumstancias, e não ha nada que recommende tanto uma nação, que injustamente tem sido apreciada quanto à satisfação dos seus compromissos, como demonstrar que não ha consideração que a faça recuar, nem sacrificio a que se poupe para satisfazer esses encargos.

Por isso não posso aceitar a idéa de impor uma contribuição sobre os juros das inscripções, lembrada pelo illustre deputado que me precedeu.

Era o peior de todos os negocios. Fazia-se na despeza uma reducção que se havia de pagar com usura por outro lado, quando temos para realisar cerca de 3.000:000 de libras esterlinas do emprestimo em ser.

Eu estou cansado, e desconfio de que a camara ainda o estará mais.

Vozes: — Nada, nada.

Obedecendo a estas duas imperiosas considerações, não prolongo mais as minhas reflexões.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

(S. ex.ª não reviu este discurso.)

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

Sr. presidente, sem querer agora adduzir grande copia de argumentos para defender a doutrina exarada n'esta proposta, direi apenas que, comquanto o imposto sumptuario perante as boas praticas de economia politica não se possa defender nem justificar, perante as necessidades do nosso thesouro tem elle a maxima de todas as justificações. Mas ainda assim, sr. presidente, julgo que aquella elevação tão extraordinaria que se apresenta nas tabellas, não póde ser

defensavel, por ser um estimulo permanente para que muitos se furtem a esse imposto (apoiados).

Pôde dizer-se que só em Lisboa e Porto é que a contribuição sumptuaria tem produzido os devidos effeitos; no resto do paiz, onde, em geral, são muito diversas as condições de fortuna e de finanças, estas taxas estão demasiado elevadas, e isso fará com que o tributo não renda o que deve render.

São muitos os meios empregados para que aquelles que devem concorrer para o thesouro se furtem a esse encargo.

Não venho representar o papel de denunciante, não é essa a minha missão, mas apenas indicar que a reducção das tabellas é necessaria, para que dê maiores resultados.

Ha entre as excepções apresentadas na lei algumas que só têem justificação na demasiada e pouco proporcional elevação das tabellas, cuja diminuição é uma necessidade, a qual estou persuadido que o sr. ministro da fazenda não terá duvida em aceitar por ser justa, e porque confio na sua elevada intelligencia.

Basta citar, por exemplo, o seguinte:

Os trens de aluguer são isentos do tributo sumptuario. Ora, não me parece que esta excepção seja muito rasoavel, porquanto muitas vezes os trens de aluguer representam os effeitos sumptuarios, e muitos opulentos ha, que alugam um trem permanentemente, para se furtarem ao imposto.

Busquemos um exemplo de outra e diversa natureza no ministerio. Todos sabem que ha necessidade dos ministros terem carruagem, uns têem carruagem propria, outros têem carruagem de aluguer. Qual ha de ser a rasão por que o ministro que tem carruagem propria pague o imposto sumptuario, e o que tem carruagem de aluguer não pague esse imposto?

(Interrupção do sr. ministro da fazenda.)

Bem sei que na proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda não foi introduzida excepção com respeito aos trens de aluguer para serviço aturado, e s. ex.ª mesmo disse na commissão de fazenda, que uma das principaes rasões que actuavam no seu animo era exactamente elle não ter carruagem quando deixava de ser ministro, e quando ministro te-la de aluguer, e querendo que o sacrificio principiasse por si.

Não podia esperar-se outra cousa da nobreza e isenção do caracter de s. ex.ª Mas s. ex.ª defendeu a sua proposta principalmente debaixo do ponto de vista pessoal, e eu entendo que ha muitos outros modos de defende-la n'esta materia.

Digo eu, sr. presidente, será luxo e sumptuosidade a carruagem do medico, que carece de não perder tempo quando vae acudir aos enfermos e livra-los muitas vezes da morte com a promptidão dos remedios? Porque ha de pagar o medico e não ha de pagar o ministro d'estado?

Bem vi eu, sr. presidente, que esta demasiada elevação das taxas sumptuarias apresenta, como principal defensão e como principal fundamento, o dizer-se que diminue quanto possivel da parte dos remediados e dos pobres a repugnancia ao pagamento do imposto, por isso mesmo que os ricos e os abastados pagam de uma maneira extraordinaria por aquelles commodos de que só elles podem gosar.

Effectivamente, como elemento de popularidade, a elevação das taxas sumptuarias é na verdade defensavel, e seria muito para espantar, muito para admirar que eu, comquanto falle agora individualmente e não em nome do partido a que tenho a honra de pertencer (e eu tenho a honra de pertencer a um partido que é accusado de andar constantemente atrás das auras populares, e a empregar todos os meios para que essas auras reduzam todas as resistencias, facilitando-lhe e abrindo-lhe mesmo um caminho commodo para alcançar destinos de uma ordem elevada), seria muito para espantar, repito, que eu viesse aqui propor e defender a diminuição das taxas sumptuarias, quando a elevação d'essas taxas é um elemento de popularidade.

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Mas, se a popularidade é um grandissimo elemento, um elemento fortissimo... (Àparte.)

Felizmente posso fallar, porque nunca hei de ter carruagem, e nunca a tive (riso).

Mas, como eu ía dizendo, se a popularidade é um elemento fortissimo, um elemento essencial para a governação, porque no povo é que reside toda a força, é preciso convir por outro lado que ha tambem outros elementos de governo, sem os quaes o executivo se veria altamente embaraçado.

Pelos recenseamentos dos gados a que por vezes se tem procedido, e principalmente por aquelle já muito mais aperfeiçoado que ultimamente se fez, se deprehende que nós temos no paiz 100:000 cavallos, e creio que cerca de 90:000 muares, sendo quasi todos estes solipedes empregados, diz se, em trabalhos de lavoura, e portanto isentos do imposto.

Ora, parece-me que nem todos com effeito têem esta applicação à lavoura; estou que muitos d'elles são applicados à tracção puramente pessoal, puramente de commodo. Mas em todo o caso os possuidores evitam o imposto alterando completamente a applicação dos animaes nas declarações que fazem os donos.

Eu tinha muitas outras rasões para fundamentar a minha proposta, mas não quero cansar a attenção da assembléa, e de certo terminaria aqui as minhas observações se os discursos proferidos pelo meu illustre collega e amigo, o sr. Alves Matheus, e pelo sr. ministro da fazenda, não suscitassem no meu espirito algumas reflexões que vou fazer muito resumida e rapidamente.

O sr. Alves Matheus, com uma eloquencia rara e muita fluencia, atacou a proposta de lei apresentada pelo sr. ministro da fazenda e o projecto de lei que veiu da commissão respectiva, descobrindo altos inconvenientes, adduzindo considerações muito valiosas, e mostrando emfim aquillo de que eu ha já muito tempo estava convencido, e é que a proposta apresentada pelo sr. ministro da fazenda não satisfez de modo algum aos principios a que devia satisfazer, principios de diversas ordens, principios economicos, principios financeiros e principios fiscaes (apoiados).

A defeza adduzida pelo sr. ministro da fazenda não me parece que pulverisasse, que reduzisse a zero os argumentos fortemente valiosos apresentados pelo sr. Alves Matheus. S. ex.ª percorreu as largas campinas que a sua imaginação fertil lhe está sempre descerrando, colheu por ella muitas flores, apresentou argumentos variadissimos, dilatou-se em considerações de ordem muito diversa, divagou pelo orçamento, por aquella enorme floresta encantada, mas com relação à defeza propriamente dita do projecto de lei foi fraquissima a sua argumentação.

Se me é licito apresentar n'esta conjunctura, e em assumpto que é de si secco, uma imagem, direi que o discurso de s. ex.ª foi como uma d'aquellas cascatas dos jardins do seculo passado, que todos nós temos visto por essas quintas de fidalgos arruinados.

Via-se no topo da cascata uma naiade já carcomida e avelhentada gorgulhando uma tenue lympha, que escorre e saltita pelas conchas e seixinhos e calhaus, humedecendo as florinhas e os relvados, que enchem o ambiente de gratas fragrancias, mas esta lympha evaporava-se, e a final não chegava a caír uma gota de agua no tanque da cascata. A atmosphera ficava humida e convidava a ser respirada com prazer. A vista recreava-se nas flores que se abriam à luz de um raio do sol que de curioso viesse brincar n'alguma conchinha. Mas, passado um momento, perguntava o espectador para que servia aquillo, e encolhendo os hombros fase embora (riso — apoiados).

Usando ainda de uma figura analoga e antithetica, o discurso do sr. Alves Matheus foi como uma catarata, não direi catarata, porque parece-me que estamos no tempo em que ninguem já póde ter cataratas nos olhos; foi uma cachoeira, cheia de força, impulsão e movimento. As aguas revoltas e espumantes, ennovellavam-se e encovavam-se, e a final precipitavam-se dos rochedos e arrastavam na sua corrente os membros dispersos d'aquelle projecto de lei, que ficou reduzido a quasi nada (apoiados).

O discurso do sr. Alves Matheus foi um quadro da escola flamenga ou da escola veneziana. Viam-se ali traços de um Teniera, de um Rubens, de um Veconezio ou de um Tinetoreto. As figuras destacavam-se da téla e mostravam a nomenclatura, a encarnação e um colorido forte (apoiados). O discurso do sr. ministro da fazenda foi um esboceto de Grense ou de Boucher, com muitas naiades, dryadas, muitos cupidos papudos, muitos adonis, muitas flores e nada mais (apoiados — riso).

Sr. presidente, comquanto a minha profissão seja militar, à qual anda annexa uma certa tradição de arrogancia, não julgue s. ex.ª que possa mostrar me soberbão. Deus me livre de ser arrogante.

O sr. ministro começou por declarar que n'aquella occasião envergaria a sotaina do ministro da religião, e seria nos seus actos verdadeiramente humilde com um dos primeiros monges de Thebaida, um S. Jeronymo ou um S. Bazilio. Mais disse, que tinha tenção, que tinha esperança de fazer com que o seu projecto fosse emfim considerado não como uma perfeição absoluta, mas como tendendo muito para libertar o thesouro das suas estreitezas e das suas penurias.

O sr. ministro pretendeu mostrar que muitas vezes circumstancias difficeis se podem superar pelo chiste, pela graça natural, pelo sal attico e pelo talento epigrammatico; mas o que s. ex.ª mostrou foi que nem sempre este talento, desajudado de estudos primordiaes e aturados sobre um dado assumpto, póde vencer a satyra vehemente, sabia e justa, como foi o discurso do sr. Alves Matheus (apoiados).

Eu não vejo que o projecto de lei em discussão possa concorrer de algum modo para minorar as más circumstancias do thesouro portuguez, francamente o digo.

Quando em Inglaterra se levantam agora umas certas tendencias republicanas, que enchem de espanto e admiração áquelles que conhecem a historia d'aquella grande nação, o que faria se o deficit se tornasse lá constitucional como em Portugal? Porque o que nós temos de verdadeiramente constitucional em Portugal é o deficit (riso). Não está marcado na carta, mas está no nosso organismo; e não me parece que os remedios propostos pelo sr. ministro da fazenda possam attenuar este deficit, que, apesar de ser constitucional, é muito imperativo, muito despotico e muito absoluto (riso — apoiados).

Pois como é que o sr. ministro da fazenda ha de com effeito concorrer fortemente para diminuir as estreitezas do thesouro, se elle é o primeiro, do banco dos ministros, a dizer-nos, que em Portugal o homem politico, para ser original e para subir na consideração dos seus concidadãos, não precisa senão de folhear o diccionario?! (Riso.)

Folhear o diccionario! Quem ouvir isto, afigura-se-lhe que o ser ministro de qualquer pasta, e maiormente da pasta da fazenda, é uma perfeita sinecura. Folhear o diccionario! Quem é que o não folheia? É uma cousa simplicissima. Não me parece uma tal proposição propria dos elevados dotes que concorrem na pessoa do sr. ministro da fazenda.

Folhear o diccionario! É por se folhear o diccionario, e não se fazer nada mais que isso, que chegámos ao estado ruim, ao estado miserando em que nos encontrâmos, e para superar o qual eu não ouço senão lamentos, protestos e promessas. Os factos, esses, sr. presidente, não os vejo eu, não os vê ninguem (apoiados).

Ainda mais. O sr. ministro da fazenda, não só entende que para ser original basta folhear o diccionario, citar de vez em quando mr. de Parieu, e mostrar que esse auctor diz que em Portugal ha todas as ordens, todas as categorias de impostos; mas vae mais longe. O sr. ministro da fazenda tem um horror profundo e entranhado por todo

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quanto se possa considerar como innovações. Innovações! Inquisição com ellas. Venham todos os familiares do santo officio lançar-lhes as algemas, e mette-las nas derradeiras e mais lobregas presigangas (riso).

Nada de innovações! As innovações, na phrase do sr. ministro da fazenda, são o caminho mais curto para precipitar este paiz no abysmo, à beira do qual todos dizem ha muito tempo que nós estamos (riso). E o sr. ministro parece não se importar muito com o tal abysmo (apoiados).

Ainda hontem acertei eu de abrir um livro, que tenho folheado por diversas vezes. Não julgue o sr. ministro que é diccionario. Eu não aspiro à originalidade, não é o diccionario, é o velho Horacio, o habitante de Tibur, o maior poeta da civilisação romana. Dizia elle, se a memoria me não falha, porque eu tenho uma ruim memoria:

... Turpe putant parere minoribus: et quae

Imberbes didicere, senes perdenda pateri.

no livro II da epistola I.

N'estes dois versos está exarada uma grandissima verdade, cuja applicação o sr. ministro está fazendo.

Tudo que vem dos moços, d'aquelles desalojados que olham para o futuro não presta, não vale nada. É necessario expungir completamente os rapazes, porque o que dos moços vem, dizem os velhos, não serve senão para a ruina da sociedade. A maxima é muito antiga, mas tem aqui uma applicação excellente (apoiados).

Pois eu nasci com este geito. Gosto das innovações, das innovações fundadas no bom criterio, na analyse, na comparação dos factos; mas innovações que possam dar impulso real e verdadeiro, que revelem que uma nação tem forças para alcançar o logar que, por todas as circumstancias, lhe compete.

Sem innovações o que seriamos nós? Pois se a innovação é o instincto da humanidade, se é o progresso, se é o movel de toda a situação, como é que o sr. ministro pretende fechar-lhe a porta? Se não houvesse innovação para que trabalhar? Para que escrever livros? Para que folhear até os diccionarios? Horror profundo a tudo que seja innovar! É o mesmo que dizer a sociedade — attingimos emfim a nossa fórma de equilibrio, chegámos à meta alem da qual o caminhar e o transitar é uma heresia. É exactamente o mesmo que o rochedo que se levanta na plaga e que diz ao mar: tu não pódes ir mais longe (apoiados).

Disse o sr. ministro da fazenda: «Não me importa com todas as prescripções exaradas no projecto de lei. O que eu queria, porque é com effeito o ponto principal e sobre qual insisto, é que passe o artigo 1.°, por ser aquelle que resume o pensamento do ministro da fazenda, que é transformar o imposto pessoal em duas ordens de impostos. Imposto sumptuario e imposto sobre a renda das casas».

Não sei; mas ouvi dizer a uns maldizentes que s. ex.ª proferiu isto, porque na commissão de fazenda nada mais escapou. E é assim que s. ex.ª conseguiu escapar-se à analyse, e achou uma tangente magnifica. O artigo 1.° foi a unica cousa que escapou, logo devia ser a unica cousa que devia escapar. Logica do sr. ministro da fazenda! (Riso. — apoiados).

Entendo que o sr. ministro dizendo isto, salvo o devido respeito, commetteu um grave erro. O primeiro argumento, o mais importante, o mais ponderoso, aquelle que devia actuar no animo da assembléa, é que esta lei quasi não teve alteração. Ficou qualis ante erat. A lei que discutimos é exactamente a que existia. Differe um pouco na fórma, mas a essencia é a mesma.

(Interrupção.)

A differença é nulla ou pequenissima, tanto para mais como para menos, e portanto toda a discussão que no seio do parlamente se levantar sobre este projecto é completamente inutil, é uma redundancia, um pleonasmo. E é por isso que eu approvo o projecto, porque não vem alterar sensivelmente o que já exista.

Dizia eu, sr. presidente, que sendo o projecto de lei tal qual está apresentado uma verdadeira redundancia, para que havemos de estar a discutir o que se fez ha muito tempo? Basta então discutir o artigo 1.°, comquanto eu n'este artigo 1.° não veja as differenças absolutas, o ponto grandioso sobre o qual s. ex.ª firmou toda a sua argumentação.

E depois, o meu amigo o sr. ministro da fazenda é de uma fertilidade espantosa em materia tributavel; apesar de não crer em innovações, o anno passado apresentou um projecto de lei sobre contribuição pessoal. N'esse projecto não havia, é verdade, innovação alguma; ou antes havia uma só. Verdade é que essa valia por todas. No projecto então apresentado por s. ex.ª, a unica differença que havia era que os minimos da contribuição se diminuiam mais; mas como a somma total ficava a mesma, segue-se que ía tributar a miseria. Que rara faculdade de invenção! (Riso.) S. ex.ª acordou a tempo, e veiu agora trazer à téla da discussão aquella proposta de lei, na qual ainda se via a iniciativa creadora do mesmo auctor, por isso que os minimos eram rebaixados e diminuidos. O absurdo que existia na primeira proposta já não existe no projecto, graças ao bom senso da commissão.

Sr. presidente, dizia eu que não queria abusar da attenção da illustre assembléa. Podia nas considerações adduzidas pelo sr. ministro da fazenda achar ainda algum argumento para fundamentar não só a minha proposta, mas esta critica não muito severa que tenho estado a fazer ao seu projecto de lei, e para dizer que as economias que s. ex* apresenta sempre são as feitas na nossa divida fluctuante, as quaes não são d'aquellas que possam justificar o augmento do imposto. Nós queremos, quanto ás economias, côrtes implacaveis em todas as sobejidões, excrecencias e parasitismo, que tomaram ha muito tempo moradia commoda no orçamento. Quando eu vir traduzir em propostas de lei estas economias que cortam por todos os abusos, então estarei ao lado de s. ex.ªs, como o estou n'este projecto.

E voltando ainda ao principio, digo que este projecto é exactamente o que existia antes, e isto não quer significar que não haja alguma mudança de palavra. Se apresento a minha proposta é porque entendo que d'ella ha de vir augmento de receita e diminuição de despeza, e porque não tenho duvida em ir contra a popularidade, essa musa inspiradora do partido a que pertenço, quando a justiça a equidade, a sciencia e os brados das provincias estão a meu lado.

As tabellas são um vexame. Diminuam se as tabellas, acabará o vexame, e augmentará a receita.

Tenho concluido. (Vozes: — Muito bem.)

(O orador foi cumprimentado por varios srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que a tabella annexa que faz parte da presente lei volte à commissão, a fim de ser reduzida, de modo que as excepções do tributo sumptuario soffram proporcional diminuição.

Sala das sessões, 14 de abril de 1871 = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

Foi admittida.

O sr. José Tiberio: — Cumprindo as prescripções do regimento passo a ler a minha moção de ordem, que é verdadeiramente uma substituição ao projecto que se discute (leu).

Da simples leitura da minha proposta já v. ex.ª e a camara vêem que o meu pensamento não é tirar ao governo os recursos, que pretende auferir do projecto que se discute.

A illustre commissão de fazenda, fazendo as modificações que fez no projecto apresentado pelo governo, sustentou comtudo em parte o seu pensamento, o qual é de crear um tal ou qual augmento de receita, não tanto quanto o governo pretendia, mas um pouco mais limitado, e póde dizer se que é reduzido apenas a uns 20 por cento sobre a receita que existia creada pela legislação actual. Esse mes-

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mo augmento de receita é aquelle que eu proponho pela proposta que acabei de ler.

Os addicionaes creados pela lei em vigor, cobrados não só sobre a verba ordinaria, mas sobre a verba extraordinaria, dão exactamente esse augmento de 20 por cento, que a illustre commissão concedeu ao governo pelo parecer, que apresentou sobre a proposta do governo.

Sr. presidente, declaro com toda a franqueza, que me é propria, que se não fosse o querer propor uma transacção, e para obter o menos, conceder o mais; se não fosse reconhecer as circumstancias precarias e difficeis em que o thesouro se encontra, sendo indispensavel empregarmos todos os nossos esforços, e os meios necessarios para fazer desapparecer o desequilibrio, que existe entre a receita e a despeza do estado, eu não votava aqui um unico ceitil de augmento sobre este imposto (apoiados).

Sr. presidente, digamo-lo sinceramente, de todos os impostos creados aquelle que mais custa a pagar ao contribuinte é este, porque devendo o imposto ser o representativo de uma riqueza, devendo o imposto incidir sobre calculos certos e determinados do rendimento, em relação a este imposto acontece a maior parte das vezes exactamente o contrario.

Creio que todos sabem e todos conhecem que nas provincias não tem uma casa de habitação quem a não póde ter, quem a não póde comprar, ou quem a não póde mandar edificar. Não é raro vermos muitos proprietarios venderem os bens de raiz para edificar casas, para assim se livrarem de andar todos os annos com mudanças, e para se livrarem de fazer exposição de sua mobilia e de seus haveres domesticos pelas ruas das povoações (apoiados).

Sr. presidente, ninguem ignora que os mais desgraçados, aquelles que menos meios têem e que são mais desfavorecidos da fortuna, são exactamente esses que precisam alugar uma casa, porque a não têem, e muitas vezes vêem-se na dura necessidade de a alugar dando uma renda avultada, porque a não encontram por renda mais diminuta. Se o imposto é um sacrificio que se impõe aos povos, se esse sacrificio deve ser feito na proporção dos teres e haveres de cada contribuinte, e com a maxima igualdade, eu vou demonstrar a v. ex.ª e á camara, que n'este imposto desapparece essa igualdade e proporção.

Um individuo que representa grande capital e fortuna, mas que tem pouca familia, procura uma casa mais commoda e modesta, mas que é sufficiente para as suas necessidades; paga por conseguinte uma pequena renda, e conseguintemente um pequeno imposto, emquanto que o desgraçado que está sobrecarregado de familia, que tem uma familia numerosissima, que com muito trabalho e só á custa do suor do seu rosto ganha parcamente os meios de sua subsistencia, e que mal chegando para se sustentar tem de privar-se ainda de parte do producto de seu trabalho, e de limitar a satisfação de suas necessidades, para tirar com que pague a renda da casa que alugou para se não ver nas circumstancias de ser despedido, e não ter onde se abrigue do rigor das estações, esse tem muitas vezes de alugar uma casa mais vasta do que aquelle para poder acommodar sua familia, e assim tem de pagar mais renda, e por consequencia maior quota de imposto pessoal.

E quantos individuos ha em Lisboa e Porto e n'outras terras importantes, que por serem sós, e apesar de terem boas fortuna estão vivendo em hoteis,

subtrahindo-se assim ao pagamento do imposto pessoal?!

Sr. presidente, não ha nada mais injusto e duro do que á infelicidade de se não ter uma casa, ajuntar-se-lhe a de pagar um imposto sobre a renda da alugada. Em Lisboa e Porto e n'outras cidades em que muitos homens ricos arrendam casas luxuosas e para ostentação, ainda o imposto pessoal se póde justificar, porque esses têem commodos, mas nas provincias, onde só por necessidade se aluga uma casa ruim e mal reparada, ahi não tem justificação possivel.

Sr. presidente, se porém ao inquilino é custoso pagar o imposto, acredite v. ex.ª que tambem ao proprietario que habita a sua casa lh'o não é menos (apoiados).

As casas de habitação estão inscriptas na matriz predial como predio urbano, estão avaliadas, e sobre o seu rendimento collectavel recáe a contribuição predial. O proprietario paga por conseguinte o imposto correspondente ao rendimento da casa, e esse rendimento é representado pelo commodo e utilidade que aufere d'ella habitando-a. Com que fundamento pois exigir-se lhe o imposto pessoal, que recáe sobre o commodo que tem de habitar a casa, tendo-o elle pago? Porventura o que arrenda a casa paga mais do que a contribuição predial, tendo recebido renda, utilidade que ella lhe prestou? Por certo que não; logo para a lei ser justa e igual, tambem ao senhorio que habita a sua casa se lhe não devia exigir mais imposto que o predial.

Mas, sr. presidente, se o governo entende que é absolutamente indispensavel pagar-se este imposto pessoal, em tal caso melhor era addicionar-se á contribuição predial, porque assim incidia sobre um certo e determinado rendimento, e representava uma conhecida riqueza, e alem d'isto era mais commodo de pagar, e livrava muitas vezes o proprietario de vexames que lhe resultam da multiplicidade de impostos, porque pagando uns, deixa de pagar outros, tendo os conhecimentos em differentes nomes, e isto porque os informadores, uns o conhecem por um nome, e outros por outro, tendo não poucas vezes de pagar custas, apesar de ter sido prompto no pagamento (apoiados).

Por consequencia já se vê que, quando se queira sustentar este imposto, era mais rasoavel que se addicionasse á contribuição predial, porque de mais a mais resultava a vantagem de se simplificar o serviço, poupava se a despeza da confecção das matrizes pessoaes, a dos conhecimentos, a dos informadores louvados, e desappareciam muitos inconvenientes que existem (apoiados).

Sr. presidente, mas a illustre commissão, de accordo com o governo, entendeu que da adopção do systema seguido por ella ha de vir um grande augmento de receita, e que o serviço ha de melhorar.

Eu sinto dizer que entendo o contrario, mas absolutamente o contrario.

Estou intimamente convencido de que, quando os povos se desenganarem das desigualdades que existem nas matrizes de districto para districto, de Concelho para concelho, e de freguezia para freguezia, o resultado ha de ser que, na proxima reforma das matrizes pessoaes, em logar de augmentar a materia collectavel, em logar de augmentarem as taxas fixas, hão de necessariamente diminuir, por isso que elles hão de saber que aquelles que têem sido mais remissos em darem declarações francas ficam, pelo systema proposto, muito favorecidos e alliviados, emquanto que os que cumpriram e respeitaram a lei ficam altamente sobrecarregados, e por conseguinte hão de procurar por todos os meios subtrahir-se ao imposto (apoiados).

Sr. presidente, eu, o mais resumidamente que me for possivel, porque não desejo tomar muito tempo á camara, nem abusar da sua paciencia, hei de fazer ver á camara, demonstrar-lhe até á saciedade, e leva-la á convicção, de que é impossivel sustentar se o systema que se propõe, em consequencia dos gravissimos inconvenientes, desigualdades e injustiças flagrantes que hão de resultar d'elle.

Pela legislação em vigor feita a distribuição do contingente por districtos sobre as taxas fixas e percentagem complementar, seguindo-se por consequencia um systema differente d'aquelle que se propõe, e que já foi seguido desde 1837 até 1860, e tomando se em consideração varios dados estatisticos que podiam fazer conhecer a riqueza dos districtos e concelhos, era facil remediar as desigualdades e os gravames que podiam recaír sobra um ou outro concelho se sómente se tomasse por base da repartição o valor locativo das habitações e a importancia das ta-

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xas fixas; mas se apesar de se comprehender e conhecer que, quanto mais elevada fosse a percentagem complementar, e que quanto mais habitações fossem inscriptas na matriz pessoal menor era a percentagem do imposto que ía recaír sobre os contribuintes; se apesar d'isso se vê pelos dados estatisticos que em muitos concelhos o numero de habitações inscriptas, e o numero de creados e de cavalgaduras tambem inscriptos é insignificantissimo, não obstante todos os annos se reformarem as matrizes, resultando d'ahi a grande variante da percentagem e a elevação d'ella em alguns concelhos, facto reconhecido pela illustre commissão; é por isso evidente que seguindo-se o systema proposto hão de dar se as desigualdades e injustiças que eu hei de demonstrar, e o que é mais notavel sem haver meio de remedia-los.

Sr. presidente, se nós vemos que em muitos districtos e concelhos do paiz o numero de habitações inscriptas na matriz era de tal fórma reduzido, que necessariamente os contribuintes haviam de pagar uma taxa elevadissima; se apesar de conhecerem que quanto maior era o numero de habitações inscriptas na matriz menor seria por conseguinte a percentagem de contribuição pessoal que se havia de pagar; se ainda assim em anno nenhum se viu reformarem-se essas matrizes no sentido de se inscrever n'ellas maior massa collectavel, pelo contrario se conservava no mesmo estado e muitas vezes diminuia!! Pergunto eu, sr. presidente, que se dirá agora quando os povos conhecerem que quanto maior é o numero de habitações que se inscrever na matriz, quanto maior a massa collectavel ali apresentada maior é a contribuição que hão de pagar, visto que ha os 6 por cento sobre o preço do valor locativo?! Quando uns povos se virem tão sobrecarregados, e outros favorecidos, com toda a certeza que hão de por todos os meios que poderem, tratar de subtrahir ás matrizes o maior numero de habitações que lhes seja possivel e o maior numero de objectos sobre que tambem tem de recaír a contribuição sumptuaria (apoiados). Se as matrizes até aqui eram imperfeitas, tenho a intima convicção que de futuro serão imperfeitissimas.

Sr. presidente, principiarei pelo districto da Guarda, a que tenho a honra de pertencer, para fazer ver à camara o resultado a que necessaria e fatalmente havemos de ser levados, se se executar o projecto que se discute. Vou recorrer à logica irresistivel dos algarismos, e com elles espero levar a convicção ao espirito esclarecido dos meus nobres collegas e do governo.

Começando pelo concelho da capital do districto que tem uma população de 8:214 fogos, e que é o mais importante de todo o districto da Guarda, encontro que n'este concelho o valor locativo dos predios é de 339$000 réis, tem 2 creados, 17 cavalgaduras e 25 casas inscriptas na matriz! É realmente feliz um concelho que tem um tão limitado numero de cavalgaduras! (Riso.)

Mas quer v. ex.ª saber quanto este concelho pagava de contribuição pessoal pela legislação actual? 1:469$382 réis, e fica a pagar 64$652 réis pelo projecto que se discute! Veja a camara se é possivel que um absurdo d'estes, que a final não póde ter outro nome, se realise (apoiados). Mas este absurdo ainda se torna mais saliente.

Quer v. ex.ª saber o que succede com o concelho de Manteigas, que tem apenas 681 fogos e que é o mais insignificante do districto?! Este concelho pagava actualmente 61$752 réis sobre o valor locativo de 681$400 réis, correspondente a 96 habitações; tem 58 cavalgaduras e 2 creados, e vem a pagar 171$477 réis. Notavel e descommunal desproporção!! (Apoiados.)

O concelho da Meda, com 1:589 fogos, tem inscriptas na matriz 206 habitações, com o valor locativo de 1:742$055 réis; tem 211 cavalgaduras e 3 creados. Pagava 202$456 réis, e vem a pagar 553$788 réis.

O concelho de Pinhel, com 3:778 fogos, tem 222 habitações inscriptas na matriz, no valor de 1:792$000 réis, 5 creados, e 398 cavalgaduras. Pagava 568$526 réis, e vem a pagar 917$840 réis.

O concelho de Foscôa, com 3:870 fogos, tem inscriptas na matriz 300 habitações, no valor locativo de 3:050$000 réis, 9 creados e 136 cavalgaduras. Pagava 257$544 réis, e vem a pagar 532$280 réis.

Gouveia, com 4:825 fogos, tem inscriptas na matriz 403 habitações, com o valor locativo de 4:183$000 réis, 21 creados e 437 cavalgaduras. Pagava 765$946 réis, e vem a pagar 1:205$014 réis.

Finalmente, o Sabugal, com 7:889 fogos, tem inscriptas na matriz 126 habitações, com o valor locativo de 757$950 réis, e 169 cavalgaduras. Pagava 892$264 réis, e fica a pagar 385$107 réis.

Vejam, pois, v. ex.ª e a camara com que igualdade o imposto vae ser cobrado n'aquelle districto!! Podia fallar dos outros concelhos, mas para prova bastam os apontados, e não quero cansar os meus collegas.

Pergunto agora à camara e ao governo, na boa fé, poderá ella tolerar, e elle querer que taes desigualdades e que tão flagrantes injustiças se venham a dar?!

Ha de consentir-se que os concelhos mais importantes, que mais pagavam, e principalmente o da capital do districto, e com uma cidade por cabeça, fiquem a pagar muitos por cento menos do que os mais pequenos e mais pobres?! (Apoiados.)

Sr. presidente, eu espero que a camara na sua alta sabodoria em tal não consentirá.

Permittam-me porém v. ex.ª e a camara, que eu lhe apresente mais alguns dados estatisticos em relação a outros districtos, para mais claramente pode-se conhecer as desigualdades que existem.

O districto de Beja com 136:583 habitantes tem 4:655 habitações inscriptas nas matrizes, 175 cavalgaduras e 54 creados. Braga com 320:655 habitantes tem 4:301 habitações, 50 creados e 801 cavalgaduras inscriptos. Portalegre com 10:0830 habitantes tem 5:561 habitações, 166 creados e 190 cavalgaduras inscriptos. O valor locativo n'este é de 79:397$115 réis, e no de Braga é de 80:233$976 réis. Aveiro com 291:753 habitantes tem 1:712 habitações, 372 creados e 639 cavalgaduras inscriptos, e o valor locativo das habitações é de 21:405$277 réis.

Veja-se tambem que grandes desigualdades existem entre estes districtos, e as mesmas se dão em relação a todos, sendo para notar que em muitos concelhos de differentes districtos não ha um unico creado e uma unica cavalgadura inscripto nas matrizes.

Mas quer v. ex.ª e a camara que eu lhe apresente factos mais salientes para demonstrar quanto é verdadeira a minha asserção, de se não poder votar o projecto em discussão?

Vou fazer-lhe conhecer o que se dá com o districto de Bragança, e com outros.

O districto de Bragança, com uma população de 157:022 habitantes ou 39:283 fogos, tem nas respectivas matrizes e em todo o districto 107 cavalgaduras e 31 creados inscriptos; e o resultado é que vem a pagar de contribuição sumptuaria 248$932 réis em todo o districto; emquanto que só no meu districto ha concelhos insignificantissimos, como é o da Meda, que fica a pagar uma contribuição sumptuaria exageradissima e muito superior, pois vem a pagar 407$460 réis; o de Foscôa 274$680 réis, e o de Pinhel muito mais.

Veja v. ex.ª como um concelho insignificante fica pagando muito mais contribuição sumptuaria do que o districto inteiro de Bragança, no qual ha seis concelhos em que não ha uma cavalgadura nem um creado.

Podia ainda apresentar exemplos com relação a todo o paiz, porque me dei ao trabalho de consultar os dados estatisticos do sr. Fradesso da Silveira, e de os confrontar concelho com concelho, districto com districto, e portanto podia referir-me a todo o paiz, mas notarei aqui de passa-

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gem que no concelho de Ovar, sendo uma terra importantissima, que tem tres mil e tantos fogos, ha apenas 15 casas de habitação. Em Vianna do Castello, havendo inscriptos na matriz 6 vehiculos montados, não ha uma unica cavalgadura inscripta, de maneira que os 6 vehiculos naturalmente são puxados por carneiros ou por jumentos, visto que estes animaes não pagam contribuição sumptuaria (riso).

Com relação ao districto de Vizeu, tambem eu poderia apresentar muitos dados estatisticos, e não posso deixar de apresentar alguns.

O concelho de Vizeu, que tem 10:227 fogos, que é incontestavelmente o mais importante do districto, tendo por capital a cidade de Vizeu, uma das mais importantes da Beira tem descriptas na matriz 788 habitações, emquanto que Lamego, terra muito menos importante, concelho que tem 5:544 fogos, tem descriptas na matriz 1:031 habitações! Veja v. ex.ª que notavel differença entre um e outro concelho (apoiados). Vizeu, uma cidade importante, um concelho com dez mil e tantos fogos, tem 788 habitações; Lamego com 5:544 fogos tem 1:031.

A Pesqueira, um concelho de tres mil e tantos fogos, tem quasi tantas habitações descriptas na matriz como tem o concelho de Vizeu, porque tem 692.

O concelho de Penedono com 1:626 fogos tem 227 habitações na matriz, emquanto que Mangualde, Santa Combadão e Tondella, concelhos importantes, têem muito menos.

Differenças d'esta ordem se encontram em muitos outros concelhos, o que tudo mostra por consequencia que as matrizes estão imperfeitissimas (muitos apoiados).

Mas a illustre commissão poderá dizer que se n'esses concelhos não ha mais habitações nem mais cavalgaduras descriptas na matriz, é porque realmente as não ha. Não é assim (apoiados). Eu conheço os districtos a que mais especialmente me referi, e posso assegurar a v. ex.ª e à camara, pelo conhecimento muito particular que tenho dos concelhos que d'elle fazem parte, que estão exactissimamente nas mesmas circumstancias, tanto aquelles em que apparece pouca materia tributavel, como aquelles onde apparece muito mais materia collectavel descripta na matriz (apoiados).

O districto de Bragança está exactissimamente nas mesmas circumstancias em que se acha o meu. Não ha viação. Ali o transporte não se póde fazer senão em cavalgaduras; não ha outros meios de viação, não ha outros meios de transporte; e comtudo no districto de Bragança ha apenas 107 cavalgaduras descriptas na matriz, emquanto que no districto da Guarda ha mil novecentas e tantas. A mesma riqueza, o mesmo commercio, as mesmas industrias; o centro do commercio dos dois districtos é o mesmo, é o Porto, estão incontestavelmente em identicas circumstancias, e comtudo vemos uma differença tão saliente entre as matrizes de um e as de outro districto.

Creia v. ex.ª, e creia a camara que não é porque no districto menos sobrecarregado não haja mais materia que possa ser sujeita ao imposto, é porque as matrizes estão imperfeitissimas, é porque não houve zêlo da parte d'aquelles que as fizeram (apoiados). E sejamos francos, se o projecto passar v. ex.ª verá, e verá a camara, quaes são os absurdos a que vamos chegar (apoiados); emquanto que, pelo outro systema, aproveitavam-se muitos dados estatisticos, pelos quaes se póde conhecer a riqueza dos concelhos e dos districtos; a distribuição fazia-se sobre todos esses dados, e não unica e exclusivamente pelo valor collectavel que se encontrava na matriz, e por consequencia era muito mais proporcional, muito mais justa, muito mais rasoavel; emquanto que, por esta fórma, para uns ficarem altamente favorecidos, hão de outros ficar altamente gravados, o que é inconvenientissimo quando se trata de pedir novos sacrificios ao paiz, porque mais difficilmente se sujeitará a elles.

Eu podia apresentar muitos outros dados estatisticos, mas a hora está adiantada, a discussão já vae longa, e eu não quero nem cansar a camara, nem privar os meus collegas que ainda estão inscriptos de poderem tambem usar da palavra; sobretudo o que não quero é tornar-me fastidioso e abusar da paciencia da camara (Vozes: — Não, não.); quiz unica e exclusivamente motivar o meu o voto, porque tendo a honra de representar um circulo, que vae ser victima injusta e innocente do seu respeito e acatamento à lei, vindo a ser altamente sobrecarregado com o imposto, eu não podia nem devia, sem deixar de faltar ao mais sagrado de meu dever, não podia, digo, deixar de levantar minha debil e humilde voz em favor da sua justiça.

Sr. presidente, a illustre commissão e o governo confiam que com a reforma das matrizes hão de desapparecer as desigualdades, que as injustiças não existirão, e que a receita ha de augmentar, mas eu que em nada confio, não posso deixar de impugnar o projecto.

Não se julgue porém que é o interesse de alguns concelhos, ou de um districto, que vae ser victima d'este projecto, se elle passar, e que ha de soffrer grandes vexames, o que me move a combate-lo e a tomar parte n'este debate; o que me move é a justiça, são as conveniencias publicas, é o interesse geral do paiz, porque não se trata aqui unica e exclusivamente de um ou outro districto, mas sim do paiz em geral.

Sr. presidente, talvez da approvação do projecto resulte vantagem para o meu districto, considerado em globo; mas como não é d'elle só que eu agora estou tratando, e porque me refiro ao paiz, por isso combato as desigualdades flagrantes que em virtude d'este projecto se hão de dar em todo o paiz (apoiados); e nós que vamos exigir sacrificios aos povos, porque são indispensaveis, não devemos concorrer para que esses sacrificios recaiam só sobre uns e não sobre todos os contribuintes (apoiados).

Mas, ou eu vejo muito pouco, ou o governo, longe de conseguir o seu fim, torno a repetir, de ver augmentada a receita por este projecto, ha de colher o resultado contrario (apoiados). Estou intimamente convencido de que este projecto ha de trazer diminuição de receita ao governo; porque os povos hão de resistir contra esta flagrante desigualdade, e hão de subtrahir ás matrizes tudo que poderem.

Alem d'isto as matrizes vão ser feitas pelos mesmos escrivães de fazenda que as faziam até aqui, e elles hão de ser os primeiros a querer dar um testemunho de que eram exactas até hoje, porque se reformando-as apresentassem maior numero de propriedades do que as descriptas nas matrizes actuaes, mostravam com isso que até agora não tinham sido exactos no cumprimento do seu dever, e que tinham sido pouco zelosos. E alem d'isto tambem os informadores pela sua parte hão de fazer baixar o valor locativo.

E diga-se a verdade, o povo não deseja pagar mais, porque já lhe custa, e ninguem voluntariamente se priva de parte de seus haveres, mas o que é certo é que elle ha de pagar, porque é isso uma necessidade absoluta; e eu não sou d'aquelles que entendem que é só por meio das economias que nós havemos poder fazer desapparecer o desequilibrio que existe entre a receita e a despeza do estado; pelo contrario, eu reconheço que se ha empregados publicos altamente retribuidos, e esses não são muitos, ha outros que o não são, e esta é a maxima parte d'elles (apoiados).

Por consequencia, não é só por meio das economias que havemos de saír do estado em que nos achâmos, mas entendo tambem que uma das primeiras cousas que nos cumpre fazer é mostrar aos povos que o seu dinheiro não é malbaratado, e que o que se lhes pede é o absolutamente indispensavel para occorrer ás despezas publicas necessarias (apoiados).

É necessario que os serviços se organisem e regularisem por fórma que sem se prejudicarem, se possam obter mais baratos e com a maxima economia. Para isto se conseguir é necessario examinar o orçamento da receita e da despeza do estado, e estou certo de que por virtude d'este exame

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a camara se ha de convencer de que serias economias se podem fazer sem prejuizo do serviço publico (apoiados). Vamos pois ao exame do orçamento da despeza do estado, examinemos a despeza que se faz, por exemplo, no ministerio da guerra, e só ahi se verá que quantiosas sommas se gastam com o exercito, sem nós termos exercito para preencher o verdadeiro fim para que é creado (apoiados). (O sr. Pinheiro Borges: — Peço a palavra.)

Sr. presidente, eu respeito o exercite como uma instituição nobre, elevada, e pelo fim para que é destinado, que é manter a ordem, a segurança e a independencia nacional; mas por mais respeitavel que seja uma instituição e uma classe, não é isso motivo para que deixe de se lhe exigirem sacrificios, quando se exigem à nação inteira, sem distincção alguma.

Sr. presidente, eleve-se o governo a toda a altura de sua elevada missão, tenha força e coragem para arrostar com as difficuldades, arque frente a frente com ellas, e creia que fará um grande serviço ao seu paiz. Todos dizem e todos reconhecem que ha muito a reformar e muita despeza a reduzir no ministerio da guerra; todos sabem que o nosso exercito não está em circumstancias poder de preencher o seu fim, apesar de nos custar muito caro; pois bem faça o governo as reformas que n'elle se devem fazer, reduza o que n'elle ha a reduzir, e nada mais, porque embora desagrade a alguns, que não ha de ser a parte illustrada, porque essa não póde esquivar-se a fazer um sacrificio em prol da patria, quando de tão alto ha pouco partiu um exemplo (apoiados), ha de necessariamente agradar ao maior numero, e ha de agradar ao paiz inteiro, que estará do seu lado, e que o ha de cobrir de bençãos (apoiados).

Sr. presidente, quando se trata de pedir ao povo que faça novos sacrificios, poderá porventura haver alguma classe privilegiada, por mais elevadas e respeitaveis que sejam todas? Por certo que não (apoiados).

Sr. presidente, eu não quero que se tire o pão a quem o tem, não quero que se reduzam familias à miseria, nem que se desorganisem os serviços, mas o que todos queremos, mas o que quer o paiz, é que as despezas publicas se reduzam ao estrictamente necessario, e que aos dinheiros publicos se dê uma justa e rigorosa applicação (apoiados).

Sr. presidente, se, como eu espero, o governo tiver a fortuna de conseguir este grande resultado, póde crer que se tornará digno da sua confiança, e que lh'a ha de merecer.

Eu bem sei, sr. presidente, que quando se falla em reformas, logo se invoca o principio dos direitos adquiridos, o que quasi equivale a querer obstar a ellas; mas é certo que se alguem tem direitos adquiridos, o paiz tambem os tem, e os do paiz são mais antigos, e por isso devem respeitar-se.

Façam-se, pois, todas as economias que se poderem fazer, corte-se pelo superfluo, regularisem-se os serviços, distribua-se o imposto com justiça e igualdade; e confiemos que o paiz, que preza a sua independencia e autonomia, ha de bom grado prestar-se ao sacrificio que for indispensavel para pôr termo a este anomalo e assustador estado em que ha tanto tempo nos achâmos.

Tenho concluido, e peço à camara me desculpe, agradecendo-lhe a benevolencia e attenção que se dignou dispensar-me.

Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Artigo 1.° O imposto addicional de 40 por cento para viação, creado pelas leis de 30 de julho de 1860 e 16 de abril de 1867, será cobrado sobre a verba ordinaria da contribuição pessoal creada pela carta de lei de 30 de julho de 1860, e sobre a verba extraordinaria creada pela carta de lei de 23 de julho de 1869.

Art. 2.° Esta lei começará a executar-se no presente anno civil.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 14 de abril de 1871. = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello.

Foi admittida.

O sr. Francisco Costa (sobre a ordem): — Em observancia das prescripções do regimento passo a ler a proposta; que tenho a honra de apresentar a v. ex.ª e à camara (leu).

Nem o adiantado da hora nem a natureza da minha proposta consentem um discurso.

Eu estou moralmente compromettido a apresentar esta proposta desde que na sessão de 3 do corrente tive a honra de apresentar, para ser submettida à apreciação da commissão de fazenda, uma outra, que trata de confiar ás juntas geraes de districto a deliberação ácerca das epochas que convem fixar para a percepção do imposto tanto predial como pessoal.

A camara consentiu que essa proposta fosse enviada aquella commissão; e eu lisonjeio-me de que muitos de seus membros propendem para a admittirem e approvarem.

Oxalá que eu tenha a fortuna de que o illustre ministro da fazenda a approve tambem.

O meu desideratum n'esta questão seria estabelecer a percepção das contribuições por duodecimos; considero que seria attingir n'este assumpto a maxima perfeição; mas, pesando as difficuldades que traria à administração da fazenda uma alteração completa no systema da percepção dos impostos, limito-me a pedir à commissão e ao sr. ministro da fazenda que adoptem esta minha proposta, que apenas estabelece para Lisboa dois prasos mais, emquanto nos concelhos ruraes se contenta em receber as contribuições em duas prestações.

Uma das maiores difficuldades que tenho observado na percepção dos impostos é a fixação das epochas que o regulamento de 21 de abril de 1851 marca.

Por exemplo, para a Estremadura exige que as contribuições sejam satisfeitas no 1.º de janeiro, exactamente na epocha em que nenhum agricultor, a não serem os abastados, possue meios pecuniarios para satisfazer a sua contribuição.

Eu não sei o que acontece nos outros districtos do reino, porque não os conheço, mas na Estremadura, por onde ando e da qual represento um dos circulos, posso asseverar que, com rarissimas excepções, é extremamente penoso o pagamento das contribuições no mez de janeiro.

Eu não peço muito. Peço que se estabeleçam duas epochas no anno, e que repartindo-se por ellas o total da contribuição se facilite assim aos povos a satisfação d'essa contribuição. Não indico que se escolha o mez de janeiro para se exigir a primeira prestação, mas o mez de julho ou agosto para d'ahi a seis mezes, em fevereiro ou março, fazer entrar no cofre do concelho a segunda prestação. Isto facilita muito aos contribuintes o satisfazerem o seu dever para com a fazenda publica.

Não será de estranhar que quando se exigem graves sacrificios ao povo, sacrificios que votarei, porque estou intimamente convencido de que elles são indispensaveis, por outro lado se queira que se lhe minorem esses sacrificios. E estou tambem persuadido de que ao estado virá proveito recebendo as contribuições do modo que acabo de indicar, porque evita os relaxes e portanto a demora na recepção dos dinheiros que pertencem ao thesouro.

Não entendo que para isto seja necessario introduzir grandes alterações no systema da administração da fazenda do nosso paiz. Deve-se tambem confiar no zêlo do funccionalismo, que concorrerá para se levar a effeito uma experiencia, a qual satisfaz os desejos e as solicitações que eu leio nos jornaes do paiz, que concordam, muitos d'elles, com a idéa que póde traduzir-se na proposta que tive a honra de apresentar n'esta camara em relação à contribuição predial.

Vejo que a camara está anciosa por levantar a sessão,

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por já ter dado a hora. Pouco mais podia dizer sobre a materia da minha proposta. Ella é simples. Empenho a solicitude da commissão de fazenda para que a considere. Ao sr. ministro da fazenda peço se digne approva-la, porque não vae fazer importante alteração no systema da nossa administração de fazenda. S. ex.ª, attendendo-a, receberá as bençãos dos contribuintes, porque lhes facilitará o pagamento dos seus impostos, evitando que elles sejam executados, e paguem custas e despezas do processo, que são em muitas occasiões dez vezes mais que o valor do imposto primitivo.

Tenho dito, e mando para a mesa a minha proposta.

É a seguinte:

Proposta

Proponho que immediatamente ao artigo 13.° do projecto em discussão se insira um outro artigo que diga o seguinte:

Art.... O governo receberá a contribuição pessoal, sempre que os contribuintes assim o exijam, semestralmente em todos os concelhos do reino, com excepção dos de Lisboa e Porto, onde será cobrada com relação a cada trimestre.

Sala das sessões, em 14 de abril de 1871. = Francisco Joaquim da Costa e Silva.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje e mais o projecto n.º 10.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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