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SESSÃO DE 8 DE FEVEREIRO DE 1870

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

!Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Apresentação de requerimentos, representações e projectos de lei — Na ordem do dia continua a discussão do projecto n.° 7 (reforma da instrucção primaria), sendo approvados a final os artigos 61.0 e 62.º do projecto, e rejeitada em votação nominal uma proposta do sr. Pedro Franco, que propunha o adiamento do artigo 61.°, emquanto se não votasse a reforma administrativa •

Presentes á chamada 36 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Agostinho da Rocha, Rocha Peixoto (Alfredo), Braamcamp, Pereira de Miranda, Avila Junior, A. J. Boavida, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Pereira Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Correia da Silva, Vieira da Mofa, Conde de Bretiandos, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Illidio do Valle, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Matos Correia, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Pinto Bastos, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Manuel d’Assumpção, Pires de Lima, Mello Simas, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Jacome, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, V. da Arriaga, V. de Carregoso, V. de Guedes Teixeira, V. de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guerreiro, A. J. de Seixas, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Francisco de Albuquerque, Fonseca Osorio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Luciano de Castro, J. M. dos Santos, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Pinheiro Chagas," Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Pedro Franco, Pedro Roberto, V. de Moreira de Rey, V. de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Cardoso Avelino, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Carlos Testa, Forjaz de Sampaio, Camello Lampreia, Van-Zeller, Quintino de Macedo, Palma, Perdigão, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, Nogueira, Lourenço de Carvalho, Freitas Branco, Faria e Mello, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, V. da Azarujinha.

Abertura — A uma hora e meia da tarde. Acta — Approvada.

EXPEDIENTE Communicação Participo que se acha constituida a commissão de agricultura, tendo sido escolhido para presidente o sr. visconde de Sieuve de Menezes, e para secretario o sr. Falcão da Fonseca, havendo relatores especiaes. — Jeronymo Pimentel.

Representações

1.ª Da camara e concelho municipal do concelho do Sardoal, pedindo que aos actuaes juizes ordinarios sejam dadas as mesmas attribuições que tinham antigamente, e que não seja approvada na reforma administrativa a base para grandes concelhos. (Apresentada pelo sr. deputado D. Miguel Coutinho.)

2.ª Da fabrica de fundição de Massarellos, pedindo que sejam mantidos na importação de tubos de ferro fundido

os actuaes direitos que protegem a industria nacional. (Apresentada, pelo sr. deputado Illidio do Valle.)

3.ª Da camara municipal do concelho de Souzel, pedindo que sejam ampliadas as attribuições dos actuaes juizes ordinarios, e que não seja approvado e convertido em lei o projecto de reforma administrativa. (Apresentada pelo sr. deputado J. Mello Gouveia.)

4.3 Dos habitantes de serviçaes, pedindo que seja transferida da freguezia de Felgas para aquella freguezia a sede do julgado, composta das freguezias de Souto de Velha e Moz. (Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira.)

5.ª Dos habitantes da freguezia de Moz no mesmo sentido. (Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira.)

6.ª Da camara municipal do concelho do Crato, contra a circumscripção comarca. (Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira.)

7.ª Da camara municipal do concelho da Louzã no mesmo sentido. (Apresentada ¦ pelo sr. deputado Dias Ferreira.)

8.ª Dos aspirantes de 1.ª e 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Vizeu, pedindo augmento dos seus vencimentos. (Apresentada pelo sr. deputado Dias Ferreira.)

A commissão de fazenda.

Requerimentos

1.° Requeiro que com urgencia, e pelo ministerio da justiça, seja remettida a esta camara a relação nominal dos professores do seminario episcopal de Coimbra que tenham recebido quaesquer gratificações por este estabelecimento do instrucção secundaria, uma nota de todas as de cada um e com a declaração do regulamento adoptado para as conceder e dos fundamentos em que têem sido concedidas. = O deputado, Alfredo Peixoto.

2.° Requeremos que, pelo ministerio da fazenda, seja remettida a esta camara copia das bases, que o governo tem tomado para distribuir o deficit da quantia necessaria para compensação do tabaco de 1870 a 1874 nas ilhas. = Visconde de Sieuve de Menezes — Ricardo Julio Ferraz.

3.° Achando-se reduzido no orçamento do estado de 1876 a 1877 a oito o numero de capellães da sé de Angra do Heroismo, que nos orçamentos anteriores estava fixado em dez, e não me satisfazendo a explicação dada no orçamento a tal respeito, requeiro que com urgencia seja mandada a esta camara nota da correspondencia do reverendo bispo de Angra, que de certo não propoz ao governo a suppressão d'aquelles dois logares. = Visconde de Sieuve de Menezes.

A camara resolveu que fossem publicadas no Diario do governo as seguintes representações: uma da camara municipal de Grandola, apresentada na sessão de hontem pelo sr. Osorio de Vasconcellos, e duas da camara municipal de Castello de Vide, apresentadas pelo sr. José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: — Estão sobre a mesa as contas da junta administrativa da casa. Conforme a pratica vão ser remettidas á commissão administrativa, para sobre ellas dar o seu parecer, a fim de ser depois submettido á apreciação da camara.

Agora vae ler-se uma proposta que hontem foi mandada para a mesa, assignada pelos srs. Pereira de Miranda e Pinto Bessa.

Leu-se a proposta do sr. Pereira de Miranda, relativamente ao projecto n.º 8 da actual sessão.

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O sr. Pereira de Miranda: — Em virtude das explicações que na sessão de hontem me deu o sr. ministro da fazenda e de outras que teve a bondade do me mandar particularmente, peço licença para retirar a minha proposta.

Consultada a camara resolveu afirmativamente.

O sr. Carlos Eugenio: — Mando para a mesa tres projectos de lei sobre assumptos muito importantes para a corporação da armada.

Não leio os relatorios, que pão longos e fatigariam a camara, o escusado é faze-lo, por isso que elles têem de ser publicados no Diario das sessões.

O primeiro d'estes projectos tem por fim augmentar um pouco as comedorias dos officiaes da armada, porque, tendo ellas sido decretadas em 1793, é impossivel continuarem hoje da mesma maneira, attendendo á carestia da vida.

O decreto com força de lei de 30 de dezembro de 1868 pouco ou nada fez a este respeito, e por consequencia é necessario de alguma fórma regular as comedorias e sobretudo augmenta-las.

O segundo projecto é para ser augmentado o quadro dos officiaes de fazenda da armada. O numero d'estes officiaes é limitadissimo, porque são apenas trinta e não chegam para o serviço.

Por consequencia, o augmento que proponho é rasoavel e necessario, e d'este nu do vae facilitar-se tambem o accesso que pela lei de 9 de dezembro de 1869 foi cortado a estes empregados, pois que, continuando o numero d'estes officiaes reduzido como está, elles têem de esperar no futuro só uma reforma em primeiros tenentes.

O terceiro projecto diz respeito á entrada na divisão de veteranos das praças dos quadros inferiores da armada.

No decreto de 11 de dezembro de 1865, que creou o corpo de veteranos, estabeleceu-se dar entrada n'este corpo a todas as praças do serviço da armada, mas o decreto com força de lei de 17 de dezembro de 1868 olvidou a maior parte das classes que até então tinham direito a entrar n'aquelle corpo, como é de justiça, e apenas deu entrada ás praças de marinhagem e officiaes marinheiros.

Entendo que isto não é de justiça, e por consequencia apresento este projecto, que tende a regular a entrada a todos elles, e ao mesmo tempo os seus vencimentos.

Sobre estes projectos nada mais direi senão que o sr. ministro da marinha está de accordo com a generalidade de todos elles; o que me parece que -é a melhor e maior recommendação que posso fazer a tal respeito.

Envio tambem para a mesa tres requerimentos de praças que se acham em veteranos, pedindo melhoria nos seus vencimentos em conformidade com a carta de lei que foi promulgada o anno passado.

Estes requerimentos vem em apoio de um d'estes projectos, assim como outros que já apresentei n'esta casa.

Nada mais digo, e reservo-me para em occasião opportuna fazer observações proprias d'este assumpto.

O sr. Ferreira de Mesquita: — Mando para a mesa um requerimento de D. Helena de Sousa Garção, que pede uma pensão.

Esta senhora é viuva do capitão de fragata João Baptista Garção, que serviu briosamente o estado durante quarenta e dois annos na laboriosa vida do mar, e eu creio que a camara, tomando em consideração as penosas circumstancias em que esta senhora se acha, lhe fará a justiça que merece.

O sr. Illidio do Valle: — Mando para a mesa uma representação da fabrica de fundição de Massarellos do Porto, pedindo que seja eliminada a tabella annexa á proposta de fazenda na parte relativa aos direitos sobre a importação dos tubos de ferro fundido, attendendo ao grande prejuizo que podem causar a este importante ramo da industria nacional, que não póde competir com as industrias metallurgicas dos outros paizes.

Peço a V. ex.ª que mande publicar esta representação no Diario do governo, a fim de que ella possa ser conhecida de todos, e reservo-me para, quando o projecto vier á discussão, fazer as considerações que este caso pede.

Mando tambem para a mesa um requerimento do porteiro da academia portuense de bellas artes, pedindo para serem equiparados os teus vencimentos aos dos guardas do mesmo estabelecimento, que, tendo um ordenado superior, não têem maior trabalho do que elle.

O sr. D. Miguel Coutinho: — Cabe-me hoje a honra de mandar para a mesa mais uma representação contra a lei de 16 de abril de 1874.

Esta representação é da camara e concelho municipal do Sardoal, pedindo que aos actuaes juizes ordinarios sejam dadas as mesmas attribuições que tinham anteriormente a esta lei; e que, se por acaso vier á discussão a reforma administrativa, se rejeite a idéa dos grandes concelhos com a sua sede na cabeça de comarca.

A lei de 16 de abril de 1874, que auctorisou o sr. ministro da justiça a fazer a reforma comarca, no artigo 28.°, creio eu, impõe ao governo a obrigação de vir prestar conta a esta camara da maneira por que usou d'esta auctorisação.

Eu noto que os povos, alem de receberem mal a lei de 16 de abril de 1874, estão descontentes cem a maneira por que se fez a nova divisão: o grande numero de representações que vão afluindo a esta camara demonstram o facto que avanço e que me proponho a provar, quando n'esta casa se discutir a ultima divisão comarca.

Estou intimamente convencido de que o sr. ministro não deixará de vir á camara cumprir este preceito da lei; todavia peço ao sr. ministro do reino, que vejo presente, a bondade de prevenir o seu collega da justiça para que s. ex.ª venha quanto antes cumprir as determinações da lei, a fim de podermos então entrar largamente na discussão d'este assumpto.

Eu sei que podia annunciar uma interpellação a s. ex.ª, mas parece-me mais curial esperar que b. ex.ª venha cumprir o artigo 28.° da lei, para então podermos discutir desassombradamente este assumpto, que é importantissimo.

Tambem desejava dirigir uma pergunta ao sr. ministro da guerra, a respeito da mudança da ala esquerda de infanteria 11 de Abrantes para Thomar, mas como s. ex.ª não está presente, peço igualmente ao sr. ministro do reino a fineza de prevenir o illustre ministro da guerra de que desejo conversar com s. ex.ª a este respeito.

O sr. Boavida: — Sinto que V. ex.ª, nas ultimas sessões, não me permittisse usar da palavra, apesar das minhas instancias, para responder ás explicações, que o sr. ministro do reino ha dias me deu: explicações que, devo declarar, não me satisfizeram, e que antes vieram aggravar mais as minhas duvidas ácerca da legalidade da portaria mandada publicar por s. ex.ª no Diario do governo do dia 24 de janeiro ultimo.

Para que, pois, não continue a tolher-se-me o exercicio do direito, que me assiste, de pugnar pela execução das leis, afim de não serem infringidas nem sophismadas, vou mandar para a mesa uma proposta que, na conformidade do regimento, passo a ler. (Leu.)

É a seguinte

«Considerando que a portaria expedida pelo ministerio dos negocios do reino em 19 de janeiro ultimo, e publicada no Diario do governo de 24 do mesmo mez, importa manifesta violação do artigo 3.° da lei de 17 de abril de 1873, pois que restabelece no recrutamento as fianças, e em ultima analyse as remissões por dinheiro, as quaes foram abolidas por essa lei;

«Considerando que uma outra portaria, expedida pelo mesmo ministerio em 5 de maio de 1873, procura derivar sua força dos §§ 1.°, 2.° e 3.° do artigo 55.° da lei de 27 de julho de 1855, e do artigo 11.° da lei de 4 de junho de 1859, os quaes foram tambem revogados pelo artigo 3.° da referida lei de 17 de abril de 1873, que não póde auctorisar taes portarias;

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«Considerando, por fim, quanto importa a exacta o fiel execução das leis, e a remoção dos inconvenientes, das fraudes e abusos, que impunemente têem sido praticados, em prejuizo da justiça, da moralidade e do serviço publico:

«A camara dos deputados declara, que deve manter-se em pleno vigor o principio fundamental da lei de 17 de abril de 1873, que revogou toda a legislação, que facultava as fianças e remissões por dinheiro, e entende que n'este sentido deve ser executada a lei vigente, ficando de nenhum effeito as portarias em contrario.

«Sala das sessões, em 8 de fevereiro de 1876. = O deputado, Antonio José Boavida.»

Peço a V. ex.ª e á camara que me permittam, no intuito de fundamentar a minha proposta, adduzir algumas reflexões; e d'esta fórma responderei tambem ás observações ligeiras, que sobre este assumpto fez o sr. ministro do reino.

Disse s. ex.ª que a sua portaria não era alteração, mas consequencia da lei.

Eu não posso comprehender como, de premissas diversas, possam tirar-se as mesmas consequencias! Não posso comprehender como, de principios diametralmente oppostos, possam deduzir-se as mesmas conclusões! (Apoiados.)

Este milagre de logica, que Genuense não saberia operar, operou-o o sr. Antonio Rodrigues Sampaio! Mas" o que admira é que s. ex.ª, só passados tres annos, venha tirar as consequencias de uma lei, que votou e referendou em 1873! (Apoiados.)

Hei de demonstrar, que essas consequencias não se contem nas premissas, pois que a portaria do sr. ministro do reino é contraria, não só á letra, mas ao espirito da lei, actualmente em vigor. (Apoiados.)

Eu não faço questão da palavra remissão ou substituição. No campo em que s. ex.ª collocou este assumpto, acceito qualquer d'estas expressões, á escolha de s. ex.ª, porque ambas exprimem a mesma idéa, e dão o mesmo resultado pratico. (Apoiados.)

Pois, que importa que se diga que qualquer mancebo recrutado foi remido ou resgatado da obrigação do serviço militar, entregando o preço da remissão, conforme se permittia na lei antiga, hoje revogada, ou que elle se resgata d'essa obrigação, apresentando um substituto, ou entregando a somma necessaria para contratar esse substituto?! Que differença essencial ha n'isto?! (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Manuel d'Assumpção.)

O pensamento da lei de 1859 era a remissão, e a remissão tinha por fim contratar tambem substitutos. (Apoiados.)

(Interrupção do sr. Camara Leme.)

Se não se executou a lei, a culpa não foi minha.

(Nova interrupção do sr. Camara Leme.)

Os mesmos inconvenientes, que se davam então, são os que eu receio, que se repitam agora. (Apoiados.)

Quer se chame remissão, quer se chame substituição, o resultado pratico é o mesmo (apoiados). O processo é que é differente. O systema antigo era mais summario e mais commodo. Agora a differença é para peior, porque se admitte, como intermediario, o fiador, que póde satisfazer as condições da lei do recrutamento, ou apresentando o recrutado, ou apresentando o substituto, ou finalmente apresentando a somma necessaria para contratar a substituição. (Apoiados.)

Por consequencia, temos resuscitadas as remissões ou substituições por dinheiro. Chamem-lhe como quizerem, não faço questão de palavras, como fez o sr. ministro do reino; e muito me surprehendeu, que s. ex.ª, que nós vemos muitas vezes arvorar-se em mestre da lingua portugueza, e ate da latina, não achasse outra desculpa e explicação para a sua portaria. (Apoiados.)

Disse, que havia de demonstrar que a portaria do sr. ministro do reino é contraria, não só & letra, mas ao espirito da legislação vigente, e para demonstrar isto, peço licença para ler a portaria e a lei, que ella pretende revogar.

«No intuito de facilitar aos mancebos recrutados para o serviço militar o cumprimento da respectiva obrigação, facultou a portaria de 5 de maio de 1862, publicada no Diario do governo n.º 101, a concessão do praso de oito dias para a apresentação de substitutos aos recrutados que, depois de approvados pelas juntas revisoras, manifestassem a vontade de satisfazer, por esta fórma, a obrigação do serviço; havendo, porém, a experiencia mostrado os inconvenientes, que resultam para o serviço do recrutamento, da concessão d'este beneficio e os abusos e fraudes que, & sombra d'elle, se têem praticado: manda Sua Magestade El-Rei declarar aos governadores civis dos districtos do continente do reino e das ilhas adjacentes, que d'ora em diante os recrutados, julgados aptos para o serviço militar pelas juntas revisoras, que preferirem fazer-se substituir, devem apresentar em acto continuo os substitutos para assentarem praça, desde logo, em seu logar; concedendo-se o praso, estabelecido na portaria de 5 de maio de 1873, unicamente aos recrutados que derem fiador idoneo, o qual se deve obrigar a apresentar o afiançado, ou o substituto nas condições de assentar praça, ou a pagar a somma que for necessaria para contratar um substituto.

«Paço, em 19 de janeiro de 1876. = Antonio Rodrigues Sampaio.»

N'esta ultima clausula parece-me ver o abuso, infracção de lei e até um escandalo, como hei de demonstrar, segundo a opinião do sr. presidente do conselho e do proprio sr. Sampaio. Permitta-me, pois, V. ex.ª que leia o artigo 3.° da lei de 17 de abril de 1873, que devia estar em vigor, se as leis se executassem fielmente.

E o seguinte:

«Desde a data da publicação da presente lei, nenhum individuo apurado para o serviço militar, no exercito ou na armada, qualquer que seja o contingente annual, a que tenha pertencido ou venha a pertencer, poderá remir-se da obrigação do mesmo serviço, salvo por meio de apresentação de um substituto, nos termos da lei vigente, podendo esta substituição ter logar quer antes, quer depois do alistamento do substituido.»

Os termos do artigo são muito claros, genericos e peremptorios. O artigo diz, que nenhum individuo poderá remir-se da obrigação de serviço, senão pela apresentação de um substituto. (Apoiados.)

Não vejo phrase alguma, que possa auctorisar, quer implicita, quer explicitamente, a substituição por dinheiro, e por consequencia, esta lei exclue a ultima clausula da portaria, de se poder remir por qualquer somma...

O sr. José Guilherme: — Não diz isso.

O Orador: — V. ex.ª não ouviu ler a portaria. Eu vou lê-la novamente: mas lerei sómente a ultima parte, que é onde está principalmente a illegalidade. (Muitos apoiados. — Leu.)

A idéa de fiador tambem não está na lei. (Apoiados.) A fiança tambem foi abolida por essa lei de 1873. As fianças, que eram permittidas pelas leis de 1855 e 1859, foram revogadas pela lei posterior; nem podiam deixar de o ser. N'essas leis permittia-se aos mancebos, que se ausentassem para paizes estrangeiros, que dessem fiadores; mas n'esse tempo todos sabem, que se permittia geralmente a todos os recrutados a remissão ou substituição por dinheiro, e por consequencia era o mesmo principio que se admittia no continente para todos. Mas, depois de 1873, seria uma injustiça e desigualdade conservar esse privilegio sómente para os que quizessem ausentar-se do paiz, offerecendo-se assim estimulo, garantias, e convite á emigração. (Muitos apoiados.)

Como disse, a portaria do sr. ministro do reino é contraria á letra e ao espirito da legislação vigente...

(Interrupção do sr. José Guilherme.)

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V. ex.ª, permitta-me que lhe diga, não leu a portaria; ou se a leu, não lhe prestou a attenção que devia. (Apoiados.)

O sr. José Guilherme: — Se a discussão está aberta para todos, peço a palavra.

(Differentes srs, depositados pedem a palavra.)

O sr. Presidente: — Seria conveniente que os srs. deputados não interrompessem os oradores.

O Orador: — As interrupções não me incommodam. Estimo-as e agradeço-as. O meu desejo é que esta questão se esclareça, por que é gravo, por que é uma questão de infracção de lei. (Apoiados.)

(Interrupções.)

Se entendem que não devo continuar a usar da palavra, resigno-me, como tenho feito em outras occasiões... Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — O sr. deputado tem direito a continuar com a palavra, o a não ser interrompido por ninguem. (Apoiados.)

O Orador: — Agradeço a tolerancia e imparcialidade manifestada por V. ex.ª n'esta occasião. Mostrei, que a letra da lei é contraria á portaria do sr. Sampaio; agora hei de mostrar, que o mesmo pensamento da lei lhe é tambem contrario. Mostra-lo-hei de uma maneira acceitavel para os illustres deputados da maioria, porque hei de adduzir auctoridades, insuspeitas para s. ex.ªs, auctoridades, que certamente não recuzam, como são os srs. Fontes Pereira de Mello e Sampaio, que votou a lei e que a referendou como ministro do reino. (Apoiados.)

Por occasião de uma discussão de questões militares, tendo-se feito algumas propostas para se estabelecer o serviço obrigatorio, o sr. Fontes não acceitou estas propostas, mas prometteu acabar com as remissões por dinheiro, e estabelecer o principio da substituição por homem. É para isto que eu peço a attenção dos illustres deputados.

Na sessão de 18 de fevereiro de 1873 dizia o sr. Fontes o seguinte:

«Proponho-me sim acabar com as remissões a dinheiro, porque estas, áparte o respeito pela lei, são, na minha opinião, um escandalo, são repugnantes, trazem mercenários ao serviço do exercito, favorecem o rico contra o pobre, e não dão soldados. (Muitos apoiados.)

«Dão dinheiro e não dão soldados. Têem todos estes inconvenientes. Agora o que eu proponho é a substituição por homem.»

Onde está consignada aqui a idéa da fiança?! Onde está consignado o principio, em virtude do qual se concede ao fiador a faculdade de solver o seu compromisso, e de resgatar o recrutado da obrigação do serviço, a troco de uma somma qualquer?! (Apoiados.)

Mas, concedendo que n'isto haveria boa fé, e que essa somma serviria a contratar substituto, não seria desairoso entregar ao governo, ou ás suas auctoridades o encargo de engajar soldados?! (Apoiados.)

O que parece de tudo isto, é que o sr. Sampaio está em opposição com o sr. Fontes, e o sr. Fontes com o sr. Sampaio; porque, emquanto o sr. ministro da guerra não quer dinheiro, mas soldados, o sr. ministro do reino o que principalmente pretende é dinheiro. (Riso.) Portanto o sr. Sampaio, na opinião do sr. Fontes, praticou um escandalo, praticou um acto repugnante, veiu favorecer o rico contra o pobre, que, em ultima analyse, é quem ha de pagar este tributo oneroso, vexatorio, desigual e iniquo; porque o pobre não tem dinheiro, nem fiador para apresentar.

E os encargos do recrutamento hão de recahir da mesma fórma sobre os povos, porque nós sabemos por experiencia, como se executava a antiga lei, que permitira as remissões por dinheiro. (Apoiados). Os cofres d'essas remissões enchiam-se, o dinheiro era distrahido da sua applicação legal, e o paiz pagava e soaria injustamente novos encargos do recrutamento, como se não tivera remido essa obrigação (Apoiados).

É manifesto, portanto, que o sr. Sampaio infringiu a lei, segundo a letra expressa da mesma lei, e segundo o pensamento do sr. presidente do conselho e ministro da guerra. (Apoiados).

Mas, diz ainda o sr. Sampaio, que a experiencia tem mostrado que uma outra portaria, de 5 de maio de 1873, tambem assignada por s. ex.ª, tem dado logar a inconvenientes, a fraudes e abusos, e que é para obstar a esses abusos, que expediu a ultima portaria.

O que eu vejo, é que o sr. Sampaio está condemnando as suas proprias providencias e actos governativos. (Apoiados.)

A portaria de 5 de maio veiu só produzir inconvenientes, fraudes e abusos; por consequencia o sr. Sampaio condemna a sua propria obra. Como Saturno, devora os proprios filhos. (Riso. — Apoiados.)

Mas, se tem havido fraudes e abusos, pergunto eu a s. ex.ª: quaes são as medidas, que tem empregado para fazer cumprir as leis?! Quaes não as providencias, que tem adoptado, para obrigar as suas auctoridades a respeitarem essas leis, e para castigar os que têem praticado essas fraudes e esses abusos? (Apoiados.)

¦ O sr. ministro do reino não o diz, mas disse-o o sr. Fontes, quando geriu, por alguns dias, a pasta do reino, na ausencia do sr. Sampaio. (Apoiados.)

O sr. Fontes, conhecendo tambem por experiencia as fraudes e abusos, que se davam na execução da lei do recrutamento, fraudes e abusos praticados pelas auctoridades da confiança do sr. Sampaio, dirigiu umas portarias de censura aos governadores civis de Braga e Vianna. (Apoiados.)

O sr. Sampaio não só acceitou estas censuras, que se reflectiam tambem sobre si, mas continuou a sentar-se n'aquellas cadeiras, e fez ainda mais: chegou a agraciar um d'esses governadores civis censurados pelo sr. presidente de ministros, fazendo-lhe mercê da carta de conselho. (Apoiados.) Isto não se commenta. A lingua recusa-se mesmo a expressar a indignação, que esta conducta provoca. (Apoiados.)

Termino aqui, por agora, as minhas humildes reflexões, e remetto para a mesa a minha proposta, sobre a qual, se entrar em discussão, farei as observações, que se me offerecerem. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem, muito bem. O sr. D. Miguel Goutinho (para um requerimento): — No caso d'esta proposta ser admittida, eu requeiro que se generalise a discussão, podendo tomar a palavra todos os srs. deputados que queiram fallar sobre o assumpto.

O sr. Presidente: — O sr. deputado sabe muito bem que, segundo a pratica, esta proposta deve ficar para ter destino ámanhã. (Apoiados.)

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Sinto muito que o illustre deputado não ficasse satisfeito com a minha resposta, e que passasse tantos dias com o estômago damnado.

Eu não sei bem qual é o interesse do illustre deputado, quero dizer, se é o interesse do serviço militar ou se é unicamente o interesse da observancia da lei, ou se é tambem o interesse pelos recrutados.

O sr. Boavida,: — E o interesse da lei. O Orador: — É apenas o interesse da lei. E o amor da arte. S. ex.ª não attendeu aqui ás conveniencias do serviço publico nas suas differentes relações.

Tambem não sei se s. ex.ª censura sómente a ultima portaria, ou se censura tambem a portaria de 1873. O sr. Boavida: — Censuro ambas. O Orador: — Censura ambas; muito bem. Desejo explicar o intuito com que estas portarias foram publicadas, e começo por affirmar que a lei de 1855 não admittia as remissões, porque estas foram admittidas pela lei de 1859. (Apoiados.) A lei de 1873 aboliu as remissões, e ficou em vigor a lei de 1855. (Apoiados.)

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A lei de 1855 admittiu as fianças para os mancebos que saíam do reino desde a idade de dezoito até vinte e um annos, e a lei de 4 de junho de 1859 admittiu as mesmas fianças desde a idade de quatorze até aos vinte e um annos completos; isto é, para aquelles mancebos que estavam sujeitos á lei do recrutamento quando saíam para paizes estrangeiros. Não admittindo ella as remissões, admittia comtudo as fianças. (Apoiados.)

O sr. Boavida: — Lá estão os §§ 1.°, 2.° e 3.°

O Orador: — De quê?

O sr. Boavida: — Da lei de 1855, artigo 55.° O Orador: — Os paragraphos? não me parece que haja paragraphos primeiro que os artigos. Ora bem. O artigo diz:

«Se, no caso do mancebo afiançado não comparecer nem der substituto, o fiador o não apresentar tambem dentro do praso que lhe for indicado será compellido a resgatar a fiança por uma somma igual ao preço da substituição.»

Ora aqui está uma lei que não admittia as remissões e comtudo admittia as fianças. (Apoiados.)

Eu não sei se esta é a logica do Genuense, mas o que sei é que é a logica da rasão. (Apoiados.)

O artigo 56.° § 1.° d'essa mesma lei, que não admitte as remissões, diz:

«Dar-se-ha aos mancebos visivelmente aptos para o serviço militar, que forem encontrados fóra do concelho sem resalva, liberdade por quatro mezes, sob fiança, para dentro d'elles apresentarem a resalva.»

Aqui está como se estabeleceu a fiança. E qual era o resultado quando o fiador não apresentava áquelle que affiançava?

Era a execução. E para que era a execução? Para ajustar um recruta. Isto parece-me tão claro, que duvido que entrasse em duvida n'um espirito tão esclarecido.

Ora vamos a ver o que fez a lei de 1873. Aboliu as remissões e estabeleceu a substituição, e casos ha em que a substituição é remida a dinheiro quando ha fiança.

Quereria o illustre deputado, condemnando a portaria de 1873 que, quando um individuo quer dar um substituto, mas que para o dar deseja primeiro saber se terá ou não de assentar praça, e se apresenta á junta da revisão, que não sabe se será approvado ou rejeitado, quereria, repito, que elle fosse com o substituto atrás de si para lhe dar guia, a fim de se assentar praça? Isto era altamente incommodo. Não acredito que no animo de um sacerdote tão exemplar se aninhasse uma tal dureza, porque isto era muito duro. Quereria que quando elle se apresentasse o fizessem immediatamente assentar praça e não lhe dessem os oito dias que lhe dava a portaria de 1873? Isto era tambem uma crueldade. Tantas iras em animo devoto?

(Interrupção do sr. Boavida.)

Tenha o sr. deputado a bondade de sofrear a sua inquietação; ouça-me com aquella religiosa attenção com que eu o ouvi. Pois, senhores, por isto que é uma facilidade legal, é accusada a portaria de 1873 de illegal. Mas se eu retirasse este favor, e não se pedisse a fiança, equivalia ao mesmo que deixar fugir o mancebo, e ir recaír o serviço em outro que lhe não pertencia. Isso não é tolerancia, é tyrannia; isso era cumprir a lei, se o fosse, com grave sacrificio dos cidadãos; escapavam-se os recrutas, nem se fazia o serviço, nem havia meio nenhum de cumprir a lei.

Até aqui a portaria não era illegal, porque o illustre deputado está aqui antes de 1873, e só hoje é que se lembrou de condemnar a tal portaria.

(Interrupção.)

Não ha duvida nenhuma em a explicar.

Quer-se aproveitar alguem d'esse favor de que se tem abusado tanto! Dá-se um fiador, fiador que deve apresentar o mancebo. Estas fianças são admittidas, estão estabelecidas na lei para aquelles que se ausentam desde os quatorze até aos vinte e um annos. Vejam que tyrannia esta da fiança!

Ninguém constrangeu o fiador; elle apresenta-se livremente e diz: — Eu conheço este mancebo, e se elle não se apresentar sujeito-me a apresentar alguem por elle. Creio que na Boa Hora todos os dias ha d'estas fianças.

Na lei não é fixado o preço da remissão, mas sim o direito de dar um homem que vá servir em logar do substituido. '

Ora, se não houvesse isto, o que aconteceria, repito, era que o recruta desapparecia e vinha servir um outro mancebo que não era obrigado ao serviço. Não era isto, por certo, rasoavel.

O illustre deputado quer que se cumpra a lei; mas s. ex.ª de certo não suppõe que o pensamento da lei foi deixar fugir os recrutas; não podia ser, era um pensamento absurdo, porque não se podia dizer que se estivera a fazer uma lei de recrutamento para fazer recrutas, a fim de em seguida os deixar fugir, e creio que o illustre deputado de certo não queria similhante absurdo!

Não vejo, pois, senão em pratica as disposições da lei de 1855, não vejo senão acautelados os abusos que provinham da portaria do 1873, que, concedendo oito dias de licença aos inspeccionados e preparados para ir servir, elles muitas vezes abusando d'este favor, desapareciam com grave detrimento dos outros recrutados que tinham obtido numero mais alto.

(Interrupção que se não percebeu.)

Pobres e ricos. Aqui não se trata da remissão do pobre ou do rico; s. ex.ª sabe que hoje a substituição tambem é o mesmo que a remissão.

Pois quando vou buscar um substituto o que faço eu?

Apresento-o e rimo-me em virtude do meu dinheiro. Por isso essa remissão ou substituição, com que o illustre deputado fez um grande jogo de palavras, n'esse sentido lato, é uma e a mesma cousa. (Apoiados.)

Estou prompto a confessar o abuso que pratiquei de dar oito dias na portaria de 1873, abuso que foi aqui tolerado, e apesar do illustre deputado não ter sido muito indulgente para commigo, nunca me accusou d'este abuso, vindo agora accusar-me por eu obstar aos inconvenientes que d'elle nascem.

Não julgo que deva conservar n'uma portaria uma disposição, da qual resultam alguns embaraços, sómente para mostrar a coherencia das minhas idéas! E creio que da falta de coherencia não será o illustre deputado que deva com mais rasão accusar-me.

O sr. Eduardo Tavares: — Mando para a mesa um requerimento de D. Antonia Lopes da Silva Rego, viuva de um antigo empregado d'esta casa, que, por se achar em más circumstancias, pede para lhe ser concedida uma pensão do cofre da camara.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa um requerimento em que se pede melhoria de reforma, e dois requerimentos pedindo esclarecimentos, um pelo ministerio da justiça, e outro pelo ministerio da fazenda.

O sr. Augusto de Mello Gouveia: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do Crato, concelho que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo em primeiro logar, que se execute pontualmente a lei de 16 de abril de 1874, auctorisando-se o governo a crear mais algumas comarcas; e em segundo lugar que se acabe com o arbitrio concedido aos juizes de direito de delegarem nos ordinarios as attribuições de que exemplificativamente falla o artigo 9.° da mesma lei.

A lei de 16 de abril de 1874 começa a produzir os seus effeitos; em vez de ir attender ás necessidades dos povos, vejo que por toda a parte do paiz se levantam clamores contra o modo porque tem sido executada. (Apoiados.)

Sou fiel interprete dos sentimentos dos meus eleitores, cumpro uma obrigação que têem todos 03 deputados, e venho pugnar pelo fiel cumprimento da lei de 16 de abril de 1874 (apoiados), declarando á camara que votarei tam

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bem contra a reforma administrativa, se ella vier á luz da publicidade.

Peço a V. ex.ª se digne manda-la publicar no Diario do governo.

O sr. Alfredo Peixoto: — Naturalmente por ser muito má a minha letra, appareceram alguns erros n'um projecto de lei que tive a honra de apresentar n'esta casa na sessão de 4 d'este mez.

São de facil rectificação; mas, para prevenir qualquer intenção malévola, apresento aqui uma nota das primeiras emendas. E a seguinte:

É necessario uma virgula na pag. 254, col. 2.ª e lin. 41.ª, adiante das palavras «principios de virtude», e na pag. seguinte, col. 1.ª e lin. 33.ª, adiante das palavras « pretendem usurpar».

N'essa mesma col. lin. 22.ª, onde está «como eleitor», é necessario escrever as tres palavras «com o eleitor», e na lin. 70.ª, onde está «julgar em jury», deve ser «julgar esse jury».

Se ha mais alguns erros, são de menos importancia ainda.

Na mesma sessão de 4 d'este mez requeri uns documentos ácerca do seminario episcopal de Coimbra. N'esse requerimento digo que o reitor da universidade e o commissario dos estudos do districto tinham obrigação de remetter á direcção geral de instrucção publica estes documentos por mim requeridos aqui.

É só de consciencia esta obrigação, não é de lei escripta. E necessario declara-lo, porque não sei se todos darão a estas palavras o sentido com que as escrevi. Entendo que o reitor da universidade e os commissarios dos estudos têem obrigação de informar a direcção geral de instrucção publica ácerca de todo o movimento litterario e scientifico, e especialmente das pessoas que propozerem para cargos de responsabilidades serias, como o de examinador.

Como porém é possivel, até provavel, que esta obrigação não tenha sido cumprida, — o não o estranharei, como estes documentos me são absolutamente indispensaveis para uma interpellação que annunciei ha dias ao sr. ministro do reino, interpellação que é necessaria para que a camara e o paiz fiquem conhecendo bem o modo por que tem sido executado o decreto de 31 de março de 1873, não obstante o immenso cuidado e consciencioso escrupulo da secretaria do reino, requeiro os mesmos documentos pelo ministerio da justiça.

Remetto agora para a mesa uma representação do tabellião privativo da comarca de Vianna do Castello. Vem dirigida a El-Rei, mas chamo a attenção das camaras para ella, o que é de justiça.

Pretende este excellente funccionario que aos tabelliães privativos das comarcas sejam concedidos uns certos exclusivos, como os protestos de letras, dotes e doações, para terem mais alguma reparação ao prejuizo que lhes causou a ultima reforma judicial que ha pouco vi tão crua e tão injustamente censurada pelo nosso collega o illustre deputado por Aviz.

E uma questão de justiça, pelo menos do equidade. Não a entrego ao coração da camara, porque não pede favor o representante, mas á consciencia d'ella, por ser toda de um direito respeitavel.

Emfim, participo a V. ex.ª e á camara que, por motivo de incommodo, o sr. deputado por Ponte do Lima tem faltado ás sessões de hontem e hoje, e terá necessidade de por mais algum tempo se conservar ausente d'esta camara.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Acha-se constituida a commissão de agricultura, lendo nomeado para presidente o sr. visconde de Sieuve de Menezes e secretario o sr. Falcão da Fonseca, havendo relatores especiaes para os differentes assumptos.

O sr. Dias Ferreira: — Sr. presidente, mando para a mesa uma representação dos aspirantes de 1.ª e 2.ª classe da repartição de fazenda do districto de Vizeu, que pedem

augmento de vencimento. É tão justa esta pretensão, que não tomo tempo á camara expondo-lhe as rasões em que se funda.

Mando tambem para a mesa representações, dos habitantes das freguezias de Moz e serviçaes, no concelho de Moncorvo, e das camaras municipaes; dos concelhos do Crato, e da Louzã, reclamando contra a ultima circumscripção judicial.

Pela publicação d'estes documentos na folha official conhecerá a assembléa a procedencia e a importancia das rasões em que se fundam os reclamantes.

Porém, com respeito á representação da camara municipal de Louzã, posso eu informar de conhecimento proprio.

A comarca da Louzã, que, apesar de composta de quatro julgados, era das menos rendosas de 2.ª classe, foi privada de dois d'esses julgados, sem a mais leve compensação.

E não havia rasão, nem de comodidade para os povos nem para os interesses da justiça, que justificasse este cerceamento. Sobretudo um dos julgados desannexados d'aquella comarca perdeu e muito com a separação, porque ficou pertencendo a outra comarca, para a qual se torna difficillimo senão impossivel o transito em cortas epochas do anno, e porque vivendo em communidade de interesses e de relações com a Louzã soffre gravissimos prejuizos com a nova circumscripção.

Peço, pois, aos poderes publicos que restituam á comarca da Louzã as povoações que lhe tiraram, e que por todas as rasões de conveniencia publica devem pertencer-lhe, e n'esse sentido empenharei sempre os meus esforços.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 107 O sr. Presidente: — Continua com a palavra, que lhe ficou reservada da sessão de hontem, o sr. visconde de Quedes Teixeira.

O sr. Visconde de Guedes Teixeira —... (O sr. de

pulado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

¦ Proponho que ao artigo 61.° do projecto em discussão seja feito o seguinte additamento: depois de posta em execução a reforma administrativa, cujo projecto de lei está pendente n'esta camara. = O deputado por Moimenta da Beira, Visconde de Guedes Teixeira. Foi admittida.

O sr. Mello Simas: — Começo por participar a V. ex.ª e á camara que a commissão de legislação penal se acha installada, tendo nomeado para presidente o sr. Thomás Ribeiro, a mim para secretario, reservando-se para nomear relatores especiaes para os assumptos que forem commettidos ao seu exame.

Permitta-me agora V. ex.ª que eu mande para a mesa um aditamento á primeira parte do artigo 62.°, concebido nos seguintes termos. (Leu.)

As despezas com a instrucção primaria, segundo o projecto em discussão, acham-se distribuidas pelo estado, pelas juntas geraes de districto, pelas municipalidades e pelas juntas de parochia.

A cargo do estado ficam as despezas com a inspecção e com o professorado das escolas normaes, na importancia de 48:000$000 réis; ás juntas geraes de districto ficam as pensões com os alumnos das escolas normaes, cuja despeza se acha orçada em 42:240$000 réis, e a cargo das municipalidades ficam os vencimentos dos professores das escolas elementares e complementares, cuja despeza está calculada em 469:000$000 réis.

A commissão foi omissa não nos apresentando o calculo das despezas a cargo das juntas de parochia; mas pelo artigo 61.° do projecto, como hontem muito bem ponderou

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ô sr. Mariano de Carvalho, podemos calcular que nunca será lançada á conta das juntas de parochia uma despesa inferior a 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis.

O sr. visconde de Guedes Teixeira, respondendo ao sr. Mariano de Carvalho, disse que o artigo 61.° não impunha ás juntas de parochia a obrigação do construir casas; mas permitta-me s. ex.ª que lhe diga que essa objecção foi tambem destruída hontem pelo sr. Mariano de Carvalho, porque a renda que ellas têem a pagar equivale ao capital indicado.

Mas como o que está em discussão é o artigo 62.°, o a minha proposta se refere á primeira parte d'elle, em que se trata da dotação das camaras municipaes para fazerem face ás despezas com a instrucção primaria, vou restringir-me a essa primeira parte para justificar o meu additamento.

Como se vê, a despeza que fica a cargo das camaras municipaes é de 469:000$000 réis, apenas este projecto de lei comece em vigor, porque ella vae augmentando durante dez annos, e no fim do decimo eleva-se a réis 1.200:000$000, segundo os calculos da commissão.

Este encargo é enorme, e a dotação estabelecida no artigo 62.° não é sufficiente. O proprio relatorio que precede o projecto reconhece isto, quando diz: «Para satisfazer a estas avultadas despezas municipaes, julga a commissão que poderá consignar-se nos orçamentos parochiaes um subsidio do rendimento illiquido das confrarias.»

Já hontem o sr. Mariano de Carvalho fez sentir a omissão que se achava n'este artigo 62.°, porque elle não menciona em nenhum dos seus numeros o subsidio das confrarias.

Effectivamente houve um esquecimento da parte da commissão, porque, senão houvesse esse esquecimento, não tinha rasão de ser a disposição do artigo 62.°, § unico.

N'esse ponto não offereço duvida alguma. Mas o que eu desejava é que o illustre relator da commissão me dissesse como é que se explica que com as verbas de receita descriptas nos orçamentos parochiaes se póde fazer face a uma despeza municipal.

Até aqui, pela nossa legislação em vigor, as camaras municipaes são entidades juridicas completamente distinctas das juntas de parochia.

As juntas de parochia' fazem annualmente os seus orçamentos, e n'elles consignam a sua receita e descrevem a sua despeza.

Não sei como as camaras municipaes podem fazer face a uma despeza municipal com as verbas de receita descriptas nos orçamentos das juntas de parochia.

Até aqui as juntas de parochia podiam quotisar as confrarias, para com essa quotisação fazerem face ás suas despezas; mas que as camaras municipaes possam quotisar as juntas é uma novidade do tal ordem, que eu desejaria que o sr. relator da commissão tomasse nota da minha duvida para responder-me.

Como V. ex.ª viu, eu proponho se acrescente a este artigo 62.° o producto do real de agua, porque me parece que a dotação aqui consignada não é sufficiente para satisfazer as despezas municipaes com a instrucção primaria.

A primeira dotação consiste no producto da renda, afloramento, arrendamento ou cultura dos baldios municipaes.

A lei de 1869 exceptua da desamortização todos os baldios que fossem necessarios para logradouro commum dos municipios e das parochias; e creio que a excepção comprehendeu mais do que a regra.

Havia um meio facil do sr. ministro do reino nos habilitar a votar a dotação do n.º 1.° com conhecimento de causa, mandando a esta casa uma nota dos valores dos baldios municipaes sujeitos á desamortisação, que devem estar inventariados nos 'próprios naciocaes; não digo que s. ex.ª mandasse copia de todos os Inventarios, que ali

hão de existir, porque devo suppor-se que a lei se cumpriu, mo podia mandar o valor d'elles por concelhos e por parochias. Em quanto a não mandar, continua a ter esta primeira dotação, alem de já hoje ser uma verba de receita das camaras municipaes, consignada aqui especialmente para as despezas da instrucção primaria como insufficiente, o não podemos contar com ellas para os novos encargos do municipio.

A segunda fonte de receita consignada á despeza da instrucção primaria, consiste nas doações, legados e subsidios do individuos ou corporações. Basta a simples leitura para se conhecer que é uma receita essencialmente inserta, eventual e contingente e com ella não podemos contar para fazer face a despezas certas e obrigatorias.

A terceira especie de dotação consiste no rendimento das confrarias, irmandades e estabelecimentos de beneficencia, que furem legalmente extinctos.

Todos sabem que hoje não se decreta a extincção de uma irmandade ou confraria, segundo um decreto de 1836, sem que se lhe laça primeiro uma intimação administrativa, marcando-lhe o praso para dentro d'elle se constituir legalmente com estatutos ou compromisso approvado; ora a irmandade ou confraria intimada quasi sempre cumpre a intimação constituindo-se legalmente, e por consequencia fica sendo esta verba totalmente contingente, e como ella não se póde fazer face a despezas certas e obrigatorias.

Resta-nos apenas a quarta fonte de receita, que são as verbas consignadas annualmente nos orçamentos municipaes, indispensaveis para satisfazer aos encargos da instrucção primaria.

Estas verbas, segundo reconheceu outro dia o sr. ministro do reino na resposta que se dignou dar-me, não podem as camaras municipaes ir busca-las senão ao imposto. S. ex.ª confessou que as camaras não tinham sobras, não tinham saldo positivo, e por consequencia não é possivel que consigam os meios de fazer face a esta despeza senão impondo tributos.

É verdade que o sr. ministro do reino disse-nos que o augmento da receita tanto podia, votar-se para os municipios como para o estado.

Ora, eu concordo que o estado é á somma dos municipios, que os municipios constituem o estado; mas permitta-me s. ex.ª que eu não possa de modo nenhum confundir o estado com o municipio, nem absorver o municipio no estado. O estado é a somma dos municipios; mas não se segue que seja igual a cada um dos municipios: assim como a somma não é igual a cada uma das suas parcellas, nem o todo é igual a cada uma das suas partes, assim tambem não podemos confundir o estado com o municipio, para dizer que com a mesma facilidade com que se augmenta a receita para o estado se póde levantar para o municipio.

Que o estado foi sempre considerado como uma entidade distincta dos municipios provam-no os nossos habitos, derivados de toda a nossa legislação.

O mesmo relatorio da commissão, quando diz «fica a cargo do estado, fica a cargo do districto, fica a cargo da municipalidade», faz distincção entre o municipio e o estado.

O codigo administrativo, quando trata da contribuição directa e diz que seja lançada em uns tantos por cento addicionaes ás contribuições do estado, faz distincção entre a municipalidade e o estado.

O codigo civil, quando trata das pessoas moraes, diz que o estado, a igreja, as camaras, municipaes, as juntas de parochia são havidos por pessoas moraes; e depois, quando se occupa dos privilegios creditórios, diz: os creditos, por impostos devidos á fazenda nacional, gosam de privilegio mobiliario em todas as classes; e n'outro artigo: são creditos privilegiados sobre os immoveis do devedor, ainda quando estes se achem onerados com hypothecas, os creditos por impostos devidos a fazenda nacional pelos ul-

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timos tres annos e no valor dos bens em que recaírem os mencionados impostos.

Por consequencia, toda essa legislação faz uma perfeita distincção entre o municipio e o estado, e eu não posso concordar com a idéa do sr. ministro do reino de que para o augmento da receita é indifferente que seja o estado quem lance o imposto ou que sejam as camaras municipaes.

Eu sei que a materia collectavel é a mesma, quer se trate do imposto geral para as despezas do estado, quer se trate do imposto local para as despezas das camaras e juntas geraes de districto e parochia; sei que em ultima analyse quem paga os impostos é o povo. (Apoiados.) Mas d'aqui não póde concluir-se que seja a mesma cousa a contribuição lançada pelo estado, que a contribuição lançada pelo municipio.

Diz o sr. ministro do reino que a receita póde ser augmentada tanto pelo estado como pelas camaras municipaes. Mas permitta-me s. ex.ª que lhe diga que ha uma grande differença no modo por que s. ex.ª considera a possibilidade de augmentar as receitas municipaes.

As camaras municipaes, bem como o estado, não têem senão dois meios de augmentar a sua receita, o imposto directo e o indirecto.

Mas se as camaras municipaes querem augmentar a receita pelo imposto directo, encontram já o estado com a sua contribuição predial, industrial, sumptuaria e de renda de casas, e o que é para notar-se com preferencia, na legislação civil, ás camaras municipaes e a todos os cidadãos.

Se as camaras municipaes querem augmentar a sua receita, não pelo imposto directo, mas pelo indirecto, encontram o estado que lhes diz: não consinto que lanceis impostos sobre os generos que se importam e exportam dos concelhos, sobre os que transitam pelos concelhos, nem sobre as transmissões da propriedade immovel.

E o estado prohibe que os municipios lancem impostos sobre todos estes generos, porque é d'essa fonte que elle tira a maior parte da sua receita. No orçamento geral do estado para o exercicio de 1876-1877 a receita está calculada, cifra redonda, em 24.000:000$000 réis, e d'esses impostos que a lei veda ás camaras municipaes tira o estado cerca de 13.000:000$000 réis.

Se as camaras municipaes querem augmentar a sua receita, recorrendo ao imposto de consumo, que é tambem indirecto, encontram o estado com o seu velho real de agua, hoje correcto e augmentado pelas leis de 1870, 1872 e de 1873 (apoiados), que tributa a carne, o vinho, o vinagre, o arroz, o queijo, a manteiga, o azeite de oliveira, as bebidas alcoolicas, tudo em fim, porque o real de agua emprega hoje uma rede de malha tão apertada, que raríssimo é o genero que lhe foge e lhe escapa.

Ora se isto é assim, as dotações consignadas no artigo 62.°, não digo que sejam nullas, mas parecem-me insuficientes para as camaras municipaes poderem fazer face a uma despeza de 469:000$000 réis apenas se comece a executar a lei, e de 1.200:000$000 réis no fim de dez annos.

Em vista do que levo dito, lamento que o sr. ministro do reino me tivesse o outro dia respondido d'aquelle modo, isto é, que a receita póde crear-se tanto para as camaras como para o estado!

Mas como póde ser augmentada a receita municipal, se o estado, em relação á materia collectavel, faz com as municipalidades uma divisão de leão? No imposto directo e de consumo sou o primeiro, e nos generos importados e exportados e nas transmissões não toques! Pois se o estado faz isto, como é possivel lançar depois ás camaras encargos tão importantes?!

O que se me afigura portanto é que, se este projecto for convertido em lei, a instrucção primaria ha de ficar muito peior do que estava antes.

Imagina o sr. ministro do reino que, por considerar I

obrigatoria a despeza das camaras com a instrucção primaria, ha de ella ser uma realidade? Affigura-se-me que assim não ha de acontecer.

Pois não é obrigatoria, desde 1842, a despeza com os cemiterios publicos? Não é obrigatoria a despeza com os tribunaes judiciaes e cadeias?

Pergunto ao sr. ministro do reino, e a todos os seus antecessores, o que é que têem feito para obrigar as camaras a satisfazerem a estas despezas obrigatorias?!

Não está todos os dias a imprensa periodica a denunciar os abusos dos enterramentos nas igrejas? Não temos nós todos visto os tribunaes judiciaes e as cadeias n'um estado lastimoso?

E todavia não vejo que se tenham obrigado as camaras municipaes a satisfazerem a estas despezas obrigatorias, não obstante ellas serem assim consideradas desde o codigo administrativo de 1842!

E faço justiça a todos os governos, que creio as não têem compellido, não por falta de bons desejos, mas porque onde nada ha, nada se póde tirar.

Com esta reforma, quanto a mim, a instrucção primaria ha de ficar peior do que está, e creio que raros serão os professores que se queiram sujeitar ao encargo de ensinar creanças, para serem pagos pelas camaras municipaes, que pagam mal e ás vezes nunca.

Alem d'isso dá-se um outro inconveniente. O professor não ha de querer desempenhar esta missão, que póde considerar-se um verdadeiro sacerdócio, tendo em recompensa o odioso da freguezia.

As povoações pagam o imposto que o professor recebe; hão de paga-lo com repugnancia e recairá a animadversão sobre o professor.

Estas simples considerações justificam o additamento que proponho, para que seja dado ás camaras municipaes o tributo do real de agua, que actualmente se cobra para o estado, quando porventura não sejam admittidas as propostas que mandei para a mesa ácerca do artigo 36.°

A dotação das juntas de parochia está no mesmo caso que a das camaras municipaes; apenas no n.º 3.° ha differença, mencionando-se como um dos meios da dotação as sobras dos rendimentos das confrarias e irmandades.

Eu sei que ha effectivamente algumas confrarias no reino que têem sobras, e grandes sobras, das suas despezas obrigatorias; mas, em alguns districtos que eu conheço, essas sobras são applicadas á sustentação de asylos de infancia desvalida e de mendicidade.

Pergunto ao illustre relator da commissão se, dando-se por este artigo uma applicação legal ás sobras das confrarias, hão de ser excluidas dos asylos de infancia desvalida as creanças que ahi se acham a educar e lançados á margem os velhos invalidos recolhidos nos asylos de mendicidade?!

A consequencia não póde ser outra desde que se dê esta applicação legal ás sobras dos rendimentos das confrarias! Mas é uma barbaridade!

Acaba de dizer-nos o meu illustre amigo o sr. visconde de Guedes Teixeira, que o governo propõe annualmente uma verba destinada a auxiliar os estabelecimentos de instrucção primaria e a construcção de casas para as escolas. No orçamento de 1876-1877 vem proposta para a instrucção primaria a verba de duzentos setenta e tantos contos de réis.

D'estes duzentos setenta e tantos contos applicam-se 48:000$000 réis para a inspecção e ordenados dos professores das escolas normaes; ficam livres duzentos vinte e tantos contos. Podemos contar pois, como promette o relatorio da commissão, que será essa verba a que o sr. ministro do reino ha de propôr para auxiliar os estabelecimentos de instrucção primaria. Mas no artigo 61.° § 3.° não se diz como se ha de fazer a distribuição d'esta verba, e eu achava absolutamente indispensavel consignar aqui a base d'essa distribuição.

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Não se consignando aqui essa base, o que eu vejo é que o paragrapho contém uma disposição altamente centralisadora, porque habitua a localidade a esperar tudo do subsidio que lhe ha de vir de cima e torna ao mesmo tempo o deputado que quizer advogar os interesses do seu circulo, altamente dependente do ministerio do reino, porque, para conseguir que seja attendida a localidade que representa, é necessario andar todos os dias n'aquelle ministerio.

Nós vemos que figuram no orçamento do estado do anno economico de 1876 a 1877, 15:000$000 réis, para estudos de estradas, 70:000$000 réis para melhoramentos de portos, 700:000$000 réis para construcção e grandes reparações de estradas, e 180:000$000 réis para subsidios a estradas districtaes e municipaes.

Mas como se faz esta distribuição? Qual é a base para ella?

Eu invoco o testemunho dos illustres deputados para que digam se é possivel conseguir que uma localidade qualquer seja attendida, se não andarmos todos os dias a importunar o ministerio das obras publicas para que ella não seja esquecida!

E dizendo isto não quero fazer censura alguma ao ministro das obras publicas, que trata de satisfazer a todos os pedidos justos, qualquer que seja a politica dos deputados; mas ha ali muitos negocios a tratar e é certo que quem não apparece, esquece.

Se, pois, este projecto for convertido em lei, o mesmo succederá no ministerio do reino.

Os effeitos desastrosos da descentralisação hão de por força resultar d'este § 3.° do artigo 61.° As localidades ficam na immediata dependencia do poder central, porque não se póde conseguir um beneficio para um circulo sem que se ande todos os dias a importunar para não ser esquecido. (Apoiados.)

Concordo com a opinião do meu amigo o sr. visconde de Guedes Teixeira, que entende que esta proposta devia ser precedida do codigo administrativo, porque é completamente impossivel resolver este problema da instrucção primaria sem que haja primeiramente a organisação administrativa. C Apoiados.)

Se esta proposta fosse precedida pela reforma administrativa, algumas disposições que aqui se encontram eram completamente escusadas.

O artigo 36.°, por exemplo, diz o seguinte: (Leu.)

Ora esta disposição dos §§ 1.° e 2.° era desnecessaria aqui, porque devia ser estabelecida no codigo administrativo para todas as despezas municipaes, e não admitto que se faça uma excepção unica a favor da instrucção, desprezando se todas as outras despezas obrigatorias, que são absolutamente indispensaveis, e se não são indispensaveis, não se classifiquem como taes.

Creio que tenho fundamentado o meu additamento e vou concluir.

Se o projecto passar como está, não posso deixar de considera-lo como uma verdadeira calamidade, uma das maiores calamidades que ha muitos annos têem saído d'esta casa - E considero-o assim, porque elle vae acabar com a instrucção primaria, desorganisar o serviço administrativo dos concelhos, acender o facho da discordia nas localidades e vae produzir o abandono das cadeiras municipaes. E não ha vantagens que compensem estes males!

O ensino obrigatorio não se acha assegurado de modo que venha a ser uma realidade, como se demonstrou na discussão. Eu confesso que mais garantido se achava elle pelo decreto de 20 de setembro de 1844, se o quizessem executar, do que pelo projecto em discussão!

Alem d'isso, cria-se n'esta proposta um poder judicial monstruoso com as faculdades que se dão ao delegado parochial e ao sub-inspector de julgar e condemnar em multas de dezenas de mil réis; delegado e sub-inspector, totalmente dependentes do executivo, quando os principios

e a carta estabelecem que o poder judicial deve ser independente!

Acresce que n'ella se estabelece que as creanças façam exame de gymnastica e canto coral para serem admittidas nos lyceus; quando nós legisladores seriamos reprovados se fossemos fazer exame de taes materias!

Sr. presidente, entrei na discussão d'este projecto completamente desligado de idéas partidarias, porque uma reforma tão importante como esta da instrucção primaria não é d'este ou d'aquelle partido, é do paiz. Lamento por isso que elle esteja redigido de modo que não satisfaz ao fim a que é destinado.

O proprio relatorio, onde se deviam expor com clareza as rasões da lei, é um acervo de contradições! Logo na primeira pagina apparece a contradição, porque ao mesmo tempo que diz, que em assumptos de instrucção popular, provam as estatisticas que o nosso paiz é ainda hoje um dos mais atrazados da Europa, accrescenta mais abaixo, que nos faltam os dados estatisticos sufficientes para avaliar em toda a exactidão o estado actual da instrucção. Ou ha dados estatisticos, ou não os ha; se os ha podemos avaliar com exactidão o estado da instrucção publica entre nós, se os não ha, não podemos provar que o nosso paiz seja o mais atrazado da Europa!

Confessa a commissão no seu relatorio, que as corporações administrativas locaes são desleixadas, e que ha muita incuria da parte d'ellas, e, em nome da logica e da coherencia, entrega-lhes a nomeação, a suspensão e a demissão dos professores, e dá-lhes emfim outras attribuições importantes com respeito á instrucção primaria!

E por ultimo, sr. presidente, o relatorio dá-nos a novidade das camaras municipaes fazerem face ás avultadas despezas da instrucção primaria com as receitas descriptas nos orçamentos parochiaes!

Nada mais tenho que dizer.

Apresentei á camara as considerações que me pareceram sufficientes para justificar a minha proposta e o meu voto. A camara votará como quizer e entender em sua alta sabedoria, e o paiz nos julgará a todos.

Tenho concluido. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A primeira parte do artigo 62.°, em que se estabelece a dotação das camaras municipaes para fazer face aos encargos obrigatorios com a instrucção primaria, proponho que, ouvida a commissão de fazenda, se acrescente o seguinte: «V. O producto do real de agua que actualmente se cobra para o estado». = Mello Simas.

Foi admittida.

O sr. Thomás Ribeiro: — Já houve tempo em que tive a veleidade de fallar muitas vezes n'esta casa. Esse tempo vae longe. Passaram já bastantes annos, e actualmente não fallo senão quando absolutamente me parece preciso que eu diga a minha opinião, não para esclarecer a camara, mas para descargo da minha consciencia.

Pedi hontem a palavra a V. ex.ª quando se propunha n'esta camara o adiamento do artigo 61.° do projecto que se discute, para declarar simplesmente as rasões porque rejeito esse adiamento. Quero crer que a camara tem desejo de levar ao fim esta discussão. Como questão aberta se tem discutido e tal deve effectivamente considerar-se; e como a discussão não ha de terminar aqui, visto que todos os reparos dos illustres deputados que se têem occupado d'este assumpto, voltam á commissão de instrucção publica, é justo que termine o mais breve possivel esta discussão, que não é a ultima, para darmos tempo á commissão de ver reunidas todas as propostas que lhe têem sido enviadas, de voltar com as emendas que ella julgar acceitaveis, e de' se habilitar a dizer as rasões porque acceita ou rejeita as diversas propostas, quando lhe sejam perguntadas na ulte-

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rior discussão, em summa para nos habilitarmos todos a dar sobre as emendas um voto mais fundamentado e por isso mais consciencioso do que se póde dar hoje.

V. ex.ª sabe e sabe a camara, que desde o principio se assentou em que todas as moções que se apresentassem fossem á commissão, e por este facto tanto a commissão como o governo, representado pelo sr. ministro do reino, mostraram entender que não tinham este projecto por impeccavel, e que os seus defeitos podiam ser desviados do projecto pela discussão esclarecida d'esta assembléa.

Assim se tem feito mandando-se as propostas relativas a todos os artigos á commissão para ali serem estudadas; portanto, estando as propostas relativas aos artigos 61.° e (32.° no caso de serem enviadas á commissão, entendo eu e não póde deixar de entender commigo a camara que se devem votar estes artigos do projecto que se discute, sem prejuizo do parecer que a commissão der ácerca das propostas que têem sido apresentadas, quando vier trazer á camara o resultado dos seus estudos.

O adiamento da votação sobre este artigo é o adiamento do projecto, isto é, fechar se - ha esta sessão e as immediatas e o systema dos adiamentos fará com que fiquemos sem a reforma da instrucção. Estude-se, melhore-se, mas de modo nenhum se adie.

A proposito de adiamento ouvi argumentos que o meu espirito não comprehende.

Um, por exemplo, é que estamos discutindo e nos preparamos para votar um artigo anti-constitucional.

Não ouvi bem quaes foram os motivos em que se firmaram os illustres deputados que apresentaram esta opinião; supponho porém que se cita a disposição da carta que concede a instrucção primaria gratuita, como se este projecto o negasse. Em que está a inconstitucionalidade do projecto? Em serem remunerados os professores? Sempre o foram e ninguem póde obriga-los a ensinar de graça; em não ser o governo quem lhes pague, mas aa camaras? Pois não é sempre o estado quem paga e não é sempre do numero dos contribuintes? Pois quando o governo paga não paga do dinheiro que recebe? Pois receber e pagar a camara municipal ou o governo não é simplesmente questão de methodo? Ou querem os illustres deputados que as camaras estejam fóra do estado?

• Se aos professores se ha de pagar, que differença póde haver para o bem e para o mal á instrucção, em que lhes paguem directamente os cofres do thesouro publico, os cofres dos districtos, os dos municipios, ou os das parochias?

E sabe V. ex.ª qual o systema que me parece melhor? E que paguem effectivamente os corpos locaes. Apostolo convicto, apostolo não, mas convicto das doutrinas da maxima descentralisação, vejo com sentimento que a maior parte dos illustres deputados que attentam aqui dia a «lia a concessão das maximas faculdades e privilegios ás municipalidades, não querem por fórma alguma que ellas tenham os encargos correspondentes a esses privilegios ou a essas faculdades.

O sr. Pedro Franco: — Privilegios!

O Orador: — Quando digo privilegios, refiro-me ás attribuições que desejam ter; querem todos que se alarguem aos corpos locaes as attribuições, que actualmente julgam pequenas e poucas; mas quando te lhes alargam essas attribuições e se lhe impõe ao mesmo tempo a obrigação de pagar, todos se recusam.

Sabe V. ex.ª a que te reduz a questão? Ao odioso do lançamento do imposto; nem mais, nem menos. As camaras municipaes querem que o governo tenha todos os encargos em ri, cimo se effectivamente não fossem os contribuintes os mesmos, quer paguem para o estado quer para o municipio.

Eu já fiz a côrte por muito tempo á popularidade, e ha muito tempo tambem que me desenganei de que nada conseguia com essa côrte senão ephemeras vantagens e proximos desenganos.

A minha obrigação como deputado da nação não é adular, e menos ainda enganar quem quer que seja, é dizer inteiramente a verdade e só a verdade.

Os que argumentam aqui contra o projecto, especialmente contra estes dois artigos, temem pelas camarão o lançamento de tributos, quer directos, quer indirectos, porque desejam estar bem com os seus municipes, e que todo o odioso recaia sobre o governo.

O sr. Simas: — V. ex.ª não póde entrar nas intenções de ninguem.

O Orador: — Nem quero, mas não posso comprehender a rasão por que um tributo seja mais pesado quando é lançado pelas camaras municipaes, e menos pesado quando é lançado pelo governo. Se s. ex.ª me poder explicar este enygma faz-me muito favor.

(Interrupção.)

Não ha differentes bafes; as bases que os municipios têem para lançar impostos são as mesmas que tem o governo.

Ordinariamente nas nossas localidades juntamos a administração municipal e local com um pouco tambem de politica, e precisamos não aggravar por fórma nenhuma aquelles que sendo hoje contribuintes para pagar a instrucção primaria, podem ámanhã como eleitores recusar-nos os seus votos. Esta é a verdade, e eu não sei dizer senão aquillo que sinto.

Os corpos locaes têem inspecção já de ha muito tempo sobre as escolas primarias, e V. ex.ª sabe que nunca a exerceram ao menos devidamente.

Tenho para mim, que se acaso os povos pagarem, sabendo que pagam directamente ao professorado e para a edificação e manutenção das escolas, a vigilancia local ha de ser muito mais efficaz do que tem sido até hoje. Por conseguinte, parece mais conveniente que lancem o tributo as camaras que o governo.

É possivel que com relação aos meios com que se ha de fazer face ás despezas que são lançadas tanto sobre camaras municipaes como sobre os districtos e parochias, haja deficiencias n'este projecto de lei que se discute; mas é tambem possivel que no seio da commissão de instrucção publica, onde tem de considerar-se de novo esta questão, se lembre algum alvitro tendente a supprir essa deficiencia, se porventura existe.

N'esta parte acompanho os escrupulos dos illustres deputados que fazem opposição ao projecto. Mas é tambem verdade que s. ex.ªs estão a amesquinhar extraordinariamente os meios que o projecto consigna: por exemplo, quanto aos baldios parochiaes e municipaes. Eu posso dizer a V. ex.ª que n'uma grande parte d'este paiz ha grandes extensões de baldios, muitos dos quaes foram julgados necessarios para logradouros communs, e que são muito mais do que é preciso para esse fim.

Ora, este projecto de lei, ao passo que descentralisa, vem dar-nos um grande ensejo de desamortisar, e por ambos os motivos o tenho por bem vindo.

Este meio é excellente para obrigar muitas camaras municipaes e juntas de parochia a entrarem no caminho da desamortisação dos seus baldios, concorrendo assim poderosamente para a riqueza publica. Até hoje não se tem feito isto; pelo contrario, tem-se simulado ao governo que tudo que ali ha é pouco para os logradouros communs.

Se que ha camaras pobres de logradouros e de baldios, e algumas parochias tambem; mas ha outras que têem muito de mais; verdadeiras riquezas perdidas, um pousio eterno, que deve entrar na massa productiva dos bens cultiváveis e transmissiveis.

Tambem me parece que o illustre deputado o sr. Mariano de Carvalho, nas considerações que apresentou sobre este assumpto, na sessão de hontem, exagerou um pouco as despezas a fazer com as casas escolares. S. ex.ª avaliou, pelo menos, em 1000$000 réis cada escola, e serviu-se para isso do simile das actuaes casas chamadas

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do conde de Ferreira. Essas casas, no meu entender, foram muito caras e são muito insuficientes; não valera o que custaram para o fim a que são destinadas. Estou persuadido de que é muito possivel nas aldeias alcançar casas mais confortáveis e de menos preço.

(Interrupção do sr. Pires de Lima.)

Se V. ex.ª ámanhã for a todos os concelhos ruraes dizer que as camaras vão pagar aos mestres, a sua primeira idéa, em vez de ser a creação de novas escolas, é a suppressão das existentes.

O sr. Pires de Lima: — Isso é á condemnação do projecto.

O Orador: — E a idéa do illustre deputado, que quer instruir primeiro e descentralisar depois.

Eu penso de diverso modo, e n'isto honro-me de estar de accordo com o sr. Luciano do Castro. O que é preciso é caminhar parallelamente, dando a descentralisação a par da instrucção.

Eu dizia e digo a respeito das escolas, que me parece que as juntas de parochia, por muito menos de 1:000$000 réis, haviam de poder achar casas; não digo que sejam palacios, nem com apparencias elegantes, mas casas que tenham as sufficientes commodidades para receber os alumnos da parochia ou ainda da povoação, quando haja mais na parochia do que uma escola. Estou persuadido de que em algumas provincias hão de encontra-las mais baratas do que s. ex.ª calculou.

(Interrupção que não se percebeu.)

Mas V. ex.ª quer agora que se construam as escolas em Portugal, de prompto, com todas as condições de acústica e de hygiene?

Eu tambem o queria, mas note V. ex.ª que eu vejo em 1 muita parte as creanças aprenderem as suas lições debaixo de um telheiro de igreja ou de capella (apoiados); e entre isto e o optimo póde existir o commodo; tanto me basta por emquanto.

Agora pouco mais tenho a dizer, a não ser em resposta a uma consideração do sr. Mello e Simas, que merece attenção.

S. ex.ª perguntou se não estavam nas leis as obrigações que tinham as camaras municipaes de fazer os tribunaes de justiça, as cadeias, etc.. E sabe V. ex.ª porque se não têem feito? E por que se não tem podido obrigar as camaras municipaes a cumprir todas as obrigações que a lei lhes impõe?

E justamente porque ellas têem estado a viver na esphera mais acanhada possivel; e por isso peço e insto que na proposta de lei que se está hoje discutindo na commissão respectiva sobre a reforma administrativa se lhes alarguem as attribuições, a fim de poderem chegar ao que são destinadas.

O sr. Pedro Franco: — Mas os meios é que não vem.

O Orador: — V. ex.ª sabe que se está discutindo na commissão de administração publica a reforma administrativa; porque é que V. ex.ª ha de acreditar que o governo deixa esta lei na commissão?!

Sou de opinião que a base d'esta lei é a reforma administrativa (apoiados), e ninguem o póde negar, nem tão pouco o nega o sr. ministro do reino. Mas pergunto eu: são ellas ou não ambas filhas do mesmo pensamento? Foram ellas dictadas pelo mesmo governo?!

O sr. Pedro Franco: — Mas o primeiro filho abortou.

O Orador: — Não abortou, o primeiro filho está a educar. V. ex.ª póde ter as duvidas que quizer, eu posso ter e tenho as minhas crenças e esperanças.

(Aparte do sr. Pedro Franco.)

Espere s. ex.ª que venha o trabalho da commissão de administração publica, e depois apresentará todas as suas duvidas. A commissão de instrucção publica preparou primeiro o seu trabalho, a commissão de administração publica teve rasões pelas quaes não póde apresentar o seu

desde logo; não me parece isto rasão sufficiente para a camara deixar de discutir a lei de instrucção publica.

O sr. Pedro Franco: — Mas a lei de administração publica é a base d'esta.

O Orador: — Estou persuadido de que, se viesse aqui primeiro o projecto de lei da reforma administrativa, s. ex.ª pediria o seu adiamento até que se discutisse este projecto. Apoiados.)

(Apartes do sr. Pedro Franco e observação do sr. presidente, pedindo que não seja interrompido o orador.)

Não me perturbam as interrupções, comquanto me pareça melhor, para a regular continuação dos trabalhos, s. ex.ª tomar a palavra quando lhe couber.

Parece-me, concluindo, não haver rasão para todos os dias se apresentar o argumento da falta da reforma administrativa, porque ella ha de vir, e se não vier, e não houver meios para levar avante a execução d'esta lei, esta lei não se ha de executar. Impossíveis ninguem os faz e não os farão as camaras.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser implicado n'este logar.)

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que, cumprindo-se as disposições regimentaes, seja este projecto remettido á commissão de fazenda. = Mariano de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Pedro Franco: — Quero apenas dizer duas palavras ao sr. conselheiro Thomás Ribeiro sobre o que s. ex.ª affirmou relativamente ás camaras municipaes.

S. ex.ª declarou que as camaras apenas desejavam os privilegios e não os encargos; peço perdão, as camaras não querem privilegios, e eu na qualidade de presidente da camara municipal de Belem ainda não pedi ao sr. ministro, nem ao parlamento privilegio algum; peço sim, que as camaras municipaes fiquem livres do encargo de pagar aos professores, unica e exclusivamente emquanto não vier a reforma administrativa, que lhes faculte crear receita, ou que as livre de outros encargos, como são os do pessoal administrativo.

Não sei como se possa discutir este projecto da instrucção primaria; o projecto traz encargos tão pesados, que o illustre orador calcula apenas em 469:000$000 réis, mas eu calculo-os em 700:000$000 ou 800:000$000 réis, e que dentro em pouco se elevará a 1.000:000$000 ou 1.200:000$000 réis.

Alem d'estes encargos ha mais um, e pesadissimo, que é o do vereador pagar uma multa, quer tenha ou não tenha meios para satisfazer mensalmente aos professores. Isto não se póde admittir. Isto não é constitucional. (Apoiados.)

Em repartição alguma se vê que o funccionario seja obrigado a pagar, pelos seus bens, qualquer multa; não a pagam os srs. ministros, não a paga funccionario algum, só se lembraram dos pobres vereadores.

Pôde em qualquer repartição um funccionario que não queira servir ou que não tenha os meios para satisfazer aos encargos, pedir a sua demissão e ir para sua casa tranquillo, mas o vereador não póde fazer isto, porque uma vez eleito, antes que queira pedir a sua demissão, não ha auctoridade alguma que lh'a acceite. Nem o ministro do reino, nem o conselho de districto, nem o conselho distado, e se abandona a vereação ha do pagar a multa por não ter satisfeito despezas para as quaes não tem receita!

Disse s. ex.ª, que o que se pretende é que o odioso recaia sobre o governo. Podia responder do mesmo modo dizendo, que o que se pretende é que o odioso recaia sobre as camaras municipaes. (Apoiados.)

O governo tem receita a mais para satisfazer aos seus

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encargos, porque a sua receita tem crescido enormemente e não precisa mendigar os rendimentos municipaes para pagar aos professores.

Não temos o exercito em pé de guerra sem necessidade alguma (apoiados); não temos a compra do famoso pimpão. Então se o governo tem meios para todo este luxo, porque não ha de tambem ter meios para pagar á instrucção. (Apoiados.) As receitas do estado não têem diminuido; todos os dias ouvimos dizer ao sr. ministro da fazenda que a riqueza publica tem augmentado, que os rendimentos das alfandegas têem subido a um ponto extraordinario. A par d'isto diz-se que o governo não póde pagar os encargos da instrucção primaria. E faz-se recaír sobre as municipalidades tamanho onus, sobre os grandes encargos com que estão já sobrecarregadas.

Sobe a 469:000$000 réis a verba dos professores, verba que o illustre orador, o sr. Mello e Simas calcula em réis 1.000:000$000, e eu peço licença para a calcular em réis 1.200:000$000 a 1.300:000$000 desde que passe para as camaras.

Quando estes encargos ficarem ás camaras municipaes, o governo ha de ser mais prodigo em crear cadeiras de instrucção primaria. As camaras municipaes que paguem e ellas que lancem o imposto.

Sabe V. ex.ª o que hão de fazer as camaras municipaes, logo que passe esta lei, é abandonar as cadeiras. Diz o illustre relator, criem receita; em que? Está já tudo tributado, e não sei mesmo como o povo póde pagar já o que paga.

V. ex.ª sabe perfeitamente que as camaras municipaes têem pouca receita e muita despeza. As camaras lêem sobre sua responsabilidade o pagamento da administração do concelho, das amas dos expostos, das creanças desamparadas, das casas dos juizes ordinarios, etc.. etc. e são restrictamente applicadas á viação as terças e a decima parte de toda a receita, e por fim ainda se, ha de ir buscar receita para satisfazer aos professores. E impossivel, sr. presidente.

Espero que a camara não vá aggravar os municipios com um encargo já hoje de 469:000$000 réis, e que attenderá as minhas considerações, votando o adiamento que já tive a honra de mandar para a mesa, se não quizerem ver a morte da instrucção e a morte do municipio.

Com respeito ás escolas disse o sr. Thomás Ribeiro, que cada uma d'ellas não custaria mais de 1:000$000 réis.

Pois declaro a V. ex.ª que no concelho que tenho a honra de representar n'esta casa, quiz-se construir uma escola, no gosto das edificadas pelo legado do conde de Ferreira, e sabe V. ex.ª em quanto foi orçada, em 2:500$000 réis.

Em algumas localidades, onde o pessoal é mais barato, talvez se possam fazer as escolas por um preço mais modico, porém outras haverá em que o preço d'essas escolas seja um pouco mais elevado, pelo custo dos materiaes.

Concluo, pois, pedindo á camara que approve a minha proposta de adiamento.

É a seguinte

Proposta

Proponho o adiamento do artigo 61.°, emquanto se não votar a reforma administrativa. = Pedro Franco.

Foi apoiado o adiamento, e ficou em discussão.

O sr. Francisco de Albuquerque: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Paula Medeiros: — Mando para a mesa a seguinte proposta:

«Proponho que fique a cargo das camaras municipaes a despezas com as escolas, comtanto que passe para o estado a despeza que as camaras fazem com as administrações de concelho. = O deputado, Paula Medeiros.

Sr. presidente, os administradores do concelho são empregados do governo, o os primeiros agentes dos representantes dos governadores civis, e assim como estes são pagos pelo estado, parece logico que os ordenados d'aquelles e de seus subordinados recebam 03 seus ordenados pelo thesouro. E tambem mais apropriado que sejam as camaras que tenham a seu cargo o pagamento dos professores de instrucção primaria.

Parecia-me, pois, que seria admissivel esta especie de transigencia que proponho, ficando a cargo das camaras os ordenados dos professores, e do estado os ordenados dos administradores do concelho e de seus subalternos.

Foi lida na mesa e admittida a proposta do sr. deputado.

O sr. Illidio do Valle: — Sinto não ter tomado a palavra mais cedo, porque me parece que a discussão tem corrido um pouco transviada. Não sei se por deficiencia de redacção, se por falta de explicações, vejo que não tem sido bem comprehendido o pensamento do governo e da commissão.

A materia contida n'estes artigos é inquestionavelmente das mais importantes do projecto, e não só porque se refere á questão capital, a questão de meios, mas tambem porque me parece que é ella o ponto objectivo de todas as resistencias, o eixo em volta do qual gravitam todas as hesitações, e todas as malquerenças, mais ou menos convictas, mais ou menos convencionaes.

É este por exemplo o ponto que produz calafrios ao meu nobre amigo o sr. Pedro Franco, fazendo-o receiar pela autonomia do seu municipio.

É este o ponto, que inflamma as sanhas do meu prezado collega o sr. Mello e Simas, fazendo-o esgotar os seus muitos recursos juridicos, para nos provar a inconstitucionalidade de bulir na arca santa da nossa ignorancia, e o leva talvez por isenção patriotica, a classificar de torrente devastadora uma reforma de instrucção, que em toda a parte se considera torrente benefica, e á qual s. ex.ª propõe como dique, que o governo lance 400:000000 réis de addicionaes a impostos, cuja base de repartição é por todos considerada desigual, isto n'um caso em que ás camaras municipaes bastaria lançar a quarta parte, e distribuida muito mais equitativamente.

É este o ponto que leva o meu respeitavel amigo, o sr. Pires de Lima, acérrimo defensor da instrucção, e ornamento distincto de um partido que se diz tão progressista e descentralisador, que quer levar as suas reformas até á propria constituição, a classificar de absurdo, impraticavel, morte da escola, um projecto que tenta applicar a um ramo de administração, relativamente secundario, os principios do seu credo politico, offerecendo-lhe assim o mais solido esteio para as suas aspirações.

E este, finalmente, o ponto que levou o meu illustrado collega o. sr. Mariano de Carvalho a declarar aqui por cinco ou seis vezes a sua convicção de que este projecto não seria posto em execução, e isto depois de s. ex.ª confessar que as nossas circumstancias actuaes são mais prosperas do que em 1871, quando s. ex.ª, em nome do sr. bispo de Vizeu, apresentou aqui um projecto analogo, que lançava ás camaras os mesmos, se não maiores, encargos.

(Aparte doar. Mariano de Carvalho.)

Eu conheço muito bem esse artigo do projecto de V. ex.ª, que concedia ás camaras municipaes o real de agua; todavia isso não era crear receita, mas simplesmente desloca-la: era abrir no orçamento do estado, já de si tão depauperado, uma brecha de 600:000$000 réis, que, se não fosse preenchida pelo imposto, teria de o ser, ou pela suspensão das obras publicas, ou por uma dupla deducção nos vencimentos dos funccionarios. E eu faço a s. ex.ª a justiça do acreditar que o não apresentou como simples amostra de intenções progressistas.

Mas vejamos. E ou não indispensavel que se reforme a instrucção publica, que se multiplique o numero das esco-

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Ias e que se augmente a remuneração dos professores? Todos aqui o lêem affirmado. (Apoiados.) Todos aqui o têem reclamado. E se isto é assim, é certo tambem que nada d'isso se póde fazer sem augmento de despeza. (Apoiados.) Não se fazem estas cousas de graça (apoiados), nem o governo encontra no exemplo das administrações passadas a maneira como possam operar-se taes milagres. Mas uma vez reconhecida a necessidade da despeza, a quem deve ella competir, ao estado ou ás municipalidades? Sob o ponto de vista do contribuinte o caso é completamente indifferente. Tanto importa que seja o estado como que sejam as municipalidades que lhe lancem o imposto. (Apoiados.) Tanto importa que pague do bolso direito como do bolso esquerdo; em ultima analyse a materia collectavel e a incidencia do imposto são sempre as mesmas. O caso, porém, tem real importancia se o quizermos considerar debaixo do ponto de vista da facilidade da cobrança, da equidade do imposto, e sobretudo da economia da lei.

Sob o ponto de vista da cobrança não me parece que seja mais facil cobrar um imposto de que se não conhece a applicação, como quando se póde ver distinctamente o seu fim e administrar os seus proventos.

Debaixo do ponto de vista da equidade, não é de certo mais justo lançar addicionaes sobre um imposto, cuja base de repartição é reputada desigual, do que faze-lo lançar nas localidades onde melhor se reconhecem os elementos de uma equitativa distribuição.

Mas sobretudo pelo que respeita á economia da lei, o pagamento pelo estado seria a continuação da rotina que temos trilhado; seria a rejeição absoluta da reforma intentada; seria a negação formal de todas as vantagens da descentralisação, vantagens reconhecidas e recebidas por todos os paizes, qualquer que seja o seu systema politico ou administrativo, e quer elles se chamem Russia ou Prussia, Belgica ou Hollanda, Inglaterra ou Suissa, Estados Unidos ou Austrália, e que entre nós mesmos tem ainda por si a lição d'essa deploravel experiencia de quarenta annos do systema opposto. E se é justo, que não copiemos servilmente as instituições dos outros paizes, é todavia coherente com o bom senso e a boa rasão, que procuremos adaptar e applicar entre nós aquelles principios, que lá fóra, e em toda a parte dão os mais vantajosos resultados.

Mas deverão os encargos da instrucção recaír todos sobre as camaras municipaes? Tambem ninguem o pensa, e laboram em erro os illustres deputados que imaginam que o governo se quer desembaraçar d'esse onus. A instrucção primaria não é só um interesso local, é tambem um interesse geral, e é por isso de rasão que o estado concorra ás suas despezas, visto que partilha dos seus beneficios. E tanto assim o entendeu o governo e a commissão, que n'esse mesmo artigo se dispõe, que o governo proporá annualmente ás côrtes uma verba para subsidiar as escolas, verba que, dentro de limites rasoaveis, poderá ser tão elevada quanto se julgue indispensavel para attender ás urgências dos municipios, e que hoje mesmo, sem acrescentar um ceitil ás despezas do orçamento, poderá attingir o terço, ou mesmo, em caso de necessidade, a metade da despeza total.

Mas ficam ainda muito pesados os encargos municipaes? E será indispensavel, que para attender a elles, se reforme primeiro a lei de administração? Indispensável, não. A reforma administrativa, ou ella tenha de ampliar a area municipal, sacrificando pequenos concelhos, que não possam supportar as suas despezas obrigatorias, ou queira constituir a municipalidade collectiva por meio da sua federação para os encargos, não augmenta por esse simples facto a materia tributavel.

Não foi precisa a reforma administrativa para que em tempo os pequenos municipios se declarassem aptos a satisfazer as despezas necessarias para a conservação dos seus julgados, e hoje mesmo não é ella indispensavel para que

muitos se offereçam expontaneamente a occorrer ás despezas da creação de uma comarca. Todavia eu não posso deixar do reconhecer que uma boa lei de administração, organisando a fazenda municipal, alargando a area do imposto, regularisando os serviços, reduzindo ou concentrando as despezas, modificando mesmo o systema tributario local, muito deve contribuir para facilitar a execução d'esta reforma. Mas entende porventura o governo ou entende alguem prescindir d'essas ou outras quaesquer vantagens? Não é licito julga-lo de quem tanto se empenha em assegurar a causa da instrucção popular. A reforma administrativa não está in mente. Appareceu no parlamento ao mesmo tempo que esta, e acha-se entregue ao estudo da respectiva commissão, esperando-se que n'esta sessão seja aqui discutida. E determinando-se aqui que a parte d'esta reforma relativa aos encargos municipaes não comece a vigorar senão ao fim de dois annos, ha tempo mais que sufficiente, não só para que a lei administrativa esteja em vigor, mas para que as comarcas se habilitem para satisfazer os seus novos encargos. (Apoiados.) O governo de certo a não apresentou para simples amostra.

Mas dir-se-ha: «E se a situação mudar, e a reforma de administração não tenha tempo de passar?» N'esse caso ficará esta lei sendo o melhor estimulo para que situações futuras a emprehendam rapidamente. E se não quizerem, ou as circumstancias não permittirem, ou preferirem, como tantas vezes succede, esquecer no governo os programmas de opposição, poderão suspende-la, supprimi-la mesmo; não terão contra si a resistencia do prejuizo de interesses creados, ou de direitos adquiridos.

É preciso ter muito em vista estas considerações que acabo de expender para se fazer uma completa idéa de todas as condições de exequibilidade d'esta reforma. Ninguém pretendo pôr de parte qualquer das vantagens que a possam facilitar. Todavia, mes no debaixo do ponto de vista da actualidade, nem os seus encargos são tão grandes, como suppõem os illustres deputados, nem a elasticidade dos recursos municipaes está levada a tão extremos limites, que a sua execução se torne absolutamente impossivel.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Em algumas partes é quasi impossivel.

O Orador: — E senão vejamos. Façamos um calculo approximado. Empregarei numeros redondos, para facilitar o calculo mental. Não me servirei dos calculos enunciados no relatorio, porque sinto dizer que estão errados. Nem se acha ahi bem computado o numero provavel de escolas, nem deduzida a receita do ensino complementar, que, por modica que seja a sua retribuição, deve dar para todo o paiz uma verba auxiliar importante. Rectifiquemos pois o calculo.

O numero das escolas actualmente existentes anda por 2:600, o que, na rasão de 100$000 réis por cada professor, importa em 260:000$000 réis. E se a isto juntarmos a verba de gratificações de frequencia e exames, que eu já avalio pelo maximo limite de 50$000 réis por escola, teremos como somma total a quantia de 390:000$000 réis.

Ora, se d'aqui deduzirmos 60:000$000 réis, que já hoje despendem as camaras em subsidios, mais 10:000$000 réis, receita provavel do ensino complementar, e ainda 220:000$000 réis, que ficam livres no orçamento do estado depois de pagas as despezas de inspecção e professorado normal, restar-nos-ia simplesmente a verba de 70:000000 réis a lançar sobre todas as municipalidades do paiz: isto é, uma media proximamente de 4:000$000 réis por districto, ou de 400$000 réis por municipio, acima das despezas que actualmente fazem.

(Interrupção do sr. Pires de Lima.)

Este excesso de despeza é pouco mais ou menos aquelle que V. ex.ª propunha n'umas emendas que mandou para a mesa sobre uns artigos precedentes...

O sr. Pires de Lima: — Eu propunha que o minimo

Sessão de 8 de fevereiro

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da retribuição dos professores fosse de 150$000 réis e V. ex.ª o maximo que propõe é de 150$000 réis; logo o fundamento da minha proposta não é o mesmo. Em segundo logar V. ex.ª quer que os 150$000 réis sejam pagos na sua totalidade pelas camaras municipaes e eu queria que fossem pagos na sua parte principal pelo governo e na sua parte secundaria pelas camaras.

O Orador: — Eu ainda não acabei de explicar o pensamento da commissão, nem e exacto, que queira attribuir todas as despezas ás camaras municipaes. Eu mesmo não quero ser tão optimista, como pareciam indicar os calculos precedentes, e por isso prosseguirei no calculo. Mas nós não precisâmos só de professores, precisámos tambem e muito de casas para escolas. E preciso portanto distrahir d'esse subsidio do estado uma verba importante para auxiliar as parochias na construcção d'essas casas. Essa verba figura hoje no orçamento por 10:000$000 réis.

Ora, se a elevarmos a 80:000$000 ou 100:000$000 réis annuaes, teremos já um subsidio sufficiente para que no fim do decennio se achem construidas todas ou quasi todas as escolas precisas; mas teremos de contar augmentados n'outro tanto os encargos municipaes, que viriam em tal caso a ser de 170:000$000 réis para todo o paiz. Ora, não teremos nós n'este projecto indicadas fontes sufficientes de receita para estas despezas?

Temos em primeiro logar a venda, aforamento, ou arrendamento dos baldios municipaes. Eu não posso determinar precisamente qual o rendimento, que d'ahi provenha. Dizem-me porém os estudes administrativos do sr. conde de Valbom, auctoridade competentissima n'esta materia, que os baldios do paiz estão avaliados em 6.000:000$000 réis, que se a sua desamortisação tem corrido lenta, isso depende da incuria ou desleixo das auctoridades locaes, ou de estorvos impostos por interesses particulares, e facilitados pelas proprias formalidades da lei.

N'estes termos, quando a necessidade obrigar, a desamortisação far-se-ha mais rapida, e não só com beneficio da instrucção, mas tambem augmento da riqueza publica, e proveito do thesouro, que verá assim augmentar a materia collectavel. E qualquer que seja a parte que deva considerar-se de logradouro commum, reatará ainda o sufficiente para dar valioso subsidio.

Temos em segundo logar os rendimentos das irmandades e confrarias.

Tambem não é possivel determinar com exactidão qual possa ser a verba d'essa proveniencia, pela deficiencia de dados estatisticos. Por uns mappas publicados porém nos Diários de 1863 se vê que o fundo d'esses estabelecimentos se eleva em todo o paiz a alguns milhares de contos de réis, o que uma bem pequena percentagem lançada sobre os seus medicamentos, poderá, mesmo sem prejudicar os encargos do seu compromisso, fornecer abundantíssimos recursos.

Não metterei em linha de conta os legados, doações, ou donativos, por isso mesmo que essa verba é muito contingente; ainda que estou convencido de que, desde o momento em que a iniciativa particular se encaminhar para este assumpto, alguem mais seguirá o nobre exemplo do benemerito entre 03 benemeritos, o conde de Ferreira.

Mas não chegarão ainda estas verbas, e haverá ainda um deficit a preencher? Tambem o creio? Mas então haverá o recurso do imposto. Nunca elle é tão justificado como quando se traduz em beneficios d'esta ordem. E não parece que a elasticidade d'esses recursos esteja completamente esgotada n'um paiz, onde a percentagem da contribuição predial com todos os seus addicionaes anda apenas por 4,5 por cento do rendimento collectavel, e onde, com bom pequeno addicional sobre as contribuições directas, e distribuido pelas localidades para mais equidade, chegaria perfeitamente para todas as despezas da instrucção.

Todavia a commissão nada quiz adiantar n'esse ponto, j Deixou-o em termos vagos, em primeiro logar, para que

n'elles se podessem comprehender todas as alterações possiveis da legislação tributaria, em segundo logar, porque, sendo muito diverso no nosso paiz o systema tributario municipal, recorrendo uns municipios de preferencia ao imposto directo, e outros ao imposto indirecto, a commissão entendeu preferivel deixar ao arbitrio das camaras municipaes a faculdade de recorrer, dentro dos limites e termos da lei, áquelle systema que julgassem mais conveniente, ou -que maiores recursos lhes fornecesse, segundo os habitos, condições e circumstancias de cada localidade.

Eu bem sei, sr. presidente, eu bem sei qual é o principal motivo das resistencias a este projecto. Acaba de o expor bem claramente o meu prezado amigo, o sr. Thomás Ribeiro. E porque as camaras municipaes, desejando ver alargada, como é de justiça, a esphera das suas attribuições, e desembaraçada a sua actividade de algumas tutellas, que muitas vezes a empecem, não querem todavia sobre si o encargo de lançar impostos, preferindo deixar esse encargo ao governo, salvo o direito de resistirem e reclamarem quando o governo o assume. É exactamente como fazem muitas vezes as opposições, quando exigem que o governo faça reformas e emprehendimentos, salvo o direito de resistirem se o governo lhes fizer a vontade...

(Interrupção.)

Não me refiro especialmente á opposição actual, mas a um habito inveterado de todas as opposições.

Todos se queixam da incuria e lai ía de iniciativa locaes; todos se queixam do nosso indifferentismo politico, e appellam, como remedio a esses males, para a descentralisação e instrucção. Pois bem: alguma vez se ha de começar, em vez de se perder só o tempo em declamações e lamentações inuteis e estereis.

Eu estou fatigado, sr. presidente. Ha muitos dias que, em virtude do meu estado de saude, eu teria deixado de comparecer pelo menos a algumas sessões, se a isso me não obrigassem as funcções d'este espinhoso cargo, tão mal desempenhado por mim. É possivel que as minhas explicações não sejam cabaes e satisfactorias: é possivel que na redacção d'esses artigos haja deficiencias, obscuridades, defeitos; mas se ha deficiencias, preenchem se; se ha obscuridades, esclareçam-se; se ha defeitos, emendem-se.

Não estamos aqui para outra cousa, e ninguem tem a singular pretensão de pensar que fez o melhor que se podia fazer, nem a louca vaidade de recusar o valioso concurso de todos aquelles que do coração se interessem por este importante elemento da nossa regeneração social.

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Pires de Lima: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — Não ha mais ninguem inscripto. Vae votar-se em primeiro logar a proposta do sr. Pedro Franco.

O sr. Pedro Franco: — Peço a palavra sobre o modo de propôr.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Pedro Franco: — Peço votação nominal sobre a minha proposta.

Venceu-se que houvesse votação nominal.

Feita a chamada

Disseram approvo os srs. — Adriano Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Braamcamp, Antunes Guerreiro, A. J. Boavida, Sousa Lobo, Conde de Bretiandos, Francisco de Albuquerque, José Luciano, Pires de Lima, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, D. Miguel Coutinho e Pedro Franco.

Disseram rejeito os srs. — A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Eugenio, Vieira da Mota, Diogo Forjaz, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Fonseca Oso-

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rio, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Guilherme de Abreu, Quintino de Macedo, Illidio do Valle, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Mamede, J. J. Alves,. Correia de Oliveira, Pereira da Costa, José Guilherme, Namorado, J. M. dos Santos, Pinto Bastos, Luiz de Lencastre, Bivar, Manuel de Assumpção, Marçal Pacheco, Pedro Jacome, Pedro Roberto, Julio Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde de Arriaga, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey e Visconde de Sieuve de Menezes.

Foi portanto rejeitada a proposta de adiamento do sr. Pedro Franco por 42 votos contra 15.

O sr. Mariano de Carvalho: — Peço a V. ex.ª que consulte a camara sobre se me permitte retirar a minha proposta.

Consultada a camara, decidiu afirmativamente.

Foi rejeitada a proposta do sr. Mello Simas.

Artigo 61.° e 62.° — Approvados sem prejuizo das demais propostas, que foram enviadas á commissão.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada.

Está fechada a sessão.

Eram cinco e meia horas da tarde.

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