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SESSÃO DE 11 DE FEVEEEIEO DE 1878

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios - os srs.

Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto

SUMMARIO

Antes da ordem do dia os srs. Pereira de Miranda e Seixas apresentaram um projecto de lei sobre a organisação das sociedades anonymas, e igualmente sobre o mesmo assumpto o sr. ministro das obras publicas apresentou uma proposta de lei. — O sr. visconde de Moreira de Rey mandou para a mesa uma nota de interpellação sobre as nossas relações com a curia romana, precedendo-a de algumas considerações a que respondeu o sr. ministro da marinha. — Na ordem do dia continuou a discussão do projecto sobre o caminho de ferro da Beira Alta, faltando m srs. Sousa Lobo, Illidio do Valle e ministro das obras publicas.

Presentes á chamada 42 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Adriano do Sampaio, Rocha Peixoto (Alfredo), Pereira de Miranda, Cardoso Avelino, A. J. d'Avila, Carrilho, Sousa Lobo, Neves Carneiro, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Vieira da Mota, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Conde da Graciosa, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Illidio do Valle, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Pereira da Costa, Namorado, Pereira Rodrigues, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Bivar, Faria e Mello, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Mello e Simas, Cunha Monteiro, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Moreira de Rey.

Entraram, durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Teixeira de Vasconcellos, Antunes Guereiro, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Correia Godinho, Carlos Testa, Custodio José Vieira, Forjaz do Sampaio, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Van-Zeller, J. Perdigão, Matos Correia, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, José Luciano, Ferreira Freire, Pinto Basto, Julio de Vilhena, Luiz de Campos, Pinheiro Chagas, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Braamcamp, A. J. Teixeira, Arrobas, Mello Gouveia, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Palma, Jayme Moniz, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Figueiredo de Faria, Moraes Rego, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Nogueira, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Alves Passos, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Coutinho (D.), Pedro Roberto, Placido de Abreu, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Sieuve de Menezes.

Abertura — ás duas horas e um quarto da tarde.

Acta — approvada.

EXPEDIENTE

Officios

1.º Do ministerio do reino, acompanhando alguns documentos pedidos pelo sr. deputado A. J. Teixeira.

Foi enviado á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, acompanhando uma collecção de mappas estatisticos do movimento dos lyceus nacionaes, comprehendendo todos os annos lectivos de 1867 a 1876 inclusivè.

Foi enviado á secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, acompanhando 120 exemplares do relatorio sobre o estado da fazenda publica e respectivas propostas.

Mandaram-se distribuir.

4.° Do ministerio das obras publicas, participando que por aquelle ministerio se expediram as ordens necessarias ao director das obras da penitenciaria central do districto de Lisboa, a fim do facultar á commissão parlamentar de syndicancia á administração d'aquellas obras, a inspecção do todos os trabalhos feitos e de todos os depositos e dependencias das obras, e o exame dos livros e documentos existentes na repartição a cargo do mesmo director.

Foi enviado á secretaria.

Representações

1.ª Da camara municipal do concelho de Odemira, pedindo que seja approvada a parte da proposta apresentada pelo sr. ministro das obras publicas que se refere á conclusão do caminho de ferro do Algarve.

Apresentada pelo sr. deputado Ferreira Braga e enviada á commissão de obras publicas.

2.ª Dos pilotos supranumerarios da barra do Porto, pedindo para ser approvado o projecto do regulamento geral dos serviços de pilotagem das barras e portos do continente do reino e ilhas adjacentes, publicado no Diario do governo n.º 91, do 24 de abril de 1873.

Apresentada, pelo sr. deputado Illidio do Valle e enviada á commissão de marinha.

3.ª Dos terceiros contadores do tribunal de contas, pedindo augmento de vencimento.

Apresentada pelo sr. deputado Carrilho e enviada, á commissão de fazenda.

Requerimentos

1.° Requeiro que seja enviado a esta camara e publicado no Diario do governo o relatorio mandado pelo actual governador civil do districto de Aveiro ao ministerio das obras publicas em 15 de janeiro proximo passado sobre o estado actual da ria e providencias necessarias para melhorar a industria da pesca.: — Pires de Lima.

2.° Requeiro que seja prevenido o sr. ministro da justiça de que desejo interpellar s. ex.ª:

I. Sobre se o governo tenciona prover os doze logares de conegos para as sés de Lisboa e de Evora, que estão a concurso, ou quaesquer outros logares nos cabidos do reino em geral, antes de estar ausignada a concordata para a circumscripção das dioceses;

II. Sobre o estado irregular em que se acha o serviço de medicina legal o de cirurgia forense. = Arrobas.

3.° Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja remettida a esta camara uma nota dos segundos officiaes que concorreram ao logar do primeiro official que se poz a concurso em dezembro ultimo, ordem da sua classificação, e quem foi o segundo official promovido. = O deputado, Jeronymo Pimentel.

Comniunieação Do sr. Barros e Cunha, em que declara não ter comparecido ás sessões da camara por incommodo de saude.

Declarações

1.ª Declaro que s. ex.ª o sr. Antonio José Teixeira não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. = Custodio José Vieira.

2.ª Declaro que por incommodo de saude não tenho podido comparecer ás ultimas sessões d'esta camara. = E. Tavares.

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3.ª Declaro que por motivos justificados faltei ás sessões de 4, 5 e,6 do corrente. = O deputado pelo circulo de Moura, Conde da Foz.

Participações

1.ª Participo á camara que o nosso collega, sr. Marçal Pacheco, não póde comparecer á sessão de hoje, por incommodo de saude. = Mouta e Vasconcellos.

2.ª Participo a v. ex.ª que se acha constituida a commissão de administração publica, tendo escolhido o sr. Perdigão para presidente e a mim para secretario. = Julio de Vilhena.

3.ª Participo que se acha constituiria a commissão de agricultura, ficando presidente o sr. visconde de Sieuve de Menezes e eu secretario, havendo relatores especiaes. = Jeronymo Pimentel.

O sr. Bivar: — Visto que a commissão de verificação de poderes tem actualmente só tres membros, porquanto o sr. Thomás Ribeiro deixou, de pertencer á mesma commissão, em consequencia de ir fazer parte do governo, e a camara ainda não resolveu se o sr. José Pedro Antonio Nogueira, pelo facto de ser nomeado vogal supplento do tribunal de contas, perdeu ou não o seu logar de deputado, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se por emquanto se digna substituir o sr. Thomás Ribeiro, que já não póde pertencer á commissão, pelo sr. Mexia Salema, visto que s. ex.ª já fez parte d'ella até ser nomeado ministro.

A proposta foi approvada.

O sr. Francisco Costa: — Mando para a mesa uma representação do Augusto José Henrique Gonzaga e José Augusto de Mello, amanuenses do instituto geral de agricultura, pedindo melhoria de vencimento por diuturnidade, de serviço em harmonia com o que se estabeleceu para os amanuenses do tribunal de contas.

Peco a v. ex.ª que dê a este documento o devido destino.

O sr. Camara Leme: Uma dor profunda afastou-me por alguns dias das sessões do parlamento.

Venho de prantear a morte de um irmão, de um amigo dedicado e de um soldado valente; (Apoiados.) e venho ao mesmo tempo no meio da minha consternação protestar perante a camara contra o que se disse aqui no dia 6 do corrente mez.

Discutia-se o parecer n.º 95, concedendo uma pensão ao infeliz actor Santos, cuja situação eu sou o primeiro a lamentar; mas houve um illustre deputado que poz os serviços do marechal Saldanha a par dos serviços do actor Santos!

Contra esta blasphemia venho protestar solemnemente em nome da memoria do velho general, d'essa verdadeira gloria nacional, que tão relevantes serviços prestou a este paiz, o que com a sua espada gloriosa abriu as portas do parlamento para depois da sua morte virem manchar a sua memoria.

E é um deputado, um talento distincto, que não ignora de certo a historia contemporanea do seu paiz, que tem visto os grandes modelos da arte, que diz similhante heresia, permitta-se-me a phrase.

Que se diria hoje no parlamento francez se alguma voz eloquente comparasse os serviços de Napoleão 1, o primeiro capitão do seu seculo, com Thalma, que tanto ennobreceu a arte dramatica do seu paiz?

Permitta-me v. ex.ª que eu me refira a um projecto que já foi discutido e votado.

Eu acato como devo as resoluções da camara, mas não posso deixar de fazer uma certa referencia a este projecto.

Fallou-se aqui da pensão á viuva do marechal Saldanha, que não foi mais do que uma homenagem á sua memoria, e para a concessão da qual se não violou a lei de 11 de junho de 1867.

Sabe v. ex.ª o que aconteceu á viuva do marechal Saldanha? Em virtude d'esta lei áquella senhora não pôde accumular a sua pensão com o monte pio, e a vantagem que leve foi pequena.

Agora, pela lei que a camara votou, o actor Santos póde accumular o seu ordenado de lento do conservatorio com a pensão que esta camara lhe concedeu, porque os illustres deputados não lhe votaram outra cousa senão uma pensão, apesar de ter perdido o direito, por sua livro vontade, á sua aposentação o reforma, em vista do artigo 83.° do decreto de 4 de outubro de 1860 e artigo 4.° do decreto de 1 de junho de 1866.

A lei de 12 de julho de 1867 prohibo expressamente que se accumulem pensões com quaesquer outros vencimentos; mas pela maneira por que está redigida a lei que se votou, o actor Santos accumula o sou vencimento com a pensão.

Eu sou o primeiro a lamentar a triste situação do actor Santos, mas contra o que não posso deixar de protestar é que se atropelassem as leis e o regimento d'esta casa, não attendendo a illustre commissão a outros actores tambem distinctos na arte, e que foram privados dos seus direitos por decreto dictatorial.

O que eu lamento é que a camara se deixasse guiar mais pelo sentimento de compaixão do que pelos principios de justiça e de igualdade.

Para se votar um projecto d´estes, permitta-me v. ex.ª que eu diga, atropelaram-se todas as leis, atropelaram-se todos os principios, atropelou-se tudo.

Este projecto não tinha parecer da commissão de fazenda; mas á ultima hora, no mesmo dia em que creio a illustre commissão se constituiu, tudo se arranjou, sem que os illustres membros da mesma commissão, alguns dos quaes são jurisconsultos distinctos, attendessem ás leis que regulavam o assumpto.

Pois para se conceder uma pensão á viuva do marechal Saldanha foi preciso seguir a lei á risca, ouvindo o procurador geral da corôa e o conselho d´estado, e para um actor, embora distincto, dispensam-se todas essas formalidades?!

Relativamente ás viuvas dos militares que pedem esmola nas escadas d´esta camara, para que tantas vezes se tem chamado a attenção da illustre commissão, sinto dizel-o, não tenho encontrado a mesma solicitude. A camara deve fazer justiça a todos, aqui não ha afilhados.

Ha dois annos apresentei n´esta casa o requerimento de uma viuva, a quem não tinha o gosto de conhecer. Veiu procurar-me para que a protegesse, a mim que nada posso, que só disponho dos meus desejos, e disse-me: «Aqui estão estes documentos; veja v. ex.ª se tenho direito a uma pensão, pelos valiosos serviços prestados pelo meu marido».

Li os documentos e declaro a v. ex.ª que fiquei admirado dos relevantes serviços que tinha prestado ao seu paiz aquelle bravo militar, a quarta parte dos quaes eu me ufanaria de ter. Basta dizer que fez toda a campanha durante a guerra da peninsula, foi condecorado com todas as medalhas d´essa guerra memoravel e promovido por distracção no campo da batalha, emigrou para a Galliza, fez a guerra de Montevideu, acabou por fazer a guerra do Porto, e morreu em consequencia das feridas que recebeu no campo de batalha, no posto de capitão reformado.

Ao actor a que me refiro, concede-se uma pensão a que não tem direito um general de divisão, e que accumulada com o seu ordenado attinge a 1:200$000 réis proximamente.

Era uma viuva que estava reduzida a mendigar, porque os monto pios que as viuvas têem não lhes chegam para poderem viver, e que de mais a mais foram cerceadas, tirando-se-lhes 50 por cento. Esta viuva já não existe, poupando-lhe o desgosto de saber que não fui attendido.

A este respeito temos chamado vezes sem conto a attenção da illustre commissão de fazenda, sempre surda a estes pedidos, aliás justos.

O sr. Namorado: — Apoiado.

O Orador: — Sabe v. ex.ª o que aconteceu?

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No fim da sessão enfeixaram-se todas as pretensões das viuvas de militares, e o meu illustre amigo e collega o sr. Seixas, que era então o relator da commissão do fazenda, apresentou um parecer para que taes pretensões fossem remettidas ao governo a fim de as tomar na consideração devida, e só porque a commissão recommendára especialmente ao governo a viuva do distincto official Barahona, que morreu victima da sua dedicação nas possessões de Africa, e d'aquella a que já me referi, v. ex.ª, fundado no regimento, advertiu que em vista das prescripções, não me lembro de que artigo, não se podia fundamentar o parecer da commissão.

Entretanto, permitla-me v. ex.ª que diga que o projecto n.º 95 foi dado para ordem do dia sem que a commissão de fazenda tivesse dado o seu parecer. (Apoiados.)

Ora contra esta desigualdade é que me revolto.

Creia y. ex.ª que hei de sempre levantar a minha voz, comquanto humilde. Eu faço inteira justiça ás rectas intenções de v. ex.ª, mas o que lhe peço, a bem da igualdade, é que não se deixe levar por certas influencias.

Sou desgraçadamente velho no parlamento, e por isso tenho presenciado muitas irregularidades d'estas.

Já que se fallou em pensões, lembrarei um facto que se passou aqui, facto muito caracteristico.

Houve aqui varios requerimentos de viuvas que pediam pensões, não era possivel arrancar estas pretensões da commissão de fazenda de então, e nem o marechal Saldanha, então presidente do conselho, com o seu prestigio e que mais que ninguem conhecia os serviços prestados pelos seus camaradas, teve força, apesar da sua influencia, de o conseguir.

Houve um homem illustre na imprensa, o sr. Leonel Tavares, caracter honrado e digno, que tinha militado energicamente no parlamento, nas grandes lutas que houve n'aquella epocha, e sabe v. ex.ª o que aconteceu? Toda a camara se pronunciou a favor da pensão concedida á viuva d'aquelle cidadão que não era militar, como se não fosse a classe militar aquella que presta mais serviços ao paiz a ponto de sacrificar a sua vida pela independencia da patria e das instituições liberaes. (Muitos apoiados.)

O marechal Saldanha, disse: «Sim, senhores, vote-se a pensão, mas votem-se tambem todas as pensões relativas aos militares que combateram a meu lado»; e pouco depois estavam efectivamente votadas todas as pensões.

Ora, contra esta desigualdade que notei agora, o que tenho notado sempre durante muito tempo, é que eu me revolto.

Eu que, como acabo do dizer a v. ex.ª e á camara, já sou velho n'estas lides parlamentares, tenho notado sempre uma cousa que, permitta-me a camara que lh'o diga, me contrista sobremaneira.

Aqui os negocios algumas vezes resolvem-se mais pelas influencias politicas do que pela justiça que assiste ás causas que se pleiteiam.

Por exemplo: ha um deputado que milita n'um certo partido politico, que nunca tirou o seu diploma da copa do chapéu de nenhum ministro, que não deserta das fileiras em que se alistou, que está aqui sempre na brecha, e eu conheço alguns, como foram os que pertenceram á celebre tenalha que houve aqui em epochas de grandes lutas, no tempo em que o sr. duque de Loulé, de saudosa memoria, figurava na politica; pois um deputado n'estas condições, que leva a sua dedicação até ao ponto de vir quasi moribundo tomar parte nas questões politicas d'esta camara, que nunca foge da discussão, se tem algum parecer, aliás justo, que deva ser discutido, não creia v. ex.ª que elle possa ter influencia sufficiente para fazer com que esse parecer se discuta.

Ha, porém, quem tenha uma voz eloquente no parlamento e quem ao mesmo tempo maneje uma penna bem aparada na imprensa, embora na vespera esse deputado tenha feito insinuações a respeito da probidade do qualquer ministro, o tenha censurado acremente a sua administração, que classifica de pessima, chamando-lhe ainda outros nomes feios, que não desejo recordar agora á camara; por isso tem influencia sufficiente para vencer todas as disposições do regimento, preterindo todos os projectos que estão na mesa, e para fazer discutir e votar o projecto por que se interessa.

Contra tudo isto é que eu me revolto, torno a repetil-o.

E eu lembrarei a v. ex.ª por esta occasião um malfadado projecto que ahi tenho ha dois annos sobre a mesa, projecto que já tem parecer da commissão de fazenda; não lhe falta esse sacramento.

Esse projecto já tem parecer da commissão respectiva, e refere-se a um empregado, que desde já direi a v. ex.ª que é o escrivão interprete da estacão de saude do porto do Funchal.

Este emprego tinha um ordenado superior do 1:00O$O00 réis, mas um decreto da dictadura do governo do sr. bispo de Vizeu reduziu-lhe esse ordenado a 300$000 réis.

O serviço d'este empregado augmentou extraordinariamente, porque, como sabem todos que conhecem a ilha da Madeira, toca actualmente n'aquelle porto um grande numero de vapores, o que o torna talvez n'este senfido mais importante do que o de Lisboa; alem de que este serviço é muitas vezes feito com verdadeiro risco de vida.

Este empregado que, como disse, tinha mais de réis 1:000$000 do ordenado, ficou reduzido a 300$000 réis; mas, apesar da justiça da sua causa, não me foi possivel ainda conseguir que o projecto que diz respeito a este assumpto se discutisse e votasse.

Houve um outro empregado que foi protegido por outro membro illustre d'esta casa, por um talento brilhante, que eu muito respeito e estimo; esse empregado já foi attendido, mas aquelle a que me tenho referido, ainda não.

Eu peço a v. ex.ª, em nome dos principios de justiça o de equidade, que se lembre d'esse desgraçado projecto; é o n.º 84 de 1875.

A camara que o rejeite, depois de ter approvado este relativo ao actor Santos, o que não me parece possivel.

Peço tambem á commissão de fazenda, tão solicita n'aquelle dia em que se reuniu para tratar d'este assumpto, que trate tambem dos assumptos militares que lhe estão affectos, que os trate com a mesma solicitude, e que se lembre das circumstancias precarias da nobre, classe militar.

Por esta occasião lembro-me de um projecto da commissão de guerra, a respeito do corpo de estado maior, cujos officiaes estão em circumstancias muito precarias em relação aos outros seus camaradas, e basta dizer que ha capitães no corpo do estado maior que estão ainda hoje n'este posto, emquanto que nas outras armas são coroneis.

Este projecto que devia merecer a attenção da commissão de fazenda, e com o qual nada lucro, aliás não me referiria a elle, foi preterido e descurado, porque a mesma commissão entende que não deve dar parecer a qualquer projecto que diga respeito á classe militar.

Chamo tambem a attenção da commissão de fazenda para a questão do cabimento, principio odioso, contrario á disciplina, e que fere os direitos mais sagrados da classe militar.

O cabimento lança na miseria os officiaes que se inutilisam no serviço, que tambem podem perder a vista, legando ás suas familias monte pios inferiores aquelles a que tinham jus.

Sabe v. ex.ª e a camara o que é o cabimento para a reforma? Consiste esta medida em collocar um official na inactividade temporaria, com menos soldo do que tem quando está na effectividade, e se tem a desgraça de morrer, lega á sua familia a pobreza e a miseria.

Podia, portanto, á commissão de fazenda que tivesse consideração com a classe a que me honro de pertencer, e que dispense tambem para ella o seu sentimentalismo.

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Lembre-se a illustre commissão dos officiaes de infanteria e cavallaria, que não lêem meios para as primeiras necessidades da vida. Um alferes, por exemplo, não póde viver decentemente com 25$000 réis por mez.

Qualquer official de pedreiro ou carpinteiro tem de salario 1$000 réis diarios.

Desculpe-me a camara o ter tomado algum calor n'esta questão, mas o meu fim principal foi protestar contra a comparação que se fez dos serviços do marechal Saldanha com os serviços do actor José Carlos dos Santos, a quem a camara concedeu uma pensão superior á que póde ter a viuva de um general de divisão.

Os serviços de um actor, por mais illustre que seja, não podem pôr-se a par dos serviços prestados pelo marechal Saldanha, nem por outros militares illustres que formaram a grande epocha de valentes soldados, taes como o duque da Terceira, conde de Avillez, que esteve preso cinco annos nas prisões de S. Julião, o que incessantemente se bateu pela independencia da sua patria. (Muitos apoiados.)

Declaro a v. ex.ª e á camara que não me esqueço dos amigos, ainda mesmo que elles tenham sido riscados da lista dos vivos.

Concluindo, peço a v. ex.ª, invocando a nossa antiga amisade, que tenha commiseração do infeliz projecto n.º 84, e que o dê para ordem do dia.

Peço tambem á camara que attenda com justiça as verdadeiras glorias nacionaes, quer nas armas, nas letras, nas artes e nas sciencias.

Tenho concluido.

O sr. Pereira, de Miranda: — Mando para a mesa um projecto, propondo algumas modificações á lei de 22 de julho do 1867, sobre sociedades anonymas. O meu illustre collega e amigo o sr. Antonio José de Seixas fez-me a honra de associar-se a este projecto.

O sr. Pires de Lima: — Quando na sexta feira passada me dirigia para esta casa, disseram-me que v. ex.ª, por uma deliberação unanime da camara, deliberação que honra sobremodo esta assembléa, havia levantado a sessão e interrompido os nossos trabalhos.

Lamento não ter estado presente quando v. ex.ª communicou officialmente aos meus collegas a triste noticia do fallecimento do Pontifice. Se estivesse, associaria a minha voz fraca e humilde á voz auctorisada de v. ex.ª e á do nosso honrado collega o sr. Carlos Testa para prestar homenagem á memoria do um dos padres que mais honrou a cadeira de S. Pedro pela austeridade do seus costumes, pela energia inquebrantavel do seu caracter, pela grandeza verdadeiramente magnanima da sua alma o sobretudo pelo exercicio constante e nunca, interrompido da mais sublime das virtudes christãs, a caridade. (Muitos apoiados.)

A critica vê-se muitas vezes seriamente enleiada, quando pretende determinar com perfeita exactidão o valor e os merecimentos pessoaes de qualquer personagem celebre, que viveu longe de nós e que nos apparece quasi sumido na penumbra de tempos remotos. E que a, phautasia em lucubrações d'esta ordem, entra ordinariamente ao lado da reflexão e empenha-se em exagerar as proporções e em avultar as formas do ente privilegiado, que logrou com seus feitos destacar-se no meio dos seus contemporaneos! A distancia de seculos opera maravilhas, e não raras veezs celebridades verdadeiramente epicas devem grande parte da sua fama unicamente á circumstancia de não terem vivido mais proximo de nós.

Mas, sr. presidente, Pio IX morreu apenas ha tres dias, as suas cinzas estão ainda quentes, e comtudo todos vêem, todos reconhecem n'elle já um personagem lendario. Vivia ainda e circumdava-lhe já a fronte, angusta e veneranda a aureola da gloria! (Muitos apoiados.)

Era nosso contemporaneo e pertencia já á posteridade, e com os seus feitos havia conquistado na historia uma pagina brilhante que ninguem ousa disputar-lhe, e cujo esplendor ninguem poderá offuscar.

No seu pontificado, que foi longo e tempestuoso, Pio IX tomou resoluções e praticou actos que não agradaram a todos. Não admira.

Não ha, não póde haver perfeita consonancia de opiniões, quando ha divergencia, e, divergencia grande e profunda nas paixões e nos interesses.

Mas cousa notavel! Os mais encarniçados adversarios de Pio IX eram os primeiros respeitadores, e os mais sinceros, dos seus dotes pessoaes e dos seus merecimentos não vulgares. (Apoiados.)

Pio IX teve muitos que combateram tenazmente a politica que elle seguiu e que em sua consciencia entendeu ser a mais proficua, á igreja, mas desceu ao tumulo sem deixar após si inimigos que amaldiçoassem o seu nome, estimado de todos. (Vozes: — Muito bem.)

Vivo, só conquistou affeições e respeitos; morto, só nos lega saudades o admirações. (Apoiados.)

Esta camara honrando a memoria do pontifico virtuoso, a si mesma se honrou.

Mas se Pio IX na sua demoraria peregrinação sobre a terra, na Africa e na Europa, no Chili, nos Estados Pontificios; agora em Imola e Spoletto, logo em Poma; já, pregando ás multidões na praça publica e fascinando-as com a sua eloquencia inspirada; já, no remanso do gabinete resolvendo com tino complicadas negociações diplomaticas; já, sustentando com energia na cabeça a toara pontificia ; agora, nos momentos fugitivos de ventura, logo, nas horas longas de infortunio; sempre e em todas as circumstancias da sua trabalhada existencia, se não houvesse edificado constantemente com as suas virtudes acrisoladas o mundo inteiro, ainda assim não mereceria senão louvores esta camara, prestando homenagem á memoria do chefe da christandade.

Acima do homem que vive hoje para morrer ámanhã está a instituição que elle symbolisa e que não morre nunca.

Acima de Pio IX, que era pó, está o principio religioso de que elle era representante na terra. (Vozes: — Muito bem.)

Somos catholicos e correspondemos fielmente aos sentimentos da nação que nos elegeu, acatando, nos tributos de respeito pagos á memoria de Pio IX, as crenças de sete seculos da monarchia portugueza, as quaes, se inspiraram outr'ora aos nossos maiores os feitos heroicos o giganteos, de que ainda hoje nos ufanâmos, ainda no presente, são um dos laços que unem mais estreitamente todos os filhos d'esta boa terra, constituindo-os uma só familia, e riando-lhes a força sufficiente para amar e defender, se tanto for necessario, a nossa independencia, e para marchar com passo seguro e firme no caminho do progresso e da civilisação. (Apoiados.)

Amo sinceramente tudo o que é verdadeiramente grande, e por isso curvo-me sempre respeitoso e submisso diante dos entes privilegiados a quem a, natureza concedeu dotes eminentes, assignando-lhes no mundo missão providencial e extraordinaria.

Alem d'isso preso e preso muito as crenças catholicas, crenças que recebi na infancia no seio da minha bondosa familia, e que, o estudo, a reflexão, e a leitura de largos annos souberam robustecer no meu coração e no meu espirito.

Por isso eu, o ultimo dos padres portuguezes, o mais humilde dos prelados d'esta terra, me associo de coração ás demonstrações que a camara, entendeu dever dar na sessão de sexta feira, ultima, e só deploro n'este momento o não haver estado presente então, para com a minha palavra e com o meu voto approvar as deliberações que ella entendeu dever tomar.

Vozes: Muito bem.

(O orador foi cumprimentado por muitos srs. Depudados,

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pelos dignos pares que estavam na sala e pelo sr. ministro da marinha.)

O sr. Pinheiro Osorio: — Sr. presidente, apresento o requerimento da sr.ª D. Maria Amelia de Gouveia, viuva do tenente general Bernardo do Gouveia Pereira, que pede á camara dos senhores deputados, que a pensão, que lhe foi concedida por carta do lei 22 do julho do 1863, em virtude dos serviços prestados á nação por seu fallecido marido no decurso da sua honrosa carreira militar, lhe seja desde logo abonada, declarando-se esses serviços relevantes, para o effeito de poder accumular essa pensão com o monte pio que já percebia, bem como que ella seja transmissivel por sobrevivencia a suas filhas.

Não faço agora a historia do distincto militar, de quem a requerente é virtuosa viuva, porque essa historia é longa e vem indicada nos documentos que instruem o requerimento.

Somente lembrarei á camara, que o tenente general Bernardo de Gouveia Pereira, depois de ter feito a campanha peninsular, fez todas as campanhas da liberdade a favor da dynastia actualmente reinante e das instituições liberaes que felizmente nos regem.

Foi um dos sete mil e quinhentos bravos que desembarcaram no Mindello, sendo ferido em combate tres vezes, e em uma d'ellas gravemente; obteve postos e condecorações por distincção, em virtude do actos de valor por elle praticados; finalmente foi um militar sempre valente e distinctissimo.

Creio por isso que o pedido que hoje faz á camara dos senhores deputados a sua respeitavel viuva, é justissimo o está suficientemente fundamentado; tanto mais justo que ella não pede uma lei de excepção para si, mas sim o mesmo que já tem sido concedido a outras viuvas do militares em circumstancias perfeitamente iguaes.

Chamo por consequencia a attenção da illustre commissão de guerra para este requerimento, e espero que ella dê sobre elle o seu auctorisado parecer dentro do mais curto praso que seja possivel.

Mando para a mesa o requerimento e os documentos, e peço a v. ex.ª que se digne dar-lhes o destino que devem ter.

O sr. Paula Medeiros: — Peço á commissão do legislação se digne dar o seu parecer sobre o projecto de lei apresentado pelo sr. deputado Pinheiro Chagas e assignado tambem por mim o pelos srs. Carlos Testa, Mariano de Carvalho e Julio Ferraz, na sessão de 20 de março ultimo, o qual considera como crime o mau trato dado aos animaes.

Em quasi todos os paizes cultos ha legislação especial a este respeito, o comquanto a benemerita sociedade protectora dos animaes já tenha prestado mui relevantes serviços para o dito fim, inefficazes serão os seus esforços, se não houver uma legislação especial que a escude.

Esta camara está na sua ultima sessão legislativa, e será um titulo de honra para ella o converter em lei o alludido projecto.

Tambem aproveito estar com a palavra a fim de pedir a v. ex.ª haja, logo que seja possivel, de dar para ordem do dia o projecto n.º 65, que auctorisa o governo a organisar o quadro do pessoal operario effectivo do arsenal da marinha e da cordoaria nacional, melhorando os seus vencimentos.

Esta classe de empregados vive nos maiores apuros em vista dos seus diminutos salarios, carece de ser melhor retribuida, e por isso é de toda a justiça que a camara approve o citado projecto que já tem parecer favoravel, e no que está tambem empenhado o governo, como me assegurou o sr. ministro da marinha.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Mando para a mesa a seguinte nota de interpellação, do que peço a urgencia. (Leu.)

Promovendo esta interpellação, é claro que eu não tenho em vista provocar o governo a fazer ao parlamento declarações que possam ser inconvenientes em qualquer estado em que porventura se achem as negociações diplomaticas com a curia.

Deixo exclusivamente ao arbitrio do governo declarar se póde ou não responder, e responder pela fórma que julgar conveniente para o bom resultado do quaesquer negociações diplomaticas em que se ache envolvido.

O meu fim, apresentando esta nota do interpellação, é principalmente concorrer quanto eu possa para que a camara dos representantes do povo não pareça assistir indifferente aos negocios mais importantes o que mais podem interessar o paiz, negocios de que o paiz não tem aliás conhecimento senão por noticias incompletas e ás vezes contradictorias dadas pela imprensa, de cuja exactidão é licito duvidar e do que pela minha parte eu duvido, esporando que os factos se tenham passado de uma maneira que não possa reputar-se menos decorosa ou offensiva para o paiz.

Eu tenho lido nos jornaes que Sua Magestade a Rainha de Portugal desejou visitar o pontifico ultimamente fallecido, cujas virtudes todos respeitâmos o a cuja memoria prestámos já a homenagem devida; diz-se que á Rainha do Portugal foi recusada a entrada no Vaticano, interrompendo-so as relações da curia com o embaixador portuguez.

Eu espero que o governo possa desmentir ou rectificar este facto, que se fosse verdadeiro na simplicidade em que é narrado, não poderia, na minha opinião, deixar de ser considerado como um verdadeiro insulto para a nação portugueza, que comprehende e sabe respeitar as raras virtudes da sua Rainha e que não se recusaria a sacrificio de ordem alguma para obter as satisfações condignas e indispensaveis á sua dignidade.

O sr. Ministro da Marinha (Thomás Ribeiro): — Não me levanto para responder ás interrogações muitissimo patrioticas o muito a proposito, feitas pelo meu illustre amigo o sr. visconde de Moreira de Rey; levanto-mo para dizer ao illustre deputado e á camara que hei de communical-as ao meu collega o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que de certo se apressará em vir dar todas as explicações que s. ex.ª desejar e julgar convenientes. Mas parece-me poder desde já afiançar ao illustre deputado o á camara que os nossos negocios com a curia se acham actualmente regulados do fórma que a dignidade e a honra portugueza estão salvaguardadas. (Apoiados.)

Relativamente ao facto especial a que o illustre deputado se referiu, de não haver sido Sua Magestade a Rainha recebida no Vaticano, posso afiançar ao illustre deputado que se Sua Magestade a Rainha não foi recebida, não teve isso caracter de excepção que possa maguar-nos. Entendeu-se no Vaticano como medida geral não designar audiencia a nenhum dos principes estrangeiros, que por esta occasião tinham ido exclusivamente em demonstrações de sentimento ao Quirinal.

S. ex.ª, porém, haverá mais largas explicações do sr. ministro dos negocios estrangeiros, a quem vou annunciar as suas perguntas. As explicações dadas por elle serão taes, que satisfarão o illustre deputado e a camara. (Apoiados.)

O sr. Presidente: —:A hora está muito adiantada. Vae passar-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem alguns papeis que mandar para a mesa, podem fazel-o..

Varios srs. deputados enviaram para a mesa differentes requerimentos e representações.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Lourenço do Carvalho): — Venho submetter ao exame e resolução da camará uma proposta de lei de alteraçeõs á lei das sociedades anonymas, que é a seguinte: (Leu)

A proposta é a seguinte:

Proposta de lei

Senhores. — A pratica de dez annos, e os desastres financeiros que nos ultimos tempos vieram perturbar o mo-

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vimento bancario, prejudicando os accionistas e os credores de algumas sociedades de credito, e ameaçando os interesses de todas pela solidariedade de que não podem totalmente eximir-se os estabelecimentos da mesma natureza, estão chamando a attenção dos poderes publicos sobre o regimen das sociedades anonyinas, creado pela lei de 22 de junho de 1867.

De que esse regimen é salutar e favoravel ao desenvolvimento da iniciativa industrial e da fortuna publica, nos principios de liberdade e de independencia, de auctorisação e de sujeição administrativas que sabiamente estabeleceu, é ponto que antos de tudo convem pôr fóra de duvida. N'este importante assumpto acompanhâmos de perto a iniciativa das nações mais civilisadas; e a legislação que estabelecemos póde pôr-se em confronto com a de todas ellas, sem receio de que se mostre a menos logica ou a menos completa no pensamento e na economia das suas disposições. Não ha, porém, theoria, por mais bem combinada, que n'um ou n'outro ponto a pratica não tenha de aperfeiçoar, nem regimen de liberdade que se não preste ao abuso. Introduzir na lei algumas alterações que a pratica tem aconselhado, e prevenir quanto possivel os abusos da liberdade, sem coarctar o seu uso legitimo, que é o pensamento fundamental da lei de 1867, são os fins a que se dirige a proposta de lei que o governo vae submetter ao vosso exame.

Cumpre tambem lembrar que a lei de 1867, estabelecendo os termos da constituição e do regimen das sociedades anonyinas em geral, pareceu deixar para uma lei especial — e por occasião da discussão assim foi declarado pelo governo d'aquella epocha — as condições tambem especiaes do regimen das sociedades de credito. A natureza e importancia das relações d'estas sociedades com o publico e o interesse dos que por diversos modos, e sobretudo pelas operações de deposito, são chamados a confiar-lhes uma parte da sua fortuna, estão naturalmente reclamando a adopção d'estas condições especiaes, ou a prevenção contra abusos que nas outras sociedades anonyinas não podem dar-se, ou que no caso de se darem não prejudicam senão os accionistas, que têem meios e acção para os prevenir ou fazer cessar. E tambem para o fim de supprir, em parte, a falta d'esta lei especial sobre sociedades de credito que se encaminha a presente proposta de lei.

Foi do exame dos factos sobejamente patenteados hoje nos relatorios das direcções, nas discussões das assembléas geraes que a imprensa tem reproduzido, e na polemica movida nos jornaes entro os socios, directores e outros interessados em diversas sociedades, e nos pareceres de commissões nomeadas pelas assembléas geraes, principalmente em relação aos bancos que, por sua infelicidade ou má gerencia, tiveram de liquidar ou de pedir moratoria ao poder judicial, que foram estudadas as disposições que vos propomos, o que, sem prejudicarem de nenhum modo o pensamento liberal e de utilissimos resultados praticos da lei de 22 de junho de 1867, acautelam ou previnem os abusos que foram a causa de muitos desastres financeiros.

Se o mal passado não tem remedio, tiremos d'elle o seu proveito, que é o servir de lição para o futuro. Se a crise de 1876 teve varias causas, se em parte foi o reflexo das crises de outros paizes, reflexo que felizmente chegou entre nós tardio e já desmaiado, e se por consequencia nenhuma culpa teve na crise a lei das sociedades anonyinas, é certo que se ella tivesse podido prevenir alguns abusos, sem que a crise deixasse de ter existido, poderiam algumas sociedades de credito, ter deixado de ter um fim tão desastroso como tiveram. É sobretudo para prevenir, quanto possivel, a repetição d'estes abusos que se inseriram algumas disposições na seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Depois de constituida qualquer sociedade anonyma, e outorgados por escriptura publica os seus estatutos, será convocada uma assembléa geral de accionistas para a eleição por escrutinio secreto do conselho fiscal, e sem o preenchimento d'esta formalidade nâo poderá a sociedade dar começo ás suas operações.

Art. 2.° Os estatutos das sociedades anonymas determinarão o numero de acções que deve possuir qualquer accionista para poder ser administrador ou gerente, salvo o caso especial previsto no artigo 20.° da lei de 22 de junho de 1867, em que os gerentes technicos podem não ser accionistas.

§ unico. As acções de que trata este artigo ficarão em deposito até á expiração do mandato e approvação pela assembléa geral das contas relativas ao periodo em que elle foi exercido.

Art. 3.° Alem da approvação previa da administração da sociedade, mencionada no § unico do artigo 9.° da citada lei de 22 de junho de 1867, é necessario a mesma approvação expressa do conselho fiscal, para que deixe de subsistir a responsabilidade do accionista que transmittir as suas acções antes do seu integral pagamento.

Art. 4.° O conselho fiscal convocará a assembléa geral sempre que assim lhe for requerido por qualquer numero de accionistas que representem a quinta parte do capital emittido.

§ unico. Se, porém, o fim da convocação for arguir a transgressão do disposto no artigo 19.° da lei de 22 da junho de 1867, o requerimento de qualquer numero de accionistas que representem um decimo do capital basta para exigir a convocação.

Art. 5.° O mandatario que infringir o disposto no citado artigo 19.°, logo que em assembléa geral for reconhecida aquella infracção, será privado do seu mandato, e as acções que tiver depositado, na conformidade do artigo 2.° da presente lei, continuarão a ficar em deposito até á liquidação das operações que tiver contratado com a sociedade, sem prejuizo das acções civis ou criminaes que lhe forem competentemente intentadas.

Art. 6.° A administração de uma sociedade anonyma não poderá adquirir acções da propria sociedade sem auctorisação expressa da assembléa geral, e sem que esta determine as condições geraes e limites d'esta acquisição.

Art. 7.° As sociedades anonymas de credito ou bancarias não poderão fazer emprestimos sobre penhor de titulos, nem abrir contas correntes igualmente caucionadas com titulos, som que estes titulos tenham sido cotados nas praças do commercio nacionaes ou estrangeiras, e sem que o valor do penhor ou da caução exceda 10 por cento o emprestimo feito ou a conta corrente aberta, avaliados os titulos pelo seu preço corrente segundo a ultima cotação nas praças de commercio do paiz ou nas praças estrangeiras se nas do paiz não tiverem cotação.

Art. 8.° O governo, pelo ministerio das obras publica, commercio e industria, mandará, quando julgar conveniente, verificar a exactidão dos inventarios e balanços annuaes, a que se referem os artigos 31.° e 36.° da carta de lei de 22 de junho de 1867, das sociedades de credito de que trata o artigo antecedente, devendo os administradores ou gerentes patentear aos delegados do mesmo governo, expressamente para tal fim nomeados, toda a escripturação relativa á sua gerencia.

§ 1.° Pelo mesmo ministerio poderão ser expedidos modelos ou indicações geraes, segundo as quaes as mesmas sociedades de credito deverão elaborar com exactidão e clareza os mencionados balanços annuaes, assim como os seus balancetes mensaes, que passarão a ser obrigatorios, e deverão ser uniformes.

§ 2.° Os delegados do governo que encontrarem qualquer irregularidade na escripturaçâo d'estas sociedades do credito darão parte ao conselho fiscal. Se, porém, descobrirem que houve contravenção ao artigo 19.° da lei de 22 de junho de 1867, ou ao artigo 7.° da presente lei, as

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sim o participarão ao governo, para que este possa mandar intentar as competentes acções.

Art. 9.° Ficam deste modo ampliadas, alteradas e declaradas as disposições dos artigos 5.°, 6.°, 9.°, 19.°, 22.°,.31.º e 36.º da lei de 22 de junho de 1867, e revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 11 de fevereiro de 1878. = Lourenço Antonio de Carvalho.

O sr. Bivar: — Participo a v. ex.ª e á camara que se acha constituida a commissão de inquerito á penitenciaria, tendo nomeado para seu presidente o sr. José de Mello Gouveia, para vice-presidente o sr. Francisco Costa, a mim para secretario, reservando-se nomear relatores conforme as partes ou divisão de trabalho quando proceder ao inquerito.

O sr. Presidente: — Lembro que ainda não estão constituidas as commissões de instrucção publica, legislação penal, infracções, saude publica, petições, commercio e artes, juntas geraes, agricultura e especial para examinar e dar parecer sobre o projecto do sr. Pires de Lima: peço aos srs. deputados, que pertencem a estas commissões, hajam de as constituir.

Tem agora a palavra para uma explicação o sr. Teixeira de Vasconcellos.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Chegando á camara soube que, durante a minha ausencia, se tinha alludido ao que eu o outro dia disse quando faltei a respeito do projecto concernente ao actor Santos. Eu, como explicação completa das palavras que proferi, só tenho a dizer que as mantenho todas, taes e quaes ellas deviam apparecer ou appareceram no Diario da camara.

Para mim os homens distinctos em qualquer ramo que seja, os homens de grande intelligencia e do grandes serviços, qualquer que seja a sua categoria social ou elevação que a organisação da sociedade lhes concedeu, para mim são, iguaes o têem o mesmo valor. (Apoiados.)

É bom que haja quem defenda e zele os interesses dos poderosos. Pois eu resigno-me de muito boa vontade a ser o defensor dos humildes e dos desvalidos. (Apoiados.) Não quero á borda do tumulo, nem junto do leito de um enfermo, excitar nem aquecer as paixões.

Quando se escrever a historia da arte e a da politica será feita justiça a todos. (Apoiados.) Não quero antecipar o meu juízo.

Tenho dito.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão na generalidade do projecto auctorisando a construcção do caminho de ferro da Beira Alta

O sr. Sousa Lobo: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Julio de Vilhena: — Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre as emendas apresentadas n'esta casa ao projecto de reforma administrativa.

O sr. Illidio do Valle: (Sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte proposta:

(Leu.)

Não é minha intenção, sr. presidente, impugnar o projecto que se acha em discussão, nem pleitear primasias entre os diversos caminhos de ferro. Sou o primeiro a reconhecer as vantagens que o paiz, e com especialidade a provincia da Beira Alta, tem a auferir da construcção do caminho de ferro em discussão; e sou tambem o primeiro a concordar com a doutrina de que é por emprehendimentos d'esta ordem, que tanto augmentam a riqueza publica, que se póde levantar a situação economica do paiz; com a condição porém de que os encargos resultantes d'osses emprehendimentos não sejam tão exagerados e onerosos, que possam n'um momento dado, arriscar ou arrastar o paiz a uma crise, antes que os capitães n'elles empregados tenham manifestado os seus effeitos reproductivos, e seria ainda o primeiro a desejar que a rede dos nossos principaes caminhos de ferro, entre os quaes se conta de certo o da Beira Alta, podesse construir-se no mais curto praso.

Não sei, porém, se nas nossas circumstancias, e com os nossos limitados recursos, carecendo de completar outras obras de não menor importancia, o caminho de ferro da Beira Alta seria o primeiro dos grandes emprehendimentos que haveria a tentar. Supponhâmos que é: visto que, alem de não ser este o assumpto em discussão, a construcção d'este caminho se acha já votada e auctorisada por uma carta de lei de 1876: o que não significa de certo que devam sacrificar-se a esta outras necessidades impreteriveis.

O que actualmente se discute, é se o caminho de ferro da Beira Alta deverá ser construido por subvenção a uma empreza, como primitivamente se propoz, ou se por conta do estado, como agora se indicava, ou se, conforme a proposta ultima do nosso illustre collega o sr. Osorio de Vasconcellos, deveriamos tentar novamente o concurso, e só no caso de inefficacia auctorisar então a construcção por conta do estado.

Desde já declaro que concordo com a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos. Prefiro em geral a construcção dos grandes caminhos de ferro por conta do estado; e vejo que esta idéa se generalisa hoje na Europa, em que todos os estados tendem a comprar as suas linhas ferreas; ha porém circumstancias especiaes, que podem fazer com que em determinadas occasiões precisemos ser auxiliados pelo concurso industrial para a construcção dos caminhos de ferro; e que sendo as despezas muito avultadas careçamos de poupar recursos para outras emprezas: e creio que se dão actualmente essas circumstancias em relação á linha de que se trata.

No relatorio que precede a proposta de lei do governo, diz-se que o custo da linha da Beira Alta está orçado em 33:000$000 réis por kilometro.

Confesso que tenho minhas apprehensões sobre a exacta realisação d'este orçamento. Em primeiro logar, porque as linhas do Minho e Douro, cujas condições technicas são em geral mais favoraveis que as da linha da Beira, importaram na media de 44:000$000 réis por kilometro; em segundo logar, porque lendo os licitantes pedido uma subvenção kilometrica de quasi 28:000$000 réis nas duas vezes em que se abriu concurso para o caminho de ferro da Beira, é de suppor que elles não contavam despender sómente 5:000$000 réis a mais em cada kilometro; porque ainda mesmo que elles tivessem a despender a quantia de 20:000$000 réis por kilometro acima da subvenção pedida, e admittindo, na mais desfavoravel hypothese, que a linha sómente desse o rendimento liquido kilometrico de réis 1:500$000, isso bastaria a dar uma remuneração de 7 ½ por cento, sufficienlemente convidativa para os seus capitães.

Eu julgo pois não ir muito alem da verdade, imaginando que o caminho de ferro da Beira Alta importará para cima de 50:000$000 réis por cada kilometro.

Ora, n'estas condições, eu confesso que preferiria o systema da subvenção. Ainda mesmo que essa subvenção fosse igual á dos caminhos de ferro do norte e leste, oneraria apenas o thesouro com um encargo annual de 300:000$000 réis proximamente, que poderia ser mais ou menos rapidamente compensado pelo augmento da riqueza publica que a linha produziria: ao passo que a construcção por conta do estado de uma linha superior a 200 kilometros obrigaria a levantar capitães em quantia superior a 10.000:000$000 réis, o que produziria um encargo, que ainda mesmo descontando o maximo rendimento provavel da linha, não seria inferior a 500:000$000 réis.

Ora, como nas nossas condições, e quando precisâmos de completar outras linhas, não é para desprezar a differença, eu julgo preferivel a adjudicação por concurso.

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Quanto ao ramal da estação actual de Coimbra para o interior da cidade, a que se refere a minha proposta, julgo-o uma excrescencia inutil.

Se isso podesse dar condigna remuneração aos capitaes que n'elle se empregassem, ha muito que a companhia do caminho de ferro do norte o teria construido.

Não me parece que o movimento commercial da cidade de Coimbra seja bastante para alimentar um ramal de caminho de ferro. E quanto ao movimento de mercadorias pelo Mondego até á Figueira, todos sabem que a navegação d'aquelle rio se acha interrompida durante uma parte do anno, para que elle possa servir para o transporte aquelle ponto dos productos e mercadorias trazidos pelo caminho de ferro da Beira.

Agora permitta v. ex.ª e a camara que eu faça tambem um pequeno enxerto n'esta discussão.

Eu disse ha pouco, que por importante que fosse a linha da Beira Alta, ella não podia nem devia preterir outras obras não menos importantes.

Reconheço toda a importancia d'esta linha para o paiz, em geral, é em especial para a rica provincia que atravessa; mas seduz-me muito mediocremente a idéa de que ella seja a nossa verdadeira linha internacional, só pela circumstancia de ser a que mede á menor distancia entre os Pyrineus e o porto de Lisboa.

A França tem portos de mar sufficientes para o seu movimento transatlantico, e não é de certo d'ahi, mas sim de Hespanha, que ha de vir o principal alimento das nossas linhas ferreas e o principal movimento aos portos do nosso litoral.

Ora, sendo assim, as nossas duas unicas linhas verdadeiramente internacionaes são as linhas dos valles do Douro e do Tejo. São aquellas que a propria natureza traçou, e que são, sem contestação, a via mais curta entre a maior parte da Hespanha e os portos do Atlantico.

A linha do valle do Tejo, ou seja pela linha de leste e ramal de Caceres, ou seja pela projectada via da Beira Baixa, é o trajecto mais curto entre Lisboa e Madrid, e as provincias centraes de Hespanha; e mesmo até em relação aos Pyrineos, se considerarmos que ella póde fazer-se em condições de velocidade superiores á da Beira Alta.

Mas sobretudo a linha do Douro é que apresenta condições verdadeiramente excepcionaes.

Como linha interna é ella que serve ao transporte do nosso principal ramo de commercio de exportação, e das immensas riquezas mineralogicas da região que atravessa, servindo dentro do paiz as ricas provincias do Douro, Traz os Montes o ainda da Beira Alta.

Como linha peninsular é ella que, por intermedio da linha do Minho, estabelece a communicação mais rapida entre a provincia da Calliza e o centro de Hespanha.

Como linha internacional tem ella a verdadeira vantagem de que é o trajecto mais curto e mais natural de todas as provincias centraes e occidentaes de Hespanha, e ainda de alem dos Pyrineus com a cidade do Porto. Eu creio mesmo que é a linha de maior futuro que tem o paiz.

A linha da Beira Alta, apesar de toda a sua importancia, não poderá substituil-a vantajosamente. Não poderá competir com a linha do Tejo nas relações entre as duas capitaes da peninsula; mas sobretudo o que não póde por fórma alguma substituir, é o movimento internacional da linha do Douro em relação á cidade do Porto. Poderia mesmo ser-lhe mais prejudicial do que util, deslocando interesses e movimento, que tem por foco natural esta cidade, se se não completasse a linha do Douro.

Eu bem sei que poderão dizer-me que a barra do Porto não se presta ao movimento transatlantico a que póde prestar-se o porto de Lisboa. Eu creio porém que está na mente de todos que a barra do Porto não póde conservar-se como actualmente se acha, e que o melhoramento d'essa barra, ou a construcção de uma doka, ou porto de abrigo, correspondente ao seu grande movimento commercial, é o complemento necessario, indispensavel, impreterivel dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

Sem elle nem as duas linhas poderão attingir a importancia e o rendimento de que são susceptiveis, nem a cidade do Porto poderia elevar-se ao logar a que lhe dá direito a sua especial situação, como centro de todo o movimento das provincias do norte.

E o que deveria ser causa da sua prosperidade, poderia sem este complemento ser causa do seu definhamento, sem vantagens para ninguem, e só com manifesto prejuizo do paiz.

A simples conclusão da linha do Douro até á fronteira, que não póde já agora importar muito, é indispensavel para que o rendimento das linhas do Minho e Douro cubra rapidamente o grande desfalque que ainda existe entre a sua receita liquida e os seus encargos, e desembaraçando o thesouro, seria ao mesmo tempo o mais poderoso instrumento economico para auxiliar a confecção das outras linhas.

Eu entendo, pois, que a primeira e mais urgente necessidade do paiz, n'esta especie, é concluir a linha do Douro, ou ella tenha de seguir pelo Valle do Tua ou do Sabor a Zamora, ou como eu entendo melhor sob o ponto de vista internacional, e em harmonia com as considerações expendidas, que ella vá á Barca de Alva a entroncar com a linha de Salamanca, deixando para vias reduzidas as communicações interiores das provincias. Eu não direi que se adie por causa d'ella qualquer outra que se reputo necessaria e que estejamos em circumstancias de construir, mas sim que a conclusão d'esta não póde nem deve ser preterida por nenhuma outra.

E não é só no paiz que se ambiciona e deseja a conclusão d'esta linha.

Diz o relatorio apresentado á assembléa dos engenheiros civis portuguezes, que a directriz da linha do Douro a Salamanca se acha prejudicada, porque a deputação provincial mandou estudar o traçado por Ciudad Rodrigo a Villar Formoso, e que era isso negocio tão adiantado, que não poderia modificar-se.

Ora eu leio, n'uma das excellentes revistas economicas estrangeiras do Commercio do Porto, que esta asserção não é completamente exacta, e que não sómente a deputação provincial, mandando abrir concurso para os estudos da linha de Salamanca á fronteira portugueza, não determinou o seu ponto terminal, mas, o que ainda é mais significativo, quatro deputados da provincia de Salamanca representaram ao ministro da governação, contra o programma do concurso, por não terem sido attendidas as disposições da carta de lei de 22 de dezembro de 1876, a qual auctorisou uma linha que, partindo de Salamanca em direcção á fronteira portugueza, se bifurque em ponto conveniente para entroncar com as linhas portuguezas da Beira Alta e Douro nos pontos que de antemão tenham sido designados pelos governos respectivos.

E vejo ainda mais, que em algumas povoações do mesmo districto se promovem representações em favor da communicação directa d'aquella cidade com o Porto. Um jornal mesmo do districto, publicando as actas da associação dos engenheiros civis portuguezes, diz que é absolutamente indispensavel, que se faça luz sobre estas questões de caminhos de ferro, para que em Hespanha se saiba com o que devem contar e o que lhes cumpre fazer.

É pois indispensavel que o governo tome alguma deliberação a este respeito o mais depressa possivel. O caminho de ferro do Douro, que está quasi concluido até o Pinhão, não póde ficar ali, sem ligação com a rede geral.

Muito seria para desejar que antes do pedido de auctorisação para a construcção de qualquer caminho de ferro, o governo nos apresentasse um plano geral da rede dos nossos caminhos de ferro, e no qual se podessem avaliar as condições da sua importancia, preferencias e concorrencia.

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Seria isso muito preferivel a construir caminhos de ferro por pressões politicas, e dispensar-nos-ía de perder tempo em discutir primasias, que se levantam necessariamente todas as vezes que se trata d'este assumpto. Estou convencido que não precisaria agora de recordar a necessidade da conclusão do caminho de ferro do Douro.

Eu confio, porém, que o illustre ministro das obras publicas, que tão bem apreciou n'esta casa a verdadeira questão dos nossos interesses internacionaes em materia de caminhos de ferro, eu confio que o distincto engenheiro, que na associação dos engenheiros civis portuguezes tão calorosa e eloquentemente tem defendido a conveniencia da conclusão da linha do Douro na direcção de Salamanca, e que como director que foi d'essa linha, melhor do que ninguem póde avaliar a sua importancia e o seu futuro, se, como espero, não mudou de opinião, se apressará a mandar proceder aos competentes estudos, e a trazer aqui a respectiva proposta de auctorisação para a sua construcção, satisfazendo assim não só os legitimos interesses e aspirações das provincias do Douro e Traz os Montes, e da cidade do Porto, que se confundem com os do paiz inteiro, mas tambem correspondendo aos desejos da nação vizinha, que n'este ponto se acham tanto em harmonia com os nossos mais caros e mais vitaes interesses.

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que seja eliminado o § unico do artigo 1.° e todas as disposições correlativas, e que o projecto volte á commissão, a fim de ser redigido em harmonia com as propostas. = Illidio do Valle.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje. Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Rectificação

Na sessão de 6 de fevereiro, pag. 328, columna 2.ª, linha 34, no discurso do sr. Bivar, onde se lê: — «... sempre tenho approvado com enthusiasmo melhoramentos d'esta importancia; porque, quaesquer que sejam os encargos que elles trazem comsigo, é certo, mais cedo ou mais tarde se converter em outros tantos elementos de receita », etc. — Leia-se: — «... sempre tenho approvado com enthusiasmo melhoramentos d'esta importancia; porque, quaesquer que sejam os encargos que elles trazem comsigo, é certo que mais cedo ou mais tarde se convertem em outros tantos elementos de receita», etc..

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