396 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Referimo-nos aos direitos sobre o assucar produzido na ilha da Madeira, excepção injustificável, que nenhuma producção dos outros districtos do reino supporta, e que, na linguagem fiscal e em face. dos bons e vulgares princípios economicos, apparece como um absurdo, que urge fazer desapparecer da nossa legislação.
Não se póde chamar importação ao facto do transito de districto para districto. Os cereaes, o vinho, batatas, fructas e todos os outros productos das províncias do reino transitam livremente.
A Madeira pede o que é justo, pedindo igualdade perante a lei.
As rasões adoptadas para contrariar o bom principio económico e as boas normas de administração são infundadas e injustas.
Diz-se que o consumo do assucar madeirense no reino e ilhas, livre de direitos, póde influir sensivelmente na receita do estado. Este receio, que tambem devia existir a respeito dos cereaes e de outros generos, não é rasão bastante para esmagar uma industria que por outro lado eleva a receita publica n'outra ordem de contribuições e augmenta o valor da propriedade, cujo movimento acrescenta ainda os redditos do thesouro. E se tal receio podesse ser rasão acceitavel e determinativa do estabelecimento de direitos no assucar nacional, que direitos não deviam pagar as producções de tecidos de lã e de algodão, que, longe de os pagarem, são altamente protegidas nos direitos de productos similares estrangeiros, com o que é desfalcada a receita por direitos de importação em muitos centos de contos de réis?
A não applicação de direitos ao assucar da Madeira nunca poderia produzir desfalque de tal ordem nos rendimentos do thesouro.
A idéa financeira que estabeleceu os direitos, por demasiado acanhada, não chegou a alcançar que, tornando impossivel a cultura da canna de assucar, se favorecia a importação estrangeira, nenhuma receita podia haver da producção agrícola nacional que esmagava, não obstante ser o unico recurso importante para uma extensa região arruinada pela molestia das vinhas.
A segunda rasão, que não é rasão na verdade, é que a Madeira podia importar clandestinamente assucar estrangeiro e introduzil-o nos mercados nacionaes, como productos madeirense, isento de direitos. É pena que se tenha dito, e, mais ainda, que se tenha escripto isto, porque tanto é não conhecer nem as condições topographicas da ilha da Madeira, nem reflectir um momento sobre a natureza d'essa importação clandestina, nem sobre o que é o interesse positivo e geral dos povos que tinham de fazer ou consentir o contrabando, que de todo os animava, fazendo descer ao mais Ínfimo preço a canna produzida na ilha.
A terceira e ultima rasão, é que a Madeira póde importar as cannas para fabricar assucar e mandal o para os mercados nacionaes sem pagamento de direitos.
Se causa assombro a prevenção sobre a importação clandestina de assucar da Madeira, a que diz respeito á de cannas para fabricação de assucar, quer clandestina, quer não, desdiz tanto do estudo que houve sobre o assumpto, que só assim se explica o facto da sua acceitação e no argumento serio que oppor aos que têem defendido a boa doutrina.
Com effeito, o ponto mais proximo donde a Madeira poderia importar cannas para fabricar assucar seria de Cabo Verde. Não tratando já do preço por que ficaria o frete da canna, e suppondo que a viagem era feita em barcos a vapor, a canna, depois de colhida e embarcada em Cabo Verde, o que não levaria menos de quatro dias, nos pontos em que se tocassem os vapores, chegaria á Madeira onze dias depois de colhida, e, n'este espaço de tempo e com o calor dos porões do navio, chegaria em completo estado de fermentação, sendo impossivel applical a, em tal estado, ao fabrico do assucar.
Não ha, pois, rasão alguma seria para que se appliquem direitos ao assucar produzido na Madeira e d'ella exportado. A possibilidade de contrabando daria apenas motivo legitimo para medidas de acertada e rigorosa, fiscalização, nada mais.
A cultura da canna tem luctado sempre, e ainda lucta, agora mais do que nunca, com difficuldades grandes que a não têem deixado prosperar.
A primeira consiste em ter-se legislado a respeito d'ella sem conhecimento das suas circumstancias e condições ou não querendo conhecel-as.
A segunda é que não póde desenvolver se, tornar-se um producto barato, no caso de competir com o producto estrangeiro, porque não têem sido aproveitadas as aguas de irrigação, sem as quaes esta cultura se não faz, ou se faz com pouca agua, sendo escassa a producção; e a terceira é que as fabricas não podem comverter o producto agrícola em producto fabril por preço rasoavel, não lhes fornecendo o lavrador sufficiente materia prima para um tempo de laboração em que possam ser cobertas despezas que são quasi tão grandes quando as fabricas trabalham vinte, como quando trabalham, quarenta ou mais dias. Assim, nem as fabricas descem o preço do fabrico porque têem pouca materia prima para o seu consumo, nem os lavradores desenvolvem a cultura, n'uns casos porque não têem abundancias de agua, n'outros porque receiam que o augmento apenas parcial da cultura não faça descer o preço elevado do fabrico, e, em todos, porque julgam ver a cada momento vigorar a lei dos direitos do assucar, com a execução da qual não ha senão arrancar no mesmo anno toda a planta de canna e tomar o lavrador definitivamente o caminho de Demorara ou do Brazil.
Por estas rasões, pelas que derivam das circumstancias geraes do districto do Funchal, que duas vezes tem visto perderem-se as suas vinhas, depois de feitos sacrifícios enormes para replantações, e que está justamente reccioso a respeito da unica cultura em que podem ser postas esperanças, varias vezes tem sido suspenda a applicação da lei de 27 de dezembro de 1870, e isto por força das leis de 4 de fevereiro de 1876 e do 18 de março de 1881.
Mas as circumstancias actuaes da Madeira são graves e justificam melhor qualquer providencia legislativa no sentido de protecção á agricultura e de auxilio a uma proveitosa industria local.
Approxima-se o dia em que deverá ter execução uma lei iniqua e cumpre providenciar com urgencia, não já com suspensões temporarias, mas com remedios radicaes, prestando-se homenagem aos bons principios, satisfazendo aos justos clamores de uma terra importante, que não pede favor, mas igualdade de condições economicas e fiscaes com respeito aos productos da sua industria.
Propomos por isso e submettemos á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É revogado o artigo G.° da lei de 27 de dezembro de 1870, ficando livres de direitos no reino e ilhas dos Açores o assucar produzido no districto do Funchal e d'elle exportado.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 6 de fevereiro de 1886. = Pedro Maria Gonçalves de Freitas = Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos Moniz de Bettencourt = João Augusto Teixeira.
Lido na mesa, foi admittido, e enviado á commissão de fazenda.
REPRESENTAÇÕES
1.ª De uma commissão de guardas e remadores admittidos ao serviço das alfandegas pela reforma de 1864, pedindo que seja applicada a doutrina do artigo 52.° do decreto n.° 4 de 17 do setembro de 1885 áquelles a quem possa aproveitar, e aos que ainda não poderem gosar os