398 DIARIO DA CAMARA DOS SENSORES DEPUTADOS
Sr. presidente: -Peço licença a v. exa. e á camara para ainda dizer, em reforço do que está referido, algumas breves palavras.
Não pertence exclusivamente ás côrtes e á lei citada a concessão meritoria de uma pensão á viuva e filhos do illustre caudilho da nossa mais generosa revolução política. Compartilhou d'ella tambem a lei de 25 de abril de 1835 concedendo igualmente á viuva de Fernandes Thomás uma annuidade de 600$000 réis.
São porém, escondidos cincoenta annos, e neste longo percurso de tempo é estranho que se não haja executado a disposição das leis!
As leis citadas, sr. presidente, fizeram se para acudirem á família do homem, que n'este paiz ousou, o primeiro, reclamar para o povo portuguez os directos e liberdades que na verdade constituem o seu património natural, comquanto n'esse tempo lhe andassem usurpados pelo poder absoluto.
A nação está hoje gosando esses direitos e liberdades, que o pertinaz reformador pediu, firme e convicto, nas celebres constituintes de 1822; mas, só em paga de taes serviços e do esforço que este homem empregou para libertar um povo da tyrannia e da oppressão, só obteve o esquecimento!
Mau exemplo aos vindouros. (Apoiados)
Sr. presidente: - É da nação esta divida sagrada; e cada anno de detença para satisfação de tal divida, cada vez mais aggrava e mais deprime o pundonor nacional.
Já nem podem executar se as leis referidas, porque então cilas legislavam para os vivos; e hoje a esposa e filhos do grande patriota são descidos ao tumulo. Existe, porém, a viuva do ultimo filho de Fernandes Thomás, e, como vem impetrar o pagamento da divida nacional, que não prescreve, pois é divida de honra, é tempo, sr. presidente, é tempo de conceder a pensão pedida, glorificando assim, com um tributo respeitoso, a memória do nosso maior liberal, ião honrado como modesto.
O auctor da Galeria dos deputados das cêrtes constituintes, instauradas em 26 de janeiro de 1821; quando escreve de Fernandes Thomás, recommenda á nação que seja grata e reconhecida aos prestimos relevantes do illustre patriota.
Quanto não diria elle hoje, o bom do escriptor, se elle hoje ainda lura vivo? Elle que não via na praça publica a estatua áquelle notavel tribuno, elle que nem via o seu retrato nas bibliothecas populares! Antes seria testemunha de que tão grande memoria anda riscada e apagada da nossa lembrança a tal ponto, que lhe respondemos com o silencio da indifferença a uma senhora respeitavel da sua família que nos pede uma pensão!
Senhor presidente, o paiz não póde consentir n'isto.
Foram os principios proclamados em 1820 que deram ao depois, embora modificados, vida, phisionomia e futuro ao partido liberal, animando sua fé, exaltando seus brios na adversidade, na lucta e no exílio.
Aqui está a verdade; e tal foi a expressão de Rebello da Silva, ao curvar-se reverente diante de um vulto, dos maiores da historia contemporanea.
Fernandes Thomás foi homem de acção energica pol-a invasão dos franceses; homem de profundo saber no commentario das nossas leis; juiz de consciencia administrando a justiça; e político generoso a quem este povo mais deve.
E deve, sr. presidente. Porque, passada a invasão franceza, a terra brilhante de D. Manuel ficara pobre; a agricultura tinha desabraeado os mais robustos de seus filhos para a guerra; as aguias do imperio haviam devastado e destruído campos e aldeias; em nossos portos só fluctuava o pavilhão estrangeiro, e na governança publica, a vontade de estranhos impunha-se a uma regencia fraca e ignobil; as prisões regurgitavam dos que chamavam liberaes; e, ao pé da torre de S. Julião, suppliciavam a Gomes Freire. A nação estava exausta e esmagada; não tinha, porém, morrido.
Fernandes Thomás que sentia nas arterias o sangue portuguez, sabedor das desgraças publicas, e pela sciencia das leis da vasta architectura do poder absoluto, que pesava sobre o povo; vendo na sua epocha as monarchias do direito divino agonisantes, e o espirito moderno a erguer-se por sobre as ruínas das instituições, a quem não salvava a consagração dos tempos; conhecendo ainda que a felicidade dos povos dependia do reconhecimento legal dos direitos naturaes que criam a personalidade jurídica: Fernandes Thomás o iniciador, o tribuno, o legislador e o cabeça da revolução política em 24 de agosto de 1820, foi por tudo isto o vidente de uma nova era. (Apoiados.)
Como o gigante da grande lenda das navegações, ergue-se entre dois mundos: o conhecido e o porvir; com o arrojo do genio impelle um povo para o futuro. Em tão arriscada viagem das liberdades é o gigante das tormentas, que se chamam revoluções.
Sr. presidente, nós os homens de hoje, devemos ser coherentes. Ou temos um evangelho liberal, com os seus apostolos que nos merecem respeito e culto, pois que assim honramos o nosso credo ou já se foram as tradições respeitosas e os altares onde se officiava a religião poetica da nossa crença.
Tenhamos justiça e verdade.
Toda a causa para ser grande pede generosidade e sympathia. Vimos os honrados membros do partido miguelista (e nunca ninguém caiu com mais dignidade) quotisarem-se entre si para soccorrer uma família proscripta; nós, os filhos dos vencedores de hontem, não nos quotisámos nem lançámos pregão sobre o paiz, em nome da memoria mais honrada, mais nobre, e mais completa de abnegação, que tem tido a época moderna a uma causa justa.
Sim, sr. presidente, já aqui tres deputados ergueram a voz sobre o assumpto e a camara ouvi-os com indifferença!
Pois eu affirmo: o que não honra os paes em sua memoria, não é bom filho. E nós, corpo legistalivo, somos filhos d'aquelle honrado liberal, que creou as côrtes de 1820. Muitos têem asseverado, que taes côrtes foram theoricas; pois eu contesto, que foi a ingenuidade d'essas côrtes, as suas illusões generosas, como são as dos grandes génios e as das revoluções humanas, que foi esse generoso movimento, a que o povo deu um hymno encantador, o hymno de 20, e as duas vozes mais eloquentes da península, Fernandes Thomás e Borges Carneiro, que foi essa bella revolução, a qual cantou sobre as ruínas do passado, como as aves depois da tempestade, que foi essa revolução humana, e cheia de formosas theorias, que tornou facil o advento das idéas positivas de um governo liberal e de um codigo politico.
Imagine-se que essa revolução rcalisava um 93, e veríamos que não seria para nós uma tradição cheia de saudades, ou lembrança de affecto e respeito; mas antes a mancha escura em uma das paginas da nossa historia política, que desejaríamos passar sem ler.
Não, senhores, não é. Ainda sabemos de cór o hymno de 20. Ainda acatâmos os apóstolos, que o foram da nossa causa.
É de justiça que deponhamos no seu tumulo, exalçando a sua memoria, o nosso grato respeito; ou melhor, que vamos ao seio da sua família levar-lhe a alegria e a boa sombra da nossa presença. (Muitos apoiados.)
Disse.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Pedi a palavra para communicar á camara, em nome do governo, que Suas Magestades pediram para Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, herdeiro da corôa de Portugal, a mão da Princeza D. Maria Amelia de Orleans, filha dos condes