400 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
de reduzir a lista civil (dotação de Sua Magestade D. Luiz I, Rainha D. Maria Pia, Príncipe Real D. Carlos Fernando e infante D. Affonso Henrique) em presença da angustiosa situação do thesouro publico, tal como se revela do conjuncto de propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda ao parlamento, em sessão de 6 do corrente mez. - O deputado, Consiqlieri Pedroso.
Em brevíssimas palavras e da forma a mais succinta, vou fundamentar estes dois documentos que acabo de mandar para a mesa, pois me reservo para quando elles vierem á discussão em sua defeza adduzir todas as considerações que n'este momento se me offerecerem, mas que julgo inoportuno por agora largamente desenvolver. Entretanto permitta-me a camara que lhe recorde a gravidade excepcional do momento, em que vae pronunciar-se sobre as propostas, que acabei de entregar á sua consideração.
Sr. presidente, não quero eu anticipar por fórma alguma a discussão, que a proposito das medidas financeiras do governo ha de ter logar n'esta casa. Nada direi portanto das condições especiaes que foram creadas para o paiz desde a sessão passada. (Apoiados.) Nem sequer serei nesta hora o interprete da profunda indignação, que a primeira leitura das propostas fazendarias levantou em todo o paiz. Perante a corrente política dominante talvez não seja já licito aos deputados independentes, especialmente aos que estão na posição em que me encontro, indignarem-se! Não são, portanto palavras de indignação as que n'este momento vou proferir; não são tão pouco palavras de critica; são simplesmente palavras de espanto, de pasmo ao tomar conhecimento do balanço financeiro desta situação política, que ha um anno apenas pela voz auctorisada do sr. ministro da fazenda declarava aqui mesmo que o estado da fazenda publica era desafogado. (Muitos apoiados.)
Tanta audácia, é, para fazer pasmar, com effeito!
O paiz inteiro tem os olhos postos na camara dos deputados; o paiz inteiro espera e aguarda com anciedade qual será a decisão dos representantes da nação n'este repto, atrevido lançado pelo governo aos contribuintes!
É por isso que eu entendo ser um dever de moralidade publica, e um dever de decoro parlamentar, no momento em que o governo tenta sobrecarregar com graves tributos o povo, já tão onerado com pezadissimas contribuições, não escapando á fui ia de obter mais dinheiro a todo o custo, nem os generos de primeira necessidade tão difficeis alguns de ser consumidos pelas classes necessitadas, em virtude do seu alto preço; é por isso que eu entendo, repito, como um dever de moralidade publica e de decoro parlamentar, fazer com que n'esta occasião mais do que nunca as leis se cumpram á risca, qualquer que seja a posição social do que tiver de as cumprir, e que os sacrifícios se repartam por todos, sem distincções iníquas e odiosas! No momento em que a nação inteira vae soffrer um novo assalto aos seus haveres para satisfazer a nunca satisfeita veracidade do poder, representado pelo partido regenerador, é de decoro publico e de moralidade parlamentar, que os representantes do povo se revistam de toda a auctoridade moral, para resistirem á loucura que parece querer arrastar-nos a todos para tremendissimas catastrophes!
E não terá o parlamento essa força moral, se por todos os modos e maneiras não mostrar a mais severa parcimonia nas despezas publicas, cortando por todas as superfluidades, que chegam a ser um crime nas melindrosas circumstancias financeiras em que nos encontramos.
O chefe do estado aufere, a titulo de dotação, proventos que não estão em relação com o magro estipendio de muitos dos mais importantes serviços publicos.
É uma verdadeira e revoltante desigualdade. Mas não só recebe o chefe do estado uma dotação exagerada, comparada com a pobreza do nosso thesouro, senão que por um inqualificavel abuso recebem avultadas pensões todos os membros da sua família.
É necessário, pois, que não haja desigualdades odiosas, nem que o parlamento auctorise, como no caso do infante D. Augusto, o evidente atropelo da lei, que para todos deve ser sagrada, para os que se sentem no sólio real entre riquezas e esplendores, e para os que passam as dores da pobreza e da miseria no humilde tugurio do desvalido! Não terminarei, sr. presidente, estas breves considerações sem lembrar á maioria e a todos os deputados monarchicos, sem distincção de partidos, o exemplo que nos dão dois paizes monarchicos tambem.
Ha de ser a esses paizes que eu irei buscar um precedente, a fim de que a lição seja para os que me escutam bem insuspeita. D'este modo o parlamento portuguez não deverá hesitar um momento sequer na approvação dos meus projectos.
Quando em 1813, depois da batalha de Iena; o reino da Prussia e a dynastia de Brandeburgo luctavam com a mais dolorosa crise por que tem passado n'este seculo uma casa reinante e um paiz, todas as classes da sociedade prussiana se prestaram á porfia a dar o seu contingente para o sacrifício commum, que ia representar a solida base e o inabalavel alicerce da regeneração d'aquelle estado. Assim conta-nos a historia que o ascendente do poderoso monarcha que se senta hoje no throno imperial da grande Allemanha, reunida e unificada pela mais extraordinaria serie de victorias, Frederico Guilherme, se sujeitou ao lado do seu povo a verdadeiras privações, quando era preciso que a nação inteira compartilhasse os tristes resultados de uma campanha infeliz e de uma crise ameaçadora.
Este é o exemplo que eu aponto ao Rei. Vou agora apontar outro não menos frisante ao parlamento. Monarchica e bem monarchica é ainda hoje a Inglaterra. Talvez em nação alguma do mundo o principio monarchico esteja tão profundamente arreigado no espirito das populações como n'aquelle paiz, cujos filhos, onde quer que se encontrem, se descobrem respeitosos ao ouvir entoar o God save the Queen, espectaculo tocante, não por significar uma homenagem cortezã á rainha, mas porque n'essa Rainha elles consubstanciam o seu grande amor pela patria. Pois bem, apesar deste respeito quasi supersticioso do inglez pela sua «graciosa soberana» todos os dias cresce o numero de deputados monarchicos que na camara dos communs votam contra a actual dotação da família reinante. Cada dia se recrutam novos proseltyos no exercito desses independentes, que apesar de partidarios da realeza, põem os interesses da nação acima das conveniencias da corôa.
Ainda ha pouco o bem conhecido professor Stuart, successor do Fawcett, por Hackney College veiu á camara dos communs com o mandato imperativo de votar contra a dotação das Princezas e dos Principes.
A ultima vez mesmo em que esta questão se tratou na camara ingleza dois ministros de estado, que eram deputados (e veja a camara e veja o governo como na Inglaterra os homens que se sentam nos bancos do poder comprehendem os devores da sua altíssima posição) saíram da sala para não votarem.
Todos sabem tambem que o filho do príncipe de Galles attingiu a maioridade ha dois ou tres annos.
Pois, apesar de ser maior, o neto primogenito da Rainha Victoria é bem sabido que nenhum ministerio, quer ichig quer tory, se atreveu ainda a pedir ao parlamento dotação para o Príncipe que ha de ser em breve tempo o immediato herdeiro da corôa do maior imperio que tem existido sob a face da terra! É porque n'aquelle paiz hão respeito pela opinião publica. É porque n'aquelle paiz, sem embargo das circumstancias da riqueza publica serem bem diversas das d'esta pobre mesquinhez que tortura o povo em Portugal, os governos respeitam religiosamente o que elles julgam ser uma homenagem, não só á igualdade dos cidadãos perante a lei mas tambem aos direitos legítimos da nação.
Assim, para concluir, eu não tenho mais do que lem-