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SESSÃO DE 8 DE FEVEREIRO DE 1886

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho (supplente)

Secretarios os exmos. srs.

João José d'Antas Souto Rodrigues
Henrique da Cunha Matos de Mendia

SUMMARIO

Dá-se conta do expediente, lendo-se dois officios do ministerio da fazenda e um do da guerra, que acompanham documentos pedidas por diversos srs. deputados, e fazendo-se a segunda leitura de um projecto de lei dos srs. Gonçalves de Freitas, Sant'Anna e Vasconcellos e J. Augusto Teixeira, que tem por fim revogar o artigo 6.° da lei de 27 de dezembro de 1870. - São apresentadas pelos srs. presidente, Avellar Machado e Albino Montenegro e mandadas publicar no Diario do governo algumas representações. - Mandam para a mesa requerimentos de interesse publico os srs. J. Teixeira de Sampaio e Henrique de Barro s Gomes. - Justifica faltas o sr. Avellar Machado. - O sr. Luiz Jardim declara associar-se ao pedido feito pelo sr. Lopes Vieira para ser concedida nina pensão á viuva de M. J. Fernandes Thomás. - O sr. ministro do reino dá conhecimento de ter sido pedida, para Sua Alteza o Príncipe Real D. Carlos a mão da Princeza D. Amelia, filha dos condes de Paris, que annuiram gostosamente ao pedido. - Por proposta do sr. presidente, resolveu-se que na acta se consignasse a congratulação da camara por este facto. - O sr. Avellar Machado declara constituída a commissão de obras publicas. - Lê e fundamenta um projecto de lei e uma proposta o sr. Consiglieri Pedroso. - Responde o sr. ministro do reino a algumas das considerações feitas pelo orador precedente. - O sr. Luiz de Lencastre manda para a mesa um parecer e pede a urgencia, que é votada, sendo em seguida approvado o parecer. - Renova a iniciativa de um projecto de lei o sr. Correia Barata.- Dirige algumas perguntas ao governo o sr. Luiz José Dias, respondendo-lhe o sr. ministro do reino. - Anuuncia uma interpellação ao sr. ministro da justiça o sr. Gonçalves de Freiras. - O sr. Barres Gomes faz algumas considerações ácerca das propostas financeiras do sr. ministro da fazenda e pergunta se o governo tenciona fazer discutir o orçamento ordinario. - Responde-lhe o sr. ministro da justiça.
Na ordem do dia, primeira parte, elegem-se as commissões de guerra e de marinha. - Na segunda parte, continua a discussão do projecto de lei n.° 5, usando largamente da palavra, impugnando-o, o sr. Elvino de Brito, que apresenta algumas propostas! - Responde-lhe o sr. relator da commissão, o sr. Franco Castello Branco, e levanta-se a sessão, ficando pendente a discussão do artigo 1.° do projecto.

Abertura - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada - 57 srs. deputados.

São os seguintes: - Garcia de Lima, Albino Montenegro, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Pereira Borges, Moraes Sarmento, A. M. Pedroso, Santos Vicgas, Augusto Poppe, Avelino Calixto, Caetano de Carvalho, Sanehes de Castro, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, E. Coelho, Elvino de Brito, Sousa Pinto Basto, Fernando Geraldes, Fernando Caldeira, Firmino Lopes, Correia Barata, Francisco de Campos, Frederico Arouca, Matos de Mendia, Augusto Teixeira, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Joaquim do Sequeira, J. J. Alves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, Ferreira de Almeida, Elias Garcia, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Luiz Ferreira, Luiz Dias, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, Correia de Oliveira, Pinheiro Chagas, Pedro de Carvalho, Gonçalves de Freitas, Dantas Baracho, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde de Reguengos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Silva Cardoso, Antonio Centeno, Garcia Lobo, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Jalles, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Seguier, Urbano de Castro, Fuschini, Pereira Leite, Neves Carneiro, Barão de Viamonte, Lobo d'Avila, Cypriano Jardim, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Francisco Beirão, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Scarnichia, Ponces de Carvalho, Simões Ferreira, Dias Ferreira, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Lourenço Malheiro, M. P. Guedes, Marçal Pacheco, Miguel Dantas, Santos Diniz, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro e Visconde das Laranjeiras.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, A. J. da Fonseca, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Almeida Pinheiro, A. Hintze Ribeiro, Augusto Barjona de Freitas, Barão do Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde de Thomar, Ribeiro Cabral, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Silveira da Mota, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, J. C. Valente, Melicio, Ferrão de Castello Branco, J. A. Neves, Correia de Barros, Borges de Faria, Ferreira Freire, José Maria Borges, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Bivar, Reis Torgal, Luiz Osório, M. da Rocha Peixoto, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Miguel Tudella, Pedro Correia, Barbosa Centeno, Visconde de Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio da fazenda, remettendo a informação pedida pelo sr. deputado Teixeira de Almeida, relativa ao estado das dividas dos funccionarios dependentes d'este ministerio que têem exercido funcções no ultramar.
Á secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Reis Torgal, copia da participação do aspirante da alfandega do Porto, Agostinho Luiz Antonio Honorato, denunciando fraudes commettidas na alfandega de Lisboa.
Á secretaria.

3.º Do ministerio da guerra, remettendo copia do decreto de 19 de novembro do anno findo, que nomeou o ministro do reino, Augusto César Barjona de Freitas, vogal do conselho d'estado.
Á secretaria.

Segunda leitura

Projecto de lei

Senhores. - A lei de 27 do dezembro de 1870 estabeleceu uma excepção odiosa a respeito de um producto tão nacional como outro qualquer, produzido num districto empobrecido, que em tal producto punha e põe ainda as esperanças de salvação da sua agricultura.

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Referimo-nos aos direitos sobre o assucar produzido na ilha da Madeira, excepção injustificável, que nenhuma producção dos outros districtos do reino supporta, e que, na linguagem fiscal e em face. dos bons e vulgares princípios economicos, apparece como um absurdo, que urge fazer desapparecer da nossa legislação.
Não se póde chamar importação ao facto do transito de districto para districto. Os cereaes, o vinho, batatas, fructas e todos os outros productos das províncias do reino transitam livremente.
A Madeira pede o que é justo, pedindo igualdade perante a lei.
As rasões adoptadas para contrariar o bom principio económico e as boas normas de administração são infundadas e injustas.
Diz-se que o consumo do assucar madeirense no reino e ilhas, livre de direitos, póde influir sensivelmente na receita do estado. Este receio, que tambem devia existir a respeito dos cereaes e de outros generos, não é rasão bastante para esmagar uma industria que por outro lado eleva a receita publica n'outra ordem de contribuições e augmenta o valor da propriedade, cujo movimento acrescenta ainda os redditos do thesouro. E se tal receio podesse ser rasão acceitavel e determinativa do estabelecimento de direitos no assucar nacional, que direitos não deviam pagar as producções de tecidos de lã e de algodão, que, longe de os pagarem, são altamente protegidas nos direitos de productos similares estrangeiros, com o que é desfalcada a receita por direitos de importação em muitos centos de contos de réis?
A não applicação de direitos ao assucar da Madeira nunca poderia produzir desfalque de tal ordem nos rendimentos do thesouro.
A idéa financeira que estabeleceu os direitos, por demasiado acanhada, não chegou a alcançar que, tornando impossivel a cultura da canna de assucar, se favorecia a importação estrangeira, nenhuma receita podia haver da producção agrícola nacional que esmagava, não obstante ser o unico recurso importante para uma extensa região arruinada pela molestia das vinhas.
A segunda rasão, que não é rasão na verdade, é que a Madeira podia importar clandestinamente assucar estrangeiro e introduzil-o nos mercados nacionaes, como productos madeirense, isento de direitos. É pena que se tenha dito, e, mais ainda, que se tenha escripto isto, porque tanto é não conhecer nem as condições topographicas da ilha da Madeira, nem reflectir um momento sobre a natureza d'essa importação clandestina, nem sobre o que é o interesse positivo e geral dos povos que tinham de fazer ou consentir o contrabando, que de todo os animava, fazendo descer ao mais Ínfimo preço a canna produzida na ilha.
A terceira e ultima rasão, é que a Madeira póde importar as cannas para fabricar assucar e mandal o para os mercados nacionaes sem pagamento de direitos.
Se causa assombro a prevenção sobre a importação clandestina de assucar da Madeira, a que diz respeito á de cannas para fabricação de assucar, quer clandestina, quer não, desdiz tanto do estudo que houve sobre o assumpto, que só assim se explica o facto da sua acceitação e no argumento serio que oppor aos que têem defendido a boa doutrina.
Com effeito, o ponto mais proximo donde a Madeira poderia importar cannas para fabricar assucar seria de Cabo Verde. Não tratando já do preço por que ficaria o frete da canna, e suppondo que a viagem era feita em barcos a vapor, a canna, depois de colhida e embarcada em Cabo Verde, o que não levaria menos de quatro dias, nos pontos em que se tocassem os vapores, chegaria á Madeira onze dias depois de colhida, e, n'este espaço de tempo e com o calor dos porões do navio, chegaria em completo estado de fermentação, sendo impossivel applical a, em tal estado, ao fabrico do assucar.
Não ha, pois, rasão alguma seria para que se appliquem direitos ao assucar produzido na Madeira e d'ella exportado. A possibilidade de contrabando daria apenas motivo legitimo para medidas de acertada e rigorosa, fiscalização, nada mais.
A cultura da canna tem luctado sempre, e ainda lucta, agora mais do que nunca, com difficuldades grandes que a não têem deixado prosperar.
A primeira consiste em ter-se legislado a respeito d'ella sem conhecimento das suas circumstancias e condições ou não querendo conhecel-as.
A segunda é que não póde desenvolver se, tornar-se um producto barato, no caso de competir com o producto estrangeiro, porque não têem sido aproveitadas as aguas de irrigação, sem as quaes esta cultura se não faz, ou se faz com pouca agua, sendo escassa a producção; e a terceira é que as fabricas não podem comverter o producto agrícola em producto fabril por preço rasoavel, não lhes fornecendo o lavrador sufficiente materia prima para um tempo de laboração em que possam ser cobertas despezas que são quasi tão grandes quando as fabricas trabalham vinte, como quando trabalham, quarenta ou mais dias. Assim, nem as fabricas descem o preço do fabrico porque têem pouca materia prima para o seu consumo, nem os lavradores desenvolvem a cultura, n'uns casos porque não têem abundancias de agua, n'outros porque receiam que o augmento apenas parcial da cultura não faça descer o preço elevado do fabrico, e, em todos, porque julgam ver a cada momento vigorar a lei dos direitos do assucar, com a execução da qual não ha senão arrancar no mesmo anno toda a planta de canna e tomar o lavrador definitivamente o caminho de Demorara ou do Brazil.
Por estas rasões, pelas que derivam das circumstancias geraes do districto do Funchal, que duas vezes tem visto perderem-se as suas vinhas, depois de feitos sacrifícios enormes para replantações, e que está justamente reccioso a respeito da unica cultura em que podem ser postas esperanças, varias vezes tem sido suspenda a applicação da lei de 27 de dezembro de 1870, e isto por força das leis de 4 de fevereiro de 1876 e do 18 de março de 1881.
Mas as circumstancias actuaes da Madeira são graves e justificam melhor qualquer providencia legislativa no sentido de protecção á agricultura e de auxilio a uma proveitosa industria local.
Approxima-se o dia em que deverá ter execução uma lei iniqua e cumpre providenciar com urgencia, não já com suspensões temporarias, mas com remedios radicaes, prestando-se homenagem aos bons principios, satisfazendo aos justos clamores de uma terra importante, que não pede favor, mas igualdade de condições economicas e fiscaes com respeito aos productos da sua industria.
Propomos por isso e submettemos á vossa esclarecida apreciação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º É revogado o artigo G.° da lei de 27 de dezembro de 1870, ficando livres de direitos no reino e ilhas dos Açores o assucar produzido no districto do Funchal e d'elle exportado.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 6 de fevereiro de 1886. = Pedro Maria Gonçalves de Freitas = Henrique de Sant'Anna e Vasconcellos Moniz de Bettencourt = João Augusto Teixeira.
Lido na mesa, foi admittido, e enviado á commissão de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.ª De uma commissão de guardas e remadores admittidos ao serviço das alfandegas pela reforma de 1864, pedindo que seja applicada a doutrina do artigo 52.° do decreto n.° 4 de 17 do setembro de 1885 áquelles a quem possa aproveitar, e aos que ainda não poderem gosar os

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beneficios d'esse artigo lhes sejam garantidos os direitos adquiridos por uma medida transitoria.
Apresentada pelo sr. presidente da camara, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

2.ª Da direcção da sociedade agrícola do districto de Santarem, pedindo que sejam reduzidos os direitos de exportação para os vinhos portuguezes.
Apresentada pelo sr. deputado Avellar Machado, enviada á commissão de fazenda, ouvida a de agricultura, e mandada publicar no Diario do governo.

3.ª Da sociedade de gcographia commercial do Porto, pedindo que sejam remunerados condignamente pelo estado os serviços prestados pelos benemeritos exploradores Capello e Ivens.
Apresentada pelo sr. deputado Albino Montenegro, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Em additamento ao requerimento que ultimamente apresentei, pedindo diversos documentos referentes ao caminho de ferro de Foz Tua a Mirandella), pelo ministerio das obras publicas, requeiro mais, que, pelo mesmo ministerio, sejam enviadas a esta camara:
I. Nota de toda a despeza feita com os estudos do projecto que serviu de base ao concurso para a adjudicação d'aquelle caminho de ferro;
II. Copia do parecer ou informação do engenheiro do governo encarregado da fiscalisação da construcção ácerca do projecto submettido á approvação do governo pelo concessionário ou companhia constructora.
Requeiro que, tantos uns como outros documentos, sejam enviados a esta camara á medida que se forem copiando. = O deputado por Alijo, João Teixeira Sampaio.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam enviados a esta camara os seguintes esclarecimentos:
I Conta da receita e despeza do cofre da extincta companhia braçal da alfandega de Lisboa, relativa ao anno economico de 1884-1885, especificando se as quantias despendidas com os encargos do mesmo cofre;
II Conta da receita e despeza do cofre dos subsídios da mesma companhia, durante aquelle anno, extremando-se a quantia paga aos reformados e ás pensionistas, e o numero de cada uma d'estas classes;
III. Conta da receita e despeza com o trafego, nos termos do § 5.° do artigo 126.° do citado decreto, desde que começou a cobrança até ao fim de janeiro ultimo;
IV. Copia do respectivo decreto no caso de que o governo fizesse já uso da faculdade concedida no § 4.º do artigo 126.° do decreto n.° 1 de 17 de setembro ultimo. = O deputado, Henrique de Barros Borges.

3.° Requeiro que sejam enviados a esta camara, com urgência, os seguintes esclarecimentos, que necessariamente devem existir no conselho geral das alfandegas, e que são indispensaveis para a apreciação da proposta n.° 4, apresentada ha poucos dias pelo sr. ministro da fazenda:
I. Mappa comparativo dos direitos de importação e exportação actualmente em vigor nos termos da edição official da pauta de 17 de setembro de 1885, e acrescentados com a importancia dos addicionaes ad valorem e do addicional de 6 por cento, cuja abolição é pedida com os direitos fixados na proposta n.° 4.
II. Mappa da receita provavel calculada sobre a base fornecida pelas mais recentes estatisticas commerciaes, do rendimento comparado dos diversos artigos ou grupos de artigos da pauta, conforme se appliquem a estes as taxas em vigor, ou as que de novo são propostas. = O deputado, Henrique de Barros Gomes.
Mandaram se expedir.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Participo a v. exa. e á camara que faltei ás sessões dos dias 3, 5 e 6 do corrente mez por motivo justificado. = Avellar Machado.

O sr. Presidente: - A representação de alguns guardas fiscaes e remadores, que ha pouco foi lida na mesa, está redigida em termos cortezes, parecendo me por isso não haver inconvenientes na publicação no Diario do governo, como desejam os interessados.
Consulto a camara a este respeito.
Resolveu-se, que fosse publicada.
O sr. Luiz Jardim: - Sr. presidente, em uma das sessões da semana finda, pediu o meu illustre collega e amigo o sr. Lopes Vieira, que a mesa enviasse ás respectivas commissões aquelle requerimento de D. Carolina Fernandes Thomás pedindo a esta camara lhe vote uma pensão.
Não me encontrava eu n'esta sala, ao tratar o illustre deputado da maioria este importante assumpto.
Deste modo, eu desconheço as rnsoes que s. exa. produziu para fundamentar a sua petição; quaes ellas fossem, porém, não só as receito, mas até requeiro licença para as perfilhar.
E assim, concertâmos os nossos rogos para que a illustre commissão de fazenda defira em favor de uma causa tão sympathica, e que é do animo de nós todos.
Sr. presidente, não é só esta a vez que o assumpto veiu a esta camara.
Em sessão de 25 de janeiro de 1880, o sr. Castro Monteiro, então igualmente meu collega n'esta casa, entregou na mesa, que hoje v. exa. dignamente representa, o requerimento de D. Carolina Fernandes Thomás, viuva de Manuel Joaquim Fernandes Thomás, cidadão fallecido em Coimbra, quando era secretario da universidade; e, em taes circumstancias do pobreza, que sua mulher, privada de recursos para as necessidades da vida, veiu impetrar dos poderes coolegislativos uma pensão.
Confirmo as palavras do illustre deputado, quando diz ser a requerente viuva do ultimo filho do grande liberal Manuel Fernandes Thomás.
É certo, e bem o affirmou, que este varão illustre (refiro-me ao grande patriota, tendo legado aos seus nome glorioso na historia contemporanea, pelos serviços dispensados á revolução liberal de 1820, só lhes deixára em herança - a pobreza, em vez do conforto indispensavel a uma vida remediada, a que lhe dava jus o seu nome honrado.
É certo igualmente o que o illustre deputado referiu, quando dias e que as côrtes de 1820, reconhecidas á audaciosa iniciativa d'aquelle legislador, que ellas, repito, haviam votado a pensão de um 1:000$000 réis annual á sua viuva, e outra de 500$000 réis, tambem annual, a cada um dos seus filhos, o que tudo fôra sanccionado pela lei de 29 de janeiro de 1823.
Tal foi. sr. presidente, e com desenvolvimento mais largo a exposição d'aquelle deputado: e com ella, de todo o ponto verdadeira, e rasões convincentes, mostrou que o requerimento da infeliz senhora, que me honro de conhecer pessoalmente, e a cujas virtudes prestei sempre o maior respeito, que o seu requerimento, emfim, devia ser deferido.
Em sessão de 30 de março, ainda d'aquelle anno, um outro meu illustre collega no parlamento, o sr. Rodrigues de Freitas, pediu novamente á esclarecida commissão de fazenda, que prestasse a devida attenção á supplica da viuva de Fernandes Thomás; e taes rasões apresentou, que ficava esperando pelo despacho favoravel.

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Sr. presidente: -Peço licença a v. exa. e á camara para ainda dizer, em reforço do que está referido, algumas breves palavras.
Não pertence exclusivamente ás côrtes e á lei citada a concessão meritoria de uma pensão á viuva e filhos do illustre caudilho da nossa mais generosa revolução política. Compartilhou d'ella tambem a lei de 25 de abril de 1835 concedendo igualmente á viuva de Fernandes Thomás uma annuidade de 600$000 réis.
São porém, escondidos cincoenta annos, e neste longo percurso de tempo é estranho que se não haja executado a disposição das leis!
As leis citadas, sr. presidente, fizeram se para acudirem á família do homem, que n'este paiz ousou, o primeiro, reclamar para o povo portuguez os directos e liberdades que na verdade constituem o seu património natural, comquanto n'esse tempo lhe andassem usurpados pelo poder absoluto.
A nação está hoje gosando esses direitos e liberdades, que o pertinaz reformador pediu, firme e convicto, nas celebres constituintes de 1822; mas, só em paga de taes serviços e do esforço que este homem empregou para libertar um povo da tyrannia e da oppressão, só obteve o esquecimento!
Mau exemplo aos vindouros. (Apoiados)
Sr. presidente: - É da nação esta divida sagrada; e cada anno de detença para satisfação de tal divida, cada vez mais aggrava e mais deprime o pundonor nacional.
Já nem podem executar se as leis referidas, porque então cilas legislavam para os vivos; e hoje a esposa e filhos do grande patriota são descidos ao tumulo. Existe, porém, a viuva do ultimo filho de Fernandes Thomás, e, como vem impetrar o pagamento da divida nacional, que não prescreve, pois é divida de honra, é tempo, sr. presidente, é tempo de conceder a pensão pedida, glorificando assim, com um tributo respeitoso, a memória do nosso maior liberal, ião honrado como modesto.
O auctor da Galeria dos deputados das cêrtes constituintes, instauradas em 26 de janeiro de 1821; quando escreve de Fernandes Thomás, recommenda á nação que seja grata e reconhecida aos prestimos relevantes do illustre patriota.
Quanto não diria elle hoje, o bom do escriptor, se elle hoje ainda lura vivo? Elle que não via na praça publica a estatua áquelle notavel tribuno, elle que nem via o seu retrato nas bibliothecas populares! Antes seria testemunha de que tão grande memoria anda riscada e apagada da nossa lembrança a tal ponto, que lhe respondemos com o silencio da indifferença a uma senhora respeitavel da sua família que nos pede uma pensão!
Senhor presidente, o paiz não póde consentir n'isto.
Foram os principios proclamados em 1820 que deram ao depois, embora modificados, vida, phisionomia e futuro ao partido liberal, animando sua fé, exaltando seus brios na adversidade, na lucta e no exílio.
Aqui está a verdade; e tal foi a expressão de Rebello da Silva, ao curvar-se reverente diante de um vulto, dos maiores da historia contemporanea.
Fernandes Thomás foi homem de acção energica pol-a invasão dos franceses; homem de profundo saber no commentario das nossas leis; juiz de consciencia administrando a justiça; e político generoso a quem este povo mais deve.
E deve, sr. presidente. Porque, passada a invasão franceza, a terra brilhante de D. Manuel ficara pobre; a agricultura tinha desabraeado os mais robustos de seus filhos para a guerra; as aguias do imperio haviam devastado e destruído campos e aldeias; em nossos portos só fluctuava o pavilhão estrangeiro, e na governança publica, a vontade de estranhos impunha-se a uma regencia fraca e ignobil; as prisões regurgitavam dos que chamavam liberaes; e, ao pé da torre de S. Julião, suppliciavam a Gomes Freire. A nação estava exausta e esmagada; não tinha, porém, morrido.
Fernandes Thomás que sentia nas arterias o sangue portuguez, sabedor das desgraças publicas, e pela sciencia das leis da vasta architectura do poder absoluto, que pesava sobre o povo; vendo na sua epocha as monarchias do direito divino agonisantes, e o espirito moderno a erguer-se por sobre as ruínas das instituições, a quem não salvava a consagração dos tempos; conhecendo ainda que a felicidade dos povos dependia do reconhecimento legal dos direitos naturaes que criam a personalidade jurídica: Fernandes Thomás o iniciador, o tribuno, o legislador e o cabeça da revolução política em 24 de agosto de 1820, foi por tudo isto o vidente de uma nova era. (Apoiados.)
Como o gigante da grande lenda das navegações, ergue-se entre dois mundos: o conhecido e o porvir; com o arrojo do genio impelle um povo para o futuro. Em tão arriscada viagem das liberdades é o gigante das tormentas, que se chamam revoluções.
Sr. presidente, nós os homens de hoje, devemos ser coherentes. Ou temos um evangelho liberal, com os seus apostolos que nos merecem respeito e culto, pois que assim honramos o nosso credo ou já se foram as tradições respeitosas e os altares onde se officiava a religião poetica da nossa crença.
Tenhamos justiça e verdade.
Toda a causa para ser grande pede generosidade e sympathia. Vimos os honrados membros do partido miguelista (e nunca ninguém caiu com mais dignidade) quotisarem-se entre si para soccorrer uma família proscripta; nós, os filhos dos vencedores de hontem, não nos quotisámos nem lançámos pregão sobre o paiz, em nome da memoria mais honrada, mais nobre, e mais completa de abnegação, que tem tido a época moderna a uma causa justa.
Sim, sr. presidente, já aqui tres deputados ergueram a voz sobre o assumpto e a camara ouvi-os com indifferença!
Pois eu affirmo: o que não honra os paes em sua memoria, não é bom filho. E nós, corpo legistalivo, somos filhos d'aquelle honrado liberal, que creou as côrtes de 1820. Muitos têem asseverado, que taes côrtes foram theoricas; pois eu contesto, que foi a ingenuidade d'essas côrtes, as suas illusões generosas, como são as dos grandes génios e as das revoluções humanas, que foi esse generoso movimento, a que o povo deu um hymno encantador, o hymno de 20, e as duas vozes mais eloquentes da península, Fernandes Thomás e Borges Carneiro, que foi essa bella revolução, a qual cantou sobre as ruínas do passado, como as aves depois da tempestade, que foi essa revolução humana, e cheia de formosas theorias, que tornou facil o advento das idéas positivas de um governo liberal e de um codigo politico.
Imagine-se que essa revolução rcalisava um 93, e veríamos que não seria para nós uma tradição cheia de saudades, ou lembrança de affecto e respeito; mas antes a mancha escura em uma das paginas da nossa historia política, que desejaríamos passar sem ler.
Não, senhores, não é. Ainda sabemos de cór o hymno de 20. Ainda acatâmos os apóstolos, que o foram da nossa causa.
É de justiça que deponhamos no seu tumulo, exalçando a sua memoria, o nosso grato respeito; ou melhor, que vamos ao seio da sua família levar-lhe a alegria e a boa sombra da nossa presença. (Muitos apoiados.)
Disse.
Vozes: - Muito bem.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Pedi a palavra para communicar á camara, em nome do governo, que Suas Magestades pediram para Sua Alteza Real o Principe D. Carlos, herdeiro da corôa de Portugal, a mão da Princeza D. Maria Amelia de Orleans, filha dos condes

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de Paris, e que este pedido foi benevolamente acolhido, sendo concedida a mão d'aquella Princeza.
Eu vejo n'este facto alguma cousa de auspicioso para o futuro dos dois conjuges e para a estabilidade das nossas instituições, parecendo-me por isso que nos devemos congratular. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Depois da communicação feita pelo sr. ministro do reino, julgo interpretar os sentimentos da camara fazendo consignar na acta da sessão de hoje, que a camara recebeu com bastante jubilo aquella communicação. (Muitos apoiados)
Assim se fará, em vista da manifestação da camara.
O sr. Avellar Machado: - Tenho a honra de mandar para a mesa uma representação da illustrada e benemerita direcção da associação agricola do districto de Santarem, pedindo se reduza a um unico direito fixo (e menor que a importancia que actualmente se paga, o imposto sobre cada litro de vinho de pasto destinado á exportação.
V. exa. e a camara sabem perfeitamente que, em virtude da excepcional colheita do anno passado, e das grandes compras realisadas pelos negociantes francezes, a quantidade e o valor desta qualidade de vinho exportado de janeiro a outubro attingiu a enorme cifra de 9.172:126 decalitros, na importancia de 6.874:669$000 réis, emquanto que em igual período do anno de 1884 apenas se exportaram 3.423:883 decalitros, no valor de 2.938:429$000 réis.
Se existisse, não digo já a certeza, mas grande numero de probabilidades, de que o mercado francez se continuaria a abastecer de vinhos de pasto em o nosso paiz, creio que não seria necessario precaver-nos com tanta antecipação contra os resultados perniciosíssimos que advirão para os lavradores e para o estado se, por qualquer motivo, nos fechasse este tão importante mercado.
É certo, porém, que os factos que se deram o anno passado podem deixar de repetir se no actual anno, e nos seguintes, e que a uma producção grande na Hespanha, Italia, Hungria, Grecia e na Argelia, ou em alguns d'estes paizes, corresponderá uma diminuição de procura dos nossos vinhos de pasto para o mercado francez. E se nós temos na India ingleza, como já demonstrou n'esta casa o illustre ministro, o sr. Thomás Ribeiro, e era as nossas possessões ultramarinas mercado sufficiente para toda a nossa producção vinícola, por que rasão não havemos de assegurar e desenvolver a mais importante fonte da nossa riqueza?
Torna-se, pois, indispensavel que olhemos com o mais serio cuidado por este assumpto, que é do mais palpitante e vital interesse para o paiz.
É urgente, é inadiável que empreguemos todos os esforços no sentido de desenvolvermos e facilitarmos o consumo dos nossos vinhos de pasto nas províncias ultramarinas. diminuindo sensatamente os direitos de exportação e importação, e favorecendo o seu transporte para essas longiquas regiões, onde desde já se deveriam estabelecer pequenas exposições permanentes, nos principaes pontos commerciaes.
D'este modo alcançaremos um meio seguro do desenvolvermos mais e mais a cultura da vinha, que, mercê de Deus, se dá entre nós por toda a parte, e asseguraremos ao estado uma prodigiosa receita, levando ao mesmo tempo a abundancia á classe numerosa dos trabalhadores agrícolas.
O lavrador, tendo a certeza de vender a sua colheita por um preço remunerador, tratará de melhorar dia a dia os seus productos, collocando-os em condições de luctarem vantajosamente com os productos similares estrangeiros em todos os mercados da Europa, Asia, Africa e America.
Será este o desideratum de todos os que, como eu, se interessam deveras pela prosperidade do paiz; e a benemerita associação de agricultura do districto de Santarem, á qual se deve já a iniciativa de tantas medidas de protecção á industria agricola, alcançará um assignalado galardão para os seus honrados esforços, se as illustres commissões de agricultura e fazenda, a quem esta representação vae ser presente, traduzirem em projecto de lei os excellentes princípios que n'ella se contêem.
Quando este assumpto vier á discussão tornarei largamente parte no debate e exporei á camara uma infinidade de factos e de circunstancias, que mostrarão á evidencia a justiça da causa que advogo, o que não faço n'este momento por ser inopportuna a occasião.
A materia da representação que vou mandar para a mesa é do mais alto interesse para o paiz, motivo por que rogo a v. exa., sr. presidente, se digne consultar a camara, se ella permitte que se publique no Diario do governo.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa uma justificação das faltas que dei nos dias 3, 5 e 6 do corrente mez, e juntamente a seguinte

Participação

Participo a v. exa. que se acha constituída a commissão de obras publicas, tendo nomeado presidente o sr. Sanches de Castro e secretario o sr. Fontes Ganhado, havendo relatores especiaes. = Avellar Machado.
Para a acta.

Consultada a camara, resolveu se que a representação fosse publicada no Diario do governo.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, na sessão passada a camara assistiu á apresentação das propostas de fazenda por parte do respectivo ministro, propostas que, seja dito desde já, representam o epílogo desastroso de uma situação política tão pouco escrupulosa na maneira como tem engrossado extraordinariamente as despezas ordinarias e extraordinarias do estado. (Apoiados.)
Foi um ministro da corôa quem apresentou ao parlamento essas propostas.
Hoje permitta a camara que um deputado da nação lhe apresente tambem por seu turno duas medidas urgentes relativas, não á receita, mas á despeza do thesouro publico, visto que este ultimo capitulo do orçamento foi na sessão de sabbado esquecido pelo sr. Hintze Ribeiro.
E digo muito intencionalmente um deputado da nação, sr. presidente, porque não é a feição partidaria de quem n'este momento usa da palavra, que inspirou a apresentação das propostas, que vou ter a honra de ler dentro em pouco.
Eu quereria n'esta occasião ser monarchico para exactamente com a auctoridade insuspeita que me conferiria tal qualidade poder dizer aos monarchicos d'esta assembléa, que não presta um serviço á realeza quem se obstina em conserval-a systematicamente fóra da lei e em divorcio permanente com as aspirações do paiz.
Não ha, pois, no meu proceder nenhum intuito partidario; unica e simplesmente ha o intuito em resposta ás propostas do sr. ministro da fazenda fazer tambem ouvir a voz da nação, nem sempre por infelicidade escutada n'este recinto.
Em uma camara de amigos politicos meus a minha attitude seria outra e as minhas propostas ainda mais radicaes. Por agora bastam-me estas.
São como seguem:

Projecto de lei

Artigo 1.° É reduzida a 4:000$000 réis annuaes a dotação de Sua Alteza o Infante D. Augusto.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario. = O deputado, Consiglieri Pedroso.

Proposta

Proponho que as commissões de fazenda e orçamento dêem com urgencia parecer sobre a inadiavel necessidade

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de reduzir a lista civil (dotação de Sua Magestade D. Luiz I, Rainha D. Maria Pia, Príncipe Real D. Carlos Fernando e infante D. Affonso Henrique) em presença da angustiosa situação do thesouro publico, tal como se revela do conjuncto de propostas apresentadas pelo sr. ministro da fazenda ao parlamento, em sessão de 6 do corrente mez. - O deputado, Consiqlieri Pedroso.

Em brevíssimas palavras e da forma a mais succinta, vou fundamentar estes dois documentos que acabo de mandar para a mesa, pois me reservo para quando elles vierem á discussão em sua defeza adduzir todas as considerações que n'este momento se me offerecerem, mas que julgo inoportuno por agora largamente desenvolver. Entretanto permitta-me a camara que lhe recorde a gravidade excepcional do momento, em que vae pronunciar-se sobre as propostas, que acabei de entregar á sua consideração.
Sr. presidente, não quero eu anticipar por fórma alguma a discussão, que a proposito das medidas financeiras do governo ha de ter logar n'esta casa. Nada direi portanto das condições especiaes que foram creadas para o paiz desde a sessão passada. (Apoiados.) Nem sequer serei nesta hora o interprete da profunda indignação, que a primeira leitura das propostas fazendarias levantou em todo o paiz. Perante a corrente política dominante talvez não seja já licito aos deputados independentes, especialmente aos que estão na posição em que me encontro, indignarem-se! Não são, portanto palavras de indignação as que n'este momento vou proferir; não são tão pouco palavras de critica; são simplesmente palavras de espanto, de pasmo ao tomar conhecimento do balanço financeiro desta situação política, que ha um anno apenas pela voz auctorisada do sr. ministro da fazenda declarava aqui mesmo que o estado da fazenda publica era desafogado. (Muitos apoiados.)
Tanta audácia, é, para fazer pasmar, com effeito!
O paiz inteiro tem os olhos postos na camara dos deputados; o paiz inteiro espera e aguarda com anciedade qual será a decisão dos representantes da nação n'este repto, atrevido lançado pelo governo aos contribuintes!
É por isso que eu entendo ser um dever de moralidade publica, e um dever de decoro parlamentar, no momento em que o governo tenta sobrecarregar com graves tributos o povo, já tão onerado com pezadissimas contribuições, não escapando á fui ia de obter mais dinheiro a todo o custo, nem os generos de primeira necessidade tão difficeis alguns de ser consumidos pelas classes necessitadas, em virtude do seu alto preço; é por isso que eu entendo, repito, como um dever de moralidade publica e de decoro parlamentar, fazer com que n'esta occasião mais do que nunca as leis se cumpram á risca, qualquer que seja a posição social do que tiver de as cumprir, e que os sacrifícios se repartam por todos, sem distincções iníquas e odiosas! No momento em que a nação inteira vae soffrer um novo assalto aos seus haveres para satisfazer a nunca satisfeita veracidade do poder, representado pelo partido regenerador, é de decoro publico e de moralidade parlamentar, que os representantes do povo se revistam de toda a auctoridade moral, para resistirem á loucura que parece querer arrastar-nos a todos para tremendissimas catastrophes!
E não terá o parlamento essa força moral, se por todos os modos e maneiras não mostrar a mais severa parcimonia nas despezas publicas, cortando por todas as superfluidades, que chegam a ser um crime nas melindrosas circumstancias financeiras em que nos encontramos.
O chefe do estado aufere, a titulo de dotação, proventos que não estão em relação com o magro estipendio de muitos dos mais importantes serviços publicos.
É uma verdadeira e revoltante desigualdade. Mas não só recebe o chefe do estado uma dotação exagerada, comparada com a pobreza do nosso thesouro, senão que por um inqualificavel abuso recebem avultadas pensões todos os membros da sua família.
É necessário, pois, que não haja desigualdades odiosas, nem que o parlamento auctorise, como no caso do infante D. Augusto, o evidente atropelo da lei, que para todos deve ser sagrada, para os que se sentem no sólio real entre riquezas e esplendores, e para os que passam as dores da pobreza e da miseria no humilde tugurio do desvalido! Não terminarei, sr. presidente, estas breves considerações sem lembrar á maioria e a todos os deputados monarchicos, sem distincção de partidos, o exemplo que nos dão dois paizes monarchicos tambem.
Ha de ser a esses paizes que eu irei buscar um precedente, a fim de que a lição seja para os que me escutam bem insuspeita. D'este modo o parlamento portuguez não deverá hesitar um momento sequer na approvação dos meus projectos.
Quando em 1813, depois da batalha de Iena; o reino da Prussia e a dynastia de Brandeburgo luctavam com a mais dolorosa crise por que tem passado n'este seculo uma casa reinante e um paiz, todas as classes da sociedade prussiana se prestaram á porfia a dar o seu contingente para o sacrifício commum, que ia representar a solida base e o inabalavel alicerce da regeneração d'aquelle estado. Assim conta-nos a historia que o ascendente do poderoso monarcha que se senta hoje no throno imperial da grande Allemanha, reunida e unificada pela mais extraordinaria serie de victorias, Frederico Guilherme, se sujeitou ao lado do seu povo a verdadeiras privações, quando era preciso que a nação inteira compartilhasse os tristes resultados de uma campanha infeliz e de uma crise ameaçadora.
Este é o exemplo que eu aponto ao Rei. Vou agora apontar outro não menos frisante ao parlamento. Monarchica e bem monarchica é ainda hoje a Inglaterra. Talvez em nação alguma do mundo o principio monarchico esteja tão profundamente arreigado no espirito das populações como n'aquelle paiz, cujos filhos, onde quer que se encontrem, se descobrem respeitosos ao ouvir entoar o God save the Queen, espectaculo tocante, não por significar uma homenagem cortezã á rainha, mas porque n'essa Rainha elles consubstanciam o seu grande amor pela patria. Pois bem, apesar deste respeito quasi supersticioso do inglez pela sua «graciosa soberana» todos os dias cresce o numero de deputados monarchicos que na camara dos communs votam contra a actual dotação da família reinante. Cada dia se recrutam novos proseltyos no exercito desses independentes, que apesar de partidarios da realeza, põem os interesses da nação acima das conveniencias da corôa.
Ainda ha pouco o bem conhecido professor Stuart, successor do Fawcett, por Hackney College veiu á camara dos communs com o mandato imperativo de votar contra a dotação das Princezas e dos Principes.
A ultima vez mesmo em que esta questão se tratou na camara ingleza dois ministros de estado, que eram deputados (e veja a camara e veja o governo como na Inglaterra os homens que se sentam nos bancos do poder comprehendem os devores da sua altíssima posição) saíram da sala para não votarem.
Todos sabem tambem que o filho do príncipe de Galles attingiu a maioridade ha dois ou tres annos.
Pois, apesar de ser maior, o neto primogenito da Rainha Victoria é bem sabido que nenhum ministerio, quer ichig quer tory, se atreveu ainda a pedir ao parlamento dotação para o Príncipe que ha de ser em breve tempo o immediato herdeiro da corôa do maior imperio que tem existido sob a face da terra! É porque n'aquelle paiz hão respeito pela opinião publica. É porque n'aquelle paiz, sem embargo das circumstancias da riqueza publica serem bem diversas das d'esta pobre mesquinhez que tortura o povo em Portugal, os governos respeitam religiosamente o que elles julgam ser uma homenagem, não só á igualdade dos cidadãos perante a lei mas tambem aos direitos legítimos da nação.
Assim, para concluir, eu não tenho mais do que lem-

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brar á camara dos deputados portugueza, e ao governo, que nem elle podo ter a pretensão de ser mais monarchico do que os monarchicos governos de Inglaterra, nem ella melhor cumpridora dos seus deveres do que o parlamento do reino unido.
Deixo, pois, á consideração da camara estas duas propostas, seguro de antemão do seu exito.
Muito de proposito eu não peço a urgencia da tua admissão.
Muito de proposito espero para ámanhã, a fim de que, na conformidade do regimento, só então sejam admittidas á discussão.
Não desejo que se possa dizer que eu pretendi arrancar por surpreza uma deliberação a esta camara.
Eu pretendo, pelo contrario, que a camara pense, que a camara reflicta, que a camara medite bem no que vae fazer, e que o voto que venha a incidir sobre estas propostas seja por consequencia a expressa o genuína do teu sentir.
É n'este intuito que eu aguardo que, em conformidade com a nossa, lei interna, estas propostas tenham segunda leitura, para depois haver sobre ellas uma votação. Por esta fórma, repito, ninguém poderá dizer que eu pretendo, por surpreza, arrancar á camara uma decisão de que mais tarde ella tenha que arrepender-se.
O assumpto é grave bastante, e o momento é indubitavelmente gravíssimo, para que cada, um não pese as suas responsabilidades.
E essas responsabilidades mais tarde hão de ser pedidas a todos.
O paiz, que a todos nos julga, ha de ser o supremo arbitro n'esta questão, e por isso é necessario que nos colloquemos todos nas circunstancias de podermos arcar com a responsabilidade que tomâmos.
E agora, ao sentar-me, só tenho a fazer um voto. Esse voto é para que n'esta conjunctura solemne, em que porventura gravissimos acontecimentos estão em vesperas de dar se n'este paiz, a camara dos deputados portugueza se inspire nas actuaes circumstancias e cumpra o seu dever conforme a consciencia lhe dictar!
Tenho dito.
O projecto e proposta ficaram, para segunda leitura.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Sr. presidente, não pedi a palavra para discutir n'esta occasião com o illustre deputado que acaba de sentar se.
S. exa. apenas esboçou o assumpto; não chegou a entrar na sua discussão, porque, como disse, haverá para ella melhor opportunidade. Por agora limitou-se a mandar para a mesa algumas propostas, e a accentuar desde já as idéas que tem a respeito d'ellas.
Estou de accordo com s. exa. em que não é agora occasião opportuna para se discutir a questão de fazenda. Quando ella vier á discussão n'esta casa, então se reconhecerá de que lado está a rasão, quaes os fundamentos com que se justificam todas as propostas ou meios, com que o governo julga poder acudir ás necessidades financeiras e á situação do thesouro publico, e finalmente se apurarão todas as responsabilidades.
Por isso, pedindo agora a palavra, tive principalmente em vista que não parecesse que o silencio do ministro da corôa, aqui presente, era de algum modo a confirmação das apreciações do illustre deputado. E isto o que eu precisava evitar.
Repito, quando chegar a questão de fazenda, discutiremos todas as idéas de s. exa., com a amplitude que um assumpto desta ordem reclama e que o interesse da nação exige, e então veremos de que lado está a verdade. (Apoiados.)
O que simplesmente digo agora é que nós não podemos, com fundamentos vagos e com o pretexto das circumstancias angustiosas do paiz, pedir a reducção d'estes ou d'aquelles vencimentos...
(Interrupção ao sr. Consiglieri Pedroso)
(Se nos devessemos regular simplesmente por vagas considerações, para entrarmos nas reducções a que s. exa. alludiu, perguntaria eu ao illustre deputado porque só não pede tambem, por exemplo, a suppressão do subsidio dos srs. deputados; porque se não pede tambem, em nome das circumstancias angustiosas do paiz, a diminuição da ordenados dos professores de instrucção publica superior? Não quero dizer com isto, que uns e outros devam ser diminuídos: digo só que não é em nome de vagas considerações, que podemos sustentar a conveniencia de se fazer aqui e acolá uma reducção; é pelo exame profundo da questão de fazenda e das circumstancias do thesouro, que poderemos depois apreciar aquillo por onde poderemos cortar e o que devemos deixar subsistir.
E já vê o illustre deputado que eu não venho accusar nenhuma classe; não procuro de modo algum mostrar que tal ou tal rendimento deve ser cerceado; o que sustento é que na occasião em que se discutir amplamente a questão de fazenda publica, é que a camara póde apreciar o que tem a fazer, e qual o modo de remediar as circumstancias financeiras do paiz.
Devo tambem dizer a s. exa., sem querer entrar agora em larga discussão, porque essa ha de vir a seu tempo, que quando as circumstancias do paiz o exigirem, não só esta camara, mas todos, desde o supremo magistrado até ao ultimo cidadão, todos se há o de compenetrar da situação do paiz e hão de saber cumprir com o seu dever.
Aquelles mesmos que o illustre deputado tão injustamente accusou de insensibilidade, quando chegue uma occasião solemne, quando o bem publico o exija, hão de dar provas dos seus sentimentos, da sua abnegação e do seu desinteresse, como as têem já dado repetidas vezes, manifestando os seus altos sentimentos de caridade e de dedicação e amor pelo paiz. (Muitos apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Luiz de Lencastre: - Na ausencia do sr. Pereira Leite, que faltou á sessão, por motivo justificado, mando para a mesa um parecer da commissão de verificação de poderes.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se dispensa o regimento para que não seja impresso, e entre desde já em discussão.
Consultada a camara resolveu affirmativamente.
Leu-se o seguinte

PARECER

Senhores. - A vossa commissão de verificação de poderes tomou conhecimento da proposta do sr. deputado Luiz do Lencastre a fim de ser chamado o sr. D. Luiz Maria da Camara a tomar assento na camara como deputado do ultramar pelo circulo de Mapuçá, hoje declarado vago por ter tomado assento na camara dos dignos pares do reino o sr. deputado Coelho de Carvalho que o representava.
É a vossa commissão de parecer que a proposta é de todo o ponto conforme com a lei e deve ser approvada, e ser chamado o dito sr. D. Luiz Maria da Camara que na legislatura passada representava o referido circulo de Mapuçá.
Sala da commissão, 8 de fevereiro de 1886. = Luiz de Lencastre = Firmino J. Lopes = Frederico Arouca = Moraes Machado = Pereira Leite, relator.
Foi approvado, sem discussão.
O sr. Correia Barata: - Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 10 de 1883, que tem por um annexar ao concelho de Armamar a freguezia da Granja do Thedo, que actualmente pertence ao concelho de Tabuaço.
Reservando para outra occasião as considerações que tenho a fazer em justificação d'este projecto, limito-me por agora a pedir a v. exa. que o remetta á respectiva commissão.
Ficou para segunda leitura.

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O sr. Luiz José Dias: - Pedi a palavra para dirigir algumas perguntas ao sr. ministro do reino; começarei porém dizendo, em resposta a uma parte das considerações apresentadas pelo sr. Consiglieri Pedroso, que em Inglaterra varias vezes, segundo a historia d'aquelle paiz, o governo tem pago as dividas da família reinante; o melhor meio de implantar outra forma de governo não é de certo privar os monarchas da sua sustentação decente.
Agora com relação ao sr. ministro do reino, desejo que s. exa. me responda á seguinte pergunta:
Em um artigo da lei vigente relativa ao sêllo diz-se:
(Leu.)
Existe porém uma portaria surda enviada pelo ministerio do reino ao governador civil de Lisboa, de 21 de maio de 1879, que suspende a execução d'esta lei e da arrecadação da receita proveniente destas licenças. Pergunto, tem s. exa. conhecimento d'esta portaria?
Esta lei dava como resultado para o thesouro a arrecadação de 100:000$000 réis por anno, e desejava que o sr. ministro me dissesse se nas actuaes circumstancias da fazenda publica, póde dispensar esta quantia, e se o seu collega da fazenda está de accordo com s. exa. sobre este assumpto.
Não me parece que um tal procedimento seja legal, mas, se o é, visto que a lei é igual para todos, é necessario que elle se torne extensivo a todas as terras do paiz, porque do contrario essa portaria representa um favoritismo manifesto com prejuizo dos interesses do thesouro e da igualdade do imposto.
Depois da lei de 1885 respeitante ao sêllo, ninguem poderá pôr em duvida a illegalidade de tal medida.
A outra pergunta é se s. exa. tenciona levantar o cordão sanitario quanto antes, por isso que o paiz está fazendo com elle despezas avultadissimas, despezas que são já conhecidas de todos pelo que têem sido annuuciado na imprensa e que até já causam assombro e admiração aos proprios amigos do governo. (Apoiados.)
Eu entendo, e commigo está muita gente sensata, que hoje o cordão sanitario está prejudicando alta e profundamente as relações e interesses economicos do paiz; já têem subido á presença dos poderes públicos, queixas de differentes localidades a respeito do assumpto.
A epocha não está para larguezas; e o deficit accusado pelo orçamento mostra até á evidencia que nós não podemos desperdiçar assim os dinheiros do povo, que não podemos nem devemos applicar mal as receitas publicas, porque a epocha é de grandes apuros e de muita estreiteza.
Desejo tambem perguntar a s. exa. qual a rasão por que não tomou providencia alguma a respeito de medidas sanitarias exigidas pela camara municipal de Monsão na epocha em que a epidemia tinha chegado ao seu auge, e quando se dizia que o cholera se tinha manifestado nas circum-vizinhancas d'aquelle município e que tinham apparecido alguns casos em differentes localidades proximas, chegando até a circular na nossa imprensa telegrammas que espalhavam estes boatos.
A camara municpal de Monsão, desejando tomar certas providencias, para que não estava auctorisada pelas leis, teve de pedir ao tribunal superior auctorisação para isso, e como este lha negasse, dirigiu ao ministerio do reino uma representação fundamentando o seu pedido com toda a lucidez, rasão e justiça, pondo ao mesmo tempo em relevo o facciosismo descarado d'aquelle tribunal.
Desejo tambem saber qual a rasão por que s. exa. não estabeleceu, como prometteu, ou pelo menos como deu a entender, um posto de desinfecção na margem do rio Minho em frente de Salvaterra. S. exa. mandou effectivamente alguns medicos estudar este assumpto, e quando os habitantes de Monsão esperavam o estabelecimento d'aquelle posto de desinfecção, que em nada prejudicava as outras medidas sanitárias, o governo respondeu-lhes com o silencio, com a incuria e o desleixo, que é a sua divisa predominante, sendo aliás certo que o governo não tinha despeza alguma a fazer, porque a camara de Monsão só promptificava a fazer despezas com este serviço, e por isso não póde o sr. ministro responder que não havia meios para estabelecer aquelle posto de desinfecção.
Para mostrar a importancia das relações economicas e commerciaes, que existem entre os povos d'aquellas paragens, basta ler as pautas aduaneiras e os relatorios do movimento commercial que lhes dizem respeito.
Por estes documentos se vê o grande transito, as grandes relações commerciaes, que existem entre aquelles povos.
Merecia, pois, a pena estabelecer ali um posto de desinfecção, e tanto mais quanto é certo que a camara estava prompta a fazer a despeza correspondente, e foi essa a promessa feita aos dignos emissários, que o sr. ministro do reino enviou áquella localidade; appello para esses cavalheiros, um dos, quaes tem assento n'esta casa, podendo por isso corroborar as minhas asserções, porque tudo se passou na minha presença e na d'elle.
Uma medida d'esta ordem em nada prejudicava a saude publica ou o thesouro, e por isso se não se adoptou foi por desleixo ou porque aquelles povos não mereceram a attenção do sr. ministro do reino.
S. exa. tem um argumento para se justificar de tudo quanto fez e gastou, deixou fazer e gastar por causa das medidas sanitarias, é que o paiz fui preservado do cholera. Mas permitta-me o sr. ministro que eu lhe observe que a Galliza não foi invadida pelo cholera, e que por isso não foi o cordão sanitário nas margens do Minho que obstou á invasão da epidemia no norte do reino, e esta rasão justifica a necessidade do seu levantamento e refuta quanto s. exa. possa apresentar em favor da permanencia e continuação.
Desejava que v. exa. me respondesse a estas perguntas, e peço a v. exa. que se digne reservar-me a palavra para depois da resposta do sr. ministro eu poder continuar com as minhas considerações.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Vou responder o mais resumidamente possível ao illustre deputado, visto que s. exa. pediu que lhe ficasse a palavra reservada para continuar nas suas considerações.
Quanto á primeira pergunta direi que tenho effectivamente conhecimento dessa portaria de 1879, que de certo não é da minha responsabilidade. E eu noto que, tendo passado já quasi sete annos, só agora é que o illustre deputado venha accusar a portaria, que s. exa. diz importar uma violação de lei.
O sr. Luiz José Dias: - Está ainda em vigor, porque se está executando.
O Orador: - É por isso mesmo que eu noto que, estando em vigor ha sete annos, sendo porventura essa portaria uma violação de lei, só passado este tempo apparecesse alguem a accusal-a; e devo dizer ao illustre deputado que a responsabilidade, todos a podiam pedir.
Eu tenho conhecimento d'este negocio, porque, por parte do governador civil de Lisboa, foram apresentadas umas duvidas ao ministerio do reino. A repartição informou, sustentando que essa portaria não podia considerar-se como illegal: mas eu, para evitar todas as duvidas, mandei consultar o procuradoria geral da corôa.
É simplesmente isto o que tenho a dizer a este respeito.
Quanto ao cordão sanitário, a minha intenção, se continuarem as noticias de que o cholera está limitado a Algeeiras e a Tarifa, mandar levantal-o; mas não o posso fazer sem que tenham entrado no paiz os pescadores que se acham na ilha Christina.
Depois de recolhidos elles não tenho duvida, mantendo-se as mesmas noticias, de mandar levantar, senão todo, pelo menos grande parte do cordão. Não é por capricho que o governo está a sustental-o na fronteira; sustenta-o

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com o convencimento de que está prestando um serviço á saude publica.
Quanto ao pedido da camara municipal de Monsão, a que se referiu o illustre deputado, tomei-o em tanta consideração, que mandei lá o inspector do lazareto para ver se o pedido podia ser attendido; mas o inspector, quando voltou, informou-me de que a camara tinha sido secundada no seu empenho por differentes povoações, e que, em vez de um posto de desinfecção, se pediam 10 ou 12 pontos.
É evidente a difficuldade de poder acceder a estes pedidos, não só por falta de pessoal, mas pela enorme despeza que trazia e pelos perigos que d'ahi resultavam para a saude publica.
A multiplicidade de pedidos era mais uma rasão para não poderem ser satisfeitos e o governo viu-se por isso forçado a não acceder a elles.
Eis em breves palavras a rasão do procedimento do governo n'este assumpto e eu espero que o illustre deputado concorde com elle.
(S. exa. não reviu as notas tachiygraphicas.)
O sr. Gonçalves de Freitas: - Mando para a mesa a seguinte

Nota do interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça a proposito da actual organisação judicial de comarcas no districto do Funchal, e sobre a necessidade de uma reforma que, satisfazendo ás justas exigencias dos povos, tenha em attenção os verdadeiros interesses públicos. = P. M. Gonçalves de Freitas.
Mandou-se expedir.

O sr. Albino Montenegro: - Mando para a mesa uma representação da sociedade de geographia commercial do Porto identica á outra que foi aqui apresentada pelo sr. Luciano Cordeiro, pedindo para ser concedida uma remuneração condigna aos illustres exploradores Capello e Ivens.
Abstenho me de fazer quaesquer considerações, por isso que os actos de heroísmo e de abnegação dos dois arrojados exploradores são de tal ordem, que se impõem á consciência de toda a camara para que lhes seja concedida uma remuneração.
Aproveito esta occasião para me referir a outro assumpto.
Ha dias mandei para a mesa uma representação da camara municipal de Felgueiras, em que se pede para que fosse regulamentado o artigo 20.° da lei de 21 de maio de 1884.
N'essa occasião não me lembrei do que estava affecto á commissão de fazenda um projecto da iniciativa do meu amigo o sr. Beirão que satisfaz a esta necessidade.
Eu perguntava á commissão de fazenda se já tratou d'este assumpto, e, no caso negativo, pedia lhe que se occupa-se d'elle para d'esta maneira satisfazer a uma necessidade urgentíssima de ordem publica.
Peço que a representação que mando para a mesa seja publicada no Diario do governo.
Assim se resolveu.
O sr. Teixeira de Sampaio: - Mando para a mesa um requerimento pedindo novos dcumentos, pelo ministerio das obras publicas, com respeito ao caminho de ferro da Foz do Tua a Mirandella.
Em 1884 realisei uma interpellação ao sr. Antonio de Aguiar, então ministro das obras publucas, ácerca do caminho de ferro a que me refiro n'este requerimento; e por essa occasião disse-me s. exa. que o objecto da minha interpellação era prematuro, porque, quando o governo se deliberasse por qualquer dos dois traçados que havia a respeito d'este projectado caminho de ferro, se porventura a escolha que elle fizesse fosse a menos conveniente aos interesses dos povos, então e só então é que eu teria o direito de interpellar o governo sobre a escolha que elle fizesse do traçado.
Aguardei a resolução do governo a esse respeito, e, visto que essa adjudicação se fez, quero agora novamente tratar do assumpto, e como pretendo annunciar uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas preciso para isso estar munido de documentos.
A proposito deste caminho de ferro tem-se seguido um processo tão monstruoso, que causa espanto a todos aquelles que d'elle tenham conhecimento. Se eu dissesse qual o caminho anormal que se tem seguido a este respeito, talvez a camara, sem que eu provasse com documentos, o não acreditasse.
É sabido que o engenheiro, o sr. Sousa Brandão, fez um projecto de caminho de ferro pela margem direita do Tua. Posteriormente mandaram-se, por portaria de 11 de janeiro de 1883, fazer nesse projecto algumas modificações e alterações, em harmonia com as indicações que a junta consultiva tinha exposto na sua consulta de 8 do referido mez de janeiro, com o único fim de lhe reduzir o custo kilometrico.
Pouco tempo depois apresentou o sr. Hintze Ribeiro, então ministro das obras publicas, n'esta camara o projecto de lei para a construcção do caminho de ferro; e só mais tarde, quando já tinha sido discutido e approvado em ambas as camaras, é que o engenheiro foi dar cumprimento á portaria de 11 de janeiro.
E que cumprimento, sr. presidente!!!
Sem se importar, nem com o projecto, nem com a consulta da junta, nem com a portaria, fez um projecto inteiramente novo pela outra margem do rio, que é já de differente districto!!
No concurso figurou só este projecto, porque assim era necessario...
Apregoou-se aos quatro ventos da terra a perfeição d'este segundo projecto.
Pois apesar de toda a sua perfeição, que deixava esperar que o concessionario lhe não faria a mínima alteração para a construcção da linha, apresentou outro feito pelo sr. engenheiro director, inteiramente novo, segundo affirma no seu parecer a respeito d'elle o distincto e honrado engenheiro, sr. Allão, que está encarregado de fiscalisar o superintender na construcção por parte do governo. E tudo isto em proveito da companhia.
Convem notar que o engenheiro director da companhia constructora é o mesmo que fez o projecto do governo, que serviu de base ao concurso.
A construcção começou sem a approvação do governo, e, por tal fórma, que o sr. Allão mandou suspender os trabalhos e levantar muitos autos de embargos.
Tal era o traçado e a construcção!
Desejo, por isso, que venham os documentos que pedi com toda a brevidade, porque, com elles á vista, quero mostrar á camara e ao paiz como se tem procedido a respeito d'este caminho de ferro. E não largarei este assumpto emquanto o não fizer, porque não estou resolvido a desistir d'esta liquidação de contas.
O requerimento teve o destino indicado a pag. 397.
O sr. Barros Gomes: - Pedi a palavra para dirigir algumas perguntas ao governo, que vejo representado por um dos seus membros, e alem d'isso para mandar para a mesa um requerimento, pedindo alguns esclarecimentos que reputo indispensaveis para a discussão, quer das providencias apresentadas ultimamente á camara pelo sr. ministro da fazenda, quer das que pelo seu ministerio foram decretadas durante o interregno parlamentar, na data de 17 de dezembro.
A minha pergunta é feita em termos precisos e muito claros, e desejaria que a resposta do governo fosse tambem muito precisa e de fórma a não deixar no animo de todos nós a sombra da menor duvida.

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Essa pergunta é a seguinte:
Desejo saber se é intenção firme dos srs. ministros o fazerem discutir n'esta sessão parlamentar o orçamento para 1886-1887.
Pergunto isso muito accentuadamente, e desejo que fique aqui bem preciso e claro o pensamento do governo.
Nas propostas fazendarias apresentadas pelo gabinete á consideração do parlamento envolvem-se gravíssimos sacrifícios para o contribuinte, e eu desejo saber se esta liquidação final de uma administração de cinco annos não será precedida por um exame imparcial, severo e minucioso de toda essa enorme despeza que actualmente se descreve no orçamento do estado.
Todos os ministros da fazenda, que por fatalidade se têem visto obrigados a exigir novos sacrifícios ao contribuinte, procuraram sempre preparar os animos, investigando minuciosamente no orçamento tudo quanto podia ser supprimido, tudo quanto representasse despeza adiavel, incutindo assim no espirito do paiz o sentimento de que por parte dos poderes públicos se não exigem contribuições muito exageradas pelo simples desejo de gastar, e com esse sentimento, a convicção de que a administração é zelosa e economica, e que por se não poder alcançar o sufficiente pela reducção das despezas, é que se torna inevitavel recorrer a novos onus tributarios.
Mas hoje, sr. presidente, tudo isto mudou. Acabo de percorrer com attenção o relatorio do sr. ministro da fazenda, acompanhado de numerosos documentos e não vi, e digo isto com a maior estranheza e com espirito de severa censura, uma unica diligencia, um único esforço intentado no sentido da reducção das despezas. A unica economia por aquelle relatorio mencionada é a que deve resultar do exercício da caixa de aposentações votada na sessão passada, e todavia todos nós sabemos o que representa essa caixa de aposentações, que só d'aqui a dezenas de annos poderá começar a produzir algum resultado em favor do thesouro.
É certo, porém, que para justificar os novos sacrificios que vão exigir-se ao paiz, ousa o governo affirmar-nos que imitará a 4.000:000$000 réis as despezas extraordinarias no exercicio de 1886-1887, isto no mesmo dia em que declara ao parlamento carecer de 7.800:000$000 réis, para taes despezas, tudo acrescentado com a feliz noticia de que a despeza do thesouro se elevará a mais de 41.000:000$000 réis e o deficit perto de 9.000:000$000 réis.
E é na presença de taes factos, que se imagina conseguir por artificios orçamentaes demasiado conhecidos justificar o pedido de impostos, affirmando-se que se reduz o orçamento extraordinario a 4.000:000$000 réis, e que n'essas condições o governo dá prova do seu espirito de economia. Vejamos porém, e desde já, como são realisadas taes economias.
Ainda não tenho em meu poder o orçamento rectificado, e apenas vi alguns dos seus algarismos transcriptos nos jornaes; posso, porém, desde já apreciar o que são e o que valham as suppostas reducções de despeza, titulo e florão das glorias governativas. Assim, por exemplo, o deficit ultramarino, para que se pedem 400:000$000 réis, e que este anno já se confessa ser de 600:000$000 réis, de certo attingirá muito maior importancia.
Uma outra verba symptomatica destas suppostas tentativas de economia é a que se refere á dotação das obras do porto de Leixões, que apparece modestamente fixada em 560:000$000 réis.
Ora eu estou que ha de subir a muito mais de réis 1.000:000$000 se não chegar a 2.000:000$000 réis a verba que o governo terá de pagar no anno proximo futuro para que as obras não soffram e para que o que já está construído não seja destruído pela fúria do occeano. (Apoiados.) Assim m'o affirma pessoa da localidade, por todos os títulos muito competente.
Apresento assim estas considerações para fundamentar a minha pergunta ao governo ácerca da sua resolução com respeito ao orçamento de despeza; visto o governo ter-se esquecido do seu dever, á representação nacional cumpre reparar-lhe a falta, (Apoiados.) e os deputados, desta maioria, que se orgulham, como nós, em ser representantes do povo, não quererão por certo que fique pesando sobre elles a accusação de que não duvidaram lançar sobre o paiz contribuições d'esta ordem sem procurar miuda e conscienciosamente fazer quanto em nós caiba para diminuir as despezas. (Muitos apoiados.)
Seria altamente censuravel, direi mesmo brria politicamente indecoroso, o seguir-se este anno procedimento análogo ao que foi adoptado nos annos anteriores.
Quando ha poucos dias todos nós vimos o sr. ministro das obras publicas apresentar aqui um systema completo de propostas, sete em numero, segundo creio, em virtude das quaes não sei mesmo se se conseguirá fazer brotar agua a jarros no Alemtejo, até nas suas regiões as mais desherdadas, e ver pullular as colonias agrícolas com 2:000 hectares, congregando em si todos os elementos de riqueza, constituindo a parochia, educando, corrigindo e amparando os menores, constituindo em fim uma maravilha deslumbrante, a maneira como s. exa. conseguira transformar era um El dorado aquella província que nas condições da sua orographia, da sua estructura geologica, do regimen das suas aguas, da sua climatologia, emfim, tem a causa do estado em que hoje se encontra, a despeito de tantas transformações historicas, sociaes e legislativas; quando eu vejo o sr. ministro das obras publicas, repito, possuído de uru pensamento, que aliás applaudo, que compartilho, e que pela minha parte folguei de ver affirmar no governo de estudar estas questões chamadas de ordem social, de procurar melhorar a sorte dos operários, proporcionando-lhes habitações mais baratas, protegendo os menores, indemnisando-os quanto possível pelos accidentes do trabalho!
Verdade é, e seja isto dito de passagem, e sem animo de offensa para o illustre ministro, que a phraseologia do seu relatório não está sempre de accordo com a sua phraseologia aqui empregada nesta casa, (Apoiados) o que prova, a meu ver, que as idéas de s. exa. não estão ainda bem assentes, por quanto n'este documento falla-se, com um certo tom accentuado de commiseração, dos velhos preconceitos e asserções liberaes, ao passo que todos podemos ver que o sr. ministro das obras publicas, interrogado um d'estes dias pelo sr. Consiglieri Pedroso sobre se acceitava ou não o seu projecto fixando o dia normal do trabalho, não duvidou tornar-se acérrimo propugnador das theorias individualistas, mais em opposição com as da escola de que parece querer dizer-se adepto no relatorio que precede as suas sete propostas.
Mas que solemue desmentido aos amores do sr. Thomás Ribeiro pelas classes operarias, não vem agora dar-nos o seu collega da fazenda! Que tocante solidariedade nas idéas governativas a d'estes dois ministros. E aqui, sr. presidente, perco toda a vontade de brandir a arma da ironia, quando attento na sorte que o governo prepara, entre outras, á população da capital!
A carne não abatida em matadouro publico, que era tributada de um modo extremamente pesado em 00 réis por cada kilogramma, passa a pagar 70 réis.
E aggravado o imposto na carne do gado ovino, que pelo seu menor preço é um recurso para o pobre.
O vinho pagava 31 réis e passa a pagar 35 réis; os queijos brancos que tambem são alimento muito commum das classes precisamente menos abastadas, vão pagar em logar de 15 réis, 20 réis, toem um augmento de 30 e tantos por cento. A manteiga passa de 30 a 40 réis, o assim muitos generos de primeira necessidade, que estavam já extraordinariamente tributados, e que tornavam difficil a vida das classes desvalidas, vão ser ainda muito mais onerados.
E ha aqui uma antinomia, que eu não posso nem sei explicar, entre as aspirações generosas, as idéas de justiça

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social manifestadas pelo sr. ministro das obras publicas nas suas propostas, e esta insistência feroz em tirar quasi exclusivamente das classes populares o augmento de receita que o governo tantas vezes emprega por modo que eu não quero qualificar n'este momento.
Mas, sr. presidente, o governo nem sempre procedeu na organisação das suas propostas financeiras, aggravando os impostos; nem sempre seguiu esta norma.
Por vezes alliviou taxas que oneravam differentes industrias, as diversas manifestações de riqueza, por vezes talvez com justiça, mas outras de modo a estabelecer tambem um contraste inexplicável com os aggravamentos a que ha pouco me referi.
O sr. ministro do reino communicou hoje á camara uma noticia, que foi recebida por toda ella com manifestação de profunda alegria e contentamento.
Refiro-me á communicaçao official do casamento de Sua Alteza o Príncipe D. Carlos com a Princeza D. Maria Amelia de Orleans.
É inutil dizer que por parte de todos os membros d'esta camara, e creio mesmo que dos não pertencentes ao partido monarchico, os quaes ainda assim não podem deixar de ver na actual dynastia uma representante natural das tradições gloriosas d'este paiz, e que, embora aspirem hoje a um ideal diverso, não poderão negar ainda assim que a monarchia portugueza entrelaça os seus fastos com os acontecimentos mais alevantados da historia portugueza...
O sr. Consiglieri Pedroso: - Por exemplo, a fuga de El-Rei D. João VI para o Brazil.
O Orador: - Isso é a excepção, e n'essa epocha nem só o Rei era fraco.
Por esse acto, que talvez ainda assim tivesse uma rasão política em seu abono, dou ao illustre deputado, e em confronto, D. João I sustentando a independencia patria em Aljubarrota; 1640, que não teria, sido possivel sem a proeminencia social e as qualidades de D. João IV; as glorias immarcessiveis de um D. João II e de um D. Manuel, que elevaram ao mais alto cume da gloria o nome portuguez, e mais que tudo esse vulto unico do infante navegador, D. Henrique, que é mais do que uma gloria nacional, que é uma verdadeira gloria da civilização, uma das maiores e das mais puras. (Apoiados.)
E por isso eu digo e sustento que este acontecimento ha pouco annunciado á camara será do certo saudado com jubilo pelo paiz, e é possível que este, esquecendo por um momento as suas justas máguas e bastos motivos de tribulação, attenda só ao intimo jubilo que irá no coração de todos ou quasi todos ao saudar a Princeza gentil que brevemente se apresentará em Portugal ao lado do seu esposo, o Príncipe Real.
Haverá assim por esse motivo festas brilhantes, em que os srs. ministros terão o seu logar, como é natural para quem está invertido em tão altos cargos da governação, concorrendo assim s. exas. para abrilhantar essas mesmas festas.
E coherentes com esse desejo de tornar mais luzido o real cortejo, os srs. ministros, ao passo que aggravam as taxas dos generos de primeira necessidade, não duvidam isentar de imposto o uso de brazões de armas nos vehiculos, naturalmente para que a nobreza antiga, nova e novíssima se possa apresentar n'essa occasião ostentando as suas hieraldicas insignias.
E é assim tambem que as perolas, que pela antiga pauta pagavam 1 por cento ad valorem, entrarão livremente d'ora em diante.
Ora, na verdade, o que mais urgia neste momento era tornar livre a importação de perolas, para assim poder adornar melhor e por menos preço os colos alabastrinos das damas que hão de figurar nas festas reaes! (Apoiados.)
Pela mesma fórma as geminas lapidadas e não lapidadas, que pagavam 1 por cento e 1/2 por cento ad valorem, tambem ficarão isentos d'ora em diante.
Não posso interpretar de outra fórma, que não seja o que acima refiro, o pensamento de alliviar do imposto objectos de luxo, pois o consideral-os como materia prima na industria da ourivesaria não me parece que fosse rasão bastante para os alliviar de imposto no momento actual.
Não creiam s. exas. que á familia real isso seja agradavel. (Apoiados.) Estou certo que por si os soberanos e os regios noivos prefeririam feitas menos brilhantes e o paiz mais contente e o contribuinte mais alliviado. (Apoiados.)
É pois indispensavel que o governo declare francamente se n'esta sessão se discute ou não o orçamento. (Apoiados.)
Como disse a principio, as economias resumem-se no que indiquei, e commentam-se pela fórma por que o fiz; porque pelo que diz respeito ás organisações de serviços realisadas ha pouco ou propostas agora, todas ellas são luxuosas, um exemplo entre outros. Existe uma classe de empregados nas alfândegas, a classe dos reverificadores, cujo vencimento era de 550$000 réis, aos quaes acresciam 178 por cento (em media de tres annos) de emolumentos, vindo perfazer por consequencia um vencimento de 1:500$000 réis, ou mais alguma cousa, acrescem ainda a este vencimento as gratificações por serviços extraordinarios, e os chamados emolumentos pessoaes; e n'este ponto creia a camara que muito teria que dizer, porque, apesar da reforma feita pelo sr. ministro da fazenda, continuam as queixas do commercio ácerca do serviço da alfandega, e essas queixas são tão instantes, que a associação commercial se julgou obrigada a pedir providencias immediatas aos poderes publicos para fazer cessar os incommodos que o commercio soffre.
Os empregados a que me refiro, alem de 1:500$000 réis, têem pois gratificações por serviços extraordinarios, e esses emolumentos pessoaes que consistem numa remuneração que se dá aos empregados pelo serviço que prestam antes e depois das horas do serviço normal, para poder haver maior rapidez nos despachos. Informam-me de que esses emolumentos chegam á importancia de 500$000 ou 600$000 réis, e ha mesmo quem diga que attingem cifra bem mais avultada. Assim um reverificador póde facilmente ganhar muito mais de 2:000$000 réis. Creio que é um bom vencimento. Pois é n'estas condições que o governo, sob pretexto de um parallelismo de quadros, e de igualar o dos reverificadores com o dos primeiros officiaes, nada encontra de mais urgente do que augmentar o vencimento d'aquelles funccionarios, elevando-os a 600$000 réis. Talvez pareça insignificante este augmento, mas lembro á camara que sobre elle recebem 173 por cento de emolumentos, o multiplicado tudo pelo numero de reverificadores, é certo que já se não torna indifferente o augmento de despeza, aliás inteiramente injustificavel, mas isto nada é em comparação com a proposta agora apresentada para a reforma das repartições de fazenda districtaes e concelhias e que é verdadeiramente extraordinaria.
No proprio momento em que se tenta pedir ao paiz os pesadíssimos impostos de que tratam as propostas do sr. ministro da fazenda, projectar tambem a creação do vinte e tres empregados novos, não se dizendo que vencem 1:100$000 réis annuaes de ordenados, mas sim modestamente 3$000 reis do gratificação por dia; quer dizer, propor assim do uma só vez o augmento de despeza de mais de 20:000$000 réis por anno, já é audacia! (Apoiados.)
E, como por outro lado se elevam os vencimentos dos primeiros officiaes e dos aspirantes de primeira e segunda classe, isto dá ainda proximamente outros 21:000$000 réis, ao todo perto de 50:000$000 réis.
Embora haja algumas attenuantes n'esta ultima verba, indicada pelo sr. ministro no seu relatorio, o que é verdade é que são perto de 50:000$000 reis de augmento de despeza! (Apoiados.)
É isto acceitavel, e isto moral, no momento era que se vão pedir novos tributos ao paiz?! (Apoiados.)
(Interrupção.)

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E á creação recente dos chancelleres no Havre e em Sevilha, diz-me o illustre deputado?
Que direi a tal respeito?
O augmento de despeza no ministerio dos negócios estrangeiros é de um anno para o outro de mais de réis 17:000$000. (Apoiados.)
São 5:000$000 réis para Berlim, é 1:000$000 réis para a Haya, é um 1:000$000 réis para Roma, tudo para luzimento e grandeza da nossa diplomacia; são as despezas com os consulados e seus respectivos chancelleres! (Apoiados.)
E é n'estas condições, é aggravando diariamente e pela fórma a mais superflua a despeza que o governo pensa ter auctoridade moral para pedir novos sacrifícios ao paiz? (Apoiados.}
Uma vos: - Isto não está em discussão.
O Orador: - Não está em discussão?! Pois já se não póde fazer uma pergunta ao governo e fundamentar a necessidade da resposta?! (Apoiados.}
(Susurro.)
O sr. Presidente: - Recommendo aos srs. deputados que se mantenham na ordem. Peço silencio.
O Orador: - Creio que o sr. ministro da fazenda talvez até julgasse fazer-me um favor especial com a apresentação d'esta proposta a que mais particularmente agora me referi, visto eu ter indicado na sessão passada a necessidade de reformar a repartição de fazenda.
E digo isto, porque se dá com os pedidos da opposição um caso muito notavel que vou citar.
Logo que a opposição propõe qualquer pequena reforma, o governo aproveita a occasião para augmentar a despeza, e depois vem affirmar ingenuamente que a culpa foi da opposição.
No anno passado deu-se o caso com o sr. Consiglieri Pedroso.
Lembrou s. exa. que devíamos ter uma certa attencio diplomática com a republica do Mexico.
E quando s. exa. imaginava que só daria apenas uma gratificação ao fuoccionario que fosse perante aquelle governo retribuir a cortesia que elle tivera para com o governo portuguez, o sr. ministro dos negocios estrangeiros vem propor audazmente que o ordenado do cavalheiro que representa Portugal nos Estados Unidos fosse augmentado permanentemente em mais de 2:000$000 réis?! (Apoiados.)
Eu mesmo pedi ha dias que se salvasse de uma ruína eminente um quadro precioso de Rubens.
Mas quando ouvi o sr. ministro do reino dizer-me em resposta que ia nomear uma commissão para viajar pelo paiz, examinando as preciosidades artísticas que ainda n'elle existem, agradeci em verdade a s. exa., mas de mim para mim, fiquei tremendo com o receio que as despezas que mais tarde se fizessem ficassem como que auctorisadas pelo meu pedido, isto é, a que se me reservasse a responsabilidade d'ellas.
A minha esperança única está no sr. ministro da justiça. Confio que s. exa. empenhará diligencias para que se salve o quadro, sem que isso importe sacrifício, que eu não podia ter em monte.
Dito isto, e esperando a resposta do governo á pergunta que hoje lhe dirijo, mando para a mesa o seguinte requerimento.
(Leu.)
Peço estes documentos, porque, segundo me consta, a reforma introduzida nesses serviços alfandegarios importa para o paiz, e isto vae ainda na ordem das minhas considerações, um augmento na respectiva despeza, que orça entre 40:000$000 réis e 50:000$000 réis, apesar de isto se ter por emquanto negado em todos os documentos officiaes.
Mas se vierem os documentos que agora peço, conto demonstrar á camara, que só essa parte da reforma do illustre ministro da fazenda importa num augmento de despeza effectiva que se eleva á quantia que ha pouco referi.
E a este respeito, não deixarei de dizer que no dia 8 de janeiro, faz hoje precisamente um mez, pedi pelo ministerio da fazenda uma serie de esclarecimentos, alguns dos quaes eram absolutamente elementares e de uma facilidade de coordenação extraordinaria para as repartições respectivas, como, por exemplo, o que dizia respeito á moeda de cobre cunhado na casa da moeda com destino para a Africa! Pois até hoje não recebi resposta senão a um d'esses pedidos de esclarecimentos, mandando-se-me alguns numeros da Gazeta das alfandegas; isto é, uns impressos que não revelam senão muito pouco do que eu havia pedido e reputava indispensável que viesse á camara, a fim de se poder pedir ao sr. ministro da fazenda conta dos seus actos.
Não me foi tambem remettida a nota dos empregados dos serviços da fiscalisação interna e externa reformados por s. exa., e da importância dos vencimentos dos emolumentos, que pela nova lei lhes são pagos á custa do thesouro. Este documento, que devia ser facilimo coordenar, e que deveria mesmo estar coordenado, ainda me não foi expedido! Que difficuldades póde haver para isso?
Não saberá s. exa. o motivo porque reformou esses empregados? Não conheceria nos termos da lei das suas idades respectivas; ignoraria o tempo de serviço na classe e se estavam ou não dentro das condições da lei quando auctorisou a reforma d'esses funccionarios?
Póde ser crivei que documentos desta ordem careçam de um mez para vir á camara? (Apoiados.) Pois é indispensavel que venham, mesmo porque no orçamento d'este anno apparece um augmento de despeza com reformados do ministerio da fazenda, calculado pelos vencimentos em 30:000$000 a 40:000$000 réis, mas nem uma palavra se diz dos emolumentos que percebem.
Os emolumentos, como receita do estado, vem calculados pela importancia de 146:000$000 réis, que renderam no anno passado, mas desses emolumentos hão de sair os 178 por cento sobre os vencimentos com que esses empregados foram aposentados!
No orçamento, porém, nada consta a esse respeito; é um algarismo de 60:000$000 réis que desapparece do orçamento, diminuindo assim em apparencia o deficit do anno!
Mas tudo isto, sr. presidente, não revela, a meu ver, senão a pouca ou nenhuma consideração que a camara está merecendo aos srs. ministros.
E quer a camara ver uma nova prova do que acabdo e dizer?
Por esta remodelação agora proposta do systema tributário, que tem um sem numero de artigos, que toca em todas as contribuições, e que, portanto, abrange muitas especialidades, apresenta-se-nos um projecto de lei, em dois artigos, approvando-se tudo em globo, e furtando-se assim o governo completamente á discussão da especialidade, numa proposta que envolve alterações, mais ou menos importantes, em todas as leis de contribuições!
Isto significa, porventura, respeito pela representação nacional?
Significa que no animo do governo lhe não merecemos absolutamente nenhum! (Muitos apoiados.)
N'estas condições era bem melhor dispensar os nossos serviços e governar o ministerio á sua vontade. Poupar-se-ía uma representação hypocrita e com ella os sacrifícios que d'ahi resultam para o paiz; mas se este gosta e julga dever sustentar o governo, estão s. exas. no seu direito! E justificar-se-ha o perseverarem no seu systema de administração.
Mando ainda para a mesa um outro requerimento.
(Leu.)
Ha pouco tempo, creio que o meu illustre amigo, o sr. Consiglieri Pedroso, um dos deputados mais intelligentes

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e mais estudiosos d'esta casa, (Apoiados.) e creio que com esta apreciação não faço senão manifestar o sentimento de toda a camara para com s. exa., (Apoiados.) pedia com instancia, e fundado em muito boas rabões, que não deixassem de ser remettidas á camara as actas das sessões do conselho geral das alfandegas, porque para apreciar a reforma das pautas, com um certo desenvolvimento, deveriam esses documentos constituir um grande e valioso auxilio.
Pois já vieram as actas do conselho geral das alfandegas, contribuem ellas extraordinariamente, em verdade, para avolumar o já de si volumoso relatorio do sr. ministro da fazenda; mas o que ellas não contêem são quaesquer dados ou esclarecimentos que esclareçam e dêem a rasão dos direitos propostos, porque todas essas actas estão redigidas pela fórma que a camara vae ver.
(Leu.)
E a esta menção singela das horas de abertura e encerramento, do nome do presidente e dos vogaes, do numero dos artigos passados em revista em cada sessão é que se chama uma acta! E são todas assim! E mereceram as honras de uma publicação!
Se porém n'algumas das sessões se tratou de algum assumpto que não dissesse respeito a pautas, então sim, então vem a acta mais desenvolvida; se se tratou, por exemplo, de um recurso para o conselho, trava-se discussão sobre o assumpto, dá-se mais ou menos noticia dessa discussão, e indicam-se, embora resumidamente, os motivos e as rasões que podiam ter imperado no animo dos vogaes do conselho para a sua final resolução; mas em se tratando de direitos a fixar, apenas sabemos que na sessão de tal houve larga discussão, que a sessão terminou alta noite, etc.
E não ponho em duvida que o conselho trabalhasse muito, com verdadeira actividade e conhecimento dos serviços publicos, faço-lhe essa justiça; mas não se nos diz uma palavra das rasões que imperaram no conselho, para introduzir muitas alterações na pauta, e algumas profundas; (Apoiados.) nem sequer nos apresenta um documento verdadeiramente elementar, indispensavel para facilitar a comparação entre os antigos direitos, taes quaes estavam fixados pela pauta, onerados com os addicionaes ad valorem e em geral com os novos direitos, para podermos ver, onde e como estes representam um augmento ou diminuição effectivos!
Ainda ha mais, o sr. ministro da fazenda, no seu relatório, não nos diz sequer uma única palavra ácerca do que póde vir a render para o estado este seu plano financeiro!
Nem uma só palavra!
Vamos votar impostos a esmo. (Apoiados.)
Comprehende se que na remodelação proposta dos impostos indirectos só por approximação se possa calcular; mas devia ter sido feita essa approximação!
Acerca da pauta, foram conhecidas pela estatística as quantidades dos artigos despachados nos últimos ânuos; não se poderia, applicando-se os novos direitos, saber o augmento de receita que deva provir da sua alteração?!
São estes elementos indispensaveis e que só furtaram á apreciação d'esta camara, e digo furtaram, porque sei que existem, porque aquella corporação, o conselho superior das alfandegas, é bastante illustrada, e não podia deixar de colligir taes documentos, que são indispensaveis para se tratar d'estes assumptos.
Ora o que peco agora por este meu requerimento é que esses documentos sejam enviados á camara; e agora só me resta para concluir affirmar ao governo que tanto eu como todos os meus collegas da opposição havemos de perseverar no cumprimento do dever de o obrigar por todos os meios a restringir a despeza, a não caminhar por esta fórma, sem o que acabará por levantar o paiz. E se este um dia acordar do lethargo em que tem vivido, talvez seja muito severa a lição, que o governo e todos nós tenhamos de soffrer.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Justiça (Manuel da Assumpção): - (S. exa. não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)
O sr. Presidente: - A hora está muito adiantada, e portanto vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Consiglieri Pedroso: - V. exa. dá-me licença que eu leia e mande para a mesa um projecto de lei?
O sr. Presidente: - Sim senhor.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Em resposta às palavras proferidas ha pouco pelo sr. ministro do reino, mando para a mesa o seguinte projecto de lei.
(Leu.)
Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Eleição de commissões

O sr. Presidente: - Vae proceder-se á eleição da commissão de guerra e de marinha, e convido para escrutinadores os srs. Fuschini e Neves Carneiro.
O sr. Scarnichia: - Requeiro a v. exa. que consulto a camara sobre se consente que a commissão de marinha seja composta de 13 membros em vez de 11.
Assim se resolveu.
Feita a chamada e corrido o escrutínio, verificou-se terem entrado na urna para a eleição da commissão de guerra 52 listas, e saíram eleitos os srs.:

Antonio Augusto Barjona de Freitas, com .... 52 votos
Antonio Joaquim da Fonseca .... 52 votos
Sebastião Dantas Sousa Baracho .... 52 votos
Caetano Pereira Sanches do Castro .... 52 votos
Cypriano Leite Pereira Jardim .... 52 votos
José Alves Pimenta de Avellar Machado .... 52 votos
José Gregorio Figueiredo Mascarenhas .... 52 votos
Thomás Frederico Pereira Bastos .... 52 votos
José Maria Borges .... 52 votos
Antonio Manuel da Cunha Bellem .... 51 votos
José da Gama Lobo Lamare .... 51 votos

Corrido o escrutinio para a eleição da commissão de marinha, verificou-se terem entrado na urna 52 listas, ficando eleitos os srs.:

Arthur Urbano Monteiro de Castro, com .... 52 votos
Henrique da Cunha Matos Mendia .... 52 votos
Joaquim José Alves .... 52 votos
José Maria Borges .... 52 votos
Pedro Guilherme dos Santos Diniz .... 52 votos
Sebastião Rodrigues Barbosa Centena .... 52 votos
Luciano Cordeiro .... 52 votos
Antonio Joaquim da Fonseca .... 51 votos
José Bento Ferreira de Almeida .... 51 votos
José da Gama Lobo Lamare .... 51 votos
Tito Augusto de Carvalho .... 51 votos
João Eduardo Scarnichia .... 50 votos
Antonio Manuel da Cunha Bellem .... 49 votos

O sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 1.° do projecto de lei n.° 5.
O sr. Elvino de Brito: - (O discurso do sr. deputado será pullicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Franco Castello Branco: - (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

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408 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. ministro da justiça (Manuel d'Assumpção) na sessão de 6 de fevereiro e que devia ler-se a pag. 337, col. 2.ª

O sr. Ministro da Justiça (Manuel d'Assumpção): - Principiarei agradecendo a honra que os illustres deputados me têem feito, discutindo a minha proposta de modo a convencer que ella mereceu a sua attenção e estudo, o que é sempre uma prova de deferencia, com a qual me sinto profundamente reconhecido. Em seguida direi o fim que tive era vista com esta proposta.
O meu fim é fechar de vez a prisão civil de Lisboa, conhecida pelo nome de Limoeiro, arrancando de lá até o ultimo dos desgraçados que infelizmente ali esteja.
Fui ver aquella prisão; saí transido de horror; é medonha, é uma vergonha, não póde, de modo nenhum, conservar-se tal estabelecimento por mais tempo em Lisboa. Hei de empenhar todas as minhas forças para collocar aquella casa em condições de não servir mais para prisão. E este o fim do projecto, não tenho outro. Lancei mão do expediente que forma o assumpto da proposta, por ser o que se me afigura mais prompto; pois estava em, frente de uma questão de urgencia, inadiavel. Não descanso emquanto não realisar esta idéa: acabar com o Limoeiro.
Hei de conseguil o, atravez de tudo, e creia v. exa., que neste empenho conto com a boa vontade de todos os lados da camara. (Apoiados.)
A proposta que se discute é uma medida provisória, perfeitamente provisoria.
Não quero aproveitar a cadeia geral penitenciaria para uma cadeia de prisco preventiva permanente; lancei mão d'ella porque, tendo perto de quinhentas cellas disponíveis, estava de molde tolhada para só aproveitar n'este expediente. Posso fazel-o? Posso. Que duvida ha n'isto? Se agora, n'este instante, chegasse á camara a noticia de que um incendio estava devorando aquelle inferno que se chama «Limoeiro», a camara lembrava-se logo de que se transportassem immediatamente os presos para a prisão que estava disponível, a penitenciaria; era uma medida provisoria mas indispensavel.
Não trago para este fim outras propostas ao parlamento, porque não preciso d'ellas; a unica medida que carecia de sancção legislativa era esta; as outras a adoptar estão, umas nas attribuições do poder executivo, outras pertencem ao poder moderador.
Por isso só esta vem ao parlamento, porque só para esta preciso de auctorisação legislativa.
Não confunde, de modo nenhum, a prisão preventiva com a prisão penal; conheço a differença que as separa, mas não é a casa que a determina; no mesmo estabelecimento, na mesma casa, e nas condirdes em que está a penitenciaria, podem existir, ao mesmo tempo, presos obrigados a prisão penal, e presos sujeitos a prisão preventiva: a differença consiste só no regimen a applicar a uns e a outros.
Sei que a prisão preventiva não dá direito de exigir do indiciado, do suspeito, outra cousa mais do que ficar em segurança para responder pelo delicto de que é accusado e que não tenha convivencia criminosa, que o empeiore ou vá corromper os outros. (Apoiados.)
Eu sou partidario da absoluta separação entre os criminosos na prisão, pois que da promiscuidade não advem senão desavantagens e perigos. (Apoiados.)
O regimen estabelecido pela lei de 1867 para a prisão preventiva é uma necessidade social, e tendo eu um estabelecimento em que posso de prompto applical-o, aproveito-o provisoriamente.
E digo provisoriamente, porque o meu plano é mais vasto, e só o tempo mo permittir, se o apoio do parlamento me não faltar, hei de esforçar-me para realisar tambem o voto d'aquelle piedoso monarcha, que queria ver extincta essa outra vergonha que existe na segunda cidade do reino, e que se chama cadeia da relação. (Apoiados.)
Creia a camara que para isso preciso de pouco tempo. E o dia em que se fecharem de vez as portas da cadeia do Limoeiro, é dia para mim de grande satisfação. Descanso tranquillo, convencido de que fiz alguma cousa.
Poucas pessoas vêem o Limoeiro por dentro. Eu vi-lhe á porta a inscripção do que o Dante gravou na porta do inferno, porque elle é um verdadeiro inferno. (Apoiados.) Ali ha o ranger dos dentes de todos os desesperos. Ali não entra, com a restea da luz coada pelos ferros, um raio de esperança. Ha toda a tortura, desde o vicio mais hediondo até á maior das miserias. Estão amontoados aquelles desgraçados... criminosos? Sim, criminosos, mas são homens. ( Vozes: - Muito bem.)
Ha muita gente que, na serenidade do seu viver, não sente nem escuta as vozes doloridas dos infelizes que uma vez encontram no caminho do abysmo, onde baquearam; voltam tranquillos as costas e vão passando! (Apoiados.) Eu não. Quanto mais desgraçados, mais miseráveis, mais pobres são os que soffrem, mais os brados de angustia vem echoar no meu coração. (Vozes: - Muito bem.)
Se os illustres deputados vissem aquelles pobres, miseráveis, immundos, esfarrapados, na lama das enxovias, ás vezes sem uma enxerga para se deitarem, dormindo noa lagedos sem uma manta para se cobrirem! E isto passa-se em Lisboa! (Vozes: - Muito bem.)
Não! Hei de acabar com aquella casa, ou hei de sair d'aqui. (Muitos apoiados.) Mas hei de baquear empenhado n'esta obra. (Vozes: - Muito bem.)
(Pausa.)
Tudo quanto os illustres deputados têem objectado são considerações muito sensatas, mas têem o defeito de que umas provam de mais e outras em nada se referem a este assumpto.
Provam de mais todas as que se fundam na capacidade da penitenciaria. Este argumento tinha de se applicar tambem ao systema que lá se está seguindo com presos já condemnados.
Se temos 300 condemnações por anno, a penitenciaria não chega para dois annos. Comtudo desde 15 de janeiro que está aberta, e lá estão 97 réus apenas.
Hei de ter a honra de apresentar á camara outras medidas, e entre estas trarei dentro em pouco uma proposta sobre fianças. Não me esqueci d'ella. Não a trouxe já porque o meu systema é trazer as propostas só quando poderem ser discutidas.
Para a laborarão dessa proposta aproveitei os trabalhos dos srs. Luciano de Castro, Alves da Fonseca e Julio de Vihena, assim como as doutrinas do meu particular amigo, o sr. Lopo Vaz.
Tambem tenho ouvido sobre este assumpto a opinião de magistrados distinctos, que fazem parte d'esta camara. Acceito a doutrina do sr. Beirão sobre este ponto, folgando desde já por ter para me defender essa proposta um tão strenuo, habil e auctorisado adversario. (Apoiados.)
Augmenta-se provisoriamente a despeza com mais dez guardas na cadeia penitenciaria, mas este augmento é só emquanto estiverem ali retidos os indiciados, e diminue igualmente no Limoeiro.
Disse o illustre deputado, o sr. Eduardo Coelho, que este projecto não é um projecto político, e é verdade. É apresentado em boa fé e consciencia. (Apoiados.) Quando digo

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SESSÃO DE 8 DE FEVEREIRO DE 1886 409

a s. exa. e á camara que o meu unico fim é fechar o Limoeiro, é porque quero fechal o, e não tenho outro intento.
É uma medida provisoria, mas tem um fim que me parece justo e piedodo. (Apoiados.) Não vejo que na sua impugnação tenham sido apresentados argumentos convincentes a que haja necessidade de responder.
É a primeira proposta de uma serie de medidas que hei de apresentar ao parlamento para poder realisar o meu trabalho especial n'esta sessão, que ha de ser - fechar em Lisboa o Limoeiro, e cumprir o voto de D. Pedro V acabando com a cadeia da relação do Porto.

Vozes: - Muito bem.

Redactor = S. Rego.

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