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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

de rendimento do minimo actual do fundo de alienados, os 1:000 contos réis que estão na posse do Estado e lhe não pertencem; são 29 contos de réis da parte que os alienados teem no rendimento das lotarias, calculado pelo ultimo anno; são 16 contos de réis do sêllo dos passaportes, calculando que a lei de 25 de abril de 1907, que soi-disant aboliu os passaportes, reduziu o numero d'elles a dois terços, visto que continuam a ser exigidos para os emigrantes, taes como os define aquella lei; são 8 contos de réis provenientes dos trabalhos dos presos na Penitenciaria de Lisboa; são 12 contos de réis derivados das multiplas outras fontes de receita da lei de 4 de julho de 1889; são finalmente 15 contos de réis calculados das novas fontes de receita criadas pelo presente projecto.

Este projecto vae assim na esteira da lei de Antonio Maria de Senna, mas segue muito alem d'ella pela criação de uma junta de protecção dos alienados que entre outras funcções adeante explanadas será a garantia de que os rendimentos dos alienados não mais serão desviados. E ao passo que provê a uma mais ampla assistencia, torna-a mais economica ao mesmo tempo que mais efficaz.

Estamos com effeito chegados a um tempo em que estes dois termos se conciliam, por mais que pareçam inconciliaveis. Nos países civilizados da Europa, a tendencia é geral a fazer a assistencia de alienados inoffensivos fora dos hospitaes especiaes. Na Belgica, na Escocia, em França, na Hollanda e sobretudo na Allemanha cada vez mais se expande o tratamento domiciliario dos alienados e as colonias familiaes multiplicam-se. No primeiro desses países, que é o berço da assistencia colonial, havia nos ultimos annos cerca de 2:353 doentes tratados em famílias, em Ghell e em Lierneux; na Escocia, os alienados assim assistidos subiam em 1903 a 2:658, ou sejam 19 por cento dos alienados a cargo, do Estado; em França as colonias de Ainay-le-Château e Dun-sur-Auron com suas sub-colonias tinham em 1903-1904 nada menos de 1:858 doentes; finalmente na Allemanha, em 1903, o numero de colonias, algumas d'ellas muito antigas, como Rockwinkel, subia a trinta e tres, installando-se milhares de alienados, e outras havia em formação.

Os resultados alcançados com as colonias são excellentes: as condições hygienicas melhoram e assim a mortalidade diminue, a vida dos doentes torna-se mais variada, muitos mesmo se interessam pelos trabalhos em que se occupam, e assim aumenta o seu bem estar, e finalmente não deixa de haver um certo grau de curabilidade, embora se trate de alienados pela maior parte incuraveis. Tudo isto é incontestavel, como incontestavel é a economia nas despesas de tratamento. Em França, por exemplo, onde se paga 1,10 franco por dia e doente á família que a este hospeda, a despesa total eleva-se a 1 fr. 50, emquanto que com o tratamento nos asylos do Sena sobe a 2 fr. 57. A questão toda é de saber em que extensão o systema é applicavel nas populações campesinas do nosso país. Mas, ainda suppondo que os resultados não sejam tão brilhantes como lá fora, o presente projecto de lei permitte attenuar a difficuldade pela criação de hospitaes districtaes, que se prevê.

A junta de protecção dos alienados, que se constituo pelo presente projecto, não se destina, porem, só á administração do fundo criado pela lei de 4 de julho de 1899, agora liquidado para o momento presente e para o futuro ampliado por este projecto, não só tambem ao alargamento da assistência aos alienados pobres, mas ainda a outros dois fins que hoje estão de todo abandonados pela legislação. Um d'elles é a fiscalização de todo o serviço de alienados, publico ou particular, e consequentemente a vigilancia pelos interesses physicos, moraes e materiaes dos doentes; o outro são as garantias que á liberdade individual muito cuidadosamente se estabelecem neste projecto.

Actualmente, quem quer que seja pode fundar um estabelecimento para receber e deter alienados, e de facto alguns ha em pleno funccionamento, sem que da parte do Estado haja a devida fiscalização. Os doentes podem ser bem ou mal tratados, entre elles poderá haver pessoas de espirito são, indevidamente retidas, que ninguém se inquietará, porque o Estado nunca pensou numa fiscalização como existe em França, na Inglaterra, e noutros países. Impõe-se esta fiscalização technica que por ninguem podem ser melhor exercida que por uma reunião de medicos e - advogados - o inspector geral e os visitantes do presente projecto.

Mas esta protecção do Estado deve ainda ir mais longe, porque os interesses materiaes dos alienados, desprovidos hoje de qualquer vigilância do Estado, muitas vezes abandonados a terceiros que com elles se locupletam, carecem de protecção.

Estabelece-se esta protecção de modo differente conforme a fortuna dos doentes: se se trata de um rendimento igual ou inferior a 300$000 annuaes temos fortunas pequenas que não devem mover toda a engrenagem judicial para uma interdição e que não devem ficar oneradas com as despesas inevitaveis de um processo. Taes fortunas, em regra, ficam hoje ao abandono, ao passo que são garantidas pelo presente projecto, que as põe sob a tutela da Junta, que mediata ou immediatamente as administrará. É claro que esta interferencia da Junta não pode ir alem dos alienados hospitalizados ou por outro modo internados.

As fortunas superiores R um rendimento annual de réis 300$000 ficam hoje, por grande parte, em igual abandono. A uma as famílias difficilmente se resolvem á um processo de interdição do seu doente e quantos destes se não teem visto, sobretudo nas phases iniciaes do seu mal, arruinar-se por completo deitando dinheiro pelas janelas ou fazendo contratos em que os exploram. São as famílias que por um pudor mal entendido não querem confessar o estado de loucura de um dos seus. Outras ha, famílias legitimas ou illegitimas, a quem convém a liberdade do seu doente, ainda que não seja senão para lhe arrancarem um testamento, quando não succede que já em vida o vão sugando desalmadamente. Parece que para salvaguarda dos interesses dos alienados e dos seus legítimos herdeiros o Estado devia intervir: pois bem, não intervém, segundo o disposto no artigo 316.°, § 2.° do Codigo Civil, senão quando o alienado é furioso ou quando tem filhos menores. Como é que a fúria torna mais periclitante a fortuna do alienado ou como a menoridade dos filhos influe na ruína do doente, é cousa incomprehensivel. O presente projecto determina a intervenção do Estado para todos os casos que estamos agora considerando. A interdição é promovida pelo Ministerio Publico quando a família do doente não o tenha feito.

Pelo presente projecto, uma das consequências da interdição é a vigilancia exercida, pela Junta de protecção dos alienados sobre os interesses do doente, o seu bem estar, as condições do seu tratamento, etc., e daqui a justificação da nova verba que entra no fundo de beneficência dos alienados, representada por uma percentagem com que dos seus rendimentos o doente contribue para aquelle fundo. É uma adaptação da admiravel lei inglesa em vigor, da qual se tiraram as mesmas percentagens.

A outra funcção da Junta é a salvaguarda da liberdade individual, já muito garantida neste projecto por todas as disposições que asseguram a legitimidade de um internamento em casa de saude ou hospital de alienados. Como hoje estão as cousas, nada mais facil do que sequestrações arbitrarias. Mercê de cumplicidades que sé podem facilmente adquirir, o internamento de uma pessoa de espirito são é cousa que não offerece difficuldades. E a detenção indefinida de um cidadão nestas circunstancias numa casa de alienados não depende senão de quem