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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

24.ª SESSÃO

EM 20 DE ABRIL DE 1909

SUMMARIO.- É lida a acta, e os Srs. Sergio de Castro e Sousa Tavares fazem declarações de voto.- É approvada a acta e dá-se conta do expediente.- Tem segunda leitura uma proposta e um projecto de lei, que são admittidos e enviados às commissões respectivas.- O Sr. Hintze Ribeiro faz diversas considerações sobre a nomeação de uma commissão destinada a estudar a applicação de torpedos, respondendo-lhe o Sr. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra (Sebastião Telles).- O Sr. Antonio Cabral dá explicações á Camara de alguns dos seus actos como Ministro da Marinha.- Varios Srs. Deputados enviam documentos para a mesa.

Ordem do dia, primeira parte, resolução da crise politica.- Usa da palavra, concluindo o seu discurso, principiado na sessão anterior, o Sr. Claro da Ricca.

Ordem do dia, segunda parte: Resposta ao Discurso da Coroa.- Fala sobre o projecto, combatendo-o, o Sr. Pereira dos Santos.- O Sr. Ministro da Marinha (Azevedo Coutinho) manda para a mesa o telegramma contendo o texto do tratado de Lourenço Marques com o Transvaal - O Sr. Affonso Costa requer e a Camara approva que este documento seja publicado no dia immediato no Diario do Governo.

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Presidencia do Exmo. Sr. José Joaquim Mendes Leal

Secretarios os Exmos. Srs.:

Primeira chamada - Ás 2 horas e 20 minutos.

Presentes - 8 Srs. Deputados.

Segunda chamada - Ás 2 horas 45 minutos da tarde.

Abertura da sessão - Ás 3 horas.

Presentes - 55 Srs. Deputados.

São os seguintes: Abel de Mattos Abreu, Abel Pereira de Andrade, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alexandre Correia Telles de Araujo e Albuquerque, Alfredo Carlos Le Cocq, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amadeu de Magalhães Infante de La Cerda, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio de Almeida Pinto da Motta, Antonio Alves de Oliveira Guimarães, Antonio Augusto Pereira Cardoso, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Hintze Ribeiro, Antonio Macedo Ramalho Ortigão, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Sérgio da Silva e Castro, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Aurélio Cinto Tavares Osorio Castello Branco, Carlos Augusto Ferreira, Christiano José de Senna Barcellos, Conde de Azevedo, Duarte Gustavo de Reboredo Sampaio e Mello, Fernando de Almeida Loureiro e Vasconcellos, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique de Mello Archer da Silva, João Augusto Pereira, João Ignacio de Araujo Lima, João Joaquim Isidro dos Reis, João José Sinel de Cordes, João de Sousa Calvet de Magalhães, João de Sousa Tavares, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim José Pimenta Tello, José Cabral Correia do Amaral, José Caeiro da Matta, José Estevam de Vasconcellos, José Joaquim Mendes Leal, José Joaquim da Silva Amado, José Malheiro Reymao, José Maria Joaquim Tavares, José Maria de Oliveira Simões, José Mathias Nunes, José Osorio da Gama e Castro, José Ribeiro da Cunha, José dos Santos Pereira Jardim, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Manuel de Brito Camacho, Manuel Joaquim Fratel, Manuel Telles de Vasconcellos, Matheus Augusto Ribeiro de Sampaio, Rodrigo Affonso Pequito, Sabino Maria Teixeira Coelho, Visconde de Ollivã.

Entraram durante a sessão os Srs.: Affonso Augusto da Costa, Alfredo Pereira, Anselmo Augusto Vieira, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Centeno, Antonio Duarte Ramada Curto, Antonio José Garcia Guerreiro, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Zeferino Candido da Piedade, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto João José Sinel de Cordes João Pereira de Magalhães
de Castro Sampaio Corte Real, Conde da Arrochella, Conde de Castro e Solla, Conde de Mangualde, Conde de Paçô-Vieira, Conde de Penha Garcia, Diogo Domingues Peres, Eduardo Frederico Schwalbach Lucci, Eduardo Valerio Augusto Villaça, Emygdio Lino da Silva Junior, Ernesto Julio de Carvalho e Vasconcellos, Fernando de Sousa Botelho e Mello (D.), Francisco Miranda da Costa Lobo, Francisco Xavier Correia Mendes, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, João Carlos de Mello Barreto, João Duarte de Menezes, João Henrique Ulrich, João Pereira de Magalhães, João Pinto Rodrigues dos Santos, João Soares Branco, Joaquim Anselmo da Matta Oliveira, Joaquim Mattoso da Camara, Jorge Vieira, José de Ascensão Guimarães, José Augusto Moreira de Almeida, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Jeronimo Rodrigues Monteiro, José Julio Vieira Ramos, José Maria Cordeiro de Sousa, José Maria de Moura Barata Feio Terenas, José Maria de Queiroz Velloso, José Paulo Monteiro Cancella, Luis Vaz de Carvalho Crespo, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Nunes da Silva, Mario Augusto de Miranda Monteiro, Miguel Augusto Bombarda, Paulo de Barros Pinto Osorio, Roberto da Cunha Baptista, Thomaz de Almeida Manuel de Vilhena (D.). Thomaz de Aqnino de Almeida Garrett, Vicente de Moura Coutinho de Almeida dEça, Visconde de Coruche, Visconde da Torre, Visconde de Villa Moura.

Não compareceram á sessão os Srs.: Abilio Augusto de Madureira Beça, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alberto Pinheiro Torres, Alexandre Braga, Álvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Alvaro Rodrigues Valldez Penalva, Antonio Alberto Charulla Pessanha, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Bellard da Fonseca, Antonio José, de Almeida, Antonio Rodrigues da Costa Silveira, Antonio Tavares Festas, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Eduardo Burnay, Ernesto Jardim de Vilhena, Fernando Augusto Miranda Martins de Carvalho, Francisco Cabral Metello, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Henrique de Carvalho Nunes da Silva Anachoreta, João do Canto e Castro Silva Antunes, João Correia Botelho Castello Branco, João Feliciano Marques Pereira, João José da Silva Ferreira Netto, Joaquim Pedro Martins, José Antonio Alves Ferreira Lemos Junior, José Antonio da Rocha Lousa, José Bento da Rocha e Mello, José Caetano Rebello, José Francisco Teixeira de Azevedo, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria Pereira de Lima, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luis Filippe de Castro (D.), Luis da Gama, Manuel Affonso da Silva Espregueira, Manuel Francisco de Vargas, Manuel de Sousa Avides, Mariano José da Silva Prezado, Visconde de Reguengo (Jorge).

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SESSÃO N.° 24 DE 20 DE ABRIL DE 1909 3

ABERTURA DA SESSÃO - Ás 3 horas da tarde

Le-se a acta.

O Sr. Presidente: - Está em reclamação, a acta.

O Sr. Sergio de Castro: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que se estivesse presente na sessão de hontem, quando se votou a moção de ordem do Sr. Deputado Brito Camacho, que julgava ruinoso o emprestimo de 4:000 contos, a teria approvado. = O Deputado, Sergio de Castro.

Para a acta.

O Sr. Sousa Tavares: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração de voto

Declaro que, se estivesse na sessão de hontem quando se votou a moção de ordem do Sr. Deputado Brito Camacho, que julga ruinoso o emprestimo de 4:000 contos, a teria approvado. = O Deputado, Sousa Tavares.

Para a acta.

Foi approvada a acta.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio do Reino, remettendo copia do processo que collocou no lyceu de Coimbra o professor do lyceu de Santarem, Alfredo Pereira Barreto Barbosa, satisfazendo assim ao requerimento do Sr. Deputado Henrique de Mello Archer da Silva.

Para a secretaria.

Da Direcção Geral da Secretaria da Camara dos Senhores Deputados, informando que no livro dos registos de entrada d'esta repartição não se encontram mencionadas quaesquer representações da Associação Commercial de Lisboa referentes aos assuntos indicados no requerimento que o Sr. Deputado João Duarte de Menezes apresentou á Camara na sessão de 17 do corrente mês.

Para ser enviada copia ao Sr. Deputado requerente.

Segunda leitura

Proposta

Tendo-se suscitado duvidas sobre se a doutrina do artigo 142.° do regimento d'esta Camara e applicavel á consulta que me e facultada pela ultima parte do § unico do artigo 62.° do mesmo regimento: proponho que a commissão do regimento e disciplina de o seu parecer sobre a applicacão que, porventura, possa ter o consignado no artigo 142.° do regimento às consultas feitas á Camara no uso da faculdade que me confere a ultima parte do § unico do artigo 62.° do citado regulamento. = O Presidente da Camara, Mendes Leal.

Foi admittida e enviada á commissão do regimento e disciplina.

Projecto de lei

No ponto de vista das sociedades modernas, e dever do Estado a protecção das crianças e dos alienados. É mesmo o unico dever de protecção que do Estado possa ser reclamado. Hoje que os agrupamentos de homens se figuram governando-se a si mesmos e na pratica se procura cada vez mais attingir este ideal, que é o governo do povo pelo povo, a velha ideia do estado paternal não abrange mais que essas duas categorias de criaturas humanas. O cerebro ainda invalidado de umas, o cerebro invalido das outras, não as deixa constituirem-se em unidades sociaes de momento e portanto serem participos activos do movimento social. Mas precisamente porque são as unidades sociaes de amanhã, aquellas por que o seu cerebro se validará com o natural desenvolvimento, estas porque o seu cerebro se poderá revalidar com adequado tratamento, a umas e a outras corre ao Estado o mais estricto dever de protecção. O Estado tem obrigação de velar pelo desenvolvimento physico, moral e intellectual da criança, porque a criança mais lhe pertence do que ao proprio pae, em toda a extensão em que o interesse da communidade sobrepuja ao interesse da familia e do indivíduo, e em toda a extensão em que e obrigação da sociedade actuar, cultivar e preparar a sociedade que lhe ha de succeder. Igualmente para o alienado: segregado hoje da vida social, mas podendo amanhã ser unidade igual às outras que no seu mutuo entrelaçamento dão á vida de uma sociedade, o alienado tem o direito, em nome de todos, de exigir do Estado que. vele pela revalidação da sua saude mental e ainda pela defesa dos seus interesses materiaes, pelo muito que estes representam de valorização para o homem em sociedade.

Num agglomerado humano que se constituísse á luz da sciencia moderna, estes princípios seriam axiomáticos. Na pratica, porem das sociedades actuaes estão longe de exacta applicacão. A criança ainda muito de mais pertence ao pae; aqui ou ali, e facto, o Estado tem intervindo para coarctar o poder paternal, mas em pontos restrictos embora de largo alcance, como e o das leis reguladoras do ensino. Com os alienados não succede assim. Seja tacita ou expressamente, seja com intuitos de philantropia ou no puro utilitarismo social, os países civilizados teem estendido os seus poderes de protecção ao maior numero possível dos seus alienados, organizando-lhes uma assistencia ampla, efficaz, chegando mesmo ate ao luxo nas nações que estão na vanguarda da civilização - Allemanha, Inglaterra e Estados Unidos.

A assistencia publica dos alienados em Portugal, essa e que roça pela miseria.

Para citar somente alguns exemplos, ahi vemos a Allemanha que, tem estendido a sua hospitalização especial a uma enorme percentagem dos seus alienados. Em 1898 havia nesse pais 142 hospitaes publicos de doidos abrangendo uma população de 55:877 doentes, socoorridos por nada menos que 559 medicos,- sem contar as 120 casas particulares com o mesmo destino, abrigando 18:210 doentes tratados por 182 medicos. Quer dizer, limitada a apreciação aos estabelecimentos de indigentes, 1 alienado hospitalizado por 945 habitantes. Ora, dada a differença de populações, a Allemanha com os seus 52.279:901 habitantes, Portugal com os seus 5.428:659, o nosso país, para que a sua assistencia fosse tão ampla como o era a germanica em 1898,- hoje ainda alargada com a multiplicação das colonias familiaes, - deveria possuir 14 hospitaes servindo ao tratamento de 5:802 enfermos. Ora, a verdade e que apenas possuímos 2 manicomios publicos, e ainda assim um delles devido á generosidade de um philantropo, tendo logar apenas para 1:160 alienados (750 em Rilhafolles, 410 no Conde de, Ferreira), o que reduz a hospitalização de alienados em.. Portugal a 1 para 4:679 habitantes. Se se juntar o pequeno hospital do Funchal com as suas 22 camas, a proporção sobe apenas a 1 para 4:592.

A nossa hospitalização de doidos e assim nada menos que cinco vezes inferior á allemã. Mas ainda e mais inferior á de outros estados. O estado de Nova York, com

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uma população de 7.268:000 habitantes, fazia em 1897 a hospitalização dos seus alienados indigentes em 11 estabelecimentos publicos, com uma população media de 20:843 doentes, o que dá a proporção de 1 alienado hospitalizado para 348 habitantes. Na Inglaterra e país de Galles, em 1894, hospitalizavam-se 109:277 alienados indigentes, o que indica, para uma população de 32.680:000 habitantes, uma proporção de 1 para 299. Ainda mais alto sobe a proporção quando apenas apreciamos o que se passa na cidade de Londres: aqui, só ao cuidado do Count Council, hospitalizavam-se em 1904 uma media de 23:948 doidos indigentes, quer dizer, para uma população de 4.600:000, 1 alienado para 192 habitantes, isto é, 24 vezes mais que em Portugal.

Assoberbam numeros destes e ainda mais assoberba a grandeza da hospitalização. E preciso ter visto para se ficar conhecendo o que é a riqueza das installações hospitalares, a abundancia de soccorros ministrados, o verdadeiro luxo - como entre nós se não encontra em casas remediadas - que na Allemanha, em Nova York e em Londres são materia corrente e fazem a maravilha de quem lhes visita os manicomios. Quem o não tiver visto nunca o poderá acreditar. Apenas começará a entrar a convicção quando se saiba que a assistencia dos alienados de Nova York custou em 1897 nada menos que 4:940 contos de réis (dollar a 900 réis), nos quaes entrou a dotação do f Estado por perto de 4:000 contos (exactamente 3:931). É simplesmente para assombro quando pensamos que a população do estado de Nova York pouco superior é á população de Portugal, - e quando pensamos ainda que o Estado portugues, incluindo municípios, não despende com alienados quantia superior a uns 80 ou 90 contos por anno, 50 vezes menos que aquelle estado da America. E talvez não attinja metade d'esta verba a parte que pertence ao Estado!

Ideaes d'estes estão acima dos mais atrevidos sonhos de prosperidade patria. Mas tambem o que temos está abaixo da mais modesta mediania e, ai de nós, abaixo da mais elementar honestidade. Vae para vinte annos alguma cousa se tentou fazer em favor dos alienados. Foi com a lei de 4 de julho de 1889, conhecida pela lei de Antonio Maria de Senna, em que se criavam multiplas fontes de receita e se alargava a hospitalização dos alienados, pela construcção de novos estabelecimentos, - um hospital em Lisboa para 600 alienados, outro para 300 em Coimbra, um terceiro para 200 na Ilha de S. Miguel, um asylo para 200 idiotas no Porto, enfermarias annexas às penitenciarias centraes. Mas essa lei nunca foi cumprida senão para a arrecadação das receitas; as obrigações correspondentes jamais tiveram começo sequer de execução.

A lei de 4 de julho de 1889 criou um fundo de beneficencia publica dos alienados constituído por:

1.° Um imposto especial de sello, cuja importancia será respectivamente de 4#500, 15$000, 12$000 e 1.$000 réis, sobre os documentos seguintes:

a) Breves ou diplomas de dispensa para casamento entre consanguíneos;

b) Diplomas de títulos nobiliarios:

c) Licenças para casas de penhores;

d) Orçamentos de todas as irmandades e confrarias, e bem assim estatutos de todas as associações sujeitas á approvação do governador civil, não sendo comprehendidos nesta disposição os orçamentos das misericordias, e ainda os orçamentos annuaes inferiores a 50$000 réis de receita das irmandades, confrarias, asylos e outros estabelecimentos desta natureza.

2.° Um imposto especial de sello igual ao estipulado nas verbas n.ºs 152 a 172 da tabella de 26 de novembro de 1885 e recaindo sobre os mesmos actos e documentos de que tratam as citadas verbas n.ºs 152 a 172.

3.° 50 por cento da parte do imposto de sello sobre lotarias estrangeiras que o Thesouro arrecadar, alem do producto dessa receita no anno economico de 1887-1888, e bem assim metade do excesso do producto do mesmo imposto nas lotarias nacionaes sobre a arrecadação do dito imposto no anno de 1887-1888.

4.° Todos os valores apprehendidos nos termos da legislação vigente nas casas de jogos prohibidos.

5.° Metade dos bens dos conventos que se extinguirem depois da promulgação desta lei.

6.° Uma terça parte do producto dos trabalhos dos presos que por lei vigente pertence ao Estado.

A quanto monta hoje o fundo de beneficencia dos alienados é impossível saber. Os Governos teem-no occultado, mesmo ao Parlamento, por onde teem passado requerimentos a pedir informação. Mas o que é certíssimo é que esse fundo deve hoje estar numa quantia verdadeiramente colossal para o nosso país. Só o rendimento de duas verbas, 1$000 réis por cada passaporte, metade do excesso, em relação a 1887-1888, do imposto do sello sobre as lotarias nacionaes, vae-nos deixar attonitos.

A estatística de emigração dá, nos annos de 1890 a 1905, os numeros da seguinte tabella, que vae addicionada com os annos de 1906 a 1908 calculado cada um na media nos ultimos dez annos anteriores:

[Ver tabela na imagem]

Ora, sabido que cada passaporte leva o sello do fundo dos alienados na importancia de 10$000 réis, achamos que o Estado tem arrecadado nos ultimos 19 annos uma somma que se eleva a juros simples de 6 por cento a réis 78:240$000 réis e calculando-se juros compostos a réis 964:203$400. Estas quantias teem que soffrer uma certa quebra derivada da disposição legal que isenta do sello os passaportes à empregados publicos ou a operários em serviço do Estado. Mas pouco menos será que insignificante a quebra que dahi provém.

Do producto das lotarias para os alienados tambem se pode fazer um calculo aproximado recorrendo aos relatórios da Misericórdia de Lisboa. A lista seguinte dá as importancias recebidas pelo Estado a titulo de 15 por cento para o sello e addicionaes de 6 por cento, para os annos 1887-88 á 1891-92; nos annos subsequentes a rubrica é differente; as quantias recebidas pelo Estado estão inscritas, segundo as disposições de vários decretos, a título de 30 por cento do capital pelo interesse para o Governo, 2/3 de 30 por cento de capital pelo interesse para Governo, 63 por cento do capital pelo interesse para o Governo. Mas é evidente que não ha decretos que possam invalidar a lei de 4 de julho de 1889 e, qualquer que seja

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o titulo por que o Governo arrecada, o que não pode soffrer é o fundo dos alienados. Ora, as quantias recebidas pelo Governo nos differentes annos desde 1887-88 até 1906-1907, o ultimo de que ha relatorio, acrescentando por calculo a de 1907-1908, feita igual á do anno anterior, são como se seguem:

[Ver tabela na iamgem]

Ora, calculando os excessos dos differentes annos sobre 1887-1888 e reduzindo-os a metade, chega-se a esta conclusão: que nos últimos vinte annos o Governo recebeu das lotarias para o fundo dos alienados uma somma que monta, a juros simples, a......... .. 438:312$700
ou a juros compostos a............... 501:623$400
As duas parcelas reunidas dão uma somma de............ 1 219:552$700
a juros simples e juros compostos de... 1.465:3263744

A que numeros extraordinários não subirá hoje o fundo dos alienados quando se calculem as outras fontes de receita accumuladas migalha a migalha durante dezanove annos de applicação ininterrupta! O que não terão dado os conventos extinctos, o que não terá produzido o sêllo sobre dispensas de casamento, licenças de casas de penhores, títulos nobiliários, orçamentos de irmandades, confrarias, estatutos de associações, e todas as verbas que não são passaportes, incluídas nos n.ºs 152 a 172 da tabella de 26 de novembro de 1885! Quanto não terá vindo do trabalho dos presos! Apenas desta ultima origem e somente da Penitenciaria de Lisboa se poderá fazer uma ideia aproximada. Dos relatórios desta cadeia central só conheço os que se publicaram até ao do anno de 1888; dizem-me que depois nenhum outro veio a publico. Sabido que a população da Penitenciaria aumentou desde a sua fundação e que naquelle anno ainda a cadeia não estava cheia, com os seus 432 presos, o calculo que se faça do producto do trabalho dos presos com a base desse anno está muito abaixo da verdade. Ora, naquelle anno coube ao Estado, daqtiella origem, a quantia de réis 8:026$654. A terça parte desta quantia, repetida todos os annos, juros simples de 6 por cento produz 81:337$412 réis. O juro d'esta quantia, com a annuidade, de réis 7:555$795 róis, que é, no mínimo, a importancia que o Estado deve annualmente aos alienados.

É possível haver quein diga que o Estado já começou a dar para alienados o que pertence a alienados pela disposição da lei de 22 de junho de 1898, que manda entregar ao Hospital de Rilhafolles, sob a administração do de S. José e annexos, as quantias do fundo especial que pertencem á hospitalização dos alienados dos districtos do sul do reino e do districto do Funchal e isto a partir de 1892. Mas esta lei é um monstruoso bluff. Na realidade essas quantias teem entrado no cofre do Hospital de S José, mas a tudo terão servido menos aos alienados do Hospital de Rilhafolles, que não lucraram absolutamente nada com essas novas receitas que á sua sombra serviram á hospitalização dos doentes não alienados recolhidos em S. José, Estefania, etc., em todos os hospitaes menos no de Rilhafolles. A hospitalização aqui não recebeu melhoramento de importancia e 750 doentes continuam a ser assistidos por dois médicos, como por dois médicos eram assistidos os 500 de antes de 1892 ou os 300 com que o hospital se fundou (em 1851) e para os quaes se fixou aquelle numero de clinicos. E qualquer minimo melhoramento que houvesse, como o aumento de ordenados dos enfermeiros, esse mesmo não foi pago pelo fundo dos alienados mas pelo aumento da população de Rilhafolles, ficando a mesma enfermagem, porque, note-se bem, a população hospitalar tem de facto aumentado de 500 para 750 nestes ultimos dezaseis annos, mas quem paga esse aumento, e portanto alguma insignificante melhoria, são as amaras municipaes e misericordias, sem cujas guias de responsabilidade os doentes não podem legalmente ser admittidos. E o que ellas pagam basta de sobra para o tratamento dos doentes.

Tambem se dirá que o Estado tem dispendido sommas mportantes em construcções novas em Rilhafolles com as quaes a lotação do hospital se alargou consideravelmente. E facto. Mas construcções novas, Rego, Arroios, Santa Marta, teem alargado a hospitalização de outros doentes, porque as necessidades publicas o teem imposto como igualmente o impuseram para os alienados. Mas, ainda, se novas construcções se fizeram em Rilhafolles foi, sem que alguem pensasse em fundo de alienados, porque sempre foram impostas por varias crises operarias que du-ante alguns annos sobresaltaram a capital. Mas, em terceiro logar, se dinheiro do fundo de alienados se applicou ás construcções de Rilhafolles, não se fez mais do que uma illegalidade, porque o fundo dos alienados tem o seu destino marcado na lei e é a construcção de novos hospitaes em Lisboa, Porto, Coimbra e Ponta Delgada. Em quarto logar, se foi do fundo dos alienados que saíram as construcções, então deu o Governo ao hospital duas vezes o que lhe era devido - pelas construcções e pela annuidade que resulta da lei citada de 22 de junho de 1898. E finalmente, se em construcções de Rilhafolles se dispenderam 100 ou 200 contos de réis, que o deduzam do fundo dos alienados e entreguem este fundo ao seu legitimo dono.

Restam pelo menos, 1:000 contos de réis, para não contar juros compostos. É um minimo que todas as probabilidades nos dizem se poderia afoitamente duplicar, como constituindo o fundo actual para assistencia dos alienados, sem que saíssemos dos limites da verdade. A fixação dessa quantia é como que a liquidação de um passado que julgamos impossível de apurar, a liquidação de adeantamentos que a si próprio fez o Estado de rendimentos que lhe não pertencem. Esta fixação não obsta a que todo o tempo se possa reclamar uma importancia superior quando haja meios de a determinar. Por agora, já temos com a presente proposta uma grande ampliação na assistencia dos alienados, e essa ampliação ainda aumentará pela disposição que manda entregar aos administradores do fundo todo o excesso do rendimento d'este, sobre a dotação que nesta proposta vae fixada. O futuro dos alienados, no ponto de vista da assistencia, fica d'este modo garantido.

Assim, a verba annual com que esta proposta manda desde já dotar o serviço dos alienados está marcada em 140 contos réis. É fácil desenvolver as parcelas d'esta somma com que os alienados nada ficam a dever ao Estado e com que pelo contrario o Estado se limita a restituir uma parte do que lhes deve. São 60 contos de réis

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de rendimento do minimo actual do fundo de alienados, os 1:000 contos réis que estão na posse do Estado e lhe não pertencem; são 29 contos de réis da parte que os alienados teem no rendimento das lotarias, calculado pelo ultimo anno; são 16 contos de réis do sêllo dos passaportes, calculando que a lei de 25 de abril de 1907, que soi-disant aboliu os passaportes, reduziu o numero d'elles a dois terços, visto que continuam a ser exigidos para os emigrantes, taes como os define aquella lei; são 8 contos de réis provenientes dos trabalhos dos presos na Penitenciaria de Lisboa; são 12 contos de réis derivados das multiplas outras fontes de receita da lei de 4 de julho de 1889; são finalmente 15 contos de réis calculados das novas fontes de receita criadas pelo presente projecto.

Este projecto vae assim na esteira da lei de Antonio Maria de Senna, mas segue muito alem d'ella pela criação de uma junta de protecção dos alienados que entre outras funcções adeante explanadas será a garantia de que os rendimentos dos alienados não mais serão desviados. E ao passo que provê a uma mais ampla assistencia, torna-a mais economica ao mesmo tempo que mais efficaz.

Estamos com effeito chegados a um tempo em que estes dois termos se conciliam, por mais que pareçam inconciliaveis. Nos países civilizados da Europa, a tendencia é geral a fazer a assistencia de alienados inoffensivos fora dos hospitaes especiaes. Na Belgica, na Escocia, em França, na Hollanda e sobretudo na Allemanha cada vez mais se expande o tratamento domiciliario dos alienados e as colonias familiaes multiplicam-se. No primeiro desses países, que é o berço da assistencia colonial, havia nos ultimos annos cerca de 2:353 doentes tratados em famílias, em Ghell e em Lierneux; na Escocia, os alienados assim assistidos subiam em 1903 a 2:658, ou sejam 19 por cento dos alienados a cargo, do Estado; em França as colonias de Ainay-le-Château e Dun-sur-Auron com suas sub-colonias tinham em 1903-1904 nada menos de 1:858 doentes; finalmente na Allemanha, em 1903, o numero de colonias, algumas d'ellas muito antigas, como Rockwinkel, subia a trinta e tres, installando-se milhares de alienados, e outras havia em formação.

Os resultados alcançados com as colonias são excellentes: as condições hygienicas melhoram e assim a mortalidade diminue, a vida dos doentes torna-se mais variada, muitos mesmo se interessam pelos trabalhos em que se occupam, e assim aumenta o seu bem estar, e finalmente não deixa de haver um certo grau de curabilidade, embora se trate de alienados pela maior parte incuraveis. Tudo isto é incontestavel, como incontestavel é a economia nas despesas de tratamento. Em França, por exemplo, onde se paga 1,10 franco por dia e doente á família que a este hospeda, a despesa total eleva-se a 1 fr. 50, emquanto que com o tratamento nos asylos do Sena sobe a 2 fr. 57. A questão toda é de saber em que extensão o systema é applicavel nas populações campesinas do nosso país. Mas, ainda suppondo que os resultados não sejam tão brilhantes como lá fora, o presente projecto de lei permitte attenuar a difficuldade pela criação de hospitaes districtaes, que se prevê.

A junta de protecção dos alienados, que se constituo pelo presente projecto, não se destina, porem, só á administração do fundo criado pela lei de 4 de julho de 1899, agora liquidado para o momento presente e para o futuro ampliado por este projecto, não só tambem ao alargamento da assistência aos alienados pobres, mas ainda a outros dois fins que hoje estão de todo abandonados pela legislação. Um d'elles é a fiscalização de todo o serviço de alienados, publico ou particular, e consequentemente a vigilancia pelos interesses physicos, moraes e materiaes dos doentes; o outro são as garantias que á liberdade individual muito cuidadosamente se estabelecem neste projecto.

Actualmente, quem quer que seja pode fundar um estabelecimento para receber e deter alienados, e de facto alguns ha em pleno funccionamento, sem que da parte do Estado haja a devida fiscalização. Os doentes podem ser bem ou mal tratados, entre elles poderá haver pessoas de espirito são, indevidamente retidas, que ninguém se inquietará, porque o Estado nunca pensou numa fiscalização como existe em França, na Inglaterra, e noutros países. Impõe-se esta fiscalização technica que por ninguem podem ser melhor exercida que por uma reunião de medicos e - advogados - o inspector geral e os visitantes do presente projecto.

Mas esta protecção do Estado deve ainda ir mais longe, porque os interesses materiaes dos alienados, desprovidos hoje de qualquer vigilância do Estado, muitas vezes abandonados a terceiros que com elles se locupletam, carecem de protecção.

Estabelece-se esta protecção de modo differente conforme a fortuna dos doentes: se se trata de um rendimento igual ou inferior a 300$000 annuaes temos fortunas pequenas que não devem mover toda a engrenagem judicial para uma interdição e que não devem ficar oneradas com as despesas inevitaveis de um processo. Taes fortunas, em regra, ficam hoje ao abandono, ao passo que são garantidas pelo presente projecto, que as põe sob a tutela da Junta, que mediata ou immediatamente as administrará. É claro que esta interferencia da Junta não pode ir alem dos alienados hospitalizados ou por outro modo internados.

As fortunas superiores R um rendimento annual de réis 300$000 ficam hoje, por grande parte, em igual abandono. A uma as famílias difficilmente se resolvem á um processo de interdição do seu doente e quantos destes se não teem visto, sobretudo nas phases iniciaes do seu mal, arruinar-se por completo deitando dinheiro pelas janelas ou fazendo contratos em que os exploram. São as famílias que por um pudor mal entendido não querem confessar o estado de loucura de um dos seus. Outras ha, famílias legitimas ou illegitimas, a quem convém a liberdade do seu doente, ainda que não seja senão para lhe arrancarem um testamento, quando não succede que já em vida o vão sugando desalmadamente. Parece que para salvaguarda dos interesses dos alienados e dos seus legítimos herdeiros o Estado devia intervir: pois bem, não intervém, segundo o disposto no artigo 316.°, § 2.° do Codigo Civil, senão quando o alienado é furioso ou quando tem filhos menores. Como é que a fúria torna mais periclitante a fortuna do alienado ou como a menoridade dos filhos influe na ruína do doente, é cousa incomprehensivel. O presente projecto determina a intervenção do Estado para todos os casos que estamos agora considerando. A interdição é promovida pelo Ministerio Publico quando a família do doente não o tenha feito.

Pelo presente projecto, uma das consequências da interdição é a vigilancia exercida, pela Junta de protecção dos alienados sobre os interesses do doente, o seu bem estar, as condições do seu tratamento, etc., e daqui a justificação da nova verba que entra no fundo de beneficência dos alienados, representada por uma percentagem com que dos seus rendimentos o doente contribue para aquelle fundo. É uma adaptação da admiravel lei inglesa em vigor, da qual se tiraram as mesmas percentagens.

A outra funcção da Junta é a salvaguarda da liberdade individual, já muito garantida neste projecto por todas as disposições que asseguram a legitimidade de um internamento em casa de saude ou hospital de alienados. Como hoje estão as cousas, nada mais facil do que sequestrações arbitrarias. Mercê de cumplicidades que sé podem facilmente adquirir, o internamento de uma pessoa de espirito são é cousa que não offerece difficuldades. E a detenção indefinida de um cidadão nestas circunstancias numa casa de alienados não depende senão de quem

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esta dirige. Não sei se entre nós sé tem commettido crimes d'estes, creio que não, mas basta a sua possibilidade, basta que um unico caso se tenha dado ou possa vir a dar-se, para que todas as garantias possíveis se legislem contra tal crime.

Ficam por este modo justificadas as disposições capitães do presente projecto de lei. Outras ha que tambem são muito importantes, mas de uma importancia tão intuitiva que quasi não carecem de justificação.

Entra aqui a criação de cadeiras de psychiatria nas tres escolas medicas do continente. Portugal é o unico país da Europa civilizada de cujos cursos de medicina não faz parte o ensino da psychiatria, embora aos medicos que d'elles saem se exijam conhecimentos de medicina mental, por exemplo, perante os tribunaes, que ninguem lhes ministrou durante os cinco annos do seu curso, porque nem um unico alienado conseguiram nunca ver, quanto mais estudar.

A desannexação dos hospital de Rilhafolles da administração do de S. José, assunto em que muito se insiste no regulamento de 7 de abril de 1851, que organizou os serviços d'aquelle estabelecimento, constitue igualmente uma necessidade que não poderia ser esquecida na elaboração de uma reforma dos serviços dos alienados. Num hospital de doidos, tudo deve estar subordinado a quem o dirige, não só o tratamento e a hygiene dos doentes como a administração dos seus recursos. Assim se entende por toda a parte, na Allemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos, onde a assistencia dos alienados tem subido á altura de um serviço serio e importante. A separação de poderes, á direcção technica por um lado, a administração por outro, não importa senão consequencias irremediavelmente desastrosas para o bem estar dos doentes e para a economia dos dinheiros publicos. E isto é tanto mais verdade que, como ficou dito, na separação muito se insiste no regulamento da fundação, em cujos artigos se fazem muitas disposições transitorias, "emquanto se não fizer a desannexação". É o provisorio da nossa terra, que neste caso já tem os seus bons 59 annos.

O aumento do pessoal de Rilhafolles é tambem uma necessidade inadiavel. Hoje dois medicos assistem a um numero medio de 750 doentes, quando não 800 ou mais, e pela desigual distribuição das duas divisões sexuaes um d'elles tem a seu cargo nada menos de 500 alienados. O que significa esta situação vê se logo que se saiba, como atrás ficou dito, que em 1851, quando se fez a organização do hospital, este tinha uma lotação, de 300 doentes e para elles se criaram dois logares de medico; hoje que a população tem aumentado até 750 doentes o numero dos medicos é exactamente o mesmo! A assistencia de 500 doentes por um medico único, por mais que entre elles haja chronicos e incuraveis, é tão espantosa cousa que não carece de qualquer critica.

A criação de um asylo especial de alienados criminosos é outra necessidade que se impõe. O elemento criminoso é das cousas mais perturbadoras da boa ordem e disciplina de um hospital de alienados. Os doidos criminosos carecem de um regime especial e mal vae a todos quando um regime único abrange alienados das duas categorias. De resto, é este o modo por que em toda a parte se entende a questão dos alienados criminosos e desde muito está em applicação em países como a França, a Inglaterra e a Belgica.

A extensão da fiscalização especial às penitenciarias e outras cadeias é cousa não menos urgente e tão importante que na Belgica, onde o regime penitenciario se aproxima do nosso, se criaram logares de medicos alienistas para essa fiscalização. A especialização clinica não se dirige senão á descoberta de alienados, que muitas vezes se demoram nas cadeias por tempo excessivo antes de serem reconhecidos, com grave prejuízo da sua curabilidade. Neste projecto não se cria uma fiscalização especial, mas aproveita-se a mesma fiscalização ou inspecção da Junta.

A situação actual, em que pelo Codigo Penal a contagem da pena se interrompe quando o recluso endoidece, é uma grave lesão a princípios de justiça, aquelles que a sciencia moderna tem definitivamente fixado. A pena não é um castigo. A pena é uma prevenção e uma segurança, e como prevenção e segurança tanto vale estando o criminoso numa penitenciaria como numa casa de doidos. D'aqui a disposição adoptada neste projecto.

O disposto no artigo 40.°, impedindo que a observação medico legal em casos de pena menor se faça num hospital de alienados, dirige-se á correcção de um abuso hoje muito em pratica e é o de sé aproveitarem as disposições da lei de 3 de abril de 1896 para se fazerem internar em Rilhafolles alienados que, dirigidos por via administrativa, teriam de esperar por vacatura. Cousas as mais insignificantes, um doido que matou a gallinha do vizinho ou analogo e pavoroso crime, arvoram-se em delictos previstos, por aquella lei e mandam-se para o hospital criaturas inoffensivas, idiotas incuraveis ou dementes não mais susceptíveis de cura, com prejuizro de outros cuja situação de curabilidade exige soccorros mais prontos e maior solicitude do Estado.

Por todas as razões apontadas neste relatorio, a transformação em lei do presente projecto criaria em Portugal um serviço publico de alienados. O que está é a total ausencia de qualquer organização. E seja em nome da protecção do Estado que os alienados teem direito de reclamar, seja em nome da liberdade do cidadão, hoje tão arriscada onde não ha garantias serias, seja em nome da mais elementar honestidade que manda restituir ao dono o que ao dono pertence, impõe-se a necessidade de regular o serviço dos alienados, de fazer d'elle um ramo serio de administração, e de collocar o nosso país ao lado das nações cultas.

Lei de protecção dos alienados

I - Organização central

Artigo 1.° Esta lei tem por objecto a protecção dos alienados, incluindo a defesa dos seus interesses materiaes.

Art. 2.° E organizado no Ministerio do Reino, na dependencia immediata do respectivo Ministro, uma Junta de protecção dos alienados, constituída por um inspector geral e quatro visitadores.

§ unico. Nesta lei a palavra Junta sem outra especificação designa a Junta de protecção dos alienados.

Art. 3.º A nomeação para os cargos do artigo 2.° é, feita directamente pelo Ministro. Do mesmo modo a demissão, sempre que o Ministro entenda que o serviço não é executado com o zelo indispensavel.

Art. 4.° O exercício doestes cargos é incompatível com o de qualquer outro, publico ou particular, de nomeação ou de eleição, bem como com o exercício profissional.

Art. 5.° As substituições que eventualmente se tornem, necessarias são da nomeação directa do Ministro.

Art. 6.° Ninguem pode ser nomeado inspector geral ou visitador que no ultimo anno tenha tido qualquer interesse ou participação em estabelecimento particular destinado a receber alienados, qualquer que seja a sua designação.

Art. 7.° Igualmente está impedido de exercer qualquer destes cargos todo aquelle que no ultimo anno tenha tido qualquer interferencia em estabelecimento publico de alienados, seja como director, medico, assistente, ou como autoridade superior a estas.

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Art. 8.° O inspector geral tem de ser medico com pelo menos dez annos de exercício profissional. É elle quem preside á Junta e dirige todos os trabalhos, ficando-lhe subordinados os visitadores e o pessoal da secretaria a que se refere o artigo 10.° O ordenado do inspector geral é fixado em 2:400$000 réis.

§ único. Para o effeito das visitas marcadas nesta lei, o inspector geral é considerado como um visitador.

Art. 9.° Os visitadores são dois advogados e dois medicos, tendo pelo menos, uns e outros, cinco annos de exercicio profissional. Fixam-se-lhes os respectivos ordenados em 2:000$000 réis.

Art. 10.° Fazendo parte d'esta organização e dependente da Junta, constitue-se uma secretaria, com um secretario, quatro amanuenses e um continuo.

Art. 11.° O secretario é um advogado com cinco annos pelo menos de exercicio profissional. É-lhe extensiva a disposição do artigo 4.° O seu ordenado é de 1:500$000 réis.

Os amanuenses teem de ordenado 600$000 réis. Não podem accumular com qualquer outro cargo publico, de nomeação ou de eleição, nem podem exercer a profissão que os seus diplomas permitiam.

Art. 12.° O ordenado do continuo fica fixado em réis 300$000.

Art. 13.° Os cargos da secretaria são preenchidos por livre escolha do Ministro sobre concurso documental.

Art. 14.° A Junta reune-se por convite do inspector ou por convite do inspector solicitado por um dos visitadores. Não pode funccionar com menos de três membros. As faltas só se podem justificar por doença ou nojo ou serviço da Junta ou serviço judicial.

Art. 15.° Ha por anno quatro reuniões obrigatorias da Junta, fixadas no primeiro dia util de cada trimestre.

Art. 16.° A Junta pode fazer os regulamentos necessarios para o seu serviço. A sancção do Ministro é indispensavel para a adopção d'esses regulamentos.

Art. 17.° A Junta faz todos os annos um relatorio dos seus serviços dirigido ao Parlamento e contendo em particular a enumeração pormenorizada de todos os factos a que se referem os artigos 18.°, 19.° e 20.°

Art. 18.° As funcções da Junta, por si ou por delegados seus, membros ou não membros da mesma Junta, são:

1.° A inspecção dos edifícios que se destinam a recolher alienados, bem como das disposições especiaes nelles tomadas para tratamento e vigilância dos internados;

2.° A concessão de licenças para que possam funccionar as casas de saude a que se refere o artigo 109.° d'esta lei, qualquer que seja a sua designação ou mesmo quando não tenham designação, e qualquer que seja o numero de alienados recolhidos;

3.° A annullação das mesmas licenças quando não forem cumpridas as condições em que se concederam, quer no ponto de vista da installação material quer no do cumprimento dos regulamentos approvados;

4.° O exame e approvação dos regulamentos por que se devam reger os estabelecimentos a que se referem os dois numeros precedentes;

5.° A autorização a qualquer família para que possa recolher, guardar e tratar um determinado alienado, que lhe não pertença;

6.° A inspecção dos hospitaes publicos de alienados e dos hospitaes publicos em que haja uma secção para alienados, bem como no exclusivo ponto de vista da existencia de alienados, nas penitenciarias, cadeias, colonias e casas de correcção;

7.° A visita periodica de todos os alienados registados, quer estejam em estabelecimentos apropriados, quer entregues aos cuidados das respectivas famílias ou de outras familias;

8:° O registo de todos os alienados do país;

9.° O registo dos inventários e das contas annuaes de tutela dos alienados interditos;

10.° A administração dos bens dos alienados internados quando o respectivo rendimento seja igual ou inferior a 300$000 réis annuaes;

11.° A participação em juizo de todas as violações da presente lei que nella sejam objecto de uma penalidade;

12.° A participação judicial nos casos em que qualquer alienado interdito se haja curado e se deva levantar-lhe a interdição.

13.° A participação ao juizo respectivo de qualquer abuso que venha a conhecer sobre a applicação dos rendimentos dos alienados interditos;

14.° A collocação dos alienados indigentes;

15.° A estatística geral da alienação mental;

16.° As contas de receita e despesa com a applicação d'esta lei, destrinçando se o que cabe ao estado e o que pertence aos municípios e misericordias;

17.° A resposta a qualquer consulta que lhe faça o Ministro;

18.° O estudo e decisão de todas as reclamações que em relação a execução da presente lei lhe sejam dirigidas;

19.° A gerencia da dotação fixada no artigo 77.°, bem como dos rendimentos a que se refere o artigo 78.°

§ 1.° Das decisões da Junta ha recurso para o Ministro, sem effeito suspensivo sempre que se trate da liberdade individual dos cidadãos;

§ 2.° Fixar-se-ha na dotação da Junta uma verba orçamental para ajudas de custo nos serviços fora da cidade de Lisboa.

Art. 19.° O serviço das visitas é distribuído pela Junta. As seguintes regras serão observadas em relação a todos os estabelecimentos em que haja mais de um alienado em tratamento:

a) Os hospitaes e colónias familiaes serão visitados por dois membros da Junta, um d'elles pelo menos medico, no minimo duas vezes por anno, e não podendo haver entre duas visitas consecutivas um intervallo superior a oito meses;

b As casas de saúde serão visitadas por dois membros da Junta, um d'elles pelo menos medico, no mínimo quatro vezes por anno, não podendo haver intervallo superior a quatro meses entre visitas consecutivas;

c) Num e noutro caso, os poderes de inquerito não teem limites e os directores dos estabelecimentos visitados são obrigados a fornecer todas as informaçães exigidas, a franquear por completo o estabelecimento, a facilitar o exame de todos os alienados n'este recolhidos, a expor os methodos de tratamento e o regime alimentar em pratica, bem como os documentos medicos em que se justifique a applicação de quaesquer meios de coerção, finalmente a patentear todos os registos, assentamentos e documentos de admissão;

d) Haverá um livro em que os visitadores inscrevam o resultado da sua inspecção, as faltas que encontrem, as exigências que entendam dever ser satisfeitas, o uso que se fez das recommendações das anteriores visitas e quaesquer intimações que julguem necessarias em nome da lei e seus regulamentos ou do regulamento especial do estabelecimento. Todas as contestações levantadas serão decididas pela Junta, com recurso para o Ministro;

e) As irregularidades graves serão immediatamente participadas á Junta;

f) Qualquer illegalidade encontrada em processos de admissão dos alienados será participada ao poder judicial, salvo o disposto na alínea k do artigo 24.°;

g) Neste caso, e qualquer que seja a illegalidade, os visitadores poderão ordenar que os alienados a quem se referem esses processos sejam immediatamente entregues á sua família ou postos em liberdade;

h) Os visitadores teem autoridade para, depois de tres

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visitas com intervallos de sete dias, mandar entregar á família ou pôr em liberdade qualquer supposto alienado que no estabelecimento esteja internado. É condição essencial que os visitadores sejam os mesmos nas tres visitas, que pelo menos um d'elles seja medico, que tenham ouvido o medico ou os medicos da casa annunciando-lhes á primeira ou segunda visita o proposito em que andam, e que, quando haja opposição da parte d'estes,- tenha o negocio sido apresentado em Junta no intervallo da segunda para a terceira visita. A Junta decidirá se os visitadores deverão ou não proseguir, ficando em todo o caso dependente da terceira visita o procedimento final. A consulta da Junta poderá fazer-se por meio de relatorios e pareceres escritos;

i) As visitas serão feitas sem prévio aviso, e poderão effectuar-se a qualquer hora do dia ou da noite;

j) São permittidas as visitas feitas em especial a um só doente;

k) Os visitadores enviarão á Junta a participação das visitas feitas e logo que ellas se tenham realizado.

Art. 20.° Os alienados collocados nas proprias famílias ou isoladamente em famílias estranhas serão igualmente objecto de visitas:

a) A frequencia das visitas será a marcada na alínea 6 do artigo 19.° tratando-se de alienados interditos ou na alínea a) do mesmo artigo tratando-se dos outros alienados;

b) As visitas serão feitas ou por um dos membros da Junta, ou, no caso de grande afastamento dos centros, por um dos medicos da localidade ou de localidade proxima para esse effeito delegado pela Junta e que receberá honorários como se se tratasse de uma visita clinica ordinaria segundo os usos da terra ou tabellas camararias;

c) As mesmas regras inscritas nas alíneas c, d e e do artigo 19.° se devem seguir, na parte applicavel, no caso dos alienados deste artigo;

d) É igualmente applicavel aqui o disposto na alínea i; as visitas de noite não deverão porem ser feitas sem que haja fortes motivos para suspeitar de irregularidades, e em todo o caso, salvo urgencia, sem previa audiencia da Junta;

e) A doutrina das alíneas f, g e h tambem é aqui applicavel, no caso de alienados em tratamento em famílias estranhas. É indispensavel porem que as tres visitas da ultima alínea sejam feitas ou por dois visitadores ou por um visitador e um delegado ou por dois delegados da Junta, os mesmos nas tres visitas, não podendo em qualquer caso deixar de ser medico uma das pessoas que procedem às visitas. Delegado medico ou delegado advogado recebe honorarios como estabelecidos na alínea b d'este artigo. A consulta da Junta poderá fazer-se por meio de relatorios e pareceres escritos;

f) Os visitadores p delegados da Junta enviarão a esta participação das vistas feitas e logo que se tenham realizado.

II. - Collocação dos alienados fora das proprias famílias

Alienados não indigentes

Art. 21.° Salvo as excepções marcadas nesta lei, ninguém poderá ser admittido e detido como alienado num estabelecimento qualquer destinado no todo ou em parte a alienados ou em residencia de família estranha sem que o acompanhe um processo de admissão composto, salvo a disposição do § unico, dos seguintes documentos lavrados nos termos do artigo 22.° e 26.° e que são:

1.° Um requerimento para a admissão e detenção do alienado;
2.° Um boletim de informações;
3.° Dois attestados medicos;
4.° Eventualmente uma autorização judicial.

§ unico. Para as casas de saude e para as famílias que recebam isoladamente um alienado, o requerimento é substituído por uma petição.

Art. 22.° Quanto possível, o requerimento deve ser feito pelo conjuge ou por um parente do alienado. Quando assim não seja, o documento deve conter as razões do facto, a qualidade das relações que ligam o alienado ao requerente, e as circunstancias em que este faz o seu requerimento. O requerente deve ter mais de 21 annos de idade e ter pessoalmente visto o alienado dentro dos quatorze dias que precederam a data do requerimento. Deve tambem obrigar-se a visitar o doente pelo menos uma vez cada seis meses, quer pessoalmente quer por intermedio de pessoa a quem especialmente nomeie para esse fim.

Art. 23.° O boletim de informações deve conter o nome, o sexo, a idade, o estado civil, a profissão do alienado, a sua naturalidade e residencia, e indicar se o ataque actual é o primeiro, em que idade do doente foi o ataque ou os ataques anteriores, se o alienado já esteve internado e onde, a duração do ataque actual, a causa presumida, se o doente tem ataques epilépticos ou outros e se tem apresentado tendencias suicidas ou se é perigoso para as outras pessoas, quaes os parentes que soarem ou tenham soffrido de loucura ou outros padecimentos que possam interessar a etiologia do caso, nome e residencia de um ou mais parentes do doente, nome e residencia da pessoa a quem se deva enviar participação de obito, nome e residencia do assistente ordinario do doente. O boletim deve ser assinado pelo requerente ou por outra pessoa, e neste ultimo caso a assinatura deve ser acompanhada da residencia e profissão do signatario, bem como da indicação das relações que este tem o alienado.

Art. 24.° Os attestados medicos ficam submettidos às seguintes regras:

a) Todo o attestado medico tem de ser escrito e assinado por medico diplomado pela Faculdade de Medicina de Coimbra ou por uma das escolas medicas de Lisboa e Porto;

b) Deve designar expressamente os factos sobre que a opinião medica attestada se formou, fazendo distincção entre aquelles que foram directamente observados e aquelles que só foram colhidos por informação, e sendo indispensavel que os primeiros bastem para o diagnostico geral de alienação mental;

c) Nenhum attestado medico será valido quando o exame do doente a que elle se refere tenha sido feito mais de sete dias antes da data do attestado;

d) O exame do alienado objecto do attestado tem de ser directo e pessoal;

e) Os dois attestados medicos só serão validos quando os clínicos que os subscrevem tenham examinado o doente separadamente um do outro;

f) Os attestados não podem ser assinados pelos signatarios do requerimento ou do boletim de informações nem por parente consanguíneo ou affim em 1.° ou 2.° grau na linha directa ou collateral de qualquer dos ultimos signatarios ou do alienado, nem pelo socio commercial ou industrial do alienado;

g) Sempre que for possível, um dos attestados medicos será feito pelo assistente ordinario do alienado. Quando não seja possível, dir-se-hão as razões no requerimento;

h) Tambem não tem validade o attestado assinado:

1.° Pelo director ou pelos medicos ordinarios do estabelecimento onde se quer internar o doente;

2.° Pela pessoa a cargo de quem vae o alienado ser collocado;

3.° Por pessoa encarregada do pagamento das respectivas mensalidades;

4.° Por parente affim ou consanguíneo em 1.° ou 2.° grau em linha directa ou collateral ou socio commercial ou industrial de qualquer das pessoas enumeradas em 1.° e 2.° logar d'esta alínea.

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i) Os signatarios dos dois attestados medicos não podem ser um do outro parentes affins ou consanguíneos em 1.° ou 2.° grau em linha directa ou collateral nem socios de commercio ou de industria;

j) Os membros da junta não podem assinar attestado medico utilizado para o internamento de um alienado, salvo por ordem da mesma junta ou por ordem do Ministro ou por ordem do poder judicial;

k) Se depois da collocação de um alienado se reconhecer que algum dos attestados medicos que serviram para a admissão offerece qualquer irregularidade, dever-se-ha proceder á sua emenda pelo medico que o subscreve dentro dos quatorze dias que se seguirem á admissão ou por ordem da junta ou por iniciativa do director do estabelecimento em que o alienado foi admittido ou da pessoa a cujo cargo o alienado foi collocado. N'este ultimo caso é indispensavel a autorização da junta;

l) Se a irregularidade não tiver sido remediada no periodo dito acima, a junta ou quaesquer dois dos seus membros poderão ordenar que o alienado seja immediatamente entregue á familia ou posto em liberdade.

Art. 25.° No caso em que o alienado esteja interdito, é indispensavel ao processo de admissão a autorizarão judicial nos termos do artigo 333.° do Codigo Civil.

§ unico. Quando o alienado não esteja interdito, a pessoa que o recebe communicará o facto, bem como a noticia da admissão, ao delegado do ministerio publico da residencia do doente.

Art. 26.° Todos os documentos a que se referem os artigos 21.° a 25.° deverão ser autenticados por notario ou por sêllo em branco das repartições publicas de onde emanem.

Art. 27.° Nenhum dos documentos a que se referem os artigos 21.° a 25.° terá validade para se realizar o internamento do alienado quando a sua data for mais de quatorze dias anterior áquella em que o doente é apresentado para ser admittido num estabelecimento de alienados ou collocado isoladamente á guarda e cuidados de uma familia estranha.

Art. 28.° A autoridade policial deverá auxiliar a conducção de um alienado para o estabelecimento ou familia onde vae ser internado sempre que lhe seja pedido pelo requerente. Não o deverá porem fazer sem que pelo exame dos documentos de admissão se certifique da legalidade com que o seu auxilio é solicitado.

Art. 29.° Em casos de urgencia, em que seja necessario para a saude do alienado ou para a segurança publica que o alienado seja immediatamente internado em estabelecimento apropriado, o internamento poderá realizar-se sobre um requerimento ou petição (conforme o caso do artigo 21.°) de urgencia e um só attestado medico, em que se designem as razões da urgencia.

a) Se o requerimento não for feito pelo conjuge ou por um parente do alienado, deverá conter os motivos de tal falta e indicará as relações do requerente com o alienado, bem como os motivos por que requer.

b) O requerente deve ter pelo menos vinte e um annos de idade e ter visto o alienado no decurso de dois dias anteriores á data do requerimento.

c) As exigencias da lei do sêllo são dispensaveis nos documentos de urgencia, bem como o reconhecimento por notario, quando o director do estabelecimento ou a pessoa a cujo cuidado o alienado vae ser entregue conheça pessoalmente o requerente ou o attestante; é, porem, necessario que seja presente á admissão aquelle a cuja assinatura falta a autenticação e que no respectivo documento o declare a pessoa que recebe o doente.

d} A admissão de urgencia só tem validade por sete dias francos. Neste prazo deverá ser entregue o processo completo nos termos dos artigos 21.° a 25.° da presente lei, devendo-se permittir que medicos estranhos ao estabelecimento examinem o alienado internado para que possam attestar do seu estado.

e) No fim dos sete dias, o doente será entregue á sua familia ou posto em liberdade, salvo os interesses da sua saúde ou os da ordem publica.

f) Não devendo o alienado ser posto em liberdade ou entregue á familia, o director do estabelecimento continuará a dete-lo, mas deverá immediatamente participar a sua decisão á junta, que resolverá em ultima instancia, e que em todo o caso fará a participação judicial a que se refere o n.° 11.° do artigo 18.°

Art. 30.° Os modelos A e E annexos a está lei ficam fazendo parte integrante della e ligados respectivamente aos artigos 22.° (modelo A), 23.° (modelo B), 24.° (modelo C) e 29.° (modelos D e E).

Art. 31.° Qualquer pessoa poderá internar-se voluntariamente num estabelecimento no todo ou em parte consagrado a alienados, mediante, salvo o disposto no § único, a apresentação de um requerimento 6 de um attestado medico.

a) O requerimento deverá conter o nome, idade, estado civil, profissão, naturalidade e residencia do requerente, bem como a exposição dos motivos que a este conduziram a tomar a resolução de se internar;

b) O attestado medico, que deverá conter os mesmos elementos de identidade, apresentará desenvolvidamente as indicações de ordem medica que justificam o isolamento num estabelecimento especial ou numa familia estranha;

c) As assinaturas do requerimento e do attestado teem de ser reconhecidas por notario;

d) Na occasião da admissão lavrar-se-ha um termo, perante duas testemunhas idóneas, em que o requerente declarará ao director do estabelecimento ou á pessoa a cujo cuidado deseja entregar-se o tempo em que pretende ficar internado;

e) Em caso algum poderá o tempo do internamento á que o requerente se obriga ser superior a tres meses.

f) Este período é renovavel, merece de um novo termo de obrigação;

g) A continuação do internamento voluntário alem dos períodos marcados em e) e
f) sómente será permittida com um novo processo, em tudo igual ao que se exigiu para a primeira admissão;

h) O requerente não tem direito a reclamar o cumprimento integral, por parte do director do estabelecimento ou da pessoa a cujos cuidados se entregou, da obrigação á que algum d'elles se comprometteu, e terá de sair logo que o director do estabelecimento ou a pessoa a cujos cuidados se entregou entenda não o dever mais manter sob a sua guarda.

§ unico. É applicavel a este attigo o disposto no § unico do artigo 21.°

Alienados indigentes

Art. 32.° As autoridades sanitarias, bem como os facultativos municipaes, são obrigados, logo que encontrem na área do seu serviço qualquer pessoa indigente atacada de alienação mental, a participá-lo ao administrador do concelho, declarando se o doente carece ou não de immediato tratamento e as razões por que.

§ 1.° Se o alienado for encontrado em divagação, tendo a sua residencia noutro concelho, será remettido ao administrador do concelho da residencia, que procederá em relação a elle como em relação aos outros alienados do seu concelho. Havendo perigo para a saude do alienado ou para a ordem e segurança publica, ou não sendo próximo o concelho da residencia, o administrador do concelho procederá como se o doente fosse do seu concelho, devendo-se, porem, attribuir ao município da residencia as responsabilidades derivadas do artigo 76.°

§ 2.° Para os effeitos deste artigo a residencia official do alienado é a sua residencia real nos ultimos seis meses

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ou por menos tempo quando se verifique que o alienado tinha lixado residencia no concelho e não estava ahi apenas accidentalmente.

§ 3.° Este mesmo criterio vale para attribuir o alienado a outro concelho.

§ 4.° Não se podendo apurar concelho de residencia, a residencia é dada pela naturalidade.

§ 5.° Não se podendo apurar nem concelho de residencia nem concelho de naturalidade, attribuir-se-ha o alienado ao concelho em que foi encontrado.

§ 6.° Para os effeitos desta lei são considerados alienados indigentes aquelles que não teem recursos bastantes para pagar a sua hospitalização ou cujos recursos só poderiam pagar a respectiva hospitalização, ficando sem o necessario para viverem aquelles a quem elle deve alimentos ou a quem em saude prestava alimentos.

Art. 33.° Sobre as participações recebidas segundo o artigo 32.° ou vinda de mitra origem, os administradores de concelho organizarão um processo contendo:

1.° A participação ou informação inicial;

2.° Um boletim de informações lavrado nos termos do artigo 23.° e assinado por pessoa que não tenha parentesco affim ou consaguineo, em 1.° ou 2.° grau, em linha directa ou collateral, com o alienado;

3.° Um attestado medico passado nos termos do artigo 24.º;

4.° Uma informação da autoridade administrativa sobre o desejo da família de se não separar do seu doente, sobre as necessidades de ordem publica que exijam o internamento hospitalar; sobre o modo por que o doente é tratado pela família, emfim sobre quaesquer outras circunstancias que devam ser attendidas para a collocação do alienado.

Art. 34.° Os processos assim organizados serão remettidos á junta, que fará a distribuição dos doentes pelos hospitaes publicos ou particulares, no todo ou em parte consagrados aos alienados, pelas colonias familiaes, pelas famílias fora das colonias ou na propria família do doente em conformidade com a lotação dos estabelecimentos, com as disponibilidades familiaes e com as circunstancias do caso, especialmente as que se referem á urgencia de tratamento hospitalar e de segurança publica ou individual do alienado, e de acordo com os directores dos hospitaes e das colonias familiaes.

Art. 35.° Como regra que poderá soffrer excepções, os alienados não serão collocados em colonias familiaes sem uma previa estada e observação de quatro meses num hospital de alienados, cujo director realizará as transferencias em conformidade com o artigo 38.°

Art. 36.° A junta terá sempre presente as disponibilidades dos hospitaes e colonias para que não envie alienados quando nelles não haja logar.

Art. 37..° A remessa de um alienado para .um hospital ou para uma colonia família! acompanhar-se-ha sempre do processo original, ficando copia em poder da junta.

Art. 38.° As transferencias dos hospitaes para as colonias familiaes ou vice-versa far-se-hão sempre directamente entre uns e outros estabelecimentos da mesma circunscrição, com exclusivo entendimento dos respectivos directores, e na exclusiva dependencia de haver ou não logar para a recepção. O alienado transferido será acompanhado da copia do processo primitivo e das informações derivadas da observação hospitalar. O estabelecimento que recebe o doente participá-lo-ha immediatamente á junta.

§ 1.° As despesas de transporte serão custeadas pela junta.

§ 2.° Quaesquer que sejam as circunstancias, teem preferencia para a collocação numa colonia os doentes que já passaram pela observação hospitalar do artigo 35.°

Art. 39.° A transferencia para os hospitaes especiaes de alienados das cadeias, colonias e casas de correcção, hospitaes civis ou militares, asylos, misericordias, enfermarias provisorias dos governos civis, executar-se-ha segundo o mesmo processo descrito no artigo 33.°, á excepção dos n.ºs 1.° e 4.° que não teem aqui cabimento, e 34.°

Admissões para exame medico-legal

Art. 40.° Os individuos em processo que seja necessario sujeitar a exame psycho-legal serão examinados exclusivamente por peritos da comarca ou por um perito so quando não possam reunir se dois, e não poderão ser remettidos para exame para os hospitaes de alienados, quando se trate de crimes de pena menor. Uma vez comprehendidos no artigo 14.° da lei de 3 de abril de 1896, entrarão na lei geral e sobre elles tem de seguir-se o mesmo processo dos artigos 33.° e 34.°

Art. 41.° Tratando se de crimes de pena maior e tendo-se de fazer a observação psycho-legal num hospital de alienados em conformidade com a lei de 3 de abril de 1896, a admissão para esse effeito somente poderá realizar-se quando no officio de remessa se indique que se trata de crime de pena maior e em que artigo do Codigo Penal está compfeliendido o crime, e quando se faça acompanhar o presumido alienado da copia dos autos de corpo de delicto directo e indirecto, das declarações do preso em juízo, do relatorio medico-legal quando o haja, do despacho do juiz mandando proceder ao exame e do requerimento, se houver, em que se pede o mencionado exame.

III.- Assistencia e tratamento

Art. 42.° No dia seguinte ao da entrada de um alienado não indigente num hospital de alienados ou outro, numa casa de saude ou em casa de família estranha que se encarregue da hospedagem guarda e tratamento isoladamente do alienada, o director de qualquer daquelles estabelecimentos ou a pessoa mencionada em ultimo logar enviará á junta a noticia da admissão acompanhada de copia integral do respectivo processo.

Art. 43.° Quer o alienado seja indigente quer não, um extracto de todos os documentos devera ser lançado no assentamento do doente feito em livro de registo especial e obrigatorio, livro que se conservará sempre em dia e onde se inscreverão todas as notas que interessarem á vida do doente no logar onde está internado.

Art. 44.° Um mes depois da admissão realizada, o medico encarregado do tratamento enviará á junta, por intermédio das pessoas mencionadas no artigo 42.°, um relatorio desenvolvido sobre o estado do alienado durante o tempo do internamento, mesmo que o doente tenha tido alta ou tenha fallecido antes de decorrido o mês.

Art. 45.° As cartas escritas pelos alienados, salvo o disposto no artigo seguinte, e as que lhes são dirigidas serão lidas antes de seguir ou lhes ser entregues pelo director do hospital de alienados e nos outros casos pelo medico assistente.

Art. 46.° As .cartas escritas pelos alienados e dirigidas a qualquer autoridade publica só poderão ser abertas pelo destinatario, e as pessoas remuneradas no artigo 42.° são obrigadas a faze-las seguir sem procurar conhecer o seu conteudo. Nos logares do estabelecimento ou da residencia particular que mais sejam frequentados pelos doentes ou doente affixar-se-ha uma noticia bem clara desta disposição.

Art. 47.° Qualquer pessoa pode requerer ajunta um inquérito especial sobre qualquer doente internado num hospital de alienados ou outro hospital tendo uma secção para alienados ou casa de saúde ou collocado isoladamente na guarda de um particular, salvo quando a admissão tenha sido voluntária. Tratando-se de doente não indigente, o respectivo requerimento levará um sêllo do imposto especial de alienados do valer do sêllo dos recibos mensalmente passados ao pagamento das respectivas pensões, se o requerente for parente em 1.° ou 2.° grau do alienado, e no caso contrario igual a cinco vezes o valor d'aquelle

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sêllo. No caso do alienado ser indigente é fixado o sêllo respectivamente em 1$000 e 5$000 réis.

Art. 48.° O medico que tenha assinado o attestado de admissão de um alienado não indigente em qualquer dos estabelecimentos a que se faz referencia nesta lei ou na residencia de um particular que se encarregue de o guardar não pode ser o assistente do mesmo alienado.

Art. 49.° A junta pode fixar a frequência das visitas que nas condições ordinarias o medico assistente deve fazer ao doente.

Art. 50.° A junta pode exigir, sempre que o entenda conveniente, em todo o caso fundamentando, um relatorio medico ou relatorios medicos periodicos sobre o estado de qualquer alienado internado em alguma das condições do artigo 42.°

Art. 51.° Não se podem empregar meios de contenção nos doentes internados que não sejam com fins de tratamento medico ou cirúrgico ou para impedir que o alienado se moleste a si ou a outros.

Art. 52.° Os meios de contenção somente poderão ser mandados applicar pelo medico assistente ou pelo medico-director de um estabelecimento de alienados.

Art. 53.° Sempre que seja necessária a applicação de um meio de contenção, far-se-ha o respectivo registo num livro especial, rigorosamente mantido em dia, com a indicação do género de contenção e dos motivos que determinaram a applicação. Nesse livro tambem se registará a cessão do meio contentivo.

Art. 04.° Não é permittido empregar homens na enfermagem das alienadas. Em casos de urgência em que seja necessario applicar a força para conter uma doente, pode-se appellar para o auxilio dos enfermeiros, mas só de um modo excepcional e pelo tempo indispensavel.

Art. 55.° Os directores dos hospitaes de alienados e os directores medicos das casas de saúde estão autorizados a permittir a ausencia dos alienados internados por um período não superior a oito dias, e quer se trate de saídas de ensino quer não. Em todos os outros casos, só a junta ou dois visitadores podem autorizar essas ausencias, ouvido o medico assistente. Também a junta ou dois visitadores podem autorizar, ouvidos os directores dos hospitaes de alienados ou os directores medicos das casas de saúde e nos outros casos o medico assistente, uma ausencia superior a oito dias.

Art. 56.° Durante a ausencia, o alienado é considerado como continuando no estabelecimento, ao qual se devem as respectivas pensões como se estivesse internado. Qualquer documento que o alienado assine durante a sua ausencia não tem validade, como igualmente não a tem durante o internamento real.

Art. 57.° Qualquer alienado, seja qual for o seu estado, pode ser retirado do logar onde está internado: 1.°, pelo tutor; 2.°, pelo conjuge; 3.°, á falta de conjuge, pelos ascendentes; 4.°, se não ha ascendentes, pelos descendentes; 5.°, pela pessoa que fez o requerimento ou petição, salvo opposição de qualquer parente, e nesse caso a junta resolverá, ou salvo opposição d'aquelles que teem o doente a seu cargo. N'este ultimo caso não pode haver outro fundamento para opposição que não seja o perigo que o alienado offereça para a segurança das pessoas ou para a sua propria segurança. O conflicto só pode ser decidido pela junta e em ultima instancia pelo Ministro.

Art. 58.° Curado que esteja qualquer alienado homem, será immediatamente despedido do hospital ou do logar onde está internado, facilitando-se-lhe os meios para regressar a sua casa. As mulheres serão entregues às suas familias ou responsaveis, a quem se mandará chamar, ou serão conduzidas a casa de suas famílias ou responsaveis, quando dentro de sete dias uns ou outros não tenham comparecido. Tratando-se de alienados não indigentes, quaesquer despesas correm á conta dos respectivos responsaveis. Dos outros alienados as despesas são custeadas pela junta.

§ unico. A alta de qualquer doente será immediatamente participada á junta e á autoridade administrativa da residência do doente e do local para onde conste que este vae ser conduzido.

Art. 59.° Os alienados evadidos, logo que sejam capturados, serão reintegrados sem necessidade de outro processo de admissão, quando forem apresentados no estabelecimento ou residência de onde se evadiram dentro de quatorze dias da data dá evasão.

IV.- Fortuna dos alienados

Art. 60.° Todo o alienado cuja fortuna seja superior a um rendimento de 300$000 réis annuaes será interdito judicialmente.

Art. 61.° Nas circunstancias do artigo anterior, o conjuge do alienado, quando com elle conviva, é obrigado a requerer a interdição logo que o medico assistente tenha feito o diagnostico de alienação mental ou quando o estado de alienação mental se tenha tornado publico e notorio. Na falta de conjuge ou quando o conjuge não o tenha feito, qualquer parente successivel pode fazer o requerimento. Na falta das pessoas mencionadas ou quando nenhuma d'ellas o tenha feito, o Ministerio Publico deve requerer a interdição, logo que lhe conste justificadamente o estado de alienação mental do interessado.

Art. 62.° Neste ultimo caso, o Ministerio Publico poderá requerer um inquerito prejudicial para que se determine de modo certo ou aproximado a fortuna do alienado e só quando se verifique que elle está no caso do artigo 60.° o processo de instrucção proseguirá.

Art. 63.° No processo de interdição, o exame por peritos medicos far-se-ha separadamente, em dias differentes, para os dois facultativos a que se refere o artigo 317.° § 4.° do Codigo Civil. Um e outro são obrigados a relatar desenvolvidamente os factos que tenham observado, bem como as razões que os conduzem á. sua conclusão. De factos, estranhos á observação directa, só terão valor os documentos que directamente emanem do examinando e que eventualmente se contenham no processo. A prova testemunhal, ou outra constante do processo, e que não seja a prova documental acima mencionada, sem factos de observação directa, não permitte um diagnostico legal de alienação mental.

Art. 64.° Logo que a interdição seja decretada, o juiz communicará á Junta, não só o facto da interdição, como o resultado do inventario do interdito a que se tenha procedido.

§ único. Igual informação será ministrada pelo juiz de todos os accidentes relativos á fortuna do interdito durante todo o tempo da interdição, bem como o levantamento d'esta, caso se realize.

Art. 65.° A prestação de contas da tutela faz-se todos os annos, qualquer que seja o tutor.

Art. 66.° A quitação annúal respectiva leva um sêllo do imposto especial de alienados do valor de 4 por cento do rendimento liquido, quando este seja superior a 300$000 réis e inferior a 5:000$000 réis, mas não excedendo em caso algum a 150$000 réis; do valor de 3 por cento quando o rendimento liquido seja superior a 5:000$000 réis e inferior a 25:000$000 róis, mas em caso algum excedendo a 500$000 réis; do valor de 2 por cento quando o rendimento liquido seja superior a 5:000$000 réis, não excedendo, porem, nunca a 1:000$000 réis.

Art. 67.° O tribunal perante o qual se tenha lavrado a quitação das contas annuaes expedirá logo á Junta uma nota do rendimento liquido annual apurado, bem como do valor do sêllo que foi determinado para validar a quitação.

Art. 68.° O alienado interdito, quer se conserve com a família, quer seja posto na guarda de outra pessoa ou de

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um estabelecimento publico ou particular, fica sob a protecção desta lei e é objecto das visitas da Junta ou dos seus visitadores, nos termos do artigo 20.°

Art. 69.° Os visitadores indicarão as condições a satisfazer para o bem estar dos alienados, tendo em attenção o valor do seu rendimento e as necessidades das pessoas a quem por lei são devidos alimentos, e poderão mesmo marcar a classe em que elles devam ser collocados quando estejam num hospital ou casa de saude. Qualquer contestação a tal respeito será decidida pela Junta e quando seja necessario pelo tribunal que decretou a interdição.

Art. 70.° Verificado que seja que o rendimento annual de qualquer alienado internado em alguma das condições do artigo 42.° é igual ou inferior a 300$000 réis, ou porque o Ministerio Publico o verifique - e neste caso communicá-lo-ha á Junta - ou porque a Junta o tenha conseguido saber por outra via, o alienado passa a ficar sob a tutela da Junta, que, directamente ou por procuradoria ao conjuge ou a outra pessoa, quando não haja conjuge ou este se reconheça incapaz, fará a administração dos bens. A tutela da Junta não pode ir alem do cuidado na conservação dos bens e no emprego dos rendimentos, cuja applicação será regulada pelo seu valor, pelas necessidades do alienado, pela forma da alienação mental e pelas necessidades das pessoas a quem o alienado deve alimentos ou d'aquellas a quem elle em saude prestava alimentos. As quitações serão passadas sem qualquer applicação de sêllo especial. Os contratos de arrendamento feitos pela Junta não poderão ir alem de tres annos.

V.- Observações das pessoas que teem alienados á sua guarda

Art. 61.° Os directores dos hospitaes de alienados, os administradores dos hospitaes que tenham uma secção para alienados, os directores das casas de saúde e os particulares que por estipendio ou não tenham recolhido um alienado isoladamente são obrigados a franquear aos visitadores o estabelecimento ou a casa em que residem com o alienado com todas as suas dependências e annexos, submettendo-se por completo a todas as exigências mencionadas no artigo 20.°

Art. 72.° As pessoas mencionadas no artigo antecedente apresentarão aos visitadores e em cada visita os livros a que se referem os artigos 19.°, alínea d), e 43.°, enviando á Junta, seguidamente á visita, uma copia das observações que no primeiro tenham lançado os visitadores.

§ unico. As obrigações deste artigo, pelo que se refere ao primeiro livro, são extensivas ao caso dos alienados guardados e tratados na propria familia.

Art. 73.° As pessoas mencionadas no corpo do artigo antecedente tambem são obrigadas a enviar annualmente á Junta uma nota do movimento que tenham tido no seu estabelecimento ou na sua residência, juntamente com uma lista nominal dos alienados não indigentes que tenham tido ou ainda tenham sob a sua guarda.

Art. 74.° Também enviarão á Junta, mas trimestralmente, uma copia do registo da applicação dos meios de contenção e respectivos motivos.

Art. 75.° Os recibos das mensalidades que pagam os alienados não indigentes aos estabelecimentos ou pessoas que os teem á sua guarda levarão um sêllo de imposto especial dos alienados de valor igual a 10 por cento da respectiva quantia.

VI. - Receitas e despesas

Art. 76.° As despesas com a guarda e tratamento de alienados indigentes, de fora das cidades de Lisboa e Porto, e á excepção das despesas no Hospital do Conde de Ferreira, serão pagas por metade pelas camaras municipaes ou misericordias da residencia dos alienados, nos termos da legislação vigente e pela outra metade pelo Estado.

§ 1.° As responsabilidades das camaras municipaes e misericordias poderão ser attenuadas ou extinctas pelo Governo em decreto fundamentado, sempre que os recursos de umas ou outras sejam tão exiguos que ellas não possam fazer face áquellas responsabilidades, sem grave prejuízo dos ontros serviços a seu cargo.

§ 2.° Das responsabilidades das camaras municipaes e misericordias pelos seus doentes pobres assistidos, será abatida a parte correspondente ao que o doente possa pagar por algum rendimento que tenha; essa parte será determinada pela Junta, que a fixará, tendo em attenção as necessidades das pessoas a quem o doente deve alimentos ou a quem elle usual e seguidamente os estava prestando antes de adoecer.

Art. 77.° Para fazer face às despesas novas provenientes desta lei, é incluída no orçamento do Ministerio do Reino a dotação annual de 140:000$000 réis, parte destinada ao emprestimo a levantar para no vás construcções, parte destinada á assistencia immediata de maior numero de alienados do que os que estão hoje hospitalizados.

§ unico. Esta dotação será administrada pela Junta, mesmo na parte que se refere a construcções a realizar.

Art. 78.° A dotação fixada no artigo antecedente será aumentada com o excedente do rendimento, sobre a mesma dotação, do imposto especial do sêllo dos alienados, bem como das outras fontes de receita, incluídas no artigo 8.° da lei de 4 de julho de 1889, continuando tudo a constituir o fundo de beneficência publica dos alienados, que a Junta administra e lhe servirá quer á ampliação da assistência em colónias, quer á construcção de hospitaes districtaes quando a sua necessidade se faça sentir e o Governo o approve.

Art. 79.° O rendimento do imposto especial do sêllo dos alienados será avaliado pela Junta, não só pelas communicações recebidas dos tribunaes, como pelas informações annuaes que por esta lei lhe fica devendo a repartição respectiva.

Art. 80.° Igualmente á Junta compete avaliar o producto do fundo de beneficência publica dos alienados proveniente dos n.ºs 2.° a 6.° do artigo 8.° da lei de 4 de julho de 1889, ficando as repartições por onde corre a entrada dessas receitas obrigadas às informações de que a Junta careça.

VII. -Ensino dá psychiatria

Art. 81.° É criada uma cadeira de psychiatria em cada um dos estabelecimentos de ensino medico do continente português.

§ unico. O titular da cadeira de psychiatria de Coimbra só será nomeado quando nessa cidade tenha começado a funccionar o hospital.que por estagiei é mandado construir.

Art. 82.° Nos hospitaes de alienados de Lisboa, Porto e Coimbra uma enfermaria é posta á disposição do ensino especial e o respectivo professor é autorizado a escolher nas outras enfermarias os doentes que julgue necessários para o ensino, transferindo-os ou não para a clinica escolar.

VIII.- Alienados criminosos

Art. 83.° As cadeias centraes e outras, as colonias e casas de correcção serão visitadas pelo menos duas vezes por anno segundo as regras traçadas na alínea a) do artigo 19.°

Art. 84.° Quando o director de uma cadeia, casa ou colonia de correcção suspeitar do estado mental de um preso, procederá em relação a elle nos termos em que lhe podem ser applicaveis os artigos 33.°, 34.° e 39.°, e quer o alienado tenha de ser conduzido para um hospital geral de alienação mental, quer para o hospital de alienados criminosos a que se refere o artigo 96.°

Art. 85.° Emquanto se não construir este ultimo estabelecimento, a distribuição dos alienados a que se refere o artigo antecedente será feita pelos hospitaes das respectivas circunscrições.

Art. 86.° Aos criminosos que tenham enlouquecido du-

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rante o cumprimento da sua pena e que tenham de ser collocados num hospital geral de alienados ou no hospital especial de alienados criminosos, será contado como de cumprimento da pena a que foram condemnados, e qualquer que ella seja, o tempo que estiverem internados no hospital de alienados. Quando findar a pena, estando elles neste internamento, passarão a ser tratados como alienados communs e transferidos para um hospital geral de alienados por intermédio da Junta e nas condições ordinárias de collocação.

IX.-Estabelecimentos de alienados e casas particulares que os recebam

Art. 87.° Para os effeitos desta lei no ponto de vista da distribuição dos alienados indigentes, o continente do reino é dividido em tres circunscrições conformes ao artigo 1.° da lei de 17 de agosto de 1899 e do artigo 1.° do regulamento respectivo.

Art. 88.° Em cada hospital de alienados, a direcção e administração são incumbidas a um medico - medico-director -, com residencia obrigada dentro do estabelecimento.

Art. 89.° O Hospital de alienados em Rilhafolles é desannexado do Hospital de S. José e Annexos.

Art. 90.° Os seus recursos serão constituídos pelas receitas hoje arrecadadas pelo Hospital de S. José e Annexos e que só o são por via dos alienados, á excepção da verba derivada da lei de 22 de junho de 1898, que o Hospital de S. José deixará de receber e será dada a Rilhafolles pela dotação da Junta, e por uma dotação do Estado tirada dos subsídios que este concede e entram no orçamento do Hospital de S. José, o qual assim deixará de receber, essa parte dos seus subsídios.

§ unico. As contribuições das Camarás Municipaes e Misericordias serão reduzidas a metade; a metade que falta sairá da dotação da junta.

Art. 91.° A importancia total assim realizada será igual á despesa que a administração do Hospital de S. José e Annexos hoje faz: com a manutenção do Hospital de Rilhafolles, aumentada com 5 por cento.

§ unico. O calculo desta despesa é feito sobre cinco annos economicos que immediatamente precederam ai execução desta lei.

Art. 92.° O pessoal do Hospital de Rilhafolles é aumentadocom a criação de tres logares de: medico clinico, com ordenado igual ao dos actuaes, um de secretario e outro de thesoureiro, cada um d'elles com o ordenado de 500$000 réis, sendo 100$000 réis de vencimento de exercício.

Art. 93.° O Hospital ao Conde de Ferreira, do Porto, entra no regime d'esta lei como se fosse estabelecimento do Estado.

Art. 94.° E a junta autorizada a construir em Coimbra, por meio de um emprestimo sobre a dotação fixada no artigo 77.°, um hospital para trezentos alienados, que não poderá ser orçado em mais de 300 contos de réis, incluindo mobiliario.

Art. 95.° Construído este hospital, as condições do seu funccionamento serão fixadas por lei.

Art. 96.° É a junta autorizada a construir, por meio de um emprestimo sobre a dotação fixada no artigo 77.°, um hospital para 100 alienados criminosos, onde se internarão os criminosos que tenham endoidecido no decurso da sua pena e aquelles que teem de ser observados nos termos da lei de 3 de abril de 1896, modificados pelos artigos 40.° e 41.° desta lei. O orçamento d'este hospital não poderá ser superior a 100 contos de réis, incluindo mobiliario.

Art. 97.° Construindo este hospital, as condições do seu funccionamento serão fixadas por lei.

Art. 98.° Em cada uma das circunscrições em que o continente português é dividido por esta lei, fundar-se-ha uma colonia familial, em localidade que for escolhida pela junta e destinada á collocação de doentes nas famílias que para esse fim se offerecerem.

Art. 99.° Em cada colonia haverá um edifício central destinado á residencia do medico-director da colonia e seus auxiliares, aos serviços geraes que não estejam incumbidos às famílias que recolhem os alienados e á installação de salas ou quartos destinados aos alienados que se tenham agitado e aos que tenham adoecido de doenças communs e não possam ser tratados onde estão recolhidos.

Art. 100.° É fixado em 20 contos de réis o orçamento para a construcção do edifício central de cada colonia, levantados por emprestimo sobre a dotação fixada no artigo 77.° e incluindo mobiliario.

Art. 101,° Em cada colonia haverá um medico-director com o ordenado de 800$000 réis, um fiel da fazenda, um enfermeiro, um servente, uma enfermeira e uma criada, com ordenados iguaes a dois terços dos ordenados dos logares correspondentes no Hospital de Rilhafolles.

§ unico. O medico-director é de nomeação do Ministro. E elle quem escolhe o pessoal para os outros logares.

Art. 102.° Para o logar de medico-director so podem ser nomeados medicos diplomados pela Faculdade de Medicina de Coimbra ou alguma das escolas medicas de Lisboa e Porto.

Art. 103.° O exercício de todos os logares criados pelo artigo 101.° é incompatível com o exercício de qualquer outro logar publico ou particular, de nomeação ou de eleição, e com o exercício profissional.

Art. 104.° Em nenhuma casa de família poderá ser collocado mais de um alienado. As condições de installação serão fixadas em regulamento especial que, por proposta da junta, o Governo decretará e vigiadas pelo medico-director da colonia.

Art. 105.° O hospedeiro do alienado deve tratá-lo como pessoa de família, occupando-o em trabalhos compatíveis com as suas forças e capacidades e regulados pelo medico-director, e deve satisfazer a todas as necessidades da vida do alienado, á excepção do vestuário que será fornecido pela estação central.

Art. 106.° A pensão a pagar será de 180 réis por dia por cada alienado.

Art. 107.° As visitas medicas dos alienados hospedados nas colonias familiaes serão fixadas pelo regulamento de que trata o artigo 104.°

Art. 108.° A junta poderá collocar doentes em famílias estranhas fora das colonias. Neste caso são applicaveis as disposições dos artigos 35.° e 104.° a 107.°, salvo a ultima parte do artigo 105.° A junta proverá às nececsidades de vestuario do doente hospedado conforme as circunstancias do caso.

Art. 109.°É considerado casa de saude para os effeitos desta lei todo o estabelecimento particular em que se recebam alienados, indigentes ou pensionistas ou indigentes e pensionistas, desde o momento em que tenha logar para mais do que um.

§ 1.° Quando a casa de saude qtie admitte alienados tambem receber outros doentes,- deverá haver installação separada para os primeiros.

§ 2.° As casas de saude que tenham logar para um só alienado são equiparadas às casas particulares que tomem conta de um alienado isoladamente.

Art. 110.° Nenhuma casa de saude poderá funccionar sem licença da junta. Nenhuma licença será valida por mais de treze meses.

§ unico. As casas de saude actualmente existentes entram no regime deste artigo.

Art. 111.° As licenças das casas de saude terão um sêllo do imposto especial de alienados no valor de 2$500 réis por cada logar de alienado não indigente de que o estabelecimento disponha, sendo o mínimo do valor do sêllo de

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25$000 réis. Por cada alienado indigente o sêllo será de 500 réis com um mínimo de 5$000 réis.

Art. 112.° Toda a casa de saude com lotação para mais de vinte alienados, indigentes ou não indigentes ou indigentes e não indigentes, é obrigada a ter um medico residente, que será o director e o administrador do estabelecimento. Quando os logares para alienados sejam em numero inferior a vinte, a casa é obrigada a ter um medico que visite os doentes todos os dias.

§ unico. Esta disposição é valida para os hospitaes em que haja uma secção destinada a, receber alienados e em relação a esta secção, que deverá sempre ser installada separadamente das outras.

Art. 113.° Nenhuma pessoa poderá ter á sua guarda, vigilância e tratamento um alienado não indigente isolado, senão nas condições da presente lei e, salvo o caso do artigo seguinte, depois de uma licença concedida pela junta, valida quando muito por treze meses e cujo sêllo será do imposto especial de alienados e do valor de 5$000 réis.

Art. 114.° Não ha necessidade de licença quando o alienado a que se refere o artigo antecedente esteja na própria família, entendendo-se por estas palavras os parentes consanguíneos ou affins em linha directa ou collateral em 1.° ou 2.° grau. Neste caso, porem, é o chefe da familia obrigado a participar adjunta a existência do alienado que tem á sua guarda.

Art. 115.° E a junta autorizada, saindo a respectiva verba da sua dotação, a mandar preparar no edifício do Governo Civil de Lisboa uma enfermaria com lotação para doze doentes, em que provisoriamente se colloquem para observação e primeiro tratamento os alienados encontrados nas das em divagação.

§ unico. O orçamento desta enfermaria não poderá exceder 6 contos de réis, incluindo mobiliario.

Art. 116.° A direcção desta enfermaria será confiada a um sub-delegado de saude, sempre o mesmo, devendo na area respectiva ser substituído de permanencia pelo mais antigo, que por esse facto receber á uma gratificação igual a metade do ordenado de um sub-delegado de saude.

§ 1.° O serviço da enfermaria do governo civil fica debaixo da fiscalização technica da junta e seus visitadores, como se fosse o de um hospital de alienados.

§ 2.° O sub-delegado de saude encarregado deste serviço é escolhido pelo Governo.

Art. 117.° O serviço de enfermagem será prestado por um enfermeiro, uma enfermeira, um servente e uma criada, com ordenados iguaes aos dos mesmos logares no Hospital de Rilhafolles.

§ unico. A escolha para estes logares é feita pelo subdelegado de saude director da enfermaria,

X.- Patronagem

Art. 118.° Junto de cada um dos hospitaes de alienados e de cada uma das colónias familiaes organizar-se-ha uma commissão de patronagem, tendo por fim auxiliar e proteger os doentes que d'aquelles estabelecimentos tenham saído curados ou melhorados, especialmente procurando-lhes occupação.

Art. 119.° Os membros dessas commissões são de nomeação do Ministro, sob proposta do director do estabelecimento, sanccionada pela junta.

XI. - Penalidades

Art. 120.° A todo aquelle que, fora das condições desta lei; por si ou por outros admittir ou detiver um alienado ou presumido alienado num estabelecimento publico ou particular para alienados ou num estabelecimento qualquer em que tambem se recebam alienados ou em qualquer outro estabelecimento ou casa particular, será .applicada a pena correspondente ao crime de cárcere privado.

Art. 121.° Ao director de um hospital de alienados ou de uma casa de saúde ou de qualquer estabelecimento em que tambem se recebam alienados, bem como á pessoa autorizada a receber em sua casa um alienado, quando não cumpra as disposições d'esta lei sobre os documentas ou copia de documentos que tem de enviar á junta será imposta a pena correspondente ao crime de desobediência qualificada.

Art. 122.° Salvo o disposto no artigo 124.°, aquelle que voluntariamente, em qualquer dos documentos, exigidos para a admissão de um alienado num estabelecimento qualquer em que se recebam alienados ou numa casa particular que receba um alienado inscrever falsamente qualquer facto material será condemnado á pena de desobediencia qualificada.

Art. 123.° Salvo o disposto no artigo 125.°, igual pena será applicada aquelle que, em livro de registo, assentamento, ou em relatorio ou qualquer outro documento referente a um alienado ou aos alienados de um estabelecimento que receba alienados ou casa particular que receba um alienado, voluntariamente inscrever qualquer falsa indicação sobre facto material.

Art. 124.° Se a informação errada a que se refere o artigo 122.° se contiver em attestado medico e se referir aos factos de directa observação que justificam o diagnostico de alienação mental, o crime será equiparado ao de falso testemunho.

Art. 125.° Do mesmo modo será qualificado o crime quando a falsa informação a que se refere o artigo antecedente se inscrever em livro de registo, assentamento, papeleta, ou em relatório ou qualquer outro documento referente a um alienado detido nas condições do artigo 123.º

Art. 126.° A pena de desobediência qualificada será imposta:

a) Ás pessoas a que se refere o artigo 121.°, bem como áquellas que tenham á sua guarda um alienado que lhes pertença, quando não enviem, os relatorios, copia de documentos ou quaesquer outras informações que lhes sejam pedidas pela junta;

b) Aquelle que desobedecer às intimações dos visitadores em materia de hygiene e bem estar dos alienados;

c) Aquelle que interceptar qualquer correspondencia dos alienados dirigida às autoridades publicas;

d) Aquelle que impedir os visitadores de exercerem as suas funcções ou que subtraiam alienados á visita d'estes funccionarios.

Art. 127.° Qualquer empregado de um estabelecimento em que se recebam alienados ou qualquer pessoa que tenha á sua guarda um alienado ou esteja incumbida do seu cuidado ou tratamento, e quer seja da familia do alienado quer de familia estranha, que maltrate um alienado ou voluntariamente seja para elle negligente, será punido com a pena de desobediência qualificada, salvo se pelo Codigo Penal outra pena maior lhe for applicavel.

§ unico. E circunstancia aggravante a qualidade de medico ou enfermeiro,

Art. 128.° A mesma pena será applicada aquelle que por sua propria vontade consentir ou auxiliar ou for connivente na fuga ou tentativa de fuga de qualquer alienado legalmente detido em estabelecimento próprio para o receber ou em casa particular onde seja guardado.

Art. 129.° Qualquer empregado de um estabelecimento em que se recebam alienados ou qualquer pessoa tendo a seu cuidado ou tratamento um alienado que tenha commercio carnal ou tente commercio carnal ou pratique actos provocadores de um tal commercio com alienada em tratamento em qualquer das circunstancias acima será punido com a pena de violação, ainda quando a doente tenha dado o seu consentimento ao acto. Esta disposição é extensiva ao caso inverso em relação ao sexo do criminoso e da victima.

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16 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 130.° Todo o attentado lascivo contra alienado do mesmo sexo do criminoso, praticado por qualquer das pessoas ennumeradas no artigo antecedente, sera considerado como crime de violação, mesmo quando não tenha havido violencia.

Art. 131.° A participação dos crimes a que se marcam penalidades nos artigos anteriores sera dirigida aos agentes do Ministerio ou pelos directores dos estabelecimentos em que se recebam alienados ou pelas pessoas que teem um alienado a seu cargo ou pelas familias dos doentes ou pelos visitadores ou pela Junta.

Art. 142.° A Junta podera constituir-se parte no processo e nesse representar-se-ha por um ou ambos os seus membros advogados.

Art. 133.° Todas as violações da presente lei não especificadas nos artigos antecedentes d'este capitulo serão qualificadas de simples desobediencia.

XII. - DISPOSIÇÕES FINAES

Art. 184.º É revogado o artigo 3.º da lei de 14 de maio de 1901, bem como toda a outra legislação em contrario.

Modelos

Modelo A

Requerimento ou petição para o internamento de um doente não indigente.

Eu, abaixo assinado (nome, residencia, profissão ou occupação), desejando collocar o alienado (nome) no (hospital, casa de saude ou casa particular, indicado de modo que não haja duvidas na direcção), faço as seguintes declarações:

1. Tenho (tantos) annos de edade.

2. Vi o doente (nome) no dia (data).

3. Sou (conjuge ou parente) do mesmo doente (se não e conjuge, diga as razões por que este não faz o requerimento ou petição; se não é conjuge nem parente, diga as razões por que algum d'estes não requer e as razões por que requer).

4. Não sou parente carnal ou affim em 1.° ou 2.° grau em linha directa ou collateral de qualquer dos medicos que assinam os attestados, nem com qualquer d'elles tenho ligações industriaes ou commerciaes.

5. Comprometto-me a visitar o doente pelo menos uma vez em cada seis meses, pessoalmente ou por delegação, emquanto elle estiver internado.

6. (Eventualmente). O doente foi admittido com um processo de urgencia em (data) no (hospital, casa de saude ou casa particular, indicado como acima).

7. (Eventualmente). Nenhum dos attestados juntos é assinado pelo medico ordinario do doente por (diga as razões).

Peço que o doente seja recebido no (hospital, casa de saude ou residencia particular mencionado no principio).

Data e assinatura autenticada.

Modelo B

Boletim de informações.

Nome do alienado.
Sexo.
Idade.
Estado civil.
Occupação ou profissão.
Naturalidade.
Residencia.

Teve um primeiro ataque de loucura em (data) (eventualmente) que se repetiu em (datas).

Tem estado em tratamento desde (quando) e em (onde) ou esteve em tratamento em (datas) e em (onde).

O ataque actual dura desde (data).

Causa presumida.

Se ha, tem havido ou houve ataques epilépticos.

Se tem havido tendencias ou tentativas de suicidio e como manifestadas.

Se tem propensões maleficas para as outras pessoas e como manifestadas.

Se ha parentes que tenham soffrido de loucura, alcoolismo, doenças nervosas e quaes.

Nome e residencia de um ou mais parentes do doente.

Nome e residencia da pessoa a quem se deva dar parte do fallecimento.

Nome e residencia do assistente ordinario do doente.

[Ver modelo na imagem]

Modelo C

Attestado medico

Eu, abaixo assinado (nome e residencia), attesto o seguinte em relação ao alienado (nome e residencia):

1. Sou medico pela (escola por onde é diplomado).

2. No dia (data)no (local onde), examinei pessoalmente e sem ser acompanhado por qualquer outro clinico (para omittir quando um só attestado é exigido) o dito (nome) e cheguei a conclusão de que esta alienado e em situação de carecer que d'elle. tomem conta e o detenham para guarda e tratamento.

3. Cheguei a esta convicção partindo dos seguintes factos:

a) Factos demonstrando o estado de loucura por mim proprio observados no dia do exame:

(Podem-se juntar factos observados em data anterior).

b) Factos communicados por outras pessoas (nome e residencia dos informadores):

(Se se trata de uma admissão de urgencia, insira aqui o modelo E).

4. Escrevo este attestado depois de ter lido os artigos da lei de (a presente lei) abaixo transcritos:

[Ver modelo na imagem]

Modelo D

Requerimento ou petição de urgencia.

Eu, abaixo assinado, de (tantos) annos de idade, peço que F. (nome e residencia) seja urgentemente admittido como alienado no (hospital, casa de saude, etc.), tendo-o visto no dia (data). Não sou parente carnal ou affim em 1.° ou 2.° grau em linha directa ou collateral do medico que asaina o attestado junto nem com elle tenho quaesquer ligações industriaes ou commerciaes.

Data e assinatura (eventualmente autenticada).
Profissão ou occupação.
Residencia.

Relações com o doente (não sendo conjuge ou parente diga as razões por que qualquer d'estes não assina e as razões por que assina).

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SESSÃO N.° 24 DE 20 DE ABRIL DE 1909 17

Modelo E

Attestado de urgencia.

(O modelo C com o seguinte accrescentamento).

Attesto que é urgente para a saude de (nome) (ou para a segurança publica) que o dito (nome) seja immediatamente admittido num estabelecimento proprio (ou numa casa estranha) para sua guarda e tratamento. São os seguintes os motivos para esta asserção (diga-os):

Lisboa, 26 de março do 1909.= O Deputado pelo circulo n.° 7, Miguel Bombarda.

Foi admittido e enviado às commissões de saude, legislação civil, administração publica e fazenda.

O Sr. Presidente: - Vou dar a palavra em primeiro logar ao Sr. Hintze Ribeiro para realizar o seu aviso previo ao Sr. Ministro da Guerra, e em seguida da-la-hei aos Srs. Deputados que a pedirem para antes da ordem do dia.

O Sr. Antonio Hintze Ribeiro: - É praxe parlamentar ao usar da palavra pela primeira vez, saudar o Presidente desta assembleia; o cumprimento d'esta praxe é para mim agradavel pretexto para patentear a V. Exa. a minha muita consideração.

Posto isto, vou entrar no assunto do aviso previo que fiz, quando começaram os trabalhos d'esta Camara, ao Sr. Ministro da Guerra de então e Ministro da Guerra agora, o Sr. Conselheiro Sebastião Telles.

O assunto do meu aviso prévio é a commissão por S. Exa. nomeada para estudar de um modo technico e experimental a applicação de torpedos fixos a defesa do país.

De frente vou, tratar a questão, sem rodeios, sem habilidades, como entendo que estas questões devem ser cuidadas e como alias é proprio do meu feitio.

A nomeação da commissão parece, a primeira vista, um simples acto de expediente.

Assim não é, por isso que existindo um estabelecimento, o serviço de torpedos fixos, com uma organização especial e já bastante autonoma, destinado a estudar o assunto que S. Exa., o Sr. Ministro da Guerra, agora incumbiu a essa commissão, foi esse serviço posto de parte.

Sendo assim, o acto de S. Exa. foi arbitrario e sem razão que o justifique, como passo a demonstrar.

Começarei mostrando como as attribuições de serviço de torpedos fixos são as mesmas que as da commissão por S. Exa. nomeada.

Para o conseguir nada melhor tenho a fazer do que confrontar as attribuições que a essa commissão foram agora autorgadas e as que ao serviço de torpedos fixos eram dadas pelo decreto de 14 de novembro de 1901, decreto lavrado em virtude da autorização conferida ao Governo pelo decreto de 19 de outubro do mesmo anno.

Attribuições do serviço de torpedos fixos:

"1.° Constituir um centro de estudo e experiencia dos meios melhor adequados a organização defensiva dos portos e costas por meio de minas fixas submarinas;

2.° Ministrar instrucção sobre esta especialidade ao pessoal que a tiver de receber;

3.° A prover a defesa e em especial a do porto de Lisboa, cooperando para esse fim com as obras terrestres e outros meios de defesa".

Attribuiç~ões da commissão agora nomeada:

"Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra. - Repartição do Gabinete.

Tornando-se conveniente estudar de uma maneira geral, sob o ponto de vista teohnico e experimental a applicação dos torpedos fixos a defesa do país e sendo tão indispensavel como urgente completar os estudos já realizados com respeito a defesa interior e exterior do porto de Lisboa, manda Sua Majestade, etc.:

a) Continuar e completar o estudo technico e experimental dos torpedos de contacto, tanto dos já ensaidos como dos de novos typos, cujo exame se recommende.;

b) Proceder ao estudo theorico e pratico de um torpedo de observação, particularmente adaptavel às circunstancias locaes;

c) Projectar definitivamente a organização defensiva por meio de torpedos fixos do porto de Lisboa, bahia de Cascaes e porto de Setubal;

a) Indicar a qualidade e quantidade de material que para o fim mencionado na alinea anterior se torna necessario adquirir, bem como o respectivo custo.

e) Propor a melhor applicação que possa dar-se ao material existente em deposito".

Da comparação resalta clara, nitida e irrefutavel a seguinte conclusão: Das attribuições que tinha o serviço de torpedos fixos apenas lhe resta o ministrar a instrucção sobre esta especialidade ao pessoal que tiver de a receber, ficando as restantes a commissão agora nomeada.

Demonstrada a igualdade e paridade de attribuições, demonstrada fica tambem a illegallidade da nomeação feita por S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra. Com effeito como pode uma commissão nomeada por um simples decreto emanado da Repartição do Gabinete do Ministerio da Guerra substituir um serviço criado e organizado por um decreto resultante de uma autorização concedida pelas Côrtes Geraes da Nação, e com attribuiç5es perfeitamente definidas e muito cuidadas, attenta a importancia dos assuntos a estudar? Como pode um decreto revogar uma autorização das Côrtes Geraes? É evidente a illegalidade com que foi nomeada a commissão sobre que versa o meu aviso previo. Nenhuma mais demonstração é precisa para bem patente ficar a irregularidade commettida.

Vejamos, porem, se alguma necessidade de estudo urgente ou imperiosa justificaria este acto arbitrario de S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra.

Sr. Presidente: apenas dois motivos attenuariam o acto de S. Ex.a:

1.° A organização do actual serviço de torpedos fixos não corresponder ao fim para que foi criado o mesmo serviço;

2.° A urgencia na execução de alguns estudos especiaes.

Se S. Exa. entendia necessaria essa reorganização e remodelação, natural era apresenta-la agora com as bases da organização do exercito, apresentada ao Parlamento por S. Exa.

Não o fez, logo entendeu que o que estava estava bem e correspondia perfeitamente ao fim para que fora criada. Não existe, pois, o primeiro motivo. Urgencia tambem a não havia, porque se a houvesse, natural era dar urgencia ao serviço de torpedos, chamar a sua attenção para certos e determinados assuntos e mandar-lhe relatar e entregar os trabalhos num dado período de tempo. Assim se não fez. Como prova de que sempre o serviço de torpedos tem correspondido ao fim para que foi eirado, ainda ha perto de dois annos, tendo o Sr. Ministro da Guerra de então, o Sr. Conselheiro Porto, dado urgencia ao general governador do campo entrincheirado, superior legitimo que superintende nesse serviço, para que se procedesse a determinados estudos, alguns agora incumbidos a commissão nomeada, se reuniram os officiaes que d'elle fazem parte, elaborando um relatorio circunstanciado e detalhado, em que se apresentaram as conclusões a que se chegou e que resolviam os pontos concretos sobre que versava a ordem dada e para as quaes tinha sido principalmente chamada a attenção do serviço de torpedos.

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Esse relatorio extenso, bem cuidado e concreto, foi remettido ao campo entrincheirado, naturalmente seguiu para o Ministerio da Guerra e certamente hoje lá dorme o somno dos justos, como em geral acontece aos relatorios.

Não foi, pois, por falta de trabalho e estudos que nada se realizou, nada se pôs em pratica. As razões foram outras. Muito e muito se tem feito até hoje no serviço de torpedos, e se mais se não tem caminhado não é por culpa dos officiaes que por lá teem passado, que todos muito teem produzido, a culpa é das dificuldades a vencer, que são enormes, extraordinarias! A natureza, que criou o porto de Lisboa amplo, vasto, profundo, podendo abrigar grandes esquadras, como que se mostra dosa de qualquer que pretenda entravar a sua entrada, barrando-a por qualquer maneira! Difficuldades quasi invencíveis oppõe á realização desse intento. Com essas dificuldades, que são muitas, de toda a espécie, algumas irreductiveis, lutam as pessoas que se encarregam d'esses estudos e é devido a isso e só a isso, que mais não está feito, comquanto muito se tenha progredido.

Debaixo de outros aspectos quero ainda encarar o assunto, perdoe-me a Camara o tomar-lhe tempo, mas talvez daqui se possam tirar conclusões edificantes.

Como é constituída a commissão? Apenas por officiaes da arma de engenharia!

Assim é por isso que o unico oficial de marinha que d'ella fez parte está, não como representante da sua classe, mas por - como diz o decreto que nomeou a commissão - ser commandante do vapor Mineiro. Nessa qualidade faz parte da commissão, a ella não podia deixar de pertencer, porque mal parecia o commandante do vapor, que conduzira a commissão nas suas excursões, ficar alheio a esses trabalhos, parte realizados no mar. Sendo, alem disso um technico, por ser oficial de torpedos ha muitos annos.

A commissão é, pois, constituida por officiaes de engenharia. A que criterio obedeceu S. Exa. nesta escolha? Até hoje o que tem sido seguido, e era o bom, racional e natural, tem sido nomear para estes estudos officiaes da armada engenharia e artilharia.

A razão disso já a vou dar; para a fundamentar, porem, permitta-me V. Exa., Sr. Presidente, que antes de mais nada faça uma ligeira resenha do modo por que até hoje e desde o seu inicio teem sido constituidos esses serviços, fazendo simultaneamente a analyse do modo como teem sido constituidos os quadros de officiaes d'elles encarregues.

Em 1873, pela primeira vez, se pensou entre nos, neste assunto, sendo nomeada uma commissão composta de tres officiaes da armada que, junto á antiga commissão de defesa do porto de Lisboa, se occupasse em estudar a applicação de torpedos fixos á defesa dos nossos portos, em especial do porto de Lisboa.

Essa commissão trabalhou desde 1873 até 1876.

Em 1876 foi substituída por outra commissão composta de dois officiaes de marinha e tres de artilharia - officiaes , que agora não fazem parte da commissão - a fim de, baseada nos estudos da outra commissão, ir ao estrangeiro estudar, adquirir o material ali usado e applicá-lo aos nossos portos.

Em 1878, após o regresso d'estes officiaes, foi criada a Escola de Serviço de Torpedos, para executar e fazer os estudos locaes necessarios. Essa escola foi installada em Paço de Arcos.

O quadro dos officiaes dessa escola era assim constituído: commandante, oficial da armada e tres adjunto officiaes da armada, de engenharia e de artilharia.

Eis, em principio, a representação das tres armas.

Essa escola, criada em 1878, vigorou até 1901, epoca em que foi desdobrada na Escola Pratica de Torpedos e Electricidade, hoje ao ser installada em Valle de Zebro, tendo a seu cargo os torpedos moveis e o serviço de torpedos fixos, que continuou installado em Paço de Arcos, tendo por missão defender todos os portos do país com torpedos fixos.

Neste estabelecimento mantem-se ainda a mesma norma na constituição do quadro dos officiaes adjuntos encarregados dos estudos á effectuar, oficiaes da armada, engenharia e artilharia.

Já V. Ex.a, Sr. Presidente, vê que o criterio sempre seguido e justificadamente, foi dar representação às tres armas. E porque este criterio? Porque os varios estudos, a fazer, as innumeras ligações e as muitas afinidades com os differentes ramos de sciencia que tem a applicação dos torpedos á defesa dos portos, relacionam-se intimamente cm as especiaes aptidões e conhecimentos technicos d'estas armas.

Para que se produza um trabalho completo, perfeitamente tratado, estudados conscienciosa e proficientemente, os mínimos detalhes, é necessario o concurso das tres classss de officiaes. Este é o criterio sempre seguido necessária e judiciosamente como acabo de provar.

Qual o criterio agora seguido pelo Sr. Ministro da Guerra? Arredar todos estes elementos que valiosamente ontribuiam para a proficuidade destes trabalhos e nomear exclusivamente officiaes de engenharia competentissimos aliás mas que não teem nem podem ter conhecimentos encyclopedicos.

Quero acreditar, Sr. Presidente, que a responsabilidade disso não cabe, por completo, ao Sr. Ministro e que S. Exa. nesta questão entra talvez como Pilatos no Credo, e que mão malevola, com não sei que intuitos, pretendeu arredar os officiaes da arrua de artilharia deste serviço, quando sempre n'elles tinham sido empregados e até de começo os unicos. É mau sestro da nossa terra desviar sempre tudo dos principies para as pessoas attendendo mais a estas que áquelles!

Outro aspecto da questão que desejo tratar é o recrutamento dos officiaes.

É a commissão composta, como disse, de cinco officiaes de engenharia. O Sr. coronel Roma Bocage e tenente-coronel Campos, dois distinctissimos officiaes, com muitos serviços, mas que nenhum conhecimento teem d'estes assuntos.

A applicação dos torpedos á defesa dos portos não se aprende nos livros, é preciso praticá-la dia a dia, lutar com as dificuldades que apparecem constantemente, só assim, numa longa experiencia se pode adquirir, competencia e conhecimento completo e profícuo sobre este ramo esperecialissimo da defesa dos portos.

Para outros serviços, pois, terão e teem estes dois distinctos officiaes competencia de sobra, para este não a teem, e fazendo esta afirmação, sem desprimor para ninguem, apenas presto culto á verdade.

Segue-se outro oficial, o Sr. major Gomes Teixeira. Este official é competentissimo pela longa pratica e conhecimentos resultantes do seu estudo em questões de torpedos, somente no caso presente não devia ser nomeado, por isso que, estando em estudo uma carcassa de torpedo esferico de contato, calculada por S. Exa., e sendo necessario que sobre ella recaia a apreciação da commissão, S. Exa. terá de desempenhar o difficil papel de ser juiz e parte ao mesmo tempo.
Dos outros officiaes nada tenho a dizer, porque são officiaes technicos, que teem obrigação de conhecer estes assuntos, tendo-se o Sr. tenente Silveira dedicado sempre e com muita proficiencia a estes estudos.

Porque foi S. Exa. o Sr. Ministro da Guerra buscar officiaes fora do serviço onde existiam technicos, alguns com muitos annos de pratica? Se queriam procurar representação fora do serviço, porque não nomeou o coronel de artilharia o Sr. Rocha, commandante do sector interior da defesa do porto de Lisboa e que superientende

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directamente no serviço de torpedos? Naturalmente por ser official de artilharia e ser necessario, não sei com que fins, que a commissão fosse toda de engenheiros !

Poucos dias antes de ter enviado para a mesa a nota do aviso previo, que hoje estou realizando, pedi documentos pelo Ministerio da Guerra e pelo Ministerio da Marinha para tratar de um assunto que se relaciona intimamente com aquelle de que me venho occupando. Esses documentos, apesar de serem decorridos já bastantes dias depois que os requeri, ainda não chegaram ao meu poder. Aproveito a o ocasião para pedir aos Srs. Ministros da Guerra e da Marinha me sejam enviados o mais breve possivel.

No entanto, e já que estou, com a palavra, sempre me referirei, ainda que ligeiramente, ao assunto que desejo tratar quando me venham às mãos, reservando-me para mais detalhadamente o expor quando estiver na posse d'esses documentes, provando então o que agora avançar. - Tendo sido o Sr. major Gomes Teixeira, quando adjunto ao Serviço de Torpedos Fixos, a quem ha pouco me referi, encarregado de fazer o calculo da espessura e determinar a forma de maior resistencia de uma carcassa para torpedos de contacto, por isso que se reconhecera que as carcassas de torpedos lenticulares "Nunes de Carvalho" existentes não tinham a resistencia necessaria, desempenhou-se este official proficientemente d'essa incumbencia, apresentando relatorio do seu trabalho em que propunha fosse construída uma carcassa espherica para torpedo de contacto. Approvadas as conclusões a que S. Exa. brilhantemente chegara foram mandadas construir seis carcassas do molde proposto por S. Exa. para serem experimentadas praticamente.

D'esse fabrico se encarregou a casa Moniz Galvão, que em 1906 entregava as seis carcassas que lhe tinham sido encommendadas pelo Serviço de Torpedos.

Pois até hoje, apesar de terem decorrido quasi tres annos, ainda se não sabe ao certo se satisfazem ou não completamente ao fim para que foram construidas! Isto apesar de ter sido commandante do Serviço de Torpedos até ha poucos meses o major Gomes Teixeira, official que fizera os cálculos das referidas carcassas quando ainda simples adjunto do mesmo serviço!

E no entanto houve um Ministro da Guerra, o Sr. Vasconcellos Porto, que autorizou a despender-se a verba de 20 contos de réis com a construcção, no Arsenal de Marinha, de cem d'essas carcassas.

Quer dizer: autorizou-se a construcção de cem carcassas de torpedos sem se saber se eram boas ou se eram más ! É para este assunto que eu agora chamo particularmente a attenção do Sr. Ministro da Guerra e para lhe pedir, se fosse possivel, que mandasse suspender a construcção dessas carcassas até haver parecer dado por technicos de que effectivamente ellas correspondiam perfeitamente e por um modo positivo ao fim a que são, destinadas e para que foram calculadas, e que só então se procedesse á sua construcção.

É assim que deve proceder um país quê se encontra nas circunstancias financeiras do nosso.

Em questões de defesa do país não se deve poupar um real, mas tambem não podemos desperdiçar absolutamente nada.

Precisamos gastar com certeza e segurança de que gastamos bem.

Ora, Sr. Presidente, despender 20 contos de réis na fabrico de cem engenhos de guerra, que não sabemos se será bom ou mau, ainda que as probabilidades lhe sejam favoraveis, é a negação mais absoluta do que acabo de dizer.

Contra isso me insurjo ! Cuidemos sim da nossa defesa com a maior attenção, mas com a maior economia. E devemos dedicar-lhe todo o cuidado porque para um país se impor ao respeito das outras nações, é preciso que tenha meios de defesa, é necessario que se faça respeitar para que lhe tributem consideração. Os países são como os homens.

Devido á resistencia tenaz, enorme e espantosa que os boers oppuseram á invasão inglesa, goza esse povo ainda hoje de uma autonomia quasi absoluta.

De onde lhe vieram essas condições de resistencia? Aos seus meios de defesa as deve.

Toda a attenção pois que se dedique á defesa nacional pouca é ainda.

Insisto porem em que o devemos fazer com a maxima economia, mande pois V. Exa., de entre os officiaes do Serviço de Torpedos, nomear uma commissão com o fim único de proceder a experiências com as seia carcassas de torpedos esphericos que esse serviço, possue, para podermos dizer ao país se são boas ou más, se satisfazem, ao fim a que se destinam ou não.

No caso affirmativo, o que tudo nos leva a crer e as experiencias particulares que já se teem feito nos deixam prever, então autorize V. Exa. não só 20 contos de réis mas o que for necessario á defesa do porto de Lisboa por meio de torpedos e terá V. Exa. prestado um bom serviço ao país.

Para provar o que acabo de dizer fiz o requerimento a que ha pouco me referi pedindo documento e pela solução do qual insisto novamente. Assuntos d'esta natureza provam-se sempre.

Tenho dito. (Vozes: - Muito bem).

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - Sr. Presidente: vou responder às considerações que o illustre Deputado Sr. Hintze Ribeiro acabou de fazer sobre a nomeação de uma commissão, a fim de estudar a utilidade dos torpedos na defesa dos portos.

S. Exa. começou por dizer que aquella nomeação parecia, á primeira vista, regular.

Ora eu digo a S. Exa. que acho tal facto sempre regular, porque não ha nada que possa impedir um Ministro da Guerra de nomear uma commissão technica para qualquer estudo.

O Sr. Antonio Hintze Ribeiro: - Mas não pode substituir.

O Orador: - Não substituo nada, estuda, e S. Exa. vê isso em todas as commissões militares.

Quando se nomeia uma commissão militar, é sempre para estudar, e o facto de haver uma estação official encarregada do assunto, não quer dizer que se não possa nomear uma commissão para accidentalmente tratar do mesmo assunto.

Todos os dias se vê isto, e ninguém vê nisto uma desconsideração.

As necessidades do serviço fazem com que num momento dado se julgue necessario e conveniente alargar mais esse estudo e1 dar mais desenvolvimento a essa especialidade.

A commissão, pois, não se deve julgar desconsiderada.

O Sr. Antonio Hintze Ribeiro (Interrompendo): - Passam a ser mandatarios officiaes que não teem conhecimento do assunto.

O Orador: - Já vamos a esse ponto.

Mas havia ou não necessidade d'esta commissão? O illustre Deputado mesmo foi o primeiro a dizer que os serviços estavam atrasados.

Houve, pois, circunstancias de serviço que fizeram nomear essa commissão. Não ha nada de extraordinario em que reformem esses serviços por uma forma legal para se poder desenvolver os respectivos trabalhos.

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20 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Foi nomeada uma commissão technica a que não se nega, nem pode negar, competencia, e de que se não são todos technicos os elementos que a compõem, são-no na sua maior parte.

O fim dessa commissão é estudar o torpedo em todas as suas applicações.

Todos esses membros dessa commissão são officiaes com bastantes conhecimentos.

São officiaes competentes para o assunto, conhecedores dos estudos de fortificação.

São officiaes como o Sr. Bocage e que...

(Interrupção pelo Sr. Antonio Hintze Ribeiro).

O secretario costuma ser sempre um official da confiança do presidente.

Disse tambem o illustre Deputado que o serviço de torpedos é mau.

Não é bem assim.

Por conseguinte não havia nada mais do que isto. O serviço de torpedos, que é restricto, tem um pessoal limitado que não pode vencer as dificuldades que se lhe apresentam. O que é verdade é que ha muitos annos que se precisava reforçar esse serviço com o estudo theorico e a forma de o fazer era nomear uma commissão.

Diz S. Exa. que então seria preferível modificar esse serviço. Mas nós não podemos estar a fazer uma organização de serviço, porque isso aumentaria muito a despesa. Com a nomeação de uma commissão esse inconveniente desapparecia e satisfazia ao fim que se tinha em vista, porque o seu commandante, que é o primeiro dessa commissão, levaria para ella todos os princípios, todas as ideias e todos os aperfeiçoamentos, a fim de que os trabalhos fossem profícuos e completos. E a prova do que acabo de dizer está na propria portaria que nomeou essa commissão, na sua ultima parte a que o illustre Deputado se não referiu. Essa parte diz o seguinte:

(Leu).

Quer dizer, constituiu-se na commissão o commandante e recommendou-se á commissão que aproveitasse o seu tempo pela forma mais conveniente, para o bom resultado dos trabalhos. Quer dizer, localizaram-se dois serviços sem desconsideração para ninguem e aproveitando a competencia de todos.

O Sr. António Hintze Ribeiro (interrompendo): - Não foi pelo lado da desconsideração que eu tratei o assunto. Eu tratei-o pelo lado technico e pelo lado da competencia.

O Orador: - Pelo lado da competencia já eu respondi a S. Exa., já eu tratei. Mas a desconsideração a que eu me referi não é desconsideração pessoal. E sim o melindre que pode haver nesta questão, pela instituição da escola de torpedos, mas esse melindre creio bem que não deve haver e n'estas circunstancias não vejo razão para se falar d'elle.

S. Exa. disse que não havia officiaes de artilharia n'essa commissão e effectivamente não ha.

Mas para este assunto, que foi o da applicação de uma forma geral, não me parece que se estabeleçam differenças entre uns e outros.

O Sr. Antonio Hintze Ribeiro: - S. Exa. sabe perfeitamente que na defesa dos torpedos, é preciso entrar em linha de conta com as differentes fortificações e com os tiros que n'ella se possam fazer, e n'esse campo são autoridade as pessoas que dirigem estes serviços, e os officiaes de artilharia não ficariam ahi mal.

O Orador: - Eu tambem digo que, se lá estivessem officiaes de artilharia, não estariam mal.

Um serviço de torpedos fica trabalhando juntamente com esta commissão, e essa tem officiaes de artilharia.

Pode S. Exa. estar certo que não houve a mais pequena ideia de fazer distincção de armas, porque se ha alguem que estivesse sempre separado d'essa susceptibilidade de differenças, sou eu, que em toda a minha carreira as tenho condemnado.

Aqui está explicada a razão por que a commissão em nada feriu os serviços de torpedos cuja organização fica como está.

Neste momento trabalha-se juntamente com a commissão que reforçou a sua actividade de trabalho.

Estes serviços já existem ha muitos annos e ha ainda muito para fazer e para se estudar.

S. Exa. comprehende a razão por que não entro em mais largas considerações a este respeito.

S. Exa. referiu-se depois a uns documentos que pediu pelo Ministerio da Guerra.
Como regra está estabelecido que se de o maximo andamento a todos os documentos requeridos, por esta Camara. Não trato de saber quaes são os documentos pedidos, quando me fazem recommendação especial é que eu applico a minha attenção sobre esses documentos.

Com relação á questão da encommenda de torpedos, de um novo modelo, que se mandaram fazer, encontrei essa encommenda já feita pelo meu antecessor. Julguei que o estudo d'esses torpedos estava adeantado para se encommendarem cem exemplares.

O Sr. Antonio Hintze Ribeiro (interrompendo): - Eu elucido S. Exa. Os torpedos teem de satisfazer a duas condições, a condição de resistencia, quer dizer: para poderem resistir aos effeitos do choque, e a condição de desvio, porque, pela differença de marés, pela maior ou menor vaga podem mergulhar mais do que o necessario.

Com relação á resistencia não ha nada a dizer, por isso que o resultado da experiencia foi completo e os torpedos parece que satisfazem, mas com relação às experiencias do desvio, estas é que nunca se fizeram e por isso nada absolutamente nada se sabe a este respeito.

O Orador: - Eu não sabia o que o illustre Deputado acaba de declarar. A encommenda está feita e o que eu posso garantir a S. Exa. é que empregarei os meus esforços de forma a que se activem e completem os estudos desses torpedos.

Mais direi a S. Exa. o motivo por que o Sr. Gomes Teixeira foi nomeado para essa commissão: foi obedecendo ao intuito de se completar o estudo d'esses torpedos, que acompanhasse com a sua intelligencia esse estudo e para que, ao mesmo tempo, o autor nunca possa dizer que houve má vontade ou má disposição contra o seu invento.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antonio Cabral, mas previno S. Exa. de que faltam apenas cinco minutos para se passar á ordem do dia.

O Sr. Antonio Cabral: - Sr. Presidente: confesso a V. Exa. que me é inteiramente impossivel, dentro dos cinco minutos que faltam para se passar á ordem do dia, dizer o que tencionava expor á Camara. E sendo isto assim, eu desde já previno V. Exa. de que na devida altura requererei para que me seja consentido continuar no uso da palavra, dada a importancia do assunto de que me vou occupar.

Sr. Presidente: hontem na Camara dos Dignos Pares do Reino, o Sr. José de Azevedo Castello Branco, referindo-se às declarações que eu tinha aqui feito com rela cão ao tratado entre a nossa província de Moçambique e o Transvaal - e eu não quero discutir agora se S. Exa. podia fazer referencias ao que nesta casa do Parlamento se passa disse que estava informado de que no dia 20 de janeiro d'este anno me tinha sido fornecido, pela Direc-

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cão Geral dos Caminhos de Ferro Ultramarinos, um relatorio em que se declarava que era sem o referendum da metropole que essas negociações se estavam tratando e que o Sr. Garcia Rosado tinha poderes para assinar sem reservas esse acordo.

Ora, Sr. Presidente: eu ja disse ha dias, e mais uma vez o repito, que só com a verdade me quero defender.

Nada mais tenho a acrescentar ao que ja disse sobre este assunto. Eu tomei conta da pasta da Marinha em 26 de dezembro proximo passado; tinha havido o adiamento das Cortes para 1 de março e durante esse intervallo eu tive de dedicar a minha attenção e o meu estudo por variadissimos assuntos que correm por aquella importantíssima Secretaria de Estado.

Na intenção de estudar e dedicar a maxima attenção aos assuntos do meu Ministerio, pedi pelas differentes Repartições do Ministerio me fosse fornecida sobre os assuntos mais importantes uma nota que se referisse tambem às questões que mais tarde seriam provavelmente tratadas no Parlamento.

Foram-me fornecidas essas notas, relatórios ou memorandus, alguns mesmo sem assinatura, e são portanto, como digo, simples notas ou apontamentos, que aqui tenho, como são estes que constam de apontamentos sobre as obras do caminho de ferro de Moçambique, outro do incidente de Macau, outro sobre caminhos de ferro no ultramar.

Todos elles são simples notas que precisei para formar um pequeno relatorio que entendi dever fazer, e que ainda conto apresentar á camara, não já como Ministro, mas como simples Deputado, servindo-me tambem para relatorio de algum projecto que sobre esses assuntos venha ainda a formular.

Ha alguns que teem assinatura.

Já vê a Camara que são apontamentos para estudo, simples notas particulares, sem caracter official e sobre as quaes não foi lançado despacho algum.

O Sr. Presidente: - É a hora de se passar a ordem do dia.

O Orador: - Peço a V. Exa. o favor de consultar a Camara sobre se permitte que eu termine as minhas considerações.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara pode V. Exa. continuar com a palavra.

Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo,

O Orador: - Agradeço a V. Exa. e a Camara a sua attenção e no resto da explicação dos meus actos, serei o mais breve possível; se fiz este pedido é porque entendo que este assunto é o que mais prende a opinião publica, e porque julgo meu dever, como Ministro da Marinha que fui, explicar os meus actos.

Não abusarei da attenção da Camara, mas, como disse, necessito explicar os meus actos.

Sobre algumas d'essas notas que me foram fornecidas particularmente, umas que eu pedi, outras que não pedi e que me foram enviadas expontaneamente, não lancei a0 minha attenção porque entendi que me devia referir ao assunto, só mais tarde, quando eu desse conta d'estes factos na Camara, e, ainda, porque necessitava de todo o tempo para me dedicar ao estudo desses variadissimos e complexos negocios que correm pela pasta da Marinha e Ultramar.

Por isso, entendi que apenas mais tarde eu podia ler e estudar detalhadamente os assuntos a que esse memorandum se referia.

Sobre a missão Rosado, recebi esta nota que tem a data de 20 de janeiro de 1909; havia ainda mês e meio.

Não havia nada que determinasse qualquer providencia sobre as negociações entaboladas pelo Sr. Rosado.

Mais tarde, a 9 de março, appareceu uma autorização.

Num jornal da manhã, vem um telegramma da agencia Reuter, que levou o nosso collega desta Camara, o Sr. Mello Barreto, a fazer algumas perguntas sobre o assunto. Viu-se que essa nota não era absolutamente verdadeira.

Depois, seguiram-se os acontecimentos que S. Exas. conhecem, e, mais tarde, surge o telegramma de 12 de outubro em que se dizia que ao Sr. Garcia Rosado foram dados plenos poderes pelo Sr. Augusto Castilho.

Ora, Sr. Presidente, podia não ter havido da minha parte aquelle cuidado que era necessario ter sobre um assunto de tanta importancia. Mas, o acordo tinha chegado aos seus termos, e não havia absolutamente nada que obrigasse a acção do Governo a ser muito excessiva.

Nenhum cuidado me davam essas negociações, e a prova é que nunca tive em Conselho de Ministros de tratar deste assunto, porque não houve circunstancia alguma que obrigasse, como disse, a qualquer acção do Governo sobre as negociações que estavam pendentes.

O Sr. Garcia Rosado de quando em quando telegraphava pedindo uma ou outra iinformação, pedindo qualquer instrucção e dando conta de qualquer facto que era importante.

Isso mais me convenceu de que não eram sem reserva as restricções e os poderes.

Não quero cansar a Camara com a leitura dos documentos, quero sómente prender a sua attenção com a verdade dos factos.

No memorandum não ha uma unica palavra sobre o ad referendum, sobre as autorizações que tinham sido concedidas ao Sr. Garcia Rosado, não ha uma unica palavra em que se façam referencias às restricções ou não restricções, às reservas ou não reservas, com relação ao telegramma que foi expedido em 11 de outubro do anno passado. A nota, que não é um documento official, expõe a questão.

(Leu).

Portanto, como S. Exa. vê, não ha aqui nota de que eram sem reserva as restricções e os poderes. Plenos poderes sabia eu que os havia.

Onde se faz nesta nota que aqui tenho, e de que hontem se quis fazer cavallo de batalha, a menor referencia que fosse ad referendum ou não ad referendum, com reservas ou sem reservas, o acordo negociado?

Que S. Exa. levava poderes para negociar, sabia eu.

Portanto, não estou em desacordo, pelo contrario, confirmo o que disse a Camara, confirmo a verdade das minhas palavras.

Aqui estão os documentos que ponho a disposição da Camara. (Apoiados).

Porventura, Sr. Presidente, ha alguém que me supponha capaz de vir aqui, ao seio da representação nacional, como Ministro e como Deputado, fazer uma aífirmação d'aquella gravidade, de que era ad referendum que seria assinado o acordo com o Transvaal?

Disse-nos ainda ha poucos dias, com a sua autoridade de Ministro, o Sr. Castilho, quando relatou a Camara que as instrucções que o Sr. Garcia Rosado tinha levado para negociar esse acordo eram ad referendum. Foi assim que eu vim a esta Camara, e foi em 9 de março, em resposta ao Sr. Mello Barreto, que eu fiz as declarações que V. Exa. e a Camara ouviram. Essas declarações não são destruídas por essa nota, e se essa nota, meramente particular dissesse o contrario do que eu tinha dito, que as negociações que o Sr. Garcia Rosado esta fazendo não eram ad referendum, eu não teria duvida em vir aqui declarar - errei, enganei-me, a nota diz isso, portanto sujeito-me. Era isso o que eu faria, pois eu faço por seguir

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o caminho honrado que a dignidade impõe a todo o homem que se preza; mas esta nota nada diz, e eu não sei o que se pretendeu fazer com o trazer á tona de agua essa nota meramente particular, que eu tinha pedido ou que me tinha sido offerecida, não me. recordo bem, porque umas pedi-as eu, outras foram-me dadas pela repartição. Está nesta casa do Parlamento quem pode informar porque algumas dessas notas me forneceu,- e que é um funccionario distincto do Ministerio da Marinha, o Sr. Ernesto de Vasconcellos; ali está S. Exa., que pode dizer se algumas dessas notas, a que se refere ao Observatório de Lourençó Marques e outras que aqui tenho assinadas por S. Exa., não me foram fornecidas...

(Interrupção do Sr. Ernesto de Vasconcellos que não foi ouvida).

Para que é toda esta bulha, este tumulto, esta poeira em volta do convenio com o Transvaal. Conhece-se porventura esse tratado, é porventura bom ou mau? D'elle sabe-se o que V. Exas. conhecem, mas os entendidos, os que conhecem, os que sabem o valor que tem aquelle importante documento, ao qual ha dias o Sr. Augusto Castilho aqui fez referencias, todos esses sabem que o tratado é de grande importancia e vantagem para a nossa província de Moçambique; basta ver a maneira como o Natal e o Cabo estão tratando desse assunto, os comícios que estão fazendo. Para se ver que a vantagem desse tratado é grande para nós e para elles não, é que pedem que seja revogado já, e aproveito a occasião para me referir ao telegramma que hoje vem publicado no Diario de Noticias, assinado pelo Sr. Lara Everard, um dos que interveio neste acordo na parte aduaneira, em que se fazem referencias a esse tratado e que deve tirar todas as duvidas áquelles que porventura as tenham, para que não sejam levadas n'esta campanha que se está fazendo com intuitos politicos.

O telegramma é curto não leva muito tempo a ler.

É possível que alguns Srs. Deputados já o tenham lido, mas eu não me dispenso de o ler para que todos vejam a verdade.

Diz o telegramma:

(Leu).

Creio que os antigos correligionarios do Sr. Lara Everard são os membros do partido regenerador.

É pois um telegramma assinado por una funccionario que deve ser insuspeito aquelle lado da Camara.

É um antigo correligionario que diz a S. Exas. que não estejam fazendo jogo aos interesses de Moçambique, É um funccionario que tomou parte em negociações alfandegarias e que conseguiu importantes vantagens para a nossa província de Moçambique. É elle que vem dizer ao seu país que de animo leve não esteja fazendo, uma campanha que é contraria aos nossos interesses e que é antipatriotica.

Eu seria o primeiro a vir dizer aos meus collegas d'esta Camara, como bom português, que era necessario fazer uma campanha contra esse tratado se elle fosse indigno, e se nos collocasse debaixo dos interesses do Transvaal.

Mas é necessario esperar pelo texto do tratado para depois firmar em bases seguras as accusações que se fizerem. (Apoiados).

Assim, sem bases, sem fundamentos, só pelo que se diz pelo que corre, vir fazer accusações em volta do Groverno, espalhar boatos que possam enfraquecer a acção do Governo, sem ver que com isso se prejudica a causa e o interesse do país, e do nosso domínio colonial da província de Moçambique, peço licença para dizer que assim não cumprem o seu dever. (Apoiados).

Parece-me ter provado que cumpri o meu dever, falei com toda a verdade e mesmo que contra mim fosse, falaria do mesmo modo. Logo que ouvi o que foi dito na outra casa do Parlamento entendi dever vir aqui dizer tudo que sabia e devia dizer. (Apoiados)..

Dito isto mando para a mesa tres requerimentos, pedindo documentos pelo Ministério da Marinha e que eu não leio para não tomar mais tempo á Camara.

E agora permitta-me V. Exa. que, embora isso seja contra o nosso regimento e eu não queirar fazer referencias a quem não está presente, eu aclare uns pontos do discurso que o Sr. Ayres de Ornellas pronunciou na Camara dos Dignos Pares.

S. Exa. principiou por dizer que se tinha levantado contra a sua administração uma campanha.

Ora eu tenho que dizer que, pela minha parte, não foi levantada qualquer campanha.

Quanto a eu não ter fornecido a S. Exa. espontaneamente os documentos por elle pedidos ao Ministerio da Marinha, dizia esse Digno Par:

(Leu).

O que é verdade é que durante o tempo em que eu geri a pasta da marinha, não houve necessidade de uma intervenção decisiva e immediata nesse acordo.

As diligencias que fiz, durante o tempo que geri aquella pasta, foi em fazer uma administração vigorosa com a maxima economia possível (Apoiados) e a mandar, como mandei, telegrammas a todos os governadores, ordenando-lhes que não autorizava que se fizesse nenhuma despesa que não estivesse estrictamente consignada no orçamento, fazendo assim com que nos cofres publicos entrassem algumas centenas de contos de réis. (Apoiados).

Foi um dos meus primeiros actos como Ministro, o zelar avaramente os interesses do Thesouro, não deixando sair um ceitil senão quando as circunstancias obrigavam e, mesmo assim era, deixe-me V. Exa. dizer, regateado por mim, que não estava ali para despender dinheiros que não nos pertencem. (Apoiados).

A essa tarefa me entreguei durante os tres meses e meio que fui Ministro.
Todos os documentos sobre estes despachos me foram fornecidos pelas repartições, onde nunca entrei senão no cumprimento da minha obrigação.

Fui a cada uma das repartições do meu Ministerio despedir-me pessoalmente de todos áquelles que tinham ido ao meu gabinete cumprimentar-me quando tomei posse do meu cargo, e entendi que não era mais do que áquelles meus antigos subordinados, e que por isso me devia despedir pessoalmente d'elles.

Só então, sendo já Ministro exonerado, só então eu entrei nas respectivas repartições quer da Marinha quer do Ultramar.

As referencias que o Sr. Ayres de Ornellas me fez na Camara Alta, não as ouvi, porque não estava presente, mas tomei conhecimento d'ellas pelo que diz o Diario illustrado.

Referindo-se S. Exa. ao processo sobre o imposto do alcool da Companhia Sousa Lara, declarou que tinha mandado pagar a avença de 9 contos de réis, o que não tinha sido cumprido em despacho posterior pelo meu querido amigo, nobre homem de estado da política d'este país, o Sr. Augusto de Castilho.

Fiz referencias ao despacho de S. Exa. que tinha mandado pagar direitos de álcool devidos por essa firma, mas esse despacho não foi cumprido pelo governador do ultramar dessa occasião, hoje fallecido, o Sr. Eduardo Costa.

Em seguida, depois de varias peripecias, foi lançado um despacho nesse mesmo processo, em virtude do qual foi mandada pagar a avença de 9 contos de réis.

Disse o Sr. Ayres de Ornellas, na outra casa do Parlamento.

(Leu).

Devo dizer que este processo nunca subiu a despacha ministerial; não tem uma unica palavra escrita por mim.

Portanto, eu não tive conhecimento do processo, nem podia por isso revogar o despacho por que d'elle só tive conhecimento já quando estava demissionario.

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Nesse processo havia um despacho prorogando por um anno o pagamento do imposto e esse prazo de um anno termina em agosto próximo e por isso não havia da parte da repartição respectiva culpa do que se fez, nem podia fazer mais do que deixar terminar o prazo e aguardar o prazo da prorogação, para depois, e só então, levar esse processo ao despacho do Ministro.

Aqui tem a resposta muito clara e muito terminante ao discurso feito na outra casa do Parlamento pelo Sr. Ayres de Ornellas.

Este processo, mais uma vez repito, não foi levado a despacho, não por esquecimento, não propositadamente, porque, tendo havido despacho ministerial prorogando o prazo do pagamento do imposto, só em devida altura é que eu teria conhecimento d'elle.

O Sr. Malheiro Reymão (interrompendo): - V. Exa., pode-me dizer de quem é esse despacho?

O Orador: - Não tenho duvida nenhuma em o dizer. É do Sr. Castilho.

O Sr. Augusto de Castilho: - Apoiado!

O Orador: - Como o illustre Deputado o Sr. Reymão vê, o proprio Sr. Castilho confirma o facto.

Se fiz esta referencia foi apenas para responder á accusação que o Sr. Ornellas fez.

O Sr. Malheiro Reymão: - Eu não desejo intervir n'esta questão, mas como Ministro não hesitaria em revogar um despacho ministerial do meu antecessor, desde que soubesse que elle era menos conforme com os interesses do país. Eu derogava-o.

O Orador: - Mas para derogar é preciso conhecer; é necessario ter conhecimento não só do despacho, mas tambem do processo e eu não tive conhecimento nem de uma cousa nem de outra.

O Sr. Malheiro Reymão: - Lamento que V. Exa. chegasse sempre tarde e tivesse conhecimento das cousas muito tarde.

O Orador: - Eu occupei por muito pouco tempo a pasta da Marinha e V. Exa., que já foi Ministro das Obras Publicas como eu o fui, sabe bem o extraordinario movimento desse Ministerio. V. Exa. ha de convencer-se de que entraram muitos despachos nesse Ministerio de que V. Exa. não teve o mais pequeno conhecimento.

O Sr. Malheiro Reymão: - É-me muito desagradavel falar de mim. Eu affirmo a V. Exa. que processos de certa gravidade, não havia um só nesse Ministerio de que eu não tivesse conhecimento.

O Orador: - De acordo, mas V. Exa. ha de notar uma cousa.

Em primeiro logar S. Exa. esteve no Ministerio das Obras Publicas muito mais tempo do que eu estive no Ministerio da Marinha. S. Exa. esteve lá cerca de 2 annos e, portanto, mais facilidade teve em tomar conhecimento dos processos de alta importancia; mas em todo o caso se S. Exa. for ainda agora áquelle Ministerio, certamente que ha de encontrar alguns de que não teve conhecimento.

(Apoiados).

O Sr. Pinto da Motta: - O que eu desejava saber é se sim ou não tinha havido unhas aduncas.

O Orador: - Eu não sei se houve ou não unhas aduncas, estou apenas defendendo os meus actos.

Não querendo tomar mais tempo á Camara, agradecendo-lhe a benevolencia com que me escutou e parecendo-me que justifiquei cabalmente a minha administração, (Apoiados) vou terminar as minhas considerações, mandando para a mesa uns documentos sobre a minha administração para serem examinados por quem desejar.

(Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Presidente: - Os documentos ficam na mesa para serem examinados pelos Srs. Deputados e os requerimentos vão ser expedidos.

Continua no uso da palavra o Sr. Claro da Ricca. S. Exa. tem 45 minutos para concluir o seu discurso, alem do quarto de hora que lhe concede o regimento.

O Sr. Claro da Ricca: - Começa por frisar que teve occasião de notar hontem as contradições, que foram taes, que podem, aggravadas com a crise, constituir um perigo nacional.

Demonstrou tambem que o actual Governo não merece absolutamente confiança alguma, fora dos conluios, e elle não é mais do que a continuação capciosa, no poder, de uma omnipotencia que está sendo muito grave para a nação com o tratado do Transvaal.

A segunda parte do seu discurso tende a demonstrar que em nada diminuiu na intensidade do verdadeiro perigo o valor intrínseco dos membros do actual Ministerio.

Já hontem disse não ser seu propósito magoar qualquer dos actuaes Srs. Ministros, mas, desde que assim o declara, ninguem tem o direito de ver nas suas palavras qualquer desprimor e apenas uma critica mais ou menos azeda.

É bom que se saiba que os membros do Governo, obedientes às ordens do seu chefe, não teem, na opinião d'elle, orador, as habilitações precisas e indispensaveis para comprehender a gravidade da situação por que a nação está passando.

Vae prová-lo, percorrendo as differentes pastas.

Quanto á da Fazenda, financeiramente vive-se sob a pressão das praças estrangeiras.

Para se apreciar a nossa agonia financeira, basta pegar no ultimo documento vindo do Ministerio da Fazenda e que são as contas do Thesouro relativas ao ultimo anno economico.

Por elle se vê - que ha apparentemente um excesso de receita sobre as despesas de cerca de 2:000 contos de réis mas examinando-se bem vê-se que desse apparente excesso ha varias deducções a fazer.

Quer dizer: é o principio do fim, é uma degringolade que se apresenta inevitavel"

No actual momento, quando nos ameaça a vaga catastrophe, quando era necessaria uma jangada do Sr. João Branco para salvar o país, apparede o escaler de recreio do Sr. José Luciano de Castro!

Passando á pasta da Marinha e Ultramar, observa o orador que nas nossas colonias estão mais do que as nossas tradições - o que era muito em si - está tambem o futuro da metropole.

É indispensavel organizar um novo plano de governo colonial, fazendo de todas as colónias verdadeiros Estados, que por todas as formas possam progredir, moral e materialmente.

É necessario fazer dessas colónias um manancial para. a metropole.

Quanto á pasta do Reino está ella occupada pelo Sr. Alexandre Cabral, homem correctíssimo, de muito bons modos, mas submisso ao seu chefe, o que é aliás pouco para a gravidade da situação.

Todos sabem que ha questões importantíssimas pendentes da pasta ,do Reino e necessario se torna saber se o Sr. Ministro do Reino as vae resolver.

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Estão nesse caso a revisão da Carta Constitucional, as reformas politicas, o problema da instrucção publica; a tudo isso é necessario attender, como tambem se deve attender às classes pobres.

Segue se a assistencia publica, a proposito da qual o orador desejaria que S. Exa. lhe dissesse se entende, ou não, ser uma questão de grande vitalidade e alcance.

Quanto á pasta dos Estrangeiros, pendem n'este momento d'ella, para ser negociada pelo respectivo Ministro, a lei das sobretaxas, que foi votada e que mal applicada foi. Estão pendentes vários tratados de commercio. Mais do que nunca era agora occasião de Portugal se aproximar finalmente do Brasil e dos Estados Unidos da America do Norte, do qual o nosso país está muito afastado.

Nas pastas da Justiça e das Obras Publicas estão dois contraparentes d'elle, orador, e portanto esta sua critica ha de resentir-se um pouco, mas ha de ser justo.

O Sr. Conde de Castro e Solla é rapaz novo, cheio de ambições e que tem uma habilidade rara: é que, quando reconhece que não pode resolver qualquer questão, nomeia logo uma commissão.

Assim, desejaria o orador que o Sr. Conde de Castro e Solla o elucidasse sobre quaes as suas ideias ácerca das seguintes questões, que são realmente momentosas:

Sendo a lei de 13 de fevereiro uma mancha ignominiosa da legislação, tenciona S. Exa. alterá-la? E o que pensa a respeito da lei de imprensa, que é uma verdadeira peia, assim como tambem a respeito dos codigos, que estão actualmente antiquados e que carecem de uma modernização que não teem?

Sobre todos estes assuntos deseja ouvir o Sr. Ministro da Justiça, especialmente sobre os dois primeiros.

Segue-se a pasta das Obras Publicas, cujo titular é considerado como um agronomo distincto. Quaes são os problemas dependentes da pasta de S. Exa.?.

Em toda a parte do mundo a pasta do fomento é a base de todas as preoccupações, na Inglaterra, na Russia e na Suissa.

É necessario fazer estradas, abrir canaes. E onde tem o Sr. Ministro das Obras Publicas a vastidão de conhecimentos necessaria que possa garantir o bom desempenho do seu logar?

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que deu a hora, tendo S. Exa. mais 15 minutos para terminar o seu discurso.

O Orador: - Vae concluir.

Estranha a ausencia do Sr. Ministro das Obras Publicas, visto ter annunciado que a segunda parte do seu discurso seria uma analyse da administração de cada uma das pastas; e, se lhe fosse permittido, perguntaria por que não se acha presente o Sr. Ministro das Obras Publicas.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Guerra (Sebastião Telles): - S. Exa. não póde comparecer por motivo de serviço na sua Secretaria.

O Orador: - Sem querer duvidar das palavras do chefe do Governo, ha de ler entretanto amanhã os carnets mondains dos jornaes, para saber onde o Sr. D. Luis de Castro passou algumas horas em convívio agradavel.

Quanto á pasta da Guerra, está ella occupada pelo Sr. Presidente do Conselho, escritor primoroso, homem muito lido de certos tratadistas a quem tem reproduzido com uma certa fidelidade.

Em todo o caso, apesar da fama de que S. Exa. goza, a verdade é que a nação não tem sentido os effeitos da ingerencia benefica de S. Exa. na pasta da Guerra.

Alem disso, S. Exa. finge ser o Presidente do Conselho, quando todos sabem que o verdadeiro chefe do Governo não pode vir para o campo; e, assim, o Sr. Sebastião Telles, fora da pasta da Guerra, torna-se gauche, não quer andar, é como o peixe fora de agua.

Assim, a solução dada á crise é um colossal perigo nacional, em face dum Ministerio que não pode andar, que não anda, por mais que o apapariquem, porque lhe faltam pernas e no craneo elementos indispensaveis, não saindo o seu chefe da sua tenda dos Navegantes.

É lida na mesa e admittida, ficando conjuntamente em discussão, a moção do Sr. Claro da Ricca.

(O discurso será publicado na integra, quando o orador restituir as notas tachygraphicas).

É lida na mesa a moção apresentada pelo Sr. Claro da Ricca. Consultada a Camara foi admittida á discussão.

O Sr. João Ulrich: - Mando para a mesa a seguinte

Proposta

Em nome da commissão do orçamento tenho a honra de propor para serem aggregados á mesma comimssão os Srs. Deputados José Maria de Oliveira Simões e Joaquim José Pimenta Tello. = João Henrique Ulrich.

Foi approvada.

O Sr. Henrique Anachoreta (por parte da commissão de petições): - Tenho a honra de enviar para a mesa a seguinte

Participação

Participo a V. Exa. e á Camara que se acha installada a commissão de petições, tendo escolhido para presidente o Sr. Deputado Alfredo Pereira e a mim para secretario. = Henrique Anachoreta.

Para a acta.

O Sr. Presidente: - Falta apenas um minuto para se entrar na segunda parte da Ordem do dia. Não sei se o Sr. Alexandre de Albuquerque, por um minuto, deseja iniciar as suas considerações.

O Sr. Alexandre de Albuquerque: - Realmente, um minuto é muito pouco. Falarei na proxima sessão.

O Sr. Presidente: - Vae pois passar-se á segunda parte da ordem do dia -

Discussão da resposta ao Discurso da Corôa.

É lido na mesa.

PROJECTO DE LEI N.° 2

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portuguesa: - Com satisfação venho abrir as Côrtes Geraes da Nação Portuguesa. Ao iniciar os seus trabalhos cabe-me expor a situação política do momento, tanto externa como interna, os acontecimentos que decorreram no período inter-parlamentar, e as propostas e intenções do Meu Governo.

Manteem-se firmes a nossa alliança tradicional e antigas amizades. Do Rei D. Affonso XIII, Meu Amigo, como Irmão, recebi a visita em Villa Viçosa. Não revestiu ella.

Senhor.- Foi grato á Camara dos Deputados ver a abertura solemne da nova sessão legislativa; e com satisfação ella ouviu a affirmação feita por Vossa Majestade de que continuam cordiaes as relações entre Portugal e as outras Potencias.

Com vivo prazer tambem consigna a Camara o seu reconhecimento e prazer pelas provas de estima que a Vossa Majestade e ao país foram dadas pela Inglaterra, pela Espanha e pelo Imperio Allemão.

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caracter político, nem especial solemnidade, mas nem por isso deixou de ter p alto e agradável significado de uma manifestação de intima amizade entre as duas Coroas e países. É-me grato salientar esta cordialidade de relações com a nação irmã na península e seu Chefe Supremo. Já por occasiao do Meu primeiro anniversario natalício, que passei como Rei, a Espanha enviou a saudar-me, na cidade do Porto, um dos seus navios de guerra, ao mesmo tempo que, em cordial manifestação de estima, a nação alliada ali mandava a cumprimentar-me o seu cruzador Sapphire. Com prazer consigno aqui, por todos estes factos, é Meu reconhecimento, em que Me acompanha toda a Nação Portuguesa. Com as demais potencias são affectuosas as nossas relações; especializo o Imperio Allemão, pelas provas de boa estima que nos foram tributadas no decorrer das negociações do tratado de commereio, que espero merecerá a vossa approvação.

Sendo incertos os limites de Macau e suas dependencias, suscitaram-se difficuldades com o Celeste Imperio, as quaes espero não se repitam, pois se assentou, formalmente, em proceder sem demora, por commum acordo, á delimitação de Macau e suas dependencias.

O terrível desastre de Messina e Reggio, ferindo a Italia, commoveu o mundo inteiro. Intimamente nos associamos às suas dores, e em todo o país se deu um movimento de sympathia, com o qual Me congratulo pela demonstração de estima manifestada para com a Itália, á qual Me prendem laços de sangue e de amizade.

Pelo que toca á nossa vida interna registo com intimo contentamento que a tranquillidade publica é completa, que renasce a confiança, e em volta do Throno se agrupam as mais firmes dedicações. D'ellas recebi sobejas provas em viagens que fiz pelo país. Na minha demora na cidade do Porto, da qual conservo imperecível e grata lembrança, nas- minhas visitas a Braga, a Guimarães, a Aveiro, a Vianna, a Santo Tirso, a Barcellos, a Coimbra, a Villa Viçosa, a Torres Vedras, Valle do Vouga, Villa da Feira, Oliveira de Azemeis, Espinho, Bouças e Gaia, por toda a parte, bem como na capital, Me cercaram sempre as provas da maior dedicação, do mais acendrado lealismo monarchico, que perante vós lembro neste momento em grata recordação. A ellas correspondo, com a mais inteira devoção pelo povo e pelo Meu país. E para sentir que uma terrível situação economica afflija n'este momento a outro na prospera região do Douro, que hoje se debate em cruciante crise que por todas as formas o Meu Governo procura combater, e que muito de perto Eu acompanho em espirito e do coração; e que uma lamentável epidemia felizmente quasi extincta, sujeite a dolorosa provação algumas das Ilhas dos Açores. Com o Meu Governo espero, e muito ardentemente desejo, que em breve tempo a saude publica ali esteja de todo restabelecida.

Durante o interregno parlamentar deu-se uma crise ministerial. Constituira-se o Meu primeiro Governo, depois de ouvido o Conselho de Estado, por acordo com os chefes dos dois grandes partidos históricos. Tendo-lhe retirado um d'elles o seu apoio entendeu esse Governo dever offerecer-me a demissão para sobre a offerta eu poder consultar aquella alta corporação e demais entidades políticas e resolver como parecesse melhor aos superiores interesses da nação. Dessa crise saiu o Governo actual. Do resultado de seus trabalhos e iniciativas tomareis conhecimento e julgareis; como poder independente que sois.

Pela pasta do Reino vos serão presentes, no que toca á instrucção, propostas tendentes a reformar o ensino primario; a introduzir a inspecção sanitaria nos lyceus e desenvolver a educação physica; a dotar com edifícios apropriados os lyceus da cidade do Porto; e a reorganizar o ensino da architectura. No concernente a assistencia publica, saude e beneficencia, usará largamente o Governo da sua iniciativa e perfilhará desde já o projecto para a construcção de casas baratas, pendente de approvação na

Relativamente á delimitação de Macau espera a Camara que as difficuldades levantadas se não repitam e que este assunto seja definitivamente resolvido.

O terrível desastre que tão profundamente feriu a Italia causou a todos nós uma grande dor, e por isso mais uma vez esta Camara manifesta aquella nação a sua sympathia e a sua magua.

Felicita-se a Camara pela forma carinhosa e enthusiastica como Vossa Majestade foi recebido na cidade do Porto e nas outras terras do país que honrou com a sua visita; reconhecendo que em todas ellas foram prestadas a Vossa Majestade "provas inequívocas da mais leal dedicação monarchica.

Sinceramente lamenta a Camara a situação angustio" em que se encontra a região do Douro, e bem assim a epidemia que flagellou algumas ilhas dos Açores; mas confia em que o Governo continuará promulgando as providencias necessarias para debellar de todo estas duas horríveis calamidades.

Tomou a Camara conhecimento da crise ministerial que teve logar durante o interregno parlamentar e da maneira como ella foi resolvida por Vossa Majestade.

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sessão transacta. Parece ao Meu Governo que a reorganização da policia e do juízo de instrucção criminal merece especial cuidado e, por isso, para este assunto chamará a vossa particular attenção.

Pela pasta da Justiça, em orientação ponderadamente liberal, se proporá a modificação da lei de 13 de fevereiro de 1896 e a regulamentação da manifestação do pensamento por meio da imprensa. Importando aperfeiçoar o exercício do poder judicial, se procura regularizar a substituição dos juizes de direito, reformar o serviço dos juizes criminaes em Lisboa e Porto e melhorar a situação dos delegados do procurador regio. Propostas vos serão tambem apresentadas concernentes às congruas e reforma do notariado. Convindo sempre não descurar a questão social contribuirá esta pasta na sua iniciativa para a criação de colónias agrícolas correccionaes para menores.

Pela pasta da Fazenda vos será presente sem demora o orçamento para 1909-1910 e juntamente com elle algumas propostas tendentes a equilibrar nesse anno as receitas com as despesas. Em seguimento o Governo solicitará o vosso cuidado para as providencias que julga necessarias a fim de em annos futuros esse equilíbrio se manter, assegurando o custeio das despesas publicas pelos recursos próprios do Thesouro. Para isso concorrerão a remodelação dos impostos directos, sem novos gravames, mas por maneira a alcançar uma melhor distribuição e productividade, e outras iniciativas, alem das que estão pendentes do voto parlamentar, taes como a conversão da divida fluctuante e a reorganização da Caixa Geral de Depositos.

Sendo indispensavel prestar attenção, solicita ao exercito, que tamanhos serviços tem sempre feito ao país, e desejando o Meu Governo que elle possa acompanhar progressos que se dão no estrangeiro, pela pasta da Guerra vos serão presentes: propostas para a reorganização do exercito; para a revisão das leis do recrutamento e do Codigo de Justiça Militar.

De par com o exercito de terra importa cuidar da armada portuguesa, de tão largos préstimos e nobres tradições. Com esse intuito vos proporá o Ministro da Marinha: a equiparação dos officiaes da armada aos do exercito na liquidação das patentes; a reorganização do quadro dos officiaes não combatentes; e a construcção de um arsenal na margem esquerda do Tejo, satisfazendo a todas as necessidades modernas. Como protecção á classe piscatoria se procurará reorganizar a fiscalização do serviço da pesca e a exploração das aguas territoriaes pelas embarcações estrangeiras.

Ao nosso vasto domínio ultramarino consagra o Meu Governo o mais estricto cuidado. Pensa que para o seu desenvolvimento economico convém proteger tanto quanto possível o consumo dos generos coloniaes na metropole, e nesse propósito vos apresentará propostas referentes ao açúcar, milho e café. Pelo que interessa ao desenvolvimento material e moral das colonias julga efficaz que se providencie: reformando o ensino no Collegio das Missões; estabelecendo colonias penaes agrícolas; organizando os serviços pecuarios, o dos caminhos de ferro e das empresas agrícolas; formulando um novo regimento para administração da justiça nas províncias ultramarinas; e promulgando um novo regime para a concessão de terrenos em Moçambique.

Pela pasta dos Negocios Estrangeiros será proposto á vossa sancção o tratado celebrado com a Allemanha, o primeiro firmado da serie em negociações, e a remodelação dos serviços d'aquella Secretaria de Estado, criando um Conselho Superior Diplomatico e Consular, que permitta a manutenção da tradição no seguimento de negociações de sua natureza sempre morosas, e dando á vida d'aquelle Ministerio a orientação economica e commercial que por toda a parte á diplomacia hoje se attribue.

Pela pasta das Obras Publicas vos serão submettidas: as seguintes propostas:

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A divisão do respectivo Ministerio em duas Secretarias de Estado, ficando existindo um Ministerio das Obras Publicas, Correios, Telegraphos e Caminhos de Ferro, e um Ministerio de Agricultura, Industria e Commercio. As exigencias do nosso fomento economico e o colossal progresso de todos os assuntos, que ao actual Ministerio das Obras Publicas incumbe tratar, impõem esta divisão. E feita ella indispensavel se torna tambem que se proceda a um inquerito geral às forças economicas do país, rapidamente feito sob a direcção de pessoas eleitas pelas Camaras de entre os seus membros.

Da organização do Ministerio da Agricultura e do inquerito proposto sairá o plano de fomento sob todas as formas e aspectos, bem como de tudo quanto diga respeito á intervenção do Estado como guia e protector do trabalho economico e technico das populações agrícolas, industriaes e commerciaes. Entretanto e desde já vos serão sujeitas tambem as seguintes propostas: criando a caixa economica postal em todo o reino; organizando caixas ruraes e economicas de credito; autorizando e impulsionando a cultura do arroz em toda a área do país com as devidas precauções hygienicas; regulando a exploração de quedas de agua para força motriz; providenciando sobre redes telephonicas; organizando um instituto de reformas sociaes onde tenham representação todas as classes interessadas no impulsionamento de instituições de economia social.

Tal é a iniciativa do Governo. Não descura elle as questões propriamente políticas, mas de acordo com às suas convicções e julgando interpretar, o sentir e pensar do país, mais particularmente chama a vossa attenção para os problemas de ensino, das finanças e da economia nacional, na metropole e colonias, e para as leis sociaes por maneira a desenvolver uma nação illustrada, livre, ordeira e prospera, protegendo o operariado e os trabalhadores em geral, para evitar as lutas de classe e suavizar a vida do proletariado.

Dignos Pares do Reino e Senhores Deputados da Nação Portuguesa. - Espero que o auxilio da Divina Providencia não faltará ao Reino Fidelissimo, e confiando no vosso patriotismo e zelo pela causa publica, estou seguro que será profícuo o novo período parlamentar.

Está aberta a sessão.

O Sr. Pereira dos Santos: - Vou entrar na discussão deste importante assunto, e tenho de me dirigir ao Governo no seu conjunto.

É praxe antiga da Camara que á discussão da resposta ao Discurso da Coroa assista todo o Governo. Sinto, pois, não ver presente todos os membros dos Governo, tanto mais que algumas, das observações que eu vou fazer se referem em especial á pasta da Fazenda e das Obras Publicas.

Consta que não vem hoje á Camara o Sr. Ministro das Obras Publicas; todavia é possivel que se encontre nos corredores da Camara o Sr. Ministro da Fazenda.

Nesse caso pedia ao Sr. Presidente a fineza de convidar S. Exa. a assistir às considerações que eu vou fazer.

O Sr. Presidente: - Já chegou o Sr. Ministro da Fazenda.

O Orador: - Sr. Presidente: era antiga praxe do partido regenerador não discutir a resposta ao Discurso da Coroa, considerá-la como homenagem ao Chefe do Estado, e reservar para discussão especial os factos a que se faz referencia n'este diploma.

Sr. Presidente, d'esta vez o partido regenerador não segue a praxe estabelecida até agora. Tanto eu, como os.....

Na apreciação das propostas que o Governo apresentar ao seu exame, procederá a Camara com toda a solicitude e animada do mais sincero desejo de contribuir para o bem do país; affirmando desde já que dedicará de preferencia o seu estudo e attenção às que forem tendentes a melhorar o ensino e a regular as questões financeira e economica.

E assim, e com o auxilio da Divina Providencia, esperam os representantes da nação poder corresponder ao appello feito por Vossa Majestade ao seu zelo e ao seu patriotismo.

José Joaquim Mendes Leal = Manuel Antonio Moreira Júnior = Arthur Montenegro = Manuel Francisco Vargas = Ernesto de Vasconcellos = João Pinto dos Santos, com declarações = Conde de Paçô-Vieira, relator.

meus amigos, vamos discutir o diploma que V. Exa. pôs em discussão.

Não significa isto, Sr. Presidente, nem sequer pode representar, qualquer sombra de menos attenção e de menos consideração para com o Chefe do Estado.

A El-Rei, o partido regenerador, que se acha representado nesta Camara, dirige os seus mais respeitosos cumprimentos (Apoiados).

Resta-me, Sr. Presidente, referir-me aos actos produzidos no interregno parlamentar, alguns bem expressos neste diploma.

Ha alguns de que aqui se fala, mas ha outros de que não se fala, e o que é mais singular é que se fala pouco dos que teem mais importancia...

Portanto, Sr. Presidente, é necessario que eu destaque o que no Discurso da Coroa se diz relativamente aos factos praticados no interregno parlamentar, e ao mesmo tempo aponte aquelles de que nada se diz no Discurso da Coroa, aquelles que são conhecidos e que é necessario e indispensável que o Parlamento conheça para tomar a responsabilidade d'elles.

Os factos a que se refere o Discurso da Coroa, como passados no interregno parlamentar, são apenas tres.

Um d'elles refere-se á visita do Chefe do Estado á região do norte.

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Pouco ou nada diz a esse respeito; apenns dá a impressão de que o Chefe do Estado quis escolher o Parlamento Português para, d'este logar, dirigir á região do norte os seus agradecimentos pelas manifestações verdadeiramente extraordinárias e profundamente cordiaes como foi recebido naquella região.

O facto em si honra o Parlamento. Eu que tive a honra, não só como cortesão, mas no desempenho do cargo de official de engenharia, de acompanhar El-Rei na sua viagem ao norte, e é com grandíssimo prazer que posso registar n'esta occasião que foram verdadeiramente surprehendentes e extraordinarias as manifestações feitas ao Chefe do Estado.

A outro facto se refere o Discurso da Coroa, produzido no interregno parlamentar: é o que diz respeito á crise vinícola que tem soffrido a região do Douro e, ao mesmo tempo, ao mal de peste nas ilhas dos Açores.

Tambem nada tenho a dizer sobre este ponto, porque não ha providencia nenhuma, que eu conheça, que o Governo pudesse adoptar, relativamente a este ponto.

Limito-me, pois, a lastimar com o governo, um mal tão consideravel que tem prejudicado uma região tão productiva e tão importante como o Douro.

Também não me refiro á crise do Governo Ferreira do Amaral em dezembro do anno passado.

Eu adormeci durante o período da crise, não me recordando dos Ministerios que se fazem e desfazem, nem do voto do Conselho de Estado.

Adormeci para a vida política, para acordar somente quando se organizou o Ministério Campos Henriques; então despertei do profundo letargo.

Não será demais dizer qual foi o meu extraordinario assombro relativamente ao que se deu com a constituição deste Ministerio.

Não virei agora rememorar esses factos, porque o assunto é de tal natureza, tão pouco edificante, que eu não quero entrar a occupar-me d'elle especialmente.

Não fala o Discurso da Coroa no adiamento das Cortes, não apresentando as razões por que a sessão apenas se abriu em março, quando a sua abertura, em face dos preceitos constitucionaes, devia ser feito no dia 2 de janeiro. O Governo em si tem tal consideração pelo Parlamento português, que, referindo-se a insignificantes factos occorridos durante o interregno parlamentar, nem sequer se permittiu fazer a menor referencia ao facto do adiamento, não dando sequer a menor sombra de justificação do acto que inconstitucionalmente praticou.

Não quero eu já apreciar na essencia a legalidade do facto, nem tão pouco apreciar o preceito constitucional, e simplesmente observar o facto de sobre tal se fazer profundo silencio na resposta ao Discurso da Coroa, denotando apenas desprimor para o poder legislativo, que realmente deve merecer a maior consideração e respeito pelo poder executivo.

Diversos são os factos produzidos no interregno parlamentar. Fez-se o contrato da prata; fez-se o contrato que tem como garantia as obrigações da Companhia Real de Norte e Leste, e deram-se ainda outros que são apontadas, dia a dia, com insistência aqui no Parlamento, cujos factos podiam seguramente contribuir para a perda da jóia, da primeira jóia do nosso domínio na Africa Oriental. É necessario que o Parlamento saiba definitivamente tudo quanto se passa sobre este assunto, para que detidamente, escrupulosamente, se possa apreciar o erro grave de administração, produzido relativamente a este importantíssimo assunto, para que absolutamente possam e devam ser definidas as responsabilidades. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu vejo no proprio Parlamento, quando se trata de semelhante assunto, que um ou outro membro do Parlamento procura fazer a sua propria defesa, como que a afastar graves responsabilidades que sobre elle possam impender relativamente aos actos que se referem ao contrato sul-africano.

É necessario que as responsabilidades se definam, porque esta questão é de si tão importante que é necessario estender as responsabilidades a todos que realmente com ha estão ligados.

Eu já tive a honra de dizer a V. Exa. que a razão por que o partido regenerador retirou o seu apoio ao Governo do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, foi porque começou a ver, começou a observar factos que entendia não poder cobrir com a sua responsabilidade, (Apoiados) porque os reputava nocivos aos interesses do país (Apoiados).

Afastámo-nos por isso e, precisamente que por isso nos afastávamos, colligaram-se contra nós os partidos que hoje nos são adversos.

As responsabilidades não são só de um nem de dois. As responsabilidades não são só de hoje, são d'esses tres Ministerios e por consequencia da colligação formada de que nós nos afastámos por entendermos ser perniciosa.

É necessario que todos tomem as responsabilidades dos seus actos.

Se os factos fossem de grande vantagem para o país, S. Exas. certamente viriam logo apresentar-se como seus autores.

Referindo-me a essas responsabilidades, eu quero tratar o assunto com muita serenidade, porque elle é grave e enormes as responsabilidades a arcar.

Houve alguem que nos Conselhos da Coroa absorveu a soberania nacional, para ir ferir alguns membros do poder legislativo.

A nossa unica preoccupação neste momento, e por que anseamos, é que o tratado seja util para o país.

O nosso desejo é que elle venha em breve para a mesa d'esta Camara para se poder ver se elle pode satisfazer aos interesses do país. (Apoiados).

Mas ha um abuso do poder, e que é o mais grave, por ser num assunto d'esta natureza e d'esta importancia.

É extraordinario que alguem possa ter feito esse abuso, num assunto d'esta importância, e contra a prosperidade e segurança dessa colonia portuguesa, que tanto vale e que tanto tem sido cubicada por interesses antagonicos.

É claro, Sr. Presidente, que relativamente ao assunto eu não posso pôr a questão mais claramente do que a pus. E por isso o meu sentimento pelo que se tem passado e o meu desejo é que se liquide esse assunto pela maneira mais acertada e que corresponda às aspirações de todos. Mas se isto assim é, é tambem necessario que se, apurem as responsabilidades.

Ninguem poderá, nem eu me atreveria neste momento a pedir qualquer responsabilidade política ou qualquer responsabilidade jurídica, não. Sem um inquerito, sem uma apreciação regular, sem uma base definida, eu não me atreveria a fazê-lo. Mas, aquillo que eu desejo, que é legitimo e que a Camara não pode, por todos os meios ao seu alcance consentir, é que o Parlamento deixe de conceder o facto e de attribuir a responsabilidade política daquelles que procederam por forma menos regular.

Haja ou não responsabilidades mais fortes, o facto em essência é este: a responsabilidade política é dos que continuaram a apoiar e a defender uma situação que produziu actos como este, e se colligaram para combater aquelles que julgaram que essa administração era perniciosa e má para os interesses do país e se afastaram a tempo retirando-lhe o seu apoio.

Isto, Sr. Presidente, diz propriamente respeito ao tratado luso-transvaaliano, relativamente aos outros factos a que tambem me referi, como sejam o contrato da prata, o tratado que tem como garantia as obrigações da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, etc., esses, torno a repetir, produziram perturbações parlamentares e a respeito

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das quaes é licito, é necessario que o Parlamento tome providencias.

A este respeito, Sr. Presidente, tambem a responsabilidade se não pode desviar só pelo facto de se ter afastado dos Conselhos da Coroa o Sr. Ministro que os praticou.

São actos politicos, actos de administração e é indispensavel discuti-los, e não me parece prudente que a Camara por si não pensasse dar uma solução á questão, patenteando todos os esclarecimentos a tal respeito. Tambem não me parece que se possam abrir veredas pelas quaes se possa escapar aquelle a quem pertence a responsabilidade desses factos, para assim se escapar á acção fiscal.

Eu preciso desde já referir-me a um facto, relativamente ao qual tenho visto os membros da maioria se referirem.

Criticaram a maneira como procederam as opposições d'esta Camara e direi a S. Exas. que o que nos attribuem não tem absolutamente nenhuma razão de ser.

Disse-se aqui que havia a intenção expressa e determinada de vir para a Camara fazer tumultos.

Ora, intenções não se discutem, o que se discute são factos.

Porque foi, Sr. Presidente, que se deu a incompatibilidade que aqui se produziu na sessão passada? O facto foi este.

Eu tive a honra de ser incumbido pelos dois partidos que constituem o bloco opposicionista de vir dizer ao Parlamento que com tudo transigiríamos menos com o facto de a proposta de inquerito não ser admittida á discussão e porque isso representava uma offensa feita ao direito que temos de fiscalizar os actos do Governo. (Apoiados).

Foi isto o que produziu a incompatibilidade. (Apoiados).

Se as maiorias tivessem admittido essa proposta á discussão, não teria succedido o que succedeu.

(Interrupção que se não ouviu).

Perdão. Tambem D. Miguel mandava matar nas enxovias os homens que discordavam das suas ideias, porque tinha a força pelo seu lado, mas nem por isso deixava de commetter um acto mau.

Tambem as maiorias podem usar violencias contra nós, mas nem por isso deixam de commetter um acto de despotismo.

Temos os nossos deveres; somos muito orgulhosos da missão que nos impende e que nos foi conferida pela nacionalidade portuguesa. . Podemos transigir (com tudo, menos com as offensas que nos façam.

Nós transigimos bastante, na questão que motivou a crise ministerial.

Apresentamos porem uma proposta de inquerito e a maioria nem sequer a admittiu á discussão, praticando assim uma violencia contra as opposições, offendendo-as politicamente.

Que fizemos então? Exigimos o direito que nos compete e que nos foi dado pela nação.

Eu permitto-me pedir á maioria d'esta Camara que não tenha para nós a tolerancia que não pedimos, mas que não tenha, lealmente, o systema de intransigencia que é inconveniente para os nossos direitos e mau para o prestigio do Parlamento.

Quer dizer, portanto: não é na resposta ao Discurso da Coroa que eu vou referir-me a estes assuntos; são objecto de discussões especiaes.

O Discurso da Coroa tem tres partes: a primeira refere-se aos cumprimentos; a segunda é a apreciação de factos occorridos no interregno parlamentar; a terceira é a apreciação dos actos do Governo, o plano governativo do Governo.

E para apreciar esse plano que eu tive a honra de pedir a palavra a V. Exa.

Sr. Presidente: é longo o plano governativo que este Governo acceitou, segundo as declarações já feitas pelo Sr. Presidente do Conselho.

O seu plano governativo é o plano mencionado no Discurso da Coroa pelo Governo transacto e esse plano, repito, é longo e extenso. A seu respeito, permitta-me V. Exa. que eu faça uma observação, que me parece legitima.

A este longo programma político a commissão houve por bem não dizer uma palavra.

Sr. Presidente: sem a menor desconsideração para qualquer dos membros dessa commissão, eu permitto-me dizer que achava conveniente que esses trabalhos voltassem á commissão, para serem considerados (Apoiados), porque, na verdade, eu considero que isso pode ser tomado como desprimoroso para a pessoa de El-Rei, pois que, tendo elle vindo ao Parlamento exprimir o programma do seu Governo, a commissão não dissesse uma palavra, sequer, a respeito do Discurso da Coroa.
Vamos agora ao programma político. O proprio Discurso da Coroa facilita a rápida apreciação que eu vou fazer a seu respeito.

Esse programma exprime-se nestas frases:

(Leu).

Quer dizer, esse programma vem a ser o seguinte: Collocar no segundo plano a politica, para se occupar d'aquillo que seja mais necessario e urgente.

Em toda a parte se ouve dizer que o que é preciso é menos política e mais administração, simplemente o proprio Governo, em si, exprimindo esta frase, manifesta que nem sequer tem a menor ideia ou concepção das questões que urge resolver.

Pois quê?

Esta. frase quer dizer a política levantada e nobre que todo o homem tem de ter e sem a qual não ha administração, nem finanças, nem economia? Não. (Apoiados).

A política a que se refere esta frase é a política no seu significado mais baixo e deprimente. (Apoiados).

O que ao Governo o país lhe diz é que quer mais administração e menos politiquice.

Pois foi unicamente para lisonjear esta opinião, que esta frase vem aqui. (Apoiados).

Mas quem muda o significado de uma palavra para lisonjear uma opinião popular, o que mais faz senão politiquice?

De maneira que este singular Governo que nasceu da politiquice (Apoiados), só politiquice faz e até politiquice chega a pôr nas palavras do proprio Chefe do Estado. (Apoiados).

Não quer o Governo, na sua alta concepção reformas políticas ou económicas, mas, se ha 14 annos, em que começou no Parlamento a fazer todas as allianças, elle proclamou a necessidade e urgencia das reformas políticas, se ha uma serie de annos começou em toda a parte a dizer que queria uma reforma eleitoral, como é que depois de justificar e explicar as suas allianças, às vezes um pouco hybridas, apresentando como argumento para se fazer essas allianças as reformas políticas e economicas, como é que nos vem dizer, depois do anno passado ter dito o contrario, que não quer ainda a reforma eleitoral? Mas, entendemos, não é o país que pede a reforma politica, a lei eleitoral, o que o país lhe pede são reformas que melhorem a sua situação, as finanças e a economia. E são estes os primeiros que ha 14 annos dizem que o systema parlamentar é mau, que o Parlamento não reflete a opinião do país! (Apoiados).

Então qual é, desde que se conhece a necessidade das reformas políticas, a reforma que se impõe?

Pois quê ?! É no Parlamento que se perdem todos os movimentos sociaes, económicos e financeiros do país, é elle que perde todos esses trabalhos, é um mechanismo proprio, desconjuntado, avariado, que nenhum equilibrio pode dar n'estas circunstancias e não se reconhece

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como primeira necessidade modificá-lo, para que possa corresponder ao fim que lhe é imposto, para que seja livre na sua acção, para que não possa estar em circunstancias de ser absolvido pelo poder executivo? É necessária a modificação, do Parlamento, desde que se reconhece que o estado da nossa lei eleitoral não corresponde às necessidades de uma representação que espelhe a vontade do país.

Mas qual é a concepção deste Governo? Nos, por emquanto, não fazemos as reformas políticas e eleitoraes; temos as reformas economicas, financeiras, sociaes e de instrucção: pois façamo-las. Quando as fizermos, nos trataremos das reformas políticas e eleitoraes.

Isto é uma concepção de primeira ordem. O Parlamento serve para fazer essas reformas concretas, para satisfazer as necessidades do país, mas o Parlamento não serve, não é bom.

Pois bem: ha de ser com um Parlamente- defeituoso que havemos de fazer essas reformas. Ora isto não é logico.

Como todas as concepções, às vezes as mais abstractas, teem um fac-simile na realização pratica, eu vou indicar um fac-simile que dá perfeitamente ideia da superior concepção que em política tem o actual Governo.

Imaginem-se V. Exas. no nosso theatro lyrieo. O empresario do theatro é o Governo. O empresario propõe-se fazer representar em scena algumas producções dos autores mais afamados ou dos mais geniaes: propõe-se fazer representar a tetralogia de Wagner - são as grandes reformas concretas de que ha de depender a felicidade do país.

O publico reclama a satisfação das promessas do Governo e pede uma orchestra que esteja á altura do talento genial do autor e do valor dos cantores, mas o empresário não tem. senão uma philarmonica desafinada. E o Parlamento nas condições em que V. Exas. o querem.

Qual seria a natural concepção do empresario? Mandava sair a philarmonica e mandava entrar uma orchestra de maneira que fosse digna, do mestre, e com essa orchestra fazia representar a tetralogia de Wagner. Mas a concepção do Governo é outra, conserva a philarmonica desafinada.

Sei que o Governo me vae naturalmente objectar que são realmente em si tão importantes e urgentes essas reformas economicas e sociaes de que carece, que não pode espera;- sequer um momento. E eu então vou ao programma ver quaes são as urgências das medidas que propõe para justificar.

O programma que o Governo quer sobretudo, são medidas de instrucção, medidas economicas, medidas sociaes e medidas financeiras.

A respeito de medidas de instrucção primaria diz-nos esta frase solta "fará instrucção", mas da maneira como isso se ha de fazer, nem uma palavra.

A outra concepção extraordinaria do Governo, para a qual é necessaria indiscutivelmente a urgencia, são as reformas economicas.

Vamos ver a urgencia d'estas reformas.

Se vamos ao Ministerio de Fomento, vemos principalmente a criação de um Ministerio de Agricultura e em seguida a criação de um inquerito agrícola e industrial a todo o trabalho e producção.

O inquerito que se quer propor a toda a agricultura e á industria ha de levar certo tempo e este tempo era o necessario para se fazerem as reformas políticas e sociaes.

Quanto às reformas sociaes, que é um outro ponto do programma governativo, direi simplesmente que elle constitue uma politiquice na sua mais alta expansão. O que diz respeito às reformas sociaes, para se melhorar a situação das classes trabalhadoras e, pode-se dizer afoitamente, pyrotechnica, são foguetes de estalos. Vai a Camara ouvir:

(Leu).

Ora veja V. Exa., Sr. Presidente, se isto não é positivamente fogo de vistas!!

A este respeito eu faço simplesmente a seguinte observação. Quando eu li estas frases lembrei-me immediatamente de alguem tristemente celebre que dizia tambem que andava a caçar no mesmo campo com os republicanos e toda a gente sabe o resultado d'estas celebres caçadas. É que, Sr. Presidente, as classes trabalhadoras já não se deixam levar facilmente por este palavreado; o que ellas querem são medidas concretas que melhorem a sua situação, o que ellas querem e precisam são dessas medidas que preoccupam o espirito dos estadistas mais notáveis de todo o mundo e que são as questões mais complicadas e mais graves da politica.

O que ellas pedem são leis que regulem o risco operário, leis que lhes dêem a aposentação, que regulem as greves, etc. Ora, se o Governo se lembrar de trazer uma medida concreta relativamente a qualquer d'estes assuntos, só assim eu acredito que possa conseguir alguma cousa. Com promessas no papel não as acreditam, é musica celestial.

O Sr. Presidente: - Decorreu a hora regimental, V. Exa. tem mais um quarto de hora para concluir o seu discurso.

O Orador: - Agradeço a V. Exa.

Não ha absolutamente nada de concreto para as grandes reformas sociaes, a unica cousa que ha de concreto é a protecção para os vadios.

Do que aqui se fala é de casas de correcção, de modo que o pobre trabalhador o que pode esperar é palavreado, e a protecção que se lhe dá são casas de correcção. (Apoiados).

Agora mais particularmente quero falar do systema financeiro do. Sr. Ministro da Fazenda, ainda que só posso fazer ligeiras considerações sobre este ponto porquê o tempo não chega.

Eu vi o Sr. Ministro da Fazenda na primeira sessão em que se apresentou na Camara dos Dignos Pares dizer que tinha muito prazer em ser discípulo do Sr. Espregueira. Depois S. Exa. disse que era simplesmente sob o ponto de vista technico.

Permitta-me S. Exa. que lhe diga que tem novamente de mudar de opinião, porque se não muda é tambem opinião minha segura, que daqui a pouco o país julgará que S. Exa. tambem prejudicou os interesses da nação.

Sob o ponto de vista technico o que S. Exa. tem do ex-Ministro da Fazenda é por exemplo o contrato da prata.

Não ha nada mais recommendado pela sciencia de finanças do que um contrato d'aquelles termos.

Assim se aumentaram os cambios.

E pois um systema economico de primeira ordem.

Exactamente quando os cambios estão mais aggravados é que se vae comprar ouro, dando aos contratadores a faculdade de indicar o dia em que ha de ser feito o pagamento.

Eu não tenho a honra de ser discípulo do Sr. Espregueira, mas julgo que o credito e a confiança são elementos principaes para melhorar as condições do ágio.

Se eu quisesse falar, em competencia technica, bastaria reproduzir factos como este. Sobre as obrigações dos caminhos de ferro fazer um empréstimo que não é um emprestimo a descoberto, que é feito com garantia sob obrigações de caminhos de ferro, que são ouro em toda a parte, e fazê-lo ao juro de 6 ou 7 por cento, quando com garantia de ouro ou com títulos que o equivalem se obtém dinheiro nos principaes mercados a 3 e 4 por cento, não é demonstrar competencia. Se é com este systema em theoria de finanças que S. Exa. imagina poder contribuir para o bem do país, declaro-lhe que me parece que vae muito mal e que em pouco tempo ha de precisar de novas

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SESSÃO N.° 24 DE 20 DE ABRIL DE 1909 31

sciencias e estudos para poder progredir no espinhoso cargo de que está investido.

Vamos ao systema financeiro, que é apresentado no Discurso da Coroa; é o programma do anno passado addicionado com alguma cousa mais.

A situação financeira do país é realmente má, mas muitas nações teem tido tambem situações difficeis e ásperas e teem tido a felicidade de encontrar homens com planos previamente concertados, e com esses planos teem resolvido as situações difficeis em que esses países sé encontravam. Como faziam? Esses planos fundamentam-se na necessidade de criar novas fontes de receita ou em fazer progredirias existentes ou fazer as grandes operações financeiras, ou finalmente, pelos processos mais directos, aumentar a receita publica na cobrança e lançamento de impostos, etc.

Ora o programma do Sr. Espregueira que aqui vem, tem mais ou menos tudo isso. No que se refere ao progresso económico, traz-nos um projectozinho relativo á construcção de hotéis e outro que é o das pautas.

Relativamente ao projecto dos hotéis, como importancia para o desenvolvimento financeiro do país, o melhor era não falar n'elle; relativamente ao das pautas, é expediente já requeimado.

A remodelação das pautas aduaneiras impõe se como uma necessidade absoluta; é indispensavel, porque a vida das classes trabalhadoras está perfeitamente asphixiada; é uma necessidade absoluta porque, por virtude d'ellas e pela protecção excessiva, as receitas publicas não aumentam; não se podem desenvolver as relações internacionaes, o commercio externo, pelas circunstancias d'esta excessiva, protecção que se dá às industrias.

Pois se com governos fortes, constituídos não com o espirito de intransigencia com que este foi organizado se não tem conseguido até hoje fazer passar um projecto de tal natureza, como pode imaginar-se que se consiga agora com o Parlamento nas condições em que está e em que o Governo precisa de estar em constante cuidado com a sua maioria? (Apoiados).

Mas vamos às operações financeiras.

Ora eu conheço países em que isso se tem conseguido.

A Inglaterra, por exemplo, em 1903 conseguiu diminuir as despesas orçamentaes.

Pois, Sr. Presidente, a celebre operação do Sr. Espregueira não dá uma economia, mas um aumento de despesa.

Passemos aos outros contratos.

Pois imagina o Sr. Ministro da Fazenda que ha de fazer passar o contrato com o Banco de Portugal? Que desgraça!

Qual é o Parlamento que votaria um projecto de lei que tivesse como consequencia unica deixar só daqui a vinte e seis annos livre o Parlamento para poder lançar mão de um poderoso instrumento do commercio e industria?

Ainda mesmo que o Governo tivesse facilidade em fazer esse contrato, em que circunstancias ficaria o Governo?

Pois haveria algum Parlamento que consentisse nisso?

Visto que se trata do systema financeiro eu pergunto ao Sr. Ministro da Fazenda a sua opinião sobre esse contrato, sobre esse tratado que é a base de todo o seu systema financeiro, que é a columna em que se baseia a conversão da divida.

Imagina V. Exa. ou alguem, que haja no Parlamento alguem tão mentecapto que consinta em alienar toda a sua fortuna mobiliaria, passando uma procuração a qualquer Governo, mesmo depois dos exemplos do contrato da prata e do dos caminhos de ferro?

Imaginam que este país está tão mentecapto que chegue até alienar as pratas da sua casa, pondo se em circunstancias de, se alguma vez; se achasse doente não ter dinheiro para mandar chamar o medico e se sujeitasse a morrer tão miseravelmente que não deixasse aos seus successores dinheiro para a sua mortalha?

É, pois, forçoso que S. Exa. reconheça que, para merecer a confiança do país e dos mercados estrangeiros é necessario declarar que nunca mais acceitará os planos financeiros do Sr. Espregueira. (Vozes: - Muito bem).

(O orador não reviu).

O Sr. Ministro da Marinha (João de Azevedo Coutinho): - Pedi a palavra para enviar para a mesa o texto do telegramma que recebi de Lourenço-Marques, em que se transcreve o convenio realizado entre o governador do Transvaal e o Sr. tenente coronel Garcia Rosado.

O Sr. Affonso Costa: - Mando para o mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro a V. Exa. se digne consultar a Camara sobre se consente que seja publicado no proximo numero do Diario do Governo o telegramma ou documento que acaba de mandar para a mesa o Sr. Ministro da Marinha. = Affonso Costa.

É lido na mesa.

Consultada a Camara, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Em vista do adeantado da hora, vou encerrar a sessão. A proxima é amanhã, á hora regimental, com a mesma ordem do dia que estava dada para hoje.

Eram 6 horas e 58 minutos da tarde.

Documento mandado para a mesa n'esta sessão

Representação

De Arthur Tropa e Eugenio Augusto Fernandes Dias de Amorirn, pensionistas do Estado, estudantes de engenharia na Universidade de Gand, pedindo que lhes seja aumentada de 80 francos a respectiva pensão.

Para a commissão do bill.

O REDACTOR = Gaspar de Abreu.

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