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Discurso que devia ter logar na sessão de 4 do corrente, publicada no Diario n.° 29, pag. 325, col. 2.º, linha 8

O sr. Lourenço de Carvalho (sobre a ordem): — Eu vou ler em primeiro logar a minha moção de ordem (leu).

Sr. presidente, direi a V. ex.ª que me não podia caber a palavra em peior occasião do que n'este logar, depois do eloquente discurso que acabámos de ouvir ao sr. ministro dos negocios estrangeiros. Qualquer discurso proferido por um membro d'esta casa, e muito ma s por mim que sou tão pouco qualificado nestes torneios da palavra, seria pouco merecedor da attenção da camara n'este momento; não obstante isso, como me conheço e não tenho non posso ter pretensões algumas oratorias, sinceramente me sacrifico a esta posição desfavoravel, attendendo a que falta apenas um quarto de hora para terminar a sessão, e este espaço de tempo posso aproveita-lo motivando a minha proposta.

Sinto que o sr. ministro dos negocios estrangeiros acabasse tão depreda o seu discurso, e digo tão depressa, porque embebido na musica da palavra de s. ex.ª, não tive consciencia do tempo que gastou, porque, se s. ex.ª continuasse, responderia sem duvida ao convite formulado na minha moção de ordem e dispensar-me ía por esta fórma de usar da palavra n'esta occasião.

Não me pareço que seja banal, nem inutil a requisição dos esclarecimentos que peço ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, e se alguem ha n'esta casa que pelo seu talento e penetração os possa supprir ou dispensar, eu pela minha parte, sr. presidente, na ausencia d'aquelles dois declaro a V. ex.ª que os julgo elemento indispensavel para a verdadeira apreciarão do projecto que se discute.. Sr. presidente, n'esse projecto de reforma ha duas partes inteiramente distinctas, diversas na sua natureza, e diversas mesmo na grande luz com que o sr. ministro as apresentou. Uma parte indica sem duvida uma reforma ostensiva em que s. ex.ª abertamente apresenta o programma futuro da secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, tal qual ella ficará sendo pela approvação do presente projecto de lei; na segunda parte s. ex.ª não faz mais do que apresentar um plano geral de organisação do corpo diplomatico e consular, mas sem por fórma alguma indicar quaes as proporções a que são reduzidos ou elevados os mesmos corpos; e eu não sei se s, ex.ª tenciona ampliar, restringir ou conservar no estado actual o quadro do corpo diplomatico.

Emquanto ao corpo consular, s. ex.ª esta na idéa de lhe dar o desenvolvimento preciso, e de o organisar por fórma que elle se constitua de uma maneira regular, parece-me ser isto mesmo o que s. ex.ª acaba de dizer no seu discurso; mas d'esta simples indicação ao perfeito e cabal conhecimento das bases e extensão d'esta reforma e organisação vae uma grande distancia que eu procuro reduzir, pelo menos, com os esclarecimentos que peço na minha moção de ordem.

Lembra-me, sr. presidente, que quando, ha mezes, ao entrar no capitulo das reducções, que estavam no espirito e no desejo de todos, se fallava na reforma do ministerio dos negocios estrangeiros, se exigia, por parte da opposição a este governo, que eu não sei se alguma vez existiu, e se promettia, por parte da maioria que o apoia, cuja realidade ninguem contesta, se exigia de um lado, repito, e se promettia do outro, e sempre em nome das economias, a reducção de diversas legações que eram tidas por todos como despeza inutil, exuberante e injustificavel perante o nosso actual estado financeiro.

Ora, sr. presidente, ou confesso a V. ex.ª que a leitura do presente plano de reforma e organisarão nada me diz a tal respeito. Ignoro se ha legações supprimidas e se esta é a intenção do sr. ministro; ignoro quaes sejam as que conta conservar.

Nada d'isto vem indicado no projecto que se discute, não transparece, a meu ver, no relatorio do sr. ministro, nem tão pouco se infere do brilhante discurso que acabâmos de lhe ouvir.

E por isso, sr. presidente, que não vejo n'este projecto mais do que uma verdadeira organisação de pessoal, uma certa garantia de interesses, e definição de serviços que lhe dão a apparencia de um trabalho, antes concebido e formulado pelos differentes empregados que os hão de preencher do que pelo proprio ministro. Vejo quaes são os systemas de remuneração adoptados para esses empregados, vejo as condições em que ficam com relação aos serviços prestados e á sua aposentação; mas nada vejo com relação ás vantagens que dahi hão de provir ao paiz e ao serviço publico da nossa representação exterior. Parecem-me pois de grande importancia para elucidação do projecto os esclarecimentos que peço ao sr. ministro, e seria ridicula a pretensão de julgar que creava por esta fórma a menor difficuldade a s. ex.ª, não podendo eu sequer suppor que chegasse á cifra de 362:236$968 réis sem partir de uma base qualquer, sem calcular detidamente e sobre um plano definido.

Ora, é esse plano que eu desejava que s. ex.ª apresentasse á camara, ou que d'elle desse pelo menos a idéa sufficiente para esclarecimento do meu espirito.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros começou o seu discurso pela primeira pagina do orçamento da receita e despeza do estado, que ultimamente foi presente a esta camara. N'esta primeira pagina viu s. ex.ª que a receita publica é de perto de 16.000:000$000 réis e a despeza de 22.500:000$000 réis, ficando por esta fórma o deficit acima de 6.500:000$000 réis como calculou o sr. ministro da fazenda. Realisando porém o augmento provavel de réis 400:000$000 na rejeita, e reduzindo a despeza por variadas considerações na importancia do perto de 600:000$000 réis, s. ex.ª consegue reduzir o deficit á cifra precisa de 5.678:862$856 réis: quer dizer, mais 1.079:000$000 réis do que o deficit calculado no orçamento do ultimo anno; e note-se que já vae n'este calculo incluida a verba de réis 215:000$000 em que s. ex.ª calcula o augmento progressivo annual da nossa receita publica.

Para mim estas cifras são eloquentes e clamam energicamente contra qualquer medida que contenha o augmento de despeza que não seja justificado pela mais imprescriptivel necessidade e uma justificação completa para isso.

S. ex.ª tendo analysado este deficit continuou a examinar pelos differente; ministerios quaes seriam as reducções possiveis flui prejuizo do serviço publico.

Imaginou-o distribuido por todos elles, cabendo a cada um reduzir as suas despezas na proporção que lhe tocasse.

Percorreu s. ex.ª todos os ministerios, mas não me pareceu indicar em qualquer d'elles a minima economia a fazer-se, salvo quando chegou ao que esta a seu cargo, no qual s. ex.ª mostrou e prometteu realisar algumas economias, que eu tratarei de analysar no decurso das minhas reflexões.

Ora eu entendo, sr. presidente, que n'esta questão de economias ha muitissimo que fizer, e o nosso primeiro dever é de não desperdiçar as occasiões. Façam-se as possiveis, mas comecemos por uma vez.

N’esse ponto me recorda a presença do sr. ministro das obras publicai, aquelle engenhoso apólogo da tecedeira do qual um dia d'estes se serviu s. ex.ª, com relação aos caminhos de ferro sobre que o interpellaram aqui varios deputados das diversas provincias do reino. S. ex.ª, fallando a respeito de cada um dos caminhos de ferro, lembrados e propostos n'um discurso muito resumido e plausivel, disse que não decretava preeminências, que todos eram uteis e vantajosos, e que emquanto a começa-los nos caminhos de ferro, como na teia, era começar p lo principio, porque se não podem fazer todos ao mesmo tempo.

Ora eu digo tambem que n'isto de economias é necessario começar pela primeira occasião que se nos apresenta, e é necessario que esta famosa teia de que s. ex.ª fallou, se não reduza ás proporções d'essa decantada teia da mythologia, com que Penelope frustrava de dia em dia os rogos importunos dos seus adoradores.

É necessario fazer economias e não perder uma só vez a occasião de as fazer, para assim melhorarmos a nossa situação financeira, que esta aliás confiada a cavalheiros que eu julgo, pela sua intelligencia (assim a vontade os ajude) capazes de cortar as difficuldades e prover de remedio aos nossos males.

Passando a analysar mais particularmente o plano de reforma do ministerio dos negocios estrangeiros, direi que não posto conformar-me com a despeza que s. ex.ª propõe. Calculando esta despeza com relação á reforma da secretaria d'estado, eu vejo que pelo actual projecto de reforma fica ella elevada a 32:284$000 réis, incluindo os ordenados de ministro, de secretario geral, ajudante do procurador geral da corôa e empregados diplomaticos, que comporta o novo quadro.

Ora, comparando esta despeza com a que vem no orçamento ultimamente apresentado á camara, na importancia de 18:340$000 réis e mais 5:018$000 réis de emolumentos que não figuram ali, iras que nem por isso deixam de ser uma parte da remuneração dos empregados, encontra se pela reforma proposta um excesso de despeza, representado pela cifra importante de 9:000$000 réis.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — E os empregados que ali se acham em commissão?

O Orador: — Mas ainda mesmo deduzindo essa verba de 4:170$000 réis pagos a empregados de outros ministerios, mas que não vem mencionadas no orçamento. (Interrupção do sr. Sant'Anna e Vasconcellos.)

Mas se nós vamos procurar esclarecimentos onde os devemos encontrar e os não achâmos, por onde nos devemos guiar?

O sr. Sant’Anna e Vasconcellos: — Para isso é que são as reformas,

O Orador: — Mas eu não me opponho a que se faça a reforma do ministerio dos negocios estrangeiros, applaudo mesmo a idéa, não posso porém approvar a fórma porque se propõe a da secretaria d'estado, e por espirito de inducção rejeito o projecto todo, incluindo a reforma do corpo consular e diplomatico, porque não me parece natural que quando ha duas faces de um objecto a mostrar, se mostre a peior para occultar a melhor. Eu creio effectivamente que o sr. ministro dos negocios estrangeiros fará o uso mais rasoavel que possa fazer do voto de confiança que se lhe dá; mas o que eu não sei é se porventura este voto de confiança se deve dar sem sabermos ao certo as bases em que o sr. ministro quer executa-la. Eu desejava muito ver que se discutisse aqui quaes hão do ser as legações que se devem conservar, e quaes as que se devem supprimir, e parece-me que nisto não havia risco de entrar na discussão do pessoal, como disse o illustre deputado o sr. Sant'Anna e Vasconcellos.

Não posso por fórma alguma concordar com o principio que o sr. ministro expoz ha pouco, de que as despezas de representação eram proporcionadas aos individuos encarregados de representar o paiz lá fóra.

Eu entendo que são proporcionadas á importancia que deve ter essa representação e não á qualidade dos representantes, porque não vão representar-se a si mesmos, mas ao paiz, que esta em uma situação muito critica em relação ao estado financeiro.

O sr. ministro dos negocios estrangeiros fez do ministerio a seu cargo uma descripção que julgo inteiramente exacta.

S. ex.ª apresentou-nos o ministerio a seu cargo como n'um estado anarchico de que só a muito custo póde fazer completa idéa.

A hora esta adiantada. (Vozes: — Já deu.)

Peço a V. ex.ª que me reserve a palavra para ámanhã.