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Discurso pronunciado pelo sr. deputado Mariano Cyrillo do Carvalho, na sessão de 3 de fevereiro, e que devia ler-se n. pag. 295, col. 2.ª
O sr. Mariano de Carvalho: — O illustre deputado que me precedeu obriga-me, por dever de cortezia, a afastar-me um pouco do terreno que tinha traçado para este debate.
A respeito da eleição de Belem trouxe o illustre deputado á scena, mil cousas estranhas, taes como as minhas antipathias ou sympathias com s. ex.ª, as minhas allusões ao sr. Fuschini, as creanças de oito annos e não sei que mais.
As minhas palavras a respeito do sr. Fuschini não tiveram nada de ambiguas; foram clarissimas e só o illustre deputado não as comprehenderia.
Primeiramente devo dizer ao illustre deputado que eu não tenho o costume de dirigir insinuações aos presentes, por conseguinte menos as dirigiria aos ausentes.
Repito o que disse, ácerca do sr. Fuschini; eu disse que s. ex.ª pertencia a um partido politico, é esta pouco mais ou menos a idéa, e que o governo certamente haveria de ter muita satisfação em proteger um membro d'esse partido.
E certo que o sr. Fuschini escreveu, em jornaes e por meio de folhetos, que era republicano e socialista.
Eu não quero mal ao sr. Fuschini por ser republicano socialista, nada tenho com as opiniões de s. ex.ª; achei, porém, extraordinario, que o governo protegesse a sua eleição. Isto não magoa nada o sr. Fuschini.
Quanto ás minhas sympathias ou antipathias com o illustre deputado, devo dizer que não tenho absolutamente antipathia nenhuma contra s. ex.ª, mas com igual franqueza devo dizer que tambem não sinto nenhuma sympathia.
Não tenho motivo nenhum para antipathisar com s. ex.ª, porque me não consta que s. ex.ª praticasse acto pelo qual merecesse a minha antipathia; o mesmo digo a respeito de sympathia. Até posso dizer que, se s. ex.ª se quiz referir simplesmente á leve sympathia, quasi indifferença, que resulta d'estas relações transitorias que na camara travamos, então poderei dizer que sympathiso com o illustre deputado; mas se pretendeu fallar d'aquella sympathia mais intima que provém do trato quotidiano e do convivio, não posso dizer nada a esse respeito, porque nunca tive a honra, de privar com s. ex.ª
O illustre deputado achou a questão que eu linha proposto tão sim]dês que uma creança de oito annos a resolveria.
Ella é tão simples que já mereceu um discurso do illustre relator da commissão, e dois meios discursos do sr. Rocha Peixoto. Grandes luctadores para destruir questões de creanças!
Se s. ex.ª se lemitasse aquillo que fez em ultimo logar, se s. ex.ª se tivesse restringido aquella these famosa de que, dados dois numeros que não são iguaes, hão de ser necessariamente desiguaes, nem eu precisaria responder-lhe, nem seria necessario recorrer a uma creança de oito annos, de menor idade bastaria, ou, se preferíssemos appelar para a meninice da humanidade, bastaria, o progenitor da humanidade, o pae Adão, que, seja sabia contar pelos dedos, de certo descobriria que duas cousas que não são iguaes, forçosamente são desiguaes. (Rico.)
A creança com a caixa de amêndoas tambem não prova, imagine s. ex.ª que dentro da caixa de amêndoas havia tambem pedras, que se tratava do achar quem tinha a maioria absoluta só das amêndoas. Perceberia facilmente que quem tivesse o maior numero de objectos, amêndoas e pedras, não teria de necessidade a maioria das amêndoas. Perdoe-me a camara a imagem que não é minha, mas do illustre deputado, mas apresental-a hei para dizer que na eleição de Belem ha muitas pedras.
O illustre deputado não se contentou, porém, com a sua difficilima e complicada these. Em parto acompanhou os argumentos do sr. relator da, commissão, pensando com certa, rasão que elles careciam de reforço. Nesta parte responderei conjuntamente a ambos os oradores da maioria.
E alem d'isso amontoou hypotheses sobre hypotheses, conseguindo a meu ver provar só que a eleição de Belem é toda hypothetica, o que a lei não previu, nem permitte.
Não acompanho o illustre deputado pelo terreno escabroso das hypotheses em que se embrenhou: desde que uma, eleição se presta a tantas hypotheses, que não se sabe qual o numero real dos votantes, nem o numero do votos que cada candidato obtém, o rasoavel é annular-se essa eleição. (Apoiados.)
Limito-me, pois, a, apreciar o discurso do illustre relator da commissão, conjunctamente com uma parte do discurso do illustre deputado.
O sr. relator da commissão parece-me que apresentou o seguinte argumento: numero total de votantes foi de 4:109, o se abatermos 12 e tomarmos a metade, ficam do maioria absoluta 2:181.
() sr. Fuschini leve 2:228 votos e se abatermos os mesmos 42 ficam 2:186 votos. Por conseguinte, a maioria absoluta é de tres votos ou de dois votos e meio, mas em todo o caso tem maioria absoluta. Parece-me que foi este o argumento que s. ex.ª apresentou.
Poderia contestar este argumento de s. ex.ª, provando-lhe que a lei distingue entre lista ou voto e eleitor ou volante. Mas apenas o farei por incidente, posto que tenciono collocar-me no proprio terreno de s. ex.ª e ahi desfazer a sua, argumentação. Portanto apenas de passagem e por lembrança contestarei a sua, doutrina.
O decreto eleitoral de 1852 nunca se referiu nem podia referir-se a maioria, absoluta; mas no seu artigo 71.°, § unico, diz o seguinte:
(Leu.)
D’este artigo se conclue que as listas nullas não se contam, mas só não se contam, ou não devem contar-se para os effeitos para que as listas devem ser contadas.
Ora, a lei de 1859, estabelecendo os circulos de um só deputado, e adoptando o principio da maioria absoluta, estabeleceu que a maioria absoluta se calcula não pelo numero real de votos ou listas, mas sim pelo [numero real do eleitores ou votantes. Aqui está claramente estabelecida a differença entro voto ou lista, e votante ou eleitor, distincção aliás existente no decreto de 1852. Este, com effeito, quando tratava das condições necessarias para um cidadão ser proclamado deputado, determinava que o fosse, quando reunisse duas condições: 1.ª, a maioria relativa de votos ou listas; 2.ª, um quarto do numero real de, votantes. No mesmo artigo contrapõe esta lei voto a votante, eleitor a lista.
Então que maioria absoluta é que a lei exige? Exige-a do numero real dos votos, ou do numero real dos votantes? Exige, é claro, a maioria do numero real dos votantes. (Apoiados.)
Sessão de 4 de fevereiro de 1879.
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Para tornar esta doutrina bem clara, aponto um exemplo na hypothese da legislação de 1852.
Supponhamos um circulo de cinco deputados em que votaram cinco mil eleitores, mas houve 300 listas nullas. Como o numero real de votantes foi de cinco mil, o deputado não está eleito se não obtiver 1:250 votos, que é a quarta parte de 5:000. Assim, um cidadão que com 1:230 votos obtivesse maioria relativa de votos, não estaria eleito, porque 1:230 era na verdade mais do que a quarta parte do numero real de listas validas, mas era inferior á quarta parte do numero real de votantes.
Para mim é claro que, tanto o decreto de 1S52 como a lei de 1850, quizeram distinguir entre votos e votantes, o a maioria absoluta deve contar-se em relação ao numero de votantes, qualquer que seja o numero de listas. Em todo o caso, qualquer que seja a interpretação que a camara queira dar á lei, no primeiro escrutinio é preciso sempre a maioria absoluta.
Portanto, para julgar uma eleição é necessario saber qual foi o numero real de votantes ou de votos, o que parece querer confundir o illustre relator da commissão.
Toda a questão, torno a dizer, está em saber: 1.º, qual o numero real de que se ha do tirar a maioria absoluta; 2.°, saber quantos votos teve o candidato mais votado; 3.°, se houver duvidas ou irregularidades na eleição, examinar se influem no resultado geral. Ora, se eu provar que na eleição de Belem se deram irregularidades taes que podem o devem influir no resultado da eleição, parece-me que tenho demonstrado que a eleição se devo considerar nulla.
Eu podia, começar por contestar á commissão qual foi o numero real de votos ou de votantas; nem s. ex.ªs o sabem, nem o podem saber.
Se a camara sommar o numero de listas entradas, encontra 4:415, se sommar as descargas encontra 4:376, se sommar os votos que obtiveram os dois candidatos encontra 4:409.
A commissão foi de opinião que seja o numero dos votos obtidos pelos dois candidatos aquelle em que se deve procurar a maioria absoluta. Esse numero é de 4:409 votos; a, maioria absoluta n'este caso é de 2:205.
Diz o illustre relato» que, para evitar todas as duvidas havemos de ao numero 4:409 tirar primeiro 42 votos, ficando 4:367; que d'este numero se ha de tirar metade e mais 1 para se saber qual é a maioria absoluta, que são 2:184 votos, e que, tendo obtido o sr. Fuschini 2:228 votos, o abatendo-se-lhe 42 votos, ainda fica com maioria absoluta de 2:186 votos.
Mas a questão consiste em que é necessario subtrahir não só 42 votos, mas muito maior numero, como vou demonstrar.
O sr. Hintze Ribeiro: —S ex.ª no ultimo dia acceitou o n.º 42; e eu como sei que s. ex.ª aproveita todas as circumstancias, fiquei convencido de que era esse effectivamente o numero.
O Orador: — Eu acceitei o numero que estava no parecer da commissão, argumentei com elle e ainda sustento que o sr. Fuschini, admittido esse numero, não tem maioria absoluta.
Mas para augmentar a convicção da camara não quero collocar-me no meu terreno, quero collocar-me no terreno traçado pelo illustre relator da commissão.
Sendo diversas as hypotheses, é claro que a minha argumentação ha de ser diversa. Agora acceito tudo quanto o sr. relator da commissão propoz; emquanto á maneira como entendeu que se devia fazer a deducção do numero rea, dos votos, e vou mostrar que ò sr. Fuschini não tem a maioria absoluta. Vamos a ver que não é só de 42, mas muito maior a deducção que deve fazer-se.
Primeiramente diz a illustre commissão no seu parecer, que na assembléa de Bemfica houve 951 listas e 950 descargas. Mas a illustre commissão omittiu uma parte da verdade. Da acta consta que as listas foram 951, as descargas 950, mas que no edital se mencionaram 948 listas e descargas. Aqui temos, pois, tres numeros diversos 951,950 e 948 sem se saber qual é o verdadeiro!
Pois alem d'estes 951, 950 e 948 ha outro numero proveniente de um facto que a commissão tambem não menciona! Aquella assembléa de Bemfica em tudo foi irrogularissima. Abrindo as actas vê-se, que o presidente da assembléa desappareceu da, mesa por algum tempo e que em seu logar funccionou um intruzo que tomou a presidencia da assembléa, por certo periodo de tempo, grande ou pequeno; não se sabe quem foi este intruzo, nem consta que fosse eleito legalmente, sabe-se que funccionou tumultuariam ente.
Mas pouco importa agora saber-se um intruzo serviu de presidente da assembléa eleitoral, noto esta irregularidade; o presidente da assembléa desappareceu, não foi substituido por nenhum membro da mesa, e em logar d'elle appareceu um desconhecido. Prescindindo d'esta circumstancia, que entretanto é grave, diz a acta.
(Leu.)
Por conseguinte 951 listas, 950 descargas. Mas continua a acta. (Leu.)
Agora já se não sabe sé são 951, 950 ou 948 como já referi.
Este facto, sendo importante com relação a uma maioria grande, muito mais consideravel se torna n'este caso, em que a maioria é de dois ou tres votos.
Recorrendo agora aos cadernos das descargas vê-se que estas não foram 950, 951 ou 948; foram 942.
Eu até posso dizer quaes foram as descargas em cada uma das freguezia.
Na de Bemfica 413 votos; na de Carnide 124 e nas de S. Sebastião e Odivellas 405. Total 942.
Por conseguinte, em quanto ao numero de eleitores lemos
951 descargas confessadas pela acta, 948 descargas confessadas pelo edital que tambem é documento authentico, e 942 pelos cadernos, das descargas que tem igual valia.
Hão de me dizer talvez que isto tem pequena importancia. Pois tem toda. Tem uma importancia capital.
Tem uma importancia capital, por que torna suspeito todo este processo, em que tudo faz duvida, depois tem enorme importancia, porque o numero de votos que obteve o candidato mais votado acima da maioria absoluta é tão pequeno que, para desapparecer, bastava que se desse este caso, de que não é licito duvidar.
Se de 4:409 votos tirarmos, não os 42, mas 50, que são os 42 propostos pela commissão e as 8 listas a mais das descargas na assembléa de Bemfica; se ao mesmo tempo tirarmos á votação do candidato mais votado, o sr. Fuschini, não 42 votos, mas 50, pela mesma rasão o sr. Fuschini fica abaixo da maioria absoluta. Esta é de 2:180 e o sr. Fuschini apenas fica tendo 2:178 votos.
E, fazendo isto, fazendo este desconto, não pratico cousa nenhuma mais do que a commissão faz e diz que se deve fazer.
O sr. relator da commissão diz que as listas a mais das descargas se devem descontar para o calculo da maioria, e ao mesmo tempo na votação do candidato mais votado; a commissão, no seu parecer, já desconta na assembléa da Ajuda 6, na assembléa de Santa Maria de Belem 33, ena de Alcantara 1, por se apurarem outras tantas listas a mais das descargas.
Por consequencia, entendendo a commissão no seu parecer e o sr. relator no seu discurso/que, desde que ha listas a mais das descargas, ellas se devem descontar tanto do numero real dos votantes como da votação do candidato mais votado, eu, seguindo esta doutrina, digo: se de 4:409 descontarmos 50, e do resto tomarmos metade e mais um; se ao mesmo tempo descontarmos 50 ao numero de votos que obteve o sr. Fuschini, que foi o candidato
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mais votado, vemos que o sr. Fuschini não teve maioria absoluta.
Ora, aqui está como entre as amêndoas do sr. Rocha Peixoto houve pedras; aqui está como, sendo só dois os candidatos, nenhum d'elles obteve maioria absoluta.
Mas ha ainda mais descontos a fazer.
Tenho duo centos de vezes n'esta casa, e repito-o hoje de novo, que, quando critico um parecer ou combato um discurso de qualquer sr. deputado, não quero offender ninguem, não quero fazer insinuações a pessoa alguma, pretendo unicamente contar os factos como succederam e tirar d’elles as consequencias que legitimamente posso tirar.
Ouso, portanto, dizer agora, sem o minimo intuito offensivo, que a illustre commissão (eu quero empregar a phrase mais doce que me for possivel), nem sempre teve o maximo escrupulo (a palavra escrupulo ainda me parece forte de mais, mas não encontro outra), em apurar os factos que se deram n'esta singularissima eleição.
Vamos á, assembléa de Oeiras.
A acta da assembléa do Oeiras diz:
«Foram 1:084 as listas entradas e outras tantas as descargas.»
Mas não é isto. Foram 1:084 as descargas n'um caderno, mas foram 1:086 no outro. E as listas entradas não foram tal 1:084, mas l:086. Logo a acta é falsa.
A quem se sorrir d'esta differença tão pequena, eu direi que n'uma eleição que depende de 2 votos ella é importantissima.
E aqui está provado como a acta da assembléa de Oeiras é errada e falsa.
A acta. do Oeiras diz que as listas entradas foram 1:084, e que as descargas foram 1:084, mas n'um caderno vê-se que as descargas foram 1:084 e n'outro que, foram 1:086, e por consequencia a acta de Oeiras é errada e falsa n'este ponto, porque não diz a verdade.
Não sei se estará errada e falsa n'outros pontos, mas, para se ver que está errada e falsa, n'este, basta pegar nos cadernos das descargas e contai-as.
Ora a commissão, examinando muito de leve o processo, confirmou o que a acta de Oeiras diz, e manifestamente é falso. Por isso não soube a commissão explicar duas contagens a mais na assembléa de Oeiras, ambas a favor do sr. Fuschini. Não viu que a acta de Oeiras é falsa.
Estas duas contagens a mais, já foram deduzidas pela commissão. Não as desconto de novo. Apenas quiz demonstrar de passagem a falsidade d'aquella acta, igual á falsidade da acta de Bemfica.
Passemas a outra.
Na assembléa de Belem, o resultado foi, para Pedro Augusto Franco 531' votos, o para Augusto Fuschini 287, havendo uma lista branca e outra com o nome de Augusto Fuschini pela parto de fóra, e cujo voto foi contado.
Note-se que esta assembléa de Belem era composta de partidarios de um e outro candidato; o facto de ser contado a Augusto Fuschini o voto de uma lista que tinha o nome por fóra é confessado na acta, e, portanto, deu-se. Mas tal voto nunca podia ser contado; constituia uma nullidade mais flagrante, embora não tão odiosa como as marcas que appareceram na eleição da camara municipal de Belem, quando os guardas da alfandega foram obrigados a assignar as suas listas.
Em summa, a, commissão devia descontar essa lista, porque assim o manda a lei.
Passo á Ajuda. N'esta, assembléa votou um cidadão chamado Manuel Ferreira, sapateiro, de quarenta e seis annos de idade, solteiro, natural de Abrantes; votou, como consta, dos cadernos das descargas. Pois este cidadão, que votou em 13 de outubro de 1878 na assembléa de Belem, tinha apenas fallecido aos 23 dias de setembro de 1877. Aqui está a certidão authentica que o prova.
E não é este só.
No recenseamento da Ajuda ha varios José Antonios. O primeiro José Antonio votou, e cá está a dercarga; pois este individuo, que votou na assembléa da Ajuda em 13 de outubro de 1878, tinha apenas fallecido aos 7 dias do mez de abril de 1877. Aqui está a certidão.
Tambem votou na assembléa da Ajuda em 13 de outubro de 1878 um cidadão, de nome Antonio Ferreira, proprietario, de sessenta e oito annos, natural da Ajuda, e que teve o infortunio de fallecer no 1.º dia do mez de dezembro de 1873. Eis a certidão.
O referido José Antonio tambem votou na Ajuda, e lá tem a descarga. Pois este José Antonio morreu aos 20 dias de janeiro de 1876. Aqui está a, certidão do parocho.
Podem dizer-me que pelo menos um ou dois d'estes individuos estavam mal recenseados; não preciso fazer um grande esforço sobre mim para o confessar; estavam no recenseamento passavam em julgado, mas o que elles não podiam fazer, estivessem ou não recenseados, era votar.
Poderia, a commissão de recenseamento, por dolo ou engano, recenseal-os, porque em toda, a parte succedem casos similhantes e aqui"mesmo em Lisboa formigam, mas votarem os mortos, isso é que não póde ser.
E esta circumstancia dos mortos votarem, não terá importancia nenhuma, quando uma eleição não dependa de dois votos, mas quando depende como n'esse caso, tem toda. (Apoiados.)
Ainda não me contento com isto; temos outro caso.
Está aqui uma certidão do parocho da freguezia da Ajuda, tambem devidamente reconhecida, attestando que um Candido Martins, pintor, e Candido Pedro Martins, tambem pintor, são um unico e mesmo individuo que mora nos confins das freguezias de Ajuda e Belem. Este individuo votou, como verão das descargas, em Belem e na Ajuda.
Não entro na, questão de averiguar se estava, ou não bem recenseado; pelo menos estava-o em uma das freguezias, mas o que é certo, é que, embora estivesse recenseado nas duas, não podia votar em ambas, e d'aqui provém outro voto que tambem não póde ser contado, porque tambem não é legitimo, e o que é mais ainda, um voto criminoso, com a circumstancia. attenuante de assim ter procedido o eleitor por insinuação do regedor.
Ora façamos as contas a tudo isto.
Para mim já me bastavam os 8 votos da assembléa de Bemfica para que o sr. Fuschini não ficasse com maioria absoluta, mas ainda, tenho a fazer o desconto dos 4 mortos, do voto nullo de Belem, e do duplicado de Belem e Ajuda.
Ao todo são 14 votos a deduzir.
Agora faço o desconto como o sr. relator da commissão, isto é, tiro todos os votos duvidosos ou nullos do numero total dos votantes, e do numero devotos do candidato mais votado.
O resultado é: de 4:409 votos, tirados 56, ficam 4:353, cuja maioria absoluta é 2:177; se ao sr. Fuschini, que tem 2:228 votos, tirarmos 56, ficam-lhe 2:172, numero que, sendo mais pequeno do que 2:177, se o sr. Rocha Peixoto consentir, prova, evidentemente que o sr. Fuschini não levo maioria absoluta.
E não posso deixar de fazer este desconto, porque é a pratica seguida sempre, e que é aconselhada, pelo bom senso.
Creio não poder negar-se que estes 56 votos devem ser descontados, porque são nullos ou duvidosos, 42 confessa-os a illustre commissão, 8 provém das listas a mais das descargas em Bemfica, 4 são provados pelas certidões do obito que apresento, 1 é a lista duplicada do homem que votou em ambas as assembléas, e o outro é a, lista que linha o nome do sr. Fuschini escripto por fóra, o que tudo faz 56. Sendo o numero real dos votantes 4:409, se tirarmos 56, a maioria absoluta é 2:177; como o sr. Fuschini só tem 2:172, não alcançou maioria absoluta, assim como tambem a não alcançou o sr. Pedro Franco, e, portanto, a eleição não póde ser valida.
Sessão de 4 de fevereiro de 1879.
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Deve acrescentar que esta idéa de procurar se votaram ou não pessoas mortas, proveiu d'um protesto apresentado na assembléa da Ajuda por Antonio Francisco Nogueira, ministerial zeloso, o qual se queixava de que tinham ali votado alguns mortos. Como appareceu este protesto, lembrei-me de indagar o que havia a este respeito e devo declarar que, alem d'estas 4 certidões, tenho mais C a respeito das quaes duvido, se devem referir-se ou não a individuos que votaram. Ha discrepâncias a respeito das idades e das profissões, e não quero affirmar senão aquillo de que tenho plena certeza.
Se a camara quizer que eu mande para a mesa estes documentos a fim de proceder ás necessarias averiguações, não tenho duvida de fazei-o.
Parece-me que n'um caso como este melhor seria mandar proceder ás investigações convenientes, a fim de
se poder chegar ao descobrimento da verdade. (Apoiados.)
E certo que a eleição não está valida e que o sr. Fuschini não tem a maioria absoluta do numero real dos votantes, ou do numero real das listas, condição que a lei põe como indispensavel. Por consequencia a camara não póde dar o diploma de deputado a um cavalheiro, no qual ella não tem a certeza de ler recaído a maioria absoluta do numero dos votos. (Apoiados.)
Não lhe deve ser licito atropellar as leis.
Aqui está qorque eu disse, e repito, ser a analyse d'esta eleição uma simples questão de arithmetica.
Concluindo, peço desculpa á camara de lhe haver tomado tanto tempo, e aos meus contendores peço igualmente que me relevem se, involuntariamente, os maguei.
Vozes: — Muito bem.