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Concluo de tudo, que o ministerio sem faltar ao decoro devido á Senhora D. Carlota Joaquina, procedeu com dignidade e justiça. Não posso deixar de tocar algumas cousas da indicação; nella se diz que a ida para a quinta do Ramalhão he uma verdadeira reclusão: não considera seu illustre autor, que fôra pedida pela mesma Senhara como mais conveniente; e que em quanto a levar suas duas Augustas Filhas era cousa impossivel de concedesse, porque ellas estão debaixo da tutela de seu Augusto Pai, e como Infantas de Portugal ao abrigo das leis portuguezas? Porem o que mais me espanta na indicação, he dizer-se que ElRei fora arrastado. Todos sabem a liberdade, a espontaneidade com que Sua Magestade tem adherido aos votos da Nação portugueza. O illustre autor, que deve ser instruido na historia de Inglaterra, sabe que os ceus historiadores notão que os seus Reis, que se tem unido ao parlamento, tem sido felizes, o que particularmente se conhece com a actual dynastia depois que veio de Hanover; e pelo contrario tem sido desgraçados os que se tem embrulhado com o parlamento, e com a Nação. Pois o que he effeito de juizo em Inglaterra, em Portugal será coacção, e acto arrastado? Porque havemos de negar ao nosso Rei aquelle talento que admiramos nos outros? Quanto mais este foi o procedimento do Sr. D. João IV. quando subiu ao trono; seu Augusto Neto não faz senão seguir as pizadas daquelle grande Monarca; elle convocou as Cortes em 1641, e nos annos seguintes; ellas he que decretárão a contribuição de oitocentos contos para a guerra, e n formação de dezeseis mil infantes, e quatro mil cavallos para a nova luta com Hespanha; ElRei conformou-se com todas as suas opiniões. Que faz o Sr. D. João VI. senão o mesmo que fez ha quasi duzentos annos o Sr. D. João IV.? Já que toquemos nisto, devo dizer que não temos hoje menos gente ou menos riqueza; então teríamos dois milhões de habitantes; hoje passa de tres; então eramos muito mais pobres. Porem voltando ao nosso objecto, voto que a indicação deve ser rejeitada, como avançando princípios falsos, anti-constitucionaes, e subversivos.
Sendo chegada a hora de fechar-se a sessão, e não se julgando a materia sufficientemente discutida, decidiu-se que ficasse adiada.
Designou o Sr. Presidente para a ordem do dia a continuação da discussão adiada, e dos artigos sobre as izenções do recrutamento para o tempo que sobejasse.
Levantou-se a sessão depois dos duas horas da tarde Basilio Alberto de Sousa Pinto, Deputado Secretario.
RESOLUÇÕES E ORDENS DAS CORTES.
Para Francisco Antonio de Campos.
As Cortes havendo julgado nulla a eleição dos Arcos de Valdevez, resolvem, que aos Deputados eleitos por aquella divisão Antonio Jose de Sousa Clima, Antonio Jose da Silva Cerqueira Brandão, e Antonio de Azevedo Lopes Serra, seja satisfeita não só a despeza de vinda e volta segundo o determinado no artigo segundo do decreto das Cortes de 2 de Novembro do presente anno, mas tambem a dieta pelos dias da demora involuntaria, conforme o que se acha regulado no artigo 3.° do mesmo decreto para os Deputados de Ultramar, nos intervallos das sessões. O que participo a V. Sa. para sua intelligencia, e execução.
Deus guarde a V. Sa. Lisboa Paço das Cortes 24 de Dezembro de 1822. - João Baptista Felgueiras.
Para Innocencio Antonio de Miranda.
As Cortes tendo julgado illegitima a eleição de Candido Rodrigues Alvares de Figueiredo e Lima, mandão convocar a V. Sa. para vir apresentar o diploma da sua eleição de Deputado substituto pela divisão de Villa Real, a fim de que sendo verificada a sua legitimidade, V. Sa. entre no exercicio de Deputado em Cortes.
Deus guarde a V. Exca. Lisboa Paço das Cortes 24 de Dezembro de 1822.- João Baptista Felgueiras.
SESSÃO DE 27 DE DEZEMBRO.
ABERTA a sessão, sob a presidencia do Sr. Moura, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Mandou-se lançar na acta a seguinte declaração de voto pelo Sr. Antonio Pretextato de Pina e Mello - Na sessão do dia 24 votei contra a decisão de ser simplesmente reprehendido o Sr. Deputado Peixoto.
O Sr. Secretario Felgueiras mencionou o seguinte expediente:
1.º O seguinte officio do Ministro dos negocios do Reino: - Illustrissimo e Excellentissimo Senhor - Tendo requerido Manoel Caetano, do lugar de Montachique, que se lhe vendessem umas oliveiras que se achavão em terreno seu, sito no valle de S. Gião, freguezia do Milharado, pertencentes á Casa Pia, informou por esta occasião o primeiro director, o doutor Joaquim Xavier da Silva, que a Casa Pia tinha 3:753 peso d'oliveira plantados ás bordas das estradas nos dezeseis julgados do termo desta cidade, de que lhe não resultava utilidade alguma, pois que estando as oliveiras mui dispersas, e sujeitas a continuados roubos de azeitona, era necessario ter um guarda, ao qual se pagava 140$000 reis de ordenado por anno, e porque havia dois em que faltava visa vigia, tinha sido o seu rendimento tão diminuto, que rendendo no anno de 1820, em que ainda existia o guarda, a quantia de 395$995 reis, só produziu em 1821 a de 70$500 reis, e no de 1822 a de 16$000, conforme o mappa que remettia, e vai junto por copia; e isto sem o abatimento das respectivas despezas; concluindo finalmente que seria de maior vantagem para a Casa Pia não só a venda das oliveiras pertendida, mas a de todas as outras, empregando-se o seu producto em apolices, que tenhão um premio estabelecido,
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e certo. Como porem este objecto involva uma alienação que não cabe nas faculdades do Governo, ordenou-me Sua Magestade que o fizesse subir ao conhecimentos das Cortes ordinarias, e rogo a V. Exca. que assim lhe queira fazer presente, para resolverem o que julgarem conveniente.
Deus guarde a V. Exca. Paço da Bemposta em 23 de Dezembro de 1822. - Sr. João Baptista Felgueiras - Filippe Ferreira de Araujo e Castro.
Foi remettido á Commissão de fazenda.
2.° Um officio do Ministro da justiça, incluindo as informações do collegio patriarcal da santa igreja de Lisboa, e do Bispo de Coimbra, em que declarão quaes são as igrejas que devem subsistir na futura regulação das paroquias: foi mandado á Commissão ecclesiastica de reforma.
3.° Outro officio do mesmo Ministro com as representações do juiz de fóra da villa de Cintra, do de Villa Franca do Campo, e dos cidadãos Thomaz Xavier Roxo da Mota Fajardo, Thomaz Marcelino Majesse, e Jose Firmino de Mello da Silva Peixoto, pedindo se ajuntem ao seu officio de 13 do corrente, para servirem de instrucção sobre a lei das camaras: foi mandado á Commissão de justiça civil.
4.° Dois officios do Ministro da marinha, enviando as seguintes duas partes do registo do porto.
1.º Registo tomado ás 11 horas e 3 quartos da manhã do dia 24 de Dezembro.
Galera Portuguesa, Lusitania; Commandante, Joaquim Gervazio; vinda do Rio de Janeiro em 68 dias, com 29 homens de equipagem, 25 passageiros, e 1 mala.
Novidades.
O Capitão deu por escripto as noticias seguintes: No dia 30 de Setembro, e 1.° de Outubro forão açoutados 300 e tantos soldados da divisão pertencente á expedição da náo D. João VI, por pedirem o regresso para Portugal, quando se lhes perguntou qual era a sua vontade. A 12 de Outubro acclamou-se o Príncipe Real Imperador do Brasil.
A estas noticias accrescentou vocalmente as seguintes: "O Rio de Janeiro não gozava do maior socego, porque era reputado criminoso, e por isso prezo qualquer cidadão que pedia regressar para Portugal. A esquadra que commandava o chefe de divisão Lamáre, recolheu ao Rio de Janeiro em 29 de Setembro, desembarcárão aquelle chefe, e nomearão para commandar a fragata União um Americano, a quem se conferiu a patente de Capitão de Mar e Guerra, grande parte da guarnição desta fragata he da Nação do commandante. No Rio ficavão condemnados a pena ultima oito marinheiros por haverem gritado a bordo da mesma fragata União, viva ElRei, viva o General Madeira, na occasião em que a vista da Bahia se encontrárão as duas esquadras. No dia 30 de Setembro saíu o correio maritimo Boa Ventura com destino para este Porto, e dizia-se que a 20 de Outubro havia sair o correio Treze de Maio. Disse mais o mesmo capitão que á sua saída do Rio de Janeiro lhe constou, por uma carta particular que viu, que a ultima expedição da náo D. João VI tinha reduzido ao teu dever a cidade de Pernambuco; mas que não obstante esta noticia carecia de confirmação.
2.º Regulo tornado ás 3 horas e 1 quarto da tarde.
Corveta Portuguesa, Voador; vinda de cruzar, 87 dias, o commandante não deu novidade alguma.
Ficárão as Cortes inteiradas.
5.° As felicitações que ao soberado Congresso dirigem a camara constitucional de Villa Nova de Foscoa, e da villa de Coja: de que se mandou fazer menção honrosa.
6.° Um officio do Sr. Campos Vergueiro, pedindo que as Cortes decidão sobre a representação que dirigiu ao Ministro da marinha, e que este remetteu ao Congresso: foi mandado á Commissão de infracções de Constituição.
7.° As participações que fazem os Srs. Domingos Jose da Silva, João Pedro Ribeiro, e Joaquim Theotonio Segurado, de que por molestia não podem assistir es sessões do Congresso: ficárão as Cortes inteiradas.
Fez-se a chamada, e se achárão presentes 92 Srs. Deputados; faltando com causa os Srs. Carlos Jose da Cruz; Domingos Jose da Silva; Bettencourt; Queiroga; Seixos; Almeida e Castro; João Pedro Ribeiro; Pinto Magalhães; Mendes Velho; Segurado; Rodrigues Bastos; Sá; Grangeiro; Vaz Quina; Roque Ribeiro; e Borges Carneiro: e sem causa os Srs. Gomes Ferrão; Antonio Jose Moreira; Bernardo da Silveira; Gouveia Durão; Ledo; Borges de Barros; Aguiar Pires; Assis Barbosa; Moniz Tavares; Villela Borbosa; Monteiro da Franca; Lira; Ferreira da Silva; Fortunato Ramos; Lemos Brandão; Belford; Cirne; Fernandes Pinheiro; Alencar; Fagundes Varella; Manoel Antonio Martins; Castro e Silva; Zefyrino dos Santos; Marcos Antonio; Borges Leal; Vergueiro; Araujo Lima; Rodrigues Bandeira.
O Sr. Sousa Castello Branco leu o seguinte
PARECER.
A Commissão dos poderes examinou o diploma do Sr. Deputado substituto pela divisão eleitoral de Villa Real, Innocencio Antonio de Miranda, e achou o mesmo diploma conforme á acta, e legal; e parece á mesma Commissão que não ha inconveniente para que tome assento no soberano Congresso. Paço das Cortes 27 de Dezembro de 1822. - Rodrigo de Sousa Castello Branco; Francisco Rebello Leitão Castello Branco; João da Silva Carvalho.
Foi approvado; e sendo introduzido o dito Sr. Deputado com as formalidades do costume, tomou assento no Congresso.
Ordem do dia. Continuou a discussão sobre o parecer da Commissão especial ácerca da recusação da Rainha a prestar o juramento á Constituição, que tinha ficado adiado na precedente sessão.
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O Sr. Castello Branco: - He dolorosa circunstancia que a ordem dos trabalhos leve esta Assemblea a tratar dos excessos de uma Rainha mal aconselhada, no mesmo momento em que acaba de ouvir a narração das desordens de um Príncipe desnaturalizado seu filho, o qual por cumulo de attentados chegou a mandar açoutar como viz escravos trezentos de seus compatriotas defensores da patria, entre os quaes muitos haverá, que expondo as vidas, e derramando o proprio sangue, ajudárão a conservar o throno em que elle devia assentar-se um dia. Mas em fim he preciso que nos sujeitemos á ordem estabelecida.
Principiarei reconhecendo com muitos dos honrados Membros que discorrerão na sessão ultima, que a questão do que hoje continua a tratar-se he das mais difficeis e melindrosas que se podem offerecer ao soberano Congresso; não porque convenha com alguns na difficuldade da decisão, que aliás reputo facil e ouvia; mas sim porque as circunstancias extraordinarias que revestem esta materia são da natureza daquellas, que, porque chocão habitos inveterados, porque contraditem internos particulares, e vistas contradictorias do bem publico, fazem imaginar diffuculdades onde nenhumas ha, suscitar e fazer valer motivos quimeros de receios, sustos, e temores, que posto nenhum fundamento tenhão, podem com tudo transtornar cabeças incautas, ou ignorantes, e fomentar partidos de que resultem funestas consequencias. Em taes circunstancias obrigado a declarar meu voto com a franqueza e ingenuidade propria de um representante da Nação, devo ainda demais fundamentato, e destruir do modo que me for possível as razões contrarias á minha opinião, para evitar que os que de boa fe espreitão a verdade sejão illudidos, e levados fóra do bom caminho. A utilidade do fim que me proponho me servirá de desculpa, se em meu decurso me estender mais do que convem.
A lei he igual para todos. Eis o principio conservador de todas as sociedades; eis o primeiro garante da liberdade civil. Ainda que perpetuamente combatido por todos os que preferem o seu commodo particular ao bem publico, este principio nem por isso conserva menos o caracter de um axioma politico, que uma vez destruido, a sociedade pende infallivelmente para a sua total ruina, tendo a caminhar antes pelos passos difficeis e escabrosos da anarquia, e do despotismo.
Na verdade o tempo passou em que uma estupida, e quasi geral ignorancia fazia suppor a existencia de castas privilegiadas, que havião nascido para mandar a seu sabor, entretanto que o resto dos humanos era feito só para lhe obedecer e servir. Quem he que se atreverá hoje a sustentar tão ineptos absurdos? Tanto os tempos tem mudado, que nesta materia os conhecimentos praticos do povo mais rude excedem muito a todos os raciocinios dos pretendidos politicos desses seculos de barbaridade.
He certo, que posto que os homens sejão todos iguaes por natureza, elles se tornão logo desiguaes pelo differente desenvolvimento de suas faculdades fisicas e moraes, e esta desigualdade se torna ainda mais sensivel, e ate mesmo util e necessaria, desde que os homens se juntão em sociedades. Todavia como em todo o estado conservão os mesmos direitos, que resultão da sua mesma natureza, e que não podem jámais perder de justiça, como todos entrão para a sociedade com igual contingente, e todos devem por consequencia tirar igual lucro, he logo indispensavel fixar uma relação certa e determinada, debaixo da qual se restabeleça essa igualdade absoluta, apesar da desigualdade relativa que de facto existe por outras circunstancias. Esta relação não póde ser outra mais do que a igualdade da lei. Muito embora o forte se avantaje ao fraco, o sabio ao ignorante, o rico ao pobre, uma vez que a lei não proteja mais a um que a outro no gozo de seus direitos naturaes, todas as condições se confundem, e cada um no seu estado tira igual partido da sociedade.
Quando assim não he, a lei emudece em muitos casos, ella he substituida pelo arbitrio dos poderosos, e desde logo o homem vem a ser o escravo de outro homem, perde sua dignidade natural, e a sociedade roubando-lhe a liberdade que houvera da natureza, não lhe offerece senão perdas, sem lhe dar bens alguns em compensação desse sacrificio. Tal era o estado violento de que nós saimos, para lhe substituir o imperio doce e suave da lei, que em todos se exercita com perfeita igualdade, sem reconhecer favorecidos. A primeira destas leis, a mais sagrada, aquella de que devem derivar todas as outras, he a Constituição Política que ha pouco juramos. Convem que seja observada com o maior vigor, que todos a reconheção, e abracem. Ella encerra as garantias da nossa liberdade, e uma vez alterada, essas garantias desapparecem, e tornamos a ser escravos. Se alguem ha que recuse reconhecela, e se negue a prestar-lhe o assenso publico pela fôrma que a lei determina, falemos claro, não póde ser outro o motivo senão porque quer nossa desgraça, porque he nosso inimigo; não póde por consequencia conservar o titulo do Portuguez, não póde existir no meio de nós. Seria com effeito a contra licção mais absurda, se aquelle que recusa approvar as condições de que uma sociedade julga depender a publica felicidade, e que assim obsta da sua parte quanto póde a essa felicidade, continuasse assim mesmo a ser membro dessa sociedade, e a tirar della partido. Nenhuma preeminencia, nenhuma prerogativa, por mais nobre que se imagine, o poderia autorizar a um acto tão contrario á conservação da medula sociedade, sendo este o fim primario a que devem tender as acções de todos os associados.
Eis-aqui pois justificada a disposição da lei, demonstrada a necessidade de que ella se execute sem restricção alguma, e por consequencia estabelecidos os principios porque he facil decidir a questão da recusação da Rainha ao juramento da Constituição, uma vez com tudo que se prove, que ella he chamada pela lei a este juramento. Ora a lei de 10 de Outubro diz expressamente no § 1, que prestarão o juramento os possuidores de bens antigamente denominados da coroa, e que as mulheres serão admittidas a jurar por procuradores. No § 12 commina a pena do perdimento desses bens aos que não mostrarem ter jurado dentro do prazo determinado. Finalmente no § 13 diz
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que todo o que sendo chamado por aquelle decreto ao dito juramento recusar prestalo, perderá a qualidade de cidadão, e sairá immediatamente do territorio portuguez. A Rainha he possuidora de bens nacionaes, declarada por nossas leis antigas donataria da coroa, foi expressamente convidada por ElRei a prestar o juramento, recusou solemnemente fazelo, como consta do autografo em que o declara; logo não he cidadã portugueza, logo deve sair immediatamente do Reino. Ainda mais, não se devendo fazer alteração alguma em uma lei desta natureza, e muito menos a favor de uma pessoa, que por sua alta representação póde tanto influir contra o bem publico, segue-se que a lei se deve sustentar em todo o seu vigor a respeito da Rainha, e que tal he o dever deste soberano Congresso, como encarregado em primeiro logar de vigiar pela liberdade publica.
Custa a crer que se possão encontrar difficuldades para oppor a raciocinios tão claros, e tão simplices, ou pelo menos he preciso para as encontrar quaesquer pôr em grande tortura uma imaginação viva. Mas com effeito encontrão-se estas difficuldades, e posto que de nenhum peso as repute, convém todavia responder-lhe segundo a ordem porque me occorrem.
1.° Duvida-se primeiramente, a respeito da Rainha, da qualidade de donataria, para a isentar da obrigação da juramento. Esquece-se para isto o theor das nossas leis que a declárão tal, e quer-se mesmo que a casa das Rainhas seja um estado soberano dentro de outro estado, porque só assim se poderá suppor, que a administração dessa casa não tem origem em uma concessão feita pela soberania nacional. He um argumento que ou eu não o enteado, ou, o que he mais seguro, tão absurdo que não merece resposta.
2.º Pertende-se tambem que a Rainha não era cidadã portugueza, e por consequencia que não devia julgar-se incluida na lei, assim como não se julgão incluídos alguns extrangeiros apesar de serem possuidores de bens nacionaes; e para provar esta proposição, se faz um jogo forçado de lugares da mesma Constituição e de factos antigos da nossa historia. Disse-se que a Rainha não tendo nascido de pais portuguezes, nem em paiz portuguez, não tendo algum dos outros titulos a que só expressamente a lei concede o direito de cidadão, não sendo algum desses o facto de ser casada com portuguez, ella não era cidadã portugueza: que mesmo além da Constituição não a considerar como tal, isso mesmo era conforme com as nossas instituições antigas, porque nunca nossas Rainhas extrangeiras deixarão de ser consideradas como taes, e que a qualidade de extrangeira fôra a que excluíra a Rainha D. Leonor, viuva do Rei D. Duarte, da regencia na minoridade de seu filho Affonso V.
Seria uma cousa nova que a nossa Constituição definisse os casos em que as mulheres devem ser consideradas cidadãs; quando he uma regra sabida, que ellas não tendo accesso aos cargos e empregos, seguem sempre a condição do homem a que pertencem, ou pai ou marido, e que a mulher se reputa sempre cidadã do paiz de que o he o homem a que vive sujeita. Em quanto á exclusão da Rainha D. Leonor nas Cortes de 1438, todos sabem que posto ella tivesse sido declarada regente no testamento de D. Duarte tinha entre outros competidores um mais forte, seu cunhado o Infante D. Pedro, que havia adquirido grande popularidade e gozava de grande reputação militar, e por consequencia os Portuguezes prferirão ser governados por um Principe destas qualidades, natural, e capaz de os conduzir ao campo da gloria. Estas forão as razões da exclusão da Rainha, cujo partido foi mais fraco; e como era necessario cohonestar esta exclusão, as Cortes allegárão a razão de extrangeira e castelhana, cuja influencia era para recear naquelle tempo. E tanto se prova que nenhuma regra se póde dahi deduzir, que tendo essas mesmas Cortes de 1438 declarado, que nenhuma mulher teria mais parte na administração do Estado, com tudo em tempos posteriores e apesar de extrangeiras a Rainha D. Catharina teve a Regencia na minoridade de seu neto D. Sebastião, e a Rainha D. Luiz na minoridade de seu filho Affonso VI, sem que alguem se lhe oppozesse.
3.º Por outra razão se tem ainda pretendido eximir a Rainha da obrigação do juramento; e he, porque tendo ElRei jurado a Constituição, se deve reputar tambem jurada pela Rainha, por isso que a mulher representa por seu marido, e os actos legaes por elle praticados aproveitão igualmente a ella. He assim em tudo que póde ser communicavel entre o marido e a mulher; por isso esta goza de todas as honras que competem a seu marido, por isso ella se aproveita de tudo que seu marido faz em beneficio commum do casal: mas já assim não he a respeito de todas aquellas cousas que são privativas de cada um delles, e pelas quaes cada um figura por sua cabeça. Da mesma fórma que a Rainha não póde ter parte nos actos da autoridade d'ElRei, nem na administração da sua dotação, assim também ElRei não tem parte na administração da casa que faz a dotação da Rainha, e he justamente por essa administração que lhe he privativa, que a lei a obriga a jurar.
Não se limitão aqui os argumentos que neste negocio se tem opposto ao parecer da Commissão. Outros ha, e se encluem na indicação junto, que não impugnando directamente a obrigação do juramento, atacão o procedimento do Governo na execução da lei, taxando-o de infractor, precipitado, e excessivo. Quer-se que o Governo tenha infringido a Constituição, erigindo-se em juiz em um negocio que era da competencia do Poder judiciario.
A tanto chegão as paixões dos homens, que levados por ellas até desconhecem os principios, que a sangue frio lhe são mais obvios e triviaes. Acaso ignora o autor da indicação, que posto que o officio do juiz seja applicar a lei aos factos humanos, ha com tudo muitas leis de que a applicação não pertence ao Poder judiciario? He na parte oriminal sómente, quando se accusa transgressão da lei, quando a sociedade he offendida em seus direitos, e quando o individuo se tem obrigado tacita ou expressamente a observar as leis, que póde ter logar a intervenção do Poder judiciario, porque só então póde ter logar a declaração
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da pena imposta pela lei. Nenhuma destas circunstancias se verifica no caso de que se trata. Não ha transgressão de lei, porque he livre na introducção de um novo pacto social acceitalo, ou rejeitalo; e regeitado que seja, não se podem offender direitos que se não reconhecem, nem violar obrigações que se não contrahião. As leis se calão para todos aquelles para quem não forão feitas, e assim como não o protegem, não lhe podem tambem impor penas. Contra o individuo que se acha em taes circunstancias, que rejeita a sociedade, só resta proceder de facto para evitar que por elle venha mal á sociedade; este procedimento de facto só póde pertencer á autoridade que tem a força, qual he o Poder executivo ou o Governo. Seria uma violencia manifesta sujeitar a um processo legal aquelle, que não reconhece a Constituição, nem por consequencia a autoridade dos juizes e das leis que derivão da mesma Constituição. Conformemente a estes principios a lei nenhuma pena impõe ao que recusa jurar a Constituição; elle he mesmo que voluntariamente se reduz á condição que a lei declara como consequencia do seu proprio facto. A Rainha reconhece isto mesmo, quando diz por escrito, e em termos muito expressos, que não jurava, e estava prompta a executar o que ElRei lhe mandaste em virtude da lei.
Pertende mais a indicação, que o procedimento do Governo foi precipitado, violento, e injusto, principalmente por haver coarctado a liberdade da Rainha. Quanto são diversas as opiniões dos homens! Eu pelo contrario me inclinaria a dizer, que o Governo fora froxo e nimiamente condescendente; e se elle não tivesse obrado do modo porque obrou, eu seria o primeiro a pedir que se fizesse effectiva a sua responsabilidade. Em se espassar a execução de uma parte da lei se fez á Rainha um beneficio, ainda que reclamado por principios de humanidade que muito reconheço; mas tambem nenhuma injuria se lhe fazia em pôr termos a este beneficio, de maneira que nenhum mal dahi podesse resultar, e talvez que o Governo o deva assim fazer, porque factos tem chegado a meus ouvidos, que posto por ora não mostrem se não pequenas faiscas, podem com tudo passar ao diante e levantar grande incendio. Lembra-me que em casos arriscados o Senado Romano autorizava os consules a obrarem de uma maneira illimitada, recommendando-lhe que vigiassem, porque nenhum detrimento viesse á republica; e talvez fosse este o caso em que o soberano Congresso devesse fazer ao Governo igual recommendação. Eu o exigiria se não estivesse certo da inviolabilidade do juramento do Rei, do zelo e patriotismo dos ministros que compõem o seu conselho.
Eis-aqui os motivos que me levão a declarar o meu voto, que se reduz a approvar pura e simplesmente quanto o Governo tem obrado neste negocio.
O Sr. Galvão Palma: - Voto contra a indicação que vem annexa ao parecer da Commissão: e como os autores daquella, e alguns Srs. que a apoiarão, apresentem argumentos, que julgão triunfantes; do forçoso que os analysemos miudamente, para conhecer que o seu brilho, como o de fogo de artificio em breve se converte em globos de fumo. Primeiro argumento, que era necessario processo e sentença, por isso da competencia do poder judicial, visto que a notoriedade do crime não exclue as fórmulas estabelecidas em direito, o que acontece com o assassino, e ladrão, que apezar da notoriedade do delinquente, não he immediatamente condemnado; e que assim se praticou com o prior do sitio de Laveiras, cujo processo ha pouco fui incumbido ao judicial, para lhe applicar a pena. E com o isto se não verificou no facto da Rainha, e fosse incompetentemente julgada pelo Governo, deve voltar ao seu amigo estudo, e reputar-se nullo tudo quanto foi feito. A base de todo este argumento he, que a Rainha commetteu crime, eu não o julgo assim: logo que qualquer Nação se constitue, e estabelece novo pacto social, he livre ao cidadão o edherir a elle, sem que possa ser obrigado: está como em o estado da natureza em que he livre o seguir esta, ou aquella instituição politica, segundo melhor lhe agradar. Eis o que fez a Rainha, não quiz conformar-se com a vontade geral da Nação, não quiz ser Portugueza. E como ninguem deve viver em um paiz, sem se sujeitar ás leis do mesmo, motivo porque era forçoso á Rainha sair de Portugal, sáe pois porque quer. E como ninguem póde gozar os com modos de uma sociedade, sem soffrer os seus incommodos, a Rainha não quer estes, logo não póde gozar daquelles. E he a razão porque perdeu os direitos não só á realeza, mas á casa que como tal disfrutava: e he pelo mesmo principio que não deve levar os filhos, pois elles pertencem ao estado, e são garantes do throno: aliás não são cousas como lhe chamavão os Romanos, são pessoas, e por consequencia livres, e não património dos pais. Não havendo pois delicto não era necessario processo. A Rainha he que quiz abandonar os Portuguezes, e não estes a Rainha. Mas supponhamos que fosse pena, ou exterminio, e que saia do paiz em consequencia do decreto de 2 de Abril. Está muito legal quanto foi feito. Não colhe a paridade do ladrão, e assassino, porque como as circunstancias nestes crimes possão augmentam ou diminuir o gráo de imputação, e por consequencia do castigo, he forçoso serem por meio de processo conhecidas pelo juiz. Por exemplo matar em rixa nova ou velha, no estado de demencia, ou embriaguez, varia muito a causa, póde tomar-se ate uma acção inculpada, quando eventualmente, e sem intenção se seguiu a morte, como ha pouco aconteceu em Evora, que um mancebo pegando da espingarda, que julgava sem escorva se lhe desfexou, e matou outro: pode ate ser um acto justo em defeza devida. Para se conhecerem pois, e graduarem estas circunstancias, he que vai ao poder judicial. Outro tanto digo do roubo, a maior, ou menor porção, o haver arrombamento, ou ser no templo varia o crime. O facto porem da Rainha não póde variar de circunstancias, logo não colhe o paralello. O facto he liquido, he simples, he confessado, e passado um mez, reiterado, não resta senão applicar-lhe a lei, e "immediatamente" como a mesma sancciona. O processo que se mandou fazer ao prior he, porque não resistindo a jurar, mas querendo fazer certas modificações, poderião ser taes, que não alterassem a sustancia do mesmo juramento, o que acontece ate em fórmulas
TOM. I. LEGISLAT. II. LI
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estabelecidas pela igreja, por isto se mandou ao poder judicial. Dizem outros que be dura a lei, querendo-a talvez inculcar, para a fazer odiosa, mais revoltante que a do ostracismo em Athenas. Seja muito embora, mas as Cortes Ordinárias não tem direito de a alterar, mas só deter de a fazer executar. No em tanto he o que praticou a assemblea de França peto que respeita aos que não quizerão prestar o juramento cívico, e Hespanha outro tanto, alem de muitos ao bispo Quevedo, e Portugal ao Patriarcha, a mesma igreja separa do seu seio aos que não adoptão os seus dogmas, e nós á imitação comminamos um anathema civil. E me parece justo, pois dizer não quero jurar, importa a idea (todos conhecem ser illusorio o motivo que allegou), não gosto, não he bom o sistema constitucional, e isto parece uma heresia política, por consequência anathema político. Dizem outros que foi duro o procedimento de lhe tolherem o levar as Serenissimas Infantas suas filhas, não o acho, pois que amor á Patria lhe inspiraria quem a não ama, e ate não quer. viver nella? Outro argumento he, que por este facto se separão os conjujes, e por tanto vem a estado a obstar á união que a igreja
recommenda. Sendo verdadeira esta doutrina vem o Illustre Preopinante a tirar ao poder civil o direito de prender, e exterminar o casado, e ate o jus vitae etnecis, que o mesmo Beccaria, e Patoret admittem em alguns casos. Disse outro Sr. Deputado para fazer vir a execração do procedimento contra a Rainha , que todo o Congresso eslava coberto de palidez. (Eu não pelaria cargo de desenvolver esta idea, se me não lembrasse, que os diarios em que ella se ha de inserir correm pela Nação, e passão ás extrangeiras, e, que poderia haver alguem que se persuadisse da tua verdade). Eu me cobriria só de palidez, Sr. Presidente, quando votasse contra o meu senso intimo. Eu me cobriria de palidez, e ate de carregado luto, fé tivesse um coração tão fraco, e pusilamine, que contemplações, e respeitos humanos dirigissem e meu voto. Quando vim para este Congresso, (honra que me foi tão aleivosamente disputada) fiz um pacto secreto com a minha consciência, de seguir o que ella medictasse, e espero não faltar ao que prometti. Ainda quando meus illustres collegas fossem unanimes em um parecer, eu votaria em contrario, logo que a minha convicção me não levar isso. Não terão bem calculadas, e exactas as minhas ideas, mais sinceras, e imparciaes. Como se cobrirão de palidez, e infame cobarde medo ao tratar o negocio da Rainha os membros de ura Congresso, que em iguais circunstancias terião a coragem de repetir ao seu Rei, o que nossos maiores a Affonso IV quando não acolheremos quem melhor nos governe? Os Representantes do um povo que com justiça póde dizer nós somos livres, nossas mãos libertárão se atterrarão a votar na causa da Rainha? Se o Preopinante dissesse que estávamos magoados por ver a resistência da Rainha, convenho, pois os Portuguezes amão extremamente a pessoa dos seus Principes, estou persuadido que verifica na maioria o premit altum corde dolorum, e que esta segunda sessão em que somos obrigados a trajar este objecto nos obriga a dizer, dum Regina jubes renovarem dolorem! Taes sentimentos porem não nos suffocão as expressões, quando se trata de votar o exterminio da Rainha. Acho com tudo que se eleve suspender a execução do decreto em quanto o estado da saude da senhora Dona Carlota o não permittir, e os medicos attestarem que a viagem lhe custará a vida: pois a lei não sancciona pena de morte aos que não jurarem a Constituição. Bem assim votarei, que quanto permittirem as forças do thesouro se lhe estipule o necessario para a decorosa subsistência da que foi Rainha de Portugal. Requeiro agora, Sr. Presidente, que o illustre orador que me precedeu, seja, como he do seu caracter, e convem a uma assemblea constitucional, franco para fazer publicas as informações, que diz ter a este respeito, a fim de estimularmos a attenção o do Governo para tomarmos os necessárias medidas.
O Sr. Castello Branco: - Os factos que tem chegado á minha noticia o Governo deve estar na inteligência delles, e he de esperar do seu zelo que os tenha em consideração.
O Sr. Sousa Castello Branco pediu ao Sr. Presidente que suspendesse a discussão, e que lhe fosse concedida a palavra para ler um parecer, que a Commissão dos poderes interpõe sobre a legalidade do diploma do Sr. Abbade de Medrões, eleito substituto pelo circulo de Villa Real: a Commissão o julga conforme, e he de parecer que tome assento no Congresso. Approvado.
O illustre Deputado achava-se á porta da Sala, e sendo introduzido com o ceremonial do costume, prestou o competente juramento, e tomou o seu respectivo logar.
Concluido este acto, disse o Sr. Presidente que progredia à discussão, e deu a palavra ao Sr. Sousa Castelbranco.
O Sr. Souza Castel Branco: - Sr. Presidente, tem-se dito muito sobre a materia em discussão, e posto que muitas vezes eu deixo de falar para não ser mais um dos que a razão o vencimento das materias, repetindo ideas já expendidas, e quando he desnecessaria maior discussão: com tudo farei hoje o contrario, porque a occasião vale a pena de ser aproveitada, e he daquellas em que tenho assentado de não votar calado, para que de futuro, e na enumeração indistincta de votos, a final não fique em duvida quaes as minhas ideas, qual o meu modo de pensar, e de sentir sobre o objecto de que se trata. Persuado-me de que não he para se decidir se está valido o procedimento que se teve com a Senhora D. Carlota Joaquina, e se deve mandar-se subsistir, ou declarar-se que não póde ter effeitos legaes, que se expoz á discussão o parecer da Commissão sobre o relatório do Governo, e sobre a indicação do Sr. Deputado Accursio das Neves, e que a deliberação do Governo, de qualquer fórma que se tomasse, uma vez que está nas suas attribuições, não pode admittir a ingerencia do Congresso soberano: persuado me sim der que se expoz, para que examinado o procedimento do Governo, se decida se elle foi regular e ajustado á lei, ouse pelo contrario foi irregular e injusto, e se he caso de exigir-se responsabilidade do
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Conselho d'Estado, ou do Ministerio. Eu approvo o parecer da Commissão, ainda que com o additamento que logo direi. He a especie: que a Rainha não só jurou a Constituição politica da Monarquia no prazo legal, mas que avisada particular e officialmente do dever que lhe imcumbia, e das consequencias da sua recusação, insistiu em não jurar, porque não queria; e que o Governo á vista disto a mandou sair ao territorio portuguez sem mais demora, despojando-a dos direitos de cidadão, e da preeminencia de Rainha, e dos bens da Nação. Obrou nisto o Governo conforme a lei, ou não? Eis a questão em que eu vou entrar. A maioria do Conselho d'Estado, e a minoria do Ministerio opinou exactamente o contrario do que opinou a maioria do Ministerio e a minoria do Conselho d'Estado: nesta consideração, e muito mais na de ter sido apoiada a opinião dos primeiros, por illustres Deputados, que na sessão proxima falárão; ainda que a minha opinião está bem longe da sua, que a meu ver he erronea, eu não acho logar para exigir responsabilidade da maioria do Conselho d'Estado, e da minoria do Ministerio: em fim, em tal situação, como qualificar ignorancia crassa, ou dolo? Entretanto segundo a minha opinião, o acerto está da parte da minoria do Conselho d'Estado, e da maioria do Ministerio. A lei adoptavel áquella especie he o decreto das Cortes Constituintes de 10 de Outubro do presente anno: ella diz, que os funccionarios publicos são obrigados a jurar a Constituição politica da Monarquia, e que igualmente o são os possuidores dos bens nacionaes, antigamente chamados da coroa, e que os ditos possuidores que não jurarem dento de um mez, perderão os bens, e que aquellas das pessoas obrigadas pelo mesmo decreto a jurar, se o recusarem, percão o direito de cidadão, e saião immediatamente do Reino. A' vista desta disposição, cumpre averiguar se a Rainha era funccionario publico, ou se tinha bens nacionnes. Que era funccionario publico, ainda pondo de parte a consideração de presumida Presidente da Regencia do Reino, na especie da Constituição, como occorreu ao Ministerio, não ha duvida alguma. As Senhoras Rainhas de Portugal tem uma casa e estado proprio que administrão, e em que exercem jurisdicção. Isto he incontestavel á face das doações da casa e estado, juntas á Ordenação do Reino, e á face da constante serie de factos que o comprova. Agora mesmo, e já depois desta nova ordem de cousas publicas, a Rainha conservava o Secretario do seu estado e casa, que expedia as ordens em nome della, e conservava um tribunal proprio, que em nome della tambem estava expedindo ordens, incumbindo diligencias aos Ministros, e resolvendo questões occorrentes em materia de jurisdicção: quem pode pois negar que a Rainha era funccionario publico ao tempo em que esta preeminencia recaia na Senhora D. Carlota Joaquina? Bastava esta circunstancia pois, para que ella fosse considerada como comprehendida no citado decreto. Porem accresce ainda a outra circunstancia de possuir bens nacionaes, antigamente chamados da coroa. Na sesão passada eu ouvi pôr em duvida se a Senhora D. Carlota Joaquina era possuidora de bens daquella natureza: ouvi ainda mais ao autor da indicação; que ella não tinha bens nacionaes da qualidade daquelles que antes se chamavão da coroa: eu não tenho duvida de dizer á face deste soberano Congresso, que não ha negativa tão manifestamente convencida de falsa, como esta: não he preciso ver mais que a carta de doação feita á Senhora Rainha D. Luiza, mulher do Sr. Rei D. João IV: por esta carta consta que a favor de Ruy Gomes da Silva, Principe de Eboly, forão erigidas em villas as suas quintas da Chamusca e Ulme, que lhe foi dado o senhorio e direitos reaes destas villas, e que se lhe annexou e deu de juro os reguengos de Nespereiras, Monção, e Villa Nova de Foscoa, para andarem unidos, e seguirem conforme a lei mental na pessoa a quem pertencessem os morgados na ordem da successão; tambem consta que estando incapacitado e inhabilitado para administrar e gozar estes bens e direitos o Duque de Pestrana, ultimo possuidor na primeira linha: os pediu a Senhora Rainha D. Luiza, conto bisneta do Principe d'Eboly, e lhe forão doados por ElRei seu marido, assim como o Duque os possuia, com todos os fructos e acquisições que a coroa nelles podesse ter, e tinha por via de confisco, etc., declarando-se expressamente que doava não só quanto ao que erão bens patrimoniaes, como de coroa. Esta doação he de... Fevereiro de 1643: como pois se poderia dizer de boa fe que os bens que a Senhora D. Carlota Joaquina possuia não erão daquelles que antigamente se chamarão da coroa? A Senhora D. Carlota Joaquina era, como Rainha, uma alta donataria da coroa, segundo a antiga expressão; era pois tambem por isso comprehendida no citado decreto: devia portanto jurar. Porem não jurou, e recusou formalmente: de que fórma convinha que o Governo em tal caso obrasse? Não seria elle responsavel senão executasse a lei; se consentisse que ella recuasse á vista da Rainha, quando a Constituição ensina que perante a lei todos são iguaes? Devia pois executar o citado decreto, e era consequente que immediatamente a fizessse sair do Reino com a perda dos bens da sua casa (que todos pertencem ao erario da Nação, e substituem por seus rendimentos aquellas prestações com que seria aliás forçoso, que a Nação provesse á dignidade e fausto das Senhoras Rainhas) e com perda dos direitos de cidadão e da dignidade de Rainha. Obrou por tanto o Governo conforme a lei, e não ha porque se faça censura ao seu procedimento. Mas disse um honrado membro, que tinha toda a duvida em que a Senhora D. Carlota Joaquina fosse comprehendida no citado decreto, porque falando este, sem questão, dos que tem a qualidade de cidadão, pela qual entende a de ser natural, lhe parecia, que não comprehendia a Senhora D. Carlota Joaquina, que era extrangeira, e que não a considera naturalizada pelo unico facto de seu casamento. O mesmo honrado Membro procurou na historia do Reino alguma cousa que mostrasse, que por nosso direito publico as Rainhas extrangeiras não ficavão havidas por naturaes só pelo facto de casarem com Rei portuguez: procurou ainda achar alguma prova na Ordenação e na Constituição. Lembrou-se
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da Regencia da Senhora Rainha D. Leonor na menoridade do Senhor Rei D. Affonso V, e da Regencia da Senhora D. Catharina na menoridade do Senhor Rei D. Sebastião; elle disse que a primeira Senhora Rainha fôra privada da Regencia por ser extrangeira, e que a outra Senhora fera admittida á Regencia apezar de extrangeira, mas que tanto em um como em outro caso se tinha considerado extrangeira, e não natural ou cidadã; ainda que admittida a segunda Senhora porque tinha captado a affeição do povo; e disse finalmente o honrado Membro, que estando declarado na lei o modo por que o marido e olhos adquirião naturalidade, não via prevenido o modo por que a mulher adquiria naturalidade, e que por tanto duvidava muito de que a Senhora D. Carlota Joaquina fosse comprehendida no decreto. Respeitando muito as luzes do mesmo honrado Membro, acho todavia que a sua duvida he pouco fundada, e que não tem a importancia que elle quiz dar-lhe. Em primeiro logar nenhuma das duas Rainhas soffreu contradicção por ser extrangeira, mas por serem Castelhanas: porque ainda que a primeira, a Senhora Rainha D. Leonor fosse Aragoneza de nascimento, esta mesma descendia da Casa Real de Castella. Ora porque a qualidade de Castelhana havia empecer, conhecem todos os que reflectem na formal antipathia, que as duas nações se tinhão, e com alguma razão, porque uma sempre desconfiou das pretenções da outra, entretanto soffrer contradicção por ser Castelhana, não he soffre-la por ser extrangeira: e honrado Membro não foi exacto nisto: todos conhecem neste ponto de vista quanto uma cousa disse da outra: elle no seu discurso fez ligar a idea de não natural e palavra extrangeira, e com este jogo de palavras manejou o seu argumento, que cabe logo que se faz esta observação.
"Depois he bem sabido pela historia da Nação, que as verdadeiras causaes da exclusão da Senhora Rainha D. Leonor feita pelas Cortes de Torres Vedras forão a intriga que ella manejava, pertendendo alliar-se, ora com o Infante D. Pedro, ao qual havia commettido o casamento de menor seu tutellado, o Sr. D. Affonso V., com a filha do mesmo infante; ora com o outro infante D. João, genro do Conde de Barcellos, a quem commetteu tambem casar com uma filha delle o dito menor. He igualmente sabido pela historia da Nação, que a Senhora Rainha D. Catharina não foi contrariada na Regencia do Reino, senão pela intriga do cardeal D. Henrique, a pretexto de Castelhana, e que assim mesmo ficou regente ate que ella mesma demittiu de si a regencia: sendo para observar, que nem para a exclusão da Senhora Rainha D. Leonor se apontou alguma lei, ou capitulo Cortes, que excluisse da Regencia do Reino, como extrangeiras, as Senhoras Rainhas deste mesmo Reino nascidas em outro paiz, nem para a admissão da Sra. Rainha D. Catharina se derogasse alguma lei ou capitulo de Cortes, que pelo ponderado motivo a incapacitaste para a Regencia. Donde he manifesto, que a historia do Reino não fornece ao honrado membro argumento de pezo: ao contrario deduzo eu da mesma, que por nosso direito publico as Senhoras Rainhas, ainda que extrangeiras por nascimento, se tornão naturalisadas pelo casamento; de outra fórma ter-se-hia citado a lei que se executava, ou em que se dispensava. E se as Senhoras Rainhas ainda depois do seu casamento ficassem extrangeiras, como encommendaria o Senhor Rei D. Duarte á Senhora Rainha D. Catharina, e o Sr. Rei D. João IV. á Senhora Rainha D. Luiza a Regencia do Reino? Entretanto um e outro deixárão disposto, que suas mulheres, as ditas Senhoras Rainhas terião a Regencia do Reino durante a menoridade dos Reis seus filhos, e não se referirão a alguma lei em que dispensassem para isto; e he manifesto que sendo consideradas extrangeiras, não poderião sem dispensa da lei tomar a Regencia do Reino com o mando absoluto que então exercia o poder Real. Logo por nosso direito publico eu creio, que se prova o contrario do que quiz provar o honrado membro."
O argumento que elle tirou do relatorio da carta de doação á Senhora Rainha D. Luiza, tambem não vale, porque ahi diz ella, que como Rainha he natural do Reino, e no mais alto gráo de natureza, nem o supprimento de natureza, que o honrado Membro diz que ElRei dera, he expresso na carta; he apenas uma daquellas clausulas ex-abundanti inseridas como muitas outras, dizendo com esta generalidade: que suppre o que fôr necessario. Não conclue pois; e sena Ordenação, e na Constituição não se declara o modo porque a mulher casada adquire naturalidade, he porque esta não pode ser outra senão a do marido. He principio muito sabido aquelle que temos adoptado como domestico em nossa legislação patria, que mulier fulgore mariti corúscat: a mulher pelo casamento pertence á familia de seu marido, e não póde por isso pertencer a sociedade diversa daquella a que elle pertence, nem estar, como aliás estaria, em collizão de deveres; conseguintemente he forçoso concluir, que sendo ElRei o primeiro e mais conspicuo cidadão portuguez, a Rainha sua mulher goza dos mesmos direitos de cidadã, e que por tanto ella he comprehendida nesta qualidade e consideração pelo decreto referido, bem como o he na qualidade de funccionario publico, e na de donataria de bens da Nação; e que por tanto uma vez que recusou jurar deve sair do Reino, e perder os direitos de cidadã, e ainda a prerogativa de Rainha, porque não póde subsistir, perdidos os direitos de cidadã. A Rainha nesta qualidade tem direitos e preeminencias que suppõe da parte do povo portuguez certas obrigações e respeitos, que nunca poderão ter lurar quando a Rainha for extangeira e estranha aos Portuguezes. Mas argue-se, que embora fosse aquella a consequencia de não jurar, e de recusar o juramento, a decisão era devida ao Poder judiciario, e que foi invadido pelo Poder executivo, e que devia proceder uma sentença condemnatoria. Eu tenho isto por pouco juridico, e por pouco razoavel.
O juizo criminal não póde exercer-se senão contra delinquente, e deliquente pertencente ou competente; não póde exercer-se senão por occasião de delicto, que tanto vale, como infracção de lei; não póde proferir condemnação, tem fazer applicação de uma pena. Pergunto, quem he aqui o delinquente, qual o delicto,
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que pena he a que se considera dever ter-lhe sido imposta em virtude da lei? Eu persuado-me de que sem contrariar os principios de direito natural, antes muito conforme com elles, toda a sociedade civil existe por um pacto de que não se isentão as que forão creados por um Nemrod; porque desde que a força acabou, a sociedade continuou pala acquiescencia dos socios, e pelo assenso que elles derão áquella fórma e sistema de governo: persuado-me conformemente a estes principios, que anteriormente a esta acquiescencia, a este assenso presumido, ou expresso, os leis da sociedade não obrigão a alguem, muito mais na hypthese de novo pacto em que estamos, dissolvido o velho pacto, e que he preciso, que elle pertença á grande familia, que se chama Nação, para estar sujeito aos seus regulamentos. Ora quando considero a Senhora D. Carlota Joaquina, recusando entrar na sociedade civil portugueza, recusando entrar no numero dos membros della, como a póderei julgar obrigada a responder por mais do que por aquillo, por que são obriga-los a responder os extrangeiros que não tem alguma ligação civil com Portugal? Os extrangeiros são segundo os principios de direito publico universal, e do direito das gentes obrigados sómente a não transgredir as leis prohibitivas do paiz, porque esta he a clausula com que se lhes concede a entrada, e hospitalidade: qual lei proihitiva transgrediu a Senhora D. Carlota Joaquina? Ha mesmo alguma lei que fizesse ou pódesse fazer delicto de não jurar a Constituição! Recusando jurar, não quer entrar na nossa sociedade: usou do seu direito, porque tem por Direito Natural essa faculdade, e porque assim está reconhecido e sanccionado na lei das Cortes Constituintes de 8 de Abril do anno passado: como pois compellir a Senhora D. Carlota Joaquina, e porque delicto? Ella obrou um acto licito. E como póderia ter pena para a Senhora D. Carlota o partido que ella tem por mais vantajoso, aquillo que ella considera um bem? Entre as vantagens que lhe resultavão de ligar-se aos Portuguezes, e as que meditou achar na terra do seu nascimento, ou outras que eu não sei, nem he preciso que saiba; ella escolheu as outras vantagens com preferencia as que lhe resultavão de unir-se aos Portuguezes. Como pois dar-lhe isto mesmo em pena? A pena por isso que he de sua naturesa coarctiva importa coacção, e não he voluntaria; he comminada como um mal, e não póde nunca ser um bem, fructo da escolha. Seria por conseguinte, quando compellida a juizo, tão nullo o processo, quanto injusta a sentença, e redicula a pena. Não se tratava senão do ad implementam d'uma condicção, nada havia controverso nem disputado pela parte interessada, a qual foi a mesma que sollicitou a sua saida do Reino, isso que se chama a sua pena: não competia por tanto a outro poder senão ao executivo o dar cumprimento á lei. Dizendo isto, já se ve que eu não posso approvar a doutrina da indicação, e que tenho por erroneos os principios oppostos que a mesma indicação encerra. He preciso accrescentar, que he falso o que de facto se diz a respeito da falta de liberdade da Senhora D. Carlota Joaquina; porque não está encerrada, não está com guardas, está onde muito bem quiz estar, para se preparar para maior jornada, está como em caminho para o ponto que ella escolheu. Não se comprehende a coacção da Senhora D. Carlota Joaquina em uma situação, que he filha da sua escolha, e por isso uma prova da sua liberdade; toda a coacção, que por ventura haja, he ella quem a faz a si propria, não ha para que se impute ao Governo. Não he menos falso, e injurioso a ElRei que elle fosse arrastado pelo Ministerio a assinar o decreto que manda sair a Senhora D. Carlota Joaquina. Quando ElRei he livre em depor os ministros, como poderião elles fazer-lhe força? ElRei que jurou, com tanta espontaniedade, trabalhar quanto em si estivesse para bem da Nação, que só se obtem (como elle proprio conhece, e tem expressado em muitas peças officiaes que correm impressas) quando as leis tem a sua execução; ElRei, seria necessario que fosse arrastado para fazer dar pronta execução á lei? Seria necessario que lhe fizessem força para que elle não fosse prejuro? Não terá isto injurioso a ElRei, e o dizer-se que elle teria capaz de propor o seu dever a considerações particulares? Eis-aqui como bem dizem ElRei os que affectão devoção á sua sagrada pessoa. Esta indicação como injuriosa a ElRei, como cheia dos principios erroneos confutados, e ainda como cheia de principios anti-constitucionaes e subversivos, consistentes especialmente em querer amontoar os poderes nas Cortes, que ellas invadão o poder exucutivo pela destruição do que este determinou nos limites de suas attribuições, e o poder judiciario, descendo ellas mesmas a exercelo, a exemplos extrangeiros, e sem applicação, he digna de ser entregue as chamas. Eu a reprovo, e voto pele parecer da Commissão com a addição que peço a V. Exca. proponha ao soberano Congresso, de que se excite o Governo á ultimação da execução e cumprimento da lei começada.
O Sr. Campos: - Sr. Presidente, não tendo a palavra para poder entrar na discussão porque já seis ou oito Senhores Deputados a tem obtido antecipadamente, peço licença para fazer uma moção da ordem. Todos os Senhores Deputados que tem falado, se tem occupado em impugnar os argumentos expendidos na sessão passada, achando-se elles já victoriamente combatidos; os Senhores que se seguem provavelmente farão o mesmo, por não lhes ministrar a opposição outro objecto aos seus discursos: parecia-me por tanto que a discussão correria mais directamente; ao seu termo, se V. Exca. concedesse a palavra a alguem que quizesse tomar a negativa, e ate mesmo os Senhores Deputados que se seguem a falar, estimarião muito que se lhes offereção novos argumentos que combaterem. Para que se ha perder o tempo em provar que a Rainha he donataria, se isso he um objecto de facto attestado pelas leis, e pela casa que desfruta? Que ella não he extrangeira, se ella he casada com o Rei de Portugal, e a mulher segue a sorte de seu marido? Que a sua questão não pertence ao poder judicial, se aqui não se trata de um acto de justiça civil, mas de um acto de justiça nacional da competencia do direito publico universal, e do direito das gentes? Na assembléa nacional de França, concidia-se alternativamente a palavra aos oradores que tomavão a af-
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firmativa e a negativa; e creio que se no presente cato adoptassemos o mesmo methodo, não só abbreviariamos muito a discussão, mas ella tomaria mais vigor pela proximidade dos argumentos. He por isso que proponho que V. Exca. conceda apalavra áquelle dos Srs. Deputados que quizer sustentar a indicação.
O Sr. Presidente: - O regulamento exige que todos falem pela ordem por que tem pedido a palavra, e eu não posso alterar esta disposição.
O Sr. Campos: - A minha proposição lemita-se ao presente caso. Nas discussões ordinarias teria talvez inconvenientes, porque um Deputado, muitas vezes incerto na sua opinião, só fórma o seu juizo pelo progresso da discussão; mas no estado em que a questão actual se acha, já ninguem póde estar duvidoso no seu juizo, e por isso parecia-me admissivel o methodo da assembléa nacional, que he tambem o das Cortes de Hespanha, ainda nas discussões ordinarias.
O Sr. Serpa Machado: - Farei por ser concizo: os illustres Deputados que tem falado antes de mim, tem olhado a questão que se agita por todas as suas differentes faces, já em quanto á competencia do poder que devia conhecer do comportamento da Rainha, já sobre a justiça ou injustiça do procedimento do Governo para com ella. Eu tomarei outro rumo; e cingirei as minhas reflexões muito particularmente ao parecer da Commissão. Examinarei a parte delle que me parece digna de approvação, e apontarei aquella doutrina, que merece ser rejeitada, tem que deva merecer a contemplação do Congresso. Falarei na materia sem me lembrar que a Rainha he Esposa, Irmã, Filha, e Mãi de Principes; porém não me esquecerei que ella se acha infeliz e desgraçada, e não he meu animo, nem o será o do Congresso, o exacerbar e aggravar mais a sua desgraça e infelicidade.
Conclue a Commissão que as Cortes nada mais tem a fazer á vista da participação do Governo do que declararem, que ficão inteiradas, por isso que se trata de execução de lei, o que de nenhum modo pertence ás Cortes.
Eu concordo com o parecer da Commissão tanto na conclusão que tira, como no fundamento que toma.
Porém não me conformo com o resto do relatorio; e mostrarei primeiro, que elle he inutil e inteiramente estranho á questão, que Commissão se propõe decidir, segundo, que a doutrina do relatório se acha em contradição com a sua conclusão, e em 3.º logar em fim, que se as Cortes approvassem sua doutrina, pareceria tirar-se a quaesquer pessoas offendidas o direito de reclamarem os recursos que lhes familia a Constituição e as leis.
Applaude a Commissão a conducta de ElRei, louva a energia do seu ministerio, sustenta a regularidade de todos os passos que o Governo deu; e depois de haver manifestado a sua approvação a todos estes actos, conclue dizendo, que similhantes actos transcendem a orbita das Cortes, e que estas só se devem dar por inteiradas.
Ha cousa mais inutil do que approvar actos que mo pertencem ás Cortes, não he pois escusado este juizo intempestivo do Congresso sobre um negocio que reconhece não lhe pertencer. Por ventura a execução das leis mais ou menos difficeis de pôr em pratica reclamão a intervenção das Cortes para o seu melhor andamento?
E não he só escusada esta doutrina, he além disso contraria ao que se conclue: se a Commissão e as Cortes, se julga o autorisadas e competentes para approvar os actos do Governo ácerca da Rainha, deverião concluir, que as Cortes approvassem estes mesmos actos, e não que ficassem simplesmente inteiradas; porém dizer na primeira parte que louvão, e approvão, e na segunda que não pertence ás Cortes, he uma notavel contradição, que parece escapar á penetração da Commissão.
Se as Cortes adoptassem como seu, o juizo que a Commissão forma na primeira parle do seu relatorio, suspeitava-se que as Cortes tiravão ao Governo toda a responsabilidade, em que elle se acha pelos actos que pratica na execução das leis, o que seria um pernicioso exemplo, e tiravão a quaesquer pessoas offendidas seus legitimos recursos. E quaes são elles? O direito que cada um tem de reclamar das Cortes os abusos do poder, e a má applicação das leis. E não deve desacauteladamente e menos de proposito fechar-se á Rainha esta porta.
He verdade que a Rainha até agora não se queixa da execução da lei, nem deduz a sua defeza, nem reclama um juizo; porem ninguem dirá que ella o não póde fazer, e que não he justo, que se lhe tolha este recurso, que a Constituição lhe permitte.
Ha negocios que no seu principio não são contenciosos, mas que depois se podem tornar taes pela opposição das partes interessadas; e só então pertence aos juizes, o que no principio pertencia a qualquer autoridade ou executiva ou administrativa; muitos exemplos temos nós, e eu tocarei um que agora me occorre. Os devedores e contratadores da fazenda publica são obrigados pelos exactores ao complemento dos seus contratos, e ao pagamento das suas dividas, porém quando elles se oppôe, ou deduzem qualquer defeza, esta questão se devolve ao poder judiciario. O mesmo digo, do procedimento do Governo para com a Rainha, ella não o tem contrariado, nem se tem defendido, e menos queixado da rigorosa execução da lei ; e por isso o Governo foi obrando dentro do circulo dos seus attributos, porém logo que ella se opponha, ou se queixe, ou queira deduzir a sua defeza, nenhuma difficuldade ha em que este posterior conhecimento se devolva a uma autoridade judiciaria.
Parece-me ter mostrado, que a parte do relatorio da Commissão que precede á conclusão não póde ter posto á votação, nem ser tomado em consideração pelo Congresso, como inutil e escusado, como contradictorio com as consequencias que delle se pretendem tirar, porque tiraria a responsabilidade ao Governo, e tolheria ás partes, que se disserem lezadas, os seus recursos.
Não posso em fim deixar de notar uma expressão pouco correcta de que usa a Commissão no mesmo relatorio, e he da palavra processo, expressão que suppõe haver um juizo, e por consequencia se cahiria
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na triste incoherencia ele suppor no Governo a faculdade de julgar e de fazer processos; se hem que a mente da Com missão não podia ser outra, do que tomar aqui esta palavra como equivalente do procedimento: parece-me pois conveniente remover esta equivocação, para se não deturpar com ella o sentido do parecer.
Passando ao 2.º parecer da Commissão sobre a indicação do Sr. Deputado J. A. das Neves, eu não hesito em que ella não póde ser admittida á discussão, pelos termos em que está concebida, e porque tende á confusão dos Poderes, pretendendo que as Cortes julguem a Rainha, ou lhe nomêem uma Commissão que a julgue, a qualquer destas proposições resiste a Constituição e a lei; porém não posso deixar de notar no relatório da Commissão a este respeito alguns principios errados, que inconsideradamente ali se deixarão cair: o 1.º he a idéa, que se deixa interver do relatorio, que a obrigação e sujeição á Constituição e ao pacto social depende do juramento. Principio falso, pois que o pacto se acha formado pela Constituição das Cortes e nomeação dos seus representantes; a obediência depois á Constituição he uma necessaria consequencia. A ninguem he permittido arredasse delle. Por tanto a Rainha antes mesmo do juramento está por todo o direito obrigada a cumprir a Constituição, e não póde voluntariamente affastar-se do pacto já contraindo.
O 2.º objecto que tenho a notar he, que fazendo a Commissão uma justa censura das expressões e principios do Sr. J. A. das Neves, passa depois a arguir de tergiversadores os Conselheiros de Estado, e alguns dos Ministros que pretendião, que o negocio fosse decidido judicialmente, por acharem obscuridade na lei, de cuja applicação se tratava; o que um illustre Membro attribuiu a contemplações com pessoas poderosas, como a Rainha; eu estou bem persuadido que os que seguirão uma ou outra opinião, não se determinarão por contemplações algumas, mas opinão pela sua propria convicção; porque a questão actualmente he entre duas partes poderosas, uma será a Rainha, que se acha sem poder, nem autoridade e no desagrado da Nação; e a outra, he o Ministerio que não he menos poderoso e pretende justificar seu procedimento. Concluo, adoptando o resultado que tira a Commissão em ambos os pareceres, porém reprovando grande parle da doutrina que se expõe em ambos os relatorios por ser inexacta e arriscada.
O Sr. Xavier Monteiro: - A intelligencia, e execução do decreto de 10 de Outubro do corrente anno tem dado já no Governo, já no Conselho d'Estado, e finalmente rio Congresso logar a juizos, e interpretações variadas. Quando os legisladores constituintes fizerão a lei de que se trata, tiverão em vista o §. 26 da Constituição, o qual declara que nenhum individuo, ou corporação póde exercer autoridade publica, que se não derive da Nação: julgando pois acertado, e conveniente, que aquelles que exercer autoridade, de qualquer natureza que seja, dessem um testemunho publico de adhesão ao pacto social da Nação, que lhes conferiu essa autoridade; ordenarão no §. l.º e7.° do decreto de 10 de Outubro, que todos os empregados públicos, cem excepção alguma, jurassem a observancia da Constituição Politica da Monarquia. Donde se vê, que ainda que pela segunda parle do §. 1.º do mencionado decreto não fosse, como he, a Rainha que foi D. Carlota Joaquina, na qualidade de donataria de bens nacionaes, obrigada a jurar a Constituição, era em virtude da primeira parle do dito §. obrigada a cumprir este preceito; visto que era chefe de repartição, e em seu nome se expedião ordens, a que havia obrigação legal de obedecer, e até nomeava empregados, que exercião autoridade. Ainda mesmo pois que podesse ser considerada como extrangeira, era obrigada ao juramento em virtude do §. 1.º, que não admitte excepção alguma, nem devia admittir; por quanto seria absurdo, que uma nação consentisse em conferir autoridade a algum individuo, que recusasse fazer uma profissão publica, e solemne de adhesão ao pacto social que a mesma nação tenha adoptado, e do qual se derivão todos os poderes publicos. E se a lei não obriga lei juramento os individuos que nada recebem da Nação, suppõe tacitamente a sua adhesão á lei fundamental, facultando sem restricção a todos os particulares que a reprovão a saída do territorio portuguez.
Sendo esta a intelligencia da lei, e tambem proximamente aquella que lhe deu o Governo, aconteceu, que a Senhora D. Carlota Joaquina (sem allegar uma só das razões que tantos seus procuradores, sem procuração, tem allegado) recusasse formalmente jurar a Constituição da Monarquia. Erigiu-se então uma contenda, não entre duas partes poderosas, quaes são o Ministerio, e uma Rainha, como equivocadamente affirmou o Sr. Deputado, que me precedeu a falar; mas sim entre a lei, e o individuo. Temos pois de um lado a immensa magestade da expressão da soberania nacional, e do outro o arbitrario capricho de uma mulher, que diz, não juro porque não quero. Era em circunstancias taes facil a decisão do negocio, e o §.13 da lei que manda sair immediatamente do territorio portuguez quem recusa prestar o juramento á Constituição, devia sem demora ser posto em execução, sem a espera do mez prescripto no §. 12; pois que este só tem logar nos casos de omissão, e não nos de recitação formal, como era aquelle de que então se tratava.
Entre tanto o ministerio, movido pela novidade do assumpto, que suppoz ser grave, quiz sobre a execução da lei ouvir a opinião do Conselho d'Estado. Foi á maioria deste conselho que occorreu pela primeira vez a feliz e engenhosa idéa da intervenção do poder judicial nesta materia, cujo infallivel resultado seria o empecer, illudir, e enervar a execução da lei. Se olharmos com attenção para os primeiras palavras do parecer do Conselho d'Estado vêmos que elle deliberou sobre o modo de consiliar, em quanto a S. M. a Rainha Fidelissima, a execução do artigo 13 da lei 236 com as considerações devidas á alta jerarquia, e mais circunstancias da sua real pessoa. Quem daria ao Conselho d'Estado a faculdade de consiliar a execução das leis com a jerarquia das pessoas? A lei certamente não; por quanto perante ella todos os cidadãos são iguaes: e tal he a doutrina do artigo 9.º da Consti-
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tuição; em contravenção ao qual visivelmente obrou o Conselho d'Estado quando se abalançou a fazer esta conciliação. Depois desta rajada de parcialidade, e servilismo passa a maioria do Conselho d'Estado a dizer e pertencendo pela Constituição ao poder judiciário a faculdade de julgar applicando a lei aos factos particulares, deve ter o cato submettido a um processo regular depois de 3 de Dezembro para ter decidido por sentença, que pastando em julgado se execute.
Sobejamente tem sido demonstrado, que não he attribuição do poder judicial applicar todas as leis a todos os factos particulares, que muitas leis ha cuja execução nunca dependeu do poder judicial. E se todas devem ser executadas por este poder, como o muito conspicuo Conselho d'Estado nos dá a entender, então vencendo cada Conselheiro d'Estado 2.400$000 rs. em virtude de uma lei, e sendo o pagamento uma applicação da lei ao fado, nenhum conselheiro devia receber ordenado, sem que por um processa regular tivesse o poder judicial decidido, que elle bulia justamente merecido a quantia que a lei lhe designa. Se o Conselho d'Estado está sinceramente persuadido que o poder judicial deve tomar conhecimento de factos particulares, como o presente, em que as partes interessadas dispensão a sua intervenção, he para recear que chegue áquelle gráo de mania judiciaria, a que chegou o célebre juiz Dandin (engraçadamente descripto na comedia dos Litigantes de Racine), o qual respirando formulas forenses em todos os actos domesticos, metteu o seu cão em processo, por ter dado á morte uma ave, e luctava furioso contra os que o conduzião á cama; porque lhe não apresentavão sentença passada em julgado que o condemnasse a dormir. Parece que devião saber os exímios jurisconsultos, que compõe o Conselho d'Estado, que mal póde haver demanda, onde não ha litigantes, como no presente caso; pois nem a Nação Portugueza pertende obrigar alguem a que lhe pertença, nem a Senhora D. Carlota Joaquim pertende deduzir vantagens de uma sociedade, a que recuso pertencer. Faltando assim ás partes não só o direito, mas tambem a vontade de litigar, evidente he ser não só incompetente, mas até impossivel a intervenção do poder judicial nesta matéria.
Despresando pois o Governo, como devia, o arbitrio judicial do Conselho d'Estado, tratou de dar prompta execusão á lei; oppunha-se porém a uma parte á lei a execução o estado da saúde da Senhora D. Carlota Joaquina, e para entrar no conhecimento deste legitimo embaraço, mandou o Governo que uma junta composta de medicos da Camara informasse a este respeito. Este foi a meu ver o único passo defeituoso, que se póde notar na marcha do ministerio; por quanto se o Governo pertendia saber legalmente a existencia do impedimento, não devia, suppondo que ainda era Rainha a Senhora D. Carlota, mandar pelos seus criados, por aquelles que se honrão com a libré da sua casa, julgar das circunstancias em que ella se achava: mal podia caber um juízo Imparcial era indivíduos tão dependentes. Não faltão em Lisboa cidadãos que exercitando livremente a profissão medica, podião ser encarregados do desempenho desta commissão. A estes em lodo o caso devia ser incumbido o conhecimento do negocio, e não aos médicos da Camara, que ainda quando poderem ser considerados imparciaes, formavão sempre uma commissão especial, isto he, um juizo privilegiado, e por tanto repugnante aos princípios, e aos fundamentos do systema constitucional.
Veio às Cortes finalmente o negocio: e antes que a respectiva Com missão desse o parecer, que actualmente se discute, apareceu a famossa indicação, na qual depois de accusado no preambulo o ministerio por intentar a execusão da lei, elogiado o Conselho d'Estado, e a Senhora D Carlota Joaquina, e pintado o doloroso estado da Nação por este successo, concluem os seus respectiveis autores, que se anullem as ordens que o Governo expediu para execução da lei, que seja posta em liberdade a Senhora D. Carlota, que elles suppõem preza, e que se forme depois um processo, ou á ingleza perante as Cortes, ou á turca perante a autoridade que as Coités determinarem. Pelo que pertence ao ministerio accusado de violar a Constituição, e o Conselho d'Estado elogiado pela descuberta da intervenção do Poder judicial, nada devo acrescentar ao que já disse, e ao que anteriormente tinha sido exposto por alguns Srs. Deputados. Em quanto ao elogio da Senhora D. Carlota merecera a roais exaltada admiração as seguintes palavras do preambulo uma Rainha cujos bem merecidos louvoures tem soado por mais de uma vez nesta sala, até pela sua adhesão ao systema constitucional?... Em primeiro logar não me consta, que nesta sala tenhão soado semelhantes louvoures, salvo se quizermos metter em linha de conta o hymno que na sessão antecedente entoou um delirante. De mais ainda que assim tivesse acontecido, as Opiniões particulares dos Deputados não constituem actos de Cortes; pouco peso ou consideração merecem portanto, e muito menos quando hão por factos inegaveis desmentidas. Quando a Senhora D. Carlota recusa jurar a Constituição, e mostra por este acto o ódio, ou o despreso de que está possuida contra este sagrado codigo da liberdade Portugueza, então he que os autores da indicação julgão bem merecidos os louvores, que suppõem lhe forão dados pela tua adhesão ao systema constitucional?
Será difficultoso encontrar em igual numero de palavras uma asserção mais contradictoria, e mais insensata. Não he menos digno de nota o doloroso estado em que se finge a Nação Portugueza por este successo. Pois a Nação Portugueza está em tão desgraçadas circunstancias que sinta amargamente a ausencia de uma mulher, que a despresa, e que prefere a ser Rainha de Portugal o viver abandonada, e talvez aborrecida em terra estranha? Ah! Ainda que todas as mulheres se achassem possuidas de iguais sentimentos contra a Constituição, e preferissem sair antes do Reino do que viver nelle constitucionalmente, seria mais decoroso aos Portuguezes deixalas ir livremente, e receber outras de paizes extrangeiros, do que relaxar a mais leve condição das suas instituições politicas. He evidente que se confundem todas as idéas, quando se attribue á generosa Nação Portugueza o sentimento que só occupa aquelle pequeno numero de acanhados, ou perversos espiritos, que sendo inimigos
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da Constituição applaudem, ou deferem o procedimento da Senhora D. Carlota Joaquina: sendo igualmente para notar que alguns mesmo que lhe erão desafeiçoados, e que reprovavão o modo porque ella vivia com seu marido, agora a canonisão pela heroicidade que mostrou em despreso da Constituição: heroicidade semelhante á de Herostrato que incendiou em Epheso o templo de Diana a fim de alcançar entre os vindouros uma celebridade odiosa.
Depois de um tal preambulo propõem os autores ria indicação que seja posta em liberdade a Senhora D. Carlota Joaquina. Dois grandes erros involveu esta proposta, o primeiro de facto, suppondo presa a Senhora D. Carlota; o segundo de direito, attribuindo ás Cortes o poder de soltar presos, que a Constituição lhe não permitte. Para sustentar o primeiro dos erros pergunta um dos autores da indicação no papel impresso que ha pouco espalhou, se a Rainha escolhesse ir para o Limoeiro, assim como escolheu ir para o Ramalhão, dir-se-hia que estava na sua liberdade? Respondo, sem hesitar, que sim. Pois no Limoeiro são reputados presos os que entrão em virtude de um mandado, e não aquelles que voluntariamente entrão, e saem quando lhes apraz. Em quanto no poder immenso de annullar os actos do Governo, que se pretende que as Cortes arroguem, infringindo a Constituição, poder similhante ao que se exercitava nos Comicios em Roma, quando o povo conhecia por appellação das decisões dos magistrados, confesso que he summamente curioso o ver brotar da origem servil do preambulo um tão republicano resultado.
Como se poderá comprehender, que aquelles que accusão o ministerio de infringir a Constituição, arguindo-o de usurpar o exercicio do poder judicial, pertendão elles mesmos usurpar este poder, arvorando-se em Pares ingleses, e transformando as Cortes em tribunal á estrangeira, para julgarem Rainhas, que não querem ser portuguezas?
Depois de tão extravagentes propostas só resta lamentar o tempo perdido em duas sessões de Cortes, consumidas em debater tão inutil, e desagradável matéria, e despresada a indicação, concluir que ficão as Cortes inteiradas do relatório do Governo.
O Sr. João Francisco de Oliveira: - Achando-se assas discutida a lei, julgo desnecessario exposição alguma, e mesmo deixaria de falar se não julgasse proprio offerecer á consideração e prudencia do soberano Congresso as relações politicas entre Portugal e outras potencias da Europa, em consequencia das quaes me persuado, que o soberano Congresso havendo por bem derogar a lei pulo que respeita á saída da Rainha para fora do Reino, o faça saber ao ministério, decretando ao mesmo tempo aumento de recursos a ElRei, sufuciente para a decente sustentação da Rainha, e sem estado, como convém á sua alta jerarchia.
O Sr. Freire: - Todos os illustres Preopinantes, que tem atacado o parecer da Com missão, tem fundado seus argumentos em um falso supposto, a saber, que tendo uma nação destruido a antiga forma de governo, e adoptado novo pato social, os individuos que não lhe querem adherir commettem um crimo, e devem ser julgados pela jurisprudencia, e leis positivas que esta sociedade adoptou; isto he, que um facto posterior póde ser julgado por leis anteriores, que não reconhece a pessoa, que deve soffrer a pena: taes principios absurdos na sua origem, e ainda mais no desenvolvimento, que lhe hão dado seus autores, e tem sido victoriosamente combatidos, e eu não me levantaria para o mesmo fim a não estar persuadido, que as pessoas costumadas a falar neste Congresso não devem guardar silencio nesta importante questão, por mais precioso que seja o tempo, e declarar não só os motivos, em que fundão suas opiniões, mas pelo que me pertence ale julgo preciso mostrar á Nação inteira, que não he por antecipada opinião, mas pelo nenhum effeito, e convicção, que em mim hão produzido os argumentos contrários, apesar da attenção que lhe tenho dado, que em tudo adopto o primeiro, e segundo parecer da Commissão. Vejamos pois o seguimento deste negocio do seu principio. As nações são livres e independentes, e como taes podem mudar a sua constituição, e substituir-lhe outra como e quando lhe convier, logo que a unanimidade, ou pluralidade de teus membros assim julge indispensavel, estabelecendo esta as condicções com que devem constituir-se, e a que devem satisfazer es novos associados; este principio he sabido, e impresso em todos os livros de direito publico, que andão pelas mãos da maior parte da gente; mais assim como he livre á pluralidade escolher o novo regimen, igualmente o he á maioridade desamparar a sociedade, deixar o paiz, levar teus bens, e não ser de maneira alguma incommodada, porque o contrario era violencia, usurpação, e tyrania; pois este he o caso em que prevalecem os direitos individuaes, em que o homem volta ao estado natural, e em que a maioria nada póde contra um só cidadão: este he o principio, e a verdadeira origem de todas os sociedades, as mais leis suo posteriores, porque hão-de regular os interesses della depois do reformada; como póde pois a ex Rainha ter commettido um crime em praticar um acto livre, e como póde ser punida por leis posteriores, e que não reconhece? As Cortei constituintes reconhecendo aquelles principios declararão as condições que devião preencher os novos associados, e fizerão uma lei que as prescrevia; podia muito bem ser menos justa, mas por ventura obrigaria por isso menos? Entretanto não o era, porque se conformou com a doutrina geral, e base de todas as associações; e determinou que visto ter a Nação jurado em massa obediencia á nova Constituição, que as Cortes fizessem, e a essas mesmas Cortes, nenhum outro juramento expresso era preciso, mas que havendo uma classe de pessoal que por seus empregos, ou vantagem recebidas da Nação, lhe erão particularmente devedores de obediência, jurassem estas no proso de um mez; feita esta lei enviou-a ao Governo, e disse, está concluida a Constituição, vós sois o Governo que haveis de reger a nobre e inclita Nação portugueza, eis a norma de vossa conducta: os que satisfizerem ás condições que vos enviamos são vossos súbditos, os mais devem sair do territorio portuguez, a que jamais pertencerão: quando esta lei se descutiu, muitos membros do Congresso proclamarão a verda-
TOM. I. LEGISLAT. II Mm
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deira e sã doutrina (e eu fui um delles) de que nenhum crime, nenhuma pena resultaria para os que não quizessem jurar, e como podem hoje controverter-se taes opiniões, e por alguns mesmo dos que presenciarão estas discussões? Constou pois ao Governo que a ex-Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina, a quem competia jurar na qualidade de alta funccinnaria publica, e donataria, o não tinha foi to; fez-lhe intimar esta obrigação para não allegar ignorancia; ella responde de palavra, e depois por escrito, que conhece a lei, que nenhuma indisposição tem contra seus autores, que sabe a sua sancção, que a ella se sujeita, pois que não póde satisfazer a condição expressa de jurar, por haver assentado nunca o fazer, e que uma pessoa da sua qualidade, e doente, não deve retratar-se; a que só pede prolongação do prazo para se restabelecer fim de ir para Cadiz: o Governo dá todas as providencias para cumprir a lei, e assim o pratica na parte que lhe he possível; onde está pois a irregularidade, onde a violência na execução de uma lei clara? Assim será, dizem uns, mas he preciso que lhe fosse applicada pelo poder judicial: não he clara, dizem outros, porque tem havido diversidade de opiniões, e até he duvidoso se a ex-Rainha he funccionaria e donataria; taes são as duvidas que se tem aqui offerecido, digo duvidas porque um illustre Preopinante, que muito falou sobre esta matéria não emittiu opinião alguma, e offereceu considerações vagas, a não ser nos dois pontos de que o Governo não devia tirar á Senhora D. Carlota Joaquina a titulo de Rainha, e que era obrigado a declarar aquillo com que ficava.
Que a ex-Raínba he funccionaria publica, está provado com tal evidencia, que não me cançarei com repetir o que está dito, mas lembrarei que a Constituição a reconhece como tal, quando a chama á regencia provisoria, não porque então ella fique funccionaria, como quiserão alguns illustres Preopinantes, mas porque ella he chamada por ser já funccionaria na qualidade de Rainha, pois esta regencia só póde ser composta de altos empregados, como a Rainha, Conselheiros de Estado, e Deputados; logo sendo estes funccinarios publicos, tambem aquella o era; eis a difficuldade desvanecida, que tanto parecia occupar os illustres Preopinantes de opinião contraria. Que a ex-Rainha he donataria, esta igualmente demonstrado pelos direitos que exerce em muitas villas, pelas doações que existem, por exercer autoridade magestatica, que só lhe póde ser delegada pela Nação, porque muitas das suas terras se denominão reguengos, e por outros muitos títulos lembrados pelos illustres Preopinantes da minha, a até da contraria opinião: por estes motivos assentou o Governo que lhe competia a execução da lei; não me cançarei em refutar alguns argumentos, que bem o forão já, de que a este não compete uma applicação das leis ao facto; isto he, ignorar, que toda a parte administrativa he puramente da sua competência, e pelo contrario só toca ao poder judiciai intervir onde ha crime ou altercação; e por ventura a ex-Rainha contrariou, ou oppoz-se á lei? Mas quando o fizesse, terião por isso os juizes que fazer? Nisto diffiro eu do parecer da Commissão, que parece deixar intervir, que sim: pois quem conhece os seus funccionarios melhor que o Governo? Pergunto, se um coronel á testa do seu regimento recuzasse jurar, porque não era empregado publico, se havia decidir esta questão o poder judicial? Achando pois a Commissão que este negocio tinha marchado regularmente; que nenhuma providencia legislativa se exigia, que nenhuma infracção se commettêra, que não tinha logar a responsabilidade dos ministros; que em taes casos a Constituição e pratica do Congresso estavão satisfeitas, disse o que podia fazer, a saber o que as Cortes ficavão inteiradas, pois só para o conhecimento das Cortes este negocio lhe fora enviado; as Cortes devião saber que já não havia Rainha, e que todas as relações della para com a Nação, estavão quebradas; e quem lho devia communicar era o Governo, e são destituídas de fundamento as arguições feitas a alguns termos do relatório da Commissão: o que se approva, he o resultado. Responderei a alguns argumentos produzidos pelos illustres Preopinantes que contrarião o parecer da Commissão. 1.º Que a matéria he difficultosa, e que devis sujeitar-se ao conhecimento das Cortes, ou do poder judicial: 2.º que por mais notório que seja um crime he preciso assim mesmo sentença, e que costumava havela em casoa idênticos: 3.º que a Rainha he extrangeira. Diz-se que a matéria he fifficil pela diversidade de opiniões, que sobre ella houve no Concelho de Estado e Ministério, e até nos periodicos, e opiniões. Se uma questão se julga difficil, porque ha diversidade nas opiniões, nenhuma haverá facil, principalmente em um paiz livre, onde cada um diz suas, e onde por habito se institue sempre um partido de opposição, que até certo ponto he sustentado do systema constitucional, o qual contraria todas as medidas do Governo, e mesmo das Cortes. Vamos porém ver os verdadeiros motivos de tal divergencia de opiniões, e onde ella existe: para aqui, Senhores, chamo eu a vossa atenção. A pessoa de quem se trata he uma Rainha, tanto basta; talvez nisto teria eu dito tudo, vendo as pessoas que em geral approvão, ou criminão o procedimento do Governo; não pretendo offender pessoa alguma, mas direi que ha muitos indivíduos, que deslumbrados com o explendor do trono, levados de antigos prejuízos, ainda não podem acreditar, que a lei suba os degraos do sollo, e vá nivellar diante de si todas as condições: ha outros que inbuidos da aristocracia desembargatoria, aferrados a velhos abusos, não podemlargar o poder com que engordarão, e como até aqui erão tudo, assentão que este negocio lhe pertence só porque he alguma cousa; se estes magistrados entendião até aqui em fabricas, pontes, estradas, alfandegas, e em toda a administração, como não hão de entender no negocio da ex-Rainha, pertença, ou não ao poder judicial? Ha outros, que desejosos de perturbar a ordem publica, aproveitão sempre com prazer todas as occasiões que a isso podem contribuir, e quando se põem de uma parte todos os servis, que por estes, ou outros similhantes motivos reprovão o procedimento do Governo em seus votos, opiniões, e escritos, e da outra os liberaes, que o approvão, admirão, e exaltão, pode dizer-se que a ma-
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teria he difficil? Não he melhor convir que de boa ou má fé a procurão fazer tal? Quando todos os individuos que amão o systema, e querem o bem publico, são concordes e unanimes? Em quanto á necessidade de sentença nos crimes notorios, lembrarei que versa este argumento no repetido uso de ser o facto criminoso, quando está sobejamente provado o contrario. Também pouco se póde dizer já para provar que á ex-Rainha não he extrangeira: he sabido que os naturaes nascem, ou se fazem: e que a mulher segue em tudo os direitos políticos do marido, particularmente he isto expresso em Pascoal José de Mello a respeito das Rainhas: o argumento da Rainha D. Leonor em parte está respondido, não era por extrangeira que os povos a regeitárão para a regência, mas por ser do extracção castelhana, isto he affeição castelhana, tanto elles a reputavão nacional, e com direito á Regencia que lhe fora testada, que foi preciso convocar Cortes para annullar o testamento, e não póde um nacional mesmo ser suspeito de adhesão aos extrangeiros, e por isso incapaz para o governo? Nós vimos os filhos de
Pedro I., e lgnez de Castro, que forão excluídos do trono, e por ventura não erão elles Portuguezes? Além de que a lei para os funccionarios públicos não faz distincção de nacional a extrangeiro? Falou-se da Constituição, e isto he para mim sempre um objecto sagrado, e julgo preciso mostrar que della se deduz o que disse um illustre Preopinante, isto he, vê-se ali evidentemente que as Rainhas sempre são julgadas nacionaes, em maior gráo que todos os extrangeiros naturalizados, por serem chamadas a empregos quê estes nunca podem occupar. No artigo 115 está na Constituição, que será o tutor do Rei menor sempre portuguez, e que não se pondo esta clausula a respeito da Rainha mãi, he porque dia póde ser extrangeira, disse um illustre Preopinante, quando este argumento he contra producentem pois não existe esta clausula a respeito da Rainha, porque ella nunca póde ser extrangeira, salvo se tornar a casar, pois neste caso segue a condição do novo marido, e por isso perde immediatamente a qualidade de tutora, porem como tanto o Rei em testamento, como as Cortes na falta delle poderião nomear tutor extrangeiro, eis o motivo da restricção para estes, e nenhuma para as Rainhas; demais o artigo 163 da Constituição diz: só podem ser Deputados e Conselheiros de Estado os Portuguezes de origem, só destes e da Rainha se compoz a regência provisória; como póde pois ser ella extrangeira, e obter um emprego destinado só aos naturaes do Reino?
Ve-se pois a nenhuma força que tem os argumentos excogitados para tornar duvidosa esta questão, que entretanto em nenhum sentido foi resolvida pelo Preopinante que os produziu; he comtudo na sua opinião culpado o Governo por não designar aquillo com que ficava a ex-Rainha: ha nisto equivocação, pois assim o praticou o Governo, quando declarou aquillo que ella perdia, pois he claro que tirado do que lenha, lhe ficava o resto. Supponhamos entretanto que o não havia feito em quanto a alimentos: que obrigação tem os Portuguezes de sustentar uma pessoa, uma pessoa que claramente diz não querer pertencer a esta Nação; que renuncia os direitos de cidadão; que se torna indiferente ou inimiga de seus antigos concidadãos, e procura perturbar a paz publica e domestica? Diz-se também, que podia perder tudo, mas não a titulo de Rainha: como concebera o autor desta idea, que póde ser Rainha de um paiz, isto he, uma alta dignidade, e funccionaria delle quem lhe não pertence por titulo algum, salvo se Rainha quer dizer mulher do Rei; mas não vemos em Suecia e Napoles actualmente, que a mulher do Rei não he Rainha? Se estas são as culpas do Governo, que eu não posso achar veniaes, bem está elle, e senão commetter outras, facilmente poderá defender-se, até de algumas outras arguições, de que eu o julgo justificado só pela firmeza, imparcialidade, e energia com que, apezar dos estorvos da maioria do Conselho «Estado, soube conduzir-se neste importante negocio. Em quanto á indicação nada posso acrescentar; he ella falsa no relatório, erronea, e contradictoria nas consequências que della se deduzem: he só pelo lado de ignorância de princípios políticos que pretendo atacalo, pois que sobejamente o tem sido no resto. Eu bem conheço que o desgosto e aversão que tem pela Constituição alguns inimigos da ordem actual das cousas, os levão ao ponto de nem estudarem, nem terem as novas leis e codigo da Nação; mas não sendo proprio do meu caracter como homem, e mesmo prohibido como Deputado, attribuir a motivos máos as opiniões dos illustres autores da indicação, direi que por falta de applicação a estas matérias, ou pela precipitação com que forão eleitos Deputados, e chamados ao Congresso, não tiverão tempo nem de ler a Constituição, pois se por meia hora o tivessem feito, não commetterião os absurdos, contradicções, e ignorancia, e em que até desacreditão a sua reputação literaria, sem que me importe se bem ou mal adquirida, nem os levarião a cair em faltas que deve evitar quem ao menos conhece a antiga legislação, pois nesta he expresso que as Rainhas devem ser sujeitas às mesmas formas, processo, e leis do Reino: veja-se Pascoal José de Mello, que está sobre a dureza, e como querião agora até dellas isentar a ex-Rainha os autores da indicação? Diz esta no relatorio, que se tirou a liberdade á ex-Rainha por se lhe destinar o Ramalhão; e não foi um favor destinar-lhe o logar que ella mesma pedia, quando em rigor nenhum podia já ter no paiz? E nenhum póde ter senão para se restabelecer. O maior de todos os attentados porém he o que se commette contra a pessoa do nosso bom e amado Rei o Sr. D. João VI dizendo-se que fora arrastado para executar a lei, isto he, que Sua Magestade quando collide entre esta e os interesses do seu coração, prefere estes, e só arrastado executa aquella: he esta uma offensa que Sua Magestade não merece, e os illustres autores da indicação, saibão os nossos inimigos, bem a seu pesar, saiba o mundo, que não só esta, mas quantas provas se exigirem, dará sempre El-Rei quando se tratar elle fazer cumprir a lei, e mostrar sua adhesão ao systema constitucional. Supponhamos com tudo que os Ministros infringirão a lei, invadindo o Poder judicial, qual devia ser o procedimento de um Deputado, seria convidar as Cortes para nova infrac-
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ção, para invadirem o Poder executivo, e por uma collisão sucessiva estabelecer um movimento de votação, e a final a desorganização geral, e a demonstração da insuficiência ou defeito do systema? He isto o que muitos desejão, mas o que nunca poderão conseguir. Propõe-se na indicação, 1.º annullar o acto do Governo:
ignorão os autores da indicação que as Cortes não podem annullar os actos dos outros poderes de Estado? Entendamo-nos, Senhores, o despotismo de muitos he tão perigoso como o de um só: ainda he problema, qual foi mais funesto, se o da Convenção nacional, ou o de Buonaparte: mas o que he verdade he, que não existiria o segundo senão fosse precedido do primeiro; estejamos em guarda contra as nossas inclinações, contra a tendencia natural que todos termos ao poder, e não demos a nossos inimigos as armas com que procurão, ainda que debalde, desacretidar-nos. O primeiro e terceiro arbitrio não só mostrão ignorancia de nosso systema, mas até do Parlamento inglez, pois os autores da indicação promovêrão a Pares os membros das Comissões, e derão-lhe poder de julgar, e querão despachar-nos a nós em Pares ou magistrados judiciaes, taes opiniões não merecem refutação. Se os autores da indicação mostrassem prevaricação nos Ministros, se perdissem sua responsabilidade, propondo um decreto de accusação, em que uniria a elles; mas neste caso eu só farei, senão concluirem; mas neste caso eu só farei, senão os accusarei legalmente. Por agora approvo os dois pareceres da Comissão.
O Sr. Lopes da Cunha: - Sr. Presidente, a questão suscitada sobre a participação, que o Governo executivo dirigiu a este soberano Congresso sobre a negação feita pela Rainha a Senhora D. Carlota Joaquina em jurar a Constituição politica da monarquia, e sobre o procedimento, que o mesmo Governo teve a respeito da mesma, sendo na sua origem a mais simples, se tem tornado, a mais implicada por discursos na verdade dignos de uma honrosa emulação, tanto pelos seus illustres autores, como pela boa dialectica, com que tem sido formados; porém (a meu ver) que nada fazem ao caso, e de quem se póde dizer - fortasse non eral his locus; o Governo executivo não precede, nem já podia pedir alguma previa declaração sobre a intelligencia da lei, que suppoz clara, nem tão pouco pede confirmação daquilo, que sobrou, nem o devia pedir: porque os poderes são distinctos, as [...] estão marcadas, e não se mette um dos poderes sobre as attribuições do outro; o que sim fez o Governo executivo foi, o participar a este soberano Congresso o que tinha obra naquelle caso, e particularmente em espassar a execução pela molestia da sobredita Rainha, tudo para mostrar o acordo, e [...], em que se achão os dois poderes, executando um as leis que o outro determina, e sobre um tal assumpto, e circunstancias delle nada mais tem que dizer este soberano Congresso, do que - ficarão as Cortes inteiradas -; na forma, que [...] a Commissão: he verdade que o illustre Deputado o Sr. José Accurcio das Neves apresentou uma noção, arguindo de illegal aquelle procedimento, chamando aos decretos illegaes, e attentatorios: porém esta moção esta altera, nem influe nas Cortes para tomarem conhecimento do que lhe não pertence, por não invadir os poderes do Governo executivo, nem qualquer Sr. Deputado se póde considerar habilitado para uma tal moção; o caso da parte da Senhora D. Carlota Joaquina, que vinha a ser adherir ao pacto social pelo juramento da Constituição, ou não adherir, recuzando prestalo, tudo era voluntario, e a sua vontade formalmente declarada de não adherir, nem jurar, não póde ser constrangia; basta ser materia de convenção, que requerer espontanea vontade: he verdade que a todo este Congresso, bem como á nação penaliza, que uma Rainha, a quem a mesma nação tinha prestado as mais altas attenções, ella por sua propria vontade declara-se, que não queria pertence á honrada familia Portugueza, e ainda mais penalisa esta resolução o ver, que a mesma deixando de seguir o exemplo de seu augusto esposo o Senhor D. João VI nosso bem Rei constitucional toma-se o partido de se separar delle, e igualmente das melhores, e mais estimaveis Princezas do mundo, suas filhas, e pedaços de sua alma; porem tudo procede da sua vontade, que se não póde constrangerem materia voluntaria, e por isso voto pelo parecer da Commissão.
O Sr. Pretextado: - O parecer da Commmissão tem por objecto 1.º o relatorio do Ministro, que contém o procedimento, que se teve com a Rainha por não querer jurara a Constituição, e que teve por conclusão o primeiro decreto de 4 de Novembro, 2.º um segundo decreto da mesma data, pelo qual se suspendeu o effeito do primeiro: 3.º a indicação do Sr. José Accursio das Neves. Pelo que pertence á indicação approvo absolutamente o parecer, pelas razões, que sabiamente se tem expendido, o que eu não poderia produzir melhores. Ralativamente ao procedimento
Do Governo até ao primeiro decreto tambem aprovo o parecer da Commmissão: os argumentos, que contra elle se fizerão, tem sido tão victoriosamente combatidos, que seria superfluo tudo mais que se quizesse acrescentar: não posso porém approvar o parecer quanto se refere ao segundo decreto, quero dizer, ao decreto pelo qual se permitte á Senhora D. Carlota Joaquina, por motivo de molestia, demorar-se em território de Portugal além do prazo, que a Constituição prescreve. A providência, Senhores, tem visivelmente dirigido nossos passos na gloriosa marcha da nossa regeneração politica, ainda há pouco na sessão do dia 24 acabámos de ter disto uma evidente prova; o grito de um Deputado mal intencionado, que por estrondoso nos aturdiu, por subversivo, e atroz nos encolerisou, e por inesperado nos sobressaltou, eu o considero como o grito da providencia, sim, Senhores, no meio daquelle espantoso éco eu ouvi bem claramente, que a Providencia nos dizia = Portuguezes, urdem-se tramas á vossa liberdade, perversos pretendem derribala, eia Portuguezes, álerta, álerta =: não desprezemos as vozes da Providencia, e façamos sobre isto serias reflexões. Eu não falarei da vida privada da Senhora D. Carlota Joaquina, nem seria decente, nem necessario: limitar-me-hei pois a apontar alguns factos mais notorios, e recommendaveis da sua vida pública. Quem ignora, que a Senhora D. Carlota Joaqui-
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na sendo notada de um genio altivo, e orgulhoso, desenvolveu, e manifestou quasi desde os primeiros annos do seu consorcio seu augusto Esposo? Ser valido delle era um titulo suficiente para merecer o odio della, e vice versa. He por ventura occulto que a Senhora D. Carlota Joaquina pondo em pratica estratagemas de longo tempo combinados, intentou pouco antes da sua ida para o Brazil depôr do Governo o Senhor D. João, então Principe Regente? Alguns dos conspiradores ali estão vivos, e até em liberdade por excessiva clemencia do Magnanismo offendido, ellles podem testificar a verdade deste horrivel attentado; não para aqui o ardente desejo de reinar, que devora aquella Senhora, combinada no Brazil como seu filho faz uma segunda tentativa para derribar do trono do seu Rei, e seu Esposo, e talvez, talvez, que as sementes de rebelião contra o seu Pai lançadas estão no coração de um Príncipe jovem sejão as que tendo germinado, produzem agora tão maravilhoso factos! E quem sabe se mesmo de cá terão ellas sido regadas com o doce orvalho dos conselhos maternos! Eu o tenho por muito provavel. Não há meio mais seguro de ajuizarmos do comportamento futuro de qualquer pessoa do que a recordação dos factos da sua vida prescrita: debaixo deste principio, e á vista do que acabo de referir, será porventura taxada de temeraria a conjectura de que o não querer a Senhora D. Carlota Joaquina por tão frívolo pretexto jurar a Constituição, tenha por fim uma terceira tentativa para conseguir o que nas primeiras duas não poude alcançar? Que a ambição de reinar alimentada ao seu coração não se proponha ainda uma terceira vez a privar-nos do nosso muito amado e bom Rei o Sr. D. João VI? Eis Senhores o que a meu ver faz esta questão importantissima, he aqui que eu chamo toda a vigilancia, toda a sabedoria, e toda a prudencia deste soberano Congresso: porém esta conjectura ainda tem mais fundamentos: as suas frequentes visitas a pessoas reconhecidamente antiliberaes, suas repetidas conferencias com ellas; a aversão manifesta a assistir ás festas nacionais, e sobre tudo a antiga, e notoria contradicção dos seus sentimentos com os sentimentos de seu augusto esposo, tudo isto e o mais, que podera ainda acrescentar, prova em quanto a mim evidentemente, que aqui há fins sinistros. Estas farão sem dúvida as considerações, que moverão, e não os ministros que apresentarão a Sra. Majestade a assignar muito espontaneamente não attentatorio primeiro decreto de 4 de Novembro, Sua Majestade só por cumprir a lei, que tão sinceramente ama, havia sem duvida assignar aquelle decreto; mas forão todos talvez por carecerem daquella fortaleza, daquelle vigor macho, e até mesmo daquella dureza de coração, que he indispensável em que deve fazer observar as leis, e cedendo ás vozes de uma extemporança compaixão, caírão na fraqueza, não digo de arrastar ElRei, porque não quero usar dos termos da odiosa indicação, mas sim de se prevalecerem da sua natural bondade, e clemencia, par a induzirem a assignar um decreto, que se póde dizer attentatorio, por ser opposto á execução do que a lei ordena: reprovo pois nesta parte o parecer da Commissão, e voto, que se diga ao Governo, que faça cumprir a lei. Resta ainda dizer porque chamei extemporanea, e mal entendida a humanidade com que se quis tratar a Senhora D. Carlota Joaquina. Eu o sei, e he constante, que esta Senhora goza presentemente muito mais vigorosa saude do que no Brazil gozava: pode então intentar, e effectuar sem perigo de vida uma tão longa viagem, e não podia fazer agora a pequena passagem para Cadis? Quem attesta o imminente perigo da sua vida? Dez medicos aulicos: e não seria melhor para tratar da saúde escolher um retiro em Lisboa, por exemplo, o Convento do Coração e Jesus, e não o frigidissimo sitio do Ramalhão na estação mais rigorosa do ano? Não mostraria então melhor a todos, que não entrava absolutamente em cousa nenhuma? Tudo isto devia ser ponderado pelos Ministros, e talvez não serião tão humanos.
O Sr. Pato Moniz: - Tarde venho a falar, Sr. Presidente: tenho a palavra quando já não cuidava que hoje me fosse concedida, e já quando a materia está quasi esgotada: todavia, cabe-me ainda uma tarefa que me não parece de pouca importancia. Em um país longamente acostumado aos abusos do despotismo, mal se póde esperar, que dentro de pouco tempo marche desempedida a liberdade; e sem embargo, nunca eu cuidei, que as presente questão houvesse tantos descommedimentos, nem tão falsas argumentações! Com grande admiração nossa, de tudo isto tem havido: e que prova? Que ainda não marcha desempedida a liberdade, e que infelizmente até entre nós, até neste augusto recinto há quem pretenda, que as lei sejão umas para os pequenos, e sejão outras para os grandes; ou, o que vale o mesmo, que a lei não seja igual para todos, como determina o artigo 9.º da nossa Constituição. Mas porque motivo quererão elles isto assim? Eis ali ao que eu estou duvidoso.
Todos sabem que causas mui differentes, e entre si essencialmente mui diversas, dão ás vezes resultados identicos, ou pelo menos muito assemelhados: dessa natureza são resultados da inepcia e os da maldade, que entre si se confundem a ponto de mal poder-se destinguir donde he que elles procedem: ao menos nos assumptos politicos não há dúvida nenhuma que assim succede, e he o que neste caso estamos vendo. Os Senhores que tem condennado o procedimento do Governo, e impugnado o parecer da Commissão, tomão por seu thema, ou por ser guia o parecer do Conselho d'Estado. Vejamos como elle he guapo. Parece incrivel que, depois de haverem os Conselheiros Moura e Braamcamp formalmente dito a que não a concordarão na remessa deste negocio ao Poder Judi-
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ciario, porque sendo a lei clara, não póde tergiversar-se a sua literal disposição, e o Governo só tem a executar o que ella determina; não tendo logar a intervenção do referido poder, porque não há delicto, e há sómente o facto de não querer adherir ao novo pacto social, que faz perder a qualidade de cidadão portuguez parece incrivel, torna a dizer, que depois deste evidentissimo, e incontrastavel argumento, ainda os outros Conselheiros insistissem em votar «que deve ser o caso submettido a um processo regular, para ser decidido por sentença, que, passando em julgado, se execute. Foi isto inepcia, ou maldade? Não o sei decidir: mas certo he que o resultado foi identico, e que os Conselheiros que assim votárão se mostrão indignos do logar que occupão, pois que não sabem distinguir o facto lícito e espontaneo do facto illicito e criminoso, e até manifestamente desconhecem as attribuições do Poder executivo. Entre todos notavelmente se distinguiu o Conselheiro Dantos, que reincidiu no seu primeiro voto, dizendo, formaes palavras que deve ainda fazer subir á Real presença, relativamente á deportação da Rainha Fidelissima, que a julga contraria ao bem da Nação nas actuaes circunstancias, e que não encontra muito claro estarem todas as mulheres, e talvez menos a Rainha Fidelissima, incluidas no artigo 13 da lei 236, pois tem razões para lhe parecer, que não foi de intenção do Poder legislativo comprehendelas ao referido artigo Ora eis aqui quasi tantas palavras quantas inepcias, ou velhacarias ou maldades! Que entenderá por deportação o Conselheiro Dantas? Por ventura não entenderá elle que deportada se diz aquela pessoa, que vai remettida para certo e determinado lugar! Se o não entendeu, he inepto: se o entendeu, e assim se expressou, he maldoso, procedeu com dolo, pois que a Senhora Carlota não vai remettida em costodia para certo e determinado logar, vai para onde bem quizer, com tanto que seja fóra do territorio portuguez: por isso que declarou uma e mais vezes que não adheria ao novo pacto social portuguez, e por consequencia que não queria pertencer á sociedade nacional da grande familia portuguesa. Diz o Conselheiro Dantas, que isto he contrario ao bem da Nação nas actas circunstancias: Segunda inepcia ou maldade. Que nos quer elle dizer nisto, ou que mal presume ameaçar-nos com sair de Portugal a Senhora D. Carlota? Que poderá fazer para onde quer que vá essa mal aconselhada Senhora, que então inaudita tenacidade não faz outra cousa senão mostrar um miseravel orgulho, e fraqueza feminil: deixando sacrificar-se por uns rins conselhos de alguns parasytas de palacio, de alguns daquelles que estavão acostumados a engordar com a substancia dos povos, e que, avezados ás manhas de despotismo, não podem accomodar-se ao generoso regime da liberdade? Tambem o Conselheiro Dantas não encontra mais claro estarem as mulheres comprehensiveis no artigo 13 da lei. Isto agora não tem dúvida nenhuma, isto não he inepcia, he manifesta lealdade: a lei e clara e muito clara; a lei não determina o juramento de todas as mulheres, porem sim que jurem por si ou per seus procuradores aquellas que disfructão bens nacionaes; e este he o caso em que está a Senhora D. Carlota, tanto assim que nisso até concordou o ilustre Deputado o Sr. Trigoso, concedendo que a Senhora D. Carlota he alta donataria. Pretende o Conselheiro Dantas, que tem razões para lhe parecer, que não foi da intenção do Poder legislativo comprehender as mulheres no artigo 13 da lei. E então porque não larga a pelle d'Anta? Porque não fala claro? Porque não expende essas razões? He por inepcia, ou por maldade? A lei bem claro diz no artigo 1.º (leu), bem claro diz no artigo 12.º (leu), e bem claro diz no artigo 13.º (leu). Então em que consiste a duvida do Conselheiro Dantas, na inepcia, ou na maldade? Talvez que em ambas as cousas juntas. Não he menos notavel o voto em que reincidem os Conselheiros Mello Freire, e Gomes de Oliveira, insistindo em que neste negocio por fim só poderá ter logar mediante o exercício do Poder judiciario, por que não achão claramente comprehendida a Rainha no referido artigo 13.º da lei do juramento, e nem ainda as mulheres possuidoras de bens nacionaes, sendo casadas, e jurando seus maridos. E então não he isto dolo manifesto, não he tergiversar e pretender illudir a lei? Que importa que em geral se reputem as mulheres sujeitas a seus maridos, se há casos em que ellas são independentes segundo as leis, e se a lei de 14 de Outubro positivamente determina o juramento das mulheres que disfructarão bens nacionaes? Estes dois Conselheiros com seu collega Dantas, por mais que queirão incubrir suas intenções, he claro que errarão, e gravemente errarão contra os seus deveres, e contra a Constituição, ou por inepcia, ou por maldade, ou por ambas as cousas juntas: de maneira que a excepção dos Conselheiros Moura e Braamcamp, todos os outros, mais ou menos, gravemente errarão. Porém o que ainda me parece mais extraordinario he ter o Conselheiro Dantas a lembrança (por não chamar outra cousa) de dizer que assim votava procurando consiliar a responsabilidade que lhe impõe o artigo 169 da Constituição com o desempenho do seu juramento. Ora como se defenderia o miseravel sophisma aconselhador, se lhe as Cortes exigissem essa responsabilidade, sendo que elle neste caso póde eximir-se da nota de inepto ou de malvado, e sendo que as leis tambem castigão quem commette erros graves por inepcia ou por ignorancia?
Tenho tambem de contrair o parecer da Commissão, porém sómente na parte onde diz = que quatro secretarios d'Estado justamente se conformarão em que a lei se devia executar logo que chegasse o seu termo. = Não posso convir nisto, porque o contrario diz expressamente o voto dos ministros, exceptuando unicamente os donos dos negocios da justiça e da guerra. Por quanto: o ministro da fazenda diz formalia verba que tendo S. M. a Rainha allegado o perigo de vida, se fosse immediatamente obrigada a fazer jornada, pedem as lei de humanidade que se não desatenda a petição, sem que o estado da saude de S. M. seja declarado por peritos. E ei-lo aqui pretendendo retardar a execução da lei, para isso reclamando retardar a execução da lei, para isso reclamando uma junta de medicos, e provavelmente antevendo que o seu votos seria o do perigo imminente da precre-
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sa vida de S. M. Pergunta-se agora, e esta reclamação era da competência do ministro? Seguramente não: logo excedeu elle os limites do seu dever. O Ministro dos negocios do reino pretende tambem que se verifique os estado da saude da Rainha, e que se peça as Cortes a faculdade necessaria quanto á despesa: de modo que ali o temos com a mesma incompetente reclamação do ministro da fazenda, e de mais a mais desconhecendo as atribuições do Poder executivo. Pois as despezas necessarias para sair se Portugal a Senhora D. Carlota são despezas extraordinarias, que para ellas se precise contrair algum emprestimo, ou impôr alguma contribuição? Se isso assim fosse, bem era que se reconhecesse ás Cortes: porém não sabe o ministro dos negocios do reino que as forças, e as rendas o Estado estão á disposição do Poder executivo, unicamente do modo porque as empregou? Parece-me demasiado não saber. O voto do ministro dos negócios estrangeiros ainda he mais notavel, porque se conforma com o dos negocios do reino, e pretende que da escolha da Senhora D. Carlota se excluirão os Estados de Hespanha. Ora porque principios, segundo a Constituição, nem segundo a lei, pretenderá o ministro que se faça semelhante exclusão, e que se tolha a Senhora D. Carlota e ir para onde quizer; ou que mal imaginará elle que possa seguir-se de que esse mal aconselhada Senhora vá para os Estados de Hespanha! A isto responde-se com as razões que já ponderei ácerca do parecer do Conselho d'Estado: e mais direi que me parece que, se a Senhora D. Carlota fosse a Cadiz, como diz que tenciona, de duas uma, ou ali não seria admitido pelo Governo, como he mais provavel, ou se o fosse tambem cuido que seria recebida pelo povo com a cantiga da fragata, fragala perro. Do ministro da marinha já a Commissão disse, que sentia ter de dizer, que ele se apartou de seus collegas para a seguir a maioria do Conselho d'Estado. Em que em ultima analyse ministros e conselheiros d'Estado todos elles errarão, unicamente exceptuando o ministro dos negocios da justiça, e o da guerra, e os dois Conselheiros Moura, e Braamcamp. Mas ainda assim, como há quem deite veneno em tudo, he preciso declarar, e bem solemnemente dos ministros e Conselheiros, não foi por nenhum motivo de affeição particular, mas sómente por o que de suas obras he manifesto a todo o mundo: e á face de tudo o mundo Portuguezes protesto que em nenhum caso, e por nenhum motivo hei de falar contra o que entender que he ou pode ser o bem da patria, o da utilidade pública. Nesta occasião, Sr. Presidente, peço a V. Exa. que me permitta o interromper a questão principal com outra incidente.
Por estes procedimentos de Ministros e Conselheiros d'Estado, e por outros taes que podemos arreceiar que sobrevenhão, he que eu peço a V. Exca. Que dê quanto antes para ordem do dia a discussão do projecto de responsabilidade. Sem responsabilidade de todos os empregados publicos, he impossivel haver boa ordem pública; porque em quanto não houver essa effectiva responsabilidade, as leis hão de continuar a ser atropeladas, ou illudidas, ou tergiversadas. Eu ainda quereria mais: eu quereria que, á imitação das Cortes de Hespanha, instaurassemos uma especie de tribunal, isto he, creassemos uma Comissão que immediatamente formasse culpa e pronunciasse aquelle Deputado que se deslizasse dos seus deveres, e offendesse o decoro da representação nacional. Por mim o digo, Sr. Presidente; eu posso delinquir como Deputado, e se delinquir quero ser julgado. He preciso que de uma vez te entenda, que nesta sala, que neste augusto recinto, onde toda a Nação está representada, não podem impunemente soar os clamores do servilismo, nem excitações anticonstitucionaes. He preciso em fim que se entenda, que nas Cortes de Portugal não hão de apparecer sessenta Persas, ou sessenta traidores, como nas de Hespanha em 1814: e que, se infelizmente alguns apparecerem, nós sabemos vindicar o decoro da generosa Nação que nos constituiu seus representantes. Quando os corpos legislativos falecem de energia, desorganiza-se toda a maquina do governo: he logo necessario que nós devolvamos a maior possivel energia, e que em todos os modos nos mostremos dignos do alto logar a que a Nação nos elevou. Agora tornando á questão principal, responderei a alguns dos argumentos que se produzirão contra o parecer da Commissão: e tão insufficientes forão elles que nem sophismas chegão a ser, sendo antes verdadeiros patallogismos, ou inconsequentes arrazoados. Argumentou-se, ou trouxe-se como argumento de paridade, o que vem determinado na Ordenação do Reino, quando diz, que a mulher que possuir bens da coroa, e casar sem licença d'ElRei, perca por isso esses bens; e que todo aquelle que impetrar bailas de Roma sem licença, seja por isso desnaturalizado; dizendo-se que n'um e a outro caso, para se verificar a pena da lei, não obstante serem factos notorios, precedia processo e sentença do poder judiciario. Nisto não há duvida nenhuma, mas tambem nenhuma duvida póde haver em que estes factos, ainda não são notorios, todavia são factos ilicitos, são positivas infracções de lei, commette-se por elles um delicto, e os delinquentes necessariamente hão de ser processados. Pelo contrario o acto da Senhora D. Carlota não querer jurar a Constituição, he um acto licito, livre, e espontaneo, não involve crime, nem delicto; e, como bem disse o Governo em seu relatorio aqui não se trata da applicação de pena a facto ilicito, mas sim das consequencias naturais do acto livre de não adherir a Rainha ao pacto social. Pretendeu-se que era duvidoso o ser, ou não ser a Senhora D. Carlota obrigada a jurar a Constituição, quanto aos povos o não tinhão sido, e só ElRei era obrigado a jurar. Isto he falsissimo, e absurdo. Absurdo, porque eu não sei como possa imaginar-se coacção n'um acto, que he puramente livre e espontaneo. Falsissimo: em primeiro logar, porque os povos se reputa que em geral jurarão a Constituição, havendo-a jurado os seus representantes, e demais todos os chefes civis, ecclesiasticos, e militares, e todas aquellas pessoas que possuião os bens chamados da coroa e ordens: falsissimo em segundo lugar, porque ElRei podia livremente jurar,
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como jurou, ou não jurar, senão quizesse. Lembremo-nos como do que disse o benemerito Deputado Fernandes Thomaz na occasião de apresentar a Constituição a assignatura d'ElRei a Vossa Magestade (disse o ilustre varão). Vossa Magestade he livre, de sua vontade unicamente depende o acceitar o novo pacto social. Logo ElRei jurou porque assim o quis, e podia não jurar senão quizesse. Porém se ElRei não quizesse jurar, entendia-se por isso mesmo que tinha cessado de reinar sobre os Portuguezes. E pois então se ElRei, que he a nossa unica divindade política, segundo a Constituição, pelo simples facto de não a querer jurar se entendia, que tinha perdido o throno portuguez, porque principios, ou porque absurda contradicção há de pretender-se que a Senhora D. Carlota conserve os seus direitos, tendo abertamente recusado jurar a Constituição, ou o novo pacto social da grande familia portugueza? Qual he a sociedade que considera seu membro aquelle, que não quer sujeitar-se aos seus estatutos? Nenhuma. Logo como há de ser considerada em o numero dos cidadãos Portuguezes a Senhora D. Carlota, que recusa acceitar o pacto social portuguez! De nenhum modo. Trouxe-se tambem como argumento o caso prevenido no artigo 149 da Constituição, de ser a Rainha chamada para a regencia provisional, pretendendo-se que só então. Em conformidade do artigo 151, seria obrigada ao juramento. Mas quem não vê que tambem este argumento he falso, e insubsistente? Um he o juramento que a lei lhe manda prestar, como cidadão que tem bens nacionais; e outro he o juramento que determina a Constituição, para o caso possivel de ser regente do Reino, Quantos dos Srs. Deputados que presentes estão não prestarão primeiro o juramento, na qualidade de simples cidadãos por alguns dos requisitos da lei, não obstante que depois havião de prestar, e prestarão, outro como representantes da Nação! Similhantemente acontece a respeito da Senhora D. Carlota. Servia tambem de argumento o artigo 155 da Constituição, e dali pretendeu sophisticamente concluir-se que, na pessoa da Rainha mãi se não requeria a qualidade de cidadão portuguez em caso de tutoria do Rei menor. A isto já está muito bem respondido por o Sr. Secretario Freire: eu apoio inteiramente quanto disse a esse respeito o mesmo Sr. Secretario, e só recordarei este artigo para responder a outro argumento de paridade que com elle se produziu; porque se disse, que na pessoa da Senhora D. Carlota se verificava o caso do mesmo artigo, não podendo esta Senhora ser considerada como cidadão portuguez, visto ser castelhana de origem, salvo se fosse dispensada, ao modo porque ElRei D. João IV dispensou a Rainha D. Luiza. Porém note-se que D. João IV que a dispensava, se necessario fosse, e esta clausula bem claramente denota que ElRei tal dispersa não julgava necessaria. Em verdade são esses uns tão miseráveis argumentos que movem riso! E aos Srs. Que forão dessa opinião perguntaria eu, porque lei não deve ser considerada como cidadã portugueza a mulher de um cidadão portuguez! E se não seria supremamente indecoroso, e irrisorio o não considerarmos na categoria de cidadão portuguez a esposa do nosso Rei, e a mãi dos herdeiros persumptivos do throno portuguez? Por estas considerações tão obvias he que na Constituição não vem expressa a clausula da naturalidade da Rainha mãi, no caso de tutoria do Rei menor. Da mesma laia e jaez são todos os outros argumentos que se produzirão contra o parecer da Commissão, e os mais que vem expostos na indicação do Sr. Accurcio, e nesse outro papeunho que o mesmo Sr. Deputado pediu que fosse distribuído. Taes papeis são esses, que eu me não canço em os combater, não só porque os seus falsos fundamentos estão já cabalmente destruídos por outros Srs. Deputados, senão tambem porque talvez nunca me cançaria em lhe responder, por os julgar absolutamente indignos disso. Sem embaraço, sempre levarei em conta umas poucas palavras da indicação, que provão a inconsequencia do Sr. Accurcio; porque diz elle, formaes palavras: Que mais lhe farião se fosse convencida de grandes crimes! e logo não he criminosa a Senhora D. Carlota: e então como pretende o Sr. Accurcio que seja essa Senhora judicialmente processada! Tambem responderei ao mais façanhoso argumento do tal papelinho que se distribuiu. Ahi nos pergunta o Sr. Accurcio o que praticamos nós com os estrangeiros? Pretendendo que ainda peior tem praticado o Governo a respeito basta o adugio: fueris Roma, Romano vivile more. E pois se um estrangeiro tem obrigação de se conformar com os usos e costumes do país onde vive; se um estrangeiro, que não pertence á nossa sociedade, como bem o denota a palavra estrangeiro, assim mesmo, toda a vez que não guardar as nossas leis, nós temos o direito de o expulsar, e até de o punir; como há de considerar-se membro da sociedade nacional portugueza, nem como há de considerar-se em Portugal a Senhora D. Carlota, que recusou de acceitar o nosso pacto social, e assim declarou que a esta sociedade não queria pertencer? Ora bem certo he, e bem claro estamos vendo, que uma ruím causa não póde ser defendida com boas razões! Mas tambem eu não posso concordar no voto de outro illustre Preopinante, que pretendeu que se exigisse a responsabilidade dos Ministros: que elles não andarão bem, isso já eu disse; mas nem tanto que se lhes deva exigir responsabilidade. He certo que elles não devião requerer juntas de medicos; porem chegada a questão a esse ponto, fizerão elles o que devião: nem certamente quereria este soberano Congresso que deixassem de seguir-se as leis da humanidade. Concluo por tanto, Sr. Presidente, que deve ser approvado o parecer da Commissão, se eu o approvo com as seguintes modificações. Quanto ao procedimento do Governo, diz a Commissão, que se declare na acta que as Cortes ficão inteiradas; e eu sou de opinião que se diga ao Governo, que as Cortes ficão inteiradas, que se comprazem ao animo constitucional d'ElRei, e que esperão a mais pronta execução da lei. E quanto á indicação do Sr. Accurcio, em vez de ser simplesmente rejeitada, como opinou a Commissão, eu sou de parecer que se declare na acta, que essa indicação foi julgada indigna das Cortes, e da Nação, e altamen-
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te despresada como absurda, subversiva, e anticonstitucional. Assim procederemos de um modo similhante ao das Cortes Constituintes quando, se bem me lembro tambem declarárão na acta que despresavão uma carta do famoso Correia de Hamburgo. Se for necessario, Sr. Presidente, eu mandarei escritas para a mesa estas modificações, que proponho ao parecer da Commissão (escreveu-as).
O Sr. Pessanha: - A materia esta sufficientemente discutida, e por isso eu aproveito a palavra que me foi concedida só para dizer succintamente a minha opinião. Ella he toda a favor do parecer da Commissão, e procedimento dos Ministros. Alguns Srs. forão da opinião contraria: nem me admira que isso acontecesse: tratava-se de uma Senhora, e além do interesse que inspira o bello sexo pela sua mesma fraqueza, essa Senhora tinha sido Rainha, a era mulher do Sr. D. João VI: eu quizera poder contar-me no numero dos seus advogados; procurei sinceramente razões para poder fazelo, mas não as achei, nem me convencerão as dos Srs., que combaterão o parecer da Commissão, cujas razões forão de mais a mais cabalmente refutadas pelos illustres Preopinantes que me tem procedido a falar. O unico remedio seria retrair-nos ao tempo em que se fez lei; então eu diria "Legisladores, façamos uma excepção a respeito das mulheres, se ellas não tem parte na administração politica, para que lhe havemos de impôr um dever de que ellas podem ser victimas por extravio da mesma imaginação? Não se sabe que muitas mulheres casadas dizem não só porque os maridos dizem sim?
Não póde acontecer que outras recusem adherir ao pacto social por um principio mal entendido de religião? Mas como retratair-nos a esse tempo he impossivel, ou quando revogassem a lei não poderiamos fazer com justiça, que a sua sanção não recaísse nas pessoas que tivessem incorrido nella em quando a lei esteve em vigor, he forçoso approvar o procedimento do Governo no caso da senhora Dona Carlota Joaquina. Eu o approvo pois em toda a sua extensão, e tanto mais porque o Governo soube conciliar o que exigião a execução da lei, he respeito para com a humanidade em soffrimento. Nem se diga, que de se espassar o pleno cumprimento da lei se hão de seguir inconvenientes: o Governo vigiará sobre isso, esse grito que aqui se ouviu, e que um illustre Propinante disse ser um preludio de rebelliã; esse grito, digo, foi tão notavelmente revestido do caracter da mais rematada loucura, que não póde ter consequencia alguma. Quanto á indicação, rejeito-a tambem, e sobre tudo por se dizer, que a vontade de ElRei foi arrastada pela dos seus Ministros; e por se dizer, que comportamento do Governo será estranhado nos países estrangeiros: quanto á vontade de ElRei não se pode dizer, que ella foi arrastada pelos Ministros, quando ElRei não fez mais do que executar a lei; porque a lei, Sr. Presidente, he como o fado de Homero, que tinha suspensos por uma cadêa os destinos dos Deoses e dos homens; a lei deve arrastar a pós si a vontade dos reis, e dos povos: quanto ao que se dirá nos paízes estrangeiros, não duvído que os despotas achem mui trabalho o procedimento do Governo; mas se se quizerem prevalecer disto para ter ingerencia nos nossos negocios, nós lhe apontaremos os campos em que forão derrotadas os que attentarão contra a nossa independencia, e lhe mostraremos por obra que não temos por obra, que não temos degenerado dos nossos maiores.
O Sr. Derramado: - Depois de eu ouvi falar alguns dos illustres Preopinantes que apoiárão a conclusão do parecer da Commissão retiraria a palavra, que pedi na sessão antecedente, quando o objecto se não achava elucidado, como atualmente se vê: então tinhão-se produzido alguns argumentos contra o parecer, que não tiverão uma resposta vistoriosa, e que eu reputava mui faceis de destruir; hoje porém que está demonstrado até á evidencia; que a Rainha he donataria, que ella tem a condição de portugueza, e que mesmo quando a não tivesse, sendo chamada a jurar, como he effectivamente, estava comprehendida na sancção da lei, recusando, como recusou fazelo, nada tenho a acrescentar sobre este objecto; e apoio a conclusão do parecer da Commissão especial: faço porém uso da palavra para responder a dois illustres Preopinantes, um dos quaes se decidiu contra o segundo decreto, e outro que se lembrou de propor a creação de um tribunal especial para conhecer da constitucionalidade, ou inconstitucionalidade dos membros desta sala: um tribunal especial, Sr. Presidente, para conhecer das opiniões dos Deputados, que são por ellas invioláveis, por um artigo expresso na Constituição! E isto proposto por quem se quer fazer imminentemente constitucional! E em nome da Constituição, que attribue o poder judicial exclusivamente aos juízes! Confesso, Sr. Presidente, que depois de vivas á Rainha, que entrou um membro desta sala, e da indicação que outro fez, e que actualmente examinados, nada me tem feito tanto horror, como a proposta de um tribunal especial para conhecer das opiniões dos Deputados: se eu neste momento podesse ter uma opinião contraria ao parecer da Commissão, emitila-ia francamente á face deste Congresso, para mostrar como se he livre; nada de coaretar a liberdade das opiniões, nada de substituir a irascibilidade do amor proprio ao verdadeiro culto da patria: o primeiro fundamento para ser livre he ser justo. Quanto ás observações que se fizerão contra o segundo decreto, se eu não persuadísse que tínhamos dito tudo, dizendo - ficárão as Cortes inteiradas - quizera que se dissesse ao Governo, que a base do nosso codigo politico, he o codigo da humanidade; e que tudo quanto he posto a este he virtualmente opposto ao nosso codigo sagrado.
O Sr. Caio: - Parece que eu devia guardar siliencio, e manifestar apenas minha opinião só pela votação; por isso que a materia tem chegado ao maior ponto de esclarecimento. Entretanto, seguindo um principio de direito que diz, que nem tudo o que he licito, he honesto, não posse deixar de emmitir a minha opinião; tanto na qualidade de representante como mesmo na de dezembragador. Como representante, porque os meus constituintes, dando-me a sua procuração, expressamente me recomendárão defender e guardar a Constituição e as leis; sendo a materia
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de tanto melindre, de tanta consequencia não deveria eu ser equivoco com o mesmo silencio, e por tanto declararei a minha opinião com tanta liberdade e franqueza: e na qualidade de desembargador devo tambem dizer alguma cousa, pois ouvi a alguns dos illustres Preopinantes falara de maneira acriminosa no afferro que há nos desembargadores a metter em questão e confundir tudo, que he levado ao conhecimento judicial. Com effeito, se há desembargadoreres que detestão a justiça, que são inimigos natos da Constituição, estes homens só são máos desembargadores, mas são máos cidadãos, e devem ser votados a execração; porém se pelo contrario há outros, como realmente há, amantes da justiça e da lei, amigos da Constituição, e que trabalharão por a fazer respeitar, então estes não só são bons dezembargadores, mas são bons cidadãos, e devem ser como taes considerados e estimados na opinião publica. Mas deixando episodios, que de nada valem, ou para pouco prestão, vamos á questão sobre a qual, por esta já tão elucidada, pouco ou nada teria a dizer, e só direi alguma cousa porque pedi a palavra. Vamos a ver qual he a lei; pois eu não quero se não lei, e mais lei. A lei que, ao caso de que se trata, nos deve servir de guia he a lei de 10 de Outubro. Esta declara e positivamente te ordena, que os empregados publicos sejão obrigados a prestar seu juramento uma que o não prestem sejão despidos de seus direitos civis e politicos, e dentro de um mez sejão expulsos do reino. De pois das terminantes palavras desta lei apenas resta examinar, se com effeito a Rainha estava ou não obrigada a cumprir com a determinação da lei. He claro que o estava, isto se chama evidentemente demonstrado, pois o está tambem que era uma funccionaria publica, e não só donataria, se não alta donataria; e por tanto incluida na lei. Na sua vontade estava adherir ou não adherir ao pacto social, e ella muito livremente declarou, que não queria adherir a elle: neste caso ella mesmo deu a sentença contra si, e por consequencia não restava que fazer se não applicar a lei. Se o poder executivo, e o Sr. D. João VI, a applicou, foi mais uma prova que deu do seu patriotismo e constitucionalidade, porque prescindindo das considerações que poderia ter com sua esposa, só deu a entender, que tinha em vista a Constituição, que jurou no seu coração. Os argumentos que se tem produzido de que a Rainha não devia jurar, tanto porque seus bens não se podião dizer verdadeiramente bens nacionais, como porque na ordem civil era uma a mesma pessoal com seu marido, e até finalmente porque (como se lembrou um dos Conselheiros d'Estado) se duvidava se as mulheres estavão comprehendidas na letra da lei, estão perfeitamente combatidos, mas com este ultimo he bem destituido de fundamento, porque claramente está determinado na lei que as mulheres, uma vez que administrem bens nacionais, são obrigadas a prestar o juramento. Deixando isto por ponto decidido, passamos a desatar o nó que andemos chamar, nó gordio) que formou o illustre que podemos chamar nó gordio) que formou o illustre Deputado autor da indicação, pretendendo que esta negocio não era, mas sim do poder judicial. Já está demonstrado até á evidência, que de forma alguma podia ser da attribuição do poder judicial, por isso mesmo que não podia ter logar a regra geral de que se vale o autor da indicação, de dever-se applicar a lei ao facto, porque isto só se verificaria havendo sentença. A lei de 10 de Outubro, quando sanccionou que os funccionarios publicos, e donatarias da coroa déssem juramento á Constituição teve muito particularmente em vista, que as pessoas que disfrutavão bens nacionaes estivessem mais estrictamente ligadas com a mesma Nação, e estabelecendo o juramento veio deste modod a prendelas com um vinculo mais forte para com a mesma. A Senhora D. Carlota Joaquina conheceu muito bem que estava incursa na lei, ella mesma o confessou, se não prestou juramento não foi porque julgasse que não lhe competia, se não porque não quis, e assim o declarou; por tanto não há aplicação alguma a fazer de lei a facto contenciso. Verei se me posso explicar melhor. Se ella dissesse que não era da sua competencia por algum principio, então já tinhamos, por assim me explicar, acção, e reacção de direitos, e obrigações; então já o poder judicial podia entrar ao conhecimento de se lhe erão ou não applicaveis aquelles principios; mas ela não fiz assim, conheceu que devia jurar, e se não jurou foi porque não quis. Nós sabemos admiravelmente pelos principios de direito criminal, que para haver pena he preciso que haja infracção de lei, para haver infracção, que haja violação de direitos; e para que haja violação de direitos, que haja contracção de obrigações. Mas se a Senhora D. Carlota Joaquina não havia contraido obrigação, por isso mesmo que não tinha adoptado o pacto social, como podia haver violação de direito! Concluo approvando o parecer da Commissão, e dizendo que a lei deve ser a todos: assim está sanccionado na Constituição, e se queremos ser livres, felizes, e independentes, he necessario guardala, e fazer que todos comprissem, e respeitem: este he o fim com que aquelles para este fim aos forão dadas as nossas procurações, será sempre a minha divida. Por consequencia meu voto he approvar o paprecer da Commissão, e rejeitar a indicação, porque claramente contém princípios anarquicos, sobversivos e inconstitucionaes.
O Sr. Manoel Antonio de Carvalho: - Esta questão não merecia a meu ver o livro debate que tem levado neste augusto Congresso de quando pela primeira vez vi esta discussão, disse simplessissimas palavras lei, e mais lei. Nós não concordamos com o governo decadente, se a estivessemos nos dizer com Cíccero, habemos legem, in vagina reconditam. Nós temos leis, mas facilmente sente o systema regenerativo principia, e he necessario que operem com toda a fortaleza e energia: e por isso eu disse: as Cortes hão de indispensavelmente admittir, que aquelle que contravier, seja o proprio Rei, deva separar-se da commissão dos Portuguezes: quem não quizer viver connosco, parta para fóra desta sociedade. Oxalá, Senhor Presidente, que isto assim podesse succeder a to-
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dos, e que aquellas balizas que temos marcado ao poder judicial, e ao poder legislativo, não impecessem a este para fazer sair do Reino todos aquelles que se oppõe ao benefico systema que nos rege, por interesse, por servilismo, por dependencia, e até por não serem às vezes capazes de occuparem grandes postos, que n'outro tempo erâo dados às vis lisonjas, e até às calumnias e infâmia.Torno a dizer, diz mais a lei; caia debaixo della quem quer que for. Veja, e tenho-o dito muitas vezes, assicalar os punhaes, mas eu nunca serei infiel á Constituição que jurei; se todos os outros homens fossem iguaes em sentimentos, não hesitarião em approvar o parecer da Commissão; que eu tambem approvo por não querer ser demasiado, porque no entretanto no ultimo decreto resáe a humanidade, e a humanidade he própria de todos os homens, e particularmente dos constitucionaes e liberaes; estes são os homens com quem quero viver; se houver uma pátria mais livre que a Nação portugueza, eu quereria ir viver nella. Em fim não he necessario tomar mais tempo a esta assembléa para destruir os argumentos, ou por melhor dizer, os sofismas que aqui se tem posto contra a lei expressa. A lei diz: Toda a pessoa, que não quizer adherir ao nosso pacto social, vá-se embora: a Rainha, que tantos motivos tinha para adherir a elle, deu um passo ingrato, e disse, não quero jurar a Constituição. Muito embora, ide-vos. Acaso teme-se que isto dará anciãs aos máos Portugueses, ou a potencias extranhas para nos extranhar este facto? Pelo contrario admirarão a constancia e a firmeza da Nação, e Governo Portugues. Por conseguinte para não cançar mais esta assembléa, limito-me a dizer que approvo, e julgo justo e humano o parecer da Commissão: pelo que pertence á infame, e indiscreta, e inconstitucional indicação que se apresentou, julgo, que toda a ira seria pouca, senão devessem obter alguma desculpa os erros alheios.
O Sr. João Bernardo da Rocha: - Senhor Presidente, pedi palavra para não dar meu voto calado em matéria de tanta ponderação; porém seria levar agua para a fonte expender mais razões depois de tantas como se tem manifestado: e alem disso lembro-me de um aphorismo de Hypocrates: Fame non est laborandum. A sessão ha progredido muito além da hora; por isso cedo a palavra. Approvo o parecer da Commissão; regeito a indicação, e este he meu voto.
O Sr. Silva Carvalho: - Serei breve, e levanto-me sómente porque aqui já se disse com muita razão que seria equivoco ficar calado nesta matéria. No entanto não repetirei o muito que se tem dito, porque tanto mais brilhão os argumentos que se tem feito em favor do parecer da Commissão, e contra a indicação , quanto são fúteis os que se tem opposto em contrario. Limitar-me-hei a perguntar porque leis havia do ser julgado este negocio? Por leis filhas do systema actual, ou por leis velhas? Se pelas leis novissimas, não são reconhecidas pela ex-Rainha, pois que as não jurou, e todo o processo seria nullo; se pelas antigas, então digo, que assim só fez. Pergunto, como erão julgadas as pessoas de alta gerarquia, e os magnates etc.? Era ElRei na sua camara com os seus ministros quem julgava; assim se fez: logo porque se queixão os defensores da ex-Rainha, que me parece, tão pouco defendem o vigor das leis, e liberdades da sua patria! Senhores, he necessario a firmeza em nossas deliberações, bem como he necessario que os grandes dêem exemplo, ou executando as leis, ou sendo objecto das mesmas leis? Nada de distincções quando a lei se encara. Por tanto approvo o parecer da Commissão; não louvo a moleza do ministerio neste negocio; e no mesmo não teve logar algum a ingerência medica; e por ultimo julgo reprehensivel, e bem servil a maioria do Conselho de Estado, reprovo a indicação.
O Sr. José Máximo se conformou com o parecer da Commissão; reprovou a indicação do Sr. Accursio das Neves; e se conformou tambem com as emendas offerecidas pelos Srs. Franzini, e Pereira do Carmo.
O Sr. Brandão: - Serei breve, Senhor Presidente, depois de tão longa discussão; previno porém esta assemblea de me disfarçar algumas expressões mais atrevidas que . me escapem. Falarei da importância da questão, em que alguns lhe acharão mistério: tocarei a excepção de extrangeira por onde outros dispensão a Rainha: finalmente considerarei a mesma Rainha á face do direito particular, para mostrar que nem por este se póde furtar á expatriação, e exautoração fulminadas pelo Governo. He importante a questão; mas para quem? He para a Rainha; esta que responda aos Preopinantes deste misterio: para o Governo o importante era a execução da lei: na presença desta tudo he de mesma importancia; e tanto que em governo constitucional he só a lei superior, tudo o mais, em casos e pessoas, he igual, he da mesma importancia. He singular que a Rainha seja importante, e não lei!!! Por onde este mistério da importância, além de argumento de terceiro, he tambem commum contra a Rainha, e só lembrança de servilismo. Quanto á excepção de extrangeira, tal excepção he contraproducentem; e tanto que se o não for segue-se escandaloso absurdo: pois a Rainha he portugueza para ser mulher do Rei, para continuar a casa de Bragança, para ser donatária, e funccionaria d'estado no Estado; para ser a cargo da Nação na lista civil, e he extrangeira para jurar!! Não entendo, o absurdo he palpável: esta demonstração por absurdo he dat que mais vagão naqnellas sciencias que regulão o céo e a terra. Se he extrangeira jurasse para ser nossa; o contrario seria jogar com pão de dois bicos; e seria a marcha do profeta Natan a conselhando a Daniel em vida a expulsão de Salomão do throno, e depois da morte ser o mesmo filho adulterino chamando a elle. Quanto por direito particular, he verdade que ninguem he obrigado ao facto, e daqui parecerá devia a Rainha ser devolvida ao judicial; mas aquelle facto he da competencia do executivo a quem pertence a liquidação dos que pertencem ou não á familia portugueza, logo elle era o juiz; e muito mais sendo a Rainha ouvida mais de uma vez, e se defendeu de não querer jurar. Por tanto o Governo andou justo, e o parecer da Commissão.
O Sr. Manoel Aleixo: - Levantome para apoiar o parecer da Commissão em toda a sua extensão; mas
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depois de ter-se dito tanto me parece superfluo dizer mais sobre á materia. Nosso negocio vai tocar toda a Europa, o mundo inteiro; e eu quizera que saisse daqui tão especifisado, que não se podesse arguir de nenhuma maneira. Por isso me levantei, mas como vejo o Congresso cançado nada direi do muito que tinha a dizer, porque tinha muitos argumentos em contra dos que se tem feito. O parecer da Commissão deve ser abraçado, e seguido em toda a sua extensão, isto só digo porque o mais já esta dito, e tem-se elucidado a materia por todas as maneiras.
O Sr. Barreto Feio: - Eu não me levanto para elucidar a questão, pois que pelos que me tem precedido a falar ella tem sido elucidada de sobejo: levanto-me só para declarar a minha opinião, porque tendo de votar sobre este negocio, he justo que de a razão do meu voto. A lei he igual para todos, todos são inferiores á lei, todos são iguaes diante da lei; porque um pequeno he um homem: portanto não ha differença alguma entre elles, e se alguma existe a respeito dos grandes he para menos; porque homem verdadeiramente he aquelle, que sabe apreciar os seus direitos, e não procura usurpar os dos outros.
Admittidos estes incontrastaveis principios, vejamos o que diz a lei. A lei diz, que todos aquelles que disfructão bens nacionaes jurem a Constituição, e não jurando saião immediatamente do territorio portuguez. A Rainha disfructa ou não bens nacionaes?
Todos sabem que sim. Jurou ou não jurou á Constituição! Todos sabem que não. Devo ou não sair para fora do territorio portuguez? A lei expressamente responde a esta pergunta; e a lei não admitte excepções. Mas a Rainha diz que está doente, e dez medicos attestão a sua mollestia. Devemos nós estar ou não por esta attestão? Eu Creio que sim; porque não devemos entrar na indagação da sua veracidade, porque as causas da saude decidem-se no tribunal Hypidauro? Deverá ella sair em quanto estiver doente? A humanidade não o permitte. Vejamos agora qual tem sido o comportamento do governo a este respeito. O Governo mandou que ella saisse, porque não quis jurar, mandou suspender a sua saida em attenção ao seu mao estado de saude. E em tudo isto andou muito bem o Governo: Ora passemos agora ao parecer da Commissão, sobre que tem havido tanta discussão. Este parecer he: Que as Coetes ficão inteiradas. De que ellas estão inteiradas deste caso creio que ninguem duvidará, e que portanto todos approvarão o parecer da Commissão. (Julgou-se a materia sufficientemente discutida).
O Sr. Pereira do Carmo: - Senhor Presidente, tenho que fazer um requerimento.
O sr. Castello Branco: - Peço votação nominal.
O Sr. Pereira do Carmo: - Isso mesmo ía a dizer: a importancia da materia justifica meu requerimento, que he, que se faça votação nominal.
O Sr. Xavier Monteiro: - Nesse caso, Senhor Presidente, podem votar-se os dois pareceres de uma vez, dizendo sim, sim os que approvem ambos: não, não os que reprovem: e os que approvem um, e reprovem outro, sim, não.
Decidiu-se que a votação fosse nominal; e propondo o Sr. Presidente á votação o primeiro parecer da Commissão, que consiste em que se declare na acta que as cortes ficão interadas, votárão a favor delle os srs. Freire, Serpa Pinto, Gaio, Frias pimentel, Gyrão, Marciano de Azevedo, Pretextato, Antonio Vicente, Basilio Alberto, Pereira do carmo, Bernardo Teixeira, Bispo Conde, Bispo do Pará, Bispo de Portalegre, Domingos da Conceição, Pessanha, Francisco Antonio de Campos, Boto Pimemtel, Carvalhosa, Ferreira Novaes, Travassos, Broxado de Brito, Rebello Leitão, Morgiochi, Soares Franco, Pereira Lobo, Xavier Monteiro, Innocencio Antonio de Miranda, Cordeiro da Silveira, Felgueiras Junior, Rocha Loureiro, João Francisco de Oliveira, Pereira de Mello, Silva Branco, Castello Branco, Tavares Ribeiro, Silva Carvalho, Sousa Alburquerque, Lopes da Cunha, Oliveira e Sousa, Annes de Carvalho, Galvão Palma, Avillez Zuzarte, José Bento Pereira, Camillo, Corrêa da Serra, Derramado, Bekman e Caldas, Ferreira de Moura, José Liberato, José Lourenço da Silva, José Maximo, Neves Mascarenhas, José Pereira Pinto, José Teixeira de Sousa, Barreto Feio, Luiz da Cunha e Castro, Pinto da França, Aleixo Duarte, Manoel Antonio de Carvalho, Mendes Leite, Pimenta d'Aguiar, Corrêa de Lacerda, Pinto da Veiga, Dias de Sousa, Gomes Quaresma, Felgueiras Senior, Manoek de macedo, Manoel Pedro de Mello, Rocha Couto, Serpa Machado, Franzini, Pato Moniz, Alvares Gato, Almeida Serra, Sousa Castello Branco, Aquyino de Carvalho; e contra os srs. Martins Ramos, Trigoso, Telles da Silva, Catallão, Accursio das Neves, Rodrigues d'Andrade, Martins Bastos, Felix de Veras, Araujo Costa: sendo por esta fórma approvado por 77 contra 9.
O segundo parecer, que consiste em que a indicação do Sr. Accursio deve ser rejeitada como cheia de asserções falsas e calumniosas, de principios erroneos, subversivos, e anticonctitucionaes, e tendentes a semear a cizania nos povos, e a romper a união que felismente subsiste entre o Poder legislativo e executivo, tendo sido posto á votação, foi tambem approvado por 82 contra 4; votando a favor delle os Sr. Freire, Serpa Pinto, gaio, Frias Pimentel, Gyrão, Marciano d'Azevedo, Pretextato, Antonio Vicente, Basilio Alberto, Pereira do Carmo, Bernardo Teixeira, Bispo Conde, Bispo do Pará, Bispo de Portalegre, Domingos da Conceição, Pesanha, Francisco Antonio de Campos, Botto Pimentel, Carvalhosa, Ferreira Novaes, Trigoso, Travassos, Broxado de Brito, Rebello Leitão, Margiochi, Soares Franco, Pereira Lobo, Xavier Monteiro, Innocencio Antonio de Miranda, Cordeiro da Silveira, Felgueiras Junior, Rocha Loureiro, João Francisco de Oliveira, Pereira de Mello, Silva Branco, Tavares Ribeiro, Catallão, Silva Carvalho, Sousa Alburquerque, Lopes da Cunha, Oliveira e Sousa, Annes de Carvalho, Galvão Palma, Avillez Zuzarte, José Bento Pereira, Camilo, Corrêa da Serra, Derramado,
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Bekman e Caldas, Ferreira de Moura, José Liberato, José Lourenço da Silva, José Maximo, Neves Mascaranhas, José Pereira Pinto, José Teixeira de Sousa, Barreto Feio, Rodrigues d'Andrade, Luiz da Cunha, Martins Basto, Pinto da França, Aleixo Duarte, Manoel Antonio de Carvalho, Mendes Leite, Pimenta d'Aguiar, Corrêa de Lacerda, Pinto da Veiga, Dias Se Sousa, Felix de Veras, Gomes Quaresma, Felgueiras Senior, Manuel de Macedo, Manoel Pedro de Mello, Rocha Couto, Serpa Machado, Franzini, Pato Moniz, Alvares Gato, Almeida Serra, Sousa Castel-Branco, Aquino de Carvalho: e contra elle os Srs. Martins Ramos, Telles da Silva, Accursio das Neves, Araujo Costa. Não forão aprovadas as emendas que o Sr. Pato Moniz tinha offerecido sobre os mesmos pareceres.
O Sr. Presidente deu pára ordem do dia da seguinte sessão segundas leituras dos projectos, que estiverem nos termos disso, e a continuação dá discussão do projecto n.º 37, sobre isenções do recrutamento; e levantou a sessão depois das tres horas da tarde. - Thomaz de Aquino de Carvalho, Deputado Secretario.
SESSÃO DE 28 DE DEZEMBRO.
Aberta a sessão, sob a presidencia do Sr. Moura, leu-se a acta da antecedente, que foi approvada.
Passou o Sr. Secretario Felgueiras a dar conta dos negocios do expediente, e mencionou.
1.º Um officio do Secretario de Estado dos negocios da justiça, acompanhando as leis sobre a regencia do Brasil, nova eleição de deputados na divisão eleitoral dos Arcos de Val de Vez, gratificações dos empregados civis despachados para o Ultramar, e nomeação dos membros do tribunal da liberdade da imprensa, sanccionadas todas pelo Rei: as quaes se mandárão guardar no arquivo das Cortes.
2.º Um do dos negocios da marinha com a parte do registo do porto, de que as Cortes ficarão inteiradas.
3.º Uma carta do Sr. Deputado Freitas Branco, participando o seu estado de molestia, pedindo alguns dias de licença, e se lhe concederão oito,
4.º Outra do Sr. Deputado Borges Leal, pedindo dez dias de licença pelo mesmo motivo, os quaes lhe forão concedidos, assim como tambem ao Sr. Deputado Gouvêa Durão, que participou ainda não estar restabelecido da molestia que tem soffrido.
5.º Uma do Sr. Deputado Fortunato Ramos, participando que por molestia deixará de assistir ás sessões de segunda e terça feira, e que pelo mesmo motivo continuará a faltar a outras: da qual participação ficarão as Cortes inteiradas.
6.º As felicitações das camaras da villa do Bispo, do concelho de Gestaço, da villa de Arronches, da villa de Alcacer do Sal, da da Mecejana, da da cidade do Funchal, da villa da Figueira, e de Colares, das quaes todas se mandou fazer menção honrosa.
7.º As felicitações do juiz ordinario do concelho de Villa Pouca de Aguiar, dos juizes ordinarios, e substituto da villa do Bispo, do juiz ordinario da villa de Abful, do substituto do juiz de fóra de Aldêa Galega, do substituto do juiz de fóra da villa d'Atouguia, do juiz de fóra de Niza, dos lentes da academia da marinha, e do professor de gramatica latina da villa de Arroches: as quaes todas forão ouvidas com agrado.
Procedeu-se á verificação dos Srs. Deputados presentes, e se achárão 84, faltando sem causa motivada 27, os Srs. Gomes Ferrão, Peixoto, Antonio José Moreira, Bispo do Pará, Ledo, Borges de Barros, Aguiar Pires, Assis Barbosa, Moniz Tavares, Margiochi, Villela, Lyra, Ferreira da Silva, Lemos Brandão, Berford, Cirne, Fernandes Pinheiro, Lourenço da Silva, Alencar, Varella, Castro e Silva, Zefyrino dos Santos, Marcos Antonio, Vergueiro, Bandeira, Macedo, Accursio das Neves; e com causa motivada 24, os Srs. Gouvêa Durão, Cruz Conceição, Domingos José da Silva, Pessanha, Bettencourt, Queiroga, Seixas, Almeida e Castro, Fortunato Ramos. João Pedro Ribeiro, Pinto de Magalhães, Mendes Velho, Segurado, Rodrigues Basto, Sá, Manoel Antonio Martins, Borges Carneiro, Grangeiro, Manoel Patricio, Borges Leal, Araujo Lima, Vaz Quina, Silva Branco, Sousa Castello Branco, Novaes.
O Sr. Presidente: - Eu vejo-me obrigado a fazer uma reflexão a respeito de licenças, visto que a falta he tão grande, declaro que de hoje em diante não concederei mais licenças, senão por motivos de molestias, apresentando os Srs. Deputados Certidão de medico. (Apoiado).
O Sr. Soares Franco: - Realmente nisso ha um grande engano: verdade he que ha muita gente doente; mas a maior parte dos que faltão são os Srs. Deputados do Brazil, os quaes não tem vindo porque hão querem.
O Sr. Castello Franco: - Peço palavra. Observo que nada se diz a respeito de apresentar certidão de medico: ainda que eu vi um apoiado geral; isto toca alguma cousa com o brio de cada um dos Membros deste Congresso. Isto não só he contra os nossos costumes, mas até mesmo contra o que se pratica nos tribunaes. Em qualquer tribunal um ministro que está doente, nunca he obrigado a apresentar certidão de medico; basta a sua palavra. Pois então está-se pela palavra de um Desembargador, por mais insignificante que elle seja, e não se ha de estar pela de um Representante da Nação? Um Deputado deste Congresso descer á baixeza de justificar perante o mesmo Congresso os motivos que o impossibilitão de podei comparecer! Não acho isto decoroso. De mais o que se segue se elle faltar pela sua pouca exactidão! He que os povos que o nomearão se enganarão com elle, e então não o tornarão a nomear mais. Entre tanto á reputação de cada um de nós pede, que se festeja pela nossa palavra. (Apoiado).
O Sr. Serpa Pinto: - Estas faltas Ao Congresso tem feito grande sensasão nas provincias; e eu peço a Vossa Excellencia, que proponha uma medida que