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dição, commandada por um valente official, -o sr. Antonio Alves de Azevedo Campos, e não poderam tomar conta daquellas ilhas; milagre este que o irmão do sr. Victorino fez por terra com a sua escravatura.

O nobre governador geral, vendo que tinha no sr. Victorino um auxiliar poderoso para a destruição do Bonga, dirigiu-se a elle para combinarem o modo de fazer a guerra. O sr. Victorino achava-se doente, e disse que não podia tomar conta de tamanha empreza como aquella que o governador lhe propunha. Então este empregou todos os meios que tinha ao seu alcance para resolver tão melindrosa crise. Fretou um navio francez, e fez ir para Quilimane todos os soldados que tinha disponiveis, com os recursos necessarios, que havia na capital.

N'esta occasião chegou a Moçambique o novo governador geral, o sr. Lacerda, e conhecendo a importancia d'esta guerra, e informado das difficuldades que ella apresentava no começo do seu governo, empregou todos os meios que as circumstancias lhe suggeriram, no que mostrou bastante energia e muita habilidade para completar as forças de que era possivel dispor e manda-las á Zambezia. Como da Europa tinha sido transportado na corveta a vapor Infante D. João, fez saír immediatamente esse mesmo barco, levando a seu bordo todos os soldados que restavam em Moçambique, assim como todos os meios de guerra, e dirigiu-se a Quilimane, que é o porto de mar que nos dâ entrada para a Zambezia, e a terra mais importante e cabeça de districto aonde se deviam preparar e completar todos os meios de! guerra para bater e destruir o Bonga.

Quando chegaram a Quilimane, o governador geral poz á frente d'ãquella força expedicionária o sr. tenente coronel Queiroz, que era governador de Tete, e este official ajudado pelos moradores de Quilimane que da melhor vontade prestaram auxilios valiosos, dando uns mantimentos, outros munições, outros escravos armados, outros lanchas e meios de transporte.

Tudo preparado, o sr. Queiroz subiu o rio Zambeze e dirigiu-se á aringa do Bonga, que é uma especie de fortaleza feita de arvores espinhosas, postas umas por detrás das outras, que os negros plantam, deixando livre um grande espaço no interior; estas arvores vão crescendo em toda a circumferencia, o os pretos fazem-lhe differentes entradas com zig-zags, estabelecendo dentro palhoças, e ahi se intrincheiram os regulos com toda a gente debaixo da sua jurisdicção.

O sr. Queiroz chegou proximo da aringa e bateu-a por espaço de tres dias, e até supponho que chegou a incendiar algumas palhoças; mas depois, não se sabe porque motivo, no fim de tres dias retirou para Quilimane. Isto causou um grande espanto em toda a provincia, e o governador geral logo que soube isto tambem ficou em uma posição afflictiva, demittindo logo o commandante da expedição, o sr. Queiroz, e nomeando para o seu logar ao tenente coronel o sr. Portugal, soldado valente e experimentado na guerra dos pretos.

Vi as proclamações d'este senhor quando se poz á testa da expedição. Agora antes de continuar devo dizer alguma cousa a respeito do infeliz Miguel Gouveia, bem como do sr. Queiroz.

Quando o sr. Miguel Gouveia saíu de Tete para bater o Bonga, appareceram em Lisboa differentes motivos que o levaram a fazer aquella guerra. Uns dizem que o sr. Miguel Gouveia attrahido por negocios commerciaes que tinha com o Bonga, fizera aquella infeliz guerra de que fóra victima. Outros dizem que o Bonga tendo-lho fugido muitos pretos e pretas para Tete, em consequencia dos flagicios que lhes dava, fizera a guerra aos moradores de Tete, e lhes devastara tudo' quanto ficava fóra da fortaleza, e que isto causando muita desesperação em Tete, os moradores obrigaram o governador a ir em pessoa fazer a guerra.

Outra correspondencia dizia: «Como o Bonga fica na margem direita do rio Zambeze, margem aonde fica Tete, e que sendo aquelle um obstaculo poderoso para o concurso entre o mar e entre Quilimane e sertão, todos os moradores estavam assustados, porque o Bonga lhes roubava todas as fazendas que iam rio acima, rio abaixo; era portanto necessario remover este obstaculo, o que foi esse o motivo poderoso que levara o governador Gouveia a fazer a guerra ao Bonga».

Devo dizer, em abono da justiça, que quando estive em Moçambique como governador geral desde 1851 a 1854, conheci o sr. Miguel Augusto Gouveia, e posso affirmar a v. ex.ª e á camara que era um dos officiaes mais honrados, mais disciplinadores e mais valentes que havia na provincia; e parece-me que é injusto o dizer-se que foram os interesses particulares e commerciaes que o obrigaram a fazer a guerra ao Bonga. Este mesmo juizo tambem foi confirmado pelo meu nobre amigo o sr. Tavares de Almeida, que igualmente tem dito que o governador Gouveia era um official honrado e brioso. E até o ultimo governador de Quilimane, o sr. Delfim José de Oliveira, official intelligentissimo e insuspeito, que acaba de chegar á Europa, tambem diz que não foram os maus motivos que obrigaram aquelle governador a fazer a guerra, mas sim os bons; porque queria livrar o sultão de um regulo que lhe era tão nefasto.

A respeito do sr. Queiroz tambem se diz que foram os motivos particulares e os interesses commerciaes que o levaram a fazer a guerra, e que tendo uma força importante abandonara a aringa. Mas, sr. presidente, a calumnia levanta-se na Africa, assim como em qualquer paiz; quando qualquer negocio tem mau resultado, é costume attribuir-se ao general ou áquelle que o dirige.

Tambem estou convencido que não foram os maus motivos que obrigaram o sr. Queiroz a abandonar a aringa, porque se n'ella tivesse entrado resultava-lhe d'ahi muito mais gloria e consideração na provincia que governa e no paiz, do que de quaesquer interesses commerciaes. Por isso parece-me que aqui tambem anda a calumnia, b que foram as boas rasões fortes e imperiosas que obrigaram aquelle governador, que na Europa gosa de bom nome, a retirar-se. E até as participações officiaes dizem que o governador não tinha confiança nos officiaes, que os soldados estavam indisciplinados, que não tinha munições de guerra e que havia • difficuldade de entrar na aringa. O futuro aclarará tudo.

Sr. presidente, a guerra com os cafres é uma guerra com gente indisciplinada, e posso affirmar a v. ex.ª e á camara que com 200 soldados europeus corajosos e bem commandados não só se poderia entrar na aringa, mas mesmo correr todo o sertão sem se lhes oppor resistencia ou impedimento algum.

Temos até um exemplo recente da guerra da Inglaterra com a Abyssinia, em que se vê como elles entraram n'uma fortaleza que tinha muitos recursos e muitos mil homens, que era defendida por outra raça de gente, e ali entraram sem difficuldade e só com o prejuizo de 13 soldados!

Depois de expostos os factos como elles se passaram e constam dos documentos officiaes publicados em Moçambique das contas particulares e de differentes publicações que o governo tem feito a respeito d'este assumpto no Diario de Lisboa, parece que chegava a occasião de dizer o motivo por que me queria dirigir ao illustre interpellado; mas antes d'isso V. ex.ª e a camara hão de permittir-me que faça mais considerações sobre a Zambezia, a fim de mostrar a sua importancia e a necessidade de destruir o Bongo.

A Zambezia, como sabe o illustre ministro da marinha e todos os cavalheiros que estão presentes, é uma das possessões mais importantes que temos na Africa.

Até ao presente só tem havido um homem que conseguisse atravessar duas vezes a Africa de Angola a Moçambique, lutando com immensas difficuldades, e encontrando differentes povos nómadas com diversas religiões e costumes, esse homem foi o dr. Levinhgstone, pois o dr. Levingstone nas suas memorias deixa ver bem que a parte melhor da Africa é a Zambezia; e tanto que elle nos sertões de que me estou occupando perante esta illustrada assembléa, tratou de fazer uma colonia ingleza, tomando posse de um certo terreno, que julgou mais a proposito, pondo-se em communicação com o mar, por via de um vapor que

I lhe mandou o governo inglez e que entrou pela barra do Luabo. Esta expedição foi infeliz porque os marinheiros

I morreram, o rio estava muito secco, em consequencia da estação calmosa, vieram as febres, e esta empreza ficou sem resultados.

Os desejos do dr. Levingstone são os sertões desconhecidos. Entrado pouco tempo depois, no sertão junto a Zamzibar ainda hoje d'elle nada se sabe. Este homem que é um grande explorador, de um grande alcance, de uma grande força de vontade e pertinacia, em todas as suas expedições na Africa, foi nos sertões de Tete que pretendeu formar uma colonia ingleza, porque os achava mais saudáveis, mais productivos e em condições proprias para uma nação da Europa formar ali um grande estabelecimento agricola e commercial.

Tenho ainda outro exemplo, que é o do dr. Petters, professor da academia de Berlim, que foi encarregado pelo seu governo de fazer excursões na Africa. Estive em 1844 com este cavalheiro em Moçambique, fui seu amigo particular, e conversando com' elle, muitas vezes me dizia que se admirava de que o governo portuguez não fizesse convergir a população da provincia para as margens do Zambeze; ao que eu lhe respondia, como queria elle que o governo portuguez fizesse isto, se a Zambezia era o sitio mais doentio da provincia.

Dizia o dr. Petters que o Zambeze estava em identicas circumstancias ao Nilo, pois se este era o celleiro da Europa, aquelle havia de ser o da Africa, e que estando ali ha seis annos, não se cansava de admirar aquella nossa possessão. Que o governo portuguez andaria muito bem obrigando as povoações a convergirem para ali, porque aquellas possessões têem todos os recursos para uma producção espantosissima em consequencia das alluviões que enchem o rio. A producção' do arroz, do feijão, do milho, do café e canna é ali admiravel. Não ha outro sitio na Africa que produza tanto como a Zambezia.

Além d'isso, dizia o dr. Petters, ha ali outros elementos de riqueza, ha as minas de oiro, e attrahindo para lá as povoações ha de acontecer o mesmo que na Australia e na Califórnia, porque explorando-se bem as minas de oiro, haverá um forte incentivo para attrahir a população e em pouco far-se-ia d'aquella possessão um grande estabelecimento colonial.

Peço desculpa a v. ex.ª de me ir alongando sobre este assumpto, mas quero fazer ver a importancia d'esta possessão. Entendo que é necessario guarnece-la bem e limpa-la de todos os regulos e maus vizinhos que entorpecem o commercio, assassinam os soldados e até mesmo os negociantes.

Quando era permittido o negocio dos negros, e se lhe chamava commercio livre, o que hoje não acontece, porque á escravatura os escriptores tanto de áquem como de alem do Oceano Atlantico dão-lhe o nome de trafico, e mesmo é assim chamada nas notas diplomaticas e tratados entre as diversas nações, os navios que se empregavam n'esse commercio não achavam celleiro mais farto do que Quilimane, mas como extraordinario não achavam ali só um celeiro de pretos para conduzirem aos portos da America, mas sim um celleiro de mantimentos para o sustento dos mesmos pretos no trajecto do mar, o que não acontecia nos outros portos da provincia, aonde ás vezes escasseava tudo.

Isto era uma prova de que aquelle é o ponto mais importante que temos na Africa oriental, porque é á mais productivo tanto em homens como em mantimentos.

Ainda ha outra rasão; eu vou contar a camara o que aconteceu commigo, para a camara podér avaliar a importancia daquella provincia.

Em 1853, sendo eu governador de Moçambique, appareceu ali um navio de Zanzibar, levando a seu bordo um filho do imamo de Mascate, para carregar mantimentos, por que na ilha de Zanzibar, por falta de chuvas, não havia recursos, o estavam os seus habitantes morrendo de fome.

Mandei chamar o presidente da camara municipal e o director da alfandega para saber se não haveria inconveniente em deixar fazer aquelle carregamento, se a cidade poderia soffrer alguma cousa com aquella exportação. O director da alfandega e o presidente da camara disseram-me que podia deixar carregar o navio de mantimentos, que nenhum prejuizo podia resultar á cidade por tal motivo, porque havia abastecimento. Em vista d'isto permitti o carregamento, e o navio transportou o que quiz.

Dias depois appareceu novo navio pedindo igual concessão; passados dias, outro e outro; finalmente vinte e tantos navios saíram d'ali carregados de mantimentos. A respeito dos primeiros navios consultei o director da alfandega e o presidente da camara municipal, porque precisava esclarecer-me, depois já deixava carregar os navios sem receio algum que d'ahi resultasse inconveniente para a cidade. E sabe v. ex.ª porque? Porque quantos mais mantimentos eram transportados n'estes navios, mais entravam na cidade vindos do interior, e d'onde vinham mais era da Zambezia, aonde constou do bom preço e da procura que havia em Moçambique pelos arabes de Zanzibar.

Não querendo dar agora mais extensão a esta exposição) limito-me a perguntar a s. ex.ª quaes são os meios que está preparando para acudir ao estado d'aquella provincia isto é, se s. ex.ª tenciona mandar ali navios de guerra, tropa disciplinada e equipada do armamentos modernos, como são as armas de carregar pela culatra, finalmente quaes são os recursos de que s. ex.ª, nas circumstancias graves e extraordinarias em que esta aquella provincia, tenciona lançar mão. Ouvirei as explicações do nobre ministro, e tomarei de novo a palavra se o julgar necessario.

O sr. Ministro da Marinha (Rodrigues do Amaral): — Sr. presidente, o illustre deputado por Moçambique, o sr. Joaquim Pinto de Magalhães, historiou as causas que produziram ía guerra que lavra actualmente no districto de Tete d'aquella provincia ultramarina, e os successos da mesma guerra, ate agora pouco favoraveis para as nossas armas, infelizmente. Mostrou s. ex.ª que se acha bem informado, em geral; ha, todavia, alguns pontos que carecem de rectificação.

E certo que se disso que o fallecido governador de Tete; o capitão Gouveia, fôra levado a emprehender a guerra contra o Bonga por motivos menos nobres e legitimos, já de indisposição pessoal que com este tinha, já de obter o pagamento de sommas que lhe elle devia. Corriam estas imputações na Zambezia, o governador de Quilimane transmittira-as ao ex-governador geral da provincia, Canto e Castro, e este fizera menção dellas nos seus officios para o ministerio da marinha e do ultramar. Parece, porém, por informações posteriores havidas de pessoas insuspeitas, que se interessam muito pelas cousas do Moçambique e estão no caso de ter d'ali as mais exactas noticias, que taes accusações não são fundadas. Eu estimo ter esta occasião de prevenir que se firme um juizo desfavoravel, e porventura injusto, contra um official que gosára sempre dos melhores creditos, e estou certo de que esta camara folgará tambem de que possa apparecer illibada a memoria de um homem que foi atrozmente assassinado (apoiados).

Os motivos averiguados da guerra de Tete são os seguintes. O Bonga, negro poderoso e cruel, ha praticado todos os excessos que o sr* deputado referiu. Tem atacado as propriedades de colonos de prazos da corôa, e as terras de outros potentados indigenas, seus vizinhos, roubando-os, matando gente, ou escravisando-a. Crendo em feiticeirias, como o geral dos pretos de Africa, manda sacrificar os desgraçados que reputa convictos d'esses imaginarios malefícios. Por tudo isto fôra processado e pronunciado em Tete; Concebe-se bem que elle não obedeceria a um mandado judicial de comparecimento perante a justiça que lhe fosse apresentado por qualquer official de diligencias. Resolveu portanto o governador de Tete ir prende-lo, levando a necessaria força militar. Compunha-se esta força de umas 60 praças regulares com 5 officiaes, e de 700 a 800 escravos dos moradores, armados de espingardas ou de arcos e flechas. Pelo resultado infeliz que a expedição teve deve-se julgar que tal força não era a bastante, ou que ella foi mal dirigida. As correspondencias recebidas não dão nenhuma luz a este respeito. O desastre teve logar no dia 6 de julho do anno. passado, e a communicação official d'elle chegou aqui em 20 de novembro, portanto antes da minha entrada para o ministerio.

O ex-governador geral, Canto e Castro, tomou logo algumas medidas para acudir a Tete, e o seu successor, Correia de Lacerda, que em breve chegou, completou-as com energia e acerto. Reuniu em Quilimane toda a força européa das guarnições da capital e das ilhas de Cabo Delgado, fazendo um total disponivel de 400 praças. Os moradores da Zambezia forneceram uns 2:000 escravos armados, e de Tete dizem tambem alguma gente de guerra, regular e irregular. Toda esta força foi posta sob o commando do tenente coronel Queiroz, do exercito de Portugal. Investida a povoação do rebelde Bonga, no dia 31 de dezembro, começou logo o fogo de artilheria com o fim de fazer brecha no recinto que a defende. Esse recinto é formado de sebe viva e estacada, de grande espessura e de um muro interior de pedra e barro. A artilheria, de pe-