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queno calibre (3), não podia destruir um tal obstaculo. Tentou-se incendiar a povoação com balas ardentes e foguetes de guerra, o que tambem se não conseguiu. Julgando-se inefficazes todos os esforços, e achando-se prostrado de doença o commandante Queiroz, resolveu-se a retirada e effectuou-se em boa ordem, no dia 2 de janeiro, sem perda de gente nem de material. Tencionava o commandante ficar no Gongue, logo abaixo da povoação do rebelde, mas parece que os soldados se amotinaram, pedindo que a retirada continuasse para Quilimane a pretexto de falta de mantimento e outros arranjos indispensaveis. Alguns officiaes são accusados de terem promovido aquelle gravissimo acto de insubordinação. Ordenei já que se procedesse a uma severa investigação dos factos, para que seja rigorosamente punido quem o merecer.
Aqui esta como as cousas se passaram. Foi deploravel, sem duvida, que se baldassem as despezas feitas com a expedição; mas o successo não é para surprehender, nem para desanimar. Eu governei a provincia de Angola durante quasi seis annos, e tive ali de sustentar continuas guerras. Fui bem succedido na maior parte dellas, mas não deixei de experimentar tambem revezes. Os ataques feitos a S. Salvador do Congo foram repellidos por duas vezes. Entrou-se lá a terceira vez, já no governo do meu successor. Houve um desastre no Loge, em que se perderam bastantes vidas. Senti-o profundamente, mas não entendi de modo nenhum que de ahi viesse grave compromettimento para as emprezas em que estavamos empenhados. Não aconteceu o mesmo no reino; julgou-se tudo perdido, e votaram-se 200:000$000 réis para enviar uma poderosa expedição de tropa e material de guerra. Nas minhas mais largas aspirações, contentava-me eu com 25:000$000 ou 30:000$000 réis, e 200 ou 300 bons soldados. (Vozes: — Ouçam, ouçam.) Todos sabem como foi cruelmente dizimada essa força, apesar de ter havido o cuidado de a não empregar logo em operações de campanha no interior d'aquelle inhospito paiz.
Fiz esta digressão, porque pretendo tirar d'ella lição proveitosa para o caso actual. Mandemos, sim, meios, ao governador geral de Moçambique para que possa manter sempre a provincia em segurança; mas não pensemos em poderosas expedições de guerra, que alem de onerossissimas, não são necessarias para submetter o Bonga. Taes meios tem o governo já enviado por diversas vezes, e não se descuidará de proseguir no mesmo sentido. Aqui tenho uma nota do que esta para ir em outro navio proximo a seguir viagem:
«Em 1866, pela barca Novo Paquete, foram 50 peças de artilheria de calibre 24.
«Em 1867, pelo mesmo navio, 60 espingardas do systema Enfield, com espadas-bayonetas, e igual numero de correames completos, 10:000 cartuxos embalados e 12:000 capsulas fulminantes.
«Em 1868, pelo brigue Nossa Senhora da Conceição, 112 carabinas do dito systema, com espadas-bayonetas e os respectivos correames, 2 baleiras, 6:000 cartuxos, 8:000 capsulas, 1:500 kilogrammas de polvora e 300 lanternetas dos calibres 1, 2 e 3. Foram n'este navio 5 officiaes, 95 praças de pret e 12 degredados.
«Deve ir na galera Viajante, proximo a seguir viagem, o seguinte: um contingente de tropa, para o qual ha já 4 officiaes, 104 voluntarios e 16 praças do deposito disciplinario: 2 peças de campanha estriadas, calibre 0m,08, com todos os seus pertences, e 450 cartuxos e outras tantas balas; 100 foguetes de guerra, com a respectiva calha, 400 espingardas de percursão, com os correames competentes, 36:000 cartuxos embalados e 36:000 capsulas.»
Direi agora o que fez o governador geral, Lacerda, assim que lhe constou a retirada da força do commando do tenente coronel Queiroz. Destituiu este official, nomeando o tenente coronel Portugal para o substituir. Reforçou a expedição com umas 200 praças, em parte da guarda municipal, e no resto de um novo batalhão de indigenas que havia creado, com a diminuição de zuavos reaes. Elle proprio se propunha ir a Quilimane activar a partida da força e vigiou que ella fosse bem provida de todo o necessario. Tenho fé em que os seus zelosos e intelligentes esforços hão de ser coroados pelo successo, d'esta vez.
Já vê, portanto, o nobre deputado, que o governo, reconhecendo como s. ex.ª, a grande importancia das possessões da Zambezia, se não descuida de lhes acudir com os auxilios precisos, se não para a crise actual, para conservar ali a ordem e a segurança, logo que restabelecidas sejam, como firmemente espero que o serão.
De accordo com o meu collega, o sr. ministro da guerra, tenho feito a diligencia para que vá agora um contingente de 200 praças. Offereceu-se uma gratificação de 10$000 réis a cada uma, mas ainda assim só tem vindo pouco mais de 100. Eu fio em que teremos ao menos 150 d'aqui até á saída do navio. O subsidio da provincia, de 42:000$000 réis, esta consumido, e já o governador geral tem sacado por sommas importantes, que hão de ser pagas, porque isso é indispensavel. D'aqui verá a camara a necessidade que o governo ha de ter de vir pedir-lhe os meios para fazer face a estas despezas extraordinarias. A falta de meios é a causa principal do atrazo em que estão as nossas colonias, a todos os respeitos. Para augmentar os rendimentos publicos em Moçambique, já o novo governador geral tomou duas importantes medidas. Uma foi o estabelecimento do direito addicional de 3 por cento ad valorem na importação, e 1 por cento na exportação, excepto no café e no algodão. Outra, mandou pôr em vigor o decreto de 22 de dezembro de 1854, que creou o imposto de 1$600 réis por fogo, e que nunca chegou a ter execução, não sei bem por que motivo.
Creio ter respondido aos varios pontos que o nobre deputado tocou na sua interpellação. Se de algum me esqueci, e se s. ex.ª quizer ter a bondade de m'o indicar, estou prompto 9 supprir essa omissão. Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Pinto de Magalhães: —Agradeço ao nobre ministro as explicações que acaba de dar, e por ellas vê a camara a fidelidade com que eu enunciei os factos..
O nobre ministro disse que tinha dado todas as providencias e ordens necessarias a respeito dos officiaes que se tinham portado mal e tinham forçado o governador Queiroz, que se achava doente, a retirar-se para Quilimane; acho isso muito acertado, e estimarei que, pelas informações a que s. ex.ª mandou proceder, se reconheça quaes foram os cobardes que obrigaram um enfermo a retirar-se do posto de honra...
O sr. Ministro da Marinha: — Foi elle o primeiro mandado metter em conselho de guerra.
O Orador; — Lamento tambem que o governador Queiroz, em logar de se retirar para Tete, porque ficava mais proximo dos acontecimentos que se estavam passando, fosse para um ponto mais longiquo, quando se podia estabelecer dentro da fortaleza, e estar ali em posição muito favoravel para conter os sertões. Procedendo de modo differente, deixou interceptar as communicações entre Quilimane e Tete, causando isso grandes prejuizos e transtornos ao commercio.
O sr. Ministro da Marinha: — V. ex.ª permitte uma observação? Elle não veiu para Quilimane senão forçado. Como sabe, Tete fica superior. A 7 leguas para baixo fica Massangano; depois ha uma aringa de um potentado Belchior, que é muito nosso amigo. Veiu para ahi, e diz, na sua participação, que tenciona ficar ahi e pôr-se em acção de desembaraçar a navegação para cima, e mesmo de fazer uma volta offensiva na aringa do Bonga.
O Orador: — Pois eu lamento esse acontecimento. Seria mais vantajoso para o commercio e mesmo para os resultados da guerra, ter o governador retirado para Tete; mas circumstancias imperiosas e de molestia o obrigaram a vir para baixo. Foi, como diz s. ex.ª, forçado, assim o acredito, porque o governador Queiroz me deve muito conceito.
Agora depois do que acabei de ouvir ao nobre ministro, vou dirigir-me á camara. Até aqui a interpellação era entre mim e v. ex.ª (dirigindo-se ao sr. ministro da marinha); e a camara estava servindo como de testemunha; agora vou inverter os papeis e vou interpellar a camara... (Uma voz: — Não é permittido.) Os usos parlamentares não o impugnam; V. ex.ª (dirigindo-se ao sr. deputado que o interrompeu) poderá tomar parte na discussão e indicar as rasões por que não é permittido, porque eu responderei. Inverto os papeis. Agora é V. ex.ª testemunha (dirigindo-se ao sr. ministro da marinha); e dirijo-me á camara. A camara ouviu dizer ao sr. ministro que tem recorrido ao exercito e que não encontra soldados para irem para Moçambique, e que já offereceu 10$000 réis de gratificação a cada um. E admira-se agora ò sr. Carlos Bento que eu inverta os papeis? Não vê s. ex.ª que quando desde o Guadiana até rio Minho se esta clamando por economias, se apresenta um facto muito significativo de que o sr. ministro da marinha não póde mandar soldados para as nossas possessões sem dar um premio? Aonde esta a economia? O sr. ministro vê-se forçado pelo imperio das circumstancias a fazer estas despezas. Façam-se, approvo-as, porque sem ellas não teremos colonias; a autonomia das nossas colonias consiste em gastar mais dinheiro para produzirem mais (apoiados).
O sr. José de Moraes: — Mas bem gasto (apoiados).
O Orador: — E este é mal gasto? (Apoiaãos.) S. ex.ª arranja soldados de graça? S. ex.ª não vê assassinar barbaramente portuguezes? Antigamente quando nós eramos menos poderosos, quando o reino tinha 2.500:000 de população, nos seculos XV e XVI, quando possuíamos possessões, como nenhuma nação possuia, e que alem das que tinhamos havia o Brazil, aonde creámos um grande imperio, que honra Portugal, davamos guarnições para todos os portos, e hoje não temos 200 soldados sem dar a cada um réis 10$000 de premio!!!
O sr. A. J. de Seixas: — Isso é derivado da organisação do nosso exercito.
O Orador: — Temos um exercito que gasta 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis, e ao mesmo tempo o sr. ministro da marinha vem dizer á camara que para mandar soldados para o ultramar é preciso dar a cada um 10$000 réis de gratificação! E ainda assim não appareceram senão 110, quando s. ex.ª deseja mandar 200. Quando o paiz esta a dizer que quer grandes economias, o sr. ministro da marinha hesita. Quer faze-las; mas declara á camara que não póde fazer reducções, que não póde governar as colonias sem que lhe dê dinheiro, como se vê n'esta interpellação. Veja a camara a triste situação que nos espera. Veja a camara a missão de que esta encarregada. A camara precisa habilitar o governo com meios e muitos, se quer que o paiz conserve a sua autonomia, se quer que as colonias prosperem, se quizer que sejamos sempre honrados, pagando todos os serviços bons, e pagando as nossas dividas; assim é que eu entendo as economias, tudo o mais são banalidades.
O sr. Ministro da Marinha: — Duas palavras. O facto da falta de soldados para o ultramar, e ser preciso dar um premio para os obter não é novo. Isto sempre aconteceu assim. Não é falta de espirito publico, não é falta de patriotismo (apoiados); é porque infelizmente entre nós não esta estabelecido o systema de se mandar tropa para o ultramar por corpos do exercito do continente. Se se fizesse, estou certo que não haveria duvida alguma; mas quando se vae fazer uma simples pergunta ao soldado se quer ir para Africa, para soffrer toda a casta de privações, não admira que diga «eu não tenho vontade de ir». Este é o facto. Se as circumstancias levassem a considerar o negocio como salvação da patria, o governo sabia o que havia de fazer; e pela minha parte havia de dirigir-me ao sr. ministro da guerra para elle mandar dois corpos, e elles haviam de marchar immediatamente (apoiados). O caso não é este. O facto que se esta passando hoje de dar 10$0001 réis ao soldado para ir para o ultramar já se verificou; e deu-se muito mais. Por consequencia o que quiz foi responder ao illustre deputado, ás intenções do qual faço a mais completa justiça, por ver que se estava servindo do simples facto que expoz.
Eu estou arranjando a expedição; mandei offerecer uma avultada gratificação, mas não tem apparecido muitas praças. Não estou porém muito assustado com isso; se não arranjar 200 homens, mando 110 ou 120. Carregarei com a responsabilidade respectiva (e posso com ella); mas, mandando essa força fico perfeitamente descansado e sem cuidado algum a respeito da Zambezia.
O Orador: — Ha pouco tempo viu a Europa inteira que no golpho do Mexico eram aprisionados para os Estados Unidos do norte, dois agentes do sul que navegavam n'um vapor inglez. Todos sabem que a Inglaterra obrigou o governo dos Estados Unidos a restituir os prisioneiros; mas o que todos sabem tambem é que todos os filhos da nação ingleza estavam promptos a irem ao Canadá defender a honra do seu paiz; no caso que fosse invadido não havia ninguem na Inglaterra que se recusasse a qualquer sacrificio (susurro).
Eu não estou a fazer comparações; estou lamentando o nosso estado, e o sr. Carlos Bento magoa-se com estas comparações.
Quando em Inglaterra esteve ha poucos annos quasi rebentando a guerra com a França, organisaram-se immediatamente batalhões de voluntarios na enorme cifra de 80:000 homens, que ainda hoje estão promptos á primeira voz, e nós não temos 200 homens para mandar a Moçambique!!
Quando se quiz mandar a outra expedição a Angola, foi preciso offerecer pensões ás viuvas e filhas dos soldados que lá morressem.
O sr. Camara Leme: — Mas essas pensões não se deram... (Susurro.) Peço á palavra.
O Orador: — Eu lamento que a discussão tenha tomado este caminho, mas como deputado do ultramar, desejo que ellas floresçam. Estou convencido de que perdendo nós as colonias, perdemos a nossa autonomia, a nossa liberdade e a nossa importancia (apoiados).
Sabe v. ex.ª o que diz Victor Hugo, quando trata da liberdade da França? Diz: «A maior cousa que póde ter um povo é a sua liberdade; ninguem conhece a falta da liberdade senão quem a possuiu e a perdeu. A liberdade é como a saude; aquelle que a gosa, só depois d'ella perdida e que vem as molestias, é que conhece o seu valor e o que perdeu».
I Digo o mesmo a respeito das colonias. Só havemos de conhecer o que ellas valem se por desgraça nossa ás perdermos. A camara sabe qual foi o effeito que produziram em Lisboa os boatos que correram a respeito da tomada de Macau. Pois se se dissesse hoje: «Perdeu-se Angola», Lisboa perdia metade da sua importancia commercial, e o paiz a sua melhor prenda (apoiados). Vozes: — Muito bem.
Não digo mais nada, termino a minha interpellação.
O sr. Ministro da Marinha: — V. ex.ª concede-me a palavra para dar á camara uma noticia muito agradavel?
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Ministro da Marinha: — Tive noticias de Macau com data de 22 de março; não são officiaes, mas constam de uma carta escripta por um official da corveta de guerra portugueza, que continuava a estar em Hong-Kong para concertos. Aquelle official dá apenas noticias da sua saude, e nada diz a respeito da questão de Macau. E claro pois que nada tenha havido de novo. Esta carta veiu pela mala franceza, e tem a vantagem de alcançar a 22 de março, quando as outras noticias tinham a data de 9. Nada mais.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: — Differentes srs. deputados pediram a palavra, e então vou consultar a camara sobre' se quer que lhes dê a palavra.
O sr. Carlos Bento: —Pedi a palavra para um requerimento.
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Carlos Bento: — Como fui interpellado, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que eu faça algumas reflexões em referencia ao que disse o sr. Pinto de Magalhães.
O sr. Presidente: — Eu ia consultar a camara a esse respeito. Como ía dizendo, alguns srs. deputados pediram a palavra para fallar n'esta interpellação, e como lh'a não posso dar sem consultar a camara, consulto-a sobre se quer que se dê a palavra aos senhores que a pediram.
Foi approvado.
O sr. Ministro da Guerra (J. M. de Magalhães): — Levanto-me para dizer sómente duas palavras em resposta ao illustre deputado que acaba de fallar, e para fazer uma rectificação.
E muito conveniente que a camara e o paiz saibam que o exercito não gasta 4.000:000$000 réis, como se disse; gasta muito menos. Mas o exercito propriamente dito é quem dá mais á patria e recebe menos. O exercito e todos os estabelecimentos dependentes do ministerio da guerra gastam tres mil e tantos contos, mas o exercito é quem faz os maiores sacrificios e menos recebe. E preciso que isto se saiba, porque, quando se diz que o exercito gasta réis 4.000:000$000, e que não temos exercito, diz-se uma cousa inexacta. A secretaria da guerra, com todos os seus annexos, não chega a gastar 3.500:000$000 réis. - Agora farei uma outra declaração. Fallar do orçamento