Página 917
917
CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sessão de 6 de maio de 1863
PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
Secretarios os srs.
José Tiberio de Roboredo Sampaio.
José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.
Chamada—78 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: Fevereiro, Alvaro Seabra, Annibal, Alves Carneiro, Costa Simões, Ferreira de Mello, Villaça, Bernardino Menezes, Falcão de Mendonça, Gomes Brandão, Silva e Cunha, Ferreira Pontes. Antas Guerreiro, A. J. da Rocha, Seabra Junior, Falcão e Povoas, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Torres e Silva, Augusto de Faria, Montenegro, Barão da Trovisqueira, Cunha Vianna, B. F. Abranches, Carlos Bento, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Freire, Pereira Brandão, Silva Mendes, Coelho do Amaral, F. Luiz; Gomes, Bessa, Moraes Pinto, Rolla, G. de Barros, Innocencio José de Sousa, Freitas e Oliveira, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Gaivão, Cortez, J. M. da Cunha, J. Maria de Magalhães, Aragão Mascarenhas, Pinto de Vasconcellos, Fradesso, Ribeiro da Silva, J. Pinto de Magalhães, Coelho de Magalhães, Klerk, Mardel, Correia de Oliveira, Pinho, Sousa Monteiro, Freire Falcão, Teixeira Marques, Pereira de Carvalho, Lemos e Napoles, J. M. da Costa e Silva, Achioli de Barros, Ferraz de Albergaria, J. M. de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Rosa, José de Moraes, Batalhoz, J. R. Coelho do Amaral, José Tiberio, Ferreira Junior, Leite de Vasconcellos, Aralla e Costa, Gonçalves de Freitas, Mello Gouveia, Galrão, e Ornellas.
Entraram durante a sessão — os srs.: Braamcamp, Rocha París, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Barros e Sá, Seixas, Teixeira, Arrobas, Pequito, Faria Barbosa, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Garcez, Testa, E. Cabral, E. Tavares, F. da Gama, Fernando de Mello, F. F. de Mello, Dias Lima, Silveira Vianna, Van-Zeller, Blanc, Silveira da Motta, Baima de Bastos, Almeida Araujo, Vianna, Mártens Ferrão, Faria Guimarães, J. T. Lobo d'Avila, Xavier Pinto, Galvão, Sette, Dias Ferreira, Frazão, J. M. Lobo d'Avila, Toste, Sá Carneiro, Pinto Basto, Levy, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Lavado de Brito, Mathias de Carvalho, Franco, Oliveira Lobo, Deslandes, e Visconde dos Olivaes.
Não compareceram — os srs.: Antonio de Azevedo, Azevedo Lima, Lopes Branco, Gaspar Pereira, Noronha e Menezes, Meirelles Guerra, Judice, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Gusmão, Costa Lemos, Silveira e Sousa, Motta Veiga, Julio Guerra, Limpo de Lacerda, R. V. Rodrigues, e Sebastião de Canto.
Abertura — Á meia hora depois do meio "dia.'
Acta—approvada.
EXPEDIENTE A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA Officios
1.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 180 exemplares das contas da gerencia d'aquelle ministerio relativas ao anno economico de 1866-1867, e ao exercicio de 1865-1866.
Mandaram-se distribuir.
2.° Do sr. deputado Lopes Branco, participando que não póde comparecer a algumas das sessões da camara." ' A secretaria.
Participação
O sr.' deputado Antonio de Azevedo encarrega-me de participar a V.' ex.ª e á camara, de que, por incommodo de saude, não póde comparecer á sessão de hoje. = Ferraz de Albergaria.
Inteirada.
Requerimentos 1.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja enviada a esta camara uma relação nominal de todas as gratificações mensaes, ou outros abonos, que foram mandados cessar, desde 4 de janeiro ultimo, aos empregados do mesmo ministerio por accumulação indevida ou por não terem auctorisação na lei de despezas. = José Baptista Cardoso Klerk.
2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, se remettam, com urgencia, a esta camara os seguintes esclarecimentos:
1 Quando deu entrada no conselho d'estado um recurso da camara municipal de Estarreja de uma deliberação da junta geral de districto do anno de 1865;
II Quem é o ouvidor, a quem tocou o referido recurso;
III Em que data lhe foi com vista, e os termos em que se acha. = João Carlos de Assis Pereira de Mello.
3.° Requeiro que sejam remettidos a esta camara, pelo
Página 918
918
ministerio das obras publicas, os pareceres dos engenheiros, Matos e Mousinho de Albuquerque, sobre o merito dos dois traçados entre Murça e Mirandella pelo norte e pelo Sul das serras do Garraia e Santa Comba, sobre os quaes foram mandados ouvir estes engenheiros. = Montenegro.
4.° Requeiro que se remetta a esta camara a copia da portaria, I que posteriormente á apresentação do projecto de lei, que apresentei -em uma das passadas legislaturas para a construcção de um porto artificial ao norte da foz do Douro, no sitio que denominam de Leixões, se expediu para se fazerem os estudos d'esta obra. =Lopes Branco,
.'5.° Requeiro que pelo ministerio das obras publicas se remetta a esta camara, com toda a brevidade, um mappa das estradas districtaes que se achem classificadas, em virtude das disposições da carta de lei de 15 de julho de 1862, e a de quaesquer instrucções e regulamentos que se tenham expedido para a execução da mesma lei n'esta parte.
Se não podér satisfazer-se a este requerimento, n'esse caso requeiro que se informe esta camara das causas que têem motivado a falta de execução da lei. = Lopes Branco.
Foram remettidos ao governo.
Interpellação
Pretendo interpellar a s. ex.ª, o sr. ministro da guerra, ácerca do decreto de 12 de março do corrente anno, publicado na ordem do exercito n.° 23, de 30 de abril, sobre promoções ao posto de major. = Antonio José Pereira de Antas' Guerreiro = Camara Leme = José Bandeira Coelho de Mello.
Mandou-se fazer a communicação.
SEGUNDAS LEITURAS
1.° Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 69, da sessão de 1864, e do qual fôra renovada a iniciativa na sessão de 1867, com o n.° 10 - L. = Bento José da Cunha Vianna. <, 2.° Renovo a iniciativa do projecto de lei, que na sessão de.. ¦ apresentei n'esta camara, para a construcção de um porto artificial ao norte da foz do Douro, no sitio que denominam de Leixões, o qual reproduzo no impresso que vae junto. =Lopes Branco.
3.° Renovo a iniciativa dos pareceres da commissão de guerra n.° 35 e 114 da sessão de 1866, sobre as pretensões de José Reimão de Mello Palhares, e de Antonio Augusto de Almeida e Castro. = Bento José da Cunha Vianna.
4.° Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 14 - D, de 1865. = O deputado pelo circulo n.° 127, Manuel José Julio Guerra.
5.° Em additamento ao artigo 2.° do meu projecto de lei, apresentado n'esta casa em 28 de abril ultimo, tenho a honra de mandar para a mesa o seguinte:
§ 2.° Nenhum funccionario poderá accumular, com o seu emprego, mais de uma commissão remunerada, e só no caso de poder esta ser desempenhada sem o minimo prejuizo do seu serviço no dito emprego. =Fradesso da Silveira.
, Foram remettidos á commissão respectiva.
Foram introduzidos na sala, prestaram juramento e tomaram assento os srs. Justino Ferreira Pinto Basto e Innocencio José de Sousa.
O sr. Mardel: — Mando para a mesa o parecer da primeira commissão de verificação de poderes sobre o diploma do sr. deputado eleito, Thomás Antonio de Oliveira Lobo, e peço a dispensa do regimento para entrar já em discussão. ¦ -
Dispensado o regimento foi approvado o parecer, e proclamado deputado o sr. Thomás Antonio de Oliveira Lobo, que em seguida foi introduzido na sala e prestou juramento.. O sr. José de Moraes: — Mando para a mesa a seguinte proposta, de que peço a urgencia:
«Proponho que a mesa nomeie os dois membros que faltam para a commissão de fazenda, e bem assim nomeie um membro para as commissões para que foi eleito o sr. deputado Manuel José Julio Guerra, por não ter ainda prestado juramento quando foi eleito. = José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pelo 1.° circulo da Figueira.»
Votada a urgencia foi approvada sem discussão.
O sr. Lourenço de Carvalho: — Foi votada uma proposta. que não ouvi ler.
Vozes: — Esta votada.
O sr. Presidente: — Como ha duvida, vae ler-se novamente.
Leu-se novamente a proposta do sr. José de Moraes, e entrou em discussão.
O sr. Santos e Silva: —Creio que a moção do sr. José, de Moraes é para que a mesa nomeie dois membros que faltam para que se complete a commissão de fazenda.
O sr. José de Moraes: — -E para mais alguma cousa, é para que a mesa nomeie dois membros que faltam para ficar completa a commissão de fazenda e um na de guerra e obras publicas para substituir o sr. Manuel José Julio Guerra, que não podia ser eleito pela camara, porque ainda não. havia prestado juramento.
O Orador: — -Concordo em que a mesa nomeie aquellas commissões que segundo o estylo da casa esta no uso de nomear, mas quanto á commissão de fazenda, que é importantissima, e cuja eleição a camara nunca cedeu á mesa, parece-me não poder ser adoptado o alvitre, pois julgo que não ha inconveniente algum em que nós elejamos os dois nomes que faltam. Nós já temos feito eleições complementares para outras commissões que, sendo aliás importantes, não o são de certo mais, nem tanto como a de fazenda, por isso não sei a rasão por que a respeito d'esta havemos de prescindir do nosso direito.
Emquanto á segunda parte que é eleger um deputado, para as commissões de guerra e obras publicas, nada direi, e a camara resolverá como entender; não emittindo agora opinião, e limitando-me a votar como entender em occasião opportuna.
O sr. José de Moraes: — Sei quanto é importante a com, missão de fazenda, mas importantes são todas as commissões. Eu fiz essa proposta e a camara approvou-a; portanto não tenho culpa de que os srs. deputados quando estão na sala não ouçam, ou não dêem attenção ao que se passa na camara.
A camara votou a minha proposta, e póde reconsiderar se quizer; mas o meu fim foi poupar-lhe tempo e foi contribuir para que o mais depressa possivel se constituissem as commissões, para que o governo possa trazer á camara as propostas que a opinião publica espera com verdadeira anciedade.
Vejo que estamos a eleger commissões todos os dias, e ainda as não temos todas eleitas. Esta é importante, não ha duvida; mas importantes são tambem todas as outras que se deixam á nomeação da mesa.
I Quanto á segunda parte da minha proposta, o illustre deputado disse que a havia de votar como entendesse, e esta no seu direito; mas o que s. ex.ª deve saber é que eu não fiz senão pedir o cumprimento restricto do regimento, que diz que =aquelle deputado que não tiver prestado juramento não possa ser eleito para commissão alguma =. Foi isto mesmo que observei quando v. ex.ª disse que não tinha ficado eleito como membro da commissão de fazenda o sr. Justino Ferreira Pinto Bastos, porque não tinha ainda prestado juramento.
Façam o que quizerem, mas é necessario que a camara seja coherente, e que aquillo que se vota uma vez não se revogue a mero arbitrio de qualquer sr. deputado. Eu cumpri o meu dever.
O sr. Lourenço de Carvalho: — Vou estabelecer um facto, e é que no que acaba de passar-se não póde haver reconsideração alguma por parte da camara.
Diz o sr.. José de Moraes que a camara approvou a proposta que a mesa poz á votação.
Direi a V."ex.a que talvez um decimo dos deputados presentes não tivesse conhecimento do que se votou.
V. ex.ª sabe muito bem que muitas vezes se põem á votação medidas de mero expediente, que se julgam approvadas pelo facto de se levantarem seis, oito, dez ou doze srs. deputados; mas quando a votação cáe sobre um objecto que a camara julga importante, parece-me que não póde haver reconsideração em exigir que a votação se faça de maneira que indique que a camara tem perfeito conhecimento do que vota (apoiados).
Entendo que isto, longe de ser uma reconsideração, é uma cousa de inteira justiça, de absoluto rigor, e de dignidade da camara (apoiados).
Declaro á camara que não pretendo discutir preeminencias de commissões, e sómente direi, quanto á commissão de fazenda, que a attitude da sala no momento em que era eleita, é sufficiente para dar a entender a toda a gente que a sua importancia esta muito acima de todas as outras (apoiados).
Basta lembrar que á commissão de fazenda são enviadas todas propostas que têem uma face ou perspectiva financeira, e não ha uma só que em geral as não tenha.
Não prescindo do direito de eleger os membros que faltam para completar a commissão de fazenda, e não comprehendo como é que se quer completar essa commissão com dois membros nomeados pela mesa, havendo outros eleitos pela camara, ficando composta' de duas naturezas differentes (apoiados).
Sou um pouco orthodoxo na minha maneira de pensar, e não prescindo, como já disse, do direito de eleger os membros que faltam na commissão de fazenda. A camara procederá como entender, porque eu de certo sujeitar-me-hei com respeito á sua resolução.
O sr. Falcão da Fonseca: — Em vista da discussão que acaba de ter logar, requeiro a v. ex.ª que ponha á votação a proposta que esta sobre a mesa.
O sr. Presidente: — Vou dividir a proposta em duas partes.
Posta á votação foi rejeitada, quanto á primeira e segunda parte.
O sr. Cortez: — Ha algum tempo mandei para a mesa uma proposta para que se rivalidasse o additamento ao artigo 25.° do regimento, com leves alterações.
Esta proposta, se me não engano, foi admittida como urgente, e depois d'isso não sei o que foi feita d'ella.
Parece-me que não havia senão dois caminhos a seguir. Ou nomear-se uma commissão especial ad hoc, para dar o seu parecer sobre ella e depois ser aqui discutida, ou te-la admittido como urgente, o que me parece que foi, e a camara pronunciar-se o mais depressa que podesse.
V. ex.ª sabe perfeitamente que nada d'isto tem acontecido, e já tem medeado pouco mais ou menos oito dias depois que apresentei e não sei o que foi feito d'ella. Desapareceu.
Sr. presidente, fallemos francamente, a materia da minha proposta póde ser afastada da discussão, mas isso só deve acontecer, se demonstrar que ella ou não interessa á dignidade d'esta camara ou não diz respeito á sua moralidade, ou não interessa em geral ao paiz.
Se v. ex.ª ou algum dos meus collegas me podesse demonstrar que o meu requerimento era isso, seria eu o primeiro a pedir á camara que me deixasse retirar o requerimento, pois não queria gastar-lhe o tempo com futilidades.
Sr. presidente, o meu requerimento interessa a dignidade d'esta camara, porque é uma prova viva de que ella não cumpre, porque não sabe ou não quer, um artigo clarissimo do seu regimento. Mais é um testemunho evidente de que nós não temos a coragem sufficiente para dizermos ao paiz que queremos modificar as condições do quasi contrato que fizemos com elle quando para aqui viemos, prestando
lhe nós os nossos serviços, e dando-nos elle uns certos direitos e um certo subsidio.
Vozes: — Ora, ora.... O Orador: — Parece-me que alguem me chamou á ordem. Ordem, sr. presidente! Querem ordem! Mas o que sei é que. acima da ordem que se deve observar n'esta casa, e que pedem, devemos obedecer primeiro á ordem da nossa dignidade,.que exige que cumpramos pontualmente as obrigações que tomámos quando entrámos aqui.
O sr. Presidente: — Peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que a sua proposta vae ser dada para ordem do dia de ámanhã.
O sr. Cortez: — Estou completamente satisfeito com a declaração feita por v. ex.ª
O sr. Coelho do Amaral: — Fui prevenido pelo illustre deputado que me precedeu. S. ex.ª pediu exactamente o que eu tencionava pedir a v. ex.ª, e era que tivesse a bondade de me informar qual o seguimento que teve a proposta do sr. Cortez, que eu esperava que tivesse continuado na téla da discussão, pois a camara a tinha declarado urgente; mas depois da declaração que v. ex.ª acaba de fazer ficam prejudicadas todas e quaesquer considerações que eu podesse adduzir sobre a urgencia da discussão d'aquella proposta, visto que v. ex.ª acaba de declarar que ella entrará em discussão na sessão seguinte.
Abundo completamente nas considerações com que o meu nobre amigo o sr. Cortez acompanhou o uso que fez da palavra. Exige-o a dignidade, exige-o a moralidade e exige-o o nosso dever para com o paiz, que tem sobre nós postos os olhos, e que espera que d'esta casa parta o exemplo que deve servir de norma a todos os servidores do estado.
O sr. Antas Guerreiro: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo varios esclarecimentos pelo ministerio "da guerra.
O sr. Faria Rego: —Pedi a palavra para declarar a v. ex.ª e á camara, que faltei a algumas das sessões passadas por incommodo de saude, e aproveito a occasião para mandar para a mesa uma proposta, renovando a iniciativa do projecto n.° 125, apresentado na sessão de 1864, sobre a creação dos thesoureiros dos cofres geraes dos districtos, cuja iniciativa já por mim foi renovada na sessão de 1866.
O sr. Innocencio José de Sousa: —Pedindo a palavra, commetteria uma inconveniencia se incommodasse a camara com os meus desgostos particulares, e que deram origem ás faltas que fiz a algumas sessões; porém é do meu dever agradecer a v. ex.ª e á camara a parte que se dignaram tomar no meu desgosto.
Tambem por esta occasião peço licença para rogar a s. ex.ª o sr. secretario José Tiburcio se digne desculpar o não ter sido recebido no meu quartel como merece pessoalmente, e como commissionado d'esta camara, por isso que, por conselho dos medicos, fui obrigado a deixar aquella habitação, e é possivel que as pessoas que ali ficaram, não conhecendo s. ex.ª, não lhe prestassem as devidas attenções.
O sr. Costa e Almeida: — Pedi a palavra para participar a v. ex.ª e á camara, que o sr. Henrique Cabral não tem comparecido ás sessões da camara por motivo justificado.
O sr. Presidente: — Como esta presente o sr. ministro da marinha, tem a palavra o sr. Joaquim Pinto de Magalhães para verificar a sua interpellação.
O sr. Pinto de Magalhães (Joaquim): — Hontem o sr. Pereira Dias subiu a esta tribuna para defender a sua eleição. Como elle se suppunha aggravado pela commissão de verificação de poderes, no parecer que apresentou a esta assembléa, e quizesse apresentar os seus direitos á camara, julgou a proposito, para ser mais bem entendido por esta camara, a fim d'esta lhe fazer justiça, subir a este logar. Hoje, seguindo o exemplo d'aquelle deputado eleito, e tendo de fallar sobre um objecto muito importante, tomei a a resolução de subir á tribuna para ser melhor ouvido e entendido pelo sr. ministro da marinha, a quem vou dirigir a minha interpellação, assim como tambem por todos os membros d'esta assembléa.
A minha interpellação diz respeito á guerra da Zambezia, guerra muito importante, muito grave, e em que estão compromettidos muitos interesses portuguezes.
Em julho do anno passado saíu de Tete, que é o ponto mais no interior que nós temos na Africa oriental, e que fica a 120 leguas do mar, no districto de Quilimane; saíu, digo, o governador de Tete, Miguel de Gouveia, acompanhado de trinta e tantos soldados europeus, tres officiaes, e muitos indigenas armados, para fazer a guerra a Antonio Vicente da Cruz, chamado em linguagem cafre Bonga, que quer dizer gato do mato. N'esta infeliz guerra foi aprisionado o governador e os officiaes que o acompanharam; foram barbaramente assassinados, mutilados, emfim, soffreram cruelissimos tormentos feitos por ordem do Bonga.
Quando chegou a noticia d'isto a Moçambique, o governador geral, o sr. Canto, tratou immediatamente de tomar as providencias necessarias, e que as circumstancias reclamavam. Mandou chamar a Quilimane um portuguez muito importante, o sr. Victorino, residente n'aquelle districto, a fim de combinar com elle a maneira de fazer a guerra ao Bonga, para destruir um inimigo, que tanto prejuizo nos estava causando ao commercio d'aquella provincia. O sr. Victorino tem uma escravatura muito versada na arte das armas, e muito propria para fazer a guerra dos sertões. Ha poucos annos tomou seu irmão João Bonifacio, com a sua escravatura, as ilhas de Angonche que pertencem hoje á corôa de Portugal, tendo aliás sido inuteis n'outra epocha os esforços empregados pelo governo portuguez, auxiliado pelos inglezes, para tomar aquellas ilhas. E, a proposito, lembro-me de que, em 1845, sendo eu juiz de direito daquella comarca, foram a Angonche uma fragata ingleza e dois brigues de guerra portuguezes, com uma forte expe-
Página 919
919
dição, commandada por um valente official, -o sr. Antonio Alves de Azevedo Campos, e não poderam tomar conta daquellas ilhas; milagre este que o irmão do sr. Victorino fez por terra com a sua escravatura.
O nobre governador geral, vendo que tinha no sr. Victorino um auxiliar poderoso para a destruição do Bonga, dirigiu-se a elle para combinarem o modo de fazer a guerra. O sr. Victorino achava-se doente, e disse que não podia tomar conta de tamanha empreza como aquella que o governador lhe propunha. Então este empregou todos os meios que tinha ao seu alcance para resolver tão melindrosa crise. Fretou um navio francez, e fez ir para Quilimane todos os soldados que tinha disponiveis, com os recursos necessarios, que havia na capital.
N'esta occasião chegou a Moçambique o novo governador geral, o sr. Lacerda, e conhecendo a importancia d'esta guerra, e informado das difficuldades que ella apresentava no começo do seu governo, empregou todos os meios que as circumstancias lhe suggeriram, no que mostrou bastante energia e muita habilidade para completar as forças de que era possivel dispor e manda-las á Zambezia. Como da Europa tinha sido transportado na corveta a vapor Infante D. João, fez saír immediatamente esse mesmo barco, levando a seu bordo todos os soldados que restavam em Moçambique, assim como todos os meios de guerra, e dirigiu-se a Quilimane, que é o porto de mar que nos dâ entrada para a Zambezia, e a terra mais importante e cabeça de districto aonde se deviam preparar e completar todos os meios de! guerra para bater e destruir o Bonga.
Quando chegaram a Quilimane, o governador geral poz á frente d'ãquella força expedicionária o sr. tenente coronel Queiroz, que era governador de Tete, e este official ajudado pelos moradores de Quilimane que da melhor vontade prestaram auxilios valiosos, dando uns mantimentos, outros munições, outros escravos armados, outros lanchas e meios de transporte.
Tudo preparado, o sr. Queiroz subiu o rio Zambeze e dirigiu-se á aringa do Bonga, que é uma especie de fortaleza feita de arvores espinhosas, postas umas por detrás das outras, que os negros plantam, deixando livre um grande espaço no interior; estas arvores vão crescendo em toda a circumferencia, o os pretos fazem-lhe differentes entradas com zig-zags, estabelecendo dentro palhoças, e ahi se intrincheiram os regulos com toda a gente debaixo da sua jurisdicção.
O sr. Queiroz chegou proximo da aringa e bateu-a por espaço de tres dias, e até supponho que chegou a incendiar algumas palhoças; mas depois, não se sabe porque motivo, no fim de tres dias retirou para Quilimane. Isto causou um grande espanto em toda a provincia, e o governador geral logo que soube isto tambem ficou em uma posição afflictiva, demittindo logo o commandante da expedição, o sr. Queiroz, e nomeando para o seu logar ao tenente coronel o sr. Portugal, soldado valente e experimentado na guerra dos pretos.
Vi as proclamações d'este senhor quando se poz á testa da expedição. Agora antes de continuar devo dizer alguma cousa a respeito do infeliz Miguel Gouveia, bem como do sr. Queiroz.
Quando o sr. Miguel Gouveia saíu de Tete para bater o Bonga, appareceram em Lisboa differentes motivos que o levaram a fazer aquella guerra. Uns dizem que o sr. Miguel Gouveia attrahido por negocios commerciaes que tinha com o Bonga, fizera aquella infeliz guerra de que fóra victima. Outros dizem que o Bonga tendo-lho fugido muitos pretos e pretas para Tete, em consequencia dos flagicios que lhes dava, fizera a guerra aos moradores de Tete, e lhes devastara tudo' quanto ficava fóra da fortaleza, e que isto causando muita desesperação em Tete, os moradores obrigaram o governador a ir em pessoa fazer a guerra.
Outra correspondencia dizia: «Como o Bonga fica na margem direita do rio Zambeze, margem aonde fica Tete, e que sendo aquelle um obstaculo poderoso para o concurso entre o mar e entre Quilimane e sertão, todos os moradores estavam assustados, porque o Bonga lhes roubava todas as fazendas que iam rio acima, rio abaixo; era portanto necessario remover este obstaculo, o que foi esse o motivo poderoso que levara o governador Gouveia a fazer a guerra ao Bonga».
Devo dizer, em abono da justiça, que quando estive em Moçambique como governador geral desde 1851 a 1854, conheci o sr. Miguel Augusto Gouveia, e posso affirmar a v. ex.ª e á camara que era um dos officiaes mais honrados, mais disciplinadores e mais valentes que havia na provincia; e parece-me que é injusto o dizer-se que foram os interesses particulares e commerciaes que o obrigaram a fazer a guerra ao Bonga. Este mesmo juizo tambem foi confirmado pelo meu nobre amigo o sr. Tavares de Almeida, que igualmente tem dito que o governador Gouveia era um official honrado e brioso. E até o ultimo governador de Quilimane, o sr. Delfim José de Oliveira, official intelligentissimo e insuspeito, que acaba de chegar á Europa, tambem diz que não foram os maus motivos que obrigaram aquelle governador a fazer a guerra, mas sim os bons; porque queria livrar o sultão de um regulo que lhe era tão nefasto.
A respeito do sr. Queiroz tambem se diz que foram os motivos particulares e os interesses commerciaes que o levaram a fazer a guerra, e que tendo uma força importante abandonara a aringa. Mas, sr. presidente, a calumnia levanta-se na Africa, assim como em qualquer paiz; quando qualquer negocio tem mau resultado, é costume attribuir-se ao general ou áquelle que o dirige.
Tambem estou convencido que não foram os maus motivos que obrigaram o sr. Queiroz a abandonar a aringa, porque se n'ella tivesse entrado resultava-lhe d'ahi muito mais gloria e consideração na provincia que governa e no paiz, do que de quaesquer interesses commerciaes. Por isso parece-me que aqui tambem anda a calumnia, b que foram as boas rasões fortes e imperiosas que obrigaram aquelle governador, que na Europa gosa de bom nome, a retirar-se. E até as participações officiaes dizem que o governador não tinha confiança nos officiaes, que os soldados estavam indisciplinados, que não tinha munições de guerra e que havia • difficuldade de entrar na aringa. O futuro aclarará tudo.
Sr. presidente, a guerra com os cafres é uma guerra com gente indisciplinada, e posso affirmar a v. ex.ª e á camara que com 200 soldados europeus corajosos e bem commandados não só se poderia entrar na aringa, mas mesmo correr todo o sertão sem se lhes oppor resistencia ou impedimento algum.
Temos até um exemplo recente da guerra da Inglaterra com a Abyssinia, em que se vê como elles entraram n'uma fortaleza que tinha muitos recursos e muitos mil homens, que era defendida por outra raça de gente, e ali entraram sem difficuldade e só com o prejuizo de 13 soldados!
Depois de expostos os factos como elles se passaram e constam dos documentos officiaes publicados em Moçambique das contas particulares e de differentes publicações que o governo tem feito a respeito d'este assumpto no Diario de Lisboa, parece que chegava a occasião de dizer o motivo por que me queria dirigir ao illustre interpellado; mas antes d'isso V. ex.ª e a camara hão de permittir-me que faça mais considerações sobre a Zambezia, a fim de mostrar a sua importancia e a necessidade de destruir o Bongo.
A Zambezia, como sabe o illustre ministro da marinha e todos os cavalheiros que estão presentes, é uma das possessões mais importantes que temos na Africa.
Até ao presente só tem havido um homem que conseguisse atravessar duas vezes a Africa de Angola a Moçambique, lutando com immensas difficuldades, e encontrando differentes povos nómadas com diversas religiões e costumes, esse homem foi o dr. Levinhgstone, pois o dr. Levingstone nas suas memorias deixa ver bem que a parte melhor da Africa é a Zambezia; e tanto que elle nos sertões de que me estou occupando perante esta illustrada assembléa, tratou de fazer uma colonia ingleza, tomando posse de um certo terreno, que julgou mais a proposito, pondo-se em communicação com o mar, por via de um vapor que
I lhe mandou o governo inglez e que entrou pela barra do Luabo. Esta expedição foi infeliz porque os marinheiros
I morreram, o rio estava muito secco, em consequencia da estação calmosa, vieram as febres, e esta empreza ficou sem resultados.
Os desejos do dr. Levingstone são os sertões desconhecidos. Entrado pouco tempo depois, no sertão junto a Zamzibar ainda hoje d'elle nada se sabe. Este homem que é um grande explorador, de um grande alcance, de uma grande força de vontade e pertinacia, em todas as suas expedições na Africa, foi nos sertões de Tete que pretendeu formar uma colonia ingleza, porque os achava mais saudáveis, mais productivos e em condições proprias para uma nação da Europa formar ali um grande estabelecimento agricola e commercial.
Tenho ainda outro exemplo, que é o do dr. Petters, professor da academia de Berlim, que foi encarregado pelo seu governo de fazer excursões na Africa. Estive em 1844 com este cavalheiro em Moçambique, fui seu amigo particular, e conversando com' elle, muitas vezes me dizia que se admirava de que o governo portuguez não fizesse convergir a população da provincia para as margens do Zambeze; ao que eu lhe respondia, como queria elle que o governo portuguez fizesse isto, se a Zambezia era o sitio mais doentio da provincia.
Dizia o dr. Petters que o Zambeze estava em identicas circumstancias ao Nilo, pois se este era o celleiro da Europa, aquelle havia de ser o da Africa, e que estando ali ha seis annos, não se cansava de admirar aquella nossa possessão. Que o governo portuguez andaria muito bem obrigando as povoações a convergirem para ali, porque aquellas possessões têem todos os recursos para uma producção espantosissima em consequencia das alluviões que enchem o rio. A producção' do arroz, do feijão, do milho, do café e canna é ali admiravel. Não ha outro sitio na Africa que produza tanto como a Zambezia.
Além d'isso, dizia o dr. Petters, ha ali outros elementos de riqueza, ha as minas de oiro, e attrahindo para lá as povoações ha de acontecer o mesmo que na Australia e na Califórnia, porque explorando-se bem as minas de oiro, haverá um forte incentivo para attrahir a população e em pouco far-se-ia d'aquella possessão um grande estabelecimento colonial.
Peço desculpa a v. ex.ª de me ir alongando sobre este assumpto, mas quero fazer ver a importancia d'esta possessão. Entendo que é necessario guarnece-la bem e limpa-la de todos os regulos e maus vizinhos que entorpecem o commercio, assassinam os soldados e até mesmo os negociantes.
Quando era permittido o negocio dos negros, e se lhe chamava commercio livre, o que hoje não acontece, porque á escravatura os escriptores tanto de áquem como de alem do Oceano Atlantico dão-lhe o nome de trafico, e mesmo é assim chamada nas notas diplomaticas e tratados entre as diversas nações, os navios que se empregavam n'esse commercio não achavam celleiro mais farto do que Quilimane, mas como extraordinario não achavam ali só um celeiro de pretos para conduzirem aos portos da America, mas sim um celleiro de mantimentos para o sustento dos mesmos pretos no trajecto do mar, o que não acontecia nos outros portos da provincia, aonde ás vezes escasseava tudo.
Isto era uma prova de que aquelle é o ponto mais importante que temos na Africa oriental, porque é á mais productivo tanto em homens como em mantimentos.
Ainda ha outra rasão; eu vou contar a camara o que aconteceu commigo, para a camara podér avaliar a importancia daquella provincia.
Em 1853, sendo eu governador de Moçambique, appareceu ali um navio de Zanzibar, levando a seu bordo um filho do imamo de Mascate, para carregar mantimentos, por que na ilha de Zanzibar, por falta de chuvas, não havia recursos, o estavam os seus habitantes morrendo de fome.
Mandei chamar o presidente da camara municipal e o director da alfandega para saber se não haveria inconveniente em deixar fazer aquelle carregamento, se a cidade poderia soffrer alguma cousa com aquella exportação. O director da alfandega e o presidente da camara disseram-me que podia deixar carregar o navio de mantimentos, que nenhum prejuizo podia resultar á cidade por tal motivo, porque havia abastecimento. Em vista d'isto permitti o carregamento, e o navio transportou o que quiz.
Dias depois appareceu novo navio pedindo igual concessão; passados dias, outro e outro; finalmente vinte e tantos navios saíram d'ali carregados de mantimentos. A respeito dos primeiros navios consultei o director da alfandega e o presidente da camara municipal, porque precisava esclarecer-me, depois já deixava carregar os navios sem receio algum que d'ahi resultasse inconveniente para a cidade. E sabe v. ex.ª porque? Porque quantos mais mantimentos eram transportados n'estes navios, mais entravam na cidade vindos do interior, e d'onde vinham mais era da Zambezia, aonde constou do bom preço e da procura que havia em Moçambique pelos arabes de Zanzibar.
Não querendo dar agora mais extensão a esta exposição) limito-me a perguntar a s. ex.ª quaes são os meios que está preparando para acudir ao estado d'aquella provincia isto é, se s. ex.ª tenciona mandar ali navios de guerra, tropa disciplinada e equipada do armamentos modernos, como são as armas de carregar pela culatra, finalmente quaes são os recursos de que s. ex.ª, nas circumstancias graves e extraordinarias em que esta aquella provincia, tenciona lançar mão. Ouvirei as explicações do nobre ministro, e tomarei de novo a palavra se o julgar necessario.
O sr. Ministro da Marinha (Rodrigues do Amaral): — Sr. presidente, o illustre deputado por Moçambique, o sr. Joaquim Pinto de Magalhães, historiou as causas que produziram ía guerra que lavra actualmente no districto de Tete d'aquella provincia ultramarina, e os successos da mesma guerra, ate agora pouco favoraveis para as nossas armas, infelizmente. Mostrou s. ex.ª que se acha bem informado, em geral; ha, todavia, alguns pontos que carecem de rectificação.
E certo que se disso que o fallecido governador de Tete; o capitão Gouveia, fôra levado a emprehender a guerra contra o Bonga por motivos menos nobres e legitimos, já de indisposição pessoal que com este tinha, já de obter o pagamento de sommas que lhe elle devia. Corriam estas imputações na Zambezia, o governador de Quilimane transmittira-as ao ex-governador geral da provincia, Canto e Castro, e este fizera menção dellas nos seus officios para o ministerio da marinha e do ultramar. Parece, porém, por informações posteriores havidas de pessoas insuspeitas, que se interessam muito pelas cousas do Moçambique e estão no caso de ter d'ali as mais exactas noticias, que taes accusações não são fundadas. Eu estimo ter esta occasião de prevenir que se firme um juizo desfavoravel, e porventura injusto, contra um official que gosára sempre dos melhores creditos, e estou certo de que esta camara folgará tambem de que possa apparecer illibada a memoria de um homem que foi atrozmente assassinado (apoiados).
Os motivos averiguados da guerra de Tete são os seguintes. O Bonga, negro poderoso e cruel, ha praticado todos os excessos que o sr* deputado referiu. Tem atacado as propriedades de colonos de prazos da corôa, e as terras de outros potentados indigenas, seus vizinhos, roubando-os, matando gente, ou escravisando-a. Crendo em feiticeirias, como o geral dos pretos de Africa, manda sacrificar os desgraçados que reputa convictos d'esses imaginarios malefícios. Por tudo isto fôra processado e pronunciado em Tete; Concebe-se bem que elle não obedeceria a um mandado judicial de comparecimento perante a justiça que lhe fosse apresentado por qualquer official de diligencias. Resolveu portanto o governador de Tete ir prende-lo, levando a necessaria força militar. Compunha-se esta força de umas 60 praças regulares com 5 officiaes, e de 700 a 800 escravos dos moradores, armados de espingardas ou de arcos e flechas. Pelo resultado infeliz que a expedição teve deve-se julgar que tal força não era a bastante, ou que ella foi mal dirigida. As correspondencias recebidas não dão nenhuma luz a este respeito. O desastre teve logar no dia 6 de julho do anno. passado, e a communicação official d'elle chegou aqui em 20 de novembro, portanto antes da minha entrada para o ministerio.
O ex-governador geral, Canto e Castro, tomou logo algumas medidas para acudir a Tete, e o seu successor, Correia de Lacerda, que em breve chegou, completou-as com energia e acerto. Reuniu em Quilimane toda a força européa das guarnições da capital e das ilhas de Cabo Delgado, fazendo um total disponivel de 400 praças. Os moradores da Zambezia forneceram uns 2:000 escravos armados, e de Tete dizem tambem alguma gente de guerra, regular e irregular. Toda esta força foi posta sob o commando do tenente coronel Queiroz, do exercito de Portugal. Investida a povoação do rebelde Bonga, no dia 31 de dezembro, começou logo o fogo de artilheria com o fim de fazer brecha no recinto que a defende. Esse recinto é formado de sebe viva e estacada, de grande espessura e de um muro interior de pedra e barro. A artilheria, de pe-
Página 920
920
queno calibre (3), não podia destruir um tal obstaculo. Tentou-se incendiar a povoação com balas ardentes e foguetes de guerra, o que tambem se não conseguiu. Julgando-se inefficazes todos os esforços, e achando-se prostrado de doença o commandante Queiroz, resolveu-se a retirada e effectuou-se em boa ordem, no dia 2 de janeiro, sem perda de gente nem de material. Tencionava o commandante ficar no Gongue, logo abaixo da povoação do rebelde, mas parece que os soldados se amotinaram, pedindo que a retirada continuasse para Quilimane a pretexto de falta de mantimento e outros arranjos indispensaveis. Alguns officiaes são accusados de terem promovido aquelle gravissimo acto de insubordinação. Ordenei já que se procedesse a uma severa investigação dos factos, para que seja rigorosamente punido quem o merecer.
Aqui esta como as cousas se passaram. Foi deploravel, sem duvida, que se baldassem as despezas feitas com a expedição; mas o successo não é para surprehender, nem para desanimar. Eu governei a provincia de Angola durante quasi seis annos, e tive ali de sustentar continuas guerras. Fui bem succedido na maior parte dellas, mas não deixei de experimentar tambem revezes. Os ataques feitos a S. Salvador do Congo foram repellidos por duas vezes. Entrou-se lá a terceira vez, já no governo do meu successor. Houve um desastre no Loge, em que se perderam bastantes vidas. Senti-o profundamente, mas não entendi de modo nenhum que de ahi viesse grave compromettimento para as emprezas em que estavamos empenhados. Não aconteceu o mesmo no reino; julgou-se tudo perdido, e votaram-se 200:000$000 réis para enviar uma poderosa expedição de tropa e material de guerra. Nas minhas mais largas aspirações, contentava-me eu com 25:000$000 ou 30:000$000 réis, e 200 ou 300 bons soldados. (Vozes: — Ouçam, ouçam.) Todos sabem como foi cruelmente dizimada essa força, apesar de ter havido o cuidado de a não empregar logo em operações de campanha no interior d'aquelle inhospito paiz.
Fiz esta digressão, porque pretendo tirar d'ella lição proveitosa para o caso actual. Mandemos, sim, meios, ao governador geral de Moçambique para que possa manter sempre a provincia em segurança; mas não pensemos em poderosas expedições de guerra, que alem de onerossissimas, não são necessarias para submetter o Bonga. Taes meios tem o governo já enviado por diversas vezes, e não se descuidará de proseguir no mesmo sentido. Aqui tenho uma nota do que esta para ir em outro navio proximo a seguir viagem:
«Em 1866, pela barca Novo Paquete, foram 50 peças de artilheria de calibre 24.
«Em 1867, pelo mesmo navio, 60 espingardas do systema Enfield, com espadas-bayonetas, e igual numero de correames completos, 10:000 cartuxos embalados e 12:000 capsulas fulminantes.
«Em 1868, pelo brigue Nossa Senhora da Conceição, 112 carabinas do dito systema, com espadas-bayonetas e os respectivos correames, 2 baleiras, 6:000 cartuxos, 8:000 capsulas, 1:500 kilogrammas de polvora e 300 lanternetas dos calibres 1, 2 e 3. Foram n'este navio 5 officiaes, 95 praças de pret e 12 degredados.
«Deve ir na galera Viajante, proximo a seguir viagem, o seguinte: um contingente de tropa, para o qual ha já 4 officiaes, 104 voluntarios e 16 praças do deposito disciplinario: 2 peças de campanha estriadas, calibre 0m,08, com todos os seus pertences, e 450 cartuxos e outras tantas balas; 100 foguetes de guerra, com a respectiva calha, 400 espingardas de percursão, com os correames competentes, 36:000 cartuxos embalados e 36:000 capsulas.»
Direi agora o que fez o governador geral, Lacerda, assim que lhe constou a retirada da força do commando do tenente coronel Queiroz. Destituiu este official, nomeando o tenente coronel Portugal para o substituir. Reforçou a expedição com umas 200 praças, em parte da guarda municipal, e no resto de um novo batalhão de indigenas que havia creado, com a diminuição de zuavos reaes. Elle proprio se propunha ir a Quilimane activar a partida da força e vigiou que ella fosse bem provida de todo o necessario. Tenho fé em que os seus zelosos e intelligentes esforços hão de ser coroados pelo successo, d'esta vez.
Já vê, portanto, o nobre deputado, que o governo, reconhecendo como s. ex.ª, a grande importancia das possessões da Zambezia, se não descuida de lhes acudir com os auxilios precisos, se não para a crise actual, para conservar ali a ordem e a segurança, logo que restabelecidas sejam, como firmemente espero que o serão.
De accordo com o meu collega, o sr. ministro da guerra, tenho feito a diligencia para que vá agora um contingente de 200 praças. Offereceu-se uma gratificação de 10$000 réis a cada uma, mas ainda assim só tem vindo pouco mais de 100. Eu fio em que teremos ao menos 150 d'aqui até á saída do navio. O subsidio da provincia, de 42:000$000 réis, esta consumido, e já o governador geral tem sacado por sommas importantes, que hão de ser pagas, porque isso é indispensavel. D'aqui verá a camara a necessidade que o governo ha de ter de vir pedir-lhe os meios para fazer face a estas despezas extraordinarias. A falta de meios é a causa principal do atrazo em que estão as nossas colonias, a todos os respeitos. Para augmentar os rendimentos publicos em Moçambique, já o novo governador geral tomou duas importantes medidas. Uma foi o estabelecimento do direito addicional de 3 por cento ad valorem na importação, e 1 por cento na exportação, excepto no café e no algodão. Outra, mandou pôr em vigor o decreto de 22 de dezembro de 1854, que creou o imposto de 1$600 réis por fogo, e que nunca chegou a ter execução, não sei bem por que motivo.
Creio ter respondido aos varios pontos que o nobre deputado tocou na sua interpellação. Se de algum me esqueci, e se s. ex.ª quizer ter a bondade de m'o indicar, estou prompto 9 supprir essa omissão. Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Pinto de Magalhães: —Agradeço ao nobre ministro as explicações que acaba de dar, e por ellas vê a camara a fidelidade com que eu enunciei os factos..
O nobre ministro disse que tinha dado todas as providencias e ordens necessarias a respeito dos officiaes que se tinham portado mal e tinham forçado o governador Queiroz, que se achava doente, a retirar-se para Quilimane; acho isso muito acertado, e estimarei que, pelas informações a que s. ex.ª mandou proceder, se reconheça quaes foram os cobardes que obrigaram um enfermo a retirar-se do posto de honra...
O sr. Ministro da Marinha: — Foi elle o primeiro mandado metter em conselho de guerra.
O Orador; — Lamento tambem que o governador Queiroz, em logar de se retirar para Tete, porque ficava mais proximo dos acontecimentos que se estavam passando, fosse para um ponto mais longiquo, quando se podia estabelecer dentro da fortaleza, e estar ali em posição muito favoravel para conter os sertões. Procedendo de modo differente, deixou interceptar as communicações entre Quilimane e Tete, causando isso grandes prejuizos e transtornos ao commercio.
O sr. Ministro da Marinha: — V. ex.ª permitte uma observação? Elle não veiu para Quilimane senão forçado. Como sabe, Tete fica superior. A 7 leguas para baixo fica Massangano; depois ha uma aringa de um potentado Belchior, que é muito nosso amigo. Veiu para ahi, e diz, na sua participação, que tenciona ficar ahi e pôr-se em acção de desembaraçar a navegação para cima, e mesmo de fazer uma volta offensiva na aringa do Bonga.
O Orador: — Pois eu lamento esse acontecimento. Seria mais vantajoso para o commercio e mesmo para os resultados da guerra, ter o governador retirado para Tete; mas circumstancias imperiosas e de molestia o obrigaram a vir para baixo. Foi, como diz s. ex.ª, forçado, assim o acredito, porque o governador Queiroz me deve muito conceito.
Agora depois do que acabei de ouvir ao nobre ministro, vou dirigir-me á camara. Até aqui a interpellação era entre mim e v. ex.ª (dirigindo-se ao sr. ministro da marinha); e a camara estava servindo como de testemunha; agora vou inverter os papeis e vou interpellar a camara... (Uma voz: — Não é permittido.) Os usos parlamentares não o impugnam; V. ex.ª (dirigindo-se ao sr. deputado que o interrompeu) poderá tomar parte na discussão e indicar as rasões por que não é permittido, porque eu responderei. Inverto os papeis. Agora é V. ex.ª testemunha (dirigindo-se ao sr. ministro da marinha); e dirijo-me á camara. A camara ouviu dizer ao sr. ministro que tem recorrido ao exercito e que não encontra soldados para irem para Moçambique, e que já offereceu 10$000 réis de gratificação a cada um. E admira-se agora ò sr. Carlos Bento que eu inverta os papeis? Não vê s. ex.ª que quando desde o Guadiana até rio Minho se esta clamando por economias, se apresenta um facto muito significativo de que o sr. ministro da marinha não póde mandar soldados para as nossas possessões sem dar um premio? Aonde esta a economia? O sr. ministro vê-se forçado pelo imperio das circumstancias a fazer estas despezas. Façam-se, approvo-as, porque sem ellas não teremos colonias; a autonomia das nossas colonias consiste em gastar mais dinheiro para produzirem mais (apoiados).
O sr. José de Moraes: — Mas bem gasto (apoiados).
O Orador: — E este é mal gasto? (Apoiaãos.) S. ex.ª arranja soldados de graça? S. ex.ª não vê assassinar barbaramente portuguezes? Antigamente quando nós eramos menos poderosos, quando o reino tinha 2.500:000 de população, nos seculos XV e XVI, quando possuíamos possessões, como nenhuma nação possuia, e que alem das que tinhamos havia o Brazil, aonde creámos um grande imperio, que honra Portugal, davamos guarnições para todos os portos, e hoje não temos 200 soldados sem dar a cada um réis 10$000 de premio!!!
O sr. A. J. de Seixas: — Isso é derivado da organisação do nosso exercito.
O Orador: — Temos um exercito que gasta 3.000:000$000 a 4.000:000$000 réis, e ao mesmo tempo o sr. ministro da marinha vem dizer á camara que para mandar soldados para o ultramar é preciso dar a cada um 10$000 réis de gratificação! E ainda assim não appareceram senão 110, quando s. ex.ª deseja mandar 200. Quando o paiz esta a dizer que quer grandes economias, o sr. ministro da marinha hesita. Quer faze-las; mas declara á camara que não póde fazer reducções, que não póde governar as colonias sem que lhe dê dinheiro, como se vê n'esta interpellação. Veja a camara a triste situação que nos espera. Veja a camara a missão de que esta encarregada. A camara precisa habilitar o governo com meios e muitos, se quer que o paiz conserve a sua autonomia, se quer que as colonias prosperem, se quizer que sejamos sempre honrados, pagando todos os serviços bons, e pagando as nossas dividas; assim é que eu entendo as economias, tudo o mais são banalidades.
O sr. Ministro da Marinha: — Duas palavras. O facto da falta de soldados para o ultramar, e ser preciso dar um premio para os obter não é novo. Isto sempre aconteceu assim. Não é falta de espirito publico, não é falta de patriotismo (apoiados); é porque infelizmente entre nós não esta estabelecido o systema de se mandar tropa para o ultramar por corpos do exercito do continente. Se se fizesse, estou certo que não haveria duvida alguma; mas quando se vae fazer uma simples pergunta ao soldado se quer ir para Africa, para soffrer toda a casta de privações, não admira que diga «eu não tenho vontade de ir». Este é o facto. Se as circumstancias levassem a considerar o negocio como salvação da patria, o governo sabia o que havia de fazer; e pela minha parte havia de dirigir-me ao sr. ministro da guerra para elle mandar dois corpos, e elles haviam de marchar immediatamente (apoiados). O caso não é este. O facto que se esta passando hoje de dar 10$0001 réis ao soldado para ir para o ultramar já se verificou; e deu-se muito mais. Por consequencia o que quiz foi responder ao illustre deputado, ás intenções do qual faço a mais completa justiça, por ver que se estava servindo do simples facto que expoz.
Eu estou arranjando a expedição; mandei offerecer uma avultada gratificação, mas não tem apparecido muitas praças. Não estou porém muito assustado com isso; se não arranjar 200 homens, mando 110 ou 120. Carregarei com a responsabilidade respectiva (e posso com ella); mas, mandando essa força fico perfeitamente descansado e sem cuidado algum a respeito da Zambezia.
O Orador: — Ha pouco tempo viu a Europa inteira que no golpho do Mexico eram aprisionados para os Estados Unidos do norte, dois agentes do sul que navegavam n'um vapor inglez. Todos sabem que a Inglaterra obrigou o governo dos Estados Unidos a restituir os prisioneiros; mas o que todos sabem tambem é que todos os filhos da nação ingleza estavam promptos a irem ao Canadá defender a honra do seu paiz; no caso que fosse invadido não havia ninguem na Inglaterra que se recusasse a qualquer sacrificio (susurro).
Eu não estou a fazer comparações; estou lamentando o nosso estado, e o sr. Carlos Bento magoa-se com estas comparações.
Quando em Inglaterra esteve ha poucos annos quasi rebentando a guerra com a França, organisaram-se immediatamente batalhões de voluntarios na enorme cifra de 80:000 homens, que ainda hoje estão promptos á primeira voz, e nós não temos 200 homens para mandar a Moçambique!!
Quando se quiz mandar a outra expedição a Angola, foi preciso offerecer pensões ás viuvas e filhas dos soldados que lá morressem.
O sr. Camara Leme: — Mas essas pensões não se deram... (Susurro.) Peço á palavra.
O Orador: — Eu lamento que a discussão tenha tomado este caminho, mas como deputado do ultramar, desejo que ellas floresçam. Estou convencido de que perdendo nós as colonias, perdemos a nossa autonomia, a nossa liberdade e a nossa importancia (apoiados).
Sabe v. ex.ª o que diz Victor Hugo, quando trata da liberdade da França? Diz: «A maior cousa que póde ter um povo é a sua liberdade; ninguem conhece a falta da liberdade senão quem a possuiu e a perdeu. A liberdade é como a saude; aquelle que a gosa, só depois d'ella perdida e que vem as molestias, é que conhece o seu valor e o que perdeu».
I Digo o mesmo a respeito das colonias. Só havemos de conhecer o que ellas valem se por desgraça nossa ás perdermos. A camara sabe qual foi o effeito que produziram em Lisboa os boatos que correram a respeito da tomada de Macau. Pois se se dissesse hoje: «Perdeu-se Angola», Lisboa perdia metade da sua importancia commercial, e o paiz a sua melhor prenda (apoiados). Vozes: — Muito bem.
Não digo mais nada, termino a minha interpellação.
O sr. Ministro da Marinha: — V. ex.ª concede-me a palavra para dar á camara uma noticia muito agradavel?
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Ministro da Marinha: — Tive noticias de Macau com data de 22 de março; não são officiaes, mas constam de uma carta escripta por um official da corveta de guerra portugueza, que continuava a estar em Hong-Kong para concertos. Aquelle official dá apenas noticias da sua saude, e nada diz a respeito da questão de Macau. E claro pois que nada tenha havido de novo. Esta carta veiu pela mala franceza, e tem a vantagem de alcançar a 22 de março, quando as outras noticias tinham a data de 9. Nada mais.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: — Differentes srs. deputados pediram a palavra, e então vou consultar a camara sobre' se quer que lhes dê a palavra.
O sr. Carlos Bento: —Pedi a palavra para um requerimento.
O sr. Presidente: — Tem a palavra.
O sr. Carlos Bento: — Como fui interpellado, peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que eu faça algumas reflexões em referencia ao que disse o sr. Pinto de Magalhães.
O sr. Presidente: — Eu ia consultar a camara a esse respeito. Como ía dizendo, alguns srs. deputados pediram a palavra para fallar n'esta interpellação, e como lh'a não posso dar sem consultar a camara, consulto-a sobre se quer que se dê a palavra aos senhores que a pediram.
Foi approvado.
O sr. Ministro da Guerra (J. M. de Magalhães): — Levanto-me para dizer sómente duas palavras em resposta ao illustre deputado que acaba de fallar, e para fazer uma rectificação.
E muito conveniente que a camara e o paiz saibam que o exercito não gasta 4.000:000$000 réis, como se disse; gasta muito menos. Mas o exercito propriamente dito é quem dá mais á patria e recebe menos. O exercito e todos os estabelecimentos dependentes do ministerio da guerra gastam tres mil e tantos contos, mas o exercito é quem faz os maiores sacrificios e menos recebe. E preciso que isto se saiba, porque, quando se diz que o exercito gasta réis 4.000:000$000, e que não temos exercito, diz-se uma cousa inexacta. A secretaria da guerra, com todos os seus annexos, não chega a gastar 3.500:000$000 réis. - Agora farei uma outra declaração. Fallar do orçamento
Página 921
921
do ministerio da guerra de 1851 e no de 1867 e na grande differença a mais que em relação a este existe, sem se dizer pelo que, é para assim dizer occultar os factos (não sei para que fim), ou então é ignora-los. Escolham! Em 1857 havia uma outra tabella de prets e de soldos dos officiaes muito inferior. Todas as despezas têem crescido espantosamente em consequencia de tudo ter encarecido; todas as necessidades da vida se tornaram muito mais caras, e por isso cresceu tambem a despeza. Os soldados pagavam 30 réis para o rancho, e hoje pagam 45 réis; augmentaram-se os soldos dos officiaes e o pret dos soldados.
Depois d'isto (e não foram os governos transactos que o fizeram), houve algumas leis que augmentaram a despeza espantosamente por iniciativa dos srs. deputados (apoiados).
Todos os portuguezes têem direito a gosar igualmente de certas vantagens e não hei de ser eu que hei de diminuir essas vantagens áquelles que hoje recebem por uma tabella superior. Disse-se que o paiz era de todos e que era preciso attender á sorte de officiaes que tinham derramado o seu sangue pela patria. Veiu aqui um sr. deputado e disse = o paiz é de todos = (de accordo) e por consequencia, a estes officiaes em numero de cem que estão recebendo metade do soldo, pela tarifa mais modica de 1790, conte-se-lhes como tempo de serviço, todo o que têem estado separados dos quadros, e concedam-se-lhes vantagens e reformas iguaes ás concedidas aos de mais officiaes. Aqui esta um augmento talvez de mais de 100:000$000 réis, porque estes officiaes foram reformados com mais vantagens. Não condemno a reforma nem a medida, mas o que não desejo é que se diga que o ministerio da guerra gasta tudo (apoiados).
Veiu depois outra lei, que augmentou ainda a despeza. Alguem disse = os officiaes estrangeiros que serviram em Portugal devem ter tambem accesso; deve-se-lhes contar todo o tempo de serviço, ainda aquelle durante o qual não serviram, e reforma-los no posto immediato =. E assim se fez, crescendo portanto a despeza.
Veiu depois t em seguida um outro sr. deputado, e disse ao governo = E necessario que todos os sargentos que serviram na junta do Porto, em numero de cento e tantos, e alguns com quatro mezes de serviço, sejam reformados em alferes addidos a veteranos =. Não discuto a medida, mas foi um augmento de despeza muito consideravel que veiu pesar sobre o ministerio da guerra. A traz d'este veiu outro sr. deputado, e disse = E necessario que todos os officiaes dos batalhões de voluntarios, que serviram a causa da liberdade, sejam tambem reformados e com os vencimentos por inteiro =. Aqui temos capitães, tenentes e alferes, reformados com os respectivos soldos, e como não ha de ter augmentado o orçamento do ministerio da guerra?
(Interrupção que não se percebeu.)
Tem rasão, ha trinta e nove voluntarios da Rainha que verteram o seu sangue no dia 11 de agosto; a elles e a mais um punhado de militares que lá estavam, é a quem o paiz deve muito, porque se não fossem elles, se não tivesse logar a acção da Villa da Praia, onde a esquadra do usurpador foi derrotada, quem sabe o que seria hoje de Portugal?! Por certo não estavamos nós aqui! Ha, julgo que trinta e nove d'estes voluntarios cada um dos quaes tem 60 réis por dia, e d'elles ainda ninguem se lembrou! Pois hei de lembrar-me eu, porque são benemeritos da patria.
Não quero cansar a camara, mas preciso dar-lhe ainda outra explicação.
Diz-se = não ha duzentos soldados que queiram ir para Angola! = Não os ha, nem isso é para estranhar, porque a nossa organisação devido e separa o exercito do ultramar do da metropole. O exercito da metropole não é obrigado a ir servir no ultramar, por consequencia só voluntarios para lá se podem mandar; se a lei é boa ou má ajuíze quem quizer, mas effectivamente este é que é o facto. Não se póde obrigar um soldado do exercito da metropole a ir servir no ultramar, é preciso que elles queiram, e para isso é necessario, offerecer-lhes aquellas vantagens que o governo entendo que lhe deve dar; se querem vão, se não querem não vão; por consequencia aqui nem ha culpabilidade para a marinha nem para o exercito; mas acredite, e parece-me que a camara estará de accordo commigo, que se houvesse uma crise em que a nossa bandeira fosse insultada, perigando as nossas colonias, ou se houvesse alguns receios de as perder, não havia um só portuguez que não fosse para Angola ou para outro qualquer ponto de Africa para defender a bandeira do paiz, porque o brio portuguez não acabou ainda, e então eram todos por um e um por todos; mas emquanto não se der essa circumstancia não se póde obrigar ninguem a ir para lá servir sem ser por sua vontade. ',
Sou forçado a terminar esta explicação, por quanto fui chamado á camara dos dignos pares, e por consequencia não posso responder hoje á interpellação do sr. José de Moraes, para o que já estava habilitado, mas fica para sexta feira, porque ámanhã é dia de despacho e não poderei comparecer n'esta camara.
O sr. Carlos Bento: — Pedi a palavra, quando o sr. deputado que me precedeu, do alto da tribuna, se dirigiu pessoalmente a mim.
A interrupção que fiz áquelle orador não significa a mais pequena duvida ácerca dos seus bons desejos, mas simplesmente discordancia, quanto aos meios indicados para se chegar a fins muito louvaveis.
Não se pense de modo algum que a idéa de fazer economias importa a idéa de não occorrer ás necessarias despezas de serviço, mas só o desejo de que o costeio d'esse serviço não seja superior ao que póde e deve ser (apoiados).
O sr. ministro da marinha auxiliou com as suas observações este meu modo de pensar, por isso que s. ex.ª relatou o facto de que em circumstancias extraordinarias, se contentaria com o subsidio de 20:000$000 réis, que julgava sufficientes. Pois bem, nós, n'essa occasião, arrastados por um enthusiasmo louvavel pela intenção que o inspirava, votámos 200:000$000 réis. (Vozes: — Ouçam, ouçam.)
Sr. presidente, declaro mui positivamente que não estou disposto a votar subsidios para custear despezas correntes, no ultramar, senão para duas provincias que se acham em circumstancias especiaes. Lembremo-nos de que a pratica seguida em contrario tem servido só para sobrecarregar o thesouro da metropole sem utilidade para o ultramar, e trazendo sempre como consequencia o não melhorar os rendimentos daquella parte da monarchia. São possiveis e realisaveis muitos beneficios, quando o zêlo e intelligencia das auctoridades locaes são chamadas a exercer n'este campo a actividade da sua iniciativa (apoiados). De outro modo nunca elles se hão de realisar, e os subsidios que votarmos serão sempre improductivos (apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)
O sr. Santos e Silva: — Peço a palavra para um negocio urgente.
O sr. Carlos Testa: — Não sei se v. ex.ª permitte que eu use da palavra, depois do pedido do sr. Santos e Silva.
Faço esta observação, mesmo porque a materia esta tão brilhantemente discutida, que a minha voz, nada auctorisada, pouco mais póde acrescentar.
Acresce alem d'isso que não vinha prevenido para a discussão, mas pelos incidentes que se deram durante a mesma, julgo dever fazer algumas considerações ad rem.
O sr. ministro da marinha, quando tratou de responder ao meu amigo o sr. Joaquim Pinto de Magalhães, fez a descripção do que tinha acontecido ao Bonga, dos costumes barbaros, fallou de feitiços e dos sacrificios humanos e outras praticas barbaras daquelles povos; e eu aproveito esta occasião para corroborar uma opinião que tenha ha muito, de que é mais conveniente civilisar aquelles povos semi-selvagens, do que ter de mandar soldados para os fuzilar, e de que colonias sem missões não valem nada.
É necessario levar a civilisação áquelles povos, que nenhum conhecimento têem das vantagens que d'ella lhe devem resultar, mas isto só poderá obter-se, extinguindo aquellas barbaras praticas; esse resultado só se consegue evangelisando. Vale mais introduzir este germen fecundo de civilisação, do que ter de gastar dinheiro em mandar soldados para domar a fereza daquelles povos barbaros, recorrendo aos meios violentos
Outra circumstancia que me induziu a usar da palavra, foi quando o sr. ministro da marinha fallou em mandar soldados para o ultramar, e disse que já tinha offerecido réis 10$000, e não havia quem quizesse ir, e que o governo tencionava mandar cem ou cento e tantos, e ainda não conseguira obte-los por tal meio.
Parece-me que a experiencia deve ter mostrado que esta maneira de mandar contingentes para o ultramar não é a mais humanitaria nem a mais util. Os soldados recusam-se, e recusam-se com fundamento a ir por qualquer preço, e porque? Porque não têem que esperar no futuro recompensa alguma por este serviço; os soldados que vão sustentar a dignidade do nome portuguez, empunhando as armas naquelles inhospitos e longinquos climas, qual é o premio que recebem quando d'ali voltam, os que voltam? Mendigam; eu os tenho visto a pedir esmola pelas ruas de Lisboa.
Além d'isto, não fallando no valor pessoal, que todos têem, que incentivo de corporação e de classe podem ter esses soldados assim angariados, sem terem aquelle prestigio, aquelle espirito de camaradagem que existe n'um corpo organisado com caracter permanente?
Todos nós sabemos que um corpo qualquer do exercito, que foi considerado como bem disciplinado e valente, conserva sempre o seu bom nome; emquanto um corpo que nunca foi assim considerado difficilmente se torna bom. Isto são factos que todos nós conhecemos.
Ha mais ainda. Em qualquer corpo militar existe sempre o espirito de classe, que dá logar a que o soldado adquira por elle uma certa devoção, e seja Causa de lhe dar um certo prestigio, que é um incentivo de valor e disciplina; mas que prestigio póde ter um corpo como esse e outros que repentinamente se usam formar, composto de soldados de diversas procedencias, sem espirito de classe, sem organisação permanente, e sem esses enlevos que lhe podem dar valor e efficiencia?
Dá-se porém outra circumstancia. Com estes soldados, a quem se offerecem 10$000 réis devem ir tambem uns tantos disciplinares! Quem são estes disciplinares? São soldados do exercito que têem commettido tres faltas simples, successivas, e que são condemnados a irem servir no ultramar por certo numero de annos; de maneira que vão no mesmo navio, fazendo parte do mesmo corpo e para fazer serviço na mesma localidade homens movidos pela offerta de 10$000 réis, a par de outros que vão para ali cumprir uma sentença! Que prestigio póde ter um corpo d'estes? Que se póde esperar de um nucleo de força assim organisado? E por esta occasião direi que me parece este systema, de formar depositos disciplinares, é mui pouco humanitario; o soldado que commette tres simples faltas é condemnado por uma sentença a ir servir no ultramar; quer dizer, por estas tres simples faltas soffre o mesmo castigo que se impõe hoje ao assassino! Nós chegámos a uma epocha em que, como se vê todos os dias nos jornaes, se commettem os crimes mais atrozes pela quasi certeza que ha da impunidade, porque os grandes criminosos sabem que o maior castigo que se lhes impõe é serem degredados para o ultramar; pois o soldado que commette tres faltas simples soffre o mesmo castigo que soffrem os grandes assassinos e malfeitores! Ha mais; no mesmo navio, debaixo da mesma coberta, encontram-se equiparados o homem que commetteu o assassinato, o soldado disciplinar que vae cumprir sentença de seis ou oito annos, e o soldado que se offereceu por 10$000 réis!
Trago isto para mostrar que este systema de organisação de tropas para o ultramar, não é o mais conveniente; devia existir com caracter permanente um corpo expedicionário, organisado de modo, que quando se desse uma necessidade, como a actual, não fosse preciso andar angariando soldados, e reunindo elementos heterogeneos, porque com a resultante morosidade e mais inconvenientes, póde acontecer que quando cheguem os soccorros onde são necessarios, sejam tardios, alem de menos proficuos. Temos alem d'isto uma grande deficiencia, que é não termos communicações regulares com as nossas provincias alem do Cabo da Boa Esperança, o que não seria difficil se tivessemos meios de transporte adequados para taes expedições, como hoje acontece em todas as marinhas de guerra, pois é sabido que estas têem alterado completamente o seu systema de composição.
Os actuaes navios de combate são differentes dos navios que havia antigamente; mas todas as marinhas de guerra têem um serviço de transportes, porque em muitos casos não se póde fazer a guerra sem se transportarem tropas. Nós não temos um serviço de transportes; e esses vasos que fretamos são de minima marcha, e incapazes de conduzir em boas condições hygienicas essas expedições que são mandadas para o ultramar, resultando alem d'isso para os individuos que as compõem, a incerteza do regresso, em consequencia d'essa mesma carencia dos meios de transporte.
Quantas vezes os homens que vão para o ultramar, a fim de ganharem os 10#000 réis, acabam o seu tempo de serviço, e não têem meios alguns de regressarem á Europa?!
Tudo isto fórma um conjuncto de circumstancias, que as difficuldades que se apresentam, quando apparecem casos d'estes, são immensas.
De todos os expedientes portanto, o principal seria ode civilisar, pelo meio que digo, as colonias, as quaes se dão muitos exemplos* d'estas sublevações, a causa encontra-se as mais das vezes em que estas são filhas da natural fereza dos seus habitantes, que se acham ainda no estado selvagem, como foram encontrados ao tempo do descobrimento.
Não me pejo de o dizer, embora me chamem reaccionario, porque não me envergonho de querer que o bem seja contra o mal; entendo que sem missões não póde haver colonias. Emquanto estas se não civilisarem pelo Evangelho, tudo será perdido—tempo, dinheiro e gente.
Por consequencia, estimaria muito que o sr. ministro da marinha partilhasse d'esta minha opinião, para que não ficasse como letra morta esta idéa que ha muito tempo se agita, qual é a de que as colonias precisam de missões.
Eu não estava prevenido para entrar n'esta discussão, mas desejava consignar estas idéas que são minhas, e cuja realisação tenho muito a peito. Peço por isso desculpa á camara de lhe ter tomado algum tempo.
O sr. Santos e Silva (para um objecto urgente): — O objecto para que pedi a palavra nada tem com o incidente de que se trata, e por isso, se v. ex.ª entende que elle póde terminar hoje, cedo agora da palavra, porque não quero embaraçar o caminho em que a camara vae.
O sr. A. J. de Seixas: — Não fallarei sobre colonias, porque me era necessario muito tempo para dizer o que entendo sobre este objecto, alem de que estou aqui ha seis annos, e tenho conhecido estas discussões. Falla-se muito nas colonias, lembram-se muitos expedientes, lembram-se muitos salvaterios, e ellas ficam sempre na mesma miseria e no mesmo desleixo!
Desejo unicamente levantar uma allusão do nobre deputado o sr. Carlos Bento, relativamente aos subsidios das colonias, que são uma cousa muito simples na opinião do illustre deputado.
Diz s. ex.ª que, emquanto se derem subsidios ás colonias, ellas não prosperam. Pois é cousa facil de remediar; é o nobre ministro da marinha e o conselho ultramarino, quando vierem os orçamentos das provincias ultramarinas, cortarem pelas despezas. Mata-se assim o deficit d'ellas!
Pois suppõe-se que as colonias são uma confederação da monarchia, que tem uma administração separada das lucubrações governativas e actos do poder executivo de Portugal? Não. Os orçamentos vem a Portugal, e por consequencia nada mais facil de que o nobre ministro da marinha e o conselho ultramarino cortarem pelas despezas. Aqui esta a maneira de matar o deficit (hilaridade).
E o mesmo que se póde fazer com respeito ao reino.
Vamos a qualquer ministerio que gaste 2.000:000$000 ou 3.000:000$000 réis; ao ministerio da guerra, por exemplo; e, se o sr. ministro da guerra estivesse presente, eu diria alguma cousa a este respeito. Vamos, pois, ao ministerio da guerra, que gasta a bagatella de perto de réis 4.000:000$000, e cortemos n'esta despeza, visto que temos o deficit.
Pois dá-se subsidio para a sustentação das provincias ultramarinas?!... Mas para que?!... Para que é o subsidio ás colonias?!... Ora, isto não parece serio quando nos lembramos que as colonias obedecem ás leis e ao governo de Portugal!
Direi unicamente duas palavras a respeito da provincia de Angola.
A provincia de Angola tem 270:000$000 réis de rendimento, gasta cerca de 220:000$000 réis com o seu exercito, e por consequencia ficam-lhe 50:000$000 réis para todos os outros ramos de administração, e para os melhoramentos, que são representados por um zero, como todos os mais progressos!
D'aqui o que se segue é que, sendo as despezas publicas de cerca de 400:000$000 réis e a receita de 270:000$000 réis, ha um deficit de 130:000$000 réis; mas este deficit mata-se, como ámanhã se mataria o deficit de Portugal,
Página 922
922
pelo systema que eu disse... Cortar no orçamento, e já se vê que é por este meio que devemos matar o deficit de Portugal!
Sr. presidente, eu tenho muita consideração por todos os meus collegas, e tenho-a duplicadamente pelo sr. Carlos Bento; entretanto a respeito de subsidios, cada um fica com as suas idéas.
O nobre deputado e meu sympathico amigo, o sr. Testa, fallou em missões. Eu tambem as quero, como a unica maneira talvez de civilisar as colonias. Appareçam os missionarios! Appareçam os prelados, mas que não se retirem das suas dioceses! (Apoiaãos.) Que façam como S. Francisco Xavier, que antigamente conquistava pela palavra! Hoje porém os prelados vão para o ultramar (quando vão) e não tratam de civilisar as colonias. Padres ha muito poucos e assim mesmo não são todos como se querem para esse fim (apoiados). Oh! sr. presidente eu fico aqui sobre este ponto!
O sr. Pinto de Magalhães, meu bom amigo, apresentou uma idéa, que aliás é vulgar, disse que = nós não podemos ter autonomia sem que tenhamos colonias =. Note a camara que eu quero colonias; mas não as quero, para algumas, no estado de miseria em que jazem, e deixem-me apresentar o seguinte facto.
Quando o grande D. João I saíu de Lisboa, nos fins do XIV seculo, a conquistar Ceuta, tinha vencido o castello e salvado a independencia nacional em largos combates, e, sr. presidente, a monarchia portugueza robustecia-se gradualmente desde 1139, em que se fundara, até ao fim do seculo XIV, em que nós principiámos a ter colonias, ganhando então por outro lado nome em todo o mundo, pela importancia das nossas grandes emprezas; mas as colonias vieram depois de já termos nação, e de termos provado em mil combates que podiamos ser estado independente (apoiados).
Direi ainda duas palavras ácerca da questão dos dizimos, ou tributo de capitação sobre casas miseraveis, que algumas podem valer 600 ou 1200 réis por cada cubata e dellas pagam 200 réis cada morador. Quando os dizimos eram de 200 réis, o café da provincia recebia 30:000$000 a 40:000$000 réis; e quando elevaram os dizimos a 1$000 réis, houve annos em que não se recebeu 18:000$000 réis! Posso provar isto com documentos officiaes. Quando o sr. Mendes Leal foi ministro da marinha, tomando conhecimento d'estes factos, reduziu os dizimos a 200 réis e a cobrança augmentem; houve logo um rendimento superior a 18:000$000 réis o ate de 28:000$000 réis, etc...
Sr. presidente, tinha ainda muito que dizer sobre colonias, mas a camara esta cansada e portanto reservo-me para outra occasião. Continuar n'esta materia seria gastar tempo, que representando capital augmenta tambem o deficit, e demais eu sei por experiencia que estas explosões de patriotismo sobre as colonias deixam-nas sempre no estado deploravel em que estavam antes. I,
Eu tratarei, sr. presidente, mais tarde e como podér, os negocios das colonias (apoiados).
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro da Marinha: — De accordo em quasi tudo o que disse o nobre deputado e meu amigo, o sr. Seixas, farei apenas pequenas observações.
O tributo do dizimo começou a ter augmento em Angola, no anno de 1857, e ficava na quota do 1$000 réis quando eu me retirei da provincia em 1860. O respectivo rendimento, que se cobrava effectivamente, foi sempre crescendo até esta ultima epocha. O que o illustre deputado disse refere-se seguramente a annos posteriores, quando a guerra lavrava no interior da provincia, e portanto o tributo não se podia cobrar. A não ter crescido o rendimento dos dizimos, como se poderia ter feito face ás avultadas despezas que trouxeram as novas occupações de territorio, effectuadas de 1855 a 1859, desde o Ambriz ao Bembe, e dos Gambos até á margem direita do rio Cunene, não se tendo recebido nenhum auxilio pecuniario da metropole?
O sr. Seixas: — V. ex.ª permitte-me uma interrupção?... Quando V. ex.ª governou, e muitissimo bem, a provincia de Angola, a despeza militar era ali de 67:000$000 réis, e hoje sobe a duzentos e tantos contos.
O Orador: — Quero dizer que o desequilibrio actual das finanças da provincia vem de causas complexas. É verdade que a despeza publica foi notavelmente augmentada com varias medidas. Tiveram augmento os vencimentos de todos os servidores do estado, militares e civis, e passaram a ser pagos em moeda forte muitos d'esses vencimentos, sendo-o d'antes em moeda fraca;' crearam-se novas repartições, etc... Mas isto não infirma o que eu avancei, isto é, que o rendimento do dizimo foi sempre crescendo até 1860, com a elevação da respectiva quota. Foi o nobre marquez de Sá da Bandeira, então ministro da marinha, quem tomou essa providente medida, e todos sabem o grande interesse que elle toma na prosperidade das colonias (apoiados).
Uma voz: — Como todos.
O Orador: — Como todos, não duvido; mas permitta-se-me que faça de s. ex.ª uma menção especial, porque s. ex.ª o tem provado exuberantemente. E porque fez isso o nobre marquez? Porque tinha o exemplo na colonia ingleza do Natal, onde o imposto de capitação era de 1$600 réis, não sendo lá os indigenas mais ricos do que o são na nossa provincia de Angola. Não sei se me engano, mas quer-me parecer que a reducção do imposto do dizimo á antiga taxa de 200 réis, foi um erro deploravel.
Referir-me-hei agora ao que disse o illustre deputado, o sr. Testa. Creio muito na efficacia das missões para a civilisação dos pretos, mas não penso que ellas só por si bastem para esse fim (apoiados). São excellentes as missões, mas é mister que achem apoio nas espadas (apoiados).
A influencia dos padres é grande e salutar; mas para que as nossas colonias gosem d'esse beneficio, não sei eu na verdade o que mais possa fazer o governo, como bem o observou o nobre deputado, o sr. Seixas. O governo tem augmentado successivamente as congruas dos sacerdotes que quizerem ir parochiar nas colonias, e a ponto tal que bem se póde dizer que elles são os funccionarios publicos que ali têem maior remuneração. E apesar d'isto poucos são os que querem ir para lá!
Tambem o governo fez abrir os seminarios diocesanos do ultramar, onde os não havia já. Uns funccionam mal por falta de professores; outros têem professores, mas faltam-lhes os alumnos. O de Angola fechou-se, porque ía mal a todos os respeitos. Comprehende-se bem que as cousas ecclesiasticas no ultramar não possam correr bem na ausencia dos respectivos prelados (apoiados). E indispensavel que os prelados ali se conservem e olhem com zêlo e interesse pelas conveniencias da igreja (apoiados). Não quero dizer com isto que não tenham ido para as dioceses do ultramar prelados mui zelosos e virtuosos. Estou longe até de o pensar assim, mas infelizmente arruinam-se logo de saude, voltam ao reino e renunciam (apoiados).
Temos um estabelecimento religioso importante, que é o collegio das missões ultramarinas de Sernache do Bomjardim, dirigido por um prelado dignissimo a todos os respeitos, o reverendo bispo eleito de Macau (muitos apoiados). D'ali hão de saír bons parochos o missionarios para as nossas colonias (apoiados), porque n'elle se empregam com desvêlo os meios de os formar. Oxalá que tão bom modelo seja imitado pelos outros seminarios do ultramar (apoiados).
Tocou o illustre deputado, o sr. Testa, n'um outro ponto, na qualidade dos soldados que nós mandamos para as nossas colonias, incorrigíveis e deportados. S.' ex.ª sabe bem que isto se faz em virtude de uma. lei, o a exemplo do que praticam muitas outras nações. Póde-se criticara lei e a pratica á luz dos principios. O facto é porém que taes soldados não prestam peior serviço do que aquelle que se obtém dos voluntarios. Digo isto com a "experiência que tenho das cousas do ultramar.
Conclui as observações que tinha a fazer sobre o que disseram os dois illustres deputados.
O sr. Freitas e Oliveira (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte moção (leu).
Creio que não é agora occasião propria para fallar ácerca das colonias.
Se esta discussão nos levasse a uma resolução e trouxesse comsigo algum melhoramento para as colonias ou algum remedio para seus males, nada mais importante do que ella; porém, como não nos conduz a nenhum resultado, estamos a perder o tempo inutilmente.
Leu-se na mesa a seguinte
1 Proposta,
A camara resolve adiar esta discussão sobre colonias para quando tiver de occupar-se do orçamento do ultramar, e passa á 2.ª parto da ordem do ã\&. = Freitas e Oliveira.
Foi admittida, e, posta á votação, approvada logo.
O sr. J. M. Lobo d'Avila: — Creio que era eu o unico deputado que estava inscripto.
O sr. Camara Leme: — Tambem eu tinha pedido a palavra.
O sr. Presidente: — Estavam inscriptos os srs. Lobo d'Avila o Camara Leme.
O sr. Penha Fortuna:-- A commissão especial, encarregada do dar o seu parecer sobre o bill do indemnidade, relativamente ás medidas dictatoriaes, constituiu-se, o escolheu o sr. Joaquim Thomás Lobo d'Avila para presidente, e a mim para relator.
A commissão emprega todos os meios ao seu alcance para apresentar, o mais brevemente possivel, o resultado dos seus trabalhos.
O sr. Santos e Silva (para um requerimento): — Não quero contestar aos srs. deputados o direito de dirigirem interpellações ao governo, e louvo muito a promptidão com que os srs. ministros têem vindo responder a ellas, algumas das quaes são satisfeitas no mesmo dia em que lhes são dirigidas (apoiados).
Mas a verdade é que, se nós continuâmos assim, qualquer dia temos de pedir aqui o contrario do que costumávamos pedir nos outros annos; estão prohibidos os ministros de responder ás interpellações (riso). Todas as sessões temos chamado por ministros para responderem a interpellações; d'aqui a pouco havemos de rogar aos srs. ministros, que sejam mais parcos em satisfazer a tantas exigencias.
Ha tres dias successivos que não tratâmos de outra cousa senão da verificação de interpellações, ponde de parte trabalhos urgentíssimos, como são a eleição de certas commissões, e o complemento de outras em que faltam alguns membros.
E um facto lamentavel que o paiz não póde aceitar (apoiados).
Que se interpelle o governo, e elle responda sobre um negocio urgente, urgentissimo, por se entender que -é necessario empregar promptos remedios, admitto; mas que venham fazer-se para aqui prelecções de historia sobre a fundação dos nossos estabelecimentos coloniaes, que venham tratar-se de todas as questões coloniaes, a pretexto dos acontecimentos da Zambezia, facto é este que a camara não - póde aceitar.
Não quero censurar os meus illustres collegas; o que digo é que estou resolvido a fazer qualquer dia a seguinte proposta: «Estão prohibidas as interpellações, provisoriamente, emquanto a camara não eleger as suas commissões, e não começar a occupar-se dos negocios para que o paiz nos mandou aqui. (Apoiaãos.)
E necessario que empreguemos o tempo como devemos, que cumpramos com o dever de eleger as commissões que faltam, e de completar aquellas que ainda não estão completas.
Por isso mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).
Como é possivel que os srs. ministros mandem para as commissões as propostas, de lei, as medidas que nós estamos reclamando todos os dias, e o paiz tambem, e que são urgentissimas, se as commissões ainda não estão eleitas? Não póde ser (apoiados).
Tratemos primeiro d'isto, e depois V. ex.ª, com a pericia que o distingue, distribuirá os trabalhos por tal ordem, que ha de haver tempo para tudo, para as interpellações em dias certos e determinados, para fazermos a eleição das commissões, e para tratarmos dos negocios pendentes, de que é tambem urgente tratar, como são os pareceres a respeito do eleições geraes, sobre as quaes ainda não nos pronunciámos. Tenho dito (apoiados).
Leu-se na mesa o seguinte
Requerimento
Requeiro que se passe desde já á eleição dos membros da commissão de fazenda, que faltam para preencher o numero legal. = Santos e Silva.
O sr. Presidente: — A ordem do dia de hoje devia ser, na primeira parte, a eleição de Rezende, e na segunda, eleição de commissões; porém a mesa declara, que possuida dos mesmos sentimentos que tem a camara, que deseja trabalhar e não o póde fazer sem que as commissões estejam eleitas e, preparem os trabalhos de que a camara deve occupar-se, tinha já tencionado propor a alteração da ordem do dia, passando-se já á eleição dos membros que faltam para completar a commissão de fazenda e outras commissões. A mesa admitte portanto do melhor grado as reflexões do sr. Santos e Silva sobre a alteração da ordem do dia que estava dada, e consulta a camara sobre se approva o requerimento do sr.' deputado.
Posto á votação o requerimento do sr. Santos e Silva, foi approvado.
O sr. Camara Leme: — -Eu não vi que v. ex.ª pozesse em discussão a proposta do sr. Santos e Silva. (Vozes: — Já esta votado.) Quando se suscitou o incidente a respeito das provincias ultramarinas, resolveu a camara que se desse a palavra a todos os srs. deputados que a pedissem sobre áquella materia. Depois o sr. Freitas Oliveira apresentou uma moção, para que se passasse á ordem do dia, e a camara votou n'esse sentido. Agora apparece uma nova proposta para alterar tudo quanto a camara tinha votado! Só apresento esta consideração á camara, resolva ella como entender.
O sr. Presidente: — Passa-se á eleição dos membros que
faltam para completar algumas commissões.
O sr. 1.° Secretario: — O que ha agora a eleger é:_ Dois membros que ainda faltam para a commissão de
fazenda; um para a commissão de ultramar, um para a
commissão de guerra, e outro para a commissão de obras
publicas.
Feita a chamada e corridos os escrutinios, verificou-se haverem entrado para a eleição dos dois membros da commissão de fazenda 112 listas, das quaes brancas 4, saíndo eleitos os srs.:
Francisco Van-Zeller, com.................. 93 votos.
Justino Ferreira Pinto Basto................ 88 »
Para completar a commissão de ultramar entraram 111 listas, das quaes 10 brancas, saíu eleito o sr.:
Antonio Cabral de Sá Nogueira, com......... 81 votos.
Para completar a commissão de guerra entraram 64 listas, das quaes 9 brancas; saíu eleito o sr.:
Manuel José Julio Guerra, com............. 55 votos.
Para completar a commissão de obras publicas entraram na urna 60 listas, das quaes brancas 2; saíu eleito o sr.:
Manuel José Julio Guerra, com............. 55 votos.
O sr. Presidente: — A. ordem do dia para a sessão de ámanhã é, na primeira parte, a eleição de commissões, e na segunda, a continuação da discussão da eleição de Rezende.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas da tarde.