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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORDS DEPUTADOS
verno são meios ordinarios de receita que nada affectam os recursos dos contribuintes.
Todos gostam muito de que se realisem todos os melhoramentos, e gostam muito mais de os ver realisados, não tendo sentindo os inconvenientes do augmento do imposto, nem tendo pensado nas difficuldades e sacrificios inseparaveis do seu pagamento.
Por este systema adiam-se as difficuldades para o futuro, mas chega o momento em que o adiamento encontra o termo, em que o que foi futuro se tornou presente. Qual é o resultado? O sacrificio é indispensavel, urgente, fatal.
O paiz pouco disposto a pagar melhoramentos que já possue, que se habituou a possuir de graça, que se esqueceu ter de pagar, e que vae pagar tanto mais caros quanto mais tempo estiver adiado o pagamento, luta contra o sacrificio que é indispensavel, e condemna necessariamente todas as illusões em que adormeceu agradavelmente para despertar pouco depois na triste realidade de sacrificios urgentes e muito aggravados.
Eu condemno este systema, e se a verdade, de primeira intuição, é que todas as despezas hão de ser pagas pelo paiz, não disfarcemos por fórma alguma, esta verdade, vote-se o imposto quando se decreta o melhoramento, crie-se a receita quando se vota a despeza. O systema contrario não me parece conveniente, não é prudente e póde ser muito perigoso.
Por isso eu chamo muito especialmente para este ponto a attenção do governo, que poderá adiar a despeza até crear os recursos, se quizer attender estas observações que lhe dirijo com a maior benevolencia e sinceridade.
Outro ponto, que não reputo menos importante, é a questão de methodo na construcção das diversas linhas ferreaes de que incontestavelmente o paiz não póde prescindir.
Mal podemos tratar este ponto sem a apresentação previa do plano ou rede geral dos caminhos de ferro portuguezes, e n'esta parte estou de pleno accordo com as reflexões apresentadas hontem n'esta camara pelo meu amigo o nobre ministro das obras publicas.
O que eu sinto é que tenhamos de discutir e de votar ainda este caminho do ferro antes da apresentação d'esse plano geral, que deve expor a directriz de cada linha, as diversas ligações e ramaes, as vantagens de cada uma, tornando assim bem patentes as rasões de preferencia que devem decidir-nos em relação á prioridade de cada construcção.
Para mim a apresentação d'esse plano geral é tão indispensavel, que deveria preceder a discussão do qualquer projecto de caminho de ferro. N'este assumpto, em que eu sou o primeiro a allegar a propria, incompetencia, o que ninguem póde estranhar, vejo-me forçado a suspeitar, com grande magua minha, que talvez, a maioria, dos meus collegas não tenha competencia superior á minha para apreciar questões scientificas especiaes, cuja solução é todavia de importancia capital para o paiz.
N'estas condições forçoso é reconhecer que o parlamento vota sem conhecimento de causa, porque vota sem terem sido apresentados os esclarecimentos indispensaveis para poder resolver com segurança não só sobre a precedencia que deve dar a uma ou outra linha, como sobre as vantagens ou inconvenientes que cada uma d'essas linhas póde offerecer.
Confesso a v. ex.ª que, sendo estranho ás condições technicas e incompetente para as avaliar, tenho por vezes sentido graves apprehensões, pelas informações que recebo das pessoas que a sciencia declarou competentes para entenderem d'estes assumptos.
Vejo por exemplo que se insiste com muita força pela conclusão do caminho de ferro do Algarve.
Esse caminho está votado pelo parlamento e já começado, de via larga como caminho de ferro de primeira ordem.
Sabe V. ex.ª o que me dizem pessoas competentes? Afirmam e garantem, que se o governo portuguez concluir o caminho do Algarve nas condições em que vae começado, se o dotar com todo o material circulante para uma boa exploração, e depois d'isso quizer dar de graça este caminho e material circulante a uma companhia, impondo-lhe unicamente a condição de o explorar em boas condições, não encontra companhia que o queira por tal preço, isto é, que o acceito de graça só com a obrigação de o explorar regularmente!
Sujeitarmo-nos a ouvir das pessoas que scientificamente estão auctorisadas para conhecer d'estes assumptos, noticias desta ordem, declaro a v. ex.ª que é extremamente desagradavel, sobretudo a proposito de obras tão dispendiosas que por causa d'ellas podemos comprometter as finanças do paiz.
Todos estes inconvenientes desappareceriam, se á apresentação e votação de cada, proposta tivesse precedido a apresentação da rede geral, expondo a natureza, vantagens e inconvenientes de cada linha a construir.
Assim todos feriam elementos de apreciação e motivos para decidir com conhecimento de causa; por emquanto votâmos ás cegas, e ouvimos estas o outras amabilidades.
Já que me referi ao Algarve, declaro a v. ex.ª e muito especialmente aos dignos representantes da provincia do Algarve, meus collegas n'esta casa, que não me opponho á construcção do um caminho de ferro para o Algarve, porém entendo que um caminho de ferro que não communica com a rede geral, não póde nem deve ser considerado de via larga nem caminho de primeira classe. (Apoiados.)
E a esse respeito, permitta-me v. ex.ª dizer incidentemente que, tendo nós n'este paiz um caminho de ferro de via reduzida ainda em ponto muito pequeno, posso affirmar a v. ex.ª e á camara que tenho encontrado n'esse caminho muito melhores condições de exploração e de brevidade do que existem em todos os outros tanto no de norte e leste como nos caminhos de ferro ultimamente explorados por conta do governo. Posso demonstral-o á evidencia, se for preciso.
Ora, sr. presidente, se esses caminhos reunem ás condições de construcção mais barata e mais rapida todas as condições indispensaveis para transito e para commodidade, creio que os primeiros interessados em pedirem caminhos de ferro, por este systema, são aquelles que desejam a implantação rapida das coinmunicações a vapor nas diversas localidades.
Sr. presidente, postas estas considerações, chamarei ainda a attenção do governo unicamente para a questão do methodo.
Não póde haver, na minha opinião, systema mais prejudicial do que principiar caminhos de ferro e deixal-os incompletos.
Um caminho de ferro de via larga e considerado de primeira ordem, que se destinasse unicamente ao serviço ou ás communioações internas de Portugal, seria, na minha opinião, uma perfeita loucura; uma construcção tão cara, tão difficil, como é um caminho de ferro de primeira ordem, só se justifica pela sua ligação com a rede europeia.
N'estas condições, póde ser que eu diga tambem uma blasphemia; e outra vez lembro a falta que se dá em mim de habilitações especiaes para estes assumptos, mas referindo-me a informações obtidas de pessoas competentes, com as quaes tenho discutido quanto a minha incompetencia o permitte, a opinião que sustento deve ter rasões solidas em que se firme.
O prolongamento do caminho de ferro do Douro até á fronjteira para ligar em Salamanca, que é tambem o ponto de ligação que este projecto apresenta para o caminho de ferro da Beira Alta, ficaria uma linha internacional, que, embora não fosse definitiva, nem a melhor em relação ao porto de Lisboa, é incontestavelmente muito melhor o muito mais internacional do que a communicação actual por Badajoz e Madrid.