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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Por consequencia o que havia?

Havia apenas o commercio com o extremo Oriente, que vinha difficilmente e com muita demora pelo golpho Persico o mar Vermelho para atravessar depois em caravanas para as costas da Syria, ou por Suez, a Cairo e Alexandria, d'onde ía para Veneza, que era o entreposto e o emporio d'esse commercio, porque era d'ali que se repartiam todas as especiarias e todas as preciosidades do Oriente pelos differentes paizes da Europa.

Depois decaíu osso emporio, esse interposto do commercio do mundo; e porque decaiu elle? Vieram aquelles grandes feitos de navegação era que tomámos tão gloriosa parte, e Lisboa tornou-se por sua vez o grande emporio commercial, tornou-se o centro do grande movimento do commercio com relação aos productos orientaes.

Era a Lisboa que convergiam os navios de todos os pontos da Europa; toda a importancia enorme que tivera Veneza, a rainha do Adriatico, passou para o porto do Lisboa.

Effectivamente este estado não podia durar muito; e porque? Porque se fundamentava no systema do monopolio, no systema das restricções.

Quando sobrevieram outras circumstancias politicas, quando passámos á sujeição de Castella, e quando por consequencia Filippe II prohibia aos inglezes o hollandezes, por causa da guerra que com elles trazia, que viessem ao porto de Lisboa para se abastecerem n'este mercado de todos os productos do Oriente, elles o que fizeram? Procederam como quem dissesse: pois iremos nós mesmos ao Oriente; e d'ahi proveiu o acabar-se para nós esse monopolio que tinhamos estabelecido em nossa vantagem exclusiva.

Foi por isso que aquelle notavel publicista hollandez Hugo Groot escreveu a importante publicação Mare liberum, para demonstrar que a liberdade dos mares devia ser para todas as nações; que o monopolio que Portugal tinha estabelecido para si devia acabar, e que todas as nações deviam ter igual direito ao uso dos mares, sem restricções impostas por esta ou aquella.

E que resultou d'ahi? Resultou acabar se o emporio commercial de Lisboa, mas devido a que nós não podiamos permanecer n'aquelle systema de monopolio, no systema de não haver a liberdade dos mares.

Mais tarde porém, nos nossos dias, o que vimos nós? O reviramento do systema commercial do mundo. A grande navegação que vinha do Oriente para Lisboa, acabara de ha muito; mas o grande commercio do Oriente tornou outra vez a seguir o antigo itinerario, por effeito da abertura do isthmo de Suez.

Se então Lisboa se não resentiu foi porque já tinha deixado de ser o grande emporio commercial; porque já não tinha que perder o que não possuia de ha muito. Mas que lhe ficava? Ficava-lhe a sua posição geographica (Apoiados.), ficava-lhe a America pelo occidente, ficavam-lhe n'essas regiões transatlanticas, novos mananciaes de um commercio immenso, que ha de ser feito pela via maritima, o na via maritima encontrará sempre como sendo o ponto mais proximo e mais accessivel para escala á esse grande commercio inquestionavelmente o porto de Lisboa. (Apoiados.)

Portanto, isto não e uma utopia: isto é uma perfeita realidade, isto é uma verdade clara e manifesta que se deve ter muito em vista na construcção d'este caminho de ferro. (Apoiados.)

E esta linha ferrea poderia ainda não ter uma grande influencia no desenvolvimento do porto de Lisboa quando a navegação era morosa, rotineira e mal servida; mas hoje que os mares são cruzados por esses magnificos navios movidos por vapor, hoje que as necessidades da navegação se multiplicam e desenvolvem pelo aperfeiçoamento das machinas, hoje que a navegação transatlantica tem tomado um desenvolvimento importantissimo, que todos os dias cresce á proporção que assim o exigem as necessidades do commercio d'esse grande continente americano, cujos productos naturaes cada dia mais se tornam de primeira necessidade no consumo Mas industrias da Europa; hoje, como consequencia, a importancia do porto de Lisboa augmentou consideravelmente, e a abertura do isthmo de Suez, que n'outro tempo poderia ter tido uma influencia desastrosa no movimento d'este porto, não influe desvantajosamente, porque até mesmo o augmento de navegação para as Índias pelo canal de Suez, não deixa de augmentar a importancia do porto de Lisboa, porque toda essa navegação passa defronte d'este porto; e d'ahi vem o ser elle accidentalmente um porto do escala para abastecimentos, bem como para reparações.

Por isso se até hoje o porto de Lisboa, mesmo nas suas actuaes condições, chama a si eventualmente a navegação, é claro que desde que elle se constitua a guarda avançada da Europa, desde, que haja d'aqui facilidade de communicação com o centro da Europa, esse grande commercio com o mundo occidental e meridional virá aqui expressamente em grande parte o não eventualmente, e este porto terá, como ha pouco disse s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, um esplendido futuro.

Veja a camara por exemplo o que succedeu com Brindisi, que era uma pequena cidade o mau porto nas costas da Calabria, e que hoje é importantissimo, depois dos melhoramentos que o governo italiano lhe fez, despendendo com isso muitos milhões; e tudo isso só porque aquelle porto em rasão de ser o terminus de um importante caminho, encurta de trinta e seis horas o trajecto para o Egypto e India. O mesmo ha de aqui succeder quando o projectado caminho de ferro reduzir o trajecto de Lisboa a París a quarenta o oito horas.

Este caminho de ferro não é por consequencia uma linha de vantegem para esta ou aquella provincia. Eu sou deputado pela, Beira Alta, mas ainda que não o fosse, eu consideraria sempre este caminho de ferro debaixo de um ponto de vista e de um alcance muito mais vasto do que o de uma simples linha ferrea util a esta ou aquella provincia. É para todas.

Como portuguez, eu quero este caminho de ferro de preferencia a qualquer outro, porque da grande actividade commercial que virá ao porto de Lisboa, da grande riqueza que ha do desenvolver-se, do augmento dos rendimentos aduaneiros, e da resultante actividade commercial provirão, como consequencia, vantagens reaes para todo o paiz.

Como sendo outra consequencia d'este desenvolvimento commercial, resultaria um importante movimento no que respeita ao trafico maritimo o serviço das linhas transatlanticas.

A sempre crescente navegação entre o norte da Europa e a America meridional, é hoje explorada em condições de tempo, que não excede ao que é exigido para o trajecto pela via terrestre.

Mas certamente seria provavel que o crescido, e cada vez maior, numero de passageiros entre a Europa e America do Sul, aproveitaria do encurtamento na via, terrestre que resultará, desde que podessem fazer do Lisboa o posto avançado que lhe abreviasse a viagem de dois dias.

De uma tal actividade e desenvolvimento no trafico proviriam outras consequencias de valor e alcance. D'ahi viria necessariamente uma modificação que muito precisa é no systema restrictivo das nossas tarifas aduaneiras e acção fiscal, que tornar-se-ía mais franco e mais de accordo com os diciames da liberdade de commercio, pois é preciso soltar as peias que ainda vexam o commercio. (Apoiados.)

D'ahi viriam tambem como consequencia outros melhoramentos, que apenas mencionarei, tal como o que modificaria o, muitas vezes absurdo, rigor das quarentenas (Apoiados.), rigor que tambem tem resultados muito prejudiciaes. (Apoiados.)

É justo, é conveniente, é mesmo necessario, que haja

Sessão de 12 de fevereiro de 1878