Página 343
SESSÃO DE 12 DE FEVEREIRO DE 1878
Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede
Secretarios - os srs.
Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos
Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto
SUMMARIO
Apresenta o sr. ministro do reino uma proposta de lei para serem incorporadas no museu nacional de Lisboa, onde ficam constituindo uma secção distincta com o nome de secção botanica o jardim botanico ultimamente transferido da Ajuda para a escola polytechnica, e as collecções e herbaceos depositados no gabinete da nona cadeira da mesma eseola. — Na ordem do dia continuou a discussão do projecto n.º 16 de 1877 (construccão do caminho de ferro da Beira Alta); fatiaram os srs. visconde de Moreira de Rey, ministro das obras publicas, Francisco de Albuquerque, Carlos Testa e Antonio José d'Avila, sendo a final approvado na generalidade, e bem assim a proposta apresentada ha dias pelo sr. Osorio de Vasconcellos. — As mais propostas foram enviadas á commissão, e entre ellas uma apresentada pelo sr. Pinheiro Chagas para que na lei se, inserisse a auctorisação para a construcção da linha ferrea da Beira Beixa, e outra do sr. Francisco de Albuquerque propondo outra redacção ao artigo 1.°, ambas apresentadas na sessão de hoje.
Presentes á chamada 36 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Braamcamp, Antunes Guerreiro, A. J. d'Avila, Carrilho, Ferreira de Mesquita, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde da Graciosa, Forjaz de Sampaio, Cardoso de Albuquerque, Pinheiro Osorio, Paula Medeiros, Illidio do Valle, J. Perdigão, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, Matos Correia, Pereira da Costa, Namorado, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Faria e Mello, Mello e Simas, Pinheiro Chagas, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Pedro Franco, Pedro Jacome, Placido de Abreu, Visconde de Moreira de Rey.
Entraram durante a sessão — Os srs.: Adriano de Sampaio, Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, Cunha Belem, Arrobas, Telles de Vasconcellos, Correia Godinho, Sousa Lobo, Mello Gouveia, Neves Carneiro, Conde de Bertiandos, Conde da Foz, Custodio José Vieira, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, J. J. Alves, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, Ferreira Freire, J. M. dos Santos, José de Mello Gouveia, Mexia Salema, Julio de Vilhena, Bivar, Pires de Lima, Visconde da Arriaga, Visconde da Azarujinha, Visconde de Villa Nova da Rainha.
Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Alberto Garrido, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Filippe de Carvalho, Francisco Mendes, Pinto Bessa, Palma, Jayme Moniz, Barros e Cunha, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Figueiredo de Faria, José Luciano, Nogueira, Pinto Basto, Luiz de Campos, Freitas Branco, Manuel d'Assumpção, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Coutinho (D.), Pedro Roberto, Julio Ferraz, Ricardo de Mello, Visconde de Carregoso, Visconde de Guedes Teixeira, Visconde de Sieuve de Menezes.
Abertura — ás duas horas e um quarto da tardo.
Acta — approvada.
EXPEDIENTE
Officios
1.° Do ministerio do reino, acompanhando, em satisfação ao requerimento do sr. A. J. Teixeira, os documentos remettidos pelo governador civil de Leiria.
Foi enviado á secretaria.
2.° Da junta do credito publico, acompanhando 120 exemplares do relatorio da junta do credito publico, sobre a administração da caixa geral dos depositos. Mandaram-se distribuir.
Participações
1.ª O sr. Manuel d'Assumpção não póde comparecer á sessão de hoje por incommodo de saude. = Ferreira de Mesquita.
2.ª Por motivo justificado não compareci á sessão do dia de hontem. = Placido de Abreu.
3.ª Participo que se constituiu a commissão de commercio e artes, e escolheu para presidente o sr. Diogo Forjaz e a mim para secretario. Haverá relatores especiaes escolhidos em occasião opportuna. = J. M. Pereira Rodrigues.
Declarações
1.ª Declaro a v. ex.ª e á camara, que se acha cnnstituida. a commissão de petições, tendo escolhido para presidente o sr. deputado Vieira da Mota e a mim para secretario. = Pinheiro Osorio.
2.ª Declaro que por motivo justificado não pude comparecer n'esta camara, á hora em que se abriu a ultima sessão, e que, se estivesse presente nessa occasião, me teria associado ao justo pezar manifestado pelas côrtes portuguezas, e a todas as demonstrações de profundo sentimento, motivadas pelo infausto acontecimento que enche de luto e consternação o mundo catholico, qual é o fallecimento do virtuoso e benemerito Pontifice, que foi Pio IX.
Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1878. = 0 deputado, Antonio José Boavida.
Representação
Dos thesoureiros de diversos estabelecimentos bancarios de Lisboa, pedindo para serem desligados do gremio dos directores de bancos e companhias e encorporados no gremio dos guarda-livros. — Apresentada pelo sr. Mouta e Vasconcellos.
A commissão de fazenda.
Requerimento
Requeiro que pelo ministerio do reino seja enviada a esta camara copia de duas actas das sessões da camara municipal de Tondella, a primeira que nomeou e a segunda que confirmou ou ratificou a nomeação do escrivão da camara, copia do pedido da informação requerida ao governo, e de todos os documentos que se achem juntos a esse processo e de todos aquelles que, embora não estejam juntos ao processo, se acharem no ministerio do reino e digam respeito ao nomeado. — O deputado, Francisco de Albuquerque.
Foi enviado ao governo.
Nota de interpellação
Pretendo interpellar o governo sobre o estado das nossas relações com a curia romana; requeiro a urgencia. = Visconde de Moreira de Rey.
Fez-se a respectiva communicação.
SEGUNDAS LEITURAS
Projecto de lei
Senhores. — Para occupar os logares de pharmaceuticos militares em Portugal exige a lei que estes sejam do primeira classe, isto é, habilitados com o curso dos lyceus, com os exames de chimica organica o inorganica, de bota-
Sessão de 12 de fevereiro de 1878
25
Página 344
344
DIARI0 DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
nica, na escola polytochnica, academia polytechnica, e com as cadeiras de maioria medica e pharmacia nas tres escolas medicas do reino.
São portanto n'este paiz, como n'aquelles em que o curso de pliarmacia é mais desenvolvido, considerados os pharmaceuticos como homens de sciencia, tornando-se necessaria a sua competencia nas variadas analyses chimicas, e em muitos assumptos que têem relação com a hygiene.
Em todos os paizes os pharmaceuticos militares ascendem a graduações de officiaes superiores; em Portugal, porém, embora gosem de algumas das vantagens que se concedem aos facultativos militares, tendo comtudo a graduação de capitão, não tendo sido conferido aos pharmaceuticos do continente o habito de Aviz, comquanto porém se tenha concedido especialmente a pharmaceuticos em serviço do estado nas provincias ultramarinas.
Constituindo portanto os pharmaceuticos convenientemente habilitados uma classe de homens de sciencia, o que é innegavel, porque d'ella têem saído os primeiros vultos scientificos eminentes em chimica, physica é nos differentes ramos de sciencias naluraes, e porque similhante excepção não tem rasão de ser, por isso tenho a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É concedido o habito da ordem de S. Bento de Aviz aos pharmaceuticias militares do exercito e navaes, que tendo a graduação de capitão, houverem completado vinte annos de serviço effectivo sem nota e com boas informações.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. Sala das sessões, em 6 de fevereiro de 1878. = Antonio Manuel da Cunha Belem.
Enviado á commissão de guerra.
Projecto de lei
Senhores. — Os graves acontecimentos que se deram nas principaes praças commerciaes do nosso paiz em 1870 e cujas consequencias embaraçosas para o commercio o industria ainda hoje actuam, chamaram a attenção não só dos mais directamente interessados, mas do publico em geral, para a facilidade com que se fundaram durante o anno de 1875 numerosas instituições de credito, á sombra da lei de 22 de junho de 1867.
É certo que já n'essa epocha algumas pessoas notavam que a facilidade com que se creavam estabelecimentos bancarios, em localidades que não tinham actividade commercial ou industrial para os alimentar convenientemente, ou que a não tinham em taes proporções que tornassem indispensaveis novos estabelecimentos d'aquella ordem, se traduziria mais tarde em serias difficuldades, quando se tratasse de realisar o capital tão facil quanto loucamente subscripto, e em desenganos fataes quando o capital, penosamente reunido, ou não encontrava campo para desenvolver a sua actividade de maneira proveitosa, ou se iria comprometter em operações menus pensadas e que causariam serios prejuizos.
Como succede sempre quando falla mais a paixão, aquellas vozes foram abafadas, e o enthusiasmo pela creação de novos estabelecimentos do credito tomou proporções loucas, que n'aquolla occasião se pretendia explicar como manifestações de extraordinaria riqueza. O desengano foi completo e não se fez demorar.
Pretendiam algumas pessoas lançar a responsabilidade d'aquelles factos á lei de 22 de junho de 1867, pelas facilidades que ella concede á organisação o estabelecimento de taes instituições.
Felizmente a opinião geral não está de accordo, e aquella lei liberal passou por uma prova que mais veiu justificar as suas salutares disposições.
Mas se a lei não carece de modificações importantes nos pontos capitães, é certo, todavia, que a experiencia aconselha a alterar algumas disposições que, embora secundarias,têem grande valor na pratica.
E por isso que hoje venho submetter ao vosso esclarecido exame um projecto de lei, enjas disposições vou explicar em breves palavras.
Tão uteis e proveitosas são as instituições de credito creadas com capitães disponiveis, e que procuram esta collocação permanente, quanto prejudiciaes e inconvenientes, quando as organisa a febre da especulação e ambição de um lucro valioso e promplo. Isto justifica os dois primeiros artigos do projecto de lei.
O artigo 4.° póde parecer menos liberal que a disposição correspondente da lei de 22 de junho de 1867, mas o principio de renovação das administrações vae ganhando terreno, e ainda ha pouco elle mereceu a approvação da assembléa geral do nosso primeiro estabelecimento de credito.
É certo que as assembléas geraes pela lei actualmente em vigor, podem reconduzir me lodo ou em parte as administrações ou substituil-as completamente.
A pratica, porém, mostra que as contemplações e considerações pessoaes, e talvez as dependencias, dão ás administrações uma estabilidade que, se em parte póde ser util ás instituições, póde tambem ter inconvenientes, não sendo o menor o do não habilitar pessoal bastante para a gerencia superior.
Os restantes artigos do projecto são tão simples que não carecem de justificação.
Tenho, pois a honra do submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei.
Artigo 1.°'Nenhuma sociedade anonyma póde constituir-se, sem que 10 por cento, pelo menos, do seu capital, consistindo em dinheiro, estejam pagos por todos os subscriptores, proporcionalmente ás suas subscripções e a importancia total correspondente esteja depositada em banco nacional.
Ari. 2.º As acções das sociedades anonymas que se limitarem a operações bancarias não são negociaveis senão depois da constituição da sociedade, e tendo-se realisado o pagamento de 40 por cento do seu valor nominal.
Art. 3.° Os mandatarios a que se refere a carta de lei de 22 do junho de 1867 na secção 14.ª exercerão o sou mandato por um anno, e só podem ser reeleitos parcialmente, não podendo, em caso algum, administrar a sociedade, o associado eleito por mais de dois annos consecutivos.
Art. 4.º Os fundadores do qualquer sociedade anonyma podem designar, nos estatutos, os mandatarios para a primeira administração da sociedade, a qual não durará mais de dois annos, sem prejuizo do principio da revogabilidade prescripta no artigo 13.° da carta de lei de 22 de junho de 1867.
§ unico. Os mandatarios a que se refere este artigo ficam sujeitos ao disposto no artigo 3.° sobre reeleição, equiparando-se o facto da escolha dos fundadores da sociedade ao da eleição pela assembléa geral.
Art. 5.º O disposto no artigo 3.° é applicavel ao conselho fiscal.
Art. 6.° Os mandatarios das sociedades anonymas que se destinem a operações bancarias enviarão mensalmente até ao dia 10 de cada mez, ao ministerio das obras publicas, commercio e industria, um balancete do activo e passivo da sociedade, relativo ao mez anterior, formulado segundo o modo que officiahnente for determinado.
Art. 7.° O balanço e mais documentos a que se refere o artigo 31.° da carta de lei de 22 de junho de 1867 serão igualmente enviados ao ministerio das obras publicas, até ao ultimo dia do mez immediato áquelle em que finda o anno economico da sociedade.
Art. 8.º Ficam expressamente revogados: o n.º 3.° do artigo 3.°; o art. 10.°, artigo 14.°, artigo 15.°, artigo 21.° da carta de lei de 22 de junho de 1867 e mais legislação em contrario.
Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1878. = O deputado, Pereira de Miranda = Antonio José de Seixas.
Enviado á commissão de fazenda.
Página 345
345
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
O sr. Lencastre: — Pedi a palavra para fazer algumas considerações que desejava fazer na sessão de hontem, e não fiz por se passar á ordem do dia, quando mandei para a mesa um requerimento da sr.ª viscondessa da Ponte da Barca, em que pedia a esta camara uma pensão.
Eu creio que áquella senhora tem rasão no que pede, e por isso apresentei aquelle requerimento.
Os serviços de seu marido são considerados como relevantes, e por consequencia entendo que a camara fará justiça attendendo áquella senhora. E n'isto acompanho o meu illustre amigo o sr. Camara Leme nas observações que hontem fez n'esta casa, pedindo que se tomassem em consideração os serviços prestados pelos militares.
N'estas epochas calamitosas que vão passando, que a Europa vae atravessando, embora as allianças valham muito, entendo que os paizes se devem preparar para resistirem a qualquer invasão estrangeira, que eu não vejo imminente, mas que póde vir de um momento para outro. (Apoiados.)
As allianças podem valer muito, o patriotismo de certo não valerá menos, mas não estando os exercitos preparados não sei como se possa resistir a qualquer invasão. (Apoiados.)
Nações mais importantes do que a nossa sabem perfeitamento o que lhes custa não attender á organisação dos seus exercitos.
Uma das nações mais importantes da Europa, a França, sabe o que lhe custou não estar preparada para resistir á invasão da sua inimiga, a Prússia.
Os exercitos bem organisados fizeram com que Napoeão I viesse do Sena ao Tejo, e fosse ao Danubio e ao Vistula.
Os exercitos bem organisados fizeram com que os prussianos fossem a París, quebrando no caminho um dos sceptros mais poderosos da Europa e cheio de prestigio, o sceptro de Napoleão III.
Tudo isto vem para dizer que, os serviços dos militares devem ser tomados em consideração, como hontem disse o meu illustre collega e amigo, o sr. Camara Leme, e que deve ser attendido o requerimento da senhora a quem me tenho referido, porque seu marido foi um dos militares que, inquestionavelmente, fez mais serviços ao seu paiz.
V. ex.ª enviará o requerimento que hontem mandei para a mesa, ás commissões respectivas com a possivel brevidade, e ellas do certo o tomarão em consideração, e olharão para elle com a mesma solicitude com que costumam olhar para todos os negocios que se tratam n'esta casa.
E por esta occasião, associando-me ás palavras nobres do meu illustre collega e amigo, o sr. Camara Leme, ácerca dos militares, direi que não posso deixar do me associar tambem a todos aquelles que venham pugnar pelos humildes e desvalidos, uma vez que estes tenham justiça. (Apoiados.)
O sr. Pinheiro Osorio: — Participo a v. ex.ª e á Camara que a commissão de petições se acha constituida, tendo escolhido para presidente o sr. Vieira da Mota e a mim para secretario.
O sr. Paula Medeiros: — Peço ás commissões de legislação e de fazenda se dignem dar os seus pareceres sobre o projecto de lei que ha dias apresentei, pelo qual se propõe que o subsidio votado pelo parlamento aos soldados desembarcados nas praias do Mindello, comece a contar-se da data do decreto, como se praticou com a pensão votada á viuva e filho do sr. marechal duque de Saldanha; assim como os fundamentos para taes subsidios são de igual origem, é de toda a justiça que sejam efectuados da mesma fórma.
O sr. Mouta e Vasconcellos: — Mando para a mesa uma representação dos dignos thesoureiros dos diversos estabelecimentos bancarios, pedindo serem desligados do gremio dos directores de bancos e companhias, o encorporados no gremio dos guarda-livros, ou qualquer outro mais consentaneo á sua posição.
A pretensão dos supplicanles é justissima, attendendo á exiguidade, e, mais que tudo, á incerteza dos seus vencimentos.
N'estes termos, pois, peço á illustre commissão da fazenda que attenda ao pedido dos requerentes, consignando-se na lei a transferencia que solicitam.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão na generalidade do projecto auctorisando a construcção do caminho de ferro da Beira Alta
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Entrando n'esta discussão não tenho em vista pleitear preferencias para, a construcção de linhas ferreas, nem fazer substituir ao caminho que se discute um outro que me pareça mais conveniente e vantajoso.
Devo tambem declarar que, longe de ser opposto á construcção de linhas ferreas, eu sou o primeiro a reconhecer quanto são importantes o indispensaveis no estado de civilisação estes meios de progresso e de desenvolvimento da riqueza publica, verdadeiros instrumentos de civilisação, sem os quaes nenhum paiz póde hoje sustentar o logar que lhe compete entre as nações cultas.
Feitas estas declarações, eu venho, a proposito do projecto que se discute, tratar apenas duas questões; a questão de meios, e a questão de methodo, ambas importantes e bem dignas ambas de toda a nossa attenção.
Principiando pelos meios indispensaveis para despeza tão importante, é do meu dever declarar ao governo que não é sem receio que observo a tentativa de levantar quantias avultadas por meio de series ou prestações, augmenfando a cada uma os encargos resultantes da amortisação e juros das anteriores, accumulando assim, ou antes, excedendo a composição de juros durante toda a epocha da construcção, e preparando, no fim de um periodo breve, um encargo enorme, e que, alimentado até então por si proprio, vem, finda a construcção, caír repentinamente e mais aggravado sobre as despezas ordinarias e obrigatorias do orçamento, já hoje bastante onerado.
Os encargos, que já são excessivos, n'essa occasião podem ser, não direi insoluveis, mas perigosos, e podem produzir graves difficuldades á administração do paiz.
Se esta circumstancia me impressionaria sempre e em quaesquer condições, impressiona-me hoje muito mais, quando vejo que está ainda por collocar uma parte importante do emprestimo ultimamente auctorisado pelo parlamento, facto este até certo ponto explicavel pelas condições externas, mas que não demonstra de certo muito numerosa concorrencia de prestamistas ou impaciencia d'aquelles que desejam entregar os seus capitães á nossa divida publica.
N'estas observações, que eu não pretendo alongar muito, tenho em vista prevenir o governo para que acautele por todos os meios possiveis as condições das nossas finanças, recordando-lhe que não será prudente aggravar uma situação que de certo não é agradavel, antes se apresenta já difficil.
E certo que os caminhos de ferro como todos os outros melhoramentos publicos, hão de ser pagos pelo paiz; e se é conveniente dotar o paiz com todos os melhoramentos, não menos conveniente reputo eu habituar o paiz a acceitar os encargos, quando reclama os beneficios, e a não esquecer que o augmento do imposto é a convicção indispensavel para a realisação dos melhoramentos.
Parece-me muito inconveniente habituar o paiz a ler melhoramentos, alimentando-lhe ao mesmo tempo illusões inuteis e nocivas quanto á certeza de que tem de os pagar, ou quanto ás difficuldades de realisar o pagamento.
Por este systema, adiando os encargos, capitalisando os juros, pagando amortisação e interesses á custa de novo emprestimo, habituamos o paiz a imaginar que póde ter caminhos de ferro de graça, o que os emprestimos do go-
Sessão de 12 do fevereiro de 1878
Página 346
346
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORDS DEPUTADOS
verno são meios ordinarios de receita que nada affectam os recursos dos contribuintes.
Todos gostam muito de que se realisem todos os melhoramentos, e gostam muito mais de os ver realisados, não tendo sentindo os inconvenientes do augmento do imposto, nem tendo pensado nas difficuldades e sacrificios inseparaveis do seu pagamento.
Por este systema adiam-se as difficuldades para o futuro, mas chega o momento em que o adiamento encontra o termo, em que o que foi futuro se tornou presente. Qual é o resultado? O sacrificio é indispensavel, urgente, fatal.
O paiz pouco disposto a pagar melhoramentos que já possue, que se habituou a possuir de graça, que se esqueceu ter de pagar, e que vae pagar tanto mais caros quanto mais tempo estiver adiado o pagamento, luta contra o sacrificio que é indispensavel, e condemna necessariamente todas as illusões em que adormeceu agradavelmente para despertar pouco depois na triste realidade de sacrificios urgentes e muito aggravados.
Eu condemno este systema, e se a verdade, de primeira intuição, é que todas as despezas hão de ser pagas pelo paiz, não disfarcemos por fórma alguma, esta verdade, vote-se o imposto quando se decreta o melhoramento, crie-se a receita quando se vota a despeza. O systema contrario não me parece conveniente, não é prudente e póde ser muito perigoso.
Por isso eu chamo muito especialmente para este ponto a attenção do governo, que poderá adiar a despeza até crear os recursos, se quizer attender estas observações que lhe dirijo com a maior benevolencia e sinceridade.
Outro ponto, que não reputo menos importante, é a questão de methodo na construcção das diversas linhas ferreaes de que incontestavelmente o paiz não póde prescindir.
Mal podemos tratar este ponto sem a apresentação previa do plano ou rede geral dos caminhos de ferro portuguezes, e n'esta parte estou de pleno accordo com as reflexões apresentadas hontem n'esta camara pelo meu amigo o nobre ministro das obras publicas.
O que eu sinto é que tenhamos de discutir e de votar ainda este caminho do ferro antes da apresentação d'esse plano geral, que deve expor a directriz de cada linha, as diversas ligações e ramaes, as vantagens de cada uma, tornando assim bem patentes as rasões de preferencia que devem decidir-nos em relação á prioridade de cada construcção.
Para mim a apresentação d'esse plano geral é tão indispensavel, que deveria preceder a discussão do qualquer projecto de caminho de ferro. N'este assumpto, em que eu sou o primeiro a allegar a propria, incompetencia, o que ninguem póde estranhar, vejo-me forçado a suspeitar, com grande magua minha, que talvez, a maioria, dos meus collegas não tenha competencia superior á minha para apreciar questões scientificas especiaes, cuja solução é todavia de importancia capital para o paiz.
N'estas condições forçoso é reconhecer que o parlamento vota sem conhecimento de causa, porque vota sem terem sido apresentados os esclarecimentos indispensaveis para poder resolver com segurança não só sobre a precedencia que deve dar a uma ou outra linha, como sobre as vantagens ou inconvenientes que cada uma d'essas linhas póde offerecer.
Confesso a v. ex.ª que, sendo estranho ás condições technicas e incompetente para as avaliar, tenho por vezes sentido graves apprehensões, pelas informações que recebo das pessoas que a sciencia declarou competentes para entenderem d'estes assumptos.
Vejo por exemplo que se insiste com muita força pela conclusão do caminho de ferro do Algarve.
Esse caminho está votado pelo parlamento e já começado, de via larga como caminho de ferro de primeira ordem.
Sabe V. ex.ª o que me dizem pessoas competentes? Afirmam e garantem, que se o governo portuguez concluir o caminho do Algarve nas condições em que vae começado, se o dotar com todo o material circulante para uma boa exploração, e depois d'isso quizer dar de graça este caminho e material circulante a uma companhia, impondo-lhe unicamente a condição de o explorar em boas condições, não encontra companhia que o queira por tal preço, isto é, que o acceito de graça só com a obrigação de o explorar regularmente!
Sujeitarmo-nos a ouvir das pessoas que scientificamente estão auctorisadas para conhecer d'estes assumptos, noticias desta ordem, declaro a v. ex.ª que é extremamente desagradavel, sobretudo a proposito de obras tão dispendiosas que por causa d'ellas podemos comprometter as finanças do paiz.
Todos estes inconvenientes desappareceriam, se á apresentação e votação de cada, proposta tivesse precedido a apresentação da rede geral, expondo a natureza, vantagens e inconvenientes de cada linha a construir.
Assim todos feriam elementos de apreciação e motivos para decidir com conhecimento de causa; por emquanto votâmos ás cegas, e ouvimos estas o outras amabilidades.
Já que me referi ao Algarve, declaro a v. ex.ª e muito especialmente aos dignos representantes da provincia do Algarve, meus collegas n'esta casa, que não me opponho á construcção do um caminho de ferro para o Algarve, porém entendo que um caminho de ferro que não communica com a rede geral, não póde nem deve ser considerado de via larga nem caminho de primeira classe. (Apoiados.)
E a esse respeito, permitta-me v. ex.ª dizer incidentemente que, tendo nós n'este paiz um caminho de ferro de via reduzida ainda em ponto muito pequeno, posso affirmar a v. ex.ª e á camara que tenho encontrado n'esse caminho muito melhores condições de exploração e de brevidade do que existem em todos os outros tanto no de norte e leste como nos caminhos de ferro ultimamente explorados por conta do governo. Posso demonstral-o á evidencia, se for preciso.
Ora, sr. presidente, se esses caminhos reunem ás condições de construcção mais barata e mais rapida todas as condições indispensaveis para transito e para commodidade, creio que os primeiros interessados em pedirem caminhos de ferro, por este systema, são aquelles que desejam a implantação rapida das coinmunicações a vapor nas diversas localidades.
Sr. presidente, postas estas considerações, chamarei ainda a attenção do governo unicamente para a questão do methodo.
Não póde haver, na minha opinião, systema mais prejudicial do que principiar caminhos de ferro e deixal-os incompletos.
Um caminho de ferro de via larga e considerado de primeira ordem, que se destinasse unicamente ao serviço ou ás communioações internas de Portugal, seria, na minha opinião, uma perfeita loucura; uma construcção tão cara, tão difficil, como é um caminho de ferro de primeira ordem, só se justifica pela sua ligação com a rede europeia.
N'estas condições, póde ser que eu diga tambem uma blasphemia; e outra vez lembro a falta que se dá em mim de habilitações especiaes para estes assumptos, mas referindo-me a informações obtidas de pessoas competentes, com as quaes tenho discutido quanto a minha incompetencia o permitte, a opinião que sustento deve ter rasões solidas em que se firme.
O prolongamento do caminho de ferro do Douro até á fronjteira para ligar em Salamanca, que é tambem o ponto de ligação que este projecto apresenta para o caminho de ferro da Beira Alta, ficaria uma linha internacional, que, embora não fosse definitiva, nem a melhor em relação ao porto de Lisboa, é incontestavelmente muito melhor o muito mais internacional do que a communicação actual por Badajoz e Madrid.
Página 347
347
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Nós precisâmos indispensavelmente de um caminho de ferro que pelo norte do Hespanha facilito e abrevie por terra as communicações com a França mais do que actualmente são por mar.
O prolongamento da linha do Douro, cujas dificuldades não sou competente para avaliar, é com certeza mais facil o mais barato do que vae ser a construcção do caminho do ferro da Beira Alta.
Se depois da conclusão da linha do Douro, ficando nós já com uma linha internacional e tendo assegurado ao caminho do Douro o rendimento, de que elle é susceptivel, tivermos meios disponiveis ou pelo menos o orçamento equilibrado, julgo então justo e conveniente proceder-se á construcção do caminho de ferro da Beira Alta, ou por conta do estado, ou por adjudicação, se se eucontrar empreza que o tome em condições favoraveis; antes d'isso porém, deixar ficar o caminho de ferro do Douro incompleto, e por consequencia quasi improductivo, em relação ao producto que dará depois de concluido e ligado na rede europea, é na minha opinião inutilisar a enorme despeza feita com este caminho de ferro, que emquanto se não completar não representa senão despeza e um encargo permanente do orçamento, e parece-me que é termos as despezas de dois caminhos de ferro, sem termos a receita nem as vantagens de nenhum d'elles.
E ha ainda uma circumstancia que me parece importante, e que não prescindo de lembrar ao nobre ministro das obras publicas.
Se o caminho de ferro da Beira Alta, como se diz no projecto, se destina a ser a linha internacional, parece-me indispensavel que essa linha tenha todas as condições de velocidade e boa exploração, que se dão nas linhas da Europa, a que ella vae ser terminus o complemento.
A este respeito, informado tambem por pessoas competentes, creio que o projecto não tem as condições indispensaveis para que esta linha possa ser explorada, como o exige o fim a que se destina, mas ainda que possa, ainda que o novo caminho de ferro da Pampilhosa até á fronteira tenha essas condições de velocidade, a linha nunca póde ser verdadeiramente internacional, porque taes condições não existem na linha actualmente em exploração pertencente á companhia dos caminhos de ferro do norte e leste, que ha de fazer o movimento desde a Pampilhosa até Lisboa.
Eu não desejava de modo algum que, votando nós uma linha internacional, sujeitando-se o paiz aos sacrificios necessarios para essa construcção, a Europa, quando viesse demandar a cidade de Lisboa e seu porto, á chegada á fronteira portugueza ou á Pampilhosa, fosse convidada a entrar n'uma especie de diligencia, porque pouco mais do que isso é actualmente o serviço dos caminhos de ferro, tanto os do norte o de leste como os explorados pelo estado (Apoiados.), sendo para notar que estes ainda estão peiores do que aquelles.
Espero que o illustre ministro das obras publicas consiga tranquillisar as apprehensões que sinto, mas a empreza é realmente difficil, posto que digna e em nada superior á muita illustração e notavel talento do meu nobre amigo.
Mais teria a dizer, mas não quero demorar a discussão sobre a generalidade do projecto.
O sr. Ministro das obras publicas (Lourenço de Carvalho): - (S ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado neste logar.)
O sr. Francisco de Albuquerque: — Estou convencido de que os longos discursos têem prejudicado immensamenfe o caminho de ferro da Beira Alta; não serei eu, portanto, sr. presidente, que vá pela minha parte prejudical-o ainda mais apresentando á camara um comprido arrasoado.
A minha posição especial n'esta camara leva-me, porém, a dizer alguma cousa sobre este projecto; obriga-me a varrer a minha testada.
Eu, sr. presidente, como representante de um dos circulos da Beira Alta tenho tido a infelicidade em toda a minha vida politica de não ter jamais tido a opinião dos regedores e dos cabos de policia; portanto, estando nas vesperas de dar contas aos meus eleitores da maneira por que tenho desempenhado o meu mandato, e parecendo-me que ainda d'esta vez não lograrei a ventura de ter a opinião d'esses cabos de policia e d'esses regedores, tenho mais necessidade do que outro qualquer, a não estar nas minhas circumstancias, de dar aos meus eleitores e ao paiz a rasão dos meus actos. E com relação ao assumpto que se discute com grande maioria de rasão, porque até já fui accusado em algumas partes de ter descurado esta questão, aliás importantissima, talvez a mais importante para o circulo e para a provincia que tenho a honra de representar n'esta casa. (Apoiados.)
Quando no principio d'esta sessão parlamentar o illustre ministro da marinha o sr. Thomás Ribeiro, ainda então só deputado, pediu a palavra e perguntou ao governo o que tencionava fazer ácerca do caminho de ferro da Beira Alta, eu estava tambem quasi resolvido a pedil-a e dizer alguma cousa a este respeito. Não o fiz porque entendi que não era necessario nem conveniente uma politica de espectaculo.
(Ápartes que não se ouviram.)
N'esta parte não descuro os meus deveres, nem os tenho descurado, usando dos parcos recursos de que disponho, e se não me levantei e não disse alguma cousa sobre o assumpto foi porque entendi que alem de inutil poderia ser prejudicial.
Quando, antes de se abrir a sessão, o governo tratava de organisar o projecto do discurso da corôa, eu fui ter com o sr. presidente do conselho de ministros, o nobre marquez d'Avila e de Bolama, e pedi-lhe que não deixasse de fallar n'esse documento do caminho de ferro da Beira Alta.
S. ex.ª assim m'o promelteu e eu acrescentei ao mesmo tempo n'essa occasião, como já de outras vezes o tenho feito, que para mim a questão mais altamente politica, a questão ácerca da qual não transigia com qualquer partido, fosse qual fosse, era a do caminho de ferro da Beira Alta, porque superior o muito superior a quaesquer considerações partidarias está sem duvida a consideração dos interesses publicos. (Apoiados.)
O illustre presidente do conselho de ministros, repito, prometteu-me que havia de fallar no discurso da corôa do caminho de ferro da Beira Alta. Apparecendo o discurso da corôa, eu realmente não fiquei muito satisfeito pela fórma por que n'aquelle documento se fallava do caminho de ferro da Beira.
Fui ter com o sr. ministro das obras publicas, a quem repeti quasi o mesmo que tinha dito ao sr. presidente do conselho, e acrescentei que me via forçado o tomar a palavra, quando se tratasse da discussão da resposta ao discurso da corôa, para apresentar uma emenda á parte relativa ao caminho de ferro da Beira Alta.
S. ex.ª respondeu-me, que dentro em poucos dias, talvez cinco ou seis, havia de apresentar ao parlamento uma proposta de lei a este respeito.
Eu acceitei esta rasão, já porque apoiando o ministerio tinha n'elle confiança e esperava ver realisada a promessa, já porque era tão pequena a demora, que sem inconveniente podia esperar.
N'este intervallo tomou a palavra o sr. Thomás Ribeiro para tratar do caminho de ferro da Beira Alta, e eu, que sabia o que se passava, entendi que não devia fallar no assumpto, disse até isto mesmo ao sr. Thomás Ribeiro.
Appareceu o prejecto, com o qual não concordava absolutamente, e se acaso viesse á discussão havia de apresentar-lhe algumas modificações.
O governo porém caíu, as cousas mudaram, e eu confesso que me parece que estive nove ou dez mezes sonhando, acordando agora para continuar a discussão do dia 3 do mar
Sessão de 12 de fevereiro de 1878
Página 348
348
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
ço de 1877, se bem me recordo, em que o meu amigo o sr. ministro das obras publicas, Lourenço do Carvalho, estava fallando sobre o caminho de ferro da Beira Alta, eu tomava os meus apontamentos porque me competia fallar, pela ordem de inscripção, depois de s. ex.ª
No dia 4 de março, quando eu me preparava para responder ao sr. ministro das obras publicas, ouvi com grande surpreza minha e ainda maior da propria maioria, que o ministerio tinha pedido a demissão porque estavam doentes dois ministros, sem outra alguma indicação parlamentar, sendo a responsabilidade toda do sr. Fontes, como s. ex.ª aqui nos affimou ha poucos dias, passando assim á maioria um diploma pouco honroso.
Dez mezes depois estão as cousas exactamente no mesmo estado em que estavam então; a restauração é completa e felizmente estendeu-se ao projecto do caminho de ferro da Beira.
Hoje porém ha uma difierenea essencial com relação á maneira da construcção do caminho de ferro da Beira Alta. (Apoiados.)
Eu tinha n'essa occasião tenção de seguir uma ordem do idéas na discussão differente d'aquella que hoje hei de seguir. Entendia que o governo devia, antes de tratar da construcção por conta do estado, pôr o caminho de ferro em praça (Apoiados.), com as modificações que apparecem no projecto que se discute, e não me fazia peso algum a infelicidade dos concursos anteriores, porque n'esses dois concursos não estava o governo armado com esta poderosissima arma: «se não apresentaes propostas em condições acceitaveis, o governo procederá á construcção por conta do estado». (Apoiados.)
Alem d'isso a alteração do ponto de partida tambem é da maior importancia.
Lamento, e profundamente, que não fossem sinceros os desejos que o governo regenerador mostrava de querer construir o caminho de ferro. Eu cuido que s. ex.ª desejava o caminho de ferro, mas não o queria construir talvez por o não permittirem as condições financeiras; era porém isso o que eu desejava que se dissesse, e em todo o caso que o governo ficasse armado com a auctorisação para o poder construir.
Desde que s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas declarou que acceitava a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, eu felicito-me por isso, porque é essa a maneira de ver realisado este importantissimo melhoramento.
Sr. presidente, ninguem discute, porque todos reconhecemos a urgente necessidade de se proceder immediatamente á construcção do caminho de ferro da Beira Alta.
Seria este o primeiro que deveria ser construido no nosso paiz. E uma linha verdadeiramente internacional que encurta em 500 kilometros a distancia á fronteira franceza, que apesar de atravessar uma provincia tão rica e importante como a Beira Alta, não é tanto por este interesse, aliás ponderabilissimo que elle se recommenda, mas por o de um interesse verdadeiramente nacional. (Apoiados.)
Sou governamental n'esta questão.
(Áparte.)
Mais governamental mesmo que o proprio governo, e é por isso que mando para a mesa a seguinte proposta que o meu illustre collega o sr. Osorio de Vasconcellos tambem assignou, e que é um pouco mais lata do que a proposta que s. ex.ª fez.
(Leu.)
Entendo que não se póde rejeitar nenhum dos systemas de construcção para caminhos de ferro, posto que eu seja apologista da construcção por conta do estado: as circumstancias especiaes do paiz em que tiverem do se construir, é que devem determinar os governos a proceder por esta ou por aquella fórma; e não sei se hoje este systema, que aliás se póde preferir em theoria, de construir por conta do estado, seria o melhor a adoptar na presente conjunctura: não sei se isso depreciaria o valor das obrigações dos caminhos de ferro no nosso mercado, e se tal facto produziria certo abalo prejudicial aos interesses do thesouro e do paiz.
Peço ao sr. ministro das obras publicas que acceite esta proposta, porque é melhor que s. ex.ª fique com a liberdade de proceder como entender conveniente aos interesses do paiz, e nós lhe pediremos depois contas do modo por que s. ex.ª usou d'essa auctorisação, quando d'ella tenha abusado e não usado.
Não me faço cargo de responder ás objecções e á preferencia que se pretende dar ao caminho de ferro da Beira Baixa.
Em 1875, quando se discutiu este caminho de ferro, não gostava da companhia do caminho do ferro da Beira Baixa; tinha receio de que elle fosse preferido, o este receio tanto mais augmentou quando vi entrar para o ministerio o sr. Lourenço de Carvalho. Creia v. ex.ª que tive gravissimas apprehensões de que na construcção dos caminhos de ferro das Beiras se começasse pelo da Beira Baixa. Entretanto s. ex.ª mudou de opinião e é sempre sabio mudar para melhor parecer.
(Interrupção.)
Applaudo, nem seria eu quem accusasse o governo do contradictorio aproveitando eu com a contradicçâo, que aliás me parece não haver, visto que os ultimos estudos do sr. Eça é que fizeram mudar a opinião do illustre ministro.
Não posso dispensar-me de dizei ao meu illustre collega e amigo que não vejo presente o sr. Sousa Lobo, que me parece que s. ex.ª, desempenhando aliás muito bem a sua missão na qualidade de representante de um circulo da Beira Baixa, não foi justo nem rigoroso nas apreciações que fez.
Não se póde em boa fé, ou antes sem se estar apaixonado, comparar o caminho de ferro da Beira Baixa com o da Beira Alta, pela sua importancia. (Apoiados.)
Considerando o caminho de ferro da Beira Alta debaixo do ponto de vista um pouco mais generico e elevado, elle tem todas as vantagens de superioridade sobre o da Beira Baixa, porque é um caminho de ferro verdadeiramente internacional, que nos liga com o centro da Europa, que de Medina del Campo nos póde conduzir a Lisboa no mesmo tempo que de Medina se vae a Madrid, emquanto que o da Beira Baixa, posto que encurto a distancia a Madrid, augmenta a fronteira franceza o percurso em mais de 200 kilometros, e não se podem comparar os beneficies que nos hão de vir de Madrid com os de toda a Europa.
Tambem não podemos preferir o caminho de ferro da Beira Baixa considerado pelo lado especial do interesse de uma provincia. O caminho de ferro da Beira Baixa atravessa terrenos de pouquissima producção, emquanto que o caminho de ferro da Beira Alta atravessa terrenos dos mais ferieis do paiz (Apoiados.), por isso não póde haver termos de comparação entre a adopção do caminho de ferro da Beira Alta com o da Beira Baixa.
Mas nem por isso eu sou contra o caminho de ferro da Beira Baixa. Façam-se, todos mas comece se por o da Beira Alta, faça-se-lhe a justiça que se lhe deve e até hoje tem sido negada, e Deus sabe por que tempo o será ainda.
Antes de concluir desejava saber do illustre ministro, se no caso de ser approvada esta proposta ou a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos, tenciona mandar proceder á construcção do caminho por conta do estado, ou se o tenciona pôr em praça.
Creio que é muito conveniente que isto se saiba e se publique, para que, no caso de que s. ex.ª tencione pôr o caminho a concurso, algumas emprezas que o desejem tomar se possam ir preparando para concorrer.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — O governo tenciona abrir concurso para a construcção d'este caminho,
Página 349
349
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
e se não apparecerem concorrentes em condições acceitaveis, então manda proceder á sua construcção.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Folgo com a declaração que acaba de fazer o nobre ministro das obras publicas, a qual me satisfez.
E bem explicita a declaração do nobre ministro de que o governo primeiramente abre concurso para a construcção da linha ferrea, e no caso do não apparecerem concorrentes em condições favoraveis, então manda proceder, por sua conta, á construcção.
Mando para a mesa a minha proposta e peço a v. ex.ª que lhe de o destino competente.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que a primeira parte do artigo 1.º seja alterada e redigida do seguinte modo:
Artigo 1.º É o governo auctorisado a mandar proceder, pela fórma que julgar mais conveniente aos interesses do paiz, á construcção e exploração do caminho de ferro da Beira Alta, o qual. etc. = 0 deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Albuquerque = Osorio de Vasconcellos.
Foi admittida.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Na ausencia do sr. ministro do reino, e a seu pedido, mando para a mesa uma proposta do lei sobre a reforma do museu nacional do Lisboa.
E a seguinte:
Proposta de lei
Senhores. — Pelo decreto de 13 de janeiro de 1862, em virtude da auctorisação concedida ao governo por carta de lei de 18 de setembro de 1861, foi organisado na escola polytechnica o museu de Lisboa com duas secções, uma de mineralogia e outra de zoologia.
Esta providencia melhorou efficazmente as condições do ensino nas 7.ª e 8.ª cadeiras d'aquella escola, e dotou a capital com um estabelecimento scientifico ha muito reclamado em nome da sciencia e da civilisação.
A creação de um jardim botanico, para o qual estavam destinados os terrenos annexos ao edificio da escola polytechnica, era o complemento indispensavel da reforma iniciada em 1862; para realisar, porém, tão util melhoramento foi necessario esperar que a reconstrucçâo d'aquelle edificio se adiantasse, e os terrenos fossem accommodados ao seu novo destino.
Dão-se hoje estas felizes circumstancias que já permittiram transferir o jardim botanico da Ajuda para o local que deve definitivamente occupar, e dar começo á collocação dos herbarios e collecções botanicas nas novas salas da escola polytechnica.
É, portanto, chegada a occasião de organisar o jardim botanico por fórma que seja, como deve ser, um poderoso auxiliar da instrucção superior e do progresso scientifico do nosso paiz.
Creando-se uma secção nova — a secção de botanica — no museu nacional de Lisboa, chega-se ao desejado fim pelo caminho mais racional e mais economico, pois que d'esta sorte se regularisa da maneira mais conveniente e menos dispendiosa a sua administração; se harmonisam os serviços dependentes das tres cadeiras da escola polytechnica; e se completa o museu nacional.
É este o fim principal da proposta que tenho a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e approvação, em vista das representações do conselho da escola polytechnica e do parecer da junta consultiva de instrucção publica.
N'esta proposta fixa-se o pessoal absolutamente indispensavel para occorrer aos serviços scientificos da secção de botanica, e uma dotação sufficiente para assegurar o progressivo desenvolvimento do jardim e das collecções e herbarios.
Tambem na mesma proposta se consignam algumas providencias a favor das antigas secções do muzeu, e para satisfação de necessidades instantes, que são a consequencia natural do seu rapido incremento, e merecem por isso mesmo ser promptamente attendidas.
Propõe-se um leve augmento de pessoal mais que justificado pela importancia que têem adquirido as collecções zoologicas e mineralogicas. Ao quadro actual acrescenta-se um segundo logar de naturalista adjunto na secção de zoologia, e o de conservador e preparador na secção de mineralogia, ficando pertencendo exclusivamente á secção de zoologia, como já succede na pratica, o conservador do muzeu, que por lei era commum ás duas secções. Conciliando os interesses do sciencia com os do thesouro estabelece-se que nos logares de naturalistas adjuntos possam ser providos os lentes substitutos das cadeiras respectivas.
Permitte-se que os lentes proprietarios das 7.ª, 8.ª e 9.ª cadeiras da escola polytechnica possam, depois de jubilados, sob proposta do conselho e com approvação do governo, continuar no exercicio de directores das secções do muzeu. N'esta providencia attende-se aos predicados diversos que se requerem no professor e no director do muzeu, aproveitando em beneficio da sciencia e do paiz os conhecimentos especiaes e a consummada experiencia dos lentes que, ao abandonar o magisterio, conservam ainda o vigor indispensavel para o exercicio de uma parte das funcções que desempenhavam, e considera-se a vantagem que resultará ao ensino de se conceder aos lentes proprietarios, durante os primeiros annos da sua effectividade, mais tempo e largueza para se consagrarem ao estudo das disciplinas que tem de professar.
Em todos os melhoramentos propostos teve-se em vista dotar o muzeu de sciencias naturaes da capital com os auxiliares que são ahi absolutamente indispensaveis e dar existencia legal ao jardim botanico da escola polytechnica, o qual já se encontra favoravelmente installado, e que sendo devidamente encorporado no muzeu nacional, de Lisboa poderá cabalmente corresponder aos fins da sua instituição.
Espero, portanto, que merecerá a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° O jardim botanico ultimamente transferido da Ajuda para a escola polytechnica, e as collecções e herbarios depositados no gabinete da 9.º cadeira da mesma escola, são encorporados no muzeu nacional de Lisboa, aonde ficam constituindo uma secção distincta com o nome de secção de botanica.
Art. 2.º A secção de botânica tem:
Um director, que e o lente proprietario da 9.ª cadeira;
Um naturalista adjunto;
Um jardineiro chefe;
Um jardineiro ajudante.
Art. 3.° Os vencimentos do director e naturalista adjunto da secção de botanica são iguaes aos dos directores e naturalistas adjuntos das outras secções do muzeu.
O jardineiro chefe receberá o ordenado annual de réis 480$000, e o jardineiro ajudante o de 300$000 réis.
§ unico. Quando seja necessario contratar no estrangeiro pessoa idonea para jardineiro chefe, o seu vencimento será o fixado no contrato, devendo a differença para mais do ordenado ser paga pela dotação da secção de botanica.
Art. 4.º A dotação da secção de botanica do muzeu comprehende:
1.° A verba de 1:600$000 réis applicada ao tratamento do jardim e ao augmento e conservação das collecções;
2.° A verba de 1:000$000 réis para explorações botanicas no paiz.
Art. 5.° É creado um logar de naturalista adjunto na secção de zoologia, com o ordenado annual de 400$000 réis, e um logar de conservador e preparador na secção de mineralogia, com o ordenado de 300$000 réis.
Sessão de 12 de fevereiro de 1878
Página 350
350
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
§ unico. O actual conservador do muzeu fica sendo conservador da secção de zoologia.
Art. C.° Os lentes proprietarios das 7.ª, 8.ª e 9.ª cadeiras da escola polytechnica poderão, depois do jubilados, sobre proposta do conselho escolar e com approvação do governo, continuar no exercicio das funcções de directores das secções respectivas do muzeu.
Art. 7.° O provimento dos logares de naturalistas adjuntos continua a ser feito por concurso, nos termos do regulamento de 13 de janeiro de 1862.
§ unico. Os lentes substitutos da 7.ª, 8.ª e 9.ª cadeiras poderão ser providos, sobre proposta do conselho escolar o independentemente de concurso, nos logares do naturalistas adjuntos das respectivas secções, e vencerão unicamente por este serviço a gratificação annual de 240$000 réis.
Art. 8.° A nomeação do jardineiro chefe e do jardineiro ajudante pertence ao conselho escolar, sob proposta do director da secção de botanica.
§ unico. Um regulamento especial fixará os deveres, e attribuições d'estes empregados.
Art. 9.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 12 de fevereiro de 1878. = Antonio Rodriges Sampaio.
Augmento de despeza
Pessoal
Secção botanica:
1 Naturalista adjunto..................... 400$000
1 Jardineiro chefe........................ 480$000
1 Jardineiro ajudante..................... 300$000
Secção mineralogica — 1 Conservador e
preparador....................... 300$000
Secção zoologica — 1 Naturalista adjunto 400$000
4:880$000
Material
Dotação da secção botanica............... 1:600$000
Explorações botanicas.................... 1:000$000
4:480$000
Quando sejam providos nos tres logares de naturalistas adjuntos os substitutos das cadeiras respectivas, realisa-se uma economia de 480$000 réis, e fica averbada despeza reduzida a 4:000$000 réis.
Poupa se alem d'isso á verba de 200$000 réis que hoje vence, a titulo de gratificação, o director do jardim.
O conselho escolar propoz piara os substitutos quando fossem naturalistas adjuntos..... 250$000
para a dotação.......................... 2:000$000
para explorações botanicas................ 1:060$000
Foi admittida e enviada á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.
O sr. Carlos Testa: — O illustre deputado que acabou de usar da palavra, apresentou as rasões que o levaram a assim proceder; eu farei outro tanto, declarando as rasões que me assistem piara usar de igual direito.
Em primeiro logar, na qualidade de relator da commissão, cumpre-me o dever de justificar a commissão pela redacção que deu ao seu parecer, e pela apreciação que fez da importancia d´este caminho; em segundo logar pretendo tambem declarar, que se tome parte n'esta discussão, defendendo com todo o empenho que posso a construcção d'este caminho, não invoco para isso a minha qualidade de deputado por um circulo por onde terá de percorrer este caminho de ferro, nem nenhuma outra consideração d'esse genero; porque avalio, como já disse, a importancia d'este caminho debaixo de um ponto de vista mais lato; não como uma questão de interesse particular ou local, mas debaixo do ponto de vista internacional, e como um meio de communicação que devo approximar e pôr Lisboa em contacto directo com o centro da Europa.
Debaixo d'este ponto de vista parece-me que hesita o animo de alguns dos meus illustres collegas, querendo interpretar a importancia d'esta linha de modo diverso do que o fez a commissão, quando ella entendeu que para o futuro da capital do reino e do paiz proviessem vantagens immensas da construcção d'este caminho.
Parece talvez aos illustres deputados que houve n'isto como um sonho dourado e que a commissão se deixou impressionar por um bello ideal.
Póde ser que a commissão esteja enganada na apreciação que fez, do que effectivamente haverá uma mudança importantissima no nosso systema economico o commercial com a construcção d'este caminho; mas no entretanto, ao illustre deputado o sr. Sousa Lobo quando disse, que nós queremos transformar o mundo pelo porto de Lisboa, responderei que não pretendemos transformar o mundo, mas queremos simplesmente aprovoitar-nos das circumstancias economicas e commerciaes do mundo, para transformar o porto de Lisboa e collocal-o n'uma condição muito distincta, talvez excepcionalissima entre todos os portos commerciaes. (Apoiados.)
É opinião minha que a importancia d'este caminho de ferro é indisputavel. E effectivamente a discussão tem versado mais sobre umas questões de preferencias dictadas pelos interesses de localidades, aliás dignas de respeito, interesses mais ou menos justificados de uma ou outra provincia em relação a melhoramentos d'esta natureza, do que sobre a questão em absoluto, porque no fundo ninguem póde pôr em duvida que o assumpto d'este projecto deve ser encarado debaixo de um ponto de vista mais latitudinario. '
Diz-se, pois, que nós queremos transformar o porto de Lisboa, e como que se dá a entender que essa transformação é apenas um sonho dourado que tivemos.
Para obtemperar a esta observação não é preciso ir muito longe; o quanto mais longe formos mais se verá a verdade d'aquella asserção, que a alguem se afigure uma utopia.
Não ha ainda muitos annos, antes da existencia dos actuacs caminhos de ferro, que têem uma circulação muito morosa e pelos quaes ha um trajecto immenso para se chegar ao centro do paiz vizinho, e por consequencia ao centro da Europa; ainda não ha muitos annos, dizia, antes da existencia dos actuaes caminhos de ferro, as condições economicas e commerciaes do porto de Lisboa eram muito diversas do que hoje são.
Ainda me lembro de que ha talvez vinte ou vinte e cinco annos no porto do Lisboa entrava regularmente apenas um navio de vapor em cada semana.
Esperava-se pelo paquete em 9, 19 o 29 de cada mez o tudo mais era um extraordinario.
Hoje entram n'um mez mais vapores do que entravam n'aquelle tempo durante um anno.
Ora, a que será isto devido?
Não será, devido ao augmento do trafico mercantil, resultado da influencia dos caminhos de ferro actuaes, apesar ainda assim de não constituirem uma via de communicação tão accelerada, tão rapida como seria para desejar para o centro da Europa, ligando-se isto com a especial posição do porto de Lisboa?
Eu creio que de certo assim é. (Apoiados.)
Se remontarmos mais longe, veremos que não é impossivel, que não é uma illusão ou um sonho dourado o haverem transformações tanto no sentido economico como no sentido commercial, e transformações importantissimas que influam poderosa e vantajosamente nas condições do porto de Lisboa.
Ha pouco mais de tres seculos póde dizer-se que a navegação não conhecia nada do grande Oceano. A America era desconhecida; a Africa, esse manancial de riquezas immensas, jazia inculta e completamente desaproveitada; para o norte mesmo havia apenas uma navegação, póde dizer-se, timida e pouco desenvolvida o importante.
Página 351
351
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Por consequencia o que havia?
Havia apenas o commercio com o extremo Oriente, que vinha difficilmente e com muita demora pelo golpho Persico o mar Vermelho para atravessar depois em caravanas para as costas da Syria, ou por Suez, a Cairo e Alexandria, d'onde ía para Veneza, que era o entreposto e o emporio d'esse commercio, porque era d'ali que se repartiam todas as especiarias e todas as preciosidades do Oriente pelos differentes paizes da Europa.
Depois decaíu osso emporio, esse interposto do commercio do mundo; e porque decaiu elle? Vieram aquelles grandes feitos de navegação era que tomámos tão gloriosa parte, e Lisboa tornou-se por sua vez o grande emporio commercial, tornou-se o centro do grande movimento do commercio com relação aos productos orientaes.
Era a Lisboa que convergiam os navios de todos os pontos da Europa; toda a importancia enorme que tivera Veneza, a rainha do Adriatico, passou para o porto do Lisboa.
Effectivamente este estado não podia durar muito; e porque? Porque se fundamentava no systema do monopolio, no systema das restricções.
Quando sobrevieram outras circumstancias politicas, quando passámos á sujeição de Castella, e quando por consequencia Filippe II prohibia aos inglezes o hollandezes, por causa da guerra que com elles trazia, que viessem ao porto de Lisboa para se abastecerem n'este mercado de todos os productos do Oriente, elles o que fizeram? Procederam como quem dissesse: pois iremos nós mesmos ao Oriente; e d'ahi proveiu o acabar-se para nós esse monopolio que tinhamos estabelecido em nossa vantagem exclusiva.
Foi por isso que aquelle notavel publicista hollandez Hugo Groot escreveu a importante publicação Mare liberum, para demonstrar que a liberdade dos mares devia ser para todas as nações; que o monopolio que Portugal tinha estabelecido para si devia acabar, e que todas as nações deviam ter igual direito ao uso dos mares, sem restricções impostas por esta ou aquella.
E que resultou d'ahi? Resultou acabar se o emporio commercial de Lisboa, mas devido a que nós não podiamos permanecer n'aquelle systema de monopolio, no systema de não haver a liberdade dos mares.
Mais tarde porém, nos nossos dias, o que vimos nós? O reviramento do systema commercial do mundo. A grande navegação que vinha do Oriente para Lisboa, acabara de ha muito; mas o grande commercio do Oriente tornou outra vez a seguir o antigo itinerario, por effeito da abertura do isthmo de Suez.
Se então Lisboa se não resentiu foi porque já tinha deixado de ser o grande emporio commercial; porque já não tinha que perder o que não possuia de ha muito. Mas que lhe ficava? Ficava-lhe a sua posição geographica (Apoiados.), ficava-lhe a America pelo occidente, ficavam-lhe n'essas regiões transatlanticas, novos mananciaes de um commercio immenso, que ha de ser feito pela via maritima, o na via maritima encontrará sempre como sendo o ponto mais proximo e mais accessivel para escala á esse grande commercio inquestionavelmente o porto de Lisboa. (Apoiados.)
Portanto, isto não e uma utopia: isto é uma perfeita realidade, isto é uma verdade clara e manifesta que se deve ter muito em vista na construcção d'este caminho de ferro. (Apoiados.)
E esta linha ferrea poderia ainda não ter uma grande influencia no desenvolvimento do porto de Lisboa quando a navegação era morosa, rotineira e mal servida; mas hoje que os mares são cruzados por esses magnificos navios movidos por vapor, hoje que as necessidades da navegação se multiplicam e desenvolvem pelo aperfeiçoamento das machinas, hoje que a navegação transatlantica tem tomado um desenvolvimento importantissimo, que todos os dias cresce á proporção que assim o exigem as necessidades do commercio d'esse grande continente americano, cujos productos naturaes cada dia mais se tornam de primeira necessidade no consumo Mas industrias da Europa; hoje, como consequencia, a importancia do porto de Lisboa augmentou consideravelmente, e a abertura do isthmo de Suez, que n'outro tempo poderia ter tido uma influencia desastrosa no movimento d'este porto, não influe desvantajosamente, porque até mesmo o augmento de navegação para as Índias pelo canal de Suez, não deixa de augmentar a importancia do porto de Lisboa, porque toda essa navegação passa defronte d'este porto; e d'ahi vem o ser elle accidentalmente um porto do escala para abastecimentos, bem como para reparações.
Por isso se até hoje o porto de Lisboa, mesmo nas suas actuaes condições, chama a si eventualmente a navegação, é claro que desde que elle se constitua a guarda avançada da Europa, desde, que haja d'aqui facilidade de communicação com o centro da Europa, esse grande commercio com o mundo occidental e meridional virá aqui expressamente em grande parte o não eventualmente, e este porto terá, como ha pouco disse s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas, um esplendido futuro.
Veja a camara por exemplo o que succedeu com Brindisi, que era uma pequena cidade o mau porto nas costas da Calabria, e que hoje é importantissimo, depois dos melhoramentos que o governo italiano lhe fez, despendendo com isso muitos milhões; e tudo isso só porque aquelle porto em rasão de ser o terminus de um importante caminho, encurta de trinta e seis horas o trajecto para o Egypto e India. O mesmo ha de aqui succeder quando o projectado caminho de ferro reduzir o trajecto de Lisboa a París a quarenta o oito horas.
Este caminho de ferro não é por consequencia uma linha de vantegem para esta ou aquella provincia. Eu sou deputado pela, Beira Alta, mas ainda que não o fosse, eu consideraria sempre este caminho de ferro debaixo de um ponto de vista e de um alcance muito mais vasto do que o de uma simples linha ferrea util a esta ou aquella provincia. É para todas.
Como portuguez, eu quero este caminho de ferro de preferencia a qualquer outro, porque da grande actividade commercial que virá ao porto de Lisboa, da grande riqueza que ha do desenvolver-se, do augmento dos rendimentos aduaneiros, e da resultante actividade commercial provirão, como consequencia, vantagens reaes para todo o paiz.
Como sendo outra consequencia d'este desenvolvimento commercial, resultaria um importante movimento no que respeita ao trafico maritimo o serviço das linhas transatlanticas.
A sempre crescente navegação entre o norte da Europa e a America meridional, é hoje explorada em condições de tempo, que não excede ao que é exigido para o trajecto pela via terrestre.
Mas certamente seria provavel que o crescido, e cada vez maior, numero de passageiros entre a Europa e America do Sul, aproveitaria do encurtamento na via, terrestre que resultará, desde que podessem fazer do Lisboa o posto avançado que lhe abreviasse a viagem de dois dias.
De uma tal actividade e desenvolvimento no trafico proviriam outras consequencias de valor e alcance. D'ahi viria necessariamente uma modificação que muito precisa é no systema restrictivo das nossas tarifas aduaneiras e acção fiscal, que tornar-se-ía mais franco e mais de accordo com os diciames da liberdade de commercio, pois é preciso soltar as peias que ainda vexam o commercio. (Apoiados.)
D'ahi viriam tambem como consequencia outros melhoramentos, que apenas mencionarei, tal como o que modificaria o, muitas vezes absurdo, rigor das quarentenas (Apoiados.), rigor que tambem tem resultados muito prejudiciaes. (Apoiados.)
É justo, é conveniente, é mesmo necessario, que haja
Sessão de 12 de fevereiro de 1878
Página 352
352
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
todas as cautelas para evitar o contagio, mas não é justo, nem conveniente ou necessario que se levem estas precauções até ao exagero, e a formalidades vãs, e em que ninguem de boa fé acredita, mas que só servem para causar prejuizos. (Apoiados.)
Trará ainda outra consequencia, qual a de se chegar á necessidade de se dotar o porto de Lisboa com todos os meios de reparações de grandes navios; docas de querenagem e vistoria, e estabelecimentos industriaes para fabricos e concertos de machinas em ponto grande, o que tudo será um novo elemento de riqueza, de progresso, de desenvolvimento industrial e augmento de materia tributavel.
Agora com relação á preferencia do caminho de ferro da Beira Baixa, para este ser a linha internacional, ouvi citar a idéa de poder aproveitar-se a linha de Malpartida a Madrid, entroncando com esta na nossa fronteira.
Parece-me que foi o illustre deputado o sr. Sousa Lobo que defendeu este pensamento.
O caminho de ferro a Malpartida encurtaria de certo o trajecto para Madrid.
Ora não basta poder ir a Madrid com mais brevidade, é necessario...
(Interrupção do sr. Sousa Lobo que não se ouviu na mesa dos tachygraphos.)
É necessario, como ía dizendo, encurtar a distancia para os Pyrenéus, e para isso não se carece passar por Madrid.
(Interrupção do sr. Sousa Lobo.)
Agradeço a explicação do illustre deputado que confirma a minha opinião, pois creio que a facilidade que o governo hespanhol teve para construir a linha de Malpartida não foi certamente por motivo de nos querer proporcionar um meio de estabelecer assim a nossa communicação rapida com o centro da Europa, mas sim foi devida a uma idéa com um fim politico, á idéa, e permitta-se-me que diga, da união iberica.
(Interrupção do sr. Sousa Lobo.)
Declaro que não tenho receio da união iberica pelo facto de se construir esta ou aquella ou outra qualquer nova linha ferrea que nos ligue á Hespanha, quantas mais melhor; mas é certo que ha a distinguir entre factos e intenções.
Parece-me que o illustre deputado indicava que a Hespanha tinha desejo de estabelecer aquella linha, como prestando-se ao meio mais facil de communicação, e que por isso, provavelmente com igual facilidade, se prestaria a construir novas linhas transversaes, para dar esse resultado.
Mas eu direi a v. ex.ª que em outubro de 1869, em sessão das côrtes constituintes hespanholas, quando se tratava da candidatura ao throno, dizia um membro muito notavel do parlamento, o sr. Martos: «Iremos a Portugal com os nossos generaes, com os nossos soldados, com os nossos voluntarios, isto péze a quem pezar».
Em dezembro d'esse mesmo anno, tratando-se de dar a concessão do caminho de ferro de Madrid a Malpartida que encurtava a distancia entre Madrid e Lisboa, de 200 kilometros, dizia entre outras cousas um deputado o sr. Ruiz Gomes:
«A importancia d'esta linha é facil de demonstrar toda a voz que tem relação com a união de Hespanha e Portugal, que a não ser pela força, será feita fundindo os interesses de ambos os paizes, para o que é necessario antes esta frequencia de communicações.»
Ora, em 1872, quando a Hespanha tinha um deficit de mil milhões de reales, e quando levantava dinheiro a 18 por cento, ambos aquelles cavalheiros eram ministros, e foram ao parlamento desde logo propor a concessão do caminho de ferro de Malpartida, e dando-lhe uma subvenção de cincoenta milhões de reales!...
Repito pois, não importa o facto material, e seria pueril receiar pela nossa independencia pelo motivo de se construirem estes meios de approximação entre povos limitrophes; todavia vem ao caso citar a intenção, para d'esta inferir que era fim politico e não vantagem economica o que facilitou a adopção d'áquella linha a Malpartida.
Dito isto nada mais acrescentarei a este respeito.
Tornando ao caminho da Beira Alta, e com relação ao traçado, a commissão observou no seu relatorio, referindo-se á memoria do sr. Eça, que a distancia de Lisboa á fronteira franceza será de 1:055 kilometros, emquanto que o actual percurso é de 1:510 kilometros. É um encurtamento de 455 kilometros. De sorte que o comboio que passa por Medina del Campo e segue para Lisboa, por Madrid, quando chega a esta cidade, quasi já poderia estar em Lisboa se seguisse por Salamanca e pelo caminho da Beira Alta.
Tenho visto pôr em duvida se seria ou não construido o caminho de ferro que vae de Salamanca á fronteira.
Creio que tenho rasão em suppor que o governo hespanhol realisará a construcção d'esse caminho de ferro cuja concessão está decretada. Ainda, quando tal não fosse, quando houvesse como uma garganta de uma grande curva, necessariamente a força das circumstancias e a necessidade havia de trazer essa construcção tendente a ligar os dois extremos.
Quanto ao modo da construcção do caminho de ferro da Beira Alta, a commissão tinha acceitado a idéa da construcção por conta do estado e fundada em termos plausiveis. Pareceu-lhe isto preferivel, visto terem havido dois concursos e apresentar-se a segunda proposta ainda, mais onerosa e inacceitavel do que a primeira. Ainda hoje se poderá appellar para novo concurso em condições que para o estado pareçam mais vantajosas. Todavia devo dizer que a minha opinião como membro da commissão e não como relator, a minha opinião individual ainda se inclina a que a construcção d'este caminho de ferro seja feita por conta do estado; porque do modo por que está planeada a execução d'este projecto, durante os primeiros annos não havia encargo oneroso para o estado, e este só se daria quando o estado fruisse o seu rendimento.
Suppondo que tendo de se construir 201 kilometros a rasão de 34:000$000 réis por kilometro, será preciso um capital proximamente de 7.500:000$000 réis, que sendo realisado a 7 por cento para juro e amortisação, trará ao thesouro um encargo annual de 500:000$000 réis mais ou menos.
Quando um caminho de ferro d'esta importancia, vae percorrer, mesmo no nosso territorio, uma provincia que tem por kilometro quadrado 62 habitantes, emquanto que a provincia do Alemtejo conta 18 habitantes por kilometro, o seu rendimento kilometrico não póde ser inferior, antes muito superior ao rendimento dos caminhos de ferro do norte e leste.
Presentemente as linhas de norte o leste rendem por kilometro 3:680$00 réis; é pois de crer que o rendimento bruto kilometrico do caminho de ferro da Beira Alta lhe não fique inferior. Quando quizermos argumentar com rasões de paridade, havemos de ver que haverá toda a probabilidade de um tal rendimento, que compense o encargo da construcção, e que deve provir da grande influencia economica d'esta grande empreza.
Assim feita esta linha ferrea, o estabelecidas justas modificações no systema pautal e fiscal, conducente á maior liberdade commercial, dotando o porto e barra do Tejo com os melhoramentos de que carece, então não se poderá dizer que o porto de Lisboa só deve toda a sua importancia, não á obra dos homens ou á previdente administração, mas só á sua posição geographica, dom com que a natureza e privilegiou e habilitou para importante destino.
É o que me occorre dizer.
Vozes: — Muito bem.
O sr. Telles de Vasconcellos: — Vejo que todos os oradores que se têem seguido, têem fallado muito pouco no projecto, de maneira que eu, na posição especial em que
Página 353
353
DIARI0 DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
me encontro, não tenho que combater, e as explicações que tenho que dar á camara, por isso que tendo tratado esta questão em 1875, hoje tenho algumas modificações a fazer ao meu voto de então; digo, essas modificações apresental-as-hei quando o projecto se discutir na especialidade. (Apoiados.)
N'essa occasião apresentarei a minha opinião, e portanto parece-me que o que havia a fazer, era votar o projecto na generalidade, e quando vier á discussão, de novo então fallarei.
Como eu não tenho a quem combater, por isso que todos que se seguiram fallaram a favor, cedo por isso agora da palavra.
Vozes: — Votos, votos.
O sr. Avila: — A hora está muito adiantada e a camara parece-me tão fatigada e impaciente, que se não fosse o convencimento que tenho de que é conveniente fazer sobre este importante assumpto algumas considerações, que ainda não foram apresentadas pelos illustres oradores que me precederam, eu desistiria da palavra; mas tendo tambem assignado com declarações o projecto que se discute, corre-me a obrigação de explicar a rasão do meu voto.
Não trato de marear preferencias entre as duas linhas da Beira Alta e da Beira Baixa, mas na questão que se debate, cumpre-me dizer que estou de accordo a respeito das vantagens que devem resultar do estabelecimento de uma linha ferrea que atravesse a região da Beira Alta; não só porque é de esperar um largo desenvolvimento na queza agricola e industrial d'aquella provincia com um tão poderoso instrumento de progresso, mas ainda porque em relação ás nossas communicações intornacionaes, esta linha ferrea representa um notavel melhoramento, encurtando de cerca de 500 kilometros o percurso entre Lisboa e a fronteira franceza.
Mas se estou de accordo emquanto á conveniencia da construcção d'esta linha, não succede o mesmo com relação á opportunidade da sua construcção.
Diz-se que é uma necessidade inadiavel construir o caminho de ferro da Beira Alta; é n'este ponto que principalmente discordo da opinião dos meus illustrados collegas das commissões de fazenda e obras publicas. Para mim ha uma necessidade que se deve primeiramente considerar sempre que se trate do emprehendimento de obras d'esta importancia, é a de attender ás condições da fazenda publica e examinar se ella póde satisfazer aos encargos de taes commettimentos.
Vejamos pois quaes serão os encargos, e do exame ha de resultar, segundo me parece, que não é acto de boa administração emprehender nas circumstancias actuaes a construcção d'esta linha.
No relatorio que precede a proposta de lei, sobre a qual recaíu o parecer que se discute, dizem os srs. ministros da fazenda e das obras publicas que o custo do caminho de ferro da Beira Alta não será, inferior a 7.500:000$000 réis.
Estava inteiramente de accordo com esta primeira opinião de s. ex.ªs; o caminho de ferro da Beira Alta ha de custar uma somma superior a 7.500:000$000 réis, e muito. Mas hontem o illustre ministro das obras publicas disse-nos que da revisão dos orçamentos e da sua comparação com obras identicas dos caminhos de ferro do Douro e Minho, tinha resultado para os distinctos engenheiros os srs. Matos e Eça, e para s. ex.ª, a convicção de que o caminho de ferro da Beira Alta não custaria uma somma superior a 34:800$000 réis por kilometro, ou 35:000$000 réis, cifra redonda.
Eu, não podendo estar de accordo com a primeira opinião de s. ex.ª, não posso de modo algum concordar com a segunda.
Mas, admittindo que a obra custa sómente 7.500:000$000 réis, como s. ex.ª se propõe a levantar esta quantia por uma emissão de titulos com o encargo maximo de 7 por cento, titulos similhantes aquelles que foram emittidos para a construcção dos caminhos de ferro do Douro e Minho, não sei qual tenha sido a base do calculo de s. ex.ª para nos fallar em uma annuidade de 525:000$000 réis durante cincoenta e seis annos!
A annuidade de 522:000$000 réis em cincoenta e seis annos produz não 7.500:000$000 réis, mas representa réis 31.400:000$000!
Segundo a proposta do governo é esta a quantia que nos vae custar este caminho de ferro!
Os 31.400:000$000 réis são na hypothese do caminho custar 7.500:000$000 réis; segundo os calculos que o sr. ministro das obras publicas nos apresentou hontem, como o custo da linha seria apenas de 35:000$000 réis por kilometro, e como por consequencia a annuidade se reduziria a 402:000$000 réis, a importancia d'esta annuidade em cincoenta e seis annos já não representa réis 31.400:000$000, mas sim 29.460:000$000 réis. Qualquer d'estes resultados merece ser seriamente meditado.
Ha ainda outra circumstancia a attender. E que, na hypothese de que o caminho custaria 7.500:000$000 réis, como esta somma ha de ser obtida por uma emissão de obrigações, e como essas obrigações não serão collocadas ao par segundo todas as probabilidades, o encargo não será de 525:000$000 réis, conforme e calculo de s. ex.ª; mas ha de ser de 525:000$000 réis mais o encargo das obrigações, que se emittirem a mais dos 7.500:000$000 réis nominaes para perfazer realmente esta quantia. Mais uma rasão para que o custo d'este caminho de ferro não seja aquelle que s. ex.ss calculam.
O illustre ministro das obras publicas, nas proficientes considerações que fez hontem ácerca das causas que determinaram a consideravel elevação do custo kilometrico das linhas do Douro e Minho, não fez mais do que explicar o seu extraordinario augmento sobre o custo kilometrico calculado.
Mas o facto é que a linha do Douro nos custa talvez réis 55:000$000 por kilometro, e a do Minho custa-nos uma somma que excede tambem muito o orçamento primitivo.
Eu sei perfeitamente quaes foram as causas que principalmente influiram para, que o custo kilometrico das linhas do Douro e Minho subisse tanto sobre o preço calculado, e devo mesmo dizer algumas d'ellas, que são tambem communs ao caminho de ferro da Beira Alta.
Tanto n'um como n'outro caminho foi necessario fazer um grande numero de obras de arte para atravessar a região percorrida por estas linhas, que principalmente na linha do Douro é muito accidentada. N'este ultimo caminho, e refiro-me de preferencia ao do Douro, porque comquanto o sr. ministro das obras publicas conheça ambos, é aquelle que s. ex.ª especialmente conhece, visto que esteve por muito tempo sob a sua alta direcção, foi preciso fazer entre outras obras, dez tunneis todos revestidos com 4:270 metros de extensão; doze viaductos, ou grandes pontes, com 1:922 metros de comprimento, e desde que o caminho entra no Valle do Douro, os muros de supporte succedem-se quasi sem interrupção.
A perfeição com que foram executadas as obras é tambem causa do augmento do custo kilometrico do caminho, mas uma circumstancia que infiuiti muito consideravelmente para este augmento, foi a elevação extraordinaria dos salarios e do custo dos transportes, augmento que não póde deixar de se dar sempre que se trate do emprehendimento de grandes obras n'um paiz pequeno.
Por consequencia, se o governo pretende construir agora o caminho de ferro da Beira Alta, sem estarem concluidos os caminhos de ferro do Douro e Minho, esta circumstancia que tanto influiu no augmento do custo kilometrico d'aquelles caminhos, ha de necessariamente contribuir para que nos fique muito mais caro o caminho de ferro da Beira Alta.
Ora, os caminhos de ferro do Douro e Minho custam-nos
Sessão de 12 de fevereiro de 1878
Página 354
354
DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
um encargo, que não podem solver, salvo se tiverem um rendimento bruto kilometrico, que de modo algum se deve esperar principalmente na linha do Douro.
O illustre ministro disse-nos, que o movimento d'aquellas linhas só attingiria o seu natural desenvolvimento, quando ligassem os differentes centros de producção; mas como creio que nos calculos do governo o caminho de ferro da Beira Alta não servirá para alimentar de um modo attendivel, especialmente o caminho do ferro do Douro, segue-se que a construcção d'esta nova linha não diminuirá os encargos que aquelles caminhos custam ao paiz.
O caminho de ferro da Beira Alfa construido actualmente vae-nos custar pelas rasões expostas uma somma importantissima.
Mesmo admittindo que o seu custo kilometrico seja apenas de 40:000$000 réis, dividindo o preço total em quatro partes iguaes, porque segundo o projecto deve ser de quatro annos a duração da construcção, teremos que o preço do caminho se elevará a 8.900:000$000 réis, cifra redonda, o que representa pelo menos o encargo de 623:000$000 réis, e para isto é necessario que a emissão das obrigações se faça ao par.
Com que pretende o governo fazer face a esta despeza? Com o rendimento liquido do caminho que, quando muito, poderá ascender no principio da exploração a l:400$000 réis por kilometro, o que representa o rendimento de cerca de 280:000$000 réis?
Parecia-me, pois, que era conveniente adiar o emprehendimento da construcção d'esta linha até que se concluissem as do Douro e Minho.
D'este modo tinhamos não só a vantagem de aproveitar o pessoal habilitado que está hoje, construindo aquelles caminhos de ferro, mas tambem uma grande massa, de material de construcção, e poderiamos contar com uma rasoavel diminuição nos salarios e com um augmento extraordinario que ha do necessariamente dar-se procedendo-se á abertura dos trabalhos n'esta linha e estando ao mesmo tempo em construcção a linha do Douro e Minho.
Parecia-me, repito, que seria um acto de boa administração adiar a construcção d'este caminho até que se concluissem as linhas do Douro o Minho; mas se a camara entender que é uma necessidade improrogavel o emprehendimento immediato das obras d'este caminho, devia então principiar por votar os meios para occorrer ás despezas da sua construcção, sem o que, approvando o projecto, pratica um acto que deve ter n'um futuro proximo consequencias porventura graves. (Apoiados.)
O sr. Francisco de Albuquerque: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
Julgou-se discutida a materia.
O sr. Pinheiro Chagas: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara, sobre se permitta que mande para, a, mesa uma proposta. (Apoiados. Vozes: Mande, mande.)
O sr. Presidente: — Tenha a bondade de mandar.
O sr. Pinheiro Chagas: — A minha proposta é a seguinte:
(Leu.)
Foi admittida á discussão e é a seguinte:
Proposta
Proponho que seja inserida na lei uma disposição em que o governo seja auctorisado a construir o caminho de ferro da Beira Baixa por administração directa no caso do não apparecer na licitação concorrente em condições acceitaveis. = Manuel Pinheiro Chagas, deputado pela Covilhã.
O sr. Presidente: — Vae votar-se sobre a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos. Leu-se na mesa.
O sr. Telles de Vasconcellos: — Parecia-me que o que nós tinhamos de votar primeiro era o projecto do governo na generalidade, e depois votar que fossem á commissão todas as propostas que estão sobre a mesa, e, se quizerem, haver uma votação especial sobre a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos.
O sr. Presidente: — Mas tem estado em discussão que seja construido o caminho de ferro da Beira Alta por concurso, e não apparecendo concorrentes que seja construido por conta do estado.
O sr. Telles de Vasconcellos: — Essa é a especialidade e nós não votâmos nada d'isso; votamos só a idéa, isto é, que se deve fazer o caminho de ferro da Beira Alta; depois é que havemos de descer á especialidade.
O sr. Presidente: — Esta proposta, que esteve em discussão, diz muito claramente, que se deve construir este caminho de ferro por concurso, e que se não apparecerem concorrentes, ou as propostas que se offerecerem não forem satisfactorias, deve ser construido por conta do estado. É isto que se vota.
O sr. Telles de Vasconcellos — Isso é a especialidade.
O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço a v. ex.ª que me diga se acaso votando-se essa proposta ella depois vae á commissão ou fica approvada.
O sr. Presidente: - Vae á commissão.
O Orador: — Não julgue v. ex.ª que n'estas considerações faço censura á mesa; mas o que me parecia curial era, que votando-se o projecto na generalidade, salvas as propostas ou emendas, fossem depois estas enviadas á commissão para as examinar e dar sobre ellas o seu parecer.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Parece-me que a proposta do sr. Osorio de Vasconcellos dá ao projecto do governo um caracter diverso e que deve ser apreciado pela commissão.
Por consequencia votemos a proposta do meu illustre amigo o sr. Osorio de Vasconcellos, para, que ella, conjunctamente com o projecto, vá á commissão, e depois approvemos o parecer da commissão conforme elle vier.
Posto á votação o projecto na generalidade foi approvado.
O sr. Osorio de Vasconcellos: — Agora requeiro a v. ex.ª que ponha á votação a minha proposta.
Posta ã votação a proposta, do sr. Osorio foi approvada e remettido A commissão.
O sr. Telles de Vasconcellos: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que as propostas vão todas á commissão.
Consultada a camara decidiu afirmativamente.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje, e mais o projecto n.º 99 de 1876.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.