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SESSÃO DE 4 DE FEVEREIRO DE 1879
Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva
Secretarios — os srs. Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita
SUMMARIO
Continua a discussão do parecer da commissão de poderes sobre a eleição do circulo de Belem.
Alertara — As duas horas e um quarto da tarde.
Presentes á chamada os srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adolpho Pimentel, Carvalho e Mello, Fonseca Pinto, Nunes Fevereiro, Osorio de Vasconcellos, Alexandre Lobo, Alfredo de Oliveira, Alipio Sousa Leitão, Gonçalves Crespo, A. J. d'Avila, Antonio Lopes Mendes, Arrobas, Carrilho, Pinto Magalhães, Telles de Vasconcellos, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Bernardo de Serpa, Sanches de Castro, Diogo de Macedo, Domingos Moreira Freire, Eduardo Moraes, Emygdio Navarro, Hintze Ribeiro, Firmino Lopes, Fonseca Osorio, Gomes Teixeira, Francisco Costa, Freitas Oliveira, Costa Pinto Jeronymo Osorio, Gomes do Castro, Brandão e Albuquerque, Scarnichia, Sousa Machado, Almeida e Costa, Ferraz de Pontes, Laranjo, José Frederico, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, José Luciano, J. M. Borges, Sá Carneiro, • Taveira e Menezes, Garrido, Faria e Mello, Manuel d’Assumpção, Pires de Lima, Rocha Peixoto (Manuel), Correia de Oliveira, Aralla e Costa, Nobre de Carvalho, Mariano de Carvalho, Miranda, Montenegro, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Sieuve de Menezes.
Entraram durante a sessão — Os srs.: Adriano Machado, Rocha Peixoto (Alfredo), Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, Emilio Brandão, Barros o Sá, A. J. Teixeira, Pedroso dos Santos, Saraiva de Carvalho, Avelino de Sousa, Caetano de Carvalho, Carlos de Mendonça, Conde da Foz, Goes Pinto, Filippe de Carvalho, Fortunato das Neves, Francisco de Albuquerque, Mesquita e Castro, Mouta e Vasconcellos, Sousa, Pavão, Van-Zeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Palma, Silveira da Motta, Jeronymo Pimentel, Anastacio do Carvalho, Melicio, João Ferrão, Novos, Ornellas de Mattos, Dias Ferreira, Namorado, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz, J. M. dos Santos, Sousa Monteiro Junior, Julio de Vilhena, Sampaio e Mello, Luiz de Lencastre, Almeida, Macedo, Souto Maior, Pinheiro Chagas, Pedro Correia, Pedro Barroso, Jacome Correia, Pedro Roberto, Rodrigo de Menezes, Visconde da, Aguieira, Visconde de Andaluz, Visconde da Arriaga, Visconde de Balsemão, Visconde de Rio Sado, Visconde de Villa Nova da Rainha.
Não compareceram á sessão — Os srs.: Santos Carneiro, Paula Medeiros, Barros e Cunha, J. J. Alves, Joaquim Pires, Mello Gouveia, Barbosa du Bocage, Lourenço de Carvalho, Bivar, Freitas Branco, Alves Passos, M. J. Gomes, Marçal Pacheco, Pedro Carvalho, Ricardo Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde da Azarujinha.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
officio
Do sr. conde de Reillac, acompanhando uma copia da representação apresentada a esta camara na sessão de 23 de janeiro do 1878, pelos portadores do emprestimo portuguez de 1832.
Foi enviado á commissão de fazenda.
Representações
1.ª Dos credores previlegiados da extincta companhia União mercantil, pedindo uma lei positiva e obrigatoria para lhe serem pagos os seus creditos.
Foi apresentada pelo sr. deputado Mariano de Carvalho. Enviada á commissão de fazenda, ouvido a. de legislação.
2.º Da camara municipal de Braga, pedindo uma nova prorogação para o registo dos onus reaes.
Foi apresentada pelo sr. deputado Jeronymo Pimentel. Enviada á commissão de legislação civil.
3.ª Da camara municipal do concelho de Grandola,.contra, a concessão feita ao capitão Joaquim Carlos Paiva de Andrada.
Foi apresentada, pelo sr. deputado Ornellas de Matos. Remettida á commissão do ultramar.
4.ª Dos vigarios, curas, mestres de capella, organistas e thesoureiros parochiaes das quatro freguezias da ilha Graciosa, pedindo que as suas congruas sejam pagas a trigo pelo preço do mercado: 700 réis cada 13',G e não pelo de 150 réis.
Foi apresentada, pelo sr. deputado Pedro Roberto. Enviada á commissão ecclesiastica, ouvida a de fazenda.
5.ª Dos escripturarios de fazenda dos concelhos de Cintra o Caseies, pedindo augmento de ordenado.
Foi apresentada pelo sr. deputado Sousa Monteiro. Enviada, á commissão de fazenda.
Declarações
1.ª Participo a v. ex.ª o á camara que o sr. deputado visconde da Azarujinha não tem comparecido a algumas sessões por motivo justificado. = José Maria dos Santos.
Inteirada.
2.ª Declaro que assisti á sessão de 31 de janeiro. — Luiz Corrido. Inteirada.
SEGUNDAS LEITURAS
Projecto de lei
Senhores. — Na passada legislatura tive a honra, de apresentar um projecto de lei, que, posto merecesse a approvação da, camara dos senhores deputados, nem sequer obteve parecer da illustre commissão de administração publica da camara dos dignos pares do reino.
Esse, projecto que tendia á satisfação de uma necessidade de administração de muitos municipios, tinha por fim facilitar a remissão dos fóros, censos ou pensões pertencentes ás camaras municipaes.
Renovando hoje a iniciativa d'esse projecto, não julgo necessario encarecer a sua importancia, para que elle mereça a vossa illustrada attenção.
Reconhecendo-se a necessidade de facilitar a desamortisação d'aquelles bens municipaes, promulgou-se a lei de 21 de abril de 1873 e seu regulamento de 25 de setembro do mesmo anno. Não se conseguiu, porém, aquelle fim, porque o inventario exigido por esse regulamento demandava despezas e delongas, a que as camaras no interesse dos municipios desejavam esquivar-se.
E por isso que poucas ou nenhumas se aproveitaram d'aquella lei, e continuam muitas a possuir grande quantidade de fóros e pensões, com grave prejuizo para a sua administração economica, e desproveito para a liberdade da terra que as leis da desamortisação têem em vista.
A necessidade do facilitar a remissão dos fóros e mais pensões, de que as camaras municipaes são directos senho-
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rio, torna-se carta, vez mais urgente em face da lei que não dispensa de fazer o registo d'esses onus reaes.
Com a remissão, que este projecto favorece, evitam-se as despezas do registo e as despezas que o inventario exigido pelo citado regulamento de 25 do setembro do 1873 obriga a fazer para se proceder á remissão.
É por estas considerações que tenho a honra de renovar a iniciativa do seguinte
Projecto de lei
Artigo 1.º São auctorisadas as camaras municipaes a remir os fóros ou pensões de que forem directas senhorias, independentemente de licença do governo.
§ 1.° O direito de remir pertencerá ao sub-emphytenta e só não querendo este usar d'elle pertencerá ao emphytenta.
§ 2.° Nos emprasamentos ou contratos, em que não haja, laudemio, o preço da. remissão será a importancia do foro em vinte annos.
§ 3.° Quando haja laudemio estipulado accrescerá aquelle preço a importancia, de um laudemio calculado sobre o valor dado na matriz predial á propriedade empbytentica.
Art. 2.° Perderão o direito á remissão os foreiros que a não requererem á, camara dentro do praso de um anno a contar da publicação d'esta lei.
Art. 3.º Findo aquelle praso as camaras não poderão remir foro algum e procederão á venda em hasta, publica, dos fóros ou pensões, que não estiverem remidos, tomando para, base da arrematação o preço que se acha determinado para a remissão nos § § 2.° e. 3.° do artigo 1.° d'esta lei.
§ unico. Não havendo licitante na primeira praça, seguir-se-hão novas arrematações com os abatimentos estipulados na legislação vigente.
Art. 4.º Estas vendas em hasta publica devem previamente ser auctorisadas pela junta, geral, e a ellas deve assistir o agente do ministerio publico da comarca, para, fiscalisar os actos da, arrematação, fazer as necessarias reclamações e interpor os competentes recursos, nos termos do artigo 2.° da lei de 21 de abril de 1873.
Art. 5.° O producto da remissão ou da arrematação será immediatamente convertido em titulos de divida publica, nos termos da, lei de 4 de abril de 1861.
§ unico. O pagamento do preço das remissões ou arrematações será feito nas recebedorias das comarcas por meio de guias passadas pelas camaras municipaes.
Art. 6.º As camaras que não quizerem aproveitar-se da auctorisação que por esta lei lhes é concedida, deverão declaral-o, dentro do praso de sessenta dias depois da, sua publicação, á direcção geral dos proprios nacionaes.
Art. 7.° Passados tres annos depois da promulgação da presente lei, os fóros ou pensões, que não estiverem remidos ou arrematados, ficam sujeitos ás leis geraes da desamortização.
Art. 8.º Fica revogada, a legislação em contrario.
Sala, das sessões da, camara, em 3 de fevereiro de 1879. — Jeronymo da Cunha Pimentel, deputado por Braga, = Rodrigo de Menezes, deputado por Guimarães.
Enviado á commissão de fazenda ouvida a de legislação.
Projecto de lei
Senhores. — O archipelago dos Açores, que temos a honra de representar, composto das ilhas de S. Miguel, Terceira, Fayal, S. Jorge, Graciosa, Pico, Santa Maria, Flores e Corvo, reclama, instantemente, que seja satisfeita uma das suas mais urgentes necessidades.
Aquelle importante archipelago, pelas suas especiaes circumstancias, pelo seu isolamento do continente e posição no meio do Atlantico, demanda dos poderes publicos um grande melhoramento em todas, ou pelo menos na maior parte das suas costas, melhoramento este, que se traduz na collocação de varios pharoes nos logares mais proprios, e que se torna indispensavel para, a navegação.
Em todos os districtos dos Açores, separados mais ou menos entre si, por muitas milhas, e do continente por mais de oitocentas, apenas existem hoje dois pharoes collocados, um com lanternas de 2.ª ordem na ponta de Nordeste, e outro, de pequeno alcance, na plataforma da doca da ilha de S. Miguel, funccionando ambos ha mais de um anno, e com grande vantagem para a navegação.
A illuminação das costas das ilhas dos Açores bem combinada, e feita, depois de estudos os mais completos, não só é indispensavel, mas até deve considerar-se como uma medida verdadeiramente humanitária.
Muitos e importantes estudos se têem feito sobre este assumpto, mas a despeito de todos os esforços e instantes solicitações dos nossos constituintes, nada se tem conseguido, nem realisado até hoje.
É indispensavel saír d'este estado.
Considerando, que todos áquelles districtos contribuem para, o thesouro com avultadíssimas quantias, provenientes das contribuições predial, industrial, sumptuaria, de renda de casas, de imposto aduaneiro pagas nas alfandegas, e de muitos outras cobradas de diversos modos, e que por estes fundamentos, os seus habitantes merecem toda, a protecção dos poderes publicos;
Considerando, que a população de todo o archipelago, pelo ultimo recenseamento é tão importante, que merece ser sempre respeitada nas suas justissimas aspirações, sendo a de Ponta, Delgada de 1 12:108 almas, a de Angra do Heroismo de 72:341 e a da Horta de 66:445;
Considerando, quanto é grande o numero de embarcações de vela e a vapor, nacionaes e estrangeiras que aportam aquella ilha, e se empregam no commercio de importação e. exportação, alem das que crusam áquelles mares pela sua posição no meio do Oceano, e que no anno de 1877 foram:
Ver Diario Original”
Considerando, que achando-se em construcção as duas docas de S. Miguel e Horta, os portos d'aquellas duas importantes ilhas hão de ser mais frequentados, se as suas costas e as das mais ilhas forem illuminadas, em ordem a que a navegação se faça com um risco menor a que presentemente está sujeita, desenvolvendo-se mais o commercio, e provendo assim maior interesse aos seus habitantes e para o estado;
Considerando sempre, como é do dever de todos os homens liberaes d'este paiz, os importantes e valiosos serviços que os povos dos Açores prestaram á, causa da liberdade, especialmente a ilha Terceira e S. Miguel, cujos habitantes não se pouparam a sacrificios alguns para mostrarem com toda a evidencia, que pugnando por áquelles principios, defendiam a mais santa e justa de todas as causas, a da liberdade, de que infelizmente não gosavam então os seus irmãos do continente;
Considerando, que as circumstancias especiaes dos Açores, aconselham a que não devemos esperar por um trabalho completo e combinado da illuminação de todas as cos-
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tas do continente do reino, aonde existem mais pharoes, para então se illuminarem as costas das ilhas dos Açores, que, como fica demonstrado, é medida não só indispensavel mas até humanitária;
Considerando, que nas circumstancias especiaes do thesouro publico, não é prudente aggravar a despeza com no vos encargos para uma obra, que, ainda que possa considerar se como de vantagem para a nação, mais directamente interessa aos povos dos Açores, e ás embarcações nacionaes e estrangeiras que cruzam áquelles mares;
Considerando, que o lançamento de novos e diversos impostos aos habitantes d'aquelle archipelago (que já se acham muito sobrecarregados com os existentes e muito mais aggravados do que os pagos no continente), os melhoramentos, que solicitam, se podem realisar construindo-se os pharoes uns após dos outros, e sem grande vexame para os povos;
Considerando, que os meios indispensaveis para estes melhoramentos se podem obter, se attendermos ao beneficio que, principalmente, prestam os pharoes a toda a navegação mais directamente interessada, e que, portanto, cobrando com alguns addicionaes temporariamente o imposto de tonelada, decretado nas leis de 27 de dezembro de 1870, 9 de abril de 1874, que regulam o mesmo imposto de tonelada, onde está envolvido o de pharoes, especificado antes em leis especiaes;
Considerando, que este imposto tendo a augmentar pelo pelo maior commercio que nos ultimos annos tem havido, e que o mesmo, que antes pouco produzia para o estado hoje tem duplicado, do mudo que o cobrado nos districtos dos Açores é já muito importante como se vê do seguinte mappa estatistico dos orçamentos annuaes:
(Ver Diario Original”
Temos a honra de vos apresentar o seguinte:
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° É o governo auctorisado a levantar pelo modo que julgar mais conveniente até á quantia de réis 90:000000 para a construcção de seis pharoes, que deverão ser collocados nos pontos mais apropriados, para esse fim, nas ilhas de S. Miguel, Terceira, Faial, Santa Maria, S. Jorge e Flores.
§ unico. O encargo d'este emprestimo para juro e amortisação não excederá a 7 por cento.
Art. 2.° O imposto de tonelada, decretado nas leis de 27 de dezembro de 1870 e 9 do abril de 1874, e que tenha de ser cobrado depois de 1 de julho futuro, das embarcações que navegarem para as ilhas dos Açores, será exclusivamente applicado ao pagamento do capital levantado e sem juros.
§ unico. Sobre este imposto serão lançados os addicionaes de 6 por cento com igual applicação.
Art. 3.° Estes addicionaes ficarão reduzidos a 3 por cento, logo que esteja pago o capital de que se trata.
Art. 4.° () governo dará conta ás côrtes do uso que fizer d'esta auctorisação.
Art. 5.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 8 de fevereiro de 1879. = Visconde de Sieuve de Menezes, deputado pela ilha Terceira = Pedro Roberto Dias da Silva, deputado pelo circulo das Velas — Filippe de Carvalho, deputado pelo circulo da Horta = Pedro Jacome Correia = Caetano de Carvalho, deputado pelo circulo do Pico — Henrique de Paula Medeiros = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro.
Enviado á commissão de fazenda ouvida a de obras publicas.
Projecto de lei
Senhores. —"A ilha das Flores é a mais importante do grupo Occidental do archipelago dos Açores. As coordenadas geographicas do seu porto principal de Santa Cruz, capital da ilha, são: latitude N. 39° 27' 30; longitude O do meridiano de Greenwich 31° 8' 30. A sua posição, por assim dizer, privilegiada, tornal-a-ía-a mais importante de todas as ilhas, se a natureza a não tivesse privado de um porto onde as embarcações podessem achar abrigo contra os temporaes, tão frequentes n'aquella região. E por isso que a ilha das Flores, apesar da sua vantajosa situação, não se tem desenvolvido em riqueza e progressos agricolas e industriaes, como as outras ilhas do archipelago.
Não é possivel contestar a necessidade que determinou a construcção dos portos artificiaes da Horta e Ponta Delgada; a riqueza da ilha de S. Miguel e as tradicções da do Faial, conhecidas de todos os navegadores como um dos melhores refúgios providencialmente collocados na vastidão dos mares, para salvação de vidas e fazendas dos navegadores em perigo, fizeram esquecer que á ilha das Flores só falta um bom porto, para poder prestar aos navios melhores serviços que a do Faial, e que essa deficiencia poderia ser preenchida sem maior difficuldade que em S. Miguel, graças aos recursos que ministra a arte de construir portos artificiaes.
A importancia da ilha das Flores é demonstrada pelo facto de ser o seu porto, talvez o peior de todos os dos Açores, demandado por navios cuja tonelagem é superior á dos que foram aos portos mais frequentados das outras ilhas, como se vê na ultima estatistica commercial publicada, sendo de notar que alguns dos navios que visitaram os outros portos, s ali foram depois de procurarem debalde na. ilha das Flores os recursos de que necessitavam.
Seria trabalho superfluo encarecer a vantagem de portos de abrigo no archipelago açoriano. O desenvolvimento da riqueza natural das ilhas, o interesse que aufere o fisco com o augmento d'ella, e ainda, ou talvez em primeiro logar, as considerações humanitarias, tudo se liga, para esse fim e falla mais eloquentemente do que o poderiamos fazer n'esta pequena exposição.
A falta de porto seguro, ou, ao menos, de facil accesso, na ilha das Flores, colloca-a n'um isolamento quasi completo para as transacções commerciaes; os seus terrenos, extensos e ferteis, estão na maior parte incultos, e a sua população, pequena em relação á área da ilha, emigra, porque lhe falta no solo natal meio de exercer a sua aptidão para todas as especies de trabalho, indo procurar em terras estranhas o pão, que a patria lhe não póde ministrar, e, muitas vezes, a miseria e a morte mais cruel.
As condições economicas da ilha mudariam, se se construísse um porto de abrigo onde podessem entrar e permanecer com segurança alguns navios (doze), em qualquer epocha do anno.
Poucas regiões ha que contribuam com maior numero de paginas para a historia das grandes catastrophes maritimas, do que as costas da ilha das Flores, onde cada pedra é, por assim dizer, um monumento que celebra a memoria de victimas.
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No relatorio que precede o projecto que se transformou na lei de 20 de junho de 1SGJ, 'lê-se: «Ha quasi trinta annos que os habitantes do archipelago açoriano receberam do immortal Senhor D. Pedro JV a promessa solemne de verem na suppressão dos conventos um manancial de riqueza, que do futuro seria productivamente empregado na abertura de portos, entrando as ilhas na categoria das praças de commercio mais frequentadas, resultando d'esta mui sabia e elevada concepção uma medida de verdadeiro alcance humanitario, economico e social.
Não ignoramos por certo que na applicação do producto da venda dos bens dos conventos só se teve por intuito a maior vantagem e proveito nacional; e se nos referimos ao decreto n.º 25, de 17 de maio de f 832, temos unicamente por fim observar que desde longa data se pensa em levar a effeito o beneficio mais importante com que podem ser dotadas as ilhas dos Açores.
Seria hoje irrisorio o querer demonstrara absoluta necessidade de portos de abrigo no archipelago açoriano, quer em relação ao fisco, quer em relação aos proprietarios o carregadores dos milhares de embarcações que navegam no Atlantico; e quando argumentos de outra natureza o valia não viessem em apoio de tão justa e elevada empreza, bastaria reflectir no grande numero do naufrágios, a que uma doca vem pôr termo, no manifesto interesse da praça, e sobretudo das vidas que perigam constantemente no meio d'esses naufrágios.
Os poderes publicos attenderam á rasão invocada para beneficio do Faial, e hoje o seu porto está em via de construcção.
Já na epocha em que o projecto referido foi apresentado na camara dos srs. deputados, o porto de Ponta Delgada dava abrigo a algumas embarcações.
É possivel que o augmento de riqueza das outras ilha, que têem recebido fomentos o protecção, justifique o augmento de encargos pecuniarios que lhes têem sido distribuidos, mas subsistindo na ilha das Flores todas as circumstancias desvantajosas que justificavam a cobrança dos impostos indirectos em moeda fraca em todo o archipelago açoriano, partilhou ella do aggravamento resultante da medida, que estabeleceu essa cobrança em moeda forte, sem a menor compensação para este sacrificio. E não se diga que aquelle beneficio não tinha rasão de ser, porquanto os motivos que levaram o legislador a promulgal-o, foram a pobreza industrial das ilhas, o atrazo da sua agricultura. a difficuldade das suas communicações; e ainda que se possa affirmar que essas circumstancias não subsistem no resto do archipelago, seria fechar os olhos á verdade, abranger n'esta affirmação a, ilha das Flores.
Os unicos artigos de produção, n'esta ilha, são milho, trigo, batata e. inhame, em quantidade insufficiente para o consumo da sua população, sujeita a um imposto predial cuja quota é de 15 e 16 por cento nos concelhos de Santa Cruz e Lagens; n'estas condições é claro que a não ser a emigração para os Estados Unidos da America, suficiente para sustentar uma carreira mensal de grandes vapores, e a emigração dos que trazem um peculio mais ou menos avultado, que não podem empregai' no desenvolvimento da riqueza da ilha, porque o consomem na compra dos generos que importam para a sua sustentação e de suas familias, morreria á mingua dentro em pouco toda a população da ilha.
Esperava o povo florentino que a sua posição geographica lhe permittiria mas tarde ou mais cedo, tirar vantagem da necessidade que teriam as emprezas estrangeiras de ali implantarem melhoramentos que a mãe patria lhe não tem podido proporcionar, mas esta esperança caduca perante a triste realidade dos factos; assim é que tendo diversas emprezas pretendido servir-se da ilha como ponto de amarração, intermedio para as communicações telegraphicas intercontinentaes, nenhuma tem podido obter a licença requerida, por se lhes impor como obrigação sinequa non, ligar telegraphicamente as Flores a Lisboa, sacrificando esta segunda linha em outras ilhas, sacrificando assim, em proveito de districtos mais ricos, as vantagens unicas que podia auferir aquella ilha da sua posição geographica.
Ultimamente Antonio Vicente Peixoto Pimentel, representante de uma companhia, requereu que o governo lhe concedesse licença, sem exclusivo, para ¦ estabelecer um cabo submarino entro quaesquer pontos da Europa e Estados Unidos, tocando como ponto de apoio na sua propriedade denominada das Barrosas, na ilha das Flores, com j obrigação do construir um porto de abrigo para doze navios.
Esta justa, pretensão, de evidente o grande interesse publico, foi-lhe indeferida com o pretexto de que em logar da linha requerida, devia a companhia fazer outra de Lisboa a S. Miguel e de S. Miguel ás Flores, a fim de ligar Portugal com os Estados Unidos.
Devo ter-se em attenção que as ilhas dos Açores não gosam das vantagens auferidas, pelo continente, dos caminhos de ferro, o que é na construcção de portos de abrigo que podem encontrar compensação correspondente a essa falta.
Senhores! É tempo de reparar os effeitos de um esquecimento que embora não tenha sido intencional, e possa ser justificado em tempos em que tudo havia a fazer, não são por isso menos penosos para os povos que os soffrem; e para esse fim temos a honra do propor-vos o seguinte apresentando-vos o esboço de um ante-projecto de porto artificial na bahia da Ribeira da Cruz da ilha das Flores, proximo da villa de Santa Cruz, que parece aos technicos ser o ponto mais conveniente para a execução de tal obra.
No projecto é creada a receita a mais que sufficiente, para fazer face aos encargos de juros e amortisação do capital necessario para a construcção.
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° E auctorisado o governo a mandar construir no menor espaço de tempo que lhe seja possivel, um porto artificial que offereça abrigo a doze navios de alto bordo na bahia da Ribeira da Cruz na ilha das Flores.
Art. 2.° Para satisfazer as despezas d'esta construcção, é o governo igualmente auctorisado a contratar um emprestimo até 'á somma de 250:000$000 réis, em moeda forte, sendo esta garantida, com titulos de divida publica, se assim for preciso, e concedendo o governo, como garantia de juro o amortisação d'este emprestimo, todos os rendimentos do mesmo porto artificial, menos a, parte necessaria para a sua conservação desde que estiver em estado de servir aos fins a, que é destinado.
Art. 3.° Com applicação, no juro e amortisação do emprestimo, e para, a propria construcção da obra, se cobrarão alem do que está no presente e estiver no futuro determinado na pauta geral das alfandegas e nas leis da fazenda, os seguintes impostos:
1.ª Um meio por cento sobre o valor da importação e da exportação nas ilhas das Flores e Corvo.
2.° Cinco por cento sobre o valor dos depositos do mercadorias que se façam nas delegações da alfandega nas mesmas ilhas, excepto o do azeito de peixe e carvão de pedra.
3.° Um por cento sobre as contribuições predial, industrial, pessoal e de registo em todo o districto administrativo da Horta (visto que as ilhas das Flores e Corvo pagam tres por cento para a doca da, ilha do Faial, cabeça de districto.)
4.° Dois réis sobre cada 4:508 decigrammas de carne verde consumida do mesmo districto (visto que as duas referidas ilhas pagam 5 réis sobre igual quantidade do dito genero para a doa do Faal.)
Art. 4.° Terão a mesma applicação.
1.° Os emolumentos que cobra, a fazenda publicados navios entrados nas ilhas das Flores e Corvo.
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2.º O producto do dizimo do peixe nas mesmas ilhas.
3.° O producto da venda de todos os objectos arrojados ás costas das ilhas das Flores o Corvo.
4.° O producto da venda dos terrenos baldios da ilha das Flores sobre os que forem de logradouro commum e julgados indispensaveis.
5.° Dez por cento do rendimento das alfandegas e respectivas delegações do districto occidental dos Açores, visto que o mesmo se acha estabelecido para a doca do Faial e tambem porque os generos manufacturados de consumo nas ilhas das Flores e Corvo, só podem ser despachados na alfandega da Horta.
6.° A quarta parte da verba destinada no orçamento do ministerio das obras publicas para as obras no districto da Horta.
Art. 5.° Concluida a edificação do porto artificia], o governo publicará a tabella dos direitos que deverão pagar os navios que se aproveitarem dó mesmo porto.
Art. 6.° Concluindo que seja este porto artificial o logo que esteja amortisado o emprestimo referido, ou qualquer outro que seja necessario para a conclusão d'esta obra, ficam extinctos os tributos auctorisados no artigo e d'esta lei, sem que mais possam ser exigidos e serão publicamente inutilisados os titulos ou inscripções que se houverem emittido para garantia do emprestimo, o qual será contratado de preferencia nos Estados tinidos da America e cidades de New-York, Boston, New-Bedford e S. Francisco da Califórnia, se o governo assim o julgar conveniente.
§ unico. O producto do rendimento do porto artificial de que se trata, depois de construido, e deduzidas as despezas da sua conservação e administração, entrará no cofre da fazenda publica.
Art. 7.° O porto artificial e todas as mais obras que fazem ou vierem a fazer parte d'elle, é considerado, debaixo de todas as suas relações, propriedade do estado.
Art. 8.º O governo, se julgar conveniente, estabelecerá uma junta de quatro membros escolhidos por elle sobre uma lista de doze, proposta pela junta geral do districto.
Esta junta será presidida, pelo administrador do concelho de Santa Cruz, o qual será substituido nos seus impedimentos pelo juiz de direito da comarca das ilhas das Flores o Corvo, ou por quem as suas vezes fizer, o terá a seu cargo: gerir os fundos destinados á feitura, do porto, pagar os juros e amortisação do emprestimo e todas as despezas que houver de fazer com a execução da, obra, ficando outro sim auctorisada, a receber directamente das alfandegas e auctoridades competentes todos os rendimentos destinados para este fim pelos artigos 3.º e 4.°, devendo deposital-os, emquanto se não der principio á obra, na caixa, geral de depositos na junta de credito publico.
Art.9.° Ficam isentos de quaesquer direitos as machinas, utensilios o mais objectos importados do estrangeiro, que forem necessarios para a construcção do porto artificial, ficando todavia, sujeitos á fiscalisação da delegação da alfandega na ilha das Flores.
Art. 10.º O governo fará os regulamentos precisos para a execução da presente lei.
Art. 11.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da camara, dos senhores deputados, em 4 de fevereiro de 187!). = —A. Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso = Julio de Vilhena — Caetano Pereira Sanches de Castro A. J. Teixeira — Antonio Maria Barreiros Arrobas — Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, deputado pelo circulo da Ribeira Grande e Nordeste — Filippa de Carvalho.
Enviado á commissão de fazenda, ouvida a de obras publicas.
RENOVAÇÃO DE INICIATIVA
Renovo a iniciativa do projecto n.º 151 de 1875. Sala das sessões, 31 de janeiro do 1879. — Pedro Roberto Dias da Silva.
O projecto é o seguinte:
Projecto de lei
Senhores. A vossa commissão da fazenda, foi presente a renovação de iniciativa, pelo sr. deputado Pedro Roberto Dias da Silva, do projecto de lei n.º 33 da sessão de 1874, tendente a mandar satisfazer aos amanuenses das diversas secretarias d'estado, algumas sommas que lhes estão em divida pela restricta interpretação dada ao § unico do artigo 15.° da lei de 15 de abril de 1873.
E a vossa commissão, conformando-se plenamente com o parecer de 28 do fevereiro de 1879, julga desnecessarias quaesquer outras considerações para, justificar o pedido; e como as sommas em divida, cujo pagamento se reclama, são apenas no total de 13O/J00O réis o é de, parecer que se devo approvar o seguinte
PROJECTO PE LEI
Artigo 1.° É o governo auctorisado a abonar aos amanuenses das secretarias d’estado os augmentos de 25 e 50 por cento dos seus vencimentos, estabelecidos pelos regulamentos de 1859, desde a epocha em que, nos termos dos mesmos regulamentos, os ditos amanuenses completaram o tempo de serviço exigido para a concessão d'aquelles augmentos.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, aos 27 de março de 1875. — José Dias Ferreira — Antonio Maria Barreiros Arrobas = José Maria dos Santos = Visconde de Guedes Teixeira = Jacinto Antonio Perdigão = Joaquim José Gonçalves de Mattos Correia = Antonio José Teixeira — Antonio Maria Pereira, Carrilho, relator.
O sr. Manuel d'Assumpção: - Mando para a mesa uma representação que os escripturarios do escrivão de fazenda dos concelhos da Pesqueira, Penedono e Sernancelhe enviam a, esta, camara, pedindo augmento de vencimento, ou, pelo menos, lhes sejam abonados os 48$000 réis provenientes dos 10 por cento de viação que são pagos pelos contribuintes.
N'esta representação, que vem nos lermos mais respeitosos, allegam estes empregados a sua justiça,; e parece-me que ella deve ser attendida, porque as rasões que elles apresentam lêem todo o fundamento, e peco a, v. ex.ª que lhe mando dar o destino conveniente, a, fim de ser attendida.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para dar uma, explicação.
Hontem, por occasião de estar foliando o sr. Luciano de Castro, dirigi um áparte, a s. ex.ª, lembrando-lho a lucta eleitoral que tinha tido logar ha, annos em, Machico; e s. ex.ª achou que esta, minha, observação levava algumas reticencias.
Peço licença para declarar que as minhas palavras nunca lêem reticencias; significam sempre o que significam; não lêem pensamento reservado, absolutamente nenhum. Quando quero dizer uma cousa, tenho a coragem de a dizer.
Tambem me parece que o sr. Luciano de Castro se incommodára um pouco com o meu áparte, suppondo talvez que eu o queria maguar, dirigindo-me especialmente a s. ex.ª
Eu nunca, me dirijo n'esta casa, a individuos. Posso atacar mais ou menos violentamente um partido, discutir a politica d'esse partido; os homens, porém, nunca os discuto. E prouvera a, Deus que, quando me levanto para fallar n'esta casa, nunca me saísse dos labios o nome proprio de um individuo.
A minha phrase, repito, não tinha reticencias, nem se dirigia especialmente ao sr. Luciano de Castro. A minha phrase queria significar simplesmente, e. foi a idéa com que a apresentei, que não era justo dirigirem-se accusações a um governo por quaesquer luctas mais ou menos violentas que houvesse entro os eleitores nos circulos eleitoraes; e chamára a attenção de s. ex.ª para aquelle ponto, afim do
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que s. ex.ª se lembrasse das accusações de que linha sido alvo n'aquella occasião o governo de que s. ex.ª fazia parte, e não praticasse agora a mesma injustiça.
Desejava lembrar a s. ex.ª este principio de doutrina parlamentar, que me parece ser verdadeiro
Eu não queria dizer que o sr. Luciano de Castro linha mandado fazer os fuzilamentos, porque sei que nem o governo os mandára fazer, nem a auctoridade superior do districto tinha a responsabilidade d'esses actos.
É esta declaração que desejava fazer, para que ficasse bem assente que a minha observação não se dirigia a pessoa alguma, e que o meu áparte não levava reticencias que podessem maguar alguem.
N'esta casa, torno a repetir, nunca discuto os individuos.
Posso atacar os partidos, os homens nunca.
O sr. "Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios dos escrivães de fazenda das comarcas de Angra do Heroismo e Praia da Victoria, os quaes, pelas mesmas considerações apresentadas pelo sr. Manuel á Assumpção, pedem que os seus vencimentos sejam melhorados,
O sr. Agostinho Fevereiro: — Mando para a mesa um requerimento de João Carlos Correia Maximiano e Costa, alferes cazerneiro de Castello Branco, pedindo melhoria de reforma.
O sr. Luciano de Castro: — Mando para a mesa differentes requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo.
Alguns d’estes esclarecimentos e outros, que hei de pedir, são-me necessarios para a discussão do orçamento. Por isso peço a v. ex.ª se digne dar expediente a estes requerimentos com a maior brevidade, a fim que eu tenha presentes os esclarecimentos pedidos quando se entrar na discussão d'aquelle importante assumpto.
Aproveito esta occasião para agradecer muito cordeal e sinceramente ao sr. Manuel d'Assumpção as explicações cavalheirosas e leaes que ha pouco deu.
Eu já particularmente tinha dito a s. ex.ª que estava persuadido de que não tinha sido seu proposito melindrar-me com a sua interrupção, pois que não vira nas suas palavras mais do que uma allusão politica.
Folgo ainda mais com as declarações feitas pelo sr. Manuel d'Assumpção, porque ellas me dão a esperança, ou quasi a certeza, de que esta velha allusão ao antigo par tido historico, e hoje ao partido progressista, a proposito dos successos de Machico, vae desapparecer das nossas controversias politicas.
Já hontem expuz á camara qual a parte que o ministerio de 1869 teve n'esses acontecimentos desgraçados, que eu fui o primeiro a deplorar, e de que o governo declinou desde logo toda a responsabilidade; hoje peço apenas licença á camara para ler um documento que confirma tudo quanto hontem asseverei. E uma carta, datada de 27 de outubro de 1878, assignada pelo sr. Antonio Correia Heredia que teve uma parto importante nos acontecimentos d'aquelle tempo, na qual se encontram os periodos que vou ler.
(Leu.)
Vê-se, pois, que o meu honrado collega, o sr. Braamcamp, escrevia antes da eleição ao sr. Antonio Correia Heredia, que era o candidato do partido que apoiava o governo n'aquella, ilha, recommendando-lhe toda a moderação e prudencia, e declarando-lhe que preferia perder a eleição a empregar meios menos liberaes.
Está presente um membro d'esta camara, o sr. visconde de Andaluz, caracter respeitavel o de cuja honestidade ninguem n'esta camara poderá duvidar, que era governador civil da Madeira n'esse tempo.
Que diga s. ex.ª, e appello para o seu leal testemunho, se recebeu do governo d'esse tempo instrucções menos liberaes, ou alguma insinuação para attentar contra o suffragio popular.
S. ex.ª de certo não negará aos homens que compunham aquelle governo, e que elle apoiava, o testemunho que lhe peço.
O sr. Visconde de Andaluz: Já pedi a palavra.
O Orador: ¦—O partido regenerador, de que v. ex.ª é digno membro, apoiou a situação historica que succumbiu em 19 de maio de 1870.
V. ex.ª sabe que d'esse governo e d'essa situação recebeu esse partido inequívocos testemunhos de consideração e de deferencia.
D'esse governo recebeu o actual presidente do conselho a honra de ser elevado, por proposta sua, a membro da camara dos pares.
O sr. Corvo foi seu representante, e o era ainda na occasião em que succederam os deploraveis acontecimentos de Machico, na corte de Madrid.
O sr. Antonio Rodrigues Sampaio, actual ministro do reino, defendeu o governo a proposito d'aquelles acontecimentos na Revolução de setembro.
O sr. Barjona do Freitas levantou-se n'esta camara, quando se tratou d'essa questão, para tomar a defeza do ministerio.
Por consequencia differentes cavalheiros do partido regenerador estão compromettidos n'este assumpto, têem a sua responsabilidade vinculada á nossa, e não sei como o sr. Manuel d’Assumpção, ao escapar lhe aquella allusão, não comprehendeu que as palavras que me dirigia, ao mesmo tempo que podiam ferir-me, iam offender igualmente os seus amigos politicos...
O sr. Manuel d'Assumpção: — V. ex.ª não ouviu a explicação que dei ha pouco.
O Orador: — Essa explicação era-me extremamente agradavel pelo lado pessoal; mas não comprehendia de maneira nenhuma o governo de que eu fazia parte.
O sr. Manuel d'Assumpção: — S. ex.ª não ouviu a explicação que dei do meu áparte?
Eu disse que queria mostrar a s. ex.ª que não se deviam accusar os governos por quaesquer luctas mais ou menos violentas, que houvesse entre eleitores nos circulos eleitoraes, porque os governos não tinham responsabilidade nessas violencias quasi nunca.
Foi isto que disse, e nada mais.
O Orador: — Mas que analogia havia, entre as violencias commettidas então na ilha da Madeira, sem nenhum conhecimento do governo, o as corrupções e violencias ultimamente praticadas no circulo de Belem pelo sr. presidente do conselho de ministros?!
Tal allegação não póde colher.
A allusão de s. ex.ª levava, de certo, outro proposito, e tinha outros intuitos. Tenho dito.
Leram-se na mesa os seguintes
Requerimentos
1.° Requeiro que, pelo ministerio da guerra, me seja enviada, uma conta, circumstanciada das despezas feitas durante o anno economico de 1877-1878, e no primeiro semestre de 1878-1879, com designação das quantias pagas, e das pessoas que as receberam pelas seguintes verbas:
1 Compra e arrecadação de livros e impressos para, serviço do ministerio;
11 Despezas eventuaes.
E alem d'isto tambem peço copia dos contratos feitos para a acquisição de orçamentos e material de guerra, durante o mesmo tempo. = José Luciano.
2.° Requeiro que, com urgencia, me seja enviada pelo ministerio das obras publicas, copia de quaesquer contratos celebrados entre o actual director das obras da, penitenciaria Jayme Larcher, e o engenheiro João Burnay, annuncios por arrematação, termos de arrematação, de adju-
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dicação, se os houver, com declaração se foram ou não approvados superiormente. — José Luciano. Foram mandados expedir.
O sr. Alfredo Cesar de Oliveira: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios de fazenda do Funchal, pedindo que, em attenção á carestia da vida e aos escassos meios de que dispõem, lhes seja melhorada a sua sorte.
O sr. Costa Moraes: - Mando para a mesa uma representação dos boletineiros do Porto, que pedem a esta camara para lhes ser melhorada a sua situação, sendo equiparados aos servidores do estado que prestam serviço identico, os distribuidores do correio.
O sr. Rodrigues de Freitas — Como hontem não ponde usar da palavra antes da ordem do dia, por isso que não estava presente nenhum dos membros do gabinete, hoje que está, presente o sr. ministro do reino, peço a s. ex.ª o obsequio de dar-mo algumas explicações ácerca do que vou expor á camara, que é a continuação do que disse outro dia, a proposito do pedido feito pelo governo inglez, para a passagem de tropas suas por Lourenço Marques.
O sr. ministro das obras publicas respondendo ás palavras que a este respeito, eu tinha dirigido a s. ex.ª, disse o seguinte.
(Leu).
Eu tinha, dito, que em virtude da carta constitucional, o governo de Portugal não podia de per si só dar licença, nem negai-a, ao governo inglez, para que as suas tropas entrassem em territorio nosso.
O sr. ministro das obras publicas parecia, oppor a esta minha doutrina, que é completamente constitucional, os costumes que dizia, tem sido seguidos entre nós! Pelo menos é o que se deprehende das palavras do s. ex.ª
A resposta dada pelo sr. Andrade Corvo, quando interroguei s. ex.ª, n'uma occasião em que era difficil que largamente se tratasse d’esse assumpto, não esclareceu completamente a camara; e por isso que é muitissimo grave este assumpto, desejo saber se o governo de Sua Magestade, deseja seguir qualquer precedente, que Comprehendo bem, que é possivel que as relações diplomaticas sejam de tal modo conduzidas, que o governo nem precise de negar nem de conceder a licença; isto é, é possivel que o nosso governo do tal modo proceda, que convença o governo inglez, de que não é bom vir a esta camara tratar esse assumpto, ou por outra, que seja, conveniente que o governo inglez não persista no seu pedido. N'este caso, apesar de serem tão claras as palavras da carta constitucional, parece me que o governo não tem motivo para consultar o parlamento. A negação ou concessão é que são contra a carta, se o governo não preceder a sua resposta da, resolução das côrtes da nação portugueza. Se o sr. ministro do reino me disser que não está habilitado para dar completa resposta a este respeito; se s. ex.ª me disser que o que sabe ácerca d'este negocio, não é bastante para, esclarecer completamente a camara, peço a s. ex.ª que quanto antes previna, o sr. ministro dos negocios estrangeiros ou o sr. presidente do conselho de ministros, para que qualquer á, estes dois membros do gabinete de á camara a resposta clara e precisa, que me parece que lhe é devida. Se o governo entender que o negocio não póde ser tratratado publicamente, peço ao governo que, lembrando-se da necessidade de não tomar resolução alguma a este respeito, sem que seja muito pensada, declare ao sr. presidente que deseja que a camara se constitua em sessão secreta. O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Desde que em uma das sessões passadas o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que é o da repartição competente, por onde corre o negocio a que alludiu o illustre dedutado que acaba de fallar, disse que havia negociações pendentes, e que não podia dizer mais nada, eu seria altamente indiscreto se o viesse contradizer. (Apoiados.) Posso affirmar que o governo ha de respeitar a carta, constitucional, mas parece-me que esta, não diz que o governo deva vir declarar o que tenciona fazer, sem ainda ler resolvido precisamente o que ha de fazer. Isso seria, uma exigencia mais que desarrasoada, quasi que impertinente, e não digo isto por ter em menos consideração a pergunta que fez o illustre deputado, mas parece me. que, desde que se dá esta resposta e um dos membros do gabinete declara ter duvida de dizer cousa differente do que disso o seu collega, eu peco licença para dizer que não me julgo auctorisado a tanto. (Apoiados.) Declaro que não posso dizer mais cousa alguma alem do que disse o meu collega dos negocios estrangeiros; e se o illustre deputado o quer interpellar sabe os meios que tem a seguir e que lhe indica o regimento. Parecia-me que este incidente tinha acabado, por que o sr. ministro dos negocios estrangeiros esteve n'esta casa depois do incidente se ter suscitado, e, ninguem lhe perguntou cousa alguma. Parece-me que ha uma tal ou qual contradicção, em perguntar tudo, quando elle não está, e callarem-se quando elle está. O illustre deputado, o sr. Rodrigues de Freitas, é bastante leal para fazer qualquer pergunta a este respeito, segundo manda o regimento. Nada mais tenho a dizer, e para não dizer nada, já disso demais. O sr. Visconde da Aguieira: — Mando para a. mesa uma representação dos escripturarios dos escrivães de fazenda dos concelhos de Agueda e Albergaria a Velha, na, qual, em termos muito urbanos e respeitosos, allegam a exiguidade dos seus vencimentos, e pedem melhoria de situação. Peço que seja remettida á commissão de fazenda, para ser attendida, como merecer. O sr. Braamcamp: — Tinha pedido a palavra com desejo de dirigir algumas preguntas ao sr. ministro das obras publicas ácerca do desmoronamento de uma ponte, construida ultimamente em Benavente, e que teve logar n'estes ultimos dias. S. ex.ª não está presente, e portanto não posso dirigir-me a s. ex.ª Por isso peco ao sr. ministro do reino, que está presente, que me dê algumas explicações, e peço a v. ex.ª que me reserva a palavra para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas. Eu desejava, saber se o governo está informado da importancia d'este acontecimento, e quaes as providencias que pretende tomar a, esse respeito, para evitar os inconvenientes que estão soffrendo áquelles povos, que se vêem completamente impossibilitados de atravessar de Benavente para Salvaterra, porque os campos estão debaixo de agua, e elles não têem uma unica estrada por onde possam fazer esse caminho. Espero a resposta do sr. ministro do reino. O sr. Ministro do Reino: — Não tive participação alguma a respeito do que acaba de dizer o illustre deputado. Algumas vezes, quando se dão estes desastres, vem boletins para todos os ministros, mas eu agora não o recebi. Portanto, não posso dar explicações a este respeito. O sr. Visconde de Andaluz: — Pedi a palavra para fazer algumas considerações com respeito á interrupção Sessão de i de fevereiro de 1879
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que hontem foi feita ao sr. Luciano de Castro, na occasião em que s. ex.ª atacava o parecer da commissão relativo á eleição de Belem, e apontava, segundo o seu modo de ver, as irregularidades que haviam sido praticadas n'esta eleição.
N’esta interrupção referiu-se o sr. Manuel d’Assumpção á eleição de Machico; a esta interrupção respondeu o sr. Luciano de Castro, declarando que com' respeito aos actos praticados na eleição a que s. ex.ª se referiu, o governo de então não acceitava a responsabilidade d'elles; que se por ventura se tivessem commettido alguns desvarios, excessos, violencias ou arbitrariedades, o governo tinha dado as providencias que entendeu necessarias para que fossem castigados os delinquentes, se por"ventura os houvesse.
Eu vejo-me obrigado a pedir por algum tempo a attenção, da camara.
E a primeira vez que tenho opportunidade de fallar sobre este assumpto, e, convidado a explicações aproveito a. Com quanto estes acontecimentos tivessem tido logar ha muito tempo, entretanto sendo eu então o governador civil da Madeira, o tendo declarado o sr. Luciano do Castro, que não cabia ao governo, de que então s. ex.;i fazia parte, responsabilidade alguma por áquelles lamentaveis acontecimentos, eu entendi dever tambem tomar a palavra, porque, quero declarar que, segunda a minha consciencia, eu acho me completamento isento de qualquer responsabilidade que por ventura em podesse advir, pelos lamentaveis acontecimentos que então tiveram logar.
Comprehendo quanto me. é difficil, não tendo a experiencia nem a pratica de fallar em assembléa tão respeitavel como esta, tomar a palavra para relatar factos de tanta importancia, que tantos desgostos me. deram.
São difficeis decerto as circunstancias em que me acho, mas esporo que ellas me serão até certo ponto compensadas pela generosa benevolencia da camara, e que receberei forças para a minha consciencia que está pura, embora não tenha phrases eloquentes para poder relatar esses acontecimentos. No entretanto, sr. presidente, a verdade é uma só, e ella, brilha por si mesma sem precisar de atavios nem de flores de eloquencia. (Apoiados.)
Sr. presidente, o sr. Luciano de Castro foi completamente verdadeiro quando declarou aqui que não cabia ao governo responsabilidade alguma pelos lamentaveis acontecimentos que tiveram logar na Madeira; e não precisava s. ex.ª dizei-o. IS. ex.ª fazia parte do gabinete que era presidido pelo nobre, e honrado duque de Loulé, um homem de bem na accepção mais ampla e mais pura que, esta palavra póde ler. (Muitos apoiados.)
Alem d'esta circumstancia, s. ex.ª era, como todos sabem e reconhecem, francamente liberal, e não podia portanto dar a uma auctoridade de sua confiança, ao governador civil da Madeira, instrucções que não fossem no sentido de garantir aos cidadãos eleitores a mais ampla liberdade perante a uma. (Muitos apoiados.)
Mas se é certo que aquelle distinctissimo cavalheiro, cuja memoria todos nós respeitámos, não cabo responsabilidade alguma por estes actos, por esses acontecimentos lamentaveis que tiveram logar em Machico, não posso deixar de declarai' tambem que estou completamente innocente desses acontecimentos, e que não me cabe, por elles responsabilidade alguma (Apoiados.); e devo dizel-o, embora, a minha individualidade seja muito modesta quando comparada com a do homem eminente cuja memoria, todos nós respeitámos ainda tanto.
Sr. presidente, n'essa epocha, em 1870, gladiavam-se na Madeira dois partidos, direi antes dois agrupamentos de familias, e cada uma, por seu turno aspirava á preponderancia exclusiva, dos negocios da localidade. Os cabeças ou chefes de um d'esses grupos eram aqui conhecidos, porque tomaram assento n'esta, casa do parlamento; representaram aqui um papel importante, o foram representantes dignissimos dos povos d'aquelle districto. Refiro-me a alguns que já falleceram, mas como honro a sua memoria, não duvido fallar d'elles: refiro-me ao sr. Gonçalves de Freitas e ao sr. Lampreia.
O sr. Luiz de Freitas Branco tambem representou um dos circulos d'aquelle districto, e refiro-me tambem ao sr. Sant'Anna e Vasconcellos, hoje sr. visconde das Nogueiras, empregado em commissão importante creio que nos Estados Unidos da, America.
Havia n'esta epocha grande excitação de animos na Madeira, excitação derivada d’esta lucta, que havia entre estes partidos em que cada um d'elles por seu turno aspirava á preponderancia exclusiva. E tal era a excitação que havia, que ainda pouco tempo antes de se proceder a esta eleição, os povos incendiavam as matrizes n'alguns concelhos, lançavam fóra os novos pesos e medidas, na occasião em que se queria, pôr em execução essa lei, que foi sempre recebida, com repugnancia pelos povos.
Effectivamente, n'esta occasião de grande excitação, é que o governo de então mandou proceder a eleições geraes em todo o paiz; e acresce que então, como hoje, já se pensava em querer regularisar a questão de fazenda; e o governo tinha de appellar para o augmento da receita para produzir o equilibrio entro a receita e a despeza.
É sempre facil a quem quer especular com a credulidade dos povos, n'estas occasiões em que se appella para o augmento de, receita, abusar d'essa credulidade e desvial-os do verdadeiro caminho, para os levar para o campo dos desvarios, das loucuras e das malversações. Foi o que a opposição n'essa, occasião fez.
E eu declaro que não tomo a meu cargo fazer accusações, por ligeiras que ellas sejam, a ninguem. Se porventura da minha bôca escapar alguma palavra que possa ser considerada como aggressão a alguem, eu desde já a declaro retirada; eu quero só explicar os meus actos, e declarar que a minha, consciencia está pura e limpa de toda a responsabilidade em relação aos acontecimentos lamentaveis que tiveram logar então na Madeira.
Era grande, como acabo de dizer, a. excitação em todo o districto que estava, confiado ao meu cuidado; entendi dever acudir ás differentes requisições que me foram feitas pelas auctoridades rainhas subordinadas, á requisição da força que me foi pedida, mas no intuito de obstar a que os povos se desviassem do cumprimento dos seus deveres, e para, garantir a liberdade perante a uma.
Foi n'este sentido que obedeci ás reclamações feitas pelos administradores dos concelhos, e conservei em alguns pontos a força que já lá estava, e que era preciso que estivesse para obstar a, differentes desvarios, como já se tinham praticado, e a que já me referi, incendiando as matrizes, e lançando os pesos e as medidas ao mar, como aconteceu em alguns concelhos d'aquelle districto, em epocha que não era muito remota.
Eu farei toda a diligencia do ser breve, mas não posso deixar de relatar alguns factos que tiveram logar n'aquella occasião. Por isso peco á camara que me releve o não ser tão breve como desejo; bem sei que não tenho direito á attenção da camara, por que sou deputado novo e com recursos modestos, mas confio plenamente na generosidade da camara.
Tinha-se propalado o boato nas proximidades da eleição, na, vespera, que as urnas iam ser roubadas, e que estes malefícios seriam praticados pelos que eram considerados como amigos do governo; e as assembléas primarias com relação ás quaes estes boatos eram mais consistentes, eram as assembléas do Caniço e Machico.
Effectivamente no dia em que se procedeu á eleição recebi informações de que na assembléa de Caniço o povo estava em estado de grande excitação, desordem e embriaguez, que se achava dentro do templo, e que não queria de maneira alguma retirar-se.
Esta assembléa, do Caniço dista do Funchal, aonde eu me achava, e é sede do districto, 7 a 8 kilometros.
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A eleição, á hora era que eu recebi esta participação, já se tinha verificado na capital do districto, no Funchal, e eu portanto pensei que era dispensavel a minha presença ali.
N’estes termos parti do Funchal, apesar do perigo que muita gente me disse que havia para a minha vida em saír da capital do districto, porque devo declarar que na occasião em que se procedeu á eleição todos os elementos opposicionistas, com a imprensa á sua disposição, tratavam de lançar a ira dos povos e a animadversão publica sobre a minha cabeça, por que, tendo eu tido a felicidade durante uns sete annos que ali tinha estado, de merecer as sympathias e a estima de todos os povos da Madeira, como viam porventura em mim o homem que podia dar mais prestigio moral ás eleições de que se tratava, era exactamente por isso que procuravam despopularisar-me e lançar sobre mim todas as desconsiderações dos habitantes d'aquellas terras.
Mas, dizia eu, recebida esta informação do estado em que se achavam os eleitores da assembléa do Caniço, parti immediatamente para lá, e parti só; ou antes parti unicamente acompanhado de meu irmão, hoje já fallecido, por que tendo ido á Madeira tratar da sua saude, teve a infelicidade de não se curar e morreu pouco depois.
Creio que está n'esta casa quem foi seu amigo intimo, e sabe por isso muito bem que era uma grande alma. Portanto quiz acompanhar-me, e acompanhou-me.
Cheguei á assembléa do Caniço e encontrei as cousas exactamente nas circumstancias que acabo de declarar á camara.
Ao entrar no templo, onde estava a uma, começaram os agitadores, começaram áquelles homens que ali estavam amotinados e n'um estado de grande excitação, a dizer que se tratava de commetter o attentado de roubar a uma.
Quiz socegar um pouco os espiritos.
Estava a igreja apinhada de gente, com difficuldade me foi possivel entrar, empurrado de todos os lados, eu só.
A gente da Madeira ordinariamente é attenciosissima para com as auctoridades superiores do districto, mas já quasi que me não conhecia.
Com immenso custo me pude fazer ouvir, porque o que eu queria era só com a força das minhas palavras, só com os recursos humildes da persuasão fazer comprehender aos eleitores que era completamente destituida de fundamento a idéa em que estavam, de que se queria roubar a uma.
Só depois de duas horas de lucta, peço a v. ex.ª e á camara que tomem nota, é que eu consegui o seguinte: consegui que a uma fosse effectivamente retirada do centro do grande tumulto que havia dentro da igreja, para ser collocada n'um edificio contiguo á mesma igreja, sachristia ou contiguo á sachristia.
Convidei alguns cavalheiros, como representantes dos dois partidos que se degladiavam, tanto por parte da opposiçâo como por parte do governo, para vigiarem a uma, dizendo-lhes que a uma ía ali ser collocada, que a porta d'aquelle pequeno edificio havia de ficar aberta, e que seriam postadas sentinellas para não deixarem entrar ninguem, á excepão de quem tivesse de revezar os cavalheiros que ficavam de guarda á uma, quando porventura estivessem cansados ou não quizessem continuar n'aquella missão.
Foi assim que eu consegui restabelecer a ordem completamente, e entregar a uma á guarda dos eleitores que se achavam interessados na eleição, dando como garantia de que aquella casa não seria invadida ou atacada violentamente pelos que ficavam de fóra, as sentinellas que se collocaram convenientemente.
Depois d'isto retirei-me para o Funchal, e sabe v. ex.ª como é que este serviço esteve para ser recompensado? D'esta maneira: dois individuos exaltados, como estavam exaltados todos n'essa ocasião, foram collocar-se n'um pinhal por onde eu tinha do' atravessar; um d'elles levava uma espingarda e quiz desfechar sobre mim.
O que o acompanhava tirou-lhe da mão a espingarda, e disse-lhe: «não o mates que ainda é muito novo». Por ser muito novo fiquei com a vida salva.
Antes de ter partico para o Caniço tinha eu recebido um requerimento, ássignado por um ou mais individuos interessados na eleição.
N'este requerimento pedia-se que na assembléa de Machico as portas da igreja ficassem abertas, e que se mandassem postar sentinellas de guarda á igreja.
Este requerimento desejei eu depois que me fosse entregue, para poder demonstrar de uma maneira manifesta qual tinha sido a pureza das minhas intenções, quanto ao acto eleitoral, e se porventura eu podia ser arguido de que pretendia violar as urnas.
Despachei o requerimento declarando que eu não era competente para dar ordem para que a igreja ficasse aberta; indicava ao administrador do concelho que, de accordo com o presidente da mesa, procurassem fazer o mesmo que se fez na assembléa do Caniço.
Este requerimento foi lido na praça da Constituição, diante de muitas pessoas, e todos sabem na Madeira que é verdade o que estou affirmando; e acha-se n'esta casa, e tem logar n'um dos bancos da opposiçâo, um cavalheiro que presenceou todos estes acontecimentos...
O sr. Alfredo de Oliveira: — Apoiado.
O Orador: — E que os podia attestar se quizesse.
Este requerimento não chegou a horas de se poder dar cumprimento ás indicações que eu fazia, porque Machico dista cerca de 30 kilometros da capital do Funchal.
Eu recolhi ao Funchal, o no dia seguinte é que recebi a informação dos acontecimentos deploraveis que tiveram logar na assembléa de Machico, que me foram assim relatados, e que creio que é esta a verdade.
O povo estava todo apinhado na assembléa do Caniço com a mesma apprehensão de que queriam roubar a uma.
N'esta conjunctura dizem me que o presidente da mesa e o reverendo parocho da freguezia solicitaram do administrador do concelho que fizesse evacuar a igreja, e que a uma estava lacrada e sellada, e que não podia haver a menor desconfiança de que se intentava, como se dizia, roubar a uma.
O administrador do concelho, não tendo a força precisa para fazer evacuar a igreja, soccorreu-se á força publica, pediu o auxilio da tropa, e, vindo ella, conseguiu, com mais ou menos facilidade, fazer evacuar a igreja.
Os amotinadores, os homens que excitavam os povos e os tinham posto n’aquelle estado de delirio, disseram-lhes: «Não tenham receio algum da tropa, porque o official que a commanda é nosso amigo, e ella não traz com que nos faça mal, porque não tem senão polvora secca á sua disposição»1.
Creio serem estas as palavras que foram a origem d'aquelle lamentavel acontecimento.
O povo, depois de ouvir isto, irrompeu outra vez para dentro da igreja, e insultou a força apedrejando-a; e um dos principaes amotinadores dirigiu-se ao official que a commandava, e deitou-lhe a mão á canana, para o desarmar.
Foi então que o commandante da força, que mais tarde foi mettido em conselho de guerra e creio que absolvido, foi n'essa occasião, digo, que o commandante da força, para se desforçar, mandou fazer fogo, recommendando que as pontarias fossem altas; e as balas, de recochete, produziram alguns ferimentos, que, em um praso mais ou menos proximo, deram em resultado duas ou tres victimas.
Foram estes os acontecimentos que me foram relatados no dia seguinte aquelle em que eu tinha ido ao Caniço.
Póde-se exigir do governador civil a responsabilidade d'esses factos que não poude impedir e que fez todas as diligencias ao seu alcance para evitar, como o provou indo ao Caniço para evitar que se dessem scenas identicas? Ha-
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Teria por ventura alguma connivencia entre o governador civil e o administrador do concelho?
Eu vou dizer como procedi, não tendo recebido nenhumas instrucções do governo, porque não houve tempo para isso, embora o sr. Luciano de Castro declarasse que por parte do governo haviam sido adoptadas todas as providencias, mandando proceder logo contra os delinquentes e entregal-os á acção da justiça;.eu vou dizer o que fiz, por minha iniciativa propria, apesar do desgosto em que me via, porque o desgosto não me inhibia de cumprir o meti dever até onde chegasse; logo que recebi a communicaçâo d'este lamentavel acontecimento, no dia seguinte, suspendi o administrador do concelho.
E, para provar a lisura com que eu andava no acto eleitoral, porque se é verdade que desejava o triumpho dos candidatos amigos do governo de que eu era ali empregado de confiança, não intervim na eleição como auctoridade e o que fiz unicamente foi recommendar aos meus amigos e a alguns parentes que tenho na, ilha da Madeira, que lhes dessem o seu apoio.
Peço licença para perguntar a alguns membros do gabinete de então que estão presentes n'esta casa, se porventura, s. ex.ªs tem alguma rasão de queixa com relação á lealdade e á dedicação com que procedi n'essa occasião.
Sr. presidente, procedi assim. Suspendi o administrador do concelho, nomeei interinamente para ir proceder a uma rigorosa syndicancia pelos actos praticados em Machico, e por áquelles que podiam ter dado logar a estes lastimáveis acontecimentos, para saber se porventura d'elles cabia a responsabilidade a alguem; nomeei para este fim um homem completamente insuspeito, que era um empregado do governo civil, conhecido por ter umas certas tendencias para o partido que estava em opposiçâo manifesta ao governo: era o sr. João de Bettencourt Jardim; foi quem eu nomeei interinamente administrador do concelho.
Eis aqui tem v. ex.ª como eu posso ter responsabilidade dos actos que foram praticados em Machico.
Sr. presidente, quando eu disse que os animos estavam completamente excitados durante o acto eleitoral, não foi em vão nem de leve que proferi estas palavras; era effectivamente assim.
Era tão grande a excitação dos animos, que um caracter respeitavel d'aquella terra, um homem que é reconhecido pela sua extraordinaria bonhomia, o sr. dr. Trindade, que creio que é amigo particular do sr. conego Alfredo, quando recolhia de Machico, dos actos eleitoraes a que lá se tinha procedido, esteve para ser assassinado na praça da Constituição, e como por milagre escapou.
Devo ainda acrescentar que, n'essa mesma occasião, lembro-me de ter recebido um officio do presidente da junta governativa do bispado, que então era, creio eu, o sr. dr. Alfredo, em que me declarava que n'uma das freguezias ruraes um dos dignos parochos estivera para ser victima do seguinte attentado na casa da sua residencia, deram-lhe um tiro, e no officio que s. ex.ª o presidente da junta governativa do bispado me dirigiu, declarava-se que ainda se encontravam vestigios da bala na parede proxima do leito onde dormia o digno parocho.
Já por isto v. ex.ª vê o estado de excitação que havia nos animos n'aquella occasião.
Ainda ha mais. Na assembléa da Calheta, onde tinha havido lucta renhida (isto era já em outro circulo), os povos das montanhas, excitados pelos homens que andavam por parte da opposiçâo influindo na eleição, desceram das serras com buzinas e com paus ferrados, e lançaram tal terror nos animos de todos os individuos que constituiam o partido do governo na assembléa de Calheta, que estes tiveram todos de retirar e áquelles é que fizeram a eleição; e para provar como ella foi feita basta declarar que havendo effectivamente lucta renhida e quasi igualdade de forças de ambos os lados, fez-se a eleição com a notavel circumstancia de, por muito favor, ser dado um voto ao candidato do governo.
Aqui tem v. ex.ª como tiveram logar estas eleições de Machico.
Não quero roubar mais tempo á camara. Creio haver explicado que nenhuma responsabilidade me cabe dos tristes acontecimentos que então tiveram logar.
Depois d'esses acontecimentos, triste, desgostoso, recolhi a casa, e estava vivendo a vida quieta e socegada de familia, quando, por um incidente, vim a esta camara.
O respeito que tenho por ella é que me levou a dar estas explicações, para que os meus collegas avaliem se porventura sou, ou não, digno de ter aqui um logar.
Agradeço á camara á generosa benevolencia com que me ouviu, e concluo assim.
Vozes: — Muito bem.
(Muitos srs. deputados saíram de seus logares para ir comprimentar o orador.)
O sr. Visconde de Villa Nova da Rainha: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios dos escrivães de fazenda dos concelhos de Thomar, Ferreira do Zezere e Barquinha, pedindo augmento de vencimento.
Peço a v. ex.ª a bondade de a remetter á commissão respectiva, para dar o seu parecer, o qual, em vista das rasões que estes funccionarios allegam, espero que seja favoravel.
O sr. Mariano de Carvalho: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo pelos ministerios das obras publicas e fazenda.
Aproveito a occasião para pedir a v. ex.ª, que haja por bem ordenar que de novo se solicitem do ministerio das obras publicas uns esclarecimentos que pedi ha dias, alguns dos quaes são de uma grande simplicidade.
Por exemplo: eu perguntava simplesmente ao ministerio das obras publicas em que data tinham sido demittidos dois empregados. Pois nem isso veiu ainda!
Creio que isto não é uma investigação que leve muitos mezes, mas são já decorridos muitos dias e não veiu ainda á camara resposta alguma a este respeito.
Não sei se é systema não mandar á camara os documentos pedidos pelo ministerio das obras publicas; em todo o caso, limito-me por ora a pedir a v. ex.ª que inste de novo pela remessa dos esclarecimentos que pedi por aquelle ministerio.
Leu-se na mesa o seguinte:
Requerimento
Requeiro que, pelos ministerios da fazenda e das obra» publicas, sejam remettidas a esta camara as seguintes informações com urgencia:
1.° Nota de quaesquer quantias que a titulo, de multas ou de indemnisações por estragos em estradas ou outro, ficassem devendo ao estado a companhia de Larmanjat, ou os seus liquidatarios;
2.° Informação sobre o estado em que esteja a cobrança das referidas multas e indemnisações;
3.° Informação sobre se algumas d'essas multas ou indemnisações foram perdoadas e quando o foram. = Mariana de Carvalho.
O sr. Presidente: — O requerimento do sr. deputado será expedido, e far-se-ha a instancia que pede.
A hora está muito adiantada, e por isso vae passar-se á ordem do dia. Se algum sr. deputado tem requerimentos ou representações a mandar para a mesa, póde fazel-o.
O sr. Pedroso dos Santos: — Mando para a mesa dois requerimentos pedindo esclarecimentos ao governo. São os seguintes:
Requerimentos 1.° Requeiro me seja enviada com urgencia, pelo ministerio do reino, copia da portaria expedida em 1877, ao governador civil do districto de Castello Branco, ordenando se mandasse proceder a nova sub-divisão do contingente
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de recrutas no concelho de Idanha a Nova, em virtude de queixa do mancebo José Raposo, da Aldeia de Santa Margarida.
Requeiro, outro sim, me seja enviada copia do officio era que por ventura se tenha accusado a recepção de tal portaria, ou d'aquella era que se tenha participado que se lhe deu cumprimento.
Sala das sessões, 4 de fevereiro de 1879. = O deputado, A. Pedroso.
2.° Requeiro me seja enviada, com urgencia, copia da syndicancia effectuada na repartição de fazenda do districto do Castello Branco, pelo delegado da thesouro em Vizeu, ácerca de factos attribuidos a um dos aspirantes da mesma repartição. =A. Pedroso.
Foram mandados expedir.
O sr. Barros e Sá: — Mando para a mesa uma representação dos escripturarios de fazenda do concelho do Montalegre, pedindo augmento de vencimentos.
Peço a v. ex.ª que a mande remetter á commissão respectiva.
ORDEM DO DIA
Discussão do parecer da commissão do poderes sobre a eleição do circulo de Belem
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Luciano de Castro, para continuar o seu discurso, começado na sessão de hontem.
O sr. Luciano de Castro: — Antes de continuar a expor as idéas, que hontem comecei a enunciar para fundamentar o meu voto sobre a eleição do Belem, peço licença a v. ex.ª e a camara para lhes dar uma explicação que julgo indispensavel.
Eu alludi, hontem, por differentes vezes, de uma maneira menos favoravel a actos politicos do sr. presidente do conselho de ministros, e pareceria talvez estranhavel a alguns dos meus collegas que, na ausencia de s. ex.ª, eu estivesse a referir-me por tal modo a actos da sua responsabilidade
Devo dizer a v. ex.ª que procurei fazer prevenir particularmente o sr. presidente do conselho de ministros, de que teria de me referir a s. ex.ª por esta occasião e de quanto me seria agradavel a sua presença, porque, de certo, fallaria com maior desassombro diante d'elle do que na sua ausencia.
O sr. presidente do conselho de ministros teve a bondade de me dar todas as explicações, o de me fazer saber que não podia comparecer á sessão hontem para responder a qualquer pedido de explicações que lhe fosse dirigido.
Ora, como não dependia de mim o adiar a discussão d’esta eleição, e como não havia mais ninguem inscripto e tinha, por isso, de pedir a palavra ou do deixar encerrar o debate, fui obrigado a usar da palavra nos termos em que a camara ouviu, e a alludir ao sr. presidente do conselho pela maneira que a camara sabe.
Penso que não fiz allusão alguma, por tal maneira, desfavoravel a s. ex.ª, que d'ella tenha de arrepender-me. Não me referi senão a actos politicos da sua responsabilidade, não podia alludir a outros. (Apoiados.)
Apreciei, como entendi e como pude, esses actos; mas parece-me que não saíu da minha bôca palavra que podesse offender as susceptibilidades ou macular a honra o probidade do s. ex.ª (Apoiados.)
Sou adversario implacavel do sr. presidente do conselho de ministros. Sou "ha muitos annos adversario declarado da sua escóla politica, dos seus actos como ministro, do sou systema de administração e dos seus propositos governativos (Apoiados.); mas reconheço que é um homem leal e cavalheiro, um caracter elevado e um estadista distincto. (Apoiados.)
Apesar de todos os seus defeitos e dos seus erros, não posso deixar de confessar á camara que na sua larga carreira lêra dado provas do seu amor á causa publica (Apoiados.), o prestado serviços ao paiz.
Não preciso amesquinhar um adversario, que respeito e considero. Divirjo, profundamente, da sua politica e das suas opiniões, mas não deixo, por isso, do usar com elle das deferencias o de cortezias (Apoiados.), que lhe são devidas.
Dadas estas explicações, permitta-me v. ex.ª que entro na discussão do parecer sobre a eleição do Belem.
Estava hontem demonstrando á camara quanto tinha sido violenta, energica e accentuada a intervenção do governo, e principalmente do sr. presidente do conselho na eleição do sr. Pedro Franco.
Tinha citado para isso alguns factos. Tinha referido perante esta assembléa, que quando o sr. presidente do conselho assumiu provisoriamente a pasta do reino, praticou um acto que considero illegal, qual foi o adiamento da eleição municipal de Belem, que estava já designada por um decreto, o que s. ex.ª não podia alterar.
Alludi mais á syndicancia que ex.ª mandou fazer á camara municipal de Belem, com o unico proposito de infamar o candidato progressista, e levantar suspeitas em volta da administração municipal d'aquelle concelho.
Referi como o sr. presidente do conselho publicou uma portaria no Diario do governo para mandar metter em processo o presidente da camara municipal de Belem, com o pretexto de que elle se tinha negado a dar certidões do recenseamento, como se não houvesse recurso d'essa falta para os tribunaes competentes, como se esta camara não tivesse faculdades para apreciar as infracções o delictos commettidos durante o processo eleitoral, e que houvessem influido no resultado da eleição.
Mostrei como todos estes actos obedeciam a um plano combinado para actuar sobre o collegio eleitoral, e para fazer com que o sr. Pedro Franco, candidato progressista, fosse vencido na eleição municipal, em que aliàs o sr. presidente do conselho e o governo foi deploravelmente supplantado! (Apoiados.)
O governo não receiou empregar todos os meios do influencia, de que podia dispor, para obrigar os eleitores do circulo de Belem a negar o seu mandato ao sr. Pedro Franco. Para o provar podia citar muitos factos. Limito-me a referir os mais importantes.
O governo sabia que havia em Belem um cirurgião chamado Sousa, que desejava a reparação ou concerto de uma igreja pertencente á irmandade de Nossa Senhora das Dores, de que era facultativo. Tanto bastou manifestar este desejo, para logo se dar ordem pelo ministerio das obras publicas, a fim de que se fizesse aquella reparação ou concerto.
O governo não deu pela necessidade do concerto d'aquella igreja antes da eleição de Belem; logo porém que lho foi indispensavel subornar eleitores, reconheceu essa necessidade, e apressou-se a conceder a quantia precisa para tão proveitosa obra!
E tudo isto, e todo este zêlo o diligencia para satisfazer a vontade e attender as exigencias de um influente eleitoral!
O governo não se contentou em transferir os empregados da alfandega, unicamente, porque alguns tinham relações, ou iam a casa do candidato da opposiçâo; transferiu tambem alguns officiaes dos corpos estacionados em Belem!
Aos guardas da alfandega, sempre submissos o obedientes aos seus chefes, sem independencia nem liberdade, mais valera supprimir-lhes o direito eleitoral, do que sujeital-os a taes vexames e perseguições!
Transferiram se guardas da alfandega, pelo facto do terem sido vistos saír do casa do sr. Pedro Franco; foram transferidos officiaes do exercito, por que eram visitas ou amigos do candidato progressista, e porque uma ou outra vez passeiavam com s. ex.ª
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Eu pergunto ao governo qual foi a rasão de conveniencia publica que o determinou a fazer aquellas transferencias nas vesperas da eleição? Não seria unicamente o intuito de fazer pressão sobre o collegio eleitoral?
Os officiaes militares, pertencentes á guarnição do Belem, que o governo transferiu, nas vesperas da eleição só por que eram suspeitos de serem amigos do sr. Pedro Franco, foram os srs. Joaquim de Sousa Sant'Anna, alferes almoxarife de artilharia, em serviço na Torre de Belem, para Abrantes; o capitão Gaspar, de infanteria n.º 1, para o regimento n.º 12, e o capitão D. Gastão da Camara, para infanteria n.º 5.
Estas transferencias feitas antes da eleição, mostravam bem a intenção com que eram determinadas.
Não pára aqui a intervenção do governo.
Havia um amanuense da administração do concelho de Belem, por nome Antonio Maria Daniel, que tinha sido demittido do emprego, como prevaricador, por ser encontrado em um alcance de cento e tantos mil réis.
Este individuo requereu a reintegração no seu logar, e; sendo ouvido o governador civil, este respondeu que o sr. Antonio Maria Daniel não podia ser empregado de novo, por ter commettido um alcance do cento e tantos mil réis.
Sabe a camara o que fez o governo, desprezando a informação do seu delegado? Nomeou o sr. Antonio Maria Daniel para escrivão da administração do concelho de Belem, quando, pouco tempo antes, tinha sido demittido do logar de amanuense da mesma administração por ter prevaricado!
Tenho aqui um exemplar das circulares que foram expedidas por uma. commissão que se organisou para patrocinar a eleição do candidato ministerial.
Entre os signatarios d'essa commissão, figurava o sr. Antonio Maria Daniel, que em 27 de setembro era prevaricador, segundo as informações do governador civil de Lisboa, tendo por esse motivo sido demittido, o que pouco tempo depois era considerado como um honrado cidadão, e despachado, não já amanuense, mas escrivão da administração do concelho do Belem!
Eis-aqui um dos meios do que o governo se serviu para persuadir os eleitores de Belem a votarem no candidato ministerial! (Apoiados.)
Ha mais.
Ao administrador do concelho do Oeiras, Daniel de Lima Trindade, que se transformou em famoso galopim eleitoral em favor do governo, foi promettido e afiançado, como premio e galardão dos seus serviços, o logar de commissario da primeira divisão policial de Lisboa, logar para o qual effectivamente foi nomeado, mal encerrada a epocha eleitoral.
Bom sei que o governo poderá dizer que usou do seu direito, mas a camara póde e devo apreciar se foi bom ou mau o uso que se fez d'esse direito.
Note-se que eu não discuto o direito do governo, mas a opportunidade do seu exercicio. (Apoiados.)
Tenho aqui um folheto publicado pelo sr. Pedro Franco, em que vem uma relação das gratificações dadas pelo ministerio da guerra a diversos cidadãos por serviços eleitoraes.
E note-se que estas allegações não são gratuitas, porque se indicam os nomes dos gratificados, e as quantias dadas.
A camara tem meios de verificar se taes allegações são verdadeiras ou falsas, e cabe-lhe até a rigorosa ohrigação de exigir do governo explicações cathegoricas a este respeito. (Apoiados.)
Diz-se no folheto que pelo ministerio da guerra se deram gratificações, por occasião da eleição de Belem.
Vou ler.
(Leu.)
Estes factos aqui narrados, podem ser facilmente desmentidos, por uma declaração do governo, explicita e solemne, sob sua palavra de honra, do que taes gratificações não foram concedidas. Ou nós acreditámos n'essa declaração ou não.
A maioria de certo o acreditará; mas em todo caso temos um meio do verificar se são fundadas estas arguições, que é nomear-se uma commissão de inquerito para averiguar se ha ou não verdade no que se affirma. (Apoiados.)
D'este modo ía o governo dispondo arbitrariamente do dinheiro do povo, para comprar votos, o recrutar agentes em favor do candidato ministerial. (Muitos apoiados.)
Era armado com estes poderosos recursos que o governo intervinha na lucta eleitoral. (Apoiados.)
Por aqui apreciará v. ex.ª o a camara quanto seria renhida e disputada a lucta em todos os circulos onde a opposiçâo póde alcançar victoria. (Apoiados.)
Esquecia-mo referir um facto que não póde deixar do provocar a attenção da camara, qual foi a nomeação de 5-12 cabos de policia, numero tão fabulosamente extraordinario que não podia deixar de influir consideravelmente no resultado da eleição. (Apoiados.)
Estas levas de cabos do policia só se faziam em tempos que já lá vão, tempos ominosos que eu esperava não ver resurgir, mas que infelizmente voltaram, sendo ministro do reino, de certo com a desapprovação da sua, consciencia o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, que foi um dos principaes flagellos dos erros, abusos e violencias praticado n'outras epochas, por administrações reaccionárias, que de viam repousar para sempre no jazigo da historia. (Apoiados.)
Mas ainda ha mais.
Era necessario captar em Oeiras um influente eleitoral.
Para esse fim, aposentou-se um empregado de saude e deu-se o logar ao genro d'aquelle influente!
Podem desmentir o facto, podem dizer que o empregado não foi aposentado, nem houve tal substituição, mas a verdade é a que acabo de dizer. (Apoiados.)
Em Oeiras se deram factos que nem quero qualificar. (Apoiados.)
Vou ler á camara alguns documentos para poder apreciar a verdade do que affirmo, e o paiz se habilitar a julgar depois da justiça e rectidão com que ella proceder a este respeito.
A camara municipal de Oeiras pretendia fazer uma estrada. Essa estrada só podia ser feita nos termos das leis, e pelos meios que a camara conhece. Pois quer saber o que se passou a tal respeito?,
O governo concedeu, contra lei, a quantia do 902$000 réis, a qual deu entrada nos cofres municipaes do Oeiras na vespera da eleição, no dia 12 de outubro!
A camara verá pela documento que vou ler, que é a acta da sessão da camara municipal de Oeiras, de 20 do setembro, a intervenção que n'este negocio teve o sr. Fuschini, e note se que este senhor era candidato do governo e ao mesmo tempo engenheiro districtal.
(Leu.)
Já vê a camara que foi o proprio sr. Fuschini quem se encarregou do fazer approvar pela commissão de viação o orçamento da estrada do Quejas á Cruz Quebrada, era 19 de setembro. No dia 20 foi apresentar esse orçamento em sessão da camara, lembrando-lhe que representasse ao governo a pedir-lhã que mandasse conceder o terço, encarregando-se elle proprio de ser o portador da representação!
Sabe v. ex.ª o que o governo fez? Não só concedeu no dia 27 do setembro o terço que a camara pedia, mas resolveu dar-lh'o por adiantamento, para poder entrar no cofre municipal antes do dia da eleição!
Eu vou ler á camara outro documento por onde se prova o que acabo de dizer.
(Leu.)
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Aqui tem v. ex.ª como o sr. Fuschini se encarregou de obter do governo que não só lhe fosse dado pelo ministerio das obras publicas o terço, o que era legal, da despeza da construcção da estrada, mas alem d’isso conseguiu que por anticipação, e contra lei, desse entrada no cofre da camara municipal de Oeiras a somma de novecentos e dois mil e tantos réis! (Apoiados.)
Carece a camara de mais e mais positivas demonstrações para se convencer de que o governo subornou em grande parte a votação do concelho de Oeiras com esta dadiva illegalissima que lhe fez? (Muitos apoiados.)
Não está aqui a intervenção do sr. Fuschini, candidato do governo, e a data em que esta quantia entrou no cofre da camara de Oeiras, bradando mais alto do que todas as considerações, e certificando quanto este presente feito pelo governo influiu na eleição d'aquelle concelho? (Apoiados)
É, porventura, preciso mais alguma demonstração?
E todavia quando se pensa e se reflecte que se trata de uma eleição em que, segundo a confissão da propria commissão, a maioria é de dois votos; quando se pensa que se vae impor aquelle circulo um candidato com tão pequeno e insignificante numero de votos de maioria; quando se vê por outro lado qual foi a violencia e corrupção que o governo empregou (Apoiados.), não se póde deixar de ficar surprehendido e contrariado ao presencear a facilidade com que a commissão conclue o seu parecer, propondo que seja proclamado deputado o sr.Fuschini! (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)
Torno a dizer, acha a camara que estes documentos não são bastantes, que estas provas não são sufficientes para se illucidar ácerca da intervenção do governo nos actos eleitoraes do circulo de Belem?
Tem um meio de o verificar, meio que me não repugna, que aceito de bom grado; adie a eleição, nomeie uma commissão de inquerito que vá aquelle circulo interrogar testemunhas, colligir provas, reunir todos os subsidios para preparar um julgamento severo e imparcial sobre o assumpto. (Apoiados.)
Não sei se posso citar exemplos de republicas estrangeiras a este proposito, sem incorrer no desagrado de v. ex.ª e sem ferir algumas disposição regimental; mal poderia referir exemplos recentes da camara dos deputados da republica franceza, onde ha pouco por motivos muito menores foram adiadas eleições para se proceder a rigorosos inqueritos parlamentares nas proprias localidades. (Apoiados.)
Se não offende as prerogativas da corôa, nem infrinjo alguma disposição do regimento, peço a v. ex.ª e á camara que attendam bem a estes exemplos de severa moralidade e de respeito ás leis, que nos vem de uma republica nascente, e que mais a fortificam e robustecem. (Apoiados.)
Tenho aqui umas circulares enviadas pela commissão governamental do circulo de Belem aos eleitores, e assignadas por differentes cavalheiros com posição official, que mostram bem qual foi a intervenção do governo n'esta eleição.
Não quero citar nomes; direi apenas que administradores substitutos, regedores, fiscaes da alfandega, emfim, todo o principal funccionalismo dos concelhos de Belem e de Oeiras está firmado n'estas circulares.
Isto é eloquente!
Em relação á declaração feita por alguns eleitores, de que venderam o seu voto ao governo, o illustre relator disse, que havia onze declarações n'este sentido, isto é, que onze eleitores vieram declarar que venderam o seu voto.
Mas pelo processo eleitoral verifica-se que foram 59 os individuos que declararam ter vendido o seu voto.
Houve, pois, 59 cidadãos d'aquelle circulo, que vieram declarar, que elles votaram no sr. Augusto Fuschini por lhes terem comprado os seus votos, pois que a sua intenção era differente quando iam para a uma.
Bem sei que o voto não póde revelar-se. Bem sei que estas declarações não podem ter effeitos juridicos.
Eu sei que nós não podemos de maneira alguma admittir o precedente, que seria funestissimo, de permittir que por qualquer declaração posterior á eleição, esta possa annullar-se.
Mas quando ha 59 individuos, que, correndo o risco de serem arrastados aos tribunaes, em que lhes póde ser applicada uma pena severa, declaram que venderam o seu voto n'uma eleição, em que a differença para o candidato que se diz legalmente eleito é de 2 votos de maioria; eu pergunto se este facto não é importantissimo, e se não deve chamar a attenção da camara, e se não é motivo bastante para se proceder a minuciosas investigações, para se ver se houve ou não em larga escala essa venda de votos, e inquirir testemunhas, e colligir provas para se poder instaurar o processo criminal contra quem de direito for.
E por isso que eu peço, proponho e desejo que se proceda a um inquerito, porque o codigo penal, no artigo 204.°, impõe pena de dez annos de suspensão dos direitos politicos aos que venderem o seu voto.
Não posso acceitar como regulares e legaes os votos comprados.
Permitta-me v. ex.ª que eu, a este respeito, cite as palavras eloquentissimas pronunciadas aqui em 1868 pelo meu respeitavel amigo Freitas Oliveira, a proposito da declaração analoga da venda de votos n'uma eleição do Porto.
Disse s. ex.ª:
(Leu.)
Depois d'estas palavras eu peço ao meu illustre amigo Freitas Oliveira, que se associe a nós para votar contra esta eleição. (Apoiados.)
Eu appello para o esclarecido e recto espírito do meu illustre collega, e estou certo que s. ex.ª ha de concordar que, havendo aqui apenas a maioria absoluta de dois votos, não deixará de concorrer comnosco para que se não dê um diploma de deputado a quem para o receber carece de que lhe sejam contados votos obtidos por taes meios. (Apoiados.)
Agora vou soccorrer-me á auctoridade do sr. ministro do reino, o qual me dará sobejos argumentos para robustecer o valor das minhas palavras.
Quer v. ex.ª e a camara saber como o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, hoje ministro do reino, pensava a respeito de eleições, em um parecer de que era signatario, de 14 de janeiro de 1861.
Tratava-se de uma eleição em que, como na de que se trata, se commetteram irregularidades' na assembléa de apuramento.
(Leu.)
Dizia o sr. Antonio Rodrigues Sampaio que, quando na assembléa de apuramento se procedia illegalmente, e quando n'ella tomam assento individuos que não são portadores das actas, o que é contra a lei, a conclusão é, não reformar as decisões da assembléa de apuramento, mas annullar á eleição.
A commissão actual de verificação de poderes propoz o contrario.
A commissão, porque houve irregularidades na assembléa de apuramento, conclue de uma maneira differente d'aquella como pensava o sr. Antonio Rodrigues Sampaio.
A commissão contenta-se em negar o diploma a quem foi conferido, e a entregal-o ao candidato que presumo ter sido eleito.
O sr. Antonio Rodrigues Sampaio acatava a lei eleitoral, que prohibe a nomeação de cabos de policia, quinze dias antes da eleição, e dizia:
(Leu.)
De modo que bastava que um acto fosse publico e notorio e não desmentido, para se provar a sua existencia e a necessidade de annullar o acto eleitoral. A commissão de
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poderes é hoje mais exigente do que era então o sr. Antonio Rodrigues Sampaio. (Leu.)
Estão, portanto, em contradição as doutrinas da commissão com as do sr. Antonio Rodrigues Sampaio, hoje ministro do reino.
Sr. presidente, vejo, depois da declaração cathegorica e solemne do sr. relator da commissão, apesar dos documentos apresentados pelo sr. Mariano de Carvalho, de que a commissão não retirava nem uma palavra do seu parecer, nem pedia que lhe fossem remettidos áquelles documentos para os considerar e apreciar, vejo, digo, que o tempo consumido na discussão é inteiramente perdido. (Apoiados.)
Ainda assim cumprirei o meu dever.
Todas as considerações que tinha feito são para mostrar que a eleição está viciada, porque o governo interveiu no acto eleitoral. (Apoiados.)
Estas considerações, porém, seriam inuteis, se a camara resolvesse com imparcialidade a primeira questão levantada pelo sr. Mariano de Carvalho, sobre a falta de maioria absoluta. Bastaria esta circumstancia para annullar a eleição.
Permitta-me v. ex.ª que eu resuma em poucas palavras o que tenho a dizer sobre este assumpto.
A commissão deu parecer favoravel ao sr. Fuschini por ter este mais 47 votos do que o seu competidor; mas como havia 42 listas a mais do que as descargas, admittiu a hypothese de serem descontados esses votos ao candidato mais votado, o achou que este ainda tinha maioria absoluta. Combateu o sr. Mariano esta conclusão, mostrando que descontando-se áquelles 42 votos ao sr. Fuschini, sem se descontarem igualmente na somma total dos votantes, lhe faltavam 19 votos para attingir a maioria absoluta.
Aqui acudiu o sr. relator da commissão a demonstrar que o desconto se devia fazer ao mesmo tempo ao candidato mais votado, e na somma total dos votantes.
Replicou o sr. Mariano de Carvalho, que podia sustentar a sua opinião, e allegou para isso as suas rasões; mas que preferia acceitar a questão no terreno, em que era collocada pelo sr. relator da commissão, acompanhando-o na hypothese, que admittira. E argumentando n'esta conformidade, mostrou como alem dos 42 votos a mais do que as descargas, deviam ser descontados tanto na votação total, como na votação do sr. Fuschini, mais 4 votos de cidadãos mortos antes da eleição, 1 que votou em duplicado, e outro que votou n'uma lista com o nome do candidato governamental escripto por fóra. Tudo isto consta de certidões, que apresentou, e da acta da assembléa de Belem. Alem d'isso mostrou que havia 8 descargas a mais nas actas da assembléa de Bemfica.
Descontando estes votos da somma total dos votantes, e do numero do votos, que teve o sr. Fuschini, não tem este maioria absoluta.
Aqui se levantou o sr. relator da commissão a declarar, que só admittiu por hypothese o desconto dos votos ao candidato vencedor, que foi esta uma concessão graciosa, que agora retira, e que já não está resolvido a acceitar o desconto nem na somma total dos votantes, nem no sr. Fuschini! E a este proposito sustenta, que a eleição deve apurar-se pelas listas encontradas na urna, e não pelas descargas!
E isto serio sr. presidente?! Admitte-se hoje uma hypothese para ámanhã se retirar! Julga-se hoje necessario fazer o desconto das listas a mais do que as descargas ao candidato vencedor, e logo entende-se que tal desconto se não deve fazer, e que as listas não descarregadas devem ser contadas, como genuinas e verdadeiras!?
Pois então isto é serio?
O que era justo, era que se não contassem para o resultado da eleição votos alem das descargas.
E inquestionavel, o foi sempre doutrina e praxes inalteraveis n'esta camara, que os votos encontrados alem das descargas não se contavam. (Apoiados.) Se esses votos influirem no resultado da eleição, a pratica inalteravel é descontarem-se ao mais votado; e se o candidato mais votado ainda assim tem maioria, é o deputado eleito; se a não tem, não é. Esta é a jurisprudencia constantemente seguida n'esta casa.
Como é que podemos conferir o diploma de deputado por listas excedentes ás descargas, como a commissão quer, principalmente quando ha apenas uma differença de dois votos?
Tal arithmetica é impossivel. Nós não podemos contar senão os votos que estão descarregados. As descargas é que garantem a genuidade e a veracidade dos votos.
Se nós admittirmos a doutrina do sr. Hintze Ribeiro, qualquer candidato que tiver a fortuna de poder fazer introduzir na urna um grande numero de listas, como não se contam os votos pelo numero das descargas, mas pelo numero de listas entradas na urna, tem a certeza de ser eleito.
Admiro esta nova jurisprudencia!
Não sei como a camara possa tomar a serio, permitta-me que lhe diga, sem offensa, esta theoria que vae subverter e alterar todas as regras o principios até hoje estabelecidos em materia eleitoral.
Ha ainda outro ponto a que a commissão devia responder de um modo categórico e claro.
O sr. Mariano de Carvalho arguiu a commissão por não ter examinado o processo; e na verdade, como é que n'uma questão d'esta ordem, a illustre commissão vem dizer que das actas da assembléa de Bemfica consta que ha 950 descargas, quando, como ou e o sr. Mariano, verificámos que apenas ha 942?
S. ex.ª tambem não fez reparo a respeito da inexactidão das actas da assembléa de Oeiras, onde apparece um caderno com 1:186 descargas, e outro com 1:18-1, apparecendo 1:186 listas!
Estes factos são graves e a illustre commissão tinha obrigação de sobre elles dar explicações á camara para desvanecer do nosso espirito qualquer apprehensão, que podesse-mos ter, a respeito do cuidado com que foi examinado o processo eleitoral. (Apoiados.)
Estou cansado o não posso continuar as minhas observações.
Peço desculpa á camara de ter occupado por tanto tempo a sua attenção.
Terminando podia dizer como o advogado de Luiz XVJ, diante da assembléa nacional, que o ía julgar:
«Procuro juizes e só vejo accusadores!»
Mas não repito as palavras d'aquelle celebre advogado, para não offender nenhuma consciencia, nem ferir nenhuma susceptibilidade.
Digo apenas que não tenho a menor esperança no resultado do debate.
Sei perfeitamente que esta questão está julgada. Sentenciou-a a cegueira das paixões partidarias e a vontade soberana do sr. presidente do conselho. (Apoiados.)
S. ex.ª resolveu que o sr. Franco não seria deputado por Belem, e a sua vontade ha de cumprir-se, embora tenha de gemer a justiça e do velar as faces a moralidade! (Apoiados.)
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Ministro do Reino: — Direi poucas palavras.
Não entro nem posso entrar na apreciação da validade da eleição de Belem; isso compete á camara e creio que ha de desempenhar com justiça esse direito. (Apoiados.)
Vou apenas defender o governo de algumas arguições injustas e apaixonadas que foram proferidas contra elle. Aqui, poderia applicar-se aquelle dito de Christo quando disse a uns peccadores que queriam apedrejar a mulher adultera: «O que está innocente seja o que atire a primeira pedra!»
Pergunto aos illustres deputados sem paixão e sem inju-
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ria, se julgam que as accusações que se fazem, foram exclusivamente d’este governo, ou se áquelles mesmos que accusaram foram os primeiros que as praticaram. (Apoiados.) Não quero com uns abusos justificar os outros; queria dizer sómente que se procurasse exemplos, havia de ter instructores magníficos!
Esta casa já foi testemunha das arguições aqui feitas a certo governador civil porque não perseguia certos individuos, porque os não deportou, o julgava se que isto era a bem da causa; quer dizer, a bem dos individuos que o requeriam.
Ninguem lh'o levou a mal: notou-se só, e sabem porque? E que, se se lança á terra uma má semente, ella abafa muitas vezes áquelles que a semearam.
O governo commetteu um grande crime; adiou as eleições de Belem e mandou fazer uma syndicancia. Olhem que crime! Ali, o acto benemerito era, que a commissão de recenseamento não desse copias d'elle a quem as pedia. Isto era meritorio, era excellente.
Não influia sobre o resultado de uma, este favor só a uma parcialidade! E ninguem gritou contra isto! E ninguem gritou mesmo contra a parcialidade de uma assembléa de apuramento, que tendo por dever cumprir a, lei escripta que lhe dizia que não deve attribuir votos a ninguem, os foi attribuir a quem quiz, usurpando as attribuições d'esta camara (Apoiados), e dizendo, este e aquelle voto não valem nada, porque tinham sido comprados. Comprados por quem? Por áquelles mesmos que depois vieram accusar a compra. Acho excellente esta jurisprudencia de um individuo comprar ou ter, para depois dizer que o voto d'elle fóra comprado pelos adversarios! Ora isto não é justiça.
Mas o governo commetteu outro peccado: parece que de mittiu e transferiu empregados no tempo eleitoral.
O governo se quizer ter juizo, deve suspender toda a sua acção e deixar os especuladores e os que o não são, mesmo gente boa, fazer tudo quanto quizerem. E se um individuo tiver arranjado uma clientella mesmo de guardas da alfandega, a quem mande com a promessa de que lhes ha do melhorar a sua sorte no caso de caír o governo, o governo ha de atar as mãos e mandar a esse individuo um presente, ou dar-lhe uma condecoração pelos bons serviços que está fazendo.
A isto se deve reduzir a acção do governo, pura e completamente!
Se elle quando tem que mandar proceder a alguma syndicancia, manda-a fazer pelas suas auctoridades! Vejam se já houve cousa assim!
O governo o que devia faver era mandar a opposiçâo. A opposiçâo é que devia proceder a esta syndicancia!
Isto não é apaixonado, e se o é, é só pelo bem publico.
A maioria tem paixões, odios, vinganças. Isto é uma cousa torpe. Mas a virtude está do outro lado. Assim não fallam os homens rasoáveis: assim fallam as paixões.
Dizem: «O governo usou do seu direito mas inconvenientemente.»
Porque?
Mas quem é o juiz da conveniencia?
Parece que são os srs. deputados da opposição; elles é que têem a faculdade de apreciar e decidir. Isso não compete a nós; a faculdade de decidir compele a todos; a soberania existe na camara, tanto de um como do outro lado; mas o resultado d'ella pertence á maioria.
Isto é que é constitucional.
Não é blasphemar, não é dizer que a eleição se venceu, porque se commetteu até o atroz peccado de dar um terço, que é legal, para obras municipaes. Houve outro desperdicio grande, fez-se um adiantamento!
Ora, senhores, eu tenho a ingenuidade do confessar que isso se tem feito e se está fazendo quasi sempre, e eu antes quero que o governo faça esses adiantamentos para a viação publica do que se sustente o barranco, que é muito pouco progressista.
Que tem que se dessem mais 30 ou 40 réis, por que ás vezes pouco mais se dá?
Eu n'este ponto queria ser mais esbanjador; queria, se das eleições não vem todos os bens, que viesse este de concertar as estradas publicas. (Riso.) Não tenho horror a isso.
São estas, e quasi só estas, as accusações que se fazem ao governo. Não era opportuno: o apostolo dizia que era preciso pedir, opportune et importune. São importunos muitos que vem pedir dinheiro para estradas: é justo que se lhes dê não só aquillo que se lhes deve, mas que se lhes adiante. Tem-se adiantado a muitas juntas geraes de districto, a muitas camaras municipaes.
E, senhores, perdoem ao menos esses desperdicios, olhem que são progressistas, verdadeiramente progressistas.
E eu não sei se me deram baixa d'esse posto, mas pelos documentos que ali se leram, eu ainda tenho essa tradição, e eu não a renego porque está escripta; o que está escripto está escripto, e não renego. Póde sei' que fizesse mal, mas eu estava convencido que procedi perfeitamente bem.
Ora, como eu não posso entrar senão n'estas pequenas explicações, e ainda que as arguições que se fizeram pertencem mais ao sr. presidente do conselho do que a mim, eu assumo toda a responsabilidade d'aquillo que elle disse e fez.
Não tenho nada mais a dizer. Foram só estes traços geraes para mostrar a tyrannia do governo que nomeou, transferiu empregados, o pareceu até que tinha degradado alguns para a Africa.
Se algum está mais melhorado, se outro está alguma cousa prejudicado, são isto defeitos da instituição humana, de que de certo nenhum dos mortaes está isento.
Eu desejava que tudo corresse perfeitamente, mas o que tem menos defeitos é quasi já o optimo.
Não tenho mais nada a dizer.
O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu começo por declarar a v. ex.ª, e a todos, que combati o parecer relativo á eleição de Belem, unica e exclusivamente porque elle entrava na regra geral por mim aqui estabelecida no primeiro dia em que se tratou do eleições.
Eu disse logo que não passava aqui com o meu voto nem com o meu silencio parecer algum relativo a eleição em que a lei tivesse sido violada ou infringida.
É esta a rasão unica e exclusiva, por que eu me levantei, não em nome da opposiçâo, não em nome do governo, não em nome de ninguem, mas só em nome da legalidade, para combater um parecer que approva uma eleição que eu reputo nulla e illegalissima.
Se o meu voto n’este caso prejudica ou póde prejudicar a eleição de um deputado ministerial, o mesmo voto prejudicará ainda a eleição de algum deputado opposicionista, que esta camara tenha de approvar em harmonia com a jurisprudencia que estabeleceu, e que eu tenha de rejeitar em nome dos principios que affirmei, e que nem por excepção me permittem deixar passar uma eleição em que haja illegalidades.
A verdade é que a maioria em relação ao candidato, cuja eleição a commissão approva, é do 2 votos apenas; e a verdade é tambem, que pelos documentos apresentados n'esta casa, admittindo os descontos, que aliàs não podem recusar-se, nós temos que descontar 11 votos mais, de maneira que a maioria do 2 votos desapparece e fica transformada na minoria de 12. (Apoiados.)
Isto prova-se com os documentos (Apoiados.); o a praxe de descontar ao candidato mais votado os votos que se reputam nullos é uma praxe que esta camara não póde esquecer sem violar todos os principios. (Apoiados)
Esta praxe é essencialissima para que nós não approve-mos nunca como eleito um individuo que o não foi ou que
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pelo processo se demonstre que podia não o ter sido. (Apoiados.)
A questão é das mais simples, e nós, camara e paiz, temos questões importantissimas para tratar, questões diante das quaes a eleição de Belem ou a eleição do qualquer circulo são verdadeiras insignificancias. (Apoiados.)
Quem, apesar de tudo o que se tem dito, quer eleger por Belem e substituir-se ao circulo, approva o parecer; teremos mais um collega n'esta caía, o escusado é perder mais tempo com este assumpto. Quem quer defender as prescripções legaes, quem quer por-se a salvo das arguições que acaba de fazer com toda a justiça, e com ainda maior impropriedade, o sr. ministro do reino, procede como eu procedo; não indaga a qualidade do deputado, não pergunta qual é a sua côr politica, para, dar o seu voto; não acaba boa hoje uma eleição porque é do governo, para, ámanhã, a achar má, porque é da opposição; acha mau o que é mau, o confessa que é bom o que assim é realmente, sem attender nem se determinar por circumstancias, que podem dizer-se politicas, mas que são apenas ridiculas.
Eu combato esta eleição, porque combato todas as eleições, seja de que proveniencia forem os candidatos, quando dos respectivos processos se veja que a lei foi violada, o que não ha evidentemente declarada, uma maioria, insuspeita a favor do candidato que se pretenda apurar como eleito por qualquer circulo.
A questão está levada, á ultima, evidencia. Besta votar, e eu não desejo demorar a votação.
Devo porém declarar que não esperava, que um membro do governo, d'este ou de outro qualquer ministerio, embora faltasse verdade, como eu reconheço e affirmo que acaba de fallar o nobre ministro do reino, ousasse arvorar em principio legal ou justo o abuso, que, por ter sido praticado por todos, menos desculpa merece e mais prompta repressão exige.
Se todos os governos têem abusado, se isso se confessa, e ou não o contesto, qual deverá ser a consequencia? Havemos de ficar em prepetuo abuso, em eterna illegallidade?
Eu vejo na, declaração do governo, motivo para que mais prompto venha o remedio e mais depressa mudemos de systema.
Eu não esperava que se confessasse que o que se fez é o mesmo que se tem feito sempre; não admitto como desculpa, e menos como justificação, que o partido que a, este, respeito não for adultero, na phrase da escriptura, atire ao governo culpado a primeira, pedra; não posso acreditar que pretenda, estabelecer se como boa norma do governo ou bom principio liberal, o que é a, sophismação de todas as eleições possiveis e a violação de todas as leis. (Apoiados.)
Estou de accordo com o sr. ministro do reino em que o que se fez em Belem não foi felizmente o mesmo que se fez em relação a todas as eleições da opposição. N'essa parte, em que me preso de ser sincero e franco, discordo das asseverações do sr. Luciano de Castro.
Não se fez em todos os outros circulos o mesmo que se fez em Belem; houve em muitos completa liberdade da uma (Uma voz: — Ouçam, ouçam.), ou pelo menos a, liberdade sufficiente para que a vontade dos eleitores se manifestasse.
Eu creio que este ponto não precisa, longa, demonstração. Nós temos aqui deputados eleitos declaradamente pela opposição, cujas eleições nem ao menos foram disputadas ou combatidas. E verdade é que, se um governo qualquer não póde ter a menor esperança, de vencer em um determinado circulo, nem por isso fica privado de fazer a tentativa para a combater e guerrear.
Houve n'esta eleição geral muitos circulos em que os candidatos eram opposicionistas, e em poucos se deu o que se deu em Belem. O sr. ministro do reino tem rasão.
Em todos os governos e partidos, é raro haver uma eleição geral em que não appareça um ou outro círculo, como o de Belem, onde se pratiquem os meios de corrupção que, se foram em maior escala no circulo de Belem, não fazem nos outros differença muito sensivel.
É tambem possivel, e não causará grande surpreza, que os mesmos que censuram os actos de Belem, venham ainda defender ou tenham defendido actos iguaes em relação a outras eleições. (Apoiados.) Isso é que eu protesto que nunca fiz, nem farei.
O sr. Filippe de Carvalho: — Veremos.
O Orador: — Veremos! Pôde ter a certeza, do que nunca viu nem chega a ver.
Em relação ao ponto especial para, que ultimamente tinha pedido a palavra, declaro que, com surpreza, vejo inteiramente desertas as cadeiras dos ministros, apparecendo aqui unica e exclusivamente o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, que, pelas suas idéns, pelo seu passado, pelas suas tradições, pelo conhecimento que todos temos das suas opiniões, mesmo em conselho de ministros, é, deixe-me a, camara dizer, apenas a victima innocente, verdadeiramente estranha á, responsabilidade que, por certos actos, ou por certos principios, nós podemos e devemos exigir ao governo.
Não sei se o actual ministerio tem presidente de conselho de ministros, em relação ás duas casas do parlamento; não sei se a maioria, d'esta casa dispensa s. ex.ª de tomar a, responsabilidade nas questões mais graves (Apoiados.); em todo o caso sei esperar e esperarei por occasião opportuna, para, tratar com a largueza, que é indispensavel, questões, cuja importancia eu reputo capital. (Apoiados.)
Por este motivo abstenho-me de tocar no assumpto para que principalmente tinha, pedido a, palavra, e nem mesmo pergunto ao nobre ministro do reino se s. ex.ª está de accordo com as declarações que foram feitas hontem, n'esta casa, pelo seu collega da marinha e do ultramar.
Eu tratarei a questão em occasião mais opportuna.
O sr. Lencastre: Por parte da commissão do ultramar, mando para a mesa uma mensagem a, fim de ser remettida á illustre commissão de fazenda, para ser ouvida sobre a proposta do governo n.º 61-H.
O sr. Luciano de Castro: — Pedi a palavra, unicamente para responder a, uma parte, das observações do sr. ministro do reino, quando s. ex.ª se defendeu das arguições que eu tinha feito, em relação á intervenção do governo na eleição de Pelem, com o exemplo dos governos anteriores.
Ora eu desejava, que s. ex.ª puzesse, como costuma dizer-se, os pontos sobre os i i.
Se s. ex.ª pretende defender as proezas do governo, como lho chamou o sr. visconde de Moreira de Rey, com os exemplos alheios, com o nosso exemplo, peço a s. ex.ª que não nos guarde, respeito, e que diga abertamente todas as nossas culpas, e exponha, ao paiz o sudario do miserias com que nos temos tornado dignos da sua execração. (Apoiados.)
Responder a arguições serias e graves com gracejos, não me parece digno da, gravidade do sr. ministro do reino, nem do logar que occupa! (Apoiados.)
Eu fiz arguições, embora, violentas, ao governo, mas arguições serias, e tratei do as fundamentar e provar. Creio que tinha direito a, esperar que ellas fossem respondidas com seriedade, e com cordura por parte de s. ex.ª (Apoiados.)
O que desejo é que o sr. ministro me diga quaes são os exemplos do partido historico ou progressista com que s. ex.ª justifica o procedimento do governo na eleição de Belem. (Ajudados.)
Argui o governo de ter illegalmente adiado a eleição de Belem. S. ex.ª respondeu a, isto gracejando!
Argui o governo das irregularidades que tinha praticado e, pedi-lhe, contas por ler mandado proceder a uma syndicancia aos actos da camara municipal, por uma simples do-
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nuncia, e por haver mandado processar o presidente da camara por haver recusado certidões do recenseamento. S. ex.ª respondeu-me gracejando, e dizendo que havia uma clientella em Belem, que era conveniente desfazer; que o governo devia garantir os direitos dos cidadãos, e que por isso adiou a eleição camarária, e mandou metter em processo o presidente da camara, como se o governo fosse o supremo tutor das cidadãos, e como se não houvesse tribunaes para punir os delinquentes! Isto é irrisorio!!
Pois quem investiu o governo n'essa tutela? Quem lhe deu o direito de desaggravar os cidadãos por acto de deliberação propria, quando a lei lhes abre o caminho dos tribunaes?!
Mais.
Se o presidente da camara municipal de Belem linha recusado certidão do recenseamento aos individuos que as requeriam, pertencia á camara dos deputados avaliar esse procedimento e prover com os devidos correctivos. Não me parece que o governo tivesse o direito de adiar, sob tal pretexto, a eleição da camara municipal de Belem, e de em seguida publicar uma portaria no Diario do governo para consultar o procurador geral da corôa sobre se o sr. Pedro Franco devia ser mettido ou não em processo.
Ja vê v. ex.ª que as minhas asserções ficam de pé.
O sr. visconde de Moreira do Rey, segundo o systema que tem adoptado, n'esta camara, de condemnar todos os excessos, venham d'onde vierem e de julgar imparcialmente todos os actos dos differentes partidos, disse, referindo-se a uma phrase que me attribuiu, que eu me enganava quando tinha dito que em todos os circulos eleitoraes onde houvera opposiçâo ao governo, acontecera o mesmo que em Belem.
O que eu disse foi que em todos os circulos onde houvera lucta, o governo recorrera á viciação dos processos eleitoraes como em Belem. Pelo menos foi minha intenção dizer isto.
Eu sei que houve circulos que mandaram a esta camara deputados da opposiçâo, cujas eleições não foram combatidas; por exemplo, o meu. Eu fui eleito por unanimidade, porque os meus eleitores eram de tal maneira independentes, que o governo, que na eleição passada, teve a lembrança de me guerrear, e soffreu uma triste derrota; n'esta eleição entendeu que era inutil tentar segunda experiencia.
Esta é a verdade. Foi a impotência, do governo que fez com que elle me. não guerreasse, e eu agradeço a minha eleição, não á abstenção do governo, mas aos meus honrados eleitores, que procederam, mais uma, vez, independente e briosamente.
Eu sei que houve outros deputados, que são hoje da opposiçâo, que ainda o não eram na epocha eleitoral, e cujas eleições tambem não i foram disputadas pelo governo.
Isso não contradiz o que affirmei, e é que, em toda a parte, onde o ministerio póde hostilisar a eleição dos seus adversarios politicos, a. lucta foi renhida e. violenta e os meios empregados pelo governo exactamente os mesmos que os usados em Belem.
O sr. Hintze Ribeiro: — Sr. presidente, o illustre deputado o sr. dose Luciano de Castro, veiu insistir nas accusações que ha pouco formulou contra o governo e contra os seus amigos politicos, pela sua intervenção nos actos da, eleição de Belem.
S. ex.ª o sr. ministro do reino já respondeu, e creio que cabalmente, por parte do governo, e não é a mim como relator da commissão de verificação de poderes que me compete levantar e discutir essa questão.
As commissões de verificação de poderes, nos pareceres que formulam sobre os processos confiados ao seu exame e apreciação, não podem e não devem determinar-se senão pelo que dos processos consta, pelo que n'elles se acha devidamente provado.
A nossa legislação eleitoral prescreve os tramites que se devem seguir, as formalidades imprescindiveis que é mister guardar, e as garantias que mormente convem se mantenham, para assegurar em toda a sua, plenitude a legitima expressão do suffragio popular.
Cotejai', pois, os preceitos das nossas leis, com os actos eleitoraes, ver se n'elles se seguiram esses tramites, se guardaram essas formalidades, se mantiveram essas garantias e concluir d'ahi pela sua validade ou nullidade, tal é a unica missão das commissões de, verificação de poderes. (Apoiados.)
E desde o momento em que os seus relatorios sejam fielmente extrahidos dos respectivos processos, desde o momento em que as suas ponderações traduzam o rigoroso confronto dos factos com as leis, desde o momento em que os seus pareceres finaes sejam as illações mais logicamente deduzidas de todas as premissas que se demonstrar existirem de facto e de direito, não têem as commissões de verificação de, poderes, que m fazer cargo de responderem a quaesquer observações que, ou não venham acompanhadas de provas, ou sejam por sua natureza alheias á, unica discussão em que lhes incumbe intervir, a da legalidade dos processos eleitoraes. (Apoiados.)
Pode qualquer dos illustres membros d'esta casa, inspirar-se, ao dar o seu voto, por suggestões estranhas ao processo em si ou pelo conhecimento individual que tenha do modo por que correram as operações eleitoraes, as commissões de verificação de, poderes é que o não podem nem devem fazer (Apoiados.), porque não foi para relatarem as suas impressões particulares que as elegeram, mas tão sómente para descreverem com a maxima fidelidade e com todo o rigor o que encontraram nos processos que lhes confiaram. (Apoiados.)
Pode qualquer dos illustres membros d'esta casa, a proposito de uma, discussão eleitoral, alevantar uma questão politica, mas desde esse momento não é ás commissões do verificação de poderes que incumbe o responder-lhe, por isso que, uma vez demonstrada, a, regularidade das operações eleitoraes, dão por terminada, a sua missão.
Não tenho, pois, que responder á insistencia do sr. José Luciano de Castro, pelo que toca á, intervenção do governo nos actos eleitoraes de Belem, mesmo porque a, esse respeito as suas observações estão, como disse, cabalmente respondidas já; ao que tenho de responder é á parte do discurso de s. ex.ª em que arguiu a commissão de verificação de poderes, e especialmente a mim, como sou relator, por não termos cumprido rigorosamente o nosso dever no exame apreciação d'este processo eleitoral.
É a, isto que venho responder; mas antes permitta-se-me que estranhe a desigualdade d'este debate.
Os illustres deputados da opposiçâo levantam apenas as questões em que julgam ser mais facil a, censura, e poderem collocar-se com mais vantagens e menos responsabilidades, e guardam um silencio profundo e sepulchral sobre outras em que, para desaggravo dos seus correligionarios politicos, deviam ser os primeiros a, provocar explicações o a deslindar a rigorosa verdade dos factos, por mais amarga que ella lhes fosse.
Está escripto n'este parecer que houve uma, assembléa de apuramento que, saltando por cima de todas as considerações legaes, e menosprezando todos os preceitos da, prudencia e até do bom senso, teve a, audacia de extorquir o diploma, de deputado a quem legalmente competia, para o ir conferir a um candidato que debalde luctára por conseguir a victoria ante o suffragio popular.
Isto está escripto n'este parecer.
Pois não houve um só deputado da opposiçâo que viesse levantar esta luva e justificar os actos d'essa assembléa do apuramento.
O sr. Mariano de Carvalho: — Nós estamos de accordo com isso.
O Orador: — Ah, pois se s. ex.ªs convem nas asserções
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que condemnam aquella assembléa, eu acceito plenamente a adhesão de s. ex.ªs que significa um labeo du censura estampado nas faces dos seus correligionarios politicos, e nada mais tenho a dizer n'este assumpto.
Mas, sr. presidente, s. ex.ª o sr. Luciano de Castro referiu-se a varias declarações que fazem parte do processo, e em que alguns eleitores tiveram, eão direi a coragem, porque reservo a coragem para os actos nobres, direi antes o arrojo de declararem publicamente que haviam vendido o seu voto.
É bom que do uma vez para sempre fiquem bem definidos os principios que convem assentar sobre isto.
O artigo 61.º do decreto eleitoral recommenda expressamente que as votações se façam por escrutinio secreto.
Se, pois, nós formos acceitar quaesquer declarações, tendentes a violar o sigillo do suffragio popular, somos nós que pelas nossas proprias mãos, vamos despedaçar uma das garantias mais sabia e maduramente pensadas e decretadas pelos nossos legisladores.
Tem o eleitor a plenissima liberdade de votar como entender, o que não tem é faculdade du vir depois reclamar o seu voto.
E a ninguem é licito indagar dos motivos que o levaram a exercer um dos direitos mais respeitaveis o mais sagrados do nosso systema constitucional, por isso que esses motivos ficam com a sua consciencia, e a nossa constituição politica garante a inviolabilidade da consciencia de cada um.
Mas se algum eleitor avilta a sua dignidade, fazendo do seu voto um mercado; se rebaixa os seus direitos politicos mais honrosos, pondo-os em almoeda á mercê do maior comprador, só a si se degrada e avilta, porque, ai de nós, se fossemos condemnar uma das conquistas mais brilhantes da nossa epopeia liberal, o suffragio popular, só porque alguem que não saiba, comprehender o respeitar, se lembra de o escarnecer e deprimir!
E se a audacia vae até ao ponto do declarar publicamente que vendem o seu voto, então, patenteado o crime, é justo que se torne effectiva a responsabilidade, mas para isso só tem competencia os tribunaes criminaes, e não esta camara,.
Nós, deputados da nação, respeitando inteiramente a liberdade do poder judicial, para cumprir o seu dever, não devemos acceitar essas declarações posthumas, não devemos dar peso e credito a confissões, que por si mesmas se, desauctorisam, e que, se são uma vergonha para quem as faz, são tambem uma vergonha para quem as promove. (Apoiados.)
Respondendo assim á, parte do discurso de s. ex.ª, que se referiu á compra de votos, passarei em outro ponto a justificar o procedimento da commissão.
E necessario, pelo que toca aos considerandos relativos á contagem dos votos, que sobre este, ponto se, faca inteira luz.
E necessario que a commissão se justifique plenamente, evidenciando até á saciedade quaes são os rigorosos fundamentos e quaes as legitimas conclusões do seu parecer.
Disse o sr. José Luciano de Castro que a commissão declarára primeiro «no seu parecer que admittia, que da, votação do sr. Fuschini se deduzissem 42 votos, que representavam um excesso, cuja proveniencia explicou, mas que depois, vendo que, segundo os seus principios, e segundo as indicações do sr. Mariano du Carvalho, haveria a deduzir, não 42 votos, mas sim 56, que todos se achavam nas mesmas circumstancias, o parecendo-lhe que á ahi resultava a falta de maioria absoluta para o candidato Fuschini, retirára a concessão que primeiro havia feito, passando a declarar que a não admittia.
É este o argumento apresentado por s. ex.ª? Creio que sim.
Respondamos-lhe pois.
A commissão não acceitou, jamais como rigorosa, similhante concessão. O que ella declarou como sendo positivo, e como constando realmente das actas de todas assembléas, foi que a totalidade dos votos era de 4:409, e que obtendo o sr. Fuschini 2:228, tinha a maioria absoluta e relativa que lho dava inquestionavelmente o direito de vir tomar assento n’esta camara. (Apoiados.)
O que a commissão contestou ainda hontem, representada por mim, foi que se devesse, fazer qualquer deducção no numero dos votos segundo os rigorosos principios de direito. (Apoiados.)
O que a commissão jamais declarou ou reconheceu, o que de fórma alguma admitte ou concede, é que tal deducção deva inevitavelmente ter logar, em face dos expressos dictames da nossa legislação eleitoral. (Apoiados.)
E havemos de annullar a eleição por uma hypothese que se não prova. Por uma conjectura que se não abona nem justifica?
Intendo que não. {Apoiados.)
A eleição é um acto muito serio, um acto de muita gravidade, e que nós respeitando a legitima expressão do suffragio popular, não podemos invalidar se não quando tivermos a certeza de que foi realmente viciado. (Apoiados.)
Emquanto essa certeza não existir, o nosso dever é mantel-o. (Apoiados.)
Tanto mais que ainda quando se fizesse a declaração de votos, a que o parecer allude, ficava o sr. Fuschini com a maioria absoluta o relativa que a lei exige.
Mas ha ainda mais. S. ex.ªs não demonstraram que essa deducção se devesse fazer, para o demonstrarem teriam do passar por cima do seu correligionario politico, que tanto defendem, que tanto estimam e tanto apregoam (Apoiados.), e reconhecendo e confessando que elle fóra cumplice de uma, gravo viciação do escrutinio, auctorisando e permittindo que na urna entrassem listas em numero muito superior ao dos votantes, o que constituia um verdadeiro crime pelo qual elle se tornava responsavel. (Apoiados.)
S. ex.ªs não querem reconhecer essa cumplicidade, nem essa connivencia? Tambem eu não.
Mas a consequencia rigorosa e logica, é que essa, differença que existe entro o numero do listas e o numero das descargas só póde attribuir-se ao facto de ser menor o numero de descargas do que o foi o dos votantes. (Apoiados.)
E por isso que a commissão entendo que se não deve fazer deducção alguma de votos, mantendo assim de pé, em toda, a sua, plenitude, a conclusão exarada no seu parecer de, que compete ao sr. Fuschini a maioria absoluta e relativa, dos votos que lhe dá o direito de fazer parte d'esta camara, na qualidade de representante do circulo de Belem. (Apoiados.)
Depois d'isto fica a questão politica completamento arredada do debate, por isso que a unica questão que se controverte é a du regularidades das operações eleitoraes.
Não me farei pois cargo do responder ás sugestões de politica, partidaria que irromperam como lava incandescente no discurso proferido pelo sr. Luciano de Castro, nem ás suas ameaças, invectivas e arguições, que de fronte erguida me abalanço a dizer que nós não tememos, nem receiá-mos. (Muitos apoiados.)
Nada mais tenho que dizer por parte da commissão. A camara lerá por certo formado e seu juizo sobre este debate e resolverá como houver por mais justo e conveniente.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o sr. Mariano de Carvalho.
O sr. Mariano de Carvalho: Desejava simplesmente perguntar a v. ex.ª como digno presidente d'esta camara, se já teve ensejo do pensar no dia que deve marcar para se verificar a interpellação que tive a honra de
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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADO
annunciar ao sr. ministro da marinha, a respeito da concessão de terrenos fia Zambezia.
S. ex.ª declarou-se habilitado; só da vontade de V. ex.ª depende marcar dia para esta interpellação. Espero da benevolencia do V. ex.ª, que attendendo á importancia do assumpto não demorará a designação do dia em que se deve tratar.
O sr. Presidente: — informo o sr. deputado do que depois de discutida a resposta ao discurso da corôa, immediatamente darei para ordem do dia a interpellação annunciada por ex.ª, ao sr. ministro da marinha.
O sr. Mariano de Carvalho: — Agradeço a V. ex.ª.
O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje.
Está levantada a sessão.
Eram quasi seis horas da farde.