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SESSÃO DE 9 DE FEVEREIRO DE 1886 415

casião que nós vamos engrinaldar mais esse florão á nossa corôa colonial, que já tão sobrecarregada se acha?
Necessito, portanto, que o sr. ministro da marinha, de pois de justificar os motivos por que não apresentou a esta camara o tratado do Dahomey, declare quaes as rasões de interesse publico que levaram o governo a assumir uma tal responsabilidade para a nação portugueza.
Disse-se algures, e repetiram-no em coro os jornaes semi-officiaes, que o governo entendeu que não era do seu decoro, e que não ficava bem á posição que occupa no concerto das nações civilisadas, deixar que em uma região tão proxima de um dos nossos estabelecimentos ultramarinos se estivessem realisando sacrifícios cruentissimos, que são ao mesmo tempo uma vergonha e um crime no seculo XIX!
Eu não sei, sr. presidente, se esta rasão imperou no animo do governo e se no tratado, que ninguem ainda conhece, se estatue alguma cousa a tal respeito.
Mas, imperasse ou não, é certo que motivos d'estes, por muito humanitarios que sejam, por muito alta que seja a philantropia que elles nos revelam, não podem ser nunca causa bastante seria para que um governo vá arcar com encargos de tal natureza.
Eu sei que o sr. ministro vae levantar-se, para com o sua palavra brilhante e imaginosa tecer o mais rendido elogio ao funccionario que logrou fazer cessar, como um preito de homenagem ao nosso paiz, essas ferozes hecatombes; mas, sr. presidente, os ministros que dirigem os destinos de uma nação não podem nem devem determinar-se nos seus actos por meras rasões sentimentaes. Antes de tudo têem de consultar os verdadeiros interesses do paiz.
Eu já vejo assumar aos labios do sr. ministro da marinha o nome venerando do marquez de Sá, do estadista que não teve duvida em sacrificar o que era o sangue e o oiro da nação, na santa cruzada da emancipação dos escravos.
Mas, entendamo-nos, sr. presidente. O marquez de Sá exigia sacrificios ao paiz, para levar a cabo uma reforma, de alto interesse humanitario sem duvida, mas tambem de grande alcance para a regeneração económica das nossas colonias.
O caso agora é muito diverso, porque, até ha pouco, o Dahomey não nos pertencia.
Por essa rasão, o que nos levou ao Dahomey devia levar-nos tambem ao centro de Africa a impedir que nesses territórios, povoados de raças igualmente dignas de sympathia, continuassem a realisar-se sacrifícios não menos cruentos, que os que deliciam a corte sanguinaria de Abomey.
Póde tambem dizer-se que as condições especiaes de colonisação e do trabalho em S. Thomé e Príncipe exigiam um- estado de cousas no Dahomey que tornasse mais facil o transporte de braços da costa para a nossa colonia. Supponhâmos que isto assim é, e que no tratado ha disposições especiaes que nos garantem o facil resgate dos serviçaes. Mas então, pergunto eu: como é que o governo ha tres annos desconhecia ou desprezava completamente esta alta rasão, e inscrevia no tratado diplomatico do Zaire a cessão eventual do forte de S. João Baptista de Ajuda, e de todos os direitos de soberania na costa do Dahomey á Inglaterra? (Apoiados.)
Em 2 de fevereiro de 1884, quando só assignou o celebre e malogrado tratado anglo-luso, já existiam sacrifícios humanos no Dahomey, e já se sentia a falta de braços em S. Thomé e a necessidade de transportar serviçaes para a nossa colonia. (Apoiados.)
Porque é que o governo, em 1882, dava á Inglaterra a faculdade de num futuro indeterminado, mas que provavelmente não seria muito longo, implantar a sua bandeira n'aquelle territorio, e porque é que não cuidava então de acautelar por um lado o futuro da nossa colonia de S. Thomé e Príncipe, e por outro lado de melhor zelar os sentimentos humanitarios de Portugal? (Apoiados.)
É porque constantemente em todas estas hesitações transparece uma rasão, que se não diz, que se não póde dizer officialmente, mas que é bastante clara para transpor os domínios da politica portugueza e appareeer estampada nos jornaes e dos orgãos mais importantes das chancellarias europêas. (Muitos apoiados.)
Eu indico a v. exa. o conteudo do um artigo que appareceu no Nord de Bruxellas, jornal que, como se sabe, é o órgão officioso do governo russo no occidente.
N'esse artigo apreciam-se e discutem-se as rasões que obrigaram o governo portuguez a assumir o protectorado do Dahomey.
Diz o referido jornal, depois de fazer diversas considerações sobre a importancia e a nova posição colonial que Portugal vae occupar em virtude d'esse tratado, que a versão que tem por si maior somma de probabilidades para explicar a atitude do governo portuguez, que é uma reconsideração completa sobre a altitude que tomara ha tres annos o mesmo governo, é a seguinte:
A Inglaterra, por uma clausula do tratado de 2 de fevereiro de 1884, estava de posse virtual do forte de S. João Baptista de Ajuda, sendo apenas questão de opportunidade a cessão effectiva d'esse estabelecimento.
O tratado anglo-luso, porém, não vingou, e a Inglaterra, ao vel-o prejudicado pela attitude das principaes nações coloniaes, nomeadamente pela attitude da França e da Allemanha, teria procurado de um modo indirecto readquirir aquillo que havia perdido n'essa campanha diplomatica; e assim teria insinuado a Portugal a ir occupar Dahomey, para que nenhuma das nações rivaes, que pela clausula do tratado de 1884 ella tinha querido arredar d'essa região, não podesse ai estabelecer o seu domínio.
Não garanto, sr. presidente, a completa veracidade d'esta noticia; digo unicamente que o procedimento do ministerio da marinha e dos negocios estrangeiros é do tal modo contradictorio com todos os seus actos anteriores, que esse procedimento deu logar a que um orgão dos mais auctorisados da diplomacia europêa interpretasse d'esta fórma a posição do governo portuguez.
O sr. ministro da marinha confirmará ou contestará o valor da versão do jornal de Bruxellas.
Não querendo por agora, alongar-me mais nestas considerações; não desejando prejudicar esta questão, mettendo de permeio incidentes mais ou menos accessorios, que evidentemente no correr do debate hão de surgir, e que mais tarde se hão de tambem liquidar, termino deixando bem claramente formuladas as perguntas que dirijo ao sr. ministro da marinha, e ás quaes desejo que s. exa. responda.
Em primeiro logar, quaes as rasões por que o governo se nega, contra todas as praxes parlamentares e contra o preceito expresso do artigo 10.° do acto addicional, a apresentar o tratado do Dahomey ao parlamento?
Em segundo logar, quaes foram os motivos que levaram o governo portuguez a assumir, no momento actual (em que as circumstancias do thesouro publico são tão precarias, e o déficit ultramarino pesa de uma maneira tão grave sobre as finanças da metropole) a responsabilidade de alargar mais o nosso dominio colonial, em circumstancias políticas e diplomaticas que podem comprometter a sua acção futura, não só no continente, mas ainda no ultramar, envolvendo-se em conflictos de que até hoje temos estado isentos?
Desejo tambem que o sr. ministro da marinha declare se a notificação do tratado com o rei de Dahomey, feita ás potencias estrangeiras, em conformidade com as deliberações do acto geral da conferencia de Berlim, teve logar antes ou depois da reclamação da França a um ponto da costa marítima, onde os portugueses no primeiro momento foram tambem assentar o seu domínio.
São estes os pontos, que necessitam esclarecer-se pre-