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N. 25

SESSÃO DE 3 DE AGOSTO DE 1897

Presidencia do exmo. sr. Eduardo José Coelho

Secretarios - os exmos. srs.

Joaquim Paes de Abranches
Frederico Alexandrino Garcia Ramires

SUMMARIO

Approvada a acta e lido o expediente, apresentam propostas os srs. Simões dos Reis e Albano de Mello. - Este sr. deputado apresenta um voto de sentimento pelo fallecimento do sr. Manuel Firmino de Almeida Maia. - É approvado, tendo fallado os srs. presidente do conselho e João Franco Castello Branco. - Tomam successivamente a palavra os srs. Moreira Junior, Marianno de Carvalho, Adriano Anthero, Dias Ferreira, Avellar Machado, Mazziotti, conde do Paçô Vieira, Simões Baião e Cayolla.

Na ordem ao dia (orçamento, das receitas e despesas geraes do estado) fallam successivamente os srs. conde de Burnay {duas vezes), Malheiros Reymão e Frederico Laranjo.

Abertura da sessão ás duas horas e quarenta minutos da tarde.

Presentes á chamada 63 srs. deputados. São os seguintes:- Adriano Anthero de Sousa Pinto, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazzioti, Antonio Maximo Lopes de Carvalho, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Alberto de Campos Henriques, Augusto José da Cunha, Carlos Augusto Ferreira, Carlos José de Oliveira, conde do Paçô Vieira, Eduardo José Coelho, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Furtado de Mello, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramires, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Jeronymo Barbosa de Abreu Lima Vieira, Jeronymo Barbosa Pereira Cabral Abreu e Lima, João Castanho de Menezes, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Joaquim Izidro dos Reis, João de Mello Pereira Sampaio, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim Heliodoro Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, Joaquim Simões Ferreira, José Adolpho de Mello e Sonsa, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José da Cruz Caldeira, José Dias Ferreira, José Eduardo Simões Baião, José Frederico Laranjo, José Joaquim da Silva Amado, Libanio Antonio Fialho Gomes, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayola, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Fischer Berquó Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Telles de Vasconcellos, Marianno Cyrillo de Carvalho, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, visconde da Ribeira Brava e visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Alfredo Carlos Le-Cocq, Alvaro de Castellões, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Bernardo Homem Machado, conde de Burnay, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Silveira Vianna, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Frederico Ressano Garcia, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim José Pimenta Tello, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Augusto Correia de Sarros, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Malheiro Reymão, José Maria Pereira de Lima, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Pinto de Almeida, Sertorio do Monte Pereira e visconde de Melicio.

Não compareceram á sessão os srs.: - Augusto Cesar Claro da Ricca, conde do Alto Mearim, conde de Idanha a Nova, Francisco de Almeida e Brito, Francisco de Castro Mattoso da Silva Côrte Real, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Jacinto Candido da Silva, Jacinto Simões Ferreira da Cunha, João Abel da Silva Fonseca, João Antonio de Sepulveda, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José Benedicto de Almeida Pessanha, José Estevão de Moraes Sarmento, José Gil de Borja Macedo e Menezes (D.), José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Barbosa de Magalhães, Leopoldo José de Oliveira Mourão, Luiz Osorio da Cunha Pereira de Castro e Sebastião de Sousa Dantas Baracho.

Acta - Approvada.

O sr. Presidente: - Participo á camara que uma commissão delegada do comício 1.° do maio me entregou uma representação dirigida á camara dos senhores deputados, pedindo que as resoluções adoptadas n'aquelle comicio fossem adoptadas pelo parlamento.

Foi-me pedido, igualmente, pela mesma commissão a publicação da sua representação no Diario ao governo: como esta representação está redigida em termos correctos, consulto a camará sobre se permitte que a representação do comicio 1.° de maio seja publicada no Diario do governo.

Foi auctorisada a sua publicação.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Dias Costa, nota dos officiaes das diversas corporações da armada que foram reformados por haverem attingido o limite da idade, fixado no decreto do lá de agosto de 1892.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Artigo 1. É auctorisada a camara municipal de Ovar a cobrar o imposto de 15 réis em cada litro de vinho e 12 réis em cada kilogramma de carne que for consumida no concelho e esteja sujeito ao imposto do real de agua.

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§ unico. Exceptua-se d'este imposto a carne de porco.

Art. 2.° Esta auctorisação caducará apenas a camara cobre qualquer percentagem addicional á pauta geral do estado sobre os demais generos sujeitos ao imposto do real de agua.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

8nla das sessões, 29 de julho de 1897. = O deputado, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Proposta

Proponho, por parte da commissão de agricultura, e na qualidade de seu secretario, que sejam aggregados a mesma commissão os srs. deputados Francisco de Almeida e Brito, Brito de Mello Pereira Sampaio e Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista.- Alfredo Carlos

Foi approvada.

Projecto de lei

Ha mais de quarenta annos que a camara municipal de Ovar cobra de todos os generos sujeitos ao imposto do real do agua apenas a percentagem de 15 réis em cada litro de vinho e 12 réis em cada kilogramma de carne.

Com a publicação do codigo administrativo de 1886 ficou limitada a faculdade de as camaras tributarem os generos sujeitos ao real do agua, pois apenas lhes permittia o lançamento da percentagem de 100 por cento.

A camara municipal de Ovar, porém, continuou a cobrar o antigo imposto por virtude de auctorisação que lhe foi dada.

O codigo administrativo vigente no artigo 74.° § 1.°, estabeleceu doutrina igual á do codigo anterior e assim as camaras não podem lançar sobre os generos sujeitos ao real de agua percentagem superior a 100 por cento.

Quando, porém, as camaras necessitem de percentagem superior para satisfazer unicamente aos encargos de emprestimos contratados anteriormente, está nas attribuições do poder executivo dar-lhe auctorisação.

A camara de Ovar é certo que não deve quantias de emprestimo, porém, acha-se assoberbada com despesas extraordinarias para cuja satisfação contava com a cobrança do antigo imposto sobre o vinho e carne.

Em 1893 arrematou a construcção dos novos paços do concelho e, por portaria do ministerio das obras publicas de 4 de outubro de 1893, a sua requisição, foram-lhe entregues pelo governo a conservação e policia da parte das estradas real n.° 40 (Fonte do Gerio a Buarcos) e das districtaes n.° 61 (Ovar por Canedo a Carvoeiro) e h.° 62 (Bandeira á estrada real n.° 45), comprehendidas no interior d'esta villa.

D'esta fórma augmentada a despeza e diminuida a receita, dá-se um desequilibrio no seu orçamento, a que é necessario obstar. Alem d'isso o contribuinte não recebe bem qualquer modificação no lançamento dos impostos, e ainda que d'ella lhe advenha vantagens, pois muitas vezes não chegam a comprehendel-as, sendo certo que todo o concelho reclama o antigo imposto.

Esta reclamação é justa porquanto o vinho e a carne em Ovar tem um preço excessivamente barato, e assim esses generos podem pagar um imposto maior, sem gravame para o contribuinte.

Artigo 1.° É auctorisada a camara municipal de Ovar a cobrar o imposto de 15 réis em cada litro de vinho e 12 réis em cada kilogramma de carne que for consumida no concelho e esteja sujeito ao imposto do real de agua.

§ unico. Exceptua-se d'este imposto a carne de porco.

Art. 2.° Esta auctorisação caducará apenas a camara cobre qualquer percentagem addicional á pauta geral do estado sobre os demais generos sujeitos no imposto do real de agua.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala dos sessões, 29 de julho de 1897. = 0 deputado, Francisco Barbosa ao Couto Cunha Sotto Maior.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração
publica.

O sr. Simões dos Reis (por parte da commissão de administração publica): - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que seja aggregado á commissão de administração publica o sr. deputado José Alberto da Costa Fortuna Rosado. = O secretario da commissão, A. Simões dos Reis.

Pedida e obtida a urgencia, foi approvada a proposta.

O sr. Manuel Moreira Junior: - Sr. presidente, desejo interrogar o sr. ministro do reino sobre um assumpto de geral interesse. Anima-me, por isso, a crença de que todos os membros d'este congresso serão absolutamente concordes com as justas apreciações que vou fazer.

V. exa., sr. presidente, comprehende bem quanto me é agradavel esta convicção, visto ser hoje a vez primeira em que fallo n'esta assembléa. Com emito, n'estas circumstancias, ser-me-ía doloroso tratar de assumpto politico que podesse irritar paixões e provocar, ainda que por breves instantes, qualquer desinteligencia.

Com a materia que vou debater tal não succederá, pela rasão muito simples de que o assumpto de que vou tratar á saude publica é attinente, n'um dos capitulos mais interessantes, mais generosos e mais dignou de meditação e estudo dos serviços de beneficencia - o capitulo hospitalar.

Muitos dos membros do parlamento conhecem, seguramente, os hospitaes civis de Lisboa, ou, pelo menos, o de S. José: é natural, todavia, sr. presidente, que não tenham noções detalhadas sobre a organisação d'aquelle abrigo da miseria e da doença.

O hospital de S. José, que não foi construido propositadamente para alojar doentes, mas adaptado a este fim n'uma quadra em que á idéa de caridade apenas presidia o intuito de abrir asylos a todos os infortunios morbidos, embora depois se encontrassem em lamentavel promiscuidade muitas miserias humanas, o hospital de S. José, apesar de todos os beneficios devidos a uma administração activa, intelligente, zelosa e technica, qual é a presidida pelo illustre enfermeiro mór, o sr. dr. Ferraz de Macedo (Apoiados.) a quem n'este momento quero e devo prestar as minhas mais decididas, mais enthusiasticas e mais calorosas homenagens, e, não só a s. exa., mas igualmente á quantos têem collaborado n'essa obra util, não devendo esquecer, exactamente porque é meu adversario politico, alguem que na sua curta passagem por aquella instituição é já digno das mais elogiosas referencias, o sr. deputado Simões Baião (Vozes: - Muito bem, muito bem), - o hospital de S. José, como ía dizendo, sr. presidente, apesar e todos os beneficios que tem recebido de uma administração verdadeiramente exemplar, tem, comtudo, ainda graves defeitos na sua intima organisação, a que é necessario dar salutar remedio, n'uma efficaz remodelação dos serviços de beneficencia; e como, segundo me consta, no espirito do sr. presidente do conselho ha algumas idéas n'este sentido, vou dar á camara esclarecimentos sobre aquillo que é mais urgente modificar.

Referir me-hei ao isolamento das doenças infecto-contagiosas.

Sr. presidente, abstrahindo dos diphtericos a cargo do meu distincto condiscipulo, eminente bacteriologista e uma das glorias mais subidas da nossa terra, o sr. Camara Pestana; (Apoiados.) afóra os leprosos, sob a direcção do nos-

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só primeiro hygienista e meu illustre mestre, lente distinctissimo da escola medica de Lisboa, o sr. conselheiro Silva Amado; pondo de parte os variolosos, que se abrigam em Arroyos, e os verolicos que estão no Desterro, os outros doentes, de doenças infecto-contagiosas affectados (a tuberculose, a febre typhoide, a erysipela, o sarampo, a escarlatina, etc.), apesar dos bons esforços da actual administração, entram para as mesmas enfermarias em que se encontram outros doentes atacados de doenças as mais banaes e simples.

Um paciente, a quem uma leve bronchite, uma pleurisia, um catarrho gastrico ou enterico, uma lesão cardiaca ou uma alteração dos centros encephalo-modullares, ao hospital levou, corre o risco, por esse mero facto, de ter cerceadas as garantias da sua vida futura.

Uma doença aguda do apparelho respiratorio, por exemplo, seguiria em regra a sua natural evolução e o doente ficaria absolutamente curado, se, algumas vezes, em plena convalescença, não viesse ahi implantar-se um d'esses agentes infinitamente pequenos, mas infinitamente virulentos e infinitamente numerosos que na enfermaria pullulam.

V. exa. sabe e a camara conhece que é absolutamente indispensavel fazer a desinfecção rigorosa dos domicilios particulares em que uma doença contagiosa tenha feito os seus habituaes estragos.

V. exa. sabe e a camara conhece, porque a bacteriologia prova que, por mil processos e variadissimas fórmas, podem ser infectados o solo, feito e o vestuario de doentes, assim: solo, leito e vestuario de onde facilmente se destacam as poeiras morbidas que no ar inspirado e nos alimentos solidos e liquidos se depozeram, são transportadas ao apparelho respiratorio, bem como ao apparelho gastro-intestinal, as sementes malignas que vão accender ahi as varias lesões que lhe correspondem ou, entrando na torrente circulatoria, determinar as infecções correlativas. Pois no hospital de S. José, onde a accumnlação é excessiva, não se póde fazer uma tal beneficiação; apenas do annos a annos ou de longos em longos mezes se desalojam os doentes de determinada enfermaria o ahi se procede á necessaria desinfecção.

V. exa. comprehende bem que, n'estas condições, não só os empregados d'essas enfermarias, mas ainda as pessoas estranhas que ali vão, tremulas de amor, levar o consolo da sua visita aos entes queridos que uma leve doença, ás vezes, ao hospital trouxe, inconscientemente podem ser o vehiculo das variadissimas doenças que nas enfermarias constituiram especial viveiro.

Mas, sr. presidente, se ha doença em que o quadro que acabo de esboçar a largos traços, se accusa com cores profundamente sombrias e carregadas, é a tuberculose pulmonar.

N'aquelle meio em que a accumulação é excessiva, em que o ar e a luz apropriada fallecem, em que nem ao menos, em grande parte, os leitos são banhados por esse desinfectante divino, mais efficaz do que o acido phenico e mais valioso; do que o sublimado corrosivo - o sol n'aquelle meio e tuberculoso encontra condições propicias, não, eu não digo já á cura, relativamente difficil em doença tal, mas a uma ligeira attenuação do mal que o mina, e sim ao desenvolvimento delirante dos bacillos da tisica.

Sr. presidente, o tuberculoso que nos nossos hospitaes entra, é duplamente digno de piedade: de piedade pela doença pertinaz que lhe devora os pulmões, de piedade ainda porque, a breve trecho de ter entrado na enfermaria, elle vê desvanecer-se essa esperança deliciosa, esse sonho que lhe illumina o cerebro e alevantára o moral, de que, internado no hospital, porventura seria curado porque ahi o tratariam com os requisitos da mais requisitada hygiene e os preceitos da mais sublimada medicina infelizmente tal não succede, porque, as condições das enfermarias o não permittem. Mais ainda. É preceito rigoroso da hygiene, a mais comesinha, que as maternidades estejam absolutamente isoladas em installações convenientes; pois no hospital de S. José a maternidade encontra-se no mesmo edificio com as restantes enfermarias e, consequentemente, em detestaveis condições, attento o facil contagio que assim se póde dar e d'ahi não ser difficil explodir, apesar dos bons esforços do seu distinctissimo director, a febre puerperal.

Basta v. exa. saber, sr. presidente, que a mortalidade de l:4 e n'algumas estatisticas mesmo de l:6, comparando a que se da nas maternidades isoladas, com a que succede nas que se encontram de companhia com outras enfermarias no mesmo edificio, para facilmente se impor a alta utilidade do seu isolamento.

Eu não quero, nem devo esquecer, sr. presidente, as circumstancias afflictivas do nosso thesouro, seria um testemunho de mau criterio proceder assim.

Eu não abstráhio da nossa situação angustiosa tanto financeira como económica, mas, sr. presidente, é tão urgente pôr em pratica a medida pela qual eu pugno, tão trilhantes seriam os resultados e tão insignificante é a despeza a fazer, visto como talvez em duzentos e cincoenta e possam calcular os doentes que necessitam em absoluto de isolamento apropriado, que eu não posso deixar de defender o preceito a que me venho referindo.

Quando mais não fôra, da simples desaccumulação que resultaria para o hospital adviriam altos beneficios, devo pugnar tanto mais quanto essa despeza apenas é attinente as respectivas installações, a que não preside já a idéa de organisações monumentaes, mas que, pelo contrario, consistem em pavilhões ou barracas singelas, economicas e altamente compensadoras pelos resultados que dão.

Não venho pedir cousa que se pareça com esses edificios hospitalares que se encontram nos Estados Unidos ou na Inglaterra, que são verdadeiramente o assombro d'aquelles que os visitam; não venho lembrar, por exemplo, edificio que se assimelhe ao bello e sumptuoso hospital, a tuberculoso dedicado, que na ilha de White se levanta; não venho mesmo lembrar, embora talvez a idéa não fosse para desprezar, os hospitaes fluctuantes que ha no Tamisa, destinados a doenças infecto-contagiosas, hospitaes installados em navios que para a navegação já não servem.

Não peço nada d'isso, mas sim alguma cousa muito singela, embora efficassissima: pavilhões e barracas nas condições que indiquei.

Ora, sr. presidente, depois de tudo quanto tenho proferido, afigura-se-me que, dirigindo-me ao sr. presidente do conselho e fallando ao seu espirito, que é altamente lucido, e ao seu coração, que é profundamente generoso e profundamente caritativo, eu sou interprete não só do meu sentir, mas de toda a camara, pedindo-lhe que, no meio das varias preocupações e das mil contrariedades que lhe roubam o tempo, se não esqueça d'aquillo que acabo de referir.

Alem de que, sr. presidente, na quadra que nós atravessâmos, é absolutamente indispensavel que a palavra fraternidade, que tem servido para tantas e tão ôcas rhetoricas declamações, se revele, pelo sentimento que traduz, nas leis e nos serviços de assistencia publica; é indispensavel que, nos tempos que correm, e em que todos dizemos sentir profundamente os alheios infortunios, em que nós dizemos querer que todos os governos façam quantos esforços sejam possiveis para converter em realidade as sublimes inspirações do humano espirito, que consistem em attenuar as desigualdades sociaes; é indispensavel que os serviços de beneficencia sejam organisados do harmonia com o amor que ao proximo devemos.

Eu vou terminar, sr. presidente, afirmando que são já valiosos os motivos que tornam o sr. conselheiro José Luciano orador do respeito, do amor e do reconhecimento da nação; mas, se tal não fosse, bastaria este simples facto, arcar de frente com os problemas da saude publica, para

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que o seu nome ficasse luzentemente firmado nas paginas mais uteis da administração publica em Portugal.

Disse.

O sr. Ministro do Reino (José Luciano de Castro): - Em primeiro legar, permitta-me v. exa., sr. presidente que eu felicito o illustre deputado que acaba de fallar pela sua brilhantissima estreia no parlamento, o que felicite a camara, por ter no seu seio mais um membro distinctissimo.

Não são frequentes, entre nas, as aptidões para a vida publica, e tambem para os trabalhos parlamentares, e por isso entendo bem cabido o testemunho de consideração que a camara, nas suas felicitações, acaba de prestar ao illustre deputado. (Apoiados.)

O illustre deputado é effectivamente um moço de grande merecimento, um clinico distinctissimo, um professor de primeira ordem, e acaba de provar quo ha de ser um parlamentar tambem distintissimo.

Felicitando pois a camara em nome do governo, não faço mais que prestar um preito de homenagem devida. Emquanto ás considerações que s. exa. fez, devo dizer que as tomo todas cm attenção, porque s. exa." fundamentnaes tão bem, e expoz com tanta lucidez as rasões para que recommenda a attenção do governo, que não posse deixar de dizer a s. exa., que dentro das forças, e tanto quanto me permittirem os escassos recursos do thesouro, vou dar ordens, tanto á administração do hospital do S. José, como a do de Coimbra, para que as indicações que s. exa. acaba de fazer, - e em especial, com referencia aos tuberculosos, sejam quanto possivel seguidas.

E se for indispensavel, por deficiencia d'esses estabelecimentos, proceder á edificação de barracas e hospitaes fluctuantes, para attender ás indicações do s. exa. farei proceder, depois das devidas informações, ás obras necessarias e indispensaveis para esse fim.

Por ora não posso dizer mais nada ao illustre deputado sobre o assumpto.

Já pedi informações tanto á administração do hospital do S. José, como á do hospital da universidade de Coimbra, para me habilitar a tomar uma resolução a tal respeito, em harminia com na indicações do illustre deputado, que é pessoa competentissima no assumpto.

Essas informações já foram mettidas por parte do hospital de S. José, mas as do hospital da universidade ainda não vieram. Em ellas vindo, procederei de accordo com as indicações feitas pelo illustre deputado.

S. exa. não reviu.

O sr. Moreira: - Agradeço a gentileza da resposta do illustre do ministro do reino.

sr. Albano de Mello: - Mando para a mesa uma proposta, assignada tambem pelos nossos illustres collegas Barbosa Sotto Maior e Simões dos Reis.

É a seguinte:

"Proponho que na acta da sessão de hoje se consigne que a camara soube com muito sentimento da morte do conselheiro Manuel Firmino de Almeida Maia, que foi membro do parlamento portuguez.= O deputado por Aveiro, Albano de Mello = Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior = Antonio Simões dos Reis."

A camara da certo ha de querer associar-se a esta proposta, approvando a.

O sr. Manuel Firmino de Almeida e Maia não foi só ministro da camara dos deputados e par do reino, pela eleição com que o honraram os seus amigos do districto de Aveiro, tambem foi um intelligente e sincero jornalista ; e na sua mocidade andou com as armas na mão em defeza das liberdades publicas ameaçados. Mas a sua obra suprema, a obra maior da sua vida tão util e tão generosa, está aos melhoramentos que a formosa cidade, do Aveiro d'esta iniciativa, á energia e ao patriotismo do que foi seu filhos muito amado. Morreu na presidencia da camara municipal de Aveiro, morreu no seu posto de honra, no alto logar em que as suas qualidades de administrador mais brilhantes se affirmaram e onde deixou um grande nome e um grande exemplo do trabalho profícuo, de audaciosas iniciativas o de empreendimentos proveitosos e fecundos.

O sr. Manuel Firmino de Almeida e Maia tem, espalhados por todo o municipio de Aveiro, claros monumentos do seu fervoroso patriotismo, da sua forte vontade o do seu sympathico nome: são os melhoramentos com que soube engrandecer e fazer prospera a sua terra tão querida.

Os seus funeraes foram uma apotheose. A multidão apertava-se nas ruas o soluçava, commovida, quando o cadaver do virtuoso cidadão passava para o cemiterio.

A camara dos deputados, dando o seu voto a proposta, presta um testemunho de justiça, testemunho merecido, á memoria do nobre e estremecido filho do Aveiro.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Associo-me sinceramente, em meu nome e em nome do governo, ás palavras de justiça que o illustre deputado acaba de proferir em relação a um homem quo foi prestantissimo cidadão e membro muito digno das duas casas do parlamento, Manuel Firmino de Almeida Maia. Por esta fórma rendo culto á sua memoria e faço justiça aos serviços que prestou durante a sua longa carreira do homem publica.

O sr. João Franco: - Associo-me tambem á proposta apresentada pelo sr. Albano de Mello, para que seja lançada na acta um voto do sentimento pela morte do Manuel Firmino de Almeida Maia.

Tive relações pessoaes com o extincto, e, apesar de meu adversario politico, fiz sempre justiça ás suas intenções e ao seu caracter. Bastava isto para que, independentemente de quaesquer considerações ácerca dos serviços por elle prestados, eu me associasse á mencionada proposta.

O ar. Presidente: - Tem a palavra o sr. Marianno de Carvalho. Entra-se na ordem do dia ás quatro horas menos um quarto.

O sr. Marianno de Carvalho: - Creio que o sr. ministro da marinha se ausentou. Á hora está adiantada, o assumpto demanda algum desenvolvimento, e assim, se v. exa. concordasse, eu deixaria para ámanhã e podido que queria fazer ao sr. ministro, se s. exa. poder comparecer, usando da palavra antes da ordem, e para o que tambem estou inscripto.

O ar. Presidente: - O sr. ministro da marinha não está presente, mas o sr. deputado godo usar da palavra para o outro fim.

O sr. Marianno de Carvalho: - A questão é simples. Se não me engano, em sessão de 2 de julho pedi que, pelo ministerio do reino, fosse enviado á camará o processo a respeito da tracção electrica na via publica em Lisboa.

Vão já um mez decorrido e eu peço ao sr. presidente do conselho que apresso a remessa do processo, que eu comprometto-me com s. exa. a que o não demoro mais de vinte e quatro horas.

Em sessão de 3 de julho o sr. Menezes e Vasconcellos requereu que fossem mandados á camara: 1.°, uma nota das quantias pagas ao banco emissor em cumprimento do disposto do artigo 2.° do contrato do 9 de fevereiro de 1893. Supponho que este documonto ainda não foi remettido. 2.", copia da portaria ou contrato pelo qual o governo garantiu, em fevereiro ou março, o emprestimo de 180 contos de réis á companhia dos caminhos de ferro atravéz da Africa. Supponho que este requerimento tambem ainda não foi satisfeito.

Desejo, pois, que v. exa. me informe se sim ou não este requerimentos foram satisfeitos, - os que dizem respeito ao sr. Menezes e Vasconcellos, - porque os que dizem respeito ao presidente do conselho sei que não foram.

Se fui satisfeita a requisição feita pelo illustre deputado,

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eu pedíria a s. exa. que me d'esse communicação d'esses documentos, porque elles são para conhecimento da camara toda e não só do illustre deputado; mas se não foi, eu então mando para a mesa um requerimento, renovando o pedido d'esses documentos, pedindo a v. exa. que lhe dê o mais rapido andamento.

(Interrupção do sr. Menezes de Vasconcellos que não se ouviu.)

O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador.

O Orador: - O illustre deputado disse-me n'uma interrupção, a que eu não me opponho de modo nenhum, que o requerimento que fez em 3 de julho foi satisfeito em parte, isto é, o que diz respeito ao pagamento feito ao banco de Portugal em cumprimento do disposto no artigo 2.° do contrato de 9 de fevereiro de 1893, e o que não foi satisfeito por ora, nem no todo nem em parte, foi o que diz respeito á portaria ou contrato da correspondencia, pela qual o thesouro garantia, em fevereiro, ou março, um emprestimo de 180 contos de réis á companhia dos caminhos de ferro através da Africa.

Este ainda não foi satisfeito, e eu mando um novo requerimento, instando pela remessa d'estes documentos.

(S. exa. não reviu.}

Leram-se na mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio do reino, se apresse a remessa dos documentos, que em sessão de 2 de julho requisitei ácerca da concessão de tracção electrica em Lisboa. = Marianno de Carvalho.

Requeiro que, pelos ministerios da fazenda e da marinha, se apresse a remessa dos documentos pedidos na sessão de 3 de julho pelo sr. deputado Menezes e Vasconcellos, ácerca:

1.° Da operação garantida pelo governo entre o banco de Portugal e a companhia dos caminhos de ferro através da Africa;

2.° De pagamentos ao banco da Portugal em cumprimento do disposto no artigo 2.° do contrato de 9 de fevereiro de 1895. = Marianno de Carvalho.

Mandaram-se expedir.

O sr. Adriano Anthero: - O meu aviso previo dizia o seguinte:

"Em que termos se acha o processo instaurado em 1893 pelo governo, de harmonia, com o collegio dos orphãos do Porto, para o mesmo governo adquirir o edificio onde esse collegio se acha estabelecido?

"Tenciona o governo dar solução ao objecto d'esse processo?"

Para que v. exa. e a camara não imaginem que este aviso previo representa simplesmente uma impertinencia ou um pretexto oratorio, vou dizer as rasões que me levaram a fazel-o.

Sabe v. exa. que eu sou deputado pelo Porto, sou professor do instituto industrial e commercial d'aquella cidade, e fui tambem membro da camara municipal do Porto durante tres annos em que tive a meu cargo o collegio dos orphãos, porque pertencia ao meu pelouro, e por isso lhe ganhei carinho e amor.

Aquelle estabelecimento foi instituido, ha muitos annos, por um bemfeitor, para ali serem recolhidos os orphãos, receberem a instrucção litteraria adequada ás suas faculdades e competencia e seguirem uma carreira que lhes garanta os meios de poderem viver no futuro.

Foi, porém, estabelecido n'um casarão humido, infecto, sem luz nem ar, repellente ao proprio aspecto, e abafado entre o instituto industrial e commercial e a academia polytechnica; de modo que esta se desafoga sobre aquelle instituto, e esse não tem capacidade para as suas aulas
theoricas, para as suas aulas praticas, para as suas officinas, que andam por isso espalhadas por outros velhos casardes, fóra do mesmo edificio.

Ora aconteceu tambem, sr. presidente, que, ha alguns annos, um outro eximio bemfeitor deixou varios legados ao collegio dos orphãos, e entre elles um terreno com a condições d'esse collegio mudar para lá a sua installação, construindo ahi uma casa propria, mas com a comminação de que, se a não construísse dentro de um certo praso, perderia o legado. Em consequencia d'isso, o governo de então entrou em combinações com esse collegio, a fim de lhe comprar o edificio onde está actualmente estabelecido, de maneira quo, com o preço d'essa compra, pudesse elle construir casa adequada no terreno que lhe foi deixado e o governo pudesse aproveitar aquelle edificio para ampliar o instituto e a academia.

Nomeou-se uma commissão, para isso; e alem da minha pessoa fizeram parte d'ella, o director da academia, o director do instituto, o director das obras publicas, em summa, todos os que eram interessados n'essa obra. Essa commissão fez o seu relatorio, procedeu a uma avaliação, e organisou um processo, quo foi entregue ao sr. governador civil de então, que era o sr. Campos Henriques, o qual prometteu o seu auxilio e nobremente o concedeu; e o processo foi remettido para o ministerio do reino.

Não sei qual o destino d'esse processo, mas o que é certo é que na cidade do Porto não cessaram desde então as reclamações por parte do instituto, da academia, da camara municipal e do collegio, a fim de se remediar este estado de cousas.

Ultimamente nomeou-se uma commissão da camara municipal, apesar de preponderar na mesma camara o partido regenerador, para pedir tambem o meu auxilio no sentido de eu levantar a minha humilde voz n'este parlamento, advogando a causa d'aquelles corporações e empregar todos os esforços, para ver se o governo acudia a este estado desgraçado, que importa um prejuizo ruinoso para a instrucção e para a caridade. Já vê v. exa. que eu não podia deixar de tomar a palavra sobre este assumpto.

O meu aviso previo visa, pois, a pugnar em geral pelos interesses da cidade do Porto e em especial pelos interesses da academia, do instituto e do collegio dos orphãos; e, se é permittido juntar um pedido a este aviso, eu peço ao sr. ministro do reino, que empregue todos os esforços para remover esta vergonha de uma cidade que tem estado sempre prompta a concorrer para remir as vergonhas de qualquer outra parte do paiz, quando é preciso o seu auxilio.

Eu sei que, nas circumstancias em que nos encontrâmos, é necessario fazer economias rigorosas, e não póde por isso o governo abalançar-se a despezas que não sejam absolutamente necessarias. Esta despeza, porém, é necessaria, segundo se concluo das considerações apresentadas; e é urgente, pois se não se fizer brevemente, o collegio perderá o legado que lhe foi deixado, em prejuizo da instrucção e da caridade. E é certo que a instrucção e a caridade são as duas estrellas que iluminam a historia de um povo perante o mundo civilisado.

Eu peço, pois, ao sr. ministro do reino que me diga o que é feito d'esse processo, e quaes são as intenções do governo a este respeito.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Não tenho presente n'este momento as informações que tinha pedido para responder-lhe, mas o que posso dizer é que tomei nota das circumstancias a que s. exa. se referiu e que se o processo estiver no ministerio do reino procurarei attender os desejos do illustre deputado.

O sr. Adriano Anthero: - Agradeço ao sr. presidente do conselho a resposta que se dignou dar-me.

O sr. José Dias Ferreira: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial dos lojistas

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de Lisboa contra as propostas do fazenda apresentadas pelo governo ás côrtes, a que v. exa. dará o devido destino.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.

Assim ao resolveu.

O sr. Presidente: - Seguia-se no uso da palavra o sr. Luciano Monteiro; não estando presente o sr. ministro e indo a hora muito adiantada, talvez não queira usar da palavra n'estas condições.

O sr. Luciano Monteiro: - Perfeitamente do accordo.

O sr. João Franco: - Participo a v. exa. e a camara que o sr. deputado Jacinto Candido tem faltado a algumas sessões o falta á de hoje por incommodo de saude.

O sr. Avellar Machado: - Vou mandar lançar na caixa de petições o requerimento de Guilherme Augusto Diniz, tenente coronel de praça de guerra, contra algumas das disposições da proposta de lei n.° 8-I.

Aproveito a occasião para perguntar á v. exa. se já chegaram á mesa alguns esclarecimentos que tive a honra de pedir pelo ministerio da fazenda em 6 de julho, declarando na sessão do 24 ou 25 do julho o sr. ministro da fazenda que ía dar as competentes ordens para que, sem demora, me fossem enviados; refiro-me ao pedido que fiz para ser remettido á camara o contrato celebrado entre o governo e a companhia de fundição e forjas, e bem assim as informações ácerca de modo como tem sido executado.

O sr. Presidente: - Os documentos a que se refere o illustre deputado ainda não vieram; vão ser requisitados de novo.

O Orador: - Sinto que o sr. ministro da fazenda não tenha conseguido arrancar da sua repartição, ha approximadamente um mez, esclarecimentos tão simples que um poucos minutos me podiam ter sido fornecidos.

Esperarei ainda algum tempo, e se os esclarecimentos não me forem enviados não deixarei de annunciar o aviso previo ao sr. ministro da fazenda o fazer as considerações que o caso exige, com grande magoa do meu coração, porque não gosto de fazer accusações sem ter os documentos que comprovem as minhas asseverações.

O sr. Presidente: - Seguia-se no uso da palavra o sr. Ferreira de Almeida, não estando presente o sr. ministro da marinha, talvez s. exa. tambem não queira usar da palavra.

(Pausa.)

O sr. Ferreira de Almeida: - Fez um gesto de assentimento.

O sr. Maziotti: - Participo a v. exa. que mandei lançar na caixa de petições requerimentos de varios officiaes do exercito (lê os nomes) pedindo.

O sr. Conde de Paçô Vieira: - Mando para a mesa o seguinte

Aviso previo

Declaro que desejo interrogar o exmo. sr. ministro do reino sobre actos irregulares de administração, praticados pelo governador civil do districto da Horta, relativamente á exportação do milho. = Conde de Paçô Vieira.

Mandou-se expedir.

O sr. Teixeira de Sousa: - Chamo a attenção de v. exa. para um facto que se me affigura importante, gravissimo, das províncias ultramarinas não estarem representadas n'esta casa, porque até hoje não se tem dado cumprimento de lei de 21 de maio de 1896, na parte que se refere a substituição dos deputados pelo ultramar quando não estejam devidamente approvados os respectivos processos eleitoraes. Sei que alguns d'estes pelo ultramar requereram á camara para serem chamados a tomar aqui assento, e que esses requerimentos foram enviados á commissão especial eleita nos termos do artigo 8.° do regimento interno d'esta camara. Como v. exa. reconhecerá essa commissão não tem competencia para tratar d'este assumpto, e por ser assim creio que isto pertence unicamente ás attribuições da mesa. Não quero fazer censura alguma a v. exa., nem á mesa, antes tenho convencimento do que se trata de assumpto que escapou á sua esclarecida attenção, o que não impede que ou peça a v. exa. que sem demora resolva este caso importantissimo, qual o de dar representação as provincias ultramarinas, obstando-se a que continuem preteridos os direitos d'aquelles que julguem poder vir tomar assento n'esta casa.

Tenho dito.

O sr. Simões Baião: - Apresento o seguinte

Aviso previo

Na conformidade do artigo 58.°, § unico, do regimento, peço que seja prevenido o exmo. ministro do reino de que desejo interpellal-o sobre as providencias adoptadas pelo administrador do concelho de Ancião para reprimir o abuso praticado pelo seu delegado na freguezia de S. Thiago do Guarda, no dia 29 do mez passado, abuso que consistiu em injuriar, apedrejar e prender o parocho da freguezia, quando seguia da sua residencia para a igreja parochial a fim de celebrar missa e praticar outros actos religiosos. = Simões Baião.

Mandou-se expedir.

O sr. Cayola: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim auctorisar o governo a conceder á irmandade de Nossa Senhora da Conceição, erecta na igreja do extincto convento de Santa Cruz, da cidade de Lamego, uma pequena casa que fica contígua á capella mór da mesma igreja.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção, vae passar-se á

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do artigo 6.º do projecto de lei
de receitas e despezas geraes do estado para o anno economico de 1897-1898, e respectivo mappa

O sr. Conde de Burnay: - É muito penoso para qualquer membro d'esta camara, ter de fazer ao paiz, declarações, que são sempre desagraveis de ouvir, como são as amargos verdades; e tanto mais isso me custa, porque é esta, é primeira vez que tenho a honra de fallar n'este parlamento.

Hontem, nos dez minutos que usei da palavra, fiz duas affirmações, que estou convencido foram profundamente desagradaveis á camara e ao paiz; uma d'ellas, foi sobre o imperfeição dos orçamentos, que prendem com o contabilidade publica.

Não fiz n'essa occasião, senão sustentar as palavras do illustre orador que me tinha precedido o sr. Laranjo, quando se referiu a essas imperfeições e ás difficuldades mesmo, que havia cm conhecer a fundo e apreciar em todos os seus detalhes, o orçamento geral do estado.

Pretendo hoje dizer á camara, e affirmar de um modo bem positivo, para que se não interpretem mal as minhas palavras, que nas referencias que fiz ao orçamento, não quiz por fórma alguma dizer, que havia falsidades na sua organisação. Comecei por dizer, citando umas palavras de um illustre auctor, cujo nome se discutiu; "que assim como esse auctor dizia á palavra fôra dada ao homem para dissimular as suas idéas, parecia que o orçamento era feito para dissimular a situação.

Ora, dissimular, não significava no minha intenção, senão tornar menos dura a pilula que ao paiz todos os annos se pretende fazer engulir, a do famoso deficit.

Eu vivi bastante na convivencia de ministros da fazenda do todos os partidos, e podia affirmar á camara que o que os preoccupava sempre, em poderem produzir alguma cousa melhor do que o que tinham encontrado; os

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seus esforços, tendiam sempre, á melhorar as cousas, e creio bem, que ninguem acceita a pasta da fazenda, tão cheia de responsabilidade é atrictos, sem que tenha a vontade, e desejo mais ardente de melhorar as circumstancias do thesouro; mas há casos, que podem mais que as forças dos homens; e n'essa situação faz-se o que nós fazemos ás vezes, nas nossas proprias cousas: procurâmos illudir-nos esperando que tempos mais propicios as venham desembaraçar.

Têem estado esperançados os nossos governos que de um dia para outro tuna modificação no cambio do Brazil ou outra qualquer oircumstancia, possa vir melhorar aquillo que de dia para dia se aggrava. É n'estas circumstancias que os srs. ministros da fazenda, ás vezes impressionados porque têem necessidade de fazer um emprestimo; outras vezes para que os titulos não baixem; outras, emfim, por circumstancias de ordem publica, se levam muitas vezes a apresentar um orçamento que no seu modo de ver lhe parece ser rasoavel ou conveniente, mas que no fundo é bastante illusorio. Foi isto que quiz bem fazer sentir á camara.

Por exemplo, no ministerio das obras publicas quando se excedeu a verba que esta auctorisada para esse ministerio e é preciso continuar a dar trabalho aos operarios, requisitaram-se quantias importantes de 600, 700, 800 e 1:000 contos de réis do ministerio da fazenda que passam por operações da thesouraria e ficam em contas de verbas por escripturar.

Assim, em vez de se tratar desde logo de escripturar e de trazer ao conhecimento do parlamento essas transgressões da lei, impostos aliás por imperiosos necessidades, fica em conta pendente! É só, ás vezes annos depois, que se escripturam definitivamente por uma liquidação geral todas as contas em suspenso.

Ora, eu desejava, que a contabilidade publica fosso feita por fórma que quasi todos os mezes se soubesse qual é a situação. Nós temos uma instituição, que é o tribunal de contas, mas não está sufficientemente bem organisado; foi copiado da Belgica, mas deixou-se de fóra muita cousa boa. Na Belgica quando o governo pede ao tribunal de contas uma auctorisação de pagamento qualquer, quer o tribunal lhe ponha o visto, quer não, esse tribunal quando a camara esta constituida, lhe remette nota completa das auctorisações de despeza pedidas, concedidas ou recusadas, e se assim se procedesse entre nós, haveriamos de saber sempre a que contas andamos.

O sr. ministro da fazenda de 1881, que se não me engano era o sr. conselheiro Barros Gomes, mandou o director geral da thesouraria ao estrangeiro para examinar o apreciar como n'outros paizes se organisava a contabilidade publica. Esse cavalheiro trouxe bastantes elementos, alguns dos quaes se aproveitaram, como já disse, para o novo regulamento que se fez, mas grande parte d'elle está sendo já letra morta.

Uma das pessoas que estranhou que eu fallasse aqui contra, o modo por que estava organisado a contabilidade publica, foi um distincto ministro que hoje faz parte da junta do credito publico, notando "que os minhas declarações poderiam prejudicar o credito publico pela gravidade que ellas tinham".

Pois quer a camara ver n'um documento, que foi distribuido é eu ha poucos dias recebi, o relatorio da junta do credito publico de 1896-1897, como a mesma junto se conforma com a minha opinião a respeito do estado em que a contabilidade se acha?

Eis o que diz o relatorio:

Era enorme o massa de titulos de divida publico, resultantes, sobretudo, de anteriores conversões e que a junta de credito publico encontrou por queimar.

"Baste dizer que os titulos convertidos em 1888 e todos os trocados pelas conversões posteriores existiam ainda em ser, uns na extincta direcção geral da divida publica,
outros na direcção geral da thesouraria do ministerio da fazenda.

"A queima d'essa enorme massa de titulos só se podia fazer depois de demoradas conferencias e registos, sendo demais complicada com a queima dos titulos convertidos em 1892-1893.

"A este serviço dedicou a junta a maior attenção e é lhe agradavel registar que, tendo-se queimado na gerencia de 1895-1896 titulos no valor de 30.037:906$300 réis, é de presumir que na gerencia corrente de 1896-1897 a queima dos titulos de conversões fique completa, ou, pelo menos, proxima do seu termo."

Mais adiante ainda diz:

"E todavia apesar da reconhecida importancia da regularidade d'este serviço, enorme era o atrazo em que elle se encontrava por occasião da reconstituição da junta do credito publico.

"Em relação aos fundos internos de 3 por cento o registo de lançamento estava dez semestres atrazado.

"Em relação ao fundo amortisavel de 4 1/2 por cento nenhum lançamento se tinha feito desde a creação d'esses fundos.

"Pelo que respeita aos fundos externos ha muito que o serviço se não fazia com regularidade; caixotes e caixotes do coupons vindos do estrangeiro encontrou a junto intactos sem sequer terem sido abertos para se verificar se o seu conteudo era realmente de coupons pagos."

Ora a camara vê por esta declaração official que um ramo importante da contabilidade publica, como é a verificação do pagamento dos coupons e a annulação de titulos, tem estado em atrazo ha muitos annos, e ainda está!

Na thesouraria geral, n'estes ultimos tempos, tem-se aperfeiçoado muito o serviço d'essa importante repartição; mas quando se quer investigar sobre emprestimos externos de epochas anteriores a 1852, é preciso recorrer a documentos estrangeiros, porque na contabilidade nacional são deficientes.

Digo tudo isto, sr. presidente, para que a camara se convença que á da mais absoluta necessidade que o contabilidade publica seja feita com a maior simplicidade e clareza e que esteja quanto possivel em dia, pois que, uma administração qualquer, publica ou particular, onde não haja boa contabilidade, onde falte uma constante e exacta verificação de todo quanto se passa, não póde prosperar e infallivelmente o seu destino será fatal.

Eu quizera que o estado da fazenda publico se podesse cada anno, pelo menos, apreciar n'um completo balanço, como se aprecia o estado de uma qualquer grande empreza, desde que todos os suas contas estejam em dia.

Vemos todos os mezes publicado o estado da divida publica fluctuante, mas isso só não basta e menos me explica ainda as differenças que encontro entre os orçamentos apresentados e os deficits que apuro; ha verbas despendidas que nos orçamentos não figuram, e outras a receber, que n'elles tambem são omissas e todos ellas só mais tarde apparecem nas contas geraes do estado, em que as ultimas publicadas são de 1891-1892.

Estas minhas considerações têem por fim affirmar bem que eu não digo que a contabilidade publica está falsamente escripturada, mas com verbas em suspenso ou em atrazo e em termos menos claros, para que cada um de nós, sem ser um financeiro ou um especialista em escripturação, a possa apreciar e fazer o seu juizo.

E a provo d'isto, é que em 1892 chegámos á suspensão de pagamentos sem que a maior parte dos nossos credores tivessem sequer suspeitado que a esse estado já tinhamos chegado.

Ficaram surprehendidos, fundados noa proprios orçamentos do estado, que não se podesse dar mais de 50 por cento aos credores externos e 60 por cento aos nacionaes, e pouco depois viu-se que nem mesmo isso podiamos

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for, tendo da reduzir ainda a um terço o juro aos credores externos.

Hoje somos obrigados a reconhecer que nem mesmo esse terço se poderá dar, se a nossa administração não for modificada sensivelmente.

Sr. presidente, tambem fiz hontem uma affirmação bem dolorosa; foi ella que estornos á beira do abysmo e, de corto, ninguem ouviu esta declaração sem magua, como eu não a proferi sem sentimento.

Mas, sr. presidente, se fiz tal declaração foi por entender ser minha obrigação fazel-a. Conheço a situação do paiz, como conheço a minha particular; e, por isso, quizerem que d'isto convencidos os dois partidos aqui reunidos aqui procurassem e concordassem no meio de, sem faltarem ás suas opiniões politicas e interesses partidarios, evitar que a ruina completa nos surprehenda emquanto ainda só póde evitar.

A minha convicção, digo-a já para não deixar dolorosas impressões em suspenso, a que a situação financeira póde ainda melhorar bastante rapidamente; e que isso se conseguiria, empregando alguns moios, aliás simples, e que não iriam aggravar em cousa nenhuma a situação actual do thesouro, nem augmentariam os nossos encargos externos, que são aquelles que mais nos incommodam.

Entendo que dentro da situação actual, sem distrahir do orçamento cousa nenhuma, sem ir aggravar os nossos encargos externos, se póde realisar uma operação de conversão dos emprestimos dos tabacos de 1891 e de 1896, da qual nos viria o necessario para, durante um periodo de cinco annos, o thesouro poder viver desafogadamente e ao mesmo tempo se poder valorisar as notas do banco de Portugal, que representam hoje grande parte da fortuna publica.

Dentro em pouco explicarei á camara em que consiste o meu plano.

Devo, no emtanto, acrescentar que não basta arranjarmos dinheiro para, durante cinco annos, vivermos em socego financeiro; é necessario tomarmos a resolução firme e decidida de, durante esse praso, equilibrarmos o orçamento, sem sobrecarregar mais o contribuinte que difficilmente póde já com o que se lhe exige, procurarmos o meio de obter de outra fonte o que nos falta para equilibrarmos o nosso orçamento e podermos satisfazer aos nossos encargos.

Sr. presidente, antes de expor á camara esse plano financeiro, aliás muito simples, e que constituirá a ultima parte do meu discurso, desejo fazer ainda algumas observações a pontos que aqui foram tratados e que, me parece, dever sobre elles exprimir a minha opinião.

Não entrarei em retaliações para estabelecer qual dos dos partidos monarchicos tem mais ou menos culpas, qual d'elles faz orçamentos mais ou menos exactos, mais ou menos exagerados, nem o que melhor ou peior administrou, tudo uso é do dominio da historia antiga.

Mas ha uma cousa que é preciso esclarecer bem: são as condições em que este governo entrou para o poder e as condições em que actualmente se encontra, e a esse respeito parece-me não dever deixar passar, sem observação, algumas affirmações que aqui se fizeram.

Tomei alguns apontamentos do primeiro discurso que aqui proferiu o illustre deputado o sr. Mello e Sousa, a quem ouvi com a maior satisfação.

O illustre deputado queixou-se de no orçamento o sr. ministro da fazenda ter fixado o cambio a 50 por cento, dizendo que era um dos mais elevados que até hoje temos tido.

Não digo que os cambios, que estavam a 50 por cento, não possam peiorar, mas a admittir a hypothese de que possam peiorar ou ficar como estão, então do que servem todos esses planos, todas essas medidas, se havemos fatalmente de morrer e é apenas questão de ser de um modo mais ou menos attribulado e lento?

Admitto que se façam grandes sacrificios, desde que esses sacrificios tenham por resultado chegarmos a uma situação em que o paiz possa viver mais desafogadamente do que tem vivido n'estes ultimos annos.

Se o sr. ministro da fazenda não tem nos seus projectos confiança maior do que a que possa resultar de um calculo baseado no cambio continuar a 50 por cento, entendo que taes projectos devem ser abandonados.

Com o cambio a 50 por cento não podemos viver.

Bem sei que ha outras nações que vão vivendo com cambios mais elevados, mas isso dá-se em outras circumstancias que influem de diversa maneira sobre os recursos dos povos.

No nosso paiz o cambio actual actua por tal fórma na vida de cada individuo que a sua elevação, ou mesmo conservação, corresponde a um imposto dos mais pesados.

Sr. presidente, importamos quasi todos os artigos de que vivemos, comestiveis e artigos mais essenciaes ao sustento, taes como: o pão, o arroz, o assucar, o chá, o petroleo, a manteiga, etc.; e desde que sobre esses artigos, que todos consomem, pesa o cambio de 50 por cento, a vida torna-se mais cara para todos, e especialmente para o pobre, que principalmente é o que mais soffre d'esse tributo.

Este aggravamento de cambio sobrevem ao mesmo tempo em que eram reduzidos os ordenados aos empregados publicos, ordenados que vinham de ha muitos annos, quando a vida era mais barata, e que, portanto, nada tinham de excessivos.

Mas desde que assim se lhes reduziu ainda os parcos ordenados, e por outro lado se lhes lançou o imposto sobre a existencia, a situação d'elles é intoleravel, (Apoiados.) e a miseria que por ahi ha é immensa. (Muitos apoiados.)

Attenda a camara quantas pessoas ha n'este paiz que ganham 500 réis por dia, o menos do que isto, e d'estes 500 réis hão de por de parte o necessario para a renda de casa, para se vestir a familia, etc., e veja o que lhes fica para comer. Poderá ficar-lhes 200 réis; e ficando-lhes apenas 200 réis, ha de cortar na quantidade da alimentação, desde que todos os alimentos encareceram consideravelmente.

E n'esta situação está quasi todo o paiz. Eu nunca vi miseria como a de hoje, e esta miseria por certo contribuo para a falta de ordem publica que ás vezes se manifesta, e que mais se receia, porque quem não é feliz, ou tem fome, não póde estar contente, e procura em qualquer cousa achar o motivo e o remedio do seu mal-estar.

Eu bem sei que ha quem eduque mal o povo e lhe diga que a miseria em que vivo provém de causas que não são as verdadeiras; mas isso mesmo constitue um perigo porque sobre o animo dos que passam privações, e muitas vezes procuram trabalho sem o encontrar.

Sr. presidente, uma das primeiras medidas que eu entendo necessarias e indispensaveis, para que o paiz viva desafogado, é uma bem comprehendida reducção do direitos em todos os artigos de primeira necessidade para o sustento do povo. É preciso que cada um possa continuar a viver como em outros tempos vivia, se não na abundancia, ao menos tendo é necessario, o indispensavel á vida, que muita gente já não tem. Basta ver o quantidade de anemicos, homens e mulheres, que se encontram n'um estado espantoso de magreza, e a grande mortalidade de creanças, para se ficar convencido de que uns e outros não têem a alimentação necessaria.

Para a industria, como para a agricultara, como para todos os serviços da vida, é preciso que o homem, que é a machina humana, e até a que dá impulso a todas as outras machinas auxiliares, tenho ao menos o alimentação sufficiente para poder dar bom trabalho; porque, do mesmo modo que uma machina de vapor dá mais força alimentada com carvão de boa qualidade do que com carvão de qualidade inferior, assim o homem, que não for bem ali-

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mentado, não póde dar aquella porção de trabalho que daria se fosse bem alimentado.

Por consequencia, eu peço ao sr. ministro da fazenda que pense bem na questão da vida e alimentação do pobre e do operario, e que reduza sensivelmente os direitos exagerados que pagam os artigos de primeira necessidade para a alimentação, porque os preços exorbitantes d'esses artigos junta a falta de trabalho sejão a causa principal do grande mal estar do paiz em geral.

Sinto, sr. presidente, não ter aqui, mas hei de ainda trazer a camara, o estudo que fiz sobre a alimentação d'umas trinta cidades da Europa.

Quer v. exa. saber qual é o paiz onde o pão, e tudo mais, é mais caro? É em Portugal.

Nós pagámos hoje o pão ordinario a 83 réis o kilogramma. O mesmo pão custa em Londres 40 réis, em Bruxellas e Anvers 37 réis.

Não ha cidade nenhuma da Europa onde elle não custe, pelo menos, 30 por cento menos do que em Portugal!

O arroz nas mesmas proporções, tres vezes menos do do que no nosso paiz.

O assucar custa 40 réis o kilogramma em Londres, e cá custa 240 réis.

Bem sei que são indispensaveis ao thesouro os recursos d'estes direitos fiscaes, mas em todo o caso póde haver mais alguma equidade para os artigos de primeira necessidade, e menos exageração em certos direitos, que chegam a ser despropositados.

A isto vão responder o sr. ministro da fazenda, dizendo: "Mas eu preciso de receitas, e você está a pregar a diminuição d'ellas".

Mas, sr. presidente, acrescentarei, já que é preciso buscar compensações e que, o que se tirar ás receitas para favorecer os mais desafortunados, se vá buscar por novos impostos lançados aos ricos, porque elles podem e devem contribuir com parte do seu superfluo para allivio dos que o não são e a quem falta o indispensavel.

De certo o sr. ministro da fazenda encontrará meio de equilibrar o desfalque nas receitas alfandegarias de que proponho a reducção indo buscar o equivalente aos rendimentos d'aqulles que melhor podem pagar.

E não cito aqui indicações especiaes por serem inconvenientes, e porque estou convencido que o sr. ministro da fazenda encontrará a solução equitativa do meu alvitre.

O illustre deputado o sr. Mello o Sousa fallou tambem nos direitos sobre os cereaes. É evidente que n'esta parte as circumstancias estão-se encarregando de dar rasto ao sr. Mello e Sousa, embora, quando o sr. ministro da fazenda elaborou o seu relatorio, as actuaes previsões fossem menos faceis de calcular. Em todo o caso é hoje certo que as condições das nossas colheitas de cereaes d'este anno vem beneficiar consideravelmente a previsão a respeito dos cambios:

Disse mais o sr. Mello e Sousa, e n'esta parte foi injusto, que o sr. ministro da fazenda tinha tanto oiro e tantas letras sobre o estrangeiro que tinha offerecido á companhia dos tabacos 560:000 libras.

A companhia dos tabacos não paga por sua conta, paga por conta do governo por serem obrigações do governo. Por consequencia, tanto fazia receber o papel do governo, como ír compral-o por conta d'este.

Censurou s. exa. a questão levantada sobre o orçamento e decreto do sr. ministro da fazenda, pedindo um credito de 5:000 contos de réis para pagar despezas não descriptas. A esta parte creio ter já respondido, mostrando os inconvenientes de deixar accumular essas verbas em suspenso, que um dia têem de ser escripturados por inteiro, com maior surpreza do que se fossem escripturadas e denunciadas logo á medida que se pagam.

Ao sr. Mello e Sonsa respondeu o sr. ministro da faceada que calculava que os cambios se aggravariam ainda mais. A isto accudo eu com a observação que já fiz, isto é: Perante uma confessada perspectiva de peiorarem os cambios como se póde pensar ainda arranjar dinheiro por meio de operações que precisamente tendem a aggravar os encargos externos?

Fallou tambem s. exa. nas economias feitas no pessoal dos ministerios.

Não me parece que seja com as economias resultantes de alguns empregos que a situação possa melhorar. É facto que em algumas repartições publicas ha empregados a mais, mas tambem ha outras em que os ha de menos, ou insuficientemente habilitados, deixando de se fazer o serviço por falta d'elles. Portanto a economia na reducção do pessoal indispensavel para o bom serviço, nao é, creio eu, bem entendida. Basta olhar para o orçamento para essas pequenas verbas que constituem os ordenados do pessoal para se reconhecer que nao ha grande cousa a poupar d'ahi. Só do ministerio da guerra se poderia realisar economia sencivel, mas a manutenção do exercito como está obedece a considerações de outra ordem superior que se não podem desattender como são a da ordem publica, da manutenção da nossa independencia e outras.

Ha, porém, uma fonte importantissima á qual não ha duvida se poderia ir buscar um grande rendimento-a contribuição predial.

A contribuição predial está mal repartida, basta calcular o numero de hectares de terreno em alguns dos districtos e applicar-lhe o que rendem para Se ver quanto certas localidade estão pouco sobrecarregadas em proporção com outras de igual valor.

Disse o illustre deputado sr. Teixeira de Sousa que o ministro da fazenda transacto quando saiu deixara no thesouro, importantes disponibilidades, não ouvi bem tudo; mas o que sei é que deixou 3:500 contos de réis; ou francos no Credit lyonnais, e que póde ter deixado ainda algum pequeno saldo no banco de Portugal, mas como é mister olhar sempre para as contas pelos dois lados, olhando para o lado do que havia a pagar, devo dizer que não deixou cousa nenhuma ou antes deixou a situação completamente exhausta tanto assim que o proprio governo regenerador antes de saír procurara fazer a mesma operação que depois fez o sr. conselheiro Ressano Garcia, isto é, um emprestimo para o habilitar a pagar os encargos do thesouro. Apesar dos taes recursos importantes em reserva não podia continuar no governo se não arranjasse uma operação que lhe d'esse meios para viver até ao fim do anno.

O que fez, pois, o actual ministro da fazenda? Repito, fez, a mesma operação precisamente que o seu antecessor tinha planeado e que só não pôde realisar, por se ter tornado inevitavel a queda do governo e não ser costume os governos fazerem operações para deixar dinheiro aos seus successores.

Fallou-se aqui tambem no desgraçado emprestimo de 1891, feito pelo partido progressista. O contrato foi feito pelo partido progressista, mas as negociações para o monopolio do tabaco haviam sido começadas no tempo do partido regenerador. As operações ultimadas com o partido progressista foram começadas pelo partido regenerador e tambem na idéa de fazer um emprestimo sobre o rendimento dos tabacos.

Foi depois que as cousas se aggravaram enormemente e que o sr. Augusto José da Cunha, então ministro da fazenda, se encontrou na situação mais difficil em que jamais um ministro da fazenda se viu, porque tudo que a uns e outros lembrava fazer era mau e não o fazer mau era tambem!

A companhia dos caminhos de ferro a fallar por um lado, o banco- lusitano e o banco do povo por outro, do emprestimo dos tabacos tres quartas partes estavam tomadas, firmes lá fóra, e desde que os tomadores do paiz declarassem não poder manter a outra quarta parte. escangalha.

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va-se o emprestimo e ficavamos n'uma situação ainda muito mais difficil.

O que sei é que o sr. conselheiro Augusto José da Cunha não reconheceu só por si as difficuldades enormes que a esse tempo surgiram, ouviu e aconselhou-se com todos os homens importantes dos partidos politicos e foi depois de os ouvir e de accordo com a opinião d'elles, em que aliás foram todos unanimes, que resolveu valer a uns e outros, por entender que assim melhor servia os interesses do paiz.

Vi as cartas e as opiniões dos homens importantes a que me referi, que aconselhavam s. exa., que os tinha consultado, a proceder como procedeu na crise difficil e incomparavel em que s. exa. se encontrou, porque, repito, nunca vi ministro da fazenda n'uma situação mais intrincada nem mais horrorosa do que aquella que atravessou o sr. Augusto José da Cunha.

Agora perguntarei: se esse emprestimo feito pelo sr. Augusto José da Cunha era tão mau, por ter consignação especial do rendimento dos tabacos, porque é que mais tarde, em 1896, o governo regenerador repetiu exactamente a mesma cousa? Tendo ficado da lei do 23 de março de 1891 por emittir 9:000 contos de réis, o governo regenerador entendeu conveniente, em 1896, fazer sobre elles nova operação e repetir identicamente a mesma que tem censurado ao sr. Augusto José da Cunha, quando podia ter deixado de o fazer!

Não quero incriminar ninguem. No momento em que nós devemos reunir todos para procurar acertar e marchar unidos para a salvação do paiz, é realmente triste estar a averiguar quem mais ou menos culpas tem do passado.

Entendo que devemos ser justos, e reconhecer que todos fizeram pelo melhor no interesse do paiz; porque eu acredito que os ministros que acceitam o poder é na idéa de fazerem boa figura e não de se desprestigiarem.

O sr. Teixeira de Sousa, creio eu, accusou o sr. ministro da fazenda de se propor leis ligadas a emprestimos, e eu tambem reprovo isso. Estamos, portanto, de accordo. Parece acontecer ao estado o mesmo que succede na vida particular áquelles que se encontram em difficuldades financeiras. Um proprietario, um negociante, um industrial quando precisa de uma certa quantia, e não a tem e está desacreditado, o que faz? Bate a todas as portas, na esperança que, se não for este, será aquelle ou aquel'outro que o attenderá.

Foi de certo igual receio, o de poder ralhar esta ou aquella proposta que levou o sr. ministro da fazenda a apresentar uma serie d'ellas, tendendo todas ao mesmo fim, o de arranjar dinheiro. Na minha opinião foi o maior peccado do sr. ministro da fazenda, commettido sem duvida na melhor intenção, porque deu em resultado com sete propostas de emprestimos ver-se na difficuldade de obter uma que satisfaça.

Porque? Porque todas levantam attrictos que se accumulam; a dos tabacos tem contra si os revendedores e os estanqueiros, e tudo isso representa em todo o paiz uma grande massa de gente descontente, porque a ninguem se tira alguma cousa que não fique descontente.

A dos phosphoros. N'esta, se não tira dinheiro, reduz-se o numero de phosphoros em cada caixa. Ora os consumidores de phosphoros, que são o paiz todo, que dizem que já haviam caixas em que se deitavam fóra uns poucos de phosphoros por não arderem, dizem agora, que se ainda tirarem parte dos phosphoros bons, poucos ficarão nas caixas aproveitaveis.

D'ahi resulta ficarem descontentes todos os que mais ou menos consomem phosphoros.

O negocio do assucar vae bulir com uma classe importante, a dos refinadores, e todos elles se oppõem.

Nos caminhos do ferro de Minho e Douro, sul e sueste, os empregados receiam, com certa rasão, pelos seus logares, outros, e são tambem numerosos, pela conservação dos passes de graça, e outros, emfim, porque do estado conseguem transportes baratos.
Tudo isto representa uma grande massa de gente em opposição no norte e no sul do paiz.

A todos estes elementos contra as propostas de fazenda veiu juntar-se outro, os indifferentes, isto é, os que não eram lesados especialmente e se não importavam nem com o tabaco, nem com os caminhos de ferro, nem com o assucar, com cousa nenhuma d'essas, mas que se irritaram os por ver essa quantidade de emprestimos, imaginando que se ía tudo embora em liquidação geral.

E ahi está, em que creio que houve erro foi em apresentar tantas propostas de emprestimos, visto que o governo não carecia de todas.

O sr. Presidente: - O illustre deputado já faltou uma hora; tem, pois, mais um quarto de hora de tolerancia.

O Orador: - O melhor será agora pôr termo a estas apreciações, que já são longas, e passar a cousa que mais interesse.

Como já disse, a nossa situação tem dois males principaes, um, é o deficit do orçamento, e outro, é o desequilibrio economico externo.

O orçamento, já expliquei, que com uma severa applicação e percepção dos impostos existentes e uma economia bem entendida na administração, póde facilmente ser equilibrado pelo sr. ministro da fazenda; o segundo mal, a questão externa, essa é mais difficil, porque o cambio obedece a uma certa ordem de factores que ninguem póde determinar e muito menos forçar; e emquanto houver o desequilibrio entre a importação e a exportação, haverá um deficit que será preciso satisfazer em oiro.

Nós não temos minas de oiro; d'antes tinhamos o Brazil, que era uma mina para nós, que desapareceu.; é preciso arranjar outra cousa que substitua o Brazil.

Os cambios, desde 1891, subiram enormemente!

N'esse anno a media do agio foi de 23,73 por cento, em 1892 foi de 30,16 por cento, em 1893 de 26,22 por cento, em 1894 de 28,71 por cento, em 1896 de 26,68 por cento, em 1896 de 31,62 por cento, e no primeiro semestre de 1897 subiu a 47,78 por cento.

Convém notar que não ha uma constante ascensão, vemos que se o agio subiu muito de 1896 a 1897, foi porque tivemos aquella grande importação de trigo, que foi preciso pagar em oiro e portanto influiu muito sobre o agio e os cambios.

O desequilibrio cambial accentuou-se exactamente depois de ter sido reduzido o encargo da divida publica, de terem sido diminuidos aos empregados publicos os seus ordenados, e de se terem lançado alguns novos impostos, o que tudo devia ter contribuido para melhorar a nossa situação!

Pergunto: como é, que depois d'essas reducções, e das vantagens obtidas por todas essas medidas chamadas de salvação publica, a nossa situação peiorou? A resposta é facil.

Nós, já desde 1853, para não ír mais atraz, temos constantemente recorrido ao credito estrangeiro. Para pagarmos os nossos deficits faziamos divida fluctuante; para pagar esta e os encargos da divida consolidada externa, realisavamos um emprestimo externo. Realisado este, tornava-se a fazer mais divida fluctuante, e assim successivamente fomos recorrendo á divida fluctuante e transformando esta depois em emprestimos consolidados, até que fatalmente tivemos de parar n'este terrivel systema por já não encontrarmos quem nos emprestasse.

Posto isto, sr. presidente, facil é reconhecer que embora damos só l por cento aos nossos credores externos esse l por cento custa mais a pagar saíndo dos recurso, do paiz, do que os 3 por cento quando sáíam de emprestimos externos. Essa é a situação.

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Ora, sr. presidente, a lei chamada de salvação, estabeleceu primeiro que se pagaria aos credores externos 50 por cento em oiro, mas não tardou que o ministro da fazenda, o sr. Dias Ferreira, viesse reconhecer que nem, isso podiamos pagar, e teve então de reduzir esses 50 por cento para um terço.

Esse terço custou muito a fazer acceitar, porque os credores, seus representantes, argumentaram que não havia rasão para se lhes reduzir tanto, quando se reduzia menos á divida publica interna, embora pelo orçamento se lhes mostrasse que a nossa situação não permittia pagar-lhes mais em oiro.

Foi então que elles invocaram o principio, aliás muito justo, que deviam partilhar com o estado, quando melhorassem certas receitas do thesouro.

Estabeleceu-se que, a contar de 1.° de julho de 1893, do excesso de direitos nas alfandegas, tabacos e cereaes exceptuados, sobre 11:400 contos de réis, é da melhoria do agio do oiro, abaixo de 22 por cento, metade seria distribuido proporcionalmente pelos titulos da divida fundada externa.

O que acontece? O agio e os cambios peioraram e os rendimentos das alfandegas melhoraram; mas na redacção do convenio não se estabeleceu, como se devia, a ligação d'esses dois factores; não podiamos ter augmento de receita sem que ella resultasse do conjuncto dos dois elementos de base, e que o augmento por um lado não fosse absorvido pelo prejuizo do outro.

Pois o resultado foi, n'um anno, ter-se repartido 540 contos de réis de augmento das receitas das alfandegas, tendo se perdido 800 contos de réis no aggravamento dos cambios! É evidente que o espirito da convenção tinha sido a melhoria que devia resultar dos dois factores, mas pela redacção da lei foram considerados isoladamente, e aconteceu que demos partilha n'uma melhoria que não existiu. Isso creio que ainda tem remedio, mas até agora não se deu, e só temos sentido os effeitos d'esse aggravamento de encargos.

Pagâmos no estrangeiro metade em oiro, do augmento da nossa receita alfandegaria, e assim, embora o interesse das alfandegas augmente para thesouro, empobrece o paiz.

Sr. presidente, convém estudar quaes são as exigencias do thesouro e das principaes companhias e emprezas portuguezas que têem encargos a pagar no estrangeiro. Podemos apreciar o saldo do commercio internacional pela comparação da importação com a exportação; mas a questão do equilibrio externo no seu conjuncto melhor podemos aprecial-a, calculando a differença entre os encargos do paiz no estrangeiro em oiro e aquillo que podemos obter tambem em oiro pelos nossos recursos, e sem recorrer ao credito.

O serviço da divida publica externa de 3 por cento exige por anno 432:000 libras; o serviço da divida externa de 4 e 4 1/2 por cento exige 244:000 libras; o bonus do convenio, as commissões bancarias e outras despezas do thesouro podem-se fixar em 200:000 libras.

O anno passado, só pelo bonus aos portadores da divida externa, pagaram-se 200:000 libras pelo augmento das receitas das alfandegas.

O serviço de emprestimo dos tabacos exige 625:000 libras.

O serviço da camara municipal de Lisboa exige 100:000 libras.

E aqui está outra cousa que eu não vejo claramente escripturada é a conta do thesouro com a camara municipal de Lisboa.

Vozes: - Está no orçamento.

O Orador: - Eu não vejo. Em todo o caso, o serviço da divida externa da camara municipal de Lisboa exige 100:000 libras.

O subsidio ao caminho de ferro de Mormugão anda por 40:000 libras. Os subsidios telegraphicos no estrangeiro 40:000 libras; as necessidades para pagamento de despezas no estrangeiro, monta a 150:000 libras.

Tudo isto dá 1.831:000 libras.

O serviço das obrigações do caminho de ferro de Ambaca importa em 87:000 libras.

O serviço dos obrigações dos caminhos de ferro do norte e leste 327:000 libras.

Isto tudo perfaz um total de 2.255:000 libras.

Quero admittir, porque não desejo exagerar nem aggravar em nada a situação, que uma parte dos titulos externos pertencem portuguezes residentes em Portugal; e avaluo que, em poder d'estes, estejam 190:000 libras; isto reduziria os encargos annuaes do paiz no estrangeiro, em numeros redondos, a 2.000:000 libras.

Agora, sr. presidente, convém ver como é que se pagam estes 2.000:000 libras. Para isto recorro aos elementos, que constituem para mim o melhor meio de apreciação da situação, e que se acham nas contas do thesouro, a saber: divida fluctuante, venda de titulos e emprestimos de 1892 até 30 de junho de 1897. Para apreciar a situação desde que se fez o convenio de 30 de junho de 1892, encontro os seguintes resultados: a divida fluctuante externa, que era de 377:585 libras, passou a ser em 30 de junho d'este anno de 918:000 libras.

Por consequencia, houve um augmento n'este praso de 540:815 libras.

Durante este mesmo tempo o governo vendeu titulos externos, que tinha em posse da fazenda, nas seguintes importancias: em 1892, 359:340 libras; em 1894,.387:814 libras; em 1895, 112:381 libras; perfazendo um total de 859:535 libras, que foram applicadas para as necessidades do thesouro no estrangeiro.

Alem d'isso, recebeu, por conte do emprestimo dos tabacos de 1896, mais 192:028 libras.

Por outro lado, vê se que a exportação do oiro, que tambem foi para supprir as necessidades dos pagamentos externos; produziu-se nas seguintes importancias:

Em 1892, foi de 9:093 contos de réis; em 1893, de 5:775 contos de réis; em 1894, de 3:055 contos de réis; em 1895, de 2:098 contos de réis; e em 1896, de 3:185 contos de réis. Total, 23:206 contos de réis.

Observo ainda á camara que no anno anterior, 1891, a exportação de oiro tinha saldo de 29:000 contos de réis, calculada a libra ao par.

Eu cito a proporção entre 1891 e os cinco annos seguintes, para a camara ver que, apesar de ter subido o valor da libra, vae decrescendo a importancia da sua exportação, d'onde se conclue que ha de vir a ser cada vez menor, porque cada vez ha de haver menos que exportar d'esse precioso metal.

Como o camara viu, foram exportados 23;000 contos de réis em oiro, durante os ultimos cinco annos. Mas deve-se abater d'essa importancia o oiro importado pelo banco de Portugal, para constituir a reserva metallica. Eis o que importou no mesmo periodo:

Em 1892 a importação do banco foi de 1:456 contos de réis; em 1893 de 810 contos de réis;, em 1894 de 1:314 contos de réis; em 1895 de 756 contos de réis; em 1896 não houve. Total 4:345 contos de réis.

Abatendo estes dos 23:000 contos de réis exportados pelo commercio, vê-se que a exportação real se reduziu a 8:661 contos de réis. Estes 18:661 contos de réis, calculados a 4$500 réis por libra, dão £ 4.191:333, as quaes juntas ás £ 1.399:950, que já tínhamos do augmento da divida fluctuante e do producto da venda de titulos, perfazem £ 5.501:283 para os ultimos cinco annos.

A esse tempo, isto é, em 1896, contratou o sr. Hintze Ribeiro o emprestimo de 4:000 obrigações dos tabacos na importancia de 20 milhões de francos. Por conta d'esse emprestimo tinha já o thesouro recebido até 30 de junho

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uma parte na importancia de £ 192:728. Juntando esta quantia ás verbas anteriores, achamos ter sido de £ 6.783:311 a quantia que por diversas fórmas foi realisada para fazer face aos encargos externos do paiz.

O sr. Presidente: - V. exa. não póde continuar porque deu a hora.

O Orador: - Pedia á camara que quarto de hora para poder terminar.

O sr. Presidente: - O regimento não permitte que v. exa. falle alem de uma hora e um quarto, mas desde que s. exa. appella para a camara eu vou consultal-a, lembrando-lhe que é uma subversão do regimento; entretanto, a camara está no seu direito em annuir ao pedido do illustre deputado.

Os srs. deputados que entenderem que o sr. conde de Burnay deve continuar no não da palavra, têem a bondade de se levantar.

A camara resolveu negativamente.

O ar. Malheiro Reymão: - Sr. presidente, é intenção e proposito meu ser o mais conciso e breve possivel na discussão e apreciação do artigo 6.° e mappa das despezas que se discute.

É tambem meu proposito procurar quanto possivel cingir-me á analyse da fixação das despezas feitas n'este artigo apreciando genericamente o criterio que parece haver presidido ao projecto, reservando a discussão detalhada das differentes despezas para quando especialmente se discutir cada um dos ministerios. Este meu proposito de ser conciso e breve resulta sobretudo das difficuldades naturaes de discutir um assumpto que é de sua natureza, arido e difficil, que apenas o sr. conselheiro Marianno de Carvalho, com aquella leveza original do seu grande talento e feitio especial da sua eloquencia, póde tratar de arte a não enfastiar a attenção da camara.

Antes de entrar propriamente na serie de ponderações que prometti fazer sobre as despesas, era minha intenção e proposito resumir o apurar com a possivel precisão a fixação do desequilibrio, do saldo ou deficit que existe entre as despezas, a que ordinaria e extraordinariamente tem de fazer face o thesouro, e o montante das receitas com que se conta para a ellas occorrer; mas vejo, sr. presidente, que por mais meditado que procurasse ser o meu estudo do orçamento, por mais attenção que eu prestasse á discussão que n'esta camara só tem feito, é uma cousa absolutamente difficil, se não completamente impossivel, chegar a apurar qual é realmente o deficit ou o saldo do orçamento, porque com uma rapidez de mutação magica ora nos apparece como saldo, ora nos surge como deficit, e tambem com uma rapidez extraordinaria nos apparece ao mesmo tempo como uma o outra cousa.

São estas surprezas que podem tomar agradavel e desenfastiam o estudo ácerca das questões orçamentaes.

Succintamente, sem intuito de entrar na apreciação e discussão das receitas, que já foram discutidas e approvadas pela camara, mas apenas como fixação quasi essencial de premissas para a ordem de considerações que tenho a fazer, permitta-me v. exa. que muito summariamente eu diga qual o deficit ou o saldo que apparece no projecto, para de ahi partir o criterio que eu reputo, devia ser o inspirador e predominante na fixação de despezas, restringindo-as ou alargando-as segundo as necessidades orçamentaes, sempre que isso fosse possivel sem prejuizo das necessidades publicas.

Nós sabemos pela declaração bem categorica e frisante do sr. ministro da fazenda, desde logo traduzida e compendiada na proposta mandada para a mesa pelo illustre relator da commissão do orçamento, que nas receitas houve uma diminuição, e a isso se refere a proposta, de reis 575:500$000, - e permitta-me v. exa. que eu assignale um facto singular! Dando-se esta diminuição de 575:500$000 reis nas receitas, parecia aos profanos consequencia necessaria o desapparecimento do saldo inscripto no projecto;
mas ao contrario d'isto á diminuição das receitas correspondeu não o desapparecimento do saldo positivo, mas até o seu augmento -porque se n'aquella proposta se não augmentassem em 110 contos de réis as despezas extraordinarias que haviam de fazer-se pelos ministerios da marinha e da fazenda, dava-se o caso singular de que o saldo, que havia sido calculado no projecta de lei em 114:364$714 réis, a não fazer-se aquella despeza extraordinaria, ascendia á quantia de 181:563$000 réis! Aprendi eu assim que o saldo do orçamento é um pouco como os buracos, quanto mais se lhes tira, maiores ficam. Eu sei, estudei e vi a serie de operações pelas quaes a um consideravel decrescimento na receita correspondeu uma parallela diminuição, uma superior diminuição nas despezas, mas ainda assim, e acceitando as correcções feitas pelo governo e pela commissão do orçamento, encontra-se necessariamente um deficit em vez do saldo tão appetecido e estimado n'estes casos. A este desconsolado resultado quiz obviar com singular habilidade e perspicácia o illustre relator da commissão, e não houve realmente pae mais carinhoso para este filho dilecto, na conceituosa phrase do sr. Marianno de Carvalho! A creança não havia tido feliz apresentação, mas com tal pericia obstetrica o illustre relator fez a versão, que a creança entrou no nascedouro e veiu ao mundo som perigo e robustinha. Eu vou dizer á camara como foi.

O sr. relator tendo feito rapidamente, o que não admira pela simplicidade da operação, as correcções determinadas por aquella declaração do sr. ministro da fazenda, encontrou, naturalmente com surpreza sua, um deficit de réis 13:169$745. Era um deficit minimo é certo, mas a. exa., com ser pretor, até com as cousas minimas se importa! Preoccupou-o este pequenino deficit, e por isso, com uma rapidez, que faz honra á sua prespicacia, foi-se á media de 12:415 contos de réis, que resultava do producto dos direitos de importação nos ultimos tres annos, e arredonda-a em 12:500 contos de réis! Ora este pequeno acrescimo, este arredondamento de 85 contos de réis não só deu para extinguir aquelle deficit de 13 contos de réis, mas ainda para o transformar em um saldo positivo de 71 contos de réis e uma pequena fracção com que apparece enfeitado o projecto actual depois d'aquella correcção. A este abençoado arredondamento se póde chamar em obstetricia orçamental, fazer a versão.

Assim, vejo eu que nas circumstancias mais favoraveis, acceitando como bons os calculos da receita, e tenho mesmo obrigação de os acceitar como bons, desde que sobre elles já recaíu uma votação da camara, acceitando como bons, repito, todos os calculos da receita, com as unicas restricções que lhes foram feitas pela proposta, que naturalmente será approvada, feita pelo sr. relator da commissão de accordo com as declarações do sr. ministro da fazendo, nós encontramos no orçamento um deficit official de 2:710 contos de réis, a que em parte se poderá fazer face com as receitas dos diferentes emprestimos projectados, de dois ou tres d"elles pelo menos, que não é logar proprio, este, para serem analysados, mas que opportuna e convenientemente serão discutidos aqui. (Apoiados.}

Ora, se nós pensarmos qual é a importancia dos recursos do thesouro, já essencialmente absorvida pelos encargos de emprestimos, pelos encargos que permanentemente pesam sobre as finanças do estado, nós encontramos, que lavemos de despender, com juros e amortisações a cargo do thesouro, differenças de cambio, garantias de juro e ouras operações d'esta natureza, uma quantia superior a 27:000 contos de réis, o que equivale a uma percentagem tambem superior a 50 por cento do total dos receitas do thesouro!

É esta circumstancias é indiferente, nem é de pôr de parte, para a apreciação do desequilibrio que ainda mais uma vez se encontra no nosso orçamento. (Apoiados.) Não é indifferente, porque se a parte melhor, a maior parte, das nossas receitas, já é necessaria e completamente absorvida

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pelos encargos que nos oneram, o que será depois com os novos encargos, resultantes dos contratos e emprestimos que estão em fermentação! (Apoiados.}

E dizia eu que isto não é indiferente, porque é principalmente esta consideração que me faz julgar de singularissima importancia e de metter medo o deficit que apparece no orçamento; não podendo deixar de invejar o optimismo e tranquilidade com que a illustre commissão do orçamento declara que este deficit não é, em absoluto, grande, mesmo para um paiz pequeno como o nosso!

Ora, eu acho que elle é extraordinariamente grande, que é enorme e pavoroso para as circunstancias de um paiz como Portugal, porque são de alarmar nacionaes e estranhos as condições financeiras de uma nação que annualmente, methodicamente se encontra com deficit nos seus orçamentos, a que não tem outra maneira de fazer face senão pelo constante recurso ao credito.

Ora, feita esta rapida ponderação a respeito do resultado das receitas que não quiz apreciar, mas apenas deixar consignado, entremos propriamente na fixação das despezas.

Parecia-me que a inspiração natural de quem tinha n'estas difficeis circumstancias de administrar os negocios publicos e de apresentar um orçamento, devia ser a reducção severa, a reducção feroz de todas as despezas, de maneira a fazer economias, que quanto possivel contrabalançassem este desastrado estado de cousas. (Apoiados.)

Apesar d'isto eu tenho a impressão do que no animo do sr. ministro da fazenda imperou principalmente a preocupação de dotar largamente os differentes serviços por fórma a não haver inesperados desequilibrios, mas note v. exa., que apesar das qualidades de exactidão, que são geralmente apregoadas no orçamento do sr. ministro da fazenda, eu tenho graves apprehensões de que s. exa. não só terá desagradabilissima surpreza pelo que toca á receita, mas também extraordinaria surpreza o espera ainda pelo que respeita ás despezas. (Apoiados.}

Se ma tivesse cabido a palavra na discussão das receitas, eu não deixaria n'essa occasião do notar a singularissima falta de cuidado com que o sr. ministro da fazenda, que no relatorio que precedia esse diploma, considerava como necessidade primaria a remodelação dos processos de lançamento e cobrança das contribuições, poz de parte uma necessidade tão instante da nossa administração!

Como é que s. exa., encontrando-se a braços com uma crise tão grave, não dedicou alguma da sua actividade e do seu brilhantissimo talento a remodelar efficazmente esse processo do lançamento e cobrança de contribuições? S. ex.a podia até encontrar, sem aggravamento de taxas, resultados favoraveis para as receitas do estado, e ao mesmo tempo não era pesado e poderia ser util ao contribuinte. (Apoiados.}

S. exa. reconhece que os processos de lançamento são hoje prejudiciaes para o estado, gravosos e desiguaes para os povos. E este ponto, em que muitíssimo havia a fazer, poderia constituir e servir de base a uma modificação efficaz nas receitas do thesouro, sem que o paiz se perturbasse e se lançasse em agitações estereis o que é sempre perigoso para a tranquilidade da nação. (Apoiados.}

Disse já, sr. presidente, que não era meu intento entrar em um detalhado exame das differentes verbas orçamentaes, por julgar que as analyses das despezas que aqui se acham calculadas serão, mais ou menos, apreciadas pela camará, quando se proseguir na discussão das dotações designadas e orçadas para fiada um dos ministerios, mas, o que eu vejo é que tão cegos nos estamos a respeito do nosso estado, e tão alegres e joviaes continuamos a ser na apreciação d'estes assumptos financeiros, que o que surge a cada passo são projectos, uns submettidos á discussão e apreciação do parlamento, e outros já com o voto das commissões, em que se visa quasi exclusiva e essencialmente ao augmento de despesas! (Apoiados.)

Veja v. exa. que n'este mesmo projecto de lei do orçamento, em que tão nitidamente se põe em relevo a penuria, o desastrado das nossas finanças, em que flagrantemente se adivinham as crueis difficuldades da nossa administração, aqui mesmo vemos artigos que encerram uma larguissima auctorisação para despezas, que por demais é illimitada, porque se lança sem fixação do montante das despezas uma auctorisação que deve levar seguramente muitas centenas de contos ao thesouro. (Apoiados.)

Refiro-me, como é claro, á auctorisação para pagar os subsidios em divida ás camaras municipaes. (Apoiados.)

Seria esta a occasião opportuna para se ir sobrecarregar o thesouro, que mal póde fazer face aos compromissos que já sobre elle pesam, com esta despeza, que nós naturalmente votaremos tão confiadamente, tão alegremente, que nem nos preoccupâmos com a importancia a que ella póde chegar? (Apoiados.}

E note-se, porque é de notar, que isto é feito de tal arte, tão illimitadamente, que o sr. ministro da fazenda fica auctorisado a pagar ou não pagar, a fazel-o em prestações ou a praso, a pagar em dinheiro ou em letras do thesouro; emfim, conforme mais agradar a s. exa. e mais convenha ás corporações interessadas, o segundo as lampadas que tiverem ou não em Meca, porque não é elemento este que se perca de vista. (Apoiados.}

E depois parece que estes projectos vem numerosos e em galhardas frotas, uns já estão dentro do porto e os outros vem ainda mais distantes, mas não correm perigo de se perder na viagem. (Apoiados.}

É assim que, com surpreza, vejo já distribuido e com parecer favoravel da commissão, e tudo isto são despesas, o que auctorisa a alteração das circumscripções administrativas e judiciaes. (Apoiados.}

Nada mais instante, nada mais necessario, nada mais tonico para umas finanças avariadas e anemicas do que uma nova circumscripção administrativa e judicial; (Apoiados.) e desde que se conheçam de antemão quaes são os seus intuitos e os seus intentos, já temos a certeza do que, conjunctamente com esta auctorisação, ha de vir uma cohorte faustosa de escrivães de fazenda, de escripturarios de fazenda, de juizes, de delegados e todas as despezas de installação que são inherentes a estes serviços. (Apoiados.)

Uma voz: - Não estão em discussão as auctorisações.

O Orador: - Não estão em discussão as auctorisações, mas estão as despezas, e ás despezas é que eu me estou referindo. (Apoiados.}

Mas, ía eu dizendo que surgiam estes projectos que trazem realmente um aggravamento notavel nas despezas, e é precisamente por este lado que unicamente os considero, porque não é meu proposito analysar projectos que hão de ser resolvidos por esta camara com o seu elevado criterio, mas quero simplesmente consignar esta jovialidade constante, este criterio inconsequente com que procurâmos e trabalhâmos pela resolução de assumptos tão sérios e que tão gravemente devem preoccupar todos aquelles que ainda têem amor a este paiz. (Apoiados.}

O que eu desejo é põr bem em relevo perante a camara os aggravamentos de despezas, precisamente o aggravamento de despezas que resulta do projecto em discussão e do outros já pendentes de approvação parlamentar.

Tambem não foi sem surpreza, e, porque não hei de dizel-o com sinceridade, tambem com muita magua minha, que eu vi que, em conjunctura tão difficil, tão apertada, não procurasse o governo fazer pelos differentes ministerios as reducções essenciaes nos serviços publicos, que tão descaroavelmente estava impondo a dura lei da necessidade.

Note v. exa., que eu prezando-me de ser justo, e procurando trazer para esta casa, com a minha modesta humildade, apenas uma opinião, que alguma couaa valha pela sua sinceridade, encontro n'esta parte attenuantes para o sr. ministro da fazenda e o sr. presidente do conselho. O

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sr. ministro da fazenda tinha realmente, e muito, que preocupar-se com a fadigosa tarefa de se pôr a par das difficuldades financeiras que de todos os lados o assediavam, o pousar na maneira de atalhar as presentes e attenuar e vencer as futuras! O sr. presidente do conselho nacional tinha desculpa.

Bem lhe bastavam as suas preoccupações eleitoraes, que foram e creio que são ainda o seu pesadello. (Riso. - Apoiados.)

Mas os illustres titulares das outras pastas, a cuja esclarecida inteligencia e desejo de bem servir o paiz, me apresso a render homenagem, que tanto podiam e deviam fazer na remodelado dos serviços publicos, nos ministerios a cargo de s. exa., porque não apresentam a esta camara um unico projectosinho, tendo tido tanto tempo disponivel, projecto que visassem a fazer efficaz reducção nas despezas publicas? (Apoiados.)

E eu digo não apresentaram a esta camara, porque não ha ministro, por mais corajosa que seja a sua resolução, que por si só, seja capaz de fazer uma obra perfeita e insuspeita, no tocante á organisação dos serviços publicos, tendo como fim a indispensavel e necessaria economia, sem que desde logo o assediem todos os embaraços, sem que lhe surjam difficuldades a todo o momento. Por maiores que sejam as suas qualidades de administrador não é capaz de fazer uma obra que se imponha a consideração de todos, o que só limite o restrinja quanto possivel aos actuaes recursos do thesouro. Por isso eu vejo a necessidade de se fazer com a discussão a approvação do parlamento essa essencial reducção de despeza nos diversos serviços, cruelmente imposta pela crise deploravel que esmaga o paiz.

Mas dizia ou ha pouco que me parecia que a preoccupação do sr. ministro da fazenda nunca fôra a necessidade de atalhar e reduzir as despezas publicas, parecendo que pouco só importa com isso, e antes o seu desejo, segundo parece o transparece no relatorio que procede a proposta de lei, fui diminuir ás proporções verdadeiras a receita o dotar largamente todos os serviços do fórma que d'ahi não resultassem desequilibrios futuros.

Preoccupou-se pouco, e muito mal fez, em conseguir uma severa reducção nas despezas, e concentrou todo o seu cuidado em procurar que ficassem sufficientemente dotadas no orçamento, mas s. exa. ha de ter surprezas duras a esse respeito, e faço justiça ao seu claro talento de que as experimentará desde já, como já os previa desde muito. E tanto não era essa a sua preoccupação, que havendo no orçamento anterior uma verba de alguns milhares de contos destinada ao ministerio da guerra, lhe augmentou essa verba em mais 300 contos de réis para fazer face aos dispendios com o serviço de 3:000 soldados, alem dos 18:000 calculados primitivamente no orçamento do sr. Hintze Ribeiro.

Eu sei perfeitamente quanto se interessam os esclarecidos officiaes do nosso exercito pela discusão da instrucção militar e quanto desejam por isso que hajam grandes unidades; mas nas aportadas circumstancias do thesouro, quando se está á beira do tal abysmo e precipício em que ha pouco se fallou, desde o sr. ministro da guerra, apesar da sua extrema dedicação pela instituição que dirige, até ao mais humilde official dos corpos, estou certo que, reconhecidas as instantes urgencias do thesouro, não haverá ninguem que duvide auctorisar com o seu voto e dar o seu apoio a uma reducção de força publica, que deverá ír muito abaixo dos 18:000, talvez a 10:000 ou 12:000 homens, poupando-se assim um milhar de contos de réis, e esta reducção, que em nada affectava a actual fixação dos quadros, representaria uma melhoria no nosso orçamento pela correlativa diminuição de despeza.

É preciso que estudemos este assumpto com o bom desejo de fazer alguma cousa; porque, repito, as circumstancias são de uma gravidade excepcional, e de pouco servirá a instrucção militar com umas finanças perdidas e avariadas que não dão nem para comprar armamentos, nem para tirar alguma utilidade d'essa instrução, pois nem ao menos nos poderemos dar ao luxo do mandar fazer manobras!

Em contrario d'isto vemos apresentar á resolução e apreciação da camara um projecto de iniciativa ministerial que implica consideravel augmento de despeza, e é o que que cria mais duas baterias de montanha, meio indirecto de fortalecer o nosso orçamento!

É mais um, e quantos mais virão, só isto durar muito tempo!

Ha mais, porém, sr. presidente!

Recordam-se muitos, se não quasi todos, d'aquella opposição violenta e estranha, d'aquella braveza com que foram censuradas e discutidas as resoluções do ministerio transacto quando mandou ao estrangeiro differentes officiaes de marinha, a fim de fiscalisarem a construcção dos navios do guerra encommendados pelo estudo. Pois não obstante isso, o governo conservou-os, no que aliás fez muito bem, e mandou ainda os numerosos officiaes que reputou essenciaes e necessarios, e apparece agora já inscripta no orçamento uma verba de 32 contos de réis, o que quer dizer que se dá permanencia e fixidade aos abusos que tanto sem rasão se censuravam, mas que por sua natureza deviam considerar-se como temporarios e nunca como encargo constante do orçamento.

Creio poder fazer o prognostico á camara de que ninguem mais toca n'esta arca santa, os 32 contos do réis. Isto fica para sempre emquanto houver orçamento no paiz.

N'esta discussão perfunctoria e rapida das despezas previstas e imprevistas, mas já á vista, procuro assignalar os factos no conjuncto porque não quero antecipar a discussão detalhada, individualmente por ministerios, mas agora occorre ao meu espirito a despeza com o palacio da justiça.

Eu estou em duvida sobre a classificação a dar a esta obra. Parece que similhantemente á divindade, tem duas naturezas, a receita por um lado, e a despeza pelo outro. Figura na receita. É uma construcção que deve ser uma despeza. (Apoiados.)

Ora, francamente, n'um paiz quasi insolvente, que não póde já pagar aos seus credores externos, construir um sumptuoso, um faustoso palacio de justiça, parece desatino maior da marca! (Apoiados.) 1:200 contos de réis, isto é, mais de l milhar de contos de réis, para uma obra improductiva do que nunca deverá resultar beneficio algum, e que nos colloca n'uma situação desastrosa perante os portadores dos titulos en souffrance da nossa divida. (Apoiados.) Como ensaio, como experiencia, para saber até onde a construcção de determinada obra podia representar allivio para o thesouro pelo desvio dos operarios que tem a seu cargo, poderia talvez até certo ponto justificar-se desde o momento em que essa obra podesse ser reproductiva, e sobretudo desde que fosse necessaria. A construcção, porém, de um palacio de justiça, sobre ser desperdicio indefensavel, despeza exagerada e improductiva, encargo desmarcado demonstra ainda aos nossos credores que somos incorregiveis reincidentes! Que havemos nós de dizer aos credores estrangeiros quando elles vejam por cima d'aquelle celebrado tapume o arrebique das cantarias d'essa faustosa construcção? (Apoiados.)

Não sei, francamente, que responder, porque não vejo resposta facil a essa naturalissima interrogação. Lembra-me o caso d'aquelle devedor remisso, que imprevistamente surprehendido por um irrascivel credor, em acto flagrante de comer um magnifico e delicioso peru, atalhou á observação naturalmente irada do credor: - Não se espante você de me encontrar comendo peru. Matei-o por necessidade, por não ter que lhe dar de comer. (Riso.) É exactamente a rasão por que construimos o palacio da justiça, não é por luxo, por fausto, é apenas por necessidade! (Apoiados.)

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Depois d'isto uma pergunta occorrerá naturalmente ao espirito de todos nós.

O que nos espera? O que é que nos está reservado para o futuro e que futuro nos reservam? E á este, diga-se a verdade, o grande erro, o erro imperdoavel do sr. ministro da fazenda. S. exa. refere-se no seu relatorio á uma phrase de Bismarek e sabe por isso que o grande chanceller acrescentava que á politica era rigorosamente applicavel o distico inscripto sobre a porta de uma escola de silvicultura: "Colhemos o que não sementámos, sementámos o que não podemos colher".

É este criterio de responsabilidade, esta essencialidade de largueza de vistas, esta qualidade de prescrutar no futuro a repercussão das medidas actuaes que constituem a essencial caracteristica dos homens d'estado, que não devem fazer apenas obra pessoal e egoista, mas a obra continuada e commum dos interesses e melhoria da nação.

Nós realmente colhemos o que não sementámos e sementámos o que não poderemos colher.

as a nossa sementeira de desperdicios e loucuras foi tão larga, tão intensa a sua cultura, que já hoje estamos colhendo os fructos d'essa destemperada administração. (Apoiados.)

(Áparte que não se ouviu.)

A responsabilidade cabe a todos e para todos chega, pesa igualmente sobre todos os partidos, pesa igualmente sobre governantes e governados. (Apoiados.)

São estes envenenados fructos, d'essa destemperada administração que nós estamos colhendo; e é por isso, que cada vez desce mais sobre o espirito publico esta sombra de incerteza, este cansaço desanimado, a passividade da indifferenca!

A nossa má administração, o nosso perdularismo, foram lauta mesa de agiotas, panno verde onde se fizeram e desfizeram fortunas, e annos seguidos de plena paz, sem commoções internas ou externas de qualquer ordem, houvemos de faltar á fé dos nossos contratos, reduzindo o juro das nossas inscripções! Nos negocios mais intimos da nossa administração a constante intervenção das chancellarias estrangeiras, e não ha já restricções de sujeição ás nossas leis, de nacionalisação de sociedades; concessionários ou emprezas que sejam obstaculo bastante forte ás ousadas intervenções de estranhos! E tudo isto porquê?

Uma voz: - Infelizmente.

Infelizmente porquê? Porque gastámos doidamente, allucinadamente, imprudentemente, e ás nações, como aos individuos, o abuso do credito reduz e conduz a uma subalternisação, a uma inferioridade que se não póde disfarçar, nem esconder.

É, pois, bem preciso que todos nos juntemos e unamos n'uma só conjucção de esforços, e façamos uma larga sementeira de principios de boa administração, um trabalho, de catechese, e alento a todas as energias de bem fazer que existem latentes no corpo nacional; o sobretudo que façamos desapparecer de uma vez para sempre essa onda suspeitosa, que suja e salpica os nossos caracteres e que a todos igualmente nos conspurca e igualmente nos mancha.

Tenho, dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)

O sr. Frederico Laranjo (relator): - Sr. presidente, foi grato para esta camara ouvir o illustre deputado que acaba de fallar, que no seu discurso revelou dotes de palavra e de pensamento. (Apoiados.)

Disse s. exa. que "nos unissemos todos n'esta conjunctura suprema para que alcancassemos administrar de um modo proficuo para a nação e a podessemos salvar n'este resvaladeiro em que ella vae".

Essa união que s. exa. preconisa, já foi pedida d'este lado da camara (Apoiados); já foi pedida por mim.

Estimo encontrar-me com s. exa. n'este pensamento, porque as criticas circumstancias que o paiz atravessa, exigem, não que nos degladiemos em pugnas estereis, mas que unamos todos os nossos esforços fará que o possamos levantar e arrancar do estado em que caíu. (Muitos apoiados.)

Recordo-me de uma circumstancis que se deu nos Estados Unidos, quando tinham acabado a obra da sua emancipação pela guerra. Veiu depois a anarchia; não se atinava com a fórma de governo: queriam uns, os estados pequenos, que cada estado tivesse igual numero de votos; os estados grandes queriam que os votos fossem proporcionaes á população.

N'estas circumstancias os representantes do paiz cerraram as portas do parlamento o disseram: "Unidos e um segredo, sem preoccupações de amor proprio, tratemos todos do bem do paiz; vamos a ver se podemos resolver esta questão de maneira que, em vez de surgir uma guerra civil, surja um grande estado." E á força de se fallar nos interesses publicos, saíu d'ali uma fórma do governo, que admira o mundo - a fórma do governo federativa.

Nas circumstancias actuaes, não digo que fechemos as portas do parlamento, mesmo porque para experiencia do que ellas costumam ser, não posso ter enthusiasmo pelas sessões secretas; mas, conservando as portas d'esta camara abertas, discutamos simplesmente no parlamento aquillo que é absolutamente necessario, para que, como diz a constituição, d'aqui saiam leis sabias e justas. (Apoiados.)

E para esta união que s. exa. appella e para que eu appello tambem; faça ouvir essa voz de sensata e nobre concordia a esse lado da camara; eu asseguro-lhe que d'este lado será attendida e seguida. (Apoiados.)

Mas disse s. exa. que o que fez com que se não chegasse a esta união foi o decreto de 25 de fevereiro d'este anno. Futil e triste pretexto para este desenvolvimento de iras! Esse decreto, como já demonstrei ha dias, não contrariou nem a verdade dos factos, nem os interesses publicos, é o bem do paiz está acima de questões de amor proprio! (Apoiados.) Isso é muito pouco para estarmos aqui n'estas hictas em quem estamos.
Eu tenho correspondido assim a este appello de união; appello de unido
que traduz uma idéa, que n'uma conversa particular apresentei ao illustre leader da opposição, e que digo em publico, porque estou plenamente convencido de que isto, a discussão serena e desapaixonada dos negocios publicos, é uma necessidade das nossas circumstancias. (Apoiados.)

Dito isto permitta-me o illustre deputado que eu responda ás observações que a. exa. fez sobra o orçamento.

O illustre deputado começou por se admirar do seguinte: affirmar o sr. ministro da fazenda que os direitos de importação soffriam uma reducção mais importante do que aquella que s. exa. tinha já feito, e depois, em vez de apparecer augmentado o deficit, apparecer augmentado a saldo.
Disse o illustre deputado que isto era uma maravilha.

Parece, mas apesar d'isso não tem de que se maravilhar, e a affirmação que o espanta é um facto.

S. exa. sabe muito bem que nos direitos de importação e nos de exportação, quando a sua, importancia seja superior a 11:400 contos, no que exceder esta somma, têem uma participação de metade os credores externos pela divida publica; ora, pela diminuição da receita d'estes direitos, essa partícipação diminuiu mais do elles diminuíram relativamente ao calculado, e é por isso que apparece um saldo em vez de um deficit.

Com effeito no orçamento rectificado os direitos de importação estavam calculados em 12:991 contos; mas pelo que produziram este anno, 11:478 contos, a media dos tres annos baixou a 12.415:500$000 réis; diminuiram-se portanto no calculo das receitas 575 contos; mas correspondentemente áquelles 12:991 contos calculados e em di-

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reitos de exportação, 351 contos, a participação dos credores extemos tinha-se calculado em 971 contos, e porque foi apenas de 228 contos, ha que diminuir 642 contos; sendo a diminuição na despeza maior que na receita é claro que apparece um saldo e não um deficit; o facto é dos dominios da arithmetica e não uma maravilha.

Disse tambem s. exa. que vamos n'um caminho perigoso, porque ha diversos emprestimos em fermentação.

A respeito de emprestimos devo dizer que o que importa, não é o emprestimo, é o emprego que elle vae ter. (Apoiados.) Se o paiz não tivesse uma divida fluctuante de mais de 40:000 contou, divida que não se póde conservar no estado em que está, porque é um perigo, e porque desvalorisa a circulação das notas do banco, eu diria que não ora necessario fazer emprestimos; mas fazer emprestimos para com elles se pagarem emprestimos anteriores, se o encargo do empréstimo é menor o se a amortisação é mais rapida, não é de certo uma ruim operação (Apoiados), antes uma operação util e necessaria.

Declarava hontem aqui o sr. Marianno de Carvalho, quando lhe faltavam da sua gerencia, que elle tinha feito diversos emprestimos, e que uma parte d'elles tinha sido para pagar emprestimos anteriores, e que d'esses emprestimos, em vez de resultar augmento de encargos, tinha resultado diminuição d'elles. Acceito esta doutrina.

A mim o que me importa, é o destino que o emprestimo tem, e o encargo que elle tem, comparado com os emprestimos anteriores a que se vem substituir.

Perguntou o illustre deputado porque é que, nas circumstancias em que o paiz se encontra, não remodela o sr. ministro da fazenda as diversas contribuições, e acrescentou s. exa., sem lhe augmentar a taxa, porque este augmento de taxa era impossivel.

Pois o partido que o illustre deputado apoia, esteve quatro annos no poder e não pado durante esse tempo remodelar senão pouquissimas contribuições; e quer agora s. exa. que estando ha tão pouco tempo o actual ministerio no poder, tivesse já remodelado todas as contribuições! (Apoiados).

Alem d'isso no relatorio dizia-se que a doença que mais affligia o paiz era o agio do oiro, era a da depreciação da circulação monetaria, doença que era necessario combater.

Foi este problema, que mais chamava a attenção do sr. ministro da fazenda, de que s. exa. se occupou de preferencia á questão da remodelação dos impostos, por ser mais urgente e mais instante. (Apoiados).

Vão-se-nos embora todos os annos, só ao estado, mais de 3:000 contos no agio no oiro; 6 a isto que é preciso acudir, é o principal problema, a principal questão, sem a solução da qual o augmento do producto dos impostos é absorvido n'esta voragem. Isto não quer dizer que o ministro não se occupe da remodelação dos impostos, mas é preciso, é conveniente pelo menos, ter procurado primeiro obviar ao agio excessivo do oiro.

Estranhou o illustre deputado que no projecto se consignasse differentes desposas, sendo uma d'ellas o pagamento ás camaras municipaes dos subsidios em divida para construcção de estradas, o que na occasião em que o estado se encontra em tão apuradas circumstancias se vá onerar o thesouro com mais encargos do que já existem.

Eu direi a v. exa. que se as circumstancias do thesouro são criticas, as das camaras municipaes são identicas ou ainda peiores, e por isso não admira que o estado queira pagar aquillo que se lhes deve. Não é uma despeza que se augmenta; é uma despeza que se inscreve, uma divida que se paga.

Admirou-se tambem s. exa. que se propozesse pagar ás camaras em letras do thesouro ou pela fórma que for julgada mais conveniente.

Isto foi um meio de facilitar o pagamento, e se este tiver de fazer-se em letras do thesouro, o que o estado faz n'este caso é acrescentar a sua garantia ao credito das camaras para ellas poderem levantar as quantias necessarias para construcção de estradas.

Disse ainda s. exa. que esses pagamentos se hao de fazer de preferencia a quem tiver lampada na casa do Meca.

Permitta s. exa. dizer-lhe que em relação aos pagamentos aos fornecedores e empreiteiros, o governo pagou a todos sem distincção, e o mesmo fará quanto ás camaras municipaes.

Fallou tambem o illustre deputado na reforma da circumscripção administrativa e judicial, dizendo que não era por necessidade instante qne se fazia essa reforma.

Ora, pergunto eu. Quando esteve no poder o governo transacto, havia, porventura, necessidade instante de reformar a circumscripção administrativa, judicial e eleitoral? De certo que não. (Apoiados.) Então podia o illustre deputado bradar ao seu partido que estava sem necessidade e sem utilidade fazendo reformas politicas e administrativas; agora é necessidade instante reformar aquillo que mal reformado foi, sem necessidade nenhuma. (Apoiados.) O que se faz ou se vae fazer agora é restituir aos povos as garantias que tinham. (Apoiados.} Haverá juizes, escrivães e escripturarios, disse s. exa.

O serviço ha de fazer-se com o pessoal que existir, sem augmento de despeza, porque pelo facto de se ter feito a reforma, o pessoal não deixou de perceber os seus vencimentos; a quando se trata de redacção nas despesas publicas é necessario não só cortar com a despeza que faz o estado ou que fazem as corporações administrativas, mas tambem calcular as que fazem os particulares, as que se lhes augmentam quando certos serviços publicos se extinguem ou se distanciam.

Se uma povoação, pelo facto de deixar de ter a sede do concelho a uma determinada localidade mais distante, diminue a sua despeza em 100, augmentando todavia a despeza publica do estado ou do corpo administrativo em 50, ou não digo que ha augmento de despeza; ha uma economia ; porque, embora haja augmento de despeza para o thesouro do estado ou de municipio, ha economia para a nação. A questão não é - como é que os serviços são mais baratos para o estado ou para os corpos administrativos, mas sim como é que são mais baratos para a nação, para o povo.

Disse o illustre deputado que o sr. ministro da guerra tinha collocado no orçamento do seu ministerio a quantia necessaria para mais 3:000 praças do que as que estavam no orçamento anterior; é verdade; mas que havia de fazer, se essas 3:000 praças existiam? Havia de pagar-lhes e sonegar a despeza, como fazia o orçamento anterior?

Havia de licencial-as? Eu lembrei esse alvitro ao sr. ministro da guerra quando se tratava do orçamento; pedi tambem isso, mas s. exa. respondeu-me: que não queriam ser licenciadas e elle não as podia pôr fóra. Era preciso que todos os annos se tivesse pedido um menor contingente; mas desde que se pede todos os annos um certo numero de praças, o que resulta é isto. Se concordassemos todos, militares e não militares, em diminuir o contingente annual, creio que, sem inconveniente, se poderia chegar a uma apreciável diminuição de despeza; mas era preciso para isso que estivessem pacificadas as colonias e sem receios de perturbações de ordem o reino. A desorientação dos espíritos é uma origem de conservação e de augmento de despezas, que por outra fórma se poderiam reduzir. (Apoiados.)

Fallou s. exa. tambem da construcção do palacio de justiça e disse que esse palacio tinha duas naturezas, uma do despeza e outra de receita, e clamou: para que é necessario um luxuoso palacio de justiça, quando o paiz atravessa uma situação tão angustiosa?

S. exa. sabe que é exactamente pela crise que o paiz tem atravessado, que havia uma multidão de operarios a que foi necessario dar trabalho, e que é necessario continuar a dal-o; a questão é dar trabalho que produza algu-

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SESSÃO N." 05 DE 3 DE AGOSTO DE 1897

ma cousa, e não mandal-os pintar menos por esse paiz fóra, gastando-se com isso annualmente mais de 1:500 contos de réis.

O ministerio actual, logo que chegou ao poder, lavrou um decreto que é a melhor cousa que se tem feito a respeito de operarios até agora, e depois d'isso o sr. ministro da fazenda procurou, por meio de uma das suas propostas, desonerar o estado do alguns d'esses operarios; não se póde fazer outra cousa, porque não se póde atirar com essa gente para a miseria, pois que elles, como os operarios de Lyão, arvorariam a bandeira negra das revoltas da fome, e gritariam como elles: ou viver trabalhando ou morrer combatendo. (Apoiados.}

Que vivam trabalhando - é este o desejo do coração de nós todos; mas, palacio da justiça ou outras quaesquer obras, que o seu trabalho seja productivo e que se veja, e que o estado procuro, como procura agora, ir fazendo passar gradualmente essa massa de operarios do trabalho de estado para as empresas particulares, da concentração perigosa na capital para a dispersão pelos pontos da província onde sejam necessarios. (Apoiados.)

Não tenho mais nada a dizer ao illustre deputado, que cumprimento pela sua estreia n'esta casa, que foi muito brilhante e promettedora, mas quero dizer ao sr. deputado conde de Burnay alguma cousa a respeito da asserção que s. exa. aqui fez hontem o que póde deixar, inquietos todos os portuguezes.

S. exa. disse que de 1892 a 1897 encontrava defeito no valor de 14:197 contos de réis, numeros redondos 14:000 contos de réis; mas ía á divida fluctuante e com grande pasmo encontrava 27:000 contos de réis, havendo, por consequencia, entre a divida fluctuante - e os deficits que ella devia representar, uma; differença de 13:000 contos de réis, sem saber onde estava essa quantia. Não era por certo defeito de alguem, mas de escripturação; não a havia relativamente a estes 13:000 contos de réis!

Isto não é exacto. Um paiz que n'estas alturas de civilisação tivesse uma escripturação feita do modo quo não apparecessem 13:000 contos de réis, que não se soubesse para onde tinham ido, como se tinham gasto, em um paiz perdido, de cuja burocracia e governo se não podia confiar cousa alguma.

A administrado de 1892 a 1897 não foi uma administração progressista. Eu podia dispensar-me de responder a s. exa., mas em nome do decoro de todos os governos e do paiz, preciso dizer-lhe francamente que não sei aonde e como s. exa. foi descobrir tal cousa. (Apoiados.)

O raciocinio de s. exa. não tem, como vulgarmente se diz, ponta por onde se lhe pegue. S. exa. foi, creio eu, ao mappa n.° l, e dir-me-ha se estou enganado, pagina 119 do relatorio, tirou os deficits d'estes quatro annos, 14:197 contos de réis; depois s. exa. parece que foi ao mappa da divida fluctuante, pagina 146, e encontrou lá: divida fluctuante em 31 de dezembro de 1892, 27:000 contos de réis. Parece que fui d'aqui que s. exa. tirou a comparação. Se s. exa. tivesse comparado a divida fluctuante que havia antes de 1892, e de 1892 a 1896 apurasse a differença, e essa differença fosse de 27:000 contos de réis, teria rasão, mas fazendo a conta como deve ser feita, a divida fluctuante é de 7:550 contos de réis; os deficits d'esses annos não chegam, pois, a estar todos representados n'essa divida.

Não tenho a segurança de que esta resposta á asserção de s. exa. seja cabal, porque não pude seguir bem os elementos do seu calculo; mas do que eu estou seguro é que em Portugal não ha, nem governo, seja de que partido for, que suma, nem burocracia que não escripture tão grande quantia como a de que se trata. (Muitos apoiados da esquerda da camara.) Podem os governos ser imprevidentes, como o povo a que presidem, póde a burocracia ser apegada a tradições, mas nem ao governo, nem á burocracia, faltam a honra, as aptidões e o zêlo indispensavel para que não se commettam tão grandes faltas. (Apoiados.}

Quando sejam melhor conhecidos os elementos de calculo de s. exa., poderá refutar-se mais plenamente; o que eu digo é um protesto contra esse calculo, de certo errado, protesto, não em nome do meu partido, que nada tem com isso, mas em nome da honra do paiz, que é de todos os partidos, que é de todos os portuguezes, e por isso de todos nós. (Apoiados.)

Tenho dito.

O sr. Carlos José de Oliveira: - Mando para a mesa, por parte da commissão da administração publica, o parecer da mesma commissão sobre a proposta de lei n.º 22-A.

A proposta tem parecer da commissão de saude publica, que vae junto.

A imprimir.

O sr. Conde de Burnay: - Antes de continuar na narração que fiz, sobre o estado da fazenda publica, devo dizer á camara que ouvi com muita satisfação as declarações do illustre deputado o sr. Reymão, bem como as do sr. dr. Laranjo, sobre as boas disposições que de parte a parte da camara ha, em accordar e trabalhar toda unida, para o que todos aspirâmos: o bem do paiz; e assim sairmos da situação official em que nos encontrâmos.

Tenho a ponderar ao sr. dr. Laranjo, que s. exa. fez os seus calculos orçamentaes por fórma bem differente d'aquella que eu fiz os meus; e se s. exa. tivesse ouvido bem o modo por que fiz a minha exposição ácerca da nossa situação financeira, s. exa. teria reconhecido que eu disse claramente que o augmento da divida fluctuante era precisamente aquelle que s. exa. indicou. Mas para chegar a esse resultado eu nem sequer olhei paru a tal pagina, a que s. exa. diz que eu recorri! Fiz a conta dos meios a que o governo recorreu durante os cinco annos, contando não só com a divida fluctuante interna e externa, mas tambem com todas as outras quantias que o governo levantou para occorrer ás necessidades da administração publica.

Agora vou continuar nas considerações que estava fazendo, quando fui interrompido, a ultima vez que fallei, por ter expirado o tempo que me era dado pelo regimento.

Tinha chegado ao ponto em que demonstrei que 5.750:000 libras fôra a importancia necessaria para, durante os annos economicos de 1892 a 1897, occorrer aos encargos do paiz no estrangeiro, constantes das verbas que enumerei.

Ora, sendo estas de 2.000:000 libras resulta que a quantia que ainda faltou para satisfazer a esses encargos, depois de realisadas no estrangeiro as sommas em oiro, a que me referi, foi, em cada anno, de 846:000 libras.

Este deficit de 846:000 libras como se satisfez? Satisfez-se comprando papel no mercado proveniente das operações commeroiaes, que foi pago com notas do banco de Portugal.

Temos agora a apreciar os movimentos que nas outras contas se operou.

A divida fluctuante interna, que em 30 de junho de 1892 estava em cerca de 20:000 contos de réis, ficou em 30 de junho de 1897 em mais de 33:000 contos de réis, o que representa um augmento de 12:000 e tantos contos de réis.

Parte da divida fluctuante que existia foi transformada por uma operação com o banco de Portugal, n'um emprestimo de 8:000 contos de réis, o que eleva a conta a 20:000 contos de réis.

Durante o mesmo espaço de tempo a circulação fiduciaria, que em 30 de junho de 1892, era de 43:000 contos de réis, em 28 de junho de 1897 estava em 60:526 contos, tendo, portanto, augmentado em 17:562 contos de réis.

A reserva metallica, que em 30 de junho de 1892 era

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de 1:890 contos de réis em oiro e 470 contos de réis em prata, em 30 de junho de 1897 subiu a 4:670 contos de réis em oiro e 3:S91 contos de réis em prata.

O augmento foi, pois, de 2:950 contos de réis no oiro e de 3:421 coutos do réis na prata, ou sejam 6:371 contos de réis.

Pelo apuramento d'estas cifras chega-se á conclusão que nos cinco annos decorridos desde a lei de salvação de 28 de fevereiro de 1892 a situação do thesouro aggravou-se nos capitulos e verbas seguintes:

Augmento da divida fluctuante externa - 522:515 libras.

Producto de venda da titulos externos na posse da fazenda - 859:535 libras

Producto da parte do emprestimo de 1896 dos tabacos - 192:028 libras.

Estas quantias perfazem 1.073:978 libras que, ao cambio par, equivalem em numeros redondos a 7:082 contos de réis. Juntando a estes o augmento da divida fluctuante interna de 12:121 contos de réis e o emprestimo do banco de Portugal de 8:000 contos de réis, temos um total de 27:203 contos de réis.

Foi por estes meios que consegui apurar, que em cinco annos se levantaram, por diversas fórmas, 27:000 contos de réis para poder satisfazer os encargos do thesouro, o que corresponde a um deficit annual medio de 5:400 contos de réis!

Este deficit não o apurei pelos orçamentos, lá não existe; fui buscal-o ás contas e estatisticas officiaes e não tenho nem póde haver duvida nenhuma a respeito da sua perfeita exactidão.

A par d'este agravamento da situação do thesouro o paiz durante os mesmos cinco annos empobreceu em 18:861 contos de réis de oiro que exportou; a circulação fiduciaria elevou-se de 18:865 a 60:562 contos de réis, coberta por uma reserva metallica apenas de 12:961 contos de réis, sendo 3:421 contos de réis em moeda de prata; o commercio, agricultura e industria, pela subida e constante oscillação do cambio, soffreram prejuizos que são incalculaveis.

Diante d'este quadro é forçoso reconhecer que carecemos obter para o equilibrio dos encargos externos 800:000 e tantas libras, a que monta o deficit cambial, suppondo quo a situação fique a mesma.
Desde, porém, que ella possa melhorar, quando não seja senão nos cambios, naturalmente diminuirá logo proporcionalmente a gravidade.

De que primeiro se deve tratar, pois, é do ver qual o meio mais pratico o economico de conseguir que no estrangeiro se obtenham os fundos necessarios para duas cousas: a primeira é para fortalecer o banco de Portugal, a fim de que as suas notas, que representam, como já disse, a fortuna publica, não sejam apenas um papel com uma somma impressa, mas sim um titulo que represente um valor real e de confiança ao publico; e isto é tanto mais necessario, que tenho a convicção de que ainda ha de ser preciso por muito tempo recorrer á circulação fiduciaria, porque a nota é hoje e será ainda durante alguns annos a unica moeda corrente, e para que d'ella se possa usar e aproveitar sem receio é preciso valorisal-a convenientemente.

A segunda cousa a que é preciso pôr um dique é á questão cambial, (Apoiados.) porque não podemos viver com ella, nem o commercio póde estar sujeito ás constantes oscillações a que dão lugar umas vezes maiores necessidades, apenas temporarias, que augmentam a procura e o agio, e outras vezes meras especulnções.

Para remediar a estes males convém, com relação ao banco de Portugal, fazer-lhe um lastro que não custe caro e no mesmo tempo que dê garantia absoluta do seu valor. Será de todo inutil, e excessivamente caro, levantar oiro para o depositar improductivo no banco de Portugal.

Admittindo que o banco, dentro de cinco annos, já possa recomeçar a convertibilidade das suas notas, o encargo ou prejuizo do oiro levantado e improductivo no banco durante esse praso, representaria perto de 50 por cento do valor d'esse mesmo oiro.

Para que constituir uma reserva metallica sem utilidade, para o effeito da circulação das notas, emquanto não são convertiveis?

O que se deve é tratar de dar garantia ás notas, com valores que se possam facilmente realisar, quando o oiro for necessario.

Falla-se em emittir titulos, para com elles levantar um emprestimo em oiro a 6 por cento e deposital-o depois no banco, para fortalecer as suas reservas. Porque não havemos de dar ao proprio banco esses titulos valendo oiro e que não venceriam juro?

Se são bons para o estrangeiro nos emprestar dinheiro sobre elles, bons são para constituir reserva do banco, e elle os poder vender, quando quizer restabelecer a sua circulação.

O governo hespanhol tambem recorreu a esse meio, e assim pôde o banco de Hespanha conjurar em grande parte as dificuldades com a guerra de Cuba e das Filippinas, prestando grandes serviços ao seu paiz.

Este systema não é novo.

A maior parte dos bancos da America do Norte não têem oiro, mas tem titulos que o valem, representando a sua circulação fiduciaria, e que vendem quando precisam. Poderia fazer-se o mesmo com o banco de Portugal, desde que lhe dessem titulos, bem entendido, representando oiro e vendaveis.

A outra cousa a fazer seria obter no estrangeiro os meios necessarios para que durante um certo numero de annos o thesouro não precisasse recorrer ao mercado para compra de papel e tivesse ao mesmo tempo creditos para poder regular os cambios, e não digo dominal-os porque ninguem póde impedir aquillo que é fatal. A procura e a offerta é que regulam o preço dos cambios. Digo, pois, regular os cambios, para evitar as especulações; porque muitas vezes o mal dos cambios não vem tanto da feita de papel, como de especulação; quando se prevêem maiores necessidades do papel cambial, não falta quem o açambarque e até o empenhe nos bancos, para produzir maior falta e obter maior preço. N'este jogo tem enriquecido muita gente.

O governo não deve ser negociante nem especulador de cambios; mas póde ser, como foi o governo russo, com grande successo, o regulador dos cambios, impedindo uma especulação prejudicial aos interesses do thesouro e do paiz em geral.

Se tivesse os recursos e as responsabilidades que tem o governo, não teria duvida em regular a questão dos cambios, e para isso bastaria dispor de creditos em conta corrente.

Para resolver a questão cambial e com ella a dos encargos externos, não ha pois senão um meio; obter, por emprestimos ou creditos, o oiro preciso para quatro ou cinco annos. Finanças entortam-se muito depressa, mas para as endireitar leva tempo, e por isso é preciso que este ou qualquer outro governo tenha socego e possa estar durante alguns annos descansado e occupado na reorganisação financeira e administrativa do paiz, sem se ver a braços com dividas fluctuantes e vencimentos que perturbem a paz de espirito dos ministros, e, portanto, a boa administração.

E que meio ha para, sem aggravar a situação externa e sem desfalcar as receitas actuaes, o governo obter por um juro rasoavel todo o dinheiro de que carece para cinco annos?

Na presente conjectura, a operação mais simples e conveniente seria a conversão das obrigações dos tabacos de 1891 e 1896 de 4 1/2 por cento, amortisaveis em trinta e

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SESSÃO N.º 25 DE 3 DE AGOSTO DE 1897 483

cinco annos, em obrigações de juro inferior, amortisaveis em setenta e cinco annos.

O governo, por esse meio, realisa com a mesma annuidade, com o mesmo encargo e sem desfalcar as actuaes receitas do paiz, perto de 5.000:000 libras em oiro.

Se, porém, o governo quizer augmentar a importancia do emprestimo a levantar, e isso convem-lhe, para satisfazer ás necessidades externas do thesouro e ao mesmo tempo consolidar a nota do banco de Portugal, não tem senão fazer a consignação do resto da receita dos tabacos e dos phosphoros, e assim alcançará cerca de 60:000 contos de réis.

Como as obrigações dos tabacos têem uma clausula pela qual se não podem converter antes de 1900, convem começar por arranjar um supprimento para occorrer ás despezas até ao momento em que a conversão é possivel.

Em 1900, portanto, seriam reembolsadas todas as obrigações dos tabacos de 1891 e 1896 e orçadas outras do typo que as circumstancias recommendassem como mais vantajoso. O governo deve poder levantar sobre as receitas dos tabacos e phosphoros ao todo cerca de 100:000 contos de réis de que o encargo do juro e amortisação não excederá a 5 a meio por cento.

Não ha operação, d'aquellas a que ao referem as outras propostas do governo, que possa custar tão barato, nem fazer-se com tanta felicidade como esta. Porque? Porque as obrigações dos tabacos e a companhia, e digo isto porque é verdade e não por ter feito parte da sua administração têem um credito tão bem estabelecido que permitte levantar dinheiro por juro inferior ao de qualquer outra operação portugueza.

É portanto sobre o credito da companhia dos tabacos e dos seus titulos que se deve procurar fazer qualquer novo emprestimo.

Em resumo, sem recorrer a nenhuma das novas concessões ou emprestimo que tinha projectado, o governo só na conversão dos obrigações actuaes e se quizer na consignação da totalidade das receitas dos tabacos e dos phosphoros póde obter 60:000 contos de réis. A unica objecção pequena que se póde apresentar é a de se ampliar o praso de trinta e cinco a setenta e cinco annos. Mas isso é uma questão mathematica. Paga-se, é verdade, juro e amortisação durante mais tempo, mas tambem gosa-se do dinheiro por um praso superior e em maior quantidade.

A objeção dos setenta e cinco annos é a mesmo que haveria para a operação sobre os caminhos de ferro. Mas em vez de se dar uma consignação de rendimentos que não existe ainda, a dos caminhos do ferro por setenta e cinco annos, muito mais simples é prolongar até aos mesmos setenta e cinco annos aquella dos tabacos que já existe por trinta e cinco annos. Portanto é essa a operação que inquestionavelmente está indicada como operação mais economica e que póde contribuir para melhorar não só a nossa situação, mas tambem o nosso credito.

Mas o emprestimo só por si de pouco ou nada vale; cinco annos correm depressa como correram de 1892 até hoje, sem que fizessemos outra cousa que não fosse aggravar a situação! Só é para agora fazer a mesma cousa, então o melhor é não fazer nada. E esta a minha franca opinião.

Entendo que desde já devemos todos trabalhar para a reorganisação das finanças, de modo e por fórma a chegar a um bom resultado; para isso julgo indispensavel uma remodelação no modo de administrar o paiz.

Ainda é precisa outra cousa, porque o emprestimo não é senão por nos dar tempo do entrarmos em vida nova e valorisarmos aquillo que temos. Entre as cousas que entendo que se devem fazer, está o acabar, ou completar para melhor dizer, os caminhos de ferro do estado; os ramaes que faltam n'uma ou outra linha impedem que essas linhas se transformem em mais completos meios de prosperidade e de rendimento publico. Digo mais quo se não arrendem essas linhas emquanto não estiverem acabadas, porque n'esse estado pouca renda poderão os concorrentes dar; mas primeiro acabem-se, ponham-se em condições de mais vida, administrem-se como devem ser administradas, não digam os governos aos seus administradores que dêem bilhetes de graça e façam transportes a meio preço, não se faça politica com a administração dos caminhos de ferro e d'esta fórma elles hão de render o que rendem outras linhas no paiz e de fóra.

Mas esses rendimentos não auxiliam os pagamentos a fazer no estrangeiro, porque as notas do banco de Portugal não servem para esse fim.

Temos uma unica cousa importante a valorisar, e desenvolver, a unica que póde fazer com que venha para a metropole a justa recompensa dos sacrificios e encargos que nos tem custado, são as nossas colonias. Das colonias é que nos póde vir o oiro com que havemos de pagar aos nossos credores estrangeiros. (Apoiados.) É preciso valorisal-as, não deixar aquellas joias, ambicionadas pelas nações mais ricas e poderosas, crearem bolôr, que é o que ellas estão a orçar, para nós alem de pesados encargos, até agora improductivos. Ao mesmo tempo estão sendo o ninho de tantos estrangeiros que mais activos e diligentes do que nós para lá vão exploral-as, a ponto de quando acordarmos acharemos todo o logar tomado.

Esta questão é muito grave; grave pelo lado dos interesses que acabo de apontar, mas grave tambem pela politica commercial internacional que a elle está ligada.

Mas se ficamos a olhar pura o signal eternamente, só não fazemos nada, se não tomamos resolução prompta, qualquer dia perdemos Lourenço Marques por qualquer circumstancia, perdemos o que lá tivermos gosto, pois talvez será tarde para lhe poder valer.

Entendo que tambem entre os primeiras cousas que o governo tem a fazer está o assentar n'uma idéa a respeito das colonias e especialmente de Lourenço Marques; ter um plano, saber o que quer fazer e andar para diante. Não ha outra cousa. As hesitações têem dado era resultado não se tratar com este, nem com aquelle e ficar-se a pensar.

É muito bom pensar, mas se ficarmos sempre a pensar, não conseguimos adiantar nada.

Pensemos por uma vez maduramente e vejâmos quaes são esses perigos ou inconvenientes que se temem a respeito de Lourenço Marques. Os inconvenientes são que a Inglaterra deseja Lourenço Marques ou pelo menos não quer que ninguem mais lá domine; e os allemães e os francezes desejam tambem não ficarem á mercê da Inglaterra. Portugal quer, como lhe cumpre, manter a sua inquestionavel soberania e conservar, aquelle florão, aquella joia da sua corôa. É este tambem o seu direito, mas como está entre uns e outros, não sabe ou hesita para onde ha de andar.

É preciso saír d'esta situação por qualquer fórma; ou o governo administra o explora os melhoramentos de Lourenço Marques por sua conta, ou trata com uma companhia ou empreza, mas faça uma ou outra cousa.

Sr. presidente, as obras e a exploração do incomparavel territorio e porto de Lourenço Marques entendo, em minha opinião, que o governo os não póde fazer convenientemente. Pois se o governo reconhece que não póde administrar bem os caminhos de ferro que tem cá no paiz, como os ha de explorar a tamanha distancia da metropole, com governadores que podem ser pessoas inteligentissimas, mas que em geral não são homens praticos em assumptos de commercio e de industria.

A difficuldade está em organisar companhia portugueza. As emprezas portuguezas africanos que existem são só portuguezas no nome. (Apoiados.} São todas principalmente inglezas no fundo, e o mesmo succede ás companhias africanos francezas e suissas, porque o capital é sempre quasi todo inglez, por ser o que se arrisca mais a

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essas aventuras. Portanto, se ámanhã se formar com patriotas nacionaes uma companhia ad hoc, podemos ter a certeza que temos no fundo uma companhia ingleza. (Apoiados.}

A verdade é que não temos dinheiro para organisar novas emprezas nem onde o ír buscar que não seja ao estrangeiro.

O sr. Presidenta : - V. ex. pelo regimento, ainda tem meia hora para fallar, mas se quizer póde ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Eu acabo.

N'esta ordem do idéas, entendo que n'esta occasião não existe empreza africana nem meio de organisar nenhuma
nova, que não tenha o inconveniente que citei, e que o paiz com ou sem fundamento receia, a não ser uma unica.

Essa unica entidade a que me refiro é o banco nacional ultramarino, fundado ha vinte annos, que não tem sentido accionistas e obrigatarios portuguezes e é genuinamente portuguez. (Apoiados).

E note-se que não sou accionista nem tenho interesse nenhum n'esse hanco.

O banco nacional ultramarino tem hoje o credito necessario para fazer essas obras e para contratar com o governo qualquer melhoramentos, e quando não tivesse, as obras são pela sua propria natureza tão pouco dispendiosa relativamente no seu rendimento, que o banco se não achasse no paiz, não encontraria difficuldade em achar em qualquer praça estrangeira quem lhe tomasse as suas proprias obrigações

Por consequencia parace-me que se o banco ultramarino é um estabelecimento com que o governo póde tratar sem que tenha a receiar nenhumas difficuldades diplomaticas, por isso que é um estabelecimento que tom vinte annos de existencia, em que todos os seus accionistas são portuguezes e as aceitas na quasi totalidade nominativas. Para evitar que esta situação podesse ser modificado, bastaria que uma nova lei regulasse a fórma de manter a constituição do banco ultramarino como está.

Mas contentadas que sejam desde já a construcção e a exploração das obras em Lourenço Marques, veremos dentro d'estes cinco annos Lourenço Marques dar muitos milhares de libras para a metropole, pelos seus rendimentos aduaneiros e de toda a especie.

E ainda accrescentarei a respeito do emprestimo a que me referi que, se a camara resolver auctorisal-o, e não faça, como tem succedido com outros, sem dizer precisamente a que elle deverá ser destinado (Apoiados), porque por muito boas que sejam as intenções do governo não convem que se deixo de consignar que o seu producto seja applicado exclusivamente a pagamentos externos, regularisação de cambios, consolidação das notas do banco de Portugal, e para a constituição dos ramaes das linhas ferreas, porque esta é uma das despezas destinadas a augmentar os rendimentos publicos. O producto do emprestimo não deverá ser applicado a outra cousa que não seja de interesse vital do paiz.

Finalmente, repito o que hontem disse; se depois d'estes ultimos esforçou não conseguirmos em cinco annos, por uma boa administração, equilibrar e orçamento e nivelar os cambios não sei onde de futuro haveremos de ír buscar meios de fazer face nos nossos encargos, porque com o arrendamento dos caminhos do ferro, emprestimo sobre elles e outros processos similhantes só conseguiremos facilitar a vida do governo no poder, mas a situação ha de fatalmente reapparecer muito peior do que hoje é (Apoiados.)

E, concluindo, direi á camara que se de mim depender facilitar a este ou a outro governo a realisação dos seus projectos nas melhores condições, de bom agrado, como é meu dever, prestarei os conhecimentos da minha experiencia.

Tenho dito.

O sr. Presidente: - Ámanhã ha sessão de dia e sessão nocturna; e eu pedia aos srs. deputados para comparecerem ás duas horas, para se poder trabalhar de maneira que a sessão acabe pelo menos ás seis horas, para ser menos pesado o encargo da sessão nocturna.

A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas e meia de tarde.

Documentos enviados para a mesa n'esta sessão

Representações

Da commissão delegada do comicio do 1.° de maio de corrente anno, pedindo aos srs. deputados que attendam as resoluções tomadas n'aquelle comicio.

Apresentada pelo sr. presidente da camara, Eduardo José Coelho, enviada ás commissões de administração publica, de legislação civil, de guerra, de instrucção primaria e secundaria, da artes e industrias e de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

Da associação commercial dos legistas de Lisboa, contra as propostas de fazenda, apresentadas ao parlamento pelo sr. ministro da fazenda.

Apresentada pelo sr. deputado Dias ferreiro, enviada á commissão de fazenda, e mandada publicar no Diario do governo.

O redactor = Barbosa Colen.

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