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N.º 25

SESSÃO DE 28 BE FEVEREIRO DE 1902

Presidencia do Exmo. Sr. Matheus Teixeira de Azeredo

Secretarios - os Exmos. Srs.

Amandio Eduardo da Motta Veiga
José Joaquim Mendes Leal

SUMMARIO

Approvada a acta e lida a correspondencia (oito officios de varios Ministerios), tiveram segunda leitura tres propostas de renovação de iniciativa - O Sr. Ministro da Fazenda lê e manda para a mesa o relatorio de fazenda e quatro propostas de lei. - O Sr. Sousa Tavares apresenta uma representação e um projecto de lei. - O Sr. Lopes Navarro manda para a, mesa um projecto de lei. - Os Srs. Joaquim de Sant'Anna e Alfredo. Albuquerque declaram haver lançado requerimentos na caixa das petições - O Sr. Magalhães Ramalho apresenta um projecto de lei, o declara haver tambem lançado um requerimento na caixa respectiva.

Na ordem do dia prosegue a discussão do projecto de lei n.° 10, - criação de um hospital colonial e ensino da medicina especial dos climas tropicaes - usando da palavra os Srs. Egas Moniz, Almeida Dias, Lima Baque, Ministro da Marinha e Oliveira Mattos. Esgotada a inscripção, approva-se o projecto, independentemente das emendas, que serão enviadas á commissão.

Abertura da sessão - ÁS 111/2 horas da manha.

Presentes - 53 Senhores Deputados.

São os seguintes: - Affonso Xavier Lopes Vieira, Agostinho Lucio e Silva, Alberto Allen Pereira de Sequeira Bramão, Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho, Albergo Botelho, Alberto de Castro Pereira de Almeida Navarro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alexandre José Sarsfield, Alfredo Augusto José de Albuquerque, Alfredo Cesar Brandão, Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Anselmo Augusto Vieira, António de Almeida Dias, Antonio Augusto de Mendonça David, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Barbosa Mendonça, Antonio Belard da Fonseca, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Joaquim Ferreira Margarido, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Rodrigues Ribeiro, Antonio Sergio da Silva e Castro, Arthur da Costa Sousa Pinto Basto, Arthur Eduardo de Almeida Brandão, Augusto Neves dos Santos Carneiro, Belchior José Machado, Carlos Alberto Soares Cardoso, Clemente Joaquim dos Santos Pinto, Conde de Castro e Solla, Conde de Paçô-Vieira, Fernando Mattozo Santos, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Roberto de Araujo de Magalhães Barros, Frederico dos Santos Martins, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, João Carlos de Mello Pereira e Vasconcellos, João Ferreira Craveiro Lopes de Oliveira, João Joaquim André de Freitas, João Marcellino Arroyo, João de Sousa Tavares, Joaquim Antonio de Sant'Anna, José Antonio Ferro de Madureira Beça, José Coelho da Motta Prego, José Gonçalves Pereira dos Santos, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Antonio Pereira da Silva, Luiz Filippe de Castro (D.), Marianno José da Silva Prezado, Marquez de Reriz, Matheus Augusto Ribeiro Sampaio e Matheus Teixeira de Azevedo.

Entraram durante a sessão os Srs.: - Alvaro de Sousa Rego, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Roque da Silveira, Augusto César da Rocha Louza, Avelino Augusto da Silva Monteiro, Carlos Augusto Ferreira, Carlos Malheiros Dias, Custodio Miguel de Borja, Domingos Eusebio da Fonseca, Eduardo Burnay, Ernesto Nunes da Costa Ornellas, Guilherme Augusto Santa Rita, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Ignacio José Franco, João Augusto Pereira, João Pinto Rodrigues dos Santos, Joaquim da Cunha Telles e Vasconcellos, Joaquim Faustino de Poças Leitão, José Caetano Rebello, José Caetano de Sousa e Lacerda, José Jeronymo Rodrigues Monteiro, José Joaquim Mendes Leal, José Maria de Oliveira Mattos, José Maria de Oliveira Simões, José Maria Pereira de Lima, José Nicolau Raposo Botelho, Julio Augusto Petra Vianna, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Luiz de Mello Correia Pereira Medella, Manuel Antonio Moreira Júnior, Mario Augusto ,de Miranda Monteiro, Paulo de Barros Pinto Osorio, Rodrigo Affonso Pequito e Visconde da Torre.

Não compareceram á sessão os Srs.: - Abel Pereira de Andrade, Albino Maria de Carvalho Moreira, Alipio Albano Camello, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Amadeu Augusto Pinto da Silva, Antonio Affonso Maria Vellado Alves Pereira da Fonseca, Antonio Alberto Charula Pessanha, Antonio Centeno, Antonio José Boavida, Antonio Maria de Carvalho Almeida Serra, Antonio de Sousa Pinto de Magalhães, Antonio Tavares Festas, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto César Claro da Ricca, Augusto Fuschini, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Christovam Ayres de Magalhães Sepulveda, Conde de Penha Garcia, Eduardo de Abranches Ferreira da Cunha, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco José Patricio, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia; Henrique Matheus dos Santos, Henrique Vaz de Andrade Basto Ferreira, Jayme Arthur da Costa Pinto, João Alfredo de Faria, João Monteiro Vieira de Castro, Joaquim Pereira Jardim, José Adolpho de Mello e Sousa, José da Cunha Lima, José Dias Ferreira, José da Gama Lobo Lamare, José Joaquim Dias Gallas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Mathias Nunes, José de Mattos Sobral Cid, Julio Maria de Andrade e Sousa, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Gonzaga dos Reis Torgal, Luiz José Dias, Manuel Affonso de Espregueira, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Joaquim Fratel, Manuel de Sousa Avides, Marianno Cyrillo de Carvalho, Ovidio de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, Visconde de Mangualde e Visconde de Reguengo (Jorge).

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officios

Do Ministerio da Fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Luiz José Dias, as ta-

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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bellas da despesa dos differentes Ministerios para o corrente anno, e que foram fornecidas pela Direcção Geral da Contabilidade Publica. Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, enviando em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Luiz José Dias, copia authentica do officio da Direcção Geral do Tribunal de Contas, que trata das denegações de visto, do mesmo Tribunal, a que se refere o officio n.° 181, d'esta Camara, datado de 14 de janeiro ultimo.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Manuel Affonso Espregueira, copia authentica do officio da Direcção Geral de Estatistica o dos Proprios Nacionaes, acompanhado da nota das quantidades de vinho despachado para consumo nas Alfandegas do Lisboa o Porto, desde 15 de junho até 31 de agosto, nos annos de 1900 a 1901, e do vinho para consumo em Lisboa, despachado ao abrigo da lei de 14 de junho de 1901.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Manuel Affonso Espregueira, remettendo copia authentica do officio da Direcção Geral da Thesouria, acompanhado da nota dos juros e amortização da divida externa, pagos em Amsterdam e Francfort nos tres annos económicos de 1898-1899 a 1900-1901.

Para a secretaria.

Do mesmo Ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Manuel Affonso Espregueira, copia do officio da Direcção Geral da Thesouraria, acompanhado das copias dos contratos de supprimentos ao Thesouro, feitos desde o principio do anno de 1901 ato á presente data.

Para a secretaria.

Do Ministerio da Guerra, em satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Julio Emento de Lima Duque, enviando a nota da despeça com o serviço do recrutamento militar, paga durante os annos civis de 1900 e 1901.

Para a secretaria.

Do menino Ministerio, acompanhando a nota do accrescimo das rações de pão e forragens ás praças e solipedes que fizeram parte das manobras realizadas no mus de outubro do anno findo, e bem assim da importancia dos auxilios para rancho e fardamento, pret e mais vencimentos abonados ás praças da primeira reserva.

Para a secretaria.

Do Ministerio das Obras Publicas, acompanhando os esclarecimentos podidos pelo Sr. Deputado Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, em sessão de 15 de janeiro findo.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Proposta para renovação de iniciativa

Renovamos a iniciativa do projecto de lei n.º 95 do anno passado, que tem por fim melhorar a reforma ao capitão do exercito Mathias da Trindade = Os Deputados, F. J. Machado = Custodio de Borja.

Foi admittida e enviada a commissão do ultramar.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.º A antiguidade do posto do capitão Matinas da Trindade, reformado pela Ordem do Exercito n,° l, de 11 de fevereiro de 1896, será contada, para o effeito da reforma, desde 11 de fevereiro de 1895, data em que lhe pertenceria a promoção a esse posto na escala de accesso, se então não estivesse na situação de inactividade temporaria por motivo de doença contrahida em serviço no ultramar.

Art. 2.° Do harmonia com o disposto no artigo 1.° será melhorada a reforma do capitão Mathias da Trindade.

Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Senhores. - Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 119, do anno passado, que tem por fim manter ao conductor de 1.ª classe das obras publicas do ultramar, aposentado, Arthur Gomes da Silva, os vencimentos que percebia antes da lei de 20 de agosto de 1892. = O Deputado, Custodio de Borja.

Foi admittida e enviada á commissão do ultramar.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo l.9 São mantidos ao conductor de 1.ª classe, do quadro das obras publicas do ultramar, Arthur Gomes da Silva, os vencimentos que percebia antes do decreto com força de lei, de 20 de agosto de 1892!

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Proposta para renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 115, de 1901, que tem parecer favoravel das commissões do ultramar e fazenda.

Sala das sessões, 25 de fevereiro de 1902. = Marianno de Carvalho.

Foi admittida e enviada á commissão do ultramar.

Refere-se esta renovação de iniciativa ao seguinte

Projecto de lei

Artigo l.° É concedida a D. Maria José Gonçalves de Gouveia Homem, viuva do capitão de mar e guerra Pedro Ignacio de Gouveia, a pensão annual vitalicia de réis 500$000, que cessara se a mesma viuva passar a segundas nupcias.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Ministro da Fazenda (Mattozo Santos): - Pedi a palavra para mandar para a mesa o meu relatorio de fazenda e propostas de lei, que vou ler e que tratam:

1.ª Remodelando o imposto do consumo e do real de agua.

2.ª Auctorizando o Governo a publicar uma nova pauta geral das alfandegas, nos termos das bases annexas, nas quaes se determina:

1.° Que as modificações serão as que foram propostas pelas commissões nomeadas por decreto de 8 de novembro de 1892 e portaria de 9 de outuro de 1900;

2.° Que as taxas propostas poderão ser augmentadaa quando d'ahi resultem vantagens para as condições economicas, não podendo ser reduzidas sob qualquer pretexto;

3.° Que desde já sejam fixadas e incluidas na nova edição da pauta as rubricas pautaes e respectivas taxas indicadas na tabella annexa a esta proposta.

4.° Que a nova edição da pauta será acompanhada das necessarias instrucções preliminares e novo indice remissivo.

3.ª Proposta de lei auctorizando o Governo a conceder restituições, compensações de direitos ou premios de exportação a ellas correspondentes, pelos artefactos de producção nacional que forem exportados para o estrangeiro, podendo tambem essas concessões tornar-se extensivas aos

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artifactos que forem exportados para as provincias ultramarinas.

4.º Auctorizando o Governo a determinar o pagamento, por meio da licença da contribuição industrial, de todas as industrias ou profissões, alem d'aquellas de que trata o decreto de 31 de dezembro de 1897, comprehendidas na 2.ª e 3.ª parte da tabella B, annexa á carta de lei de 31 de março de 1896.

Foram todas enviadas á commissão de fazenda, depois de publicadas no Diario do Governo.

Vão publicadas na integra no fim da sessão.

O Sr. Presidente: - Deu a hora de se passar á ordem do dia. Os Srs. Deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazê-lo.

O Sr. Sousa Tavares: - Mando para a mesa uma representação da Camara Municipal do concelho de Odemira.

Vae por extracto no fim da sessão.

O Sr. Joaquim de Sant'Anna: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que deitei na caixa das petições um requerimento do capellão de infantaria n.° 2, Manoel Gomes Miguens, no qual pede que se lhe mande contar para o effeito da sua reforma d tempo que neste Patriarchado serviu como parocho collado, a exemplo do que se tem praticado com outros seus collegas. es Joaquim de Sant'Anna.

Para a acta.

Sr. Lopes Navarro: - Mando para a mesa um projecto de lei, auctorizando a Camara Municipal da Torre de Moncorvo a desviar do fundo de viação, até á quantia de 1:600$000 réis, para despesa do pagamento da tubagem de ferro para canalização de agua potavel para aquella vala.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. João de Sousa Tavares: - Mando para a mesa um projecto de lei, que tem por fim conceder aos officiaes que por incapacidade physica tiverem de passar ao quadro da reserva, antes de concluirem trinta e cinco annos de serviço, a graduação no posto immediato, quando tenham, anteriormente, attingido tal posto; outros officiaes que, ao deixar o serviço activo, occupassem na escala da respectiva arma ou serviço, logar inferior ao dos mencionados.

icou para segunda leitura.

O Sr. Alfredo de Albuquerque: - Mando para a mesa a seguinte

Declaração

Declaro que lancei na caixa um requerimento, em que os guardas de policia e fiscalização da Cordoaria Nacional pedem para ser equiparados aos guardas do Arsenal da Marinha. = Alfredo de Albuquerque.

Para a acta.

O Sr. Magalhães Ramalho: - Mando para a mesa as seguintes

Declarações

Declaro que lancei na caixa dois requerimentos em que o tenente-coronel-medico, Antonio Joaquim Rodrigues de Oliveira e o major medico Alexandre de Almeida Barbosa Campos pedem para lhes ser contado, para effeitos de reforma, o tempo de serviço que desempenharam como facultativos municipaes e sub-delegados de saude, anteriormente á sua entrada no exercito.

Parece-me justo o que pedem, alem de que o pedido já tem precedentes, sanccionados pelo Parlamento. = Alfredo Mendes de Magalhães Ramalho.

Mandamos para a mesa um projecto de lei concedendo a graduação no posto immediato aos officiaes que tiverem de passar ao quadro de reserva, antes de concluirem 35 annos de serviço, quando anteriormente tenham attingido este posto outros officiaes que, ao deixarem o serviço activo, occupavam na escola da respectiva arma ou serviço logar inferior ao dos primeiros mencionados.

Sala das sessões, em 28 de fevereiro de 1902. = Os Deputados, João de Sousa Tavares Alfredo Mendes do Magalhães Ramalho.

Para a acta.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 10.º, criação de um hospital colonial e ensino da medicina especial dos climas tropicaes.

O Sr. Egas Moniz: - Continua em discussão o primeiro projecto apresentado na presente sessão legislativa referente a assumptos coloniaes, d'ahi, a sua importancia, porque é das colonias que ha de, em parte, vir o nosso resurgimento financeiro e economico. (Apoiados}.

É nellas que devemos ter as nossas mais bem fundadas esperanças, e, portanto, é para ellas que devemos olhar com o carinho e o cuidado com que se olha para o patrimonio sagrado que um passado glorioso nos legou. (Apoiados).

Mas se as nossas colonias hão de ser de futuro fonte de riqueza para o pais, é certo que, actualmente, recordam um pouco aquelles titulos nobiliarchicos concedidos aos velhos e depauperados fidalgos, que podem nobilitar talvez, mas que nunca enriquecem.

Ás questões coloniaes são complexas e variadissimas, e muito mais para nós, porque é certo que com a nossa força material não podemos sustentar os nossos dilatados dominios de alem-mar. Custa dizê-lo, mas é certo, que no nosso pais os diversos Governos não teem tido pelas questões coloniaes o cuidado e desvelo que deviam ter. Dizendo isto, eu não quero fazer censura nem a este Governo, nem aquelles que o precederam; é a critica resultante da comparação do estado em que se encontram as nossas colonias e as de outros povos mais avançados, e de que resulta a differença que vae de povos não civilizados, a povos civilizados.

Não são, portanto, as minhas palavras uma censura ao actual Governo, nem aos que o precederam; é um appello que faço para que todos cooperem nesta obra de administração colonial, porque as questões coloniaes, no nosso país, devem occupar o primeiro plano das questões de administração publica. Não é uma apreciação desagradavel que faço ao actual Governo, é o desejo que tenho de ver todos os partidos cooperar nesta obra, alheando-se ás paixões partidarias o politicas que os separam, organizam e sustentam.

O que desejo, como bom português, é que o nosso nome tão prestigioso em tempos continue a sustentar o seu prestigio, esse nome que já teve tão dilatada fama, que foi de polo a polo no tempo dos descobridores e conquistadores da idade de ouro da nossa querida patria.

Eu, que tenho sido, por vezes, violento nos meus ataques ao Governo, sou o primeiro a aconselhar a maxima serenidade nas discussões de assumptos de administração publica, especialmente nas questões de administração colonial, e, sobretudo, quando vejo da parte do Ministro proponente boa vontade de acertar e de trazer alguma cousa de util para o país, como succede no caso presente.

É por esta forma, tratando dos assumptos convenientemente, que nos podemos impor ás potencias estrangeiras de maior valor do que nós, attendendo a que a nossa força material não é garantia bastante para a manutenção das nossas possessões ultramarinas.

Trata-se no actual projecto, da criação de um hospital colonial e do ensino da medicina tropical.

A criação do hospital era necessaria, em primeiro logar, como campo de observação para o ensino colonial, e, em segundo logar, porque é indispensavel que se dê acolhimento aos colonos vindos de alem-mar, com a saude ar

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ruinada, gasta nas lutas e trabalhos que sustentaram para bom do nome português o glorificação da nossa bandeira.

Era necessaria a sua criação, era opportuna, fossem quaes fossem as condições do Thesouro.

Pelo que diz respeito ao ensino colonial, tambem era necessario, porque esse ensino é indispensavel aos medicos que se dedicam aos trabalhos arduos da clinica tropical, que são inteiramente differentes o tem nuances diversas da clinica continental, cujo ensinamento é ministrado nas escolas medicas do país.

Eu, usando neste momento da franqueza e lealdade que me caracteriza, não posso deixar do louvar, de uma maneira geral, a iniciativa do projecto em discussão. O Sr. Ministro da Marinha honrou-se a si mesmo, como Ministro e como profissional trazendo ao Parlamento este projecto e declarando-o uma questão aborta, do maneira a podermos todos cooperar, dentro das nossos recursos, para que este projecto saia d'aqui o melhor possivel (Apoiados do Sr. Ministro da Marinha).

Deve sor tomado como principio colonizador, segundo o meu modo de ver, o chamar para as colonias colonos que as possam fazer prosperar, mas sendo este um principio colonizador, já o não é o impormos as colonias aos colonos, sem tã0o pouco devemos aconselhá-las a estes como unico recurso do vida.

A questão colonial é, acima d" tudo, uma questão agricola. (Apoiados).

A questão commercial, que é importante, e a industrial, que começa a desenhar-se nas nossas colonias, hão de ter uma acção mais limitada.

As colonias tropicaes, sobretudo, estão destinadas a dar-nos grandes riquezas com as suas empresas agricolas, (Apoiados); mas para que as empresas agricolas prosperem e vigorem, é preciso, acima de tudo, que hajam braços vigorosos, para que, com elles, se possam engrandecer e desenvolver, e que esses braços sejam não só dos indigenas, não só dos colonos africanos que se destaquem de um ponto para outro, mas tambem de europeus, que devem desenvolver a sua actividade pelo cerebro. (Apoiados).

Todos nós sabemos as crises angustiosas por que teem passado algumas empresas agricolas de S. Thomé o Principe, sem duvida as mais prosperas de todas as empresas similares, quer pela falta de pessoal, quer pela reducção que esse pessoal soffre, resultante dos agentes morbigenos. (Apoiados).

Todos noa sabemos que o colono europeu não pode produzir sufficiente trabalho para poder dar vantagem a essas empresas agricolas, porque, o colono europeu pode produzir, quando muito, cinco horas por dia de trabalho, das 7 ás 10 da manhã e das 3 ás 5 da tarde, sendo de notar que ao 6 horas é noite nos tropicos.

Sendo assim, é preciso que nos pontos onde não haja braços sufficientes para poder fazer prosperar as empresas agricolas, se importem colonos de outras regiões, e que se adaptem ao clima, de maneira a poderem, com o seu trabalho, fazer progredir essas empresas.

A falta desses braços traz consequentemente crises extraordinarias.

É o que está succedendo em S. Thomé e Principe. Mesmo de entre as raças negras ha umas que resistem mais do que outras á acção do clima e das causas morbigenas.

Por exemplo, sabemos que nas nossas colonias os cafres resistem mais facilmente do que outras raças indigenas.

Nas colonias francesas ha duas raças que são consideradas como sendo o maximo attingido em resistencias tropicaes: as raças senegaliana e zanzibarita.
Sobretudo a raça senegaliana é considerada como modelo de resistencia, e para isso concorre tambem as praticas hygienicas a que casa raça está mais ou menos habituada e que lhe foram incutidas pelas crenças religiosas.

E a idéa mahometana, ao mesmo tempo que para o sen espirito é vantajosa, porque o fatalismo lhes explica a sua situação, é sobretudo importante pela pratica da limpeza corporea e da sobriedade a que os obriga.

Sr. Presidente: é indispensavel que nós olhemos para o problema agricola, que é para nós o problema colonial, o que vejamos a grande influencia que o medico ahi tem, quer aconselhando os agricultores, quer ministrando os sons cuidados clinicos a todo o pessoal agricola.

Ultimamente, os agricultores das possessões francesas, como alguns das portuguesas, lutando cora a falta de braços, julgaram ter resolvido o problema mandando vir individuos da raça amarella. Importaram-se chins para as culturas agricolas, mas o resultado foi deploravel, porque em pouco tempo a mortalidade subia á extraordinaria proporção do 50 por cento!

D'aqui se vê o cuidado que os colonos devem ter com a sua saude, e, ao mesmo tempo, o cuidado que o Governo deve ter com a saude dos seus colonos, não os deixando no isolamento, fornecendo-lhes medicos competentes para poderem com o seu conselho e com a sua pratica prevenir ou remediar os males que por acaso surjam.

Foi por isso que nu disse que, de uma maneira geral, não podia deixar de louvar a obra do Sr. Ministro da Marinha.

Eu, que tenho uma grande affeição ao meu partido, perante questões de administração que representem interesse publico, colloco, acima das questões partidarias, o meu país.

Na epoca presente, em que a especulação parece constituir o principio e fim de todos os actos sociaes, muitos vêem apenas nas colonias uma fonte de riqueza de onde se podem tirar proveitos immediatos.

O estadista deve, porem, ver mais. Devo olhar sobretudo para o futuro das colonias e olhar o problema sob esse aspecto.

É necessario ver nas colonias mais do que uma fonte de riqueza, é indispensavel ver nas colonias a forma do desenvolvimento intellectual e moral de um pais. É preciso que se não encare o problema colonial só pelo lado das vantagens que d'ellas possam advir, é necessario encará-lo sob um outro aspecto: o da satisfação moral que existe na levantada missão de educadores.

Entendo que muito concorrerá o medico para a consecução d'este duplo fim tão necessario para o sustentaculo do nosso prestigio colonial. Devemos impor-nos administrando bem.

Na defesa dos nossos dominios pelos nossos recursos marciaes, nem pensar devemos.

Sr. Presidente: era necessario e urgente que se seguisse o caminho dos países mais avançados como a Inglaterra, a Hollanda, a Belgica, caminhando para a grande solução do problema colonial era toda a sua amplitude, começando a fazer-se alguma cousa de positivo para o bem do pais e prosperidades das nossas colonias.

Nisto devemos estar todos unidos, não havendo dissenções partidarias (Apoiados gerava), embora não possamos deixar de discordar num ou noutro ponto. (Apoiados).

E por isso que eu, estando em desacordo sobre alguns pontos do projecto, mando para a mesa as minhas propostas, que a commissão apreciará como entender e quiser.

No momento presente e mais do que nunca as nações vão seguindo na mesma orientação. Todas cuidam em organizar um bom corpo do pessoal sanitario colonial. Devo ser esto o nosso primeiro cuidado, se quisermos, das nossas colonias auferir vantagens polo lado agricola.

Precisamos velar pela força dos operarios agricolas que estão mais expostos aos virus tropicaes.

O europeu não pode ser, como diremos, um obreiro agricola. Com effeito, os que trabalham nos melhores terrenos agricolas, terrenos araveis, nau podem produzir mais

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de 25m2 de trabalho, o que é muito pouco, e ainda assim hão de trabalhar nas chacaras e nos jardins adjuntos ás propriedades que circumdam as povoações mais importantes da Africa.

Pois continuando este trabalho diario, em pouco tempo esses operarios são victimas do impaludismo, ou soarem a surmenage, isto é, o depauperamento das suas forcas physicas, para o que concorrem outros elementos etiologicos que não existem no nosso pais.

Por isso disse eu que era indispensavel que um povo que pretende ser colonizador trate urgentemente de criar um bom corpo sanitario colonial.

É por este motivo que de uma maneira geral o projecto em discussão me agrada.

Entrando propriamente na discussão da sua especialidade direi que discordo d'elle em alguns pontos que vou enumerar.

Em primeiro logar não concordo na forma como o projecto foi redigido, e em breve direi qual o motivo d'esta minha discordancia.

Recordo-me de um outro projecto redigido de uma forma differente porque o assumpto era diverso, mas era termos geraes semelhantes. Era o projecto de saude e beneficencia publica que no anno passado foi aqui apresentado e discutido.

Em consequencia d'esse projecto veiu depois um regulamento que foi, por assim dizer, uma nova reforma, porque nelle se introduziram disposições inteiramente novas e por elle se augmentaram as despesas publicas, alem das que estavam auctorizadas, em quantia superior a 19:000$000 réis!

Aqui no corpo, da lei, embora no relatorio se diga a quanto poderão ascender as despesas publicas, nada se diz a tal respeito.

Eu desejo, portanto, que se imponha am limite, para se. não deixar consignada uma auctorização que se preste a interpretações latitudinarias.

O Sr. Ministro da Marinha calculou provavelmente, pouco mais ou menos, a quanto ascenderiam estas despesas. Pois consigna-se na lei que alem d'esse limite não se possa passar, para não deixar uma auctorização tão larga como a da actual proposta na lei se consigna, e digo isto porque já vimos os resultados de outras auctorizações, algumas d'ellas concedidas nas mesmas condições, e em virtude das quaes se augmentaram consideravelmente as despesas.

Não me refiro á questão economica nem discuto a opportunidade ou não opportunidade da criação do hospital e do ensino medico a que se referiu, aliás com muita proficiencia, como é costumo, o meu particular amigo, distinctissimo professor e brilhante parlamentar, Sr. Dr. Moreira Junior.

Não me refiro a este ponto, principalmente por uma razão: ó que um Governo que tem gasto tanto inutilmente, desde que gaste alguma cousa com utilidade já algumas vantagens nos dá.

Attendendo ao que acabo de expor proponho um additamento á base 1.ª

(Leu).

Tanto quanto S. Ex.a calcula para as despeses do hospital.

Limitem-se as despesas, é esto o meu principal ponto.

Tenho do me referir a outras bases do actual projecto.

Á base 5.ª farei uma pequena referencia.

Diz ella:

(Leu).

Ora essa remuneração, se bem mo recordo, é de 10$000 réis mensaes.

Mas o § unico do artigo 216.° consigna que no caso de não haver nenhum clinico no hospital, que queira fazer esse curso, ficará a cargo de um facultativo do ultramar, aposentado.

Esta clausula parece-me que não fica em vigor, mas peço que se consigne de um modo absoluto, para que isso fique registado no regulamento, ficando sempre como encargo dos clinicos do Hospital Colonial.

Pela base 7.ª é criado junto do Hospital Colonial o ensino theorico e pratico de medicina tropical, que será professado em tres cadeiras: pathologia e clinica, hygiene e climatologia, bacteriologia e parasitologia tropicaes.

E a base 8.ª refere-se a exercicios praticos feitos nas enfermarias e laboratorios, sobre todos os ramos da medicina tropical.

Vejamos que laboratorios são estes e a que cadeiras ficam annexos, já que a lei os não especifica nem estatue a sua creação.

Num curso destinado ao ensino da medicina dos climas tropicaes não se comprehende a criação de um laboratorio de anatomia pathologica.

Um laboratorio clinico admitte-se, mas esse acha-se junto a todos os hospitaes, não é especial a este curso; por isso não pode ser este um dos laboratorios a que o nobre Ministro da Marinha se refere.

Comprehende-se o laboratorio na cadeira de hygiene, porem o estudo a que visa já foi feito no curso geral; pois devemos frisar que o curso colonial não é inicio de vida nas sciencias medicas, mas um complemento educativo em especialização de medicos que teem o curso geral das escolas do continente. Por consequencia não se deve criar laboratorio algum de hygiene e climatologia.

Mas temos por fim a bacteriologia e parasitologia tropicaes.

Ora, Sr. Presidente, eu não comprehendo, devo dizê-lo francamente, a criação de um laboratorio de bacteriologia annexo ao curso colonial, e não comprehendo por esta razão: tendo nós o Real Instituto Bacteriologico e bem montado (não digo soberbamente dotado, mas regularmente dotado), entendo que os exercicios bacteriologicos deviam ser feitos no Real Instituto Bacteriologico, com o preparador, que aliás é nomeado por uma base d'este projecto, tendo o vencimento consignado na base 17.ª

Não sei para que se ha de despender dinheiro com o laboratorio bacteriologico desde que o Real Instituto, como a Camara sabe, tem trabalhos importantes no que diz respeito a bacteriologia exotica; sendo assim, é, aproveitavel esse trabalho, para que o preparador, sob a direcção do medico-professor, faça nos quatro meses do curso exercicios praticos aos differentes alumnos nesse ramo especial do curso colonial.

Na caso, porem, do Sr. Ministro da Marinha e da illustre commissão entenderem que não podem prescindir d'este laboratorio bacteriologico, eu desejava que se consignasse no projecto a despesa a fazer com a installação d'esse laboratorio e o calculo, como limite, até onde podem ir os rastos annuaes que haja a fazer com esse laboratorio.

Dito isto, eu mando para a mesa uma proposta referente ao assumpto.

(Leu).

Na base 13.ª diz-se o seguinte:

"Os facultativos que tiverem frequentado com regularidade o curso de medicina tropical e quiserem o diploma de medico colonial, terão de submetter-se a um exame final, que versará sobre provas theoricas e trabalhos de laboratorio".

Sobre este assumpto já foi mandada para a mesa uma emenda pelo meu illustre amigo e distincto collega Sr. Moreira Junior. Essa emenda referia se a que é necessario addicionar ás provas theoricas e trabalhos de laboratorio as provas clinicas.

Os trabalhos de laboratorio, como prova final, não os comprehendo. Eu não comprehendo como possa existir a prova de laboratorio feita só nesse gabinete annexo ao hospital, ou mesmo no Real Instituto, e a illustre commissão e o nobre Ministro hão de ver as difficuldades que encontra-

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6 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

rão quando tratarem da confecção do regulamento e nelle quiserem consignar quaes sejam essas provas. Basta ver que nos cursos normaes das differentes escolas a bacteriologia se estuda vagarosamente para se reconhecer que ella nunca pode servir para prova final. Isto por um lado; por outro lado as provas de bacteriologia tropical são de pouca importancia, a não ser no que dizem respeito á bacteriologia em geral assumpto de estudo nos differentes cursos medicos das escolas.

Acho portanto conveniente eliminar essa clausula como inutil. Não se ha de citar aos alumnos que preparem um caldo-cultural, tambem não se lhe ha de pedir que façam a demonstração bacteriologica de determinadas doenças que se encontrem no hospital, porque na bacteriologia, em geral, das escolas estudam-se tanto os báculos que prejudicam a saude tanto no continente como nas colonias tropicaes, mesmo porque muitos se relacionam entre si; e alem d'isso estes trabalhos são extraordinariamente longos.

Feitas estas considerações, mando para a mesa minha proposta de emenda.

Na base 15.ª diz-se que alem do ensino geral de medicina tropical haverá o ensino secundario, comprehendendo as questões principaes de hygiene tropical e os primeiros soccorros aos feridos e doentes, mas não se diz qual seja a gratificação dada ao professor d'este curso nem tão pouco qual ella seja. Harmonizando a base 5.ª, que se refere ao curso dos enfermeiros com esta, mando para a mesa a minha proposta de emenda.

Eu sei que estes assumptos dizem mais respeito ao regulamento, mas como eu desejo que no projecto se limite a despesa a fazer, por isso desço a estas minudencias. Eu proponho o seguinte addicionamento.

(Leu).

É a mesma gratificação que se estabelece na base 5.ª para o curso dos enfermeiros, pois entendo que a remuneração não deve ser excedente nem menor do que aquella e que os dois cursos devem ser equiparados no que diz respeito aos professores.

Na base 19.ª diz-se o seguinte:

(Leu).

Tambem acho esta base muito generica, e assim como desejo consignar limites com respeito a despesas, tambem desejo consigná-los com respeito a receitas, e então proponho que se addicione a esta base o paragrapho seguinte:

(Leu).

Parece-me que não se pode exigir mais, proporcionalmente ao que se paga nas outras escolas.

Parece-me que é esta a base que deve ser adoptada, pouco mais ou menos pelo Sr. Ministro da Marinha, porque se não devo estar a criar maiores encargos áquelles que precisem este curso, para se irem sujeitar aos arduos climas tropicaes que tão desvantajosas consequencias podem trazer.

Finalmente, na base 20.ª diz-se o seguinte:

(Leu).

Não sei se esta medida de contribuição aos municipios coloniaes foi inspirada ao nobre Ministro da Marinha pelo Sr. Presidente do Conselho. S. Exa. tem uma especial antipathia pelas camaras municipaes, e que o digam as camaras municipaes do continente e em especial a de Lisboa, a qual já nem sequer existe: substitue-a uma commissão administrativa.

Não sei, repito, se seria o nobre Ministro do Reino, quem lembrou ao Sr. Ministro da Marinha esta medida. Fosse o que fosse, o que é certo, é que eu antipathiso com ella.

Se é certo que algumas camaras municipaes estão em prosperidade bastante para poderem supportar este encargo, outras ha em que assim não succede, e como prezo muito as regalias municipaes tanto na metropole como no ultramar; não me posso conformar com esta base.

Mando para a mesa as minhas propostas, e a commissão apreciará devidamente o que acabo de dizer.

Para terminar, vou referir-me a um assumpto a que já me referi nesta sessão legislativa quando tive a honra de realizar um aviso previo ao Sr. Ministro do Reino, assumpto que foi novamente tratado na ultima sessão pelo meu illustre amigo Sr. Dr. Moreira Junior. Refiro-me á extincção das escolas medicas do Funchal e de Nova Goa. É este um assumpto que constitue uma aspiração justissima, não só pela receita que possa advir pela extincção d'essas escolas, como tambem porque devemos caprichar em ter um ensino medico bem estabelecido, não permittindo a existencia de escolas medicas que são uma vergonha nacional.

Refiro-me ato especialmente á escola do Funchal que foi fundada ao mesmo tempo que a escola de Ponta Delgada, que teve uma vida ephemera. A propria escola do Funchal foi declarada extincta por um decreto, de cuja data me não recordo.

Pois apesar d'isso, esse decreto não foi posto em vigor, porque no anno immediato outro decreto permittiu que essa escola continuasse funccionando, por motivos talvez semelhantes áquelles que o nobre Ministro disse que impediam, actualmente, a extincção da escola de Nova Goa.

Apreciou o illustre Deputado o Sr. Moreira Junior o problema pelo lado das receitas, mas eu não o aprecio assim, aprecio-o sobretudo pela necessidade que ha perante a medicina portuguesa, em acabar com essas duas escolas. S. Exa. pode ter dificuldades, comprehendo que as tenha. As populações onde existem essas escolas hão de impor-se, querendo compensações.

Dê-lhes S. Exa. essas compensações, mas acabe com a escola de Nova Goa, e com a do Funchal, com o auxilio do Sr. Ministro do Reino, e assim terá S. Exa. prestado um grande serviço á medicina sobretudo no que diz respeito á escola do Funchal, porque a escola de Nova Goa tem uma organização que ao tempo em que foi decretada era igual á das escolas medicas de Lisboa, Porto e Coimbra.

Porem essa escola estacionou. É certo que ella tem cinco annos de curso e nove disciplinas, mas estas não chegam no momento presente.

E depois, Sr. Presidente, d'essa escola saem medicos com habilitações, que lhes dá para morrer de fome.

E quando tenham de estabelecer concorrencia, vão para as nossas colonias, e sendo medicos pouco experimentados, vão lutar com os que mais habilitações ficam tendo em virtude da frequencia do novo curso colonial.

É uma aspiração da medicina portuguesa a extincção d'estas escolas e o actual Ministro da Marinha, por ser medico, comprehende-a tão bem como eu. Por isso deve tratar por todos os meios de consegui-la, dando-lhes compensações por meio de escolas que fossem mais proveitosas para a localidade, e em que se pudessem aproveitar alguns dos actuaes professores.

Feitas estas considerações, termino o meu discurso dizendo, novamente, que aparte os reparos que fiz, entendo que a proposta que acabo de discutir me satisfaz na sua generalidade.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

O Sr. Almeida Dias (relator): - Poderia dispensar-se de responder, se não fosse a muita consideração e a muita estima que tem pelo Sr. Egas Moniz; porque a verdade é que a defesa do projecto está brilhantemente, feita pelos illustres Deputados da opposição que d'elle se teem occupado.

A consagração do nome do nobre Ministro da Marinha, auctor da proposta é, portanto completa e as outras nações da Europa sabem já, que alem das nossas missões scientificas, cujas despesas foram já largamente pagas pe-

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SESSÃO N.° 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 7

1os serviços prestados á sciencia e á humanidade, Portugal acompanha-as na sua marcha, como uma das primeiras nações coloniaes, olhando pela vida e pela saúde dos seus officiaes, dos seus soldados e dos seus colonos. E, quando em França está apenas esboçado a plano concebido por outras nações, o Sr. Ministro da Marinha apresenta já ao Parlamento uma proposta para a criação de um hospital para ensino colonial.

O illustre Deputado a quem lhe cabe a honra de responder, entende, como profissional, que o projecto é bom e é sympathico; mas como politico discorda de alguns dos seus pontos; tem portanto de responder ao clinico que applaude e ao critico que accusa, e desde que elle, orador, demonstre que o projecto é urgente, opportuno e nada deixa a desejar quanto á sua contextura economica, tem respondido completamente ao Sr. Egas Moniz.

Tendo o Sr. Ministro da Marinha organizado o nosso exercito ultramarino, augmentando consideravelmente o numero de officiaes e soldados europeus, indicado estava a criação de um hospital como desdobramento do Hospital da Marinha que já hoje dificilmente comporta os seus doentes e como elemento e fonte de instrucção para os medicos que tenham de prestar serviço no ultramar.

Ás receitas criadas para attender á despesa proveniente d'este hospital estão claramente definidas nas bases que estão sujeitas á discussão, e no Orçamento nenhumas outras podem inscrever-se, nem são necessarias para a sua installação.-

Deve esclarecer os pontos a que S. Exa. se referiu e que mereceram o seu reparo.

A gratificação, de que trata a base 5.ª, é a do artigo 216.° da carta de lei de 28 de maio de 1896, e nenhuma outra lhe é concedida, salvo no caso de se tratar de um facultativo reformado, que terá então a gratificação de 20 por cento do seu vencimento.

A installação do laboratorio, a que se refere, a base 7.ª, não traz a despesa que o illustre Deputado previu, e é de toda a conveniencia que ella exista junto do novo hospital, como já existe no Hospital da Marinha.

A base 13.ª contém materia que tem de ser apoiada no respectivo regulamento; entretanto a commissão estudará a proposta que S. Exa. mandou para a mesa.

É claro que o ensino secundario, a que se refere a base 15.ª ha de ser ministrado pelos mesmos professores que ministram o ensino especial.

Tambem é questão de regulamento o assumpto de que trata a base 19.ª; mas pode afirmar que é intenção do illustre Ministro da Marinha estabelecer umas propinas muito pequenas.

Considerou S. Exa. insignificante a percentagem a que se refere a base 20.a; pode, todavia, dizer que ella produz uma receita, proximamente, de 7:500$000 réis, a julgar pelo que produz actualmente o subsidio com que as camaras municipaes do ultramar concorrem para o Instituto Ultramarino.

Está calculado que esta receita chega, não só para as despesas de installação, mas ainda para o subsidio a missões scientificas que hão de seguir-se, nos meses que ficam livres aos professores do ensino.

Sendo assim, crê que não poderá ser acceita a proposta do Sr. Moreira Junior, que tende a unificar os serviços de ensino e clinica do hospital, porque o serviço de ensino comprehende só quatro meses e tem nos restantes o das missões scientificas ao passo que o serviço de clinica do Hospital tem de ser permanente.

O mesmo não pode dizer em relação á direcção superior dos dois serviços, porque a commissão é a primeira a fazer justiça aos grandes merecimentos e á superior intelligencia do illustre funccionario que se chama o Dr. Ramada Corto,

Nada mais lhe resta dizer e crê ter respondido a todas as objecções feitas ao projecto.

(O discurso será publicado na integra quando S. Exa. restituir as notas tachygraphicas).

O Sr. Lima Duque: - Sr. Presidente: como vogal das commissões de saude publica e marinha, assignei este projecto de lei sem declarações, apesar da minha qualidade de Deputado da minoria progressista.

É evidente, portanto, que concordo com elle. Para justificar esta concordancia, quo a muitos parecerá estranha, é que pedi a palavra. E faço-o espontaneamente, Sr. Presidente, sem que no meu espirito entre temor algum de censura á minha lealdade partidaria, da qual, pessoa alguma, com fundamento, pode sequer suspeitar, e da qual só teria que dar contas ao meu chefe politico. (Apoiados). Absolutamente a mais ninguem.

Sr. Presidente : se este projecto, vindo da bancada governamental, envolvesse a minima parcella que fosse de confiança politica ao Ministerio, eu regeitá-lo-hia immediatamente, combatê-lo-hia com todo o vigor de um adversario intransigente. (Apoiados}.

Mas, Sr. Presidente, este projecto não representa uma obra politica, não transparece nelle a figura facciosa de um Ministro retintamente partidario, nem tão pouco os processos esbanjadores e ruinosos que caracterizam a administração do actual gabinete. (Apoiados}.

Não, Sr. Presidente.

Vejo, neste projecto do illustre Ministro da Marinha, simplesmente a obra de um medico que foi estudante distinctissimo (Apoiados), e cujo talento se tem accentuado em toda a sua carreira publica.

Vejo, Sr. Presidente, neste projecto do Sr. Teixeira de Sousa, uma iniciativa brilhante e humanitaria, um esforço, louvavel, para o nosso progresso scientifico e para uma efficaz colonização ultramarina. E eu, medico tambem, applaudo essa iniciativa, acompanho esse esforço.

(Vozes: - Muito bem, muito bem).

Em questões scientificas e de administração publica, Sr. Presidente, só devemos attender, segundo creio, á disciplina do pensamento e não á disciplina partidaria que nada tem que ver com esta ordem de assumptos. (Apoiados).

Sr. Presidente: em 1890, fui inesperadamente nomeado para acompanhar a expedição a Moçambique, a qual levava em mira combater o regulo Gungunhana. O meu primeiro cuidado foi preparar-me com alguns conhecimentos de pathologia exotica e com alguns conselhos de abalisados medicos conhecedores d'aquellas paragens.

A despeito d'essa preparação, muito succinta, porque o tempo urgia, e do vehemente desejo profissional de instruir-me, eu sei, Sr. Presidente, quanto tive de aprender, por observação propria, no lapso de tempo que permaneci em Africa; sei Sr. Presidente, de quanto esmero e solicitude foi necessário cercar a minha clinica para não commetter faltas gravissimas, applicando, sem restricções, o que tinha adquirido na pratica medica do continente, á clinica dos paizes tropicaes.

São de tal modo differentes, Sr. Presidente, a physiologia e a pathologia dos organismos influenciados pelos climas torridos, tomam esses organismos uma feição de tal maneira caracteristica que é preciso muitissimo cuidado e todo o conhecimento d'esses segredos especiaes da sciencia medica tropical, para não cair em erros grosseirissimos que podem trazer, como consequencia, funestissimos desastres. (Apoiados).

Entrei, portanto, no estudo do projecto com a orientação que a experiencia das pessoas e das cousas ultramarinas me ha dado.

Disse Chamberlain, o notavel Ministro inglês, que o combate contra as doenças tropicaes constitue o fundo real do problema da colonização. E assim é, Sr. Presidente

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8 DIAIRO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Durante o tempo que demorei nas regiões tropicaes, tive occasião de observar, Sr. Presidente, a productividade assombrosa d'aquelle solo, ainda virgem de cultura em extensissimas zonas; vi toda a pujança e formosura da sua frondente vegetação, a caudal dos seus rios, o ouro das suas areias o das suas minas; experimentei o sabor exquisito e delicado dos seus bellos fructos; senti a frescura dos seus planaltos, e finalmente admirei toda aquella exuberancia de vida, todo aquelle esplendor da natureza, que um sol ardente, mas brilhante, illumina e fecunda, que chuvas periodicas, copiosissimas e torrenciaes, rogam e fertilizam. (Muito bem).

É este deslumbramento de riqueza nativa, que fascina, encanta o attrae o coluno, mas, Sr. Presidente, não o fixa, porque sob esse aspecto ridente da natureza tropical se occulta o veneno traiçoeiro que, em pouco tempo, quebranto as melhores energias do colono, entorpecendo-lhe o cerebro para a direcção das suas empresas, paralysando-lhe os braços para a realização dos seus trabalhos, enervando-lhe a alma num desalento invencivel que o leva, desamparado e descrente, ao catre de um hospital ou á vala de um cemitério. (Apoiados.- Vozes: Muito bem).

Vi ainda, Sr. Presidente, que o nosso colono, aos primeiros ataques do clima, fugia espavorido e aterrado d'essa miragem que o seduzia, d'essa opulencia que o estimulava, pura regressar á metropole, onde o aguardam, em geral, as tribulações o a miseria. (Vozes: - Muito bem).

Ora, d'este modo, Sr. Presidente, não ha colonização possivel, e som colonização não ha conquista proficua. A nossa grande epopeia africana ficaria apenas registada nas paginas gloriosas da historia.

Mas, se o colono souber que nesses longinquos países encontra o auxilio, os recursos e os meios de resistencia ao factor mais pernicioso para a sua adaptação, a confiança entrará no seu espirito, que assim liberto de um pesadelo, quebrará facilmente os elos nostalgicos que o ligavam á metropole, e o conduzirá ao trabalho e á estabilidade, condições indispensaveis para uma efficaz colonização. (Apoiados}.

E aqui temos, Sr. Presidente, como este projecto de lei, simples e comesinho, avança um passo gigantesco para a consecução do nosso patriotico desideratum. (Apoiados).

E eu sentir-me-hia mal com a minha razão profissional e com a minha consciencia de português, se levantasse o mais pequeno obice á sua completa approvação.
Sinto, mesmo, ufania, Sr. Presidente, em ligar o meu nome a um projecto d'este alcance.

Br. Presidente: ouvi com toda a attenção e com todo o agrado a voz eloquente e brilhante do meu collega e amigo o Sr. Moreira Junior, ouvi com toda a attenção e com todo o agrado a palavra talentosa e enthusiastica do meu prezadissimo amigo o Sr. Egas Moniz, e depois de os ouvir mais se me arreigou no pensamento a convicção de que a minha conducta, assignando o projecto sem declarações, foi de todo o ponto justa e correcta. (Apoiados}.

Disse o Sr. Moreira Junior, criticando a estructura economica do projecto, que poderiamos, de preferencia, dadas as circumstancias do Thesouro, ter recorrido ao appello nacional.

Este alvitre e muitos outros ainda, perpassaram pela minha mente antes de assignar o projecto, porque todos elles já haviam sido apreciados no Congresso Colonial, ultimamente realizado em Lisboa, e teem sido discutidos num jornal, a Medicina Contemporanea. Entendi e entendo, porem, que não cabe na opportunidade d'este projecto qualquer desses alvitres.

O appello ao país, Sr. Presidente, seria tentador se não houvesse exemplos frisantissimos do que elle pode dar. (Apoiados}.

Sabemos, Sr. Presidente, o que aconteceu com a subscripção nacional, por occasião do ultimatum inglês. Apesar do pais se achar então convulsionado por um movimento patriotico, intenso e sincero, derivado do uma expansão grandiosa da dignidade o brio nacionaes, affrontados cruelmente pelo injusto direito da força, a subscripção ficou mesquinha e limitada quasi exclusivamente á Familia Peai, Camara Municipal de Lisboa e funccionalismo publico. (Apoiados).

Sabemos, Sr. Presidente, o que succedeu com o pregão de propaganda contra a tuberculose. E esta terrivel doença é d'aquellas que se patenteiam aos olhos de todos, fere os pobres como os ricos, os plebeus como os nobres, poucas familias haverá que não contem, na sua linha ascendente, descendente ou collateral, a perda de um ente querido, a cruciante lembrança de uma terna affeição quebrada pela implacavel enfermidade. (Apoiados). (Vozes: - Muito bem).

Pois, apesar de tudo isto, Sr. Presidente, foi preciso que uma illustre dama, figura primacial da sociedade portuguesa, com todo o prestigio da sua proeminente posição social, com toda a sympathia do seu coração generoso, com toda a bondade da sua alma philantropica, e com to dos os recursos da sua alta gerarchia, tomasse o encargo de impulsionar essa obra profundamente meritoria. (Apoiados). E, assim mesmo, tem-se recorrido ao indispensavel auxilio do Estado, por meio de tributações municipaes e outras. (Apoiados).

E quão longe estamos ainda do desideratum que a necessidade impõe e a caridade anhela. (Muitos apoiados).

Portanto, Sr. Presidente, se estes factos se dão nas circunstancias especialissimas que aponto, o que poderiamos esperar do appello ao país para cooperar pecuniariamente na instituição de um hospital colonial e do ensino da medicina tropical, cujo alcance tão poucos comprehendem, que tenho visto pessoas illustradissimas e collocadas em eminentes posições sociaes, acolher com um sorriso desdenhoso as disposições d'este projecto, julgando-o mesmo indigno de figurar no Discurso Coroa! O que podiamos esperar, pois, do appello ao pais para uma obra d'esta natureza? Nada. (Muitos apoiados).

Accresce ainda, Sr. Presidente, triste, mas forçoso é confessá-lo, a desconfiança do pais relativa ao tino administrativo dos seus governantes, desconfiança justificavel ha tempos a esta parte (Apoiados), e que retrahiria certamente qualquer impulso dadivoso em auxilio do Governo que tentasse a experiencia.

Mas, Sr. Presidente, se algum resultado pode advir do appello ao país é, segundo penso, depois da approvação d'este projecto. Se ainda ha, no pais, energias capazes de se applicarem ás exigencias do bem publico, é agora o melhor ensejo de serem despertadas, visto que o Governo, com este projecto, mostra, de uma maneira irrefragavel, o seu proposito de fazer, sobre materia tão importante, alguma cousa util e proveitosa. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente: occuparam-se os meus collegas e correligionarios da extincção das escolas do Funchal e de Nova Goa.

Como profissional, não posso deixar de applaudir tal idéa. Todo o individuo diplomado para exercer a carreira medica deve possuir uma completa capacidade scientifica e legal para exercer as melindrosas funcções da sua profissão.

Não comprehendo meia sabedoria em casos de tanta monta. (Apoiados).
Conheço, porem, as difficuldades politicas e administrativas que haviam de surgir, supprimindo de um jacto essas duas escolas. Antes opinaria pela transformação d'essas escolas em institutos de medicina colonial, idéa mais facilmente realizavel, no momento actual, do que a suppressão integral d'essas escolas, cujos productos scientificos são, na verdade, curiosissimos de incompetencia. (Apoiados).

Na minha clinica africana tive occasiões de apreciar os dotes scientificos dos filhos da Minerva goense.

No hospital de Lourenço Marques estiveram alguns me-

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ses dois medicos canarins, diplomados pela escola de Goa, e que gozavam fama, entre os indigenas, de pessoas inteligentes e conhecedoras da arte de curar. Pois, Sr. Presidente, se eu quisesse tomar tempo á Camara, contar-lhe-hia anedoctas authenticas, mas extraordinariamente pittorescas, d'estes sabios cavalheiros. (Riso).

Ha ainda um outro ponto, a que já respondeu o illustre Ministro da Marinha, tratado pelo meu collega, o Sr. Moreira Junior, e a que tambem se referiu o meu collega, o Sr. Egas Moniz a directoria do ensino e do hospital.

Sobre este ponto accentuarei que, no meu entender, pouco importa a separação das directorias, desde que uma boa regulamentação estatua, com nitidez, as relações officiaes dos diversos, funccionarios e marque taxativamente as attribuições de cada um. (Apoiados). Para mim, este é que deve ser o fulcro da questão.

Conheço, Sr. Presidente, os tramites de muitos conflictos, pleiteados entre administradores dos hospitaes e o corpo docente. Mas, ouso affirmá-lo, conflictos d'esta ordem serão difficeis de subsistir logo que haja um regulamento que defina claramente, abertamente, as obrigações, os deveres e os direitos dos funccionarios e que não se preste a interpretações duvidosas. Sem isto, tudo será baldado. Os conflictos podem surgir do mesmo modo entre a directoria e os professores, entre estes e os demais empregados, etc. (Apoiados).

Não quero dizer que, na actualidade, tenhamos que recear caprichos conflictosos, nomeando para director simultaneo do hospital e do ensino o illustre medico apontado pelo meu collega e correligionario, Sr. Moreira Junior, porque esse cavalheiro é um funccionario zeloso, uma alta intelligencia, dotado de superior perspicacia scientifica e e de largo tirocinio das cousas publicas. É o Sr. Ramada Curto. (Apoiados). Conto-o com orgulho no numero dos meus correligionarios mais distinctos. (Apoiados).

Por isso concordo em que se entrega, com segurança e indiscutivel efficacia, a direcção dos novos serviços áquelle prestante cidadão. (Apoiados). Mas o Sr. Ramada Curto não é perpetuo (Apoiados), e depois d'elle pode vir um outro que não reuna iguaes qualidades. (Apoiados).

Repito e insisto, portanto. Peço ardentemente ao Sr. Ministro da Marinha, como membro do Parlamento, como collega profissional e como amigo particular que, no regulamento, ponha todo o cuidado em bem esclarecer e destrinçar as relações entre os differentes funccionarios e o corpo docente, porque na carencia de uma boa regulamentação de serviços é que reside sempre o principal, senão unico, movei dos conflictos de jurisdicção. (Apoiados).

Relativamente á affirmação de estar condemnado o edificio da Junqueira, direi, Sr. Presidente, que condemnado está o edificio da Junqueira, condemnado está o Hospital da Estrella, condemnado está o Hospital de S. José, condemnado está o Hospital da Universidade, condemnados estão quasi todos os edificios publicos, e condemnados estamos nós, infelizmente, a servirmo-nos d'elles, porque nas arcas do Thesouro falta dinheiro para construcções novas e apropriadas. (Muitos apoiados).

Por consequencia, Sr. Presidente, já que não podemos ter um hospital novo, de hygiene irreprehensivel, ao menos procuremos adaptar, para o nosso intento, o edificio que melhores condições proporcione. (Apoiados). Do mal o menos.

Para justificação de voto, Sr. Presidente, já vou mais longe do que era meu proposito. Bastam, porem, estas breves considerações para d'ellas se deprehender o motivo do meu assentimento pleno a este projecto.

Voto-o, porque elle procura realizar uma idéa justa, necessaria e levantada; voto-o porque, na sua contextura modesta, mas sabia, attende aos nossos parcos recurso financeiros, sem descurar o essencial para o fim a que visa; e voto-o, Sr. Presidente, porque a rasão m'o indica e a consciencia m'o aconselha.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(O orador foi cumprimentado pelos seus amigos politicos e muitos Deputados da maioria).

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira da Sousa): - Ainda d'esta vez me não levanto para defender o projecto em discussão, porque felizmente para mim e para o proprio projecto, elle tem sido eloquentemente defendido pela Ilustre opposição.

Ouvi o discurso notabilissimo do illustre Deputado o Sr. Moreira Junior, professor distinctissimo da Escola Medico-Cirurgica de Lisboa. (Apoiados). O illustre Deputado applaudiu a iniciativa do projecto.

Ouvi tambem o discurso notavel, proferido pelo Sr. Egas Moniz, illustre ornamento d'esta casa (Apoiados) e da Universidade de Coimbra, revelando o completo conhecimento das principaes necessidades das nossas colonias, e tive o prazer de lhe ouvir mais uma vez que concordava inteiramente com o pensamento do projecto, e que o meu procedimento, trazendo-o á Camara, era digno de elogio.

Vi neste momento o Sr. Lima Duque, clinico muito distincto (Apoiados), parlamentar que todos nós admiramos (Apoiados), levantar-se aqui para justificar o seu voto, porque havia assignado o projecto sem declarações.

Permitta-me V. Exa. Sr. Presidente, o eu dizer, que
estes tres notabilissimos parlamentares e distinctissimos medicos, associando-se ao pensamento do Governo (Apoiados), me lisonjearam sobremaneira o espirito, por haver tomado a iniciativa do projecto que neste momento aqui se discute.

Com inteira franqueza devo tambem dizer, que os illustres Deputados procedendo assim, honraram o projecto e honraram-se a si proprios, pondo de parte a politica partidaria, para collaborar distinctamente na confecção de uma
lei, que na opinião de S. Exa. representa um notavel melhoramento para a nossa administração colonial (Apoiados), e tambem o cumprimento de um dever indeclinavel para com todos aquelles que vão sacrificar a saude na defesa
dos interesses das nossas possessões ultramarinas. (Muitos apoiados).

Mas, Sr. Presidente, se pedi a palavra foi unicamente para dizer como é que o Sr. Lima Duque assignou este projecto sem declarações. O illustre Deputado não precisava do meu testemunho para que todos prestassem homenagem á sua lealdade partidaria.

S. Exa. milita no partido progressista, a que tem dado as mais extremadas provas de dedicação, quer no Parlamento, quer fora d'elle; não precisava S. Exa. do meu testemunho para que se pudesse pôr a menor duvida á sua lealdade partidaria.

Vou referir o que se passou. Eu tenho a honra de ser ser collega profissional do Sr. Lima Duque; ao apresentar esta proposta affirmei a S. Exa. que não encerrava uma sombra de intuito politico ou partidario; que era unicamente uma medida administrativa, e que como medico distincto que é, me dissesse se concordava ou não com ella.

O illustre Deputado, com o seu nobilissimo caracter, disse "que como medico concordava com o pensamento do projecto, mas como membro da opposição parlamentar se oppunha, visto como não podia deixar de exercer acção especialmente fiscal, como deve, em alguns pontos da proposta de lei".

E com a sinceridade do seu caracter accrescentou "que se na proposta de lei se admitissem as emendas que sobre alguns pontos apresentava, não tinha duvida em assignar o parecer sem declarações". E como S. Exa. tinha em vista exclusivamente concorrer para que se fizesse uma lei de que se tirasse o proveito que eu tinha em vista ao apresentá-la, e, fundado na collaboração e na sinceridade de intentos do illustre Deputado, não tive duvida em

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aceitar as alterações que S. Exa. apresentara e assim assignou o projecto sem declarações.

Ora, confiando inteiramente na declaração do Sr. Lima Duque, recommendei á consideração da commissão essas alterações, que foram acceitas.

Foi simplesmente para dar esta informação á Camara que me levantei. Volto a sentar-me, agradecendo reconhecidissimo aos Srs. Lima Duque, Moreira Junior e Egas Moniz a collaboração proveitosissima com que S. Exas. vieram melhorar notavelmente a proposta de lei que eu trouxe á Camara. (Muitos apoiados).

Sr. Presidente, varias propostas foram mandadas para a mesa pelos Srs. Moreira Junior e Egas Moniz. A commissão as apreciará. Posso, no entanto, dizer já, que grande numero d'ellas teem a minha sincera sympathia.

(Muitos apoiados).

Vozes:- Muito bem.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Oliveira Mattos: -Sr. Presidente: V. Exa. comprehenderá muito bem, e a Camara igualmente, a difficuldade com que tenho de arrostar ao tomar a palavra, depois do discurso que acaba de pronunciar o Sr. Ministro da Marinha, agradecendo as palavras que lhe foram dirigidas d'este lado da Camara por todos os meus collegas, que concordavam com o pensamento do seu projecto. A Camara comprehenderá taes difficuldades e o embaraço que devia sentir querendo manifestar-me em opposição, se não estivesse acostumado ás lutas parlamentares dizendo sempre, sincera e corajosamente, o que entendo acerca dos assumptos que aprecio, como sei e posso.

Mas, Sr. Presidente, vou usar da palavra com a mesma hombridade e independencia com que d'ella usaram os meus collegas que defenderam e apoiaram a idéa do Sr. Ministro da Marinha, e vou fazê-lo, sem me preoccupar com intuitos politicos, vou fazê-lo no cumprimento de um dever de consciencia, tão respeitavel nos seus intuitos como o dos meus illustres collegas d'este lado da Camara, que muito respeito. (Apoiados).

Sr. Presidente: eu não tenho a honra de ser medico.

Os illustres Deputados que são medicos embora membros da opposição, estão no seu papel, e mal lhes iria se assim não procedessem; e eu estou no meu, porque devo ser coherente com as repetidas e constantes declarações que de ha muito tenho feito nesta casa do Parlamento de que me insurjo contra todo o augmento de despesas que venham sobrecarregar, cada vez mais, como está succedendo, o nosso tão desequilibrado Orçamento. (Apoiados).

E, Sr. Presidente, se me insurjo neste momento, não é porque me repugne acceitar a proposta no seu pensamento inicial, generosa e nobre nos seus intuitos; o que combato é a opportunidade, pois augmentar as despesas publicas neste momento critico das nossas finanças, é tudo quanto pode haver de mais inopportuno, de mais condemnavel, de mais anti-patriotico, chegando até a ser um crime, pois affecta gravemente como provarei, o credito e a propria autonomia nacional, debatida neste momento no estrangeiro, a proposito das negociações do convenio e a que me referirei com as cautelas que o melindroso assumpto exige.

E difficil, reconheço-o, o meu papel de opposição contra todos, mas não recuo deante d'elle, porque, no cumprimento do meu dever, nada me faz recuar.

Este côro de louvores mutuos entre o Sr. Ministro da Marinha e os parlamentares que me precederam, de um e outro lado da Camara, não me entibia; procederam em sua consciencia de homens de bem e de profissionaes, que eu respeito e considero, como entenderam. Eu farei o mesmo, seguirei o meu caminho sem tergiversações nem fraquezas.

Sem entrar de forma alguma na essencia do projecto, porque não tenho para isso competencia profissional, e ainda que a tivesse não o poderia fazer mais proficiente
mente do que o fizeram os illustres oradores que me precederam um, laureado discipulo da Universidade de Coimbra, de que em breve será um ornamento, outro, professor distinctissimo da Escola Medica de Lisboa, ao tratarem a parte technica do projecto, e ainda o Sr. Dr. Lima Duque, um profissional que honra a classe, que apenas justificou o seu voto e assignatura do projecto sem declarações, voto que ninguem discutiria, porque todos fazem justiça ao seu caracter; sem entrar portanto, como disse, na essencia do projecto, eu vou, com a mesma independencia, mas guiado por outra orientação muito differente, e sobre o ponto de vista economico, referir-me a elle com desagrado.

Nenhuma vontade, nenhum desejo tenho de, nas minhas modestas palavras, ser desagradavel ao Sr. Ministro da Marinha, meu apreciado collega já de bastantes annos, nos trabalhos parlamentares, e por quem tenho a consideração e o respeito que se deve ter sempre por aquelles que conquistam o logar que S. Exa. occupa á custa de muito estudo e trabalho. Mais de uma vez aqui medimos a nossa palavra, sustentando idéas oppostas, sem que em nenhuma d'ellas tivessemos de nos envergonhar de discutir como homens e cavalheiros, cada um no seu campo, defendendo os seus principios honesta e dignamente. Não pode, portanto, o Sr. Ministro da Marinha ver nas minhas palavras facciosismo politico, que não me domina, mesmo porque a questão não é politica, desejo ou intenção de irritar o debate, nem intuito propositado de lhe ser desagradavel, porque não tenho motivos para isso.

Fazendo justiça ás intenções do nobre Ministro, desejo tambem que S. Exa. me faça a justiça de acreditar que, se eu combato o projecto, não é porque não sinta, como S. Exa., a necessidade de acudir aos desgraçados que vêem do ultramar e que necessitam e merecem encontrar na sua patria a descanso e o remedio para a sua saude depauperada, mas porque outro pensamento mais alto me domina, e por que entendo que remediado por agora como estava o mal, se podia e devia adiar para mais opportuna occasião um aperfeiçoamento, justo, mas dispensavel, que requer e vae custar bastantes contos de réis annuaes, que nós não podemos nem devemos gastar neste momento.

(Apoiados).

A hora é solemne de mais para que cada um de nós deixe de dizer claro e bem alto ao pais o que pensa e sente acerca das cousas da administração publica, varrendo cada um a sua testada e deixando a responsabilidade a quem pertencer, protestando energicamente contra este continuo e monstruoso augmento de despesas, em tudo, por tudo, e a proposito de tudo! (Apoiados).

A historia fará justiça a todos, se antes d'isso o pais se não resolver a fazê-la por suas mãos...

Sejam quaes forem os fins das propostas de lei que teem sido apresentadas pelo Governo ao Parlamento, o que temos nós visto, em dois meses de sessão parlamentar?

Quaes são os projectos que o Governo já trouxe á apreciação do Parlamento, para serem discutidos, de verdadeiro interesse nacional?

A obra do Governo nestes longos 60 dias de sessão, resume-se no seguinte: resposta ao Discurso da Coroa, sem discussão; bill de indemnidade, quasi sem discussão; a lei do sêllo e respectivas emendas - uma nova rede varredoura de augmento de impostos para o contribuinte; - fixação de forças de terra, fixação de forças de mar; contingente de recrutas; direitos de mercê, que ainda não está em discussão; o hospital colonial, que hoje se vae discutir, com augmento de despesa; e finalmente, um outro projecto que está tambem na ordem do dia de hoje, com muito maior augmento de despesa do que o projecto do hospital colonial que estamos discutindo, referente á criação de uma casa de correcção no districto do Porto.

Eis tudo!

Ora, o que ha de suppor o país de um Governo e, principalmente, de uma Camara, que não tenta pôr cobro a

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estes desmandos de augmento de despesa, constantes, a que ha dois meses assiste, sem um protesto energico e violento, contra esta corrente de esbanjamentos, a começar pelos que se fizeram com o uso e abuso das auctorizações parlamentares que arrazaram o Thesouro? Que se deve, pois, dizer de um Governo que não tem o respeito e consideração, que devia ter, pelos interesses do pais?

Que elle é réu confesso, provam-o os projectos que apresentou, depois de terminar com o parlamento fechado, aquelle tremendo jubileu, que tantas centenas de contos vae custar ao contribuinte! Mas não se resolveu, ainda, a entrar num caminho de boa administração, que desse satisfação aos nossos credores externos, deixando-lhes esperança de emenda, a ver se assim descansaria o delegado do Governo, que por lá anda a tratar d'esse assumpto que, como uma sombra negra, tanto pesa sobre o pais ameaçado.

Não se resolveu, ainda, o Governo a confessar ao pais, que tem esbanjado é certo; mas hoje, vendo a necessidade imperiosa de entrar num caminho de arrependimento, para que se possa dar aos credores aquillo que lhes é devido e que possa ser, o Governo muda de rumo, corrige-se dos erros passados, penitenceia-se das suas graves faltas, e mostra e prova, por obras que não por palavras, que vae entrar num novo e honrado regime de economia e boa administração, occupando-se a serio, com zelo e patriotismo, dos interesses da nação, dos seus problemas vitaes que tem desprezado, para só cuidar de afilhados e compadres.

Era isto o que se esperava, mas, infelizmente, com tristeza e magna o digo e é verdade, Parlamento e pais assistem á continuação da orgia governativa, nestes actos de má administração, revoltantes, condemnaveis e criminosos! (Apoiados).

É por estas razões, Sr. Presidente, que me insurjo contra a approvação d'este projecto, como contra a de todos aquelles que venham augmentar ainda mais as despesas publicas, já assombrosas, e a necessidade de mais impostos, provando por outro lado, a nacionaes, e o que é mais perigoso aos estrangeiros, que os nossos Governos continuam sem juizo, sem tino, sem emenda, a arrastar-nos para a ruina certa e irremediavel, pelos seus maus processos de administração, mostrando-se incorrigiveis, como se está vendo.

isse e repito, é preciso que tudo se diga, convenientemente, e vá a responsabilidade a quem toque.

Neste angustioso momento, quando os emissarios do Governo português andam de Paris para Londres, de Londres para Berlim, de Berlim para Amsterdam, em jornadas e em solicitações melindrosissimas, a que teem assistido pacientemente o pais e a Camara, pergunto: como damos nós força a esses emissarios para poderem remover as grandes dificuldades que encontram perante as exigencias crueis dos credores estrangeiros?

Como procede o Governo para que as suas medidas de administração, de moralidade, de rigorosa economia, da mais parcimoniosa maneira, honesta e intransigente, de despender os dinheiros publicos, corresponda á gravidade afflictiva, perigosa, do momento, e offereça garantias serias e dignas de respeito aos nossos credores que nos vigiam, que sabem tudo o que se passa, que estão com os olhos em todas as nossas acções?

Deixo a resposta a consciencia do nobre Presidente do Conselho, o maior culpado e o maior responsavel por todos os desmandos do seu Governo!

Deixo a resposta a S. Exa., se bem que a minha, critica podia ser profunda e cruel acerca d'estes verdadeiros attentados nacionaes, que se estão praticando neste momento!

Quando os jornaes annunciam que os credores se levantam contra a nossa má administração e contra o desbarato dos nossos dinheiros, fazendo-nos exigencias crueis, violentas, vexatorias e attentatorias, talvez, da nossa autonomia administrativa, ferindo o brio e a dignidade da
nossa patria, o Sr. Presidente do Conselho, de coração ligeiro, com uma, não direi inconsciencia, porque não quero fazer offensa a S. Exa. mas com um desassombro que parece inconsciencia, deixa que por todos os Ministerios se augmentem consideravelmente as despesas. Deixa que em todos os projectos que se apresentam ao Parlamento, se criem novos encargos, como no projecto de hoje que traz o encargo confessado de 7:000$000 réis annuaes, mas que custa muitissimo mais, como é facil de demonstrar, e como num outro que está dado para ordem do dia, a criação da Casa de Correcção no Porto, em que o Sr. Ministro da Justiça calcula em 11:000$000 réis as despesas obrigatorias, tambem annuaes, e em 5:000$000 réis a acquisição de um predio qualquer, que talvez traga uma nova a questão dos predios do Porto, mas que tambem custará muito mais!

O calculo do Sr. Ministro da Justiça é errado, porque S. Exa. não pode sustentar uma casa de correcção no Porto, com 11:000$000 réis como ninguem ignora.

Tambem no projecto que está em discussão o orçamento de 7:000$000 réis é errado, porque os calculos do Sr. Ministro da Marinha são feitos muito pelo baixo, de forma a captar a sympathia da Camara e a approvação de mais este grande augmento de despesa.

S. Exa., no seu relatorio, faz-me lembrar estes mestres de obras que se chamam para ver quaes os concertos precisos num predio deteriorado. Para que lhe dêem a obra, para que os metam lá dentro, dizem: "Isto são uns reparos ligeiros que se fazem com 500$OQO ou 600$000 réis"; mas depois de lá estarem dentro e terem começado a obra, gastam contos de réis, e ai dos senhorios que se fiarem nos calculos baratos!

O Sr. Ministro da Marinha quer apenas obter do Parlamento a approvação d'este projecto, deixando tudo pendente do regulamento, no qual depois, fora do Parlamento, fará o que quiser, gastará o que lhe appetecer, como é costume do actual Governo.

É isto que S. Exa. pretende!

Agora, para obter a approvação da Camara, para armar ao effeito, apresenta-nos apenas a modesta despesa de 6:000$000 ou 7:000$000 réis por anno, e depois gastará o que entender, e á larga, e a contento de amigos, como agora é uso.

Pergunto á consciencia do illustre Ministro, á sua intelligencia de profissional, porque neste assumpto S. Exa. é competente: é com esta verba calculada que o nobre Ministro poderá criar a escola de ensino tropical e o hospital, e adaptar um edificio qualquer para a sua installação?

Ah! Sr. Ministro da Marinha! Por quem é! S. Exa. é um medico distincto e illustrado, e sabe quanto podem custar essas installações que são caras, como cara é a sustentação.

Basta dizer-se que as verbas que apresenta para toda a despesa, nem para um modesto laboratorio chegam!

Q Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Nem ellas são para isso.

O Orador: - Mas o projecto refere-se á criação de laboratorios que é mais do que um; e até diz que as lições theoricas serão seguidas de demonstrações e exercicios praticos feitos nas enfermarias e laboratorios, sobre todos os ramos da medicina tropical.

Então que quer dizer isto? Que se criam laboratorios é bem claro! E acrescento, sem querer ensinar o padre nosso ao cura, que para o ensino tão completo de todos os ramos da medicina tropical, me parece insuficiente só o laboratorio de bacteriologia, precisando-se, pelo menos de um para anatomia pathologica, e outro para analyse clinica. Não o poderá contestar S. Exa., nem a mim, que não sou profissional, mas que estudei um pouco o projecto como acabo de provar.

E a este respeito eu direi, que nós temos laboratorios

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no pais que podiamos aproveitar sem augmento de despesa.

Temos, por exemplo, talvez um dos melhores laboratorios da Europa, que tem sido muito elogiado por todos os estrangeiros que o visitam, o nosso Laboratorio Bacteriologico, onde tanto trabalhou e se illustrou esse mallogrado medico, que tanto honrou o nome português, Camara Pestana, o que se tornou conhecido lá fora como um homem de sciencia, a par dos mais notaveis, na sua especialidade; e aonde hoje o Sr. Dr. Bettencourt, com reconhecida competencia, continua a ardua tarefa, tão brilhantemente encetada por aquelle distincto e chorado medico.

Diz-se, porventura, em algum ponto do projecto, que serão aproveitadas as circumstancias favoraveis d'esse laboratorio? Não.

Mas, então, se S. Exa. tem verdadeiro criterio economico, se realmente deseja fazer boa administração, porque não lança mão d'estes recursos, que já tem criados, sem ser necessario ir augmentar a despesa?

O Sr. Ministro da Marinha, que é um profissional, sabe tudo isto melhor do que eu.

Quer S. Exa. que se diga o que a opinião publica suspeita e apregoa, quando vê fazer reformas, criar novas installações e designar qualquer edificio para um certo e determinado fim? Suspeita que se estão fazendo nichos para afilhados, que é para empregar mais gente, mais amigos, mais partidarios exigentes.

Garante S. Exa. que não seja assim?

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Não ha nomeação nenhuma, não as tenho feito.

Orador - Diz, mas os actos do nobre Ministro e dos seus collegas dizem e provam o contrario.

No alargamento do quadro, por exemplo, diz-se no projecto que a despesa será de 3:000$OoO réis. E realmente uma somma modestissima; mas eu fico, desde já de atalaia e depois demonstrarei que custa muito mais, nem póde deixar de ser, o é facil de provar.

Quantos contos de réis não ha de custar este novo Instituto ou Escola, com todos os seus accessorios, pessoal, e installações?

Comprehendia-se muito bem que, se o pais estivesse noutras circumstancias economicas, o Sr. Ministro da Marinha lançasse mão d'este expediente, para attender ás necessidades que até certo ponto justifica no seu relatorio.

Parece-me, porem, que em outros assumptos, de muito maior urgencia, a que é necessario attender, S. Exa. tinha onde exercer cem mais proveito a sua actividade, olhando como devia para a administração das colonias que tanto o precisam.

Tínhamos o Hospital da Marinha, que até agora tem preenchido razoavelmente o fim principal a que vsia este projecto, poderíamos ir-nos remediando por mais algum tempo, esperando melhores dias de desafogo para o Thesouro; ou podiamos tambem ter alargado as installações d'aquelle hospital, aproveitando tudo o que já ali ha de bom, sem precisão de um novo edificio, que será difficil de obter em boas condições, e custará muito dinheiro, como o proprio Sr. Ministro reconhece.

Isto parecia-me ser mais conveniente e de facil execução, a ampliação ou o alargamento do hospital, onde S. Exa. já tem bem montados varios serviços que são indispensaveis a um estabelecimento d'esta natureza, e aonde, como disse o illustre Deputado o Sr. Lima Duque, ha um laboratorio que muito bem se podia aproveitar.

Ahi estava um expediente bem acceitavel e a ponderar, de mais facil pratica e sem augmentar a despesa. Porque se não estuda e adopta? Ainda é tempo.

Custaria muito mais barato fazer o alargamento do Hospital da Marinha pela forma que se adaptasse melhor, do que construir um edificio de novo ou ir aproveitar um outro já condemnado, como disse hontem aqui o illustre Deputado o Sr. Moreira Junior, referindo-se ao da Junqueira, velho, arruinado, e em pessimas condições, como o proprio Sr. Ministro reconheceu.

Para que se hão de gastar sommas de contos de réis na adaptação de um edificio que S. Exa. reconhece que não tem boas condições de salubridade nem do local, e nenhum dos requisitos indispensaveis?

É um systema do actual Governo aproveitar os pardieiros, e até pagá-los bem seja por compra, troca ou renda. Ha uma grande predilecção pelos casarões em ruinas.

O anno passado approvamos aqui um projecto de lei para a compra de um velho palacio por 80:000$000 réis, aonde está installado o Museu de Bellas Artes.

Levantei aqui grande discussão por me convencer que a compra era prejudicial ao Estado, e que o dono fazia um optimo negocio. Fiquei vencido, pelos amigos do Governo; nem quero citar nomes, nem faço politica d'elles, mas tenho o direito de apreciar os actos de administração publica e de os criticar e combater quando se me afiguram ruinosos, por não dizer escandalosos.

É certo que levantou grandes reparos a compra d'esse palacio, mas, apesar d'isso, tem-se seguido pela mesma administração, gastando-se já mais de 200:000$000 réis na compra e obras de um outro edificio que dizem estar tambem condemnado.

Temos outro edificio publico igualmente condemnado, onde se gastaram centenas de contos: é o do projectado lyceu de Lisboa; e agora diz-se que não serve, que não tem as condições que requer um estabelecimento d'aquella ordem, e assim se vão mais 250:000$000 réis por agua abaixo, inutilmente gastos! Que boa administração!

Parece-me que isto, e muitos outros casos que poderia citar, deve merecer a attenção do Governo para se evitar agora a repetição de taes erros, que o pobre contribuinte tem de pagar.

Occorre-me agora mais outro facto, bem recente, para mostrar a sympatia d'este Governo pelos pardieiros e pelos maus negocios. Não quero dizer que seja pelas pessoas a quem elles pertencem, que se fazem estas ruinosas compras ; não o disse, nem digo: a opinião publica que tenha a responsabilidade de o dizer e apregoar, como faz.

O Sr. Antonio Cabral: - Diga, que não falta á verdade.

O Orador:- Auctorizou-se tambem a administração municipal dos Asylos a comprar um arruinado pardieiro, para installação dos asylados, gastando nessa compra até á quantia de 100:000$000 réis!

Quem quiser acompanhar, dia a dia, os actos de administração publica que se realizam por todos os Ministerios, e ainda os de um que não se chama Ministerio, mas que o é nos muas processos de administração, a Camara Municipal, uma dependencia do Ministerio do Reino e que só fiz o que elles indica, verá que o Sr. Presidente do Conselho, tendo faltado ao que devia, não mandando proceder á eleição da Camara Municipal de Lisboa, o fez para, do proposito, ser elle quem esteja a governar naquella corporação como mais um Ministerio aonde se esbanjam os dinheiros do contribuinte.

É por essa razão que se teem cerceado todas as regalias ao Municipio, e o Governo tem chamado a si todos os serviços d'elle dependentes, para melhor se poderem servir os amigos o anichar os afilhados, conforme mais convier ao engrandecimento do partidarismo, ouse terrivel cancro da actual situação.

Não sou eu que o digo, são os jornaes que o relatam, é o publico que o affirma e censura.

Não se trata uma questão, por mais importante ou insignificante que seja; não se realiza um acto de administração publica, por mais regular que pareça, por parte d'este gabinete, quo não venha inquinado da suspeição de que é para favorecer os amigos politicos, para sustentar

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os partidarios do Sr. Presidente do Conselho, que parece só assim se manteram fieis.

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - V. Exa. fazia o favor de me citar algum caso do ultramar, em que o acto praticado por mim venha inquinado da suspeição de que é para favorecer os meus amigos?

O Orador: - Não posso agora estar a indicar todos os actos ou despachos praticados por V. Exa., com respeito ao ultramar, em que V. Exa. tem servido os amigos.

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa: - V. Exa. dá-me licença?

V. Exa. disse que tinha praticado actos inquinados da suspeição de servirem amigos.

Por isso, pedia-lhe o favor de me dizer quaes são esses actos.

O Orador: - Então V. Exa. nos seus despachos tem servido os inimigos politicos?
Os progressistas, ou os franquistas?

Então V. Exa. não prefere servir, e decerto tem servido em tudo o que pode, os seus partidarios nos despachos que faz?

Não quero melindrar o caracter de V. Exa., que é ura velho parlamentar, como eu, conhecendo os expedientes da oratoria e usando dos seus recursos, como eu dos meus, mas digo a verdade.

Portanto, não quero dizer que V. Exa. tenha feito despachos que se possam inquinar de suspeitos ou escandalosos por serem feitos para servir individuos seus partidarios, pertencentes ao Parlamento, ou não, nem quero com isto maguar os meus collegas da maioria. O que eu quero dizer é que o Sr. Ministro nos despachos que faz, guarda para os seus partidarios todos os beneficios que d'ahi resultam e os prefere e beneficia quando pode. Não será isto assim!?

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Entendi que V. Exa. se referira a actos escandalosos praticados por mim inquinados da suspeição de serem praticados para servir os meus amigos.

O Orador: - Não, senhor, referia-me a despachos e não actos que não podem ser acoimados de escandalosos.

O Sr. Ministra da Marinha (Teixeira de Sousa): - De resto, governo com o meu partido.

O Orador: - Se me referisse a factos d'essa natureza, por os conhecer, dizia-o claramente, porque não sou homem que não tome a responsabilidade das minhas palavras ou das minhas afirmações, deixando de dizer o que entenda, por falta de coragem para o sustentar. Deve-o saber o Sr. Ministro, que ha muito me conhece no Parlamento.

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa):- Apoiado.

O Orador - O que eu disse é que os actos de administração d'este Governo, passam na opinião publica por serem para favorecer ou para servir a clientela, augmentando sempre as despesas. É por isso que eu, deante da apresentação d'este projecto de lei, que as augmenta, me insurjo contra elle, como contra todos d'esta natureza, hoje, como quando estava d'esse lado da Camara na maioria, por mais de uma vez fiz, contra augmentos de despesa que julgava dispensavel. Quem arcou desasombradamente com essas dificuldades, com magua o digo, desgostando ás vezes os seus correligionarios, tem o direito de levantar bem alto a sua voz agora, estando na opposição!

Entendo que a coherencia nos homens publicos é uma grande necessidade e devia ser uma rigorosa obrigação. Se todos a tivessemos, se nós não estivessemos acostumados a este systema dos homens publicos fazerem na opposição affirmações que renegam quando estão no Governo, nós não tinhamos chegado a esta decadencia vergonhosa, em que se duvida das mais solemnes animações!

Encontramo-nos nesta situação de descredito e desconfiança em que não se respeita nem o Parlamento, nem o Governo, que pelos seus actos desmereceu por completo no conceito publico, não se crendo nem acreditando em ninguem, nem em cousa alguma! Se o país parece tolerar este estado de cousas, se acceita isto, é porque está exhausto, cansado, indifferente, é porque lhe entorpeceram todos os elementos de resistencia, de vida. Adormecido nesta podridão de costumes que o vae contaminando, o pais não desperta por ora, mas pode ser que desperte um dia acordando em coleras terriveis, reivindicadoras da justiça que lhe não fazem, do bem estar que lhe não dão e que merecia!... Eu por mim, desejo ficar isento de responsabilidades, porque bem alto hei de levantar a minha voz todas as vezes que entenda dever fazê-lo, quer na opposição, quer na maioria, para protestar contra o aggravamento das tristes circumstancias a que fatalmente arrastam o país!

Não concorrerei em cousa alguma para o seu mal-estar! Nada quiz nunca, nem quero, da mesa orçamental, e defenderei desinteressadamente, quanto em mim caiba, o seu Thesouro, como a sua dignidade!

Lembro-me que. num dos ultimos dias da sessão passada, numa sessão prorogada até ás 9 horas da noite, fiquei só a combater um projecto que entrou então em discussão. Os meus amigos politicos eram contrarios ao projecto, mas, já fatigados entenderam que não valia a pena e que era inutil combatê-lo, porque já não passaria á ultima hora; por isso eu fiquei só a combatê-lo. Era o celebre projecto que auctorizava a desacreditada Camara Municipal de Lisboa a levantar um emprestimo de réis 400:000$000 para as obras da Avenida e aquisição de terrenos.

Combati-o tenazmente, por entender que não se devia conferir á Camara Municipal, tão accusada de erros graves, faltas, e suspeições de negocios escuros, uma tal auctorização, sobretudo quando tambem adjavam suspeitas em volta do empréstimo d'aquelles 400:000$000 réis.

Fiquei só, repito, numa sessão prorogada até ás 9 horas da noite, mas não desanimei, usando da palavra em quanto o Regimento m'o permittiu, e combatendo tenazmente até á ultima.

Fui esmagado pela maioria, mas tive a honra e a grande satisfação de ver que na outra casa do Parlamento ainda se fez justiça; porque, se o projecto aqui foi discutido e approvado, lá não foi nem sequer admittido á discussão, allegando-se o que eu dissera combatendo-o energicamente n'esta casa. Vencera a razão e a moralidade. Mas o Sr. Presidente do Conselho, com aquella força intemerata de estadista que assume a responsabilidade de tudo como tão jatanciosamente repete, não teve duvida em auctorizar em dictadura aquelle emprestimo, e isto a 5 ou 6 dias da abertura do Parlamento. Não teve coragem, durante o anno inteiro, de o fazer decretar; hesitou, receou, teve medo; mas emfim, depois, cheio da coragem, que nós conhecemos, a 5 ou 6 dias da abertura do Parlamento, sanccionou o emprestimo consumou o negocio! .

Era urgente, era necessario? Para que calcou mais uma vez aos pés a lei e a Constituição? Para que era necessario mais este golpe de dictadura a 5 ou 6 dias da abertura do Parlamento? Porque é que o Governo não teve a coragem de trazer á Camara o projecto ? Altos misterios!

Sr. Presidente: os factos e acontecimentos da nossa historia politica, de todos os dias e principalmente da nossa pessima administração dos ultimos, levam-me a insurgir contra todos os augmentos de despesa, contra todos os esbanjo mentos!

Este Governo não tem feito senão grandes desperdicios, lançando ao contribuinte cada vez mais impostos; e, por mais impostos que se arranquem á miseria do contribuinte, que pontualmente os paga, nada chega!...

O commercio, a industria e a agricultura, lutam dolorosamente com grandes dificuldades, e nenhuma providen-

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14 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cia governativa no adopta, absolutamente nenhuma, para attenuar a grande crise da metropole, nem a das colonias, principalmente a de Angola!...

O Sr. Ministro da Marinha, comparado com os seus collegas, talvez seja o mais economico. Mas o que fez S. Exa. com relação á importante questão do alcool?!...

Não está na menoria de todos a celebre reunião regeneradora, da maioria, em que numa assembléa quasi tão illustrada e numerosa como esta, onde pela primeira vez o nobre Ministro se apresentou sobraçando a sua pasta (que tanto lhe custou a conquistar!...), o Sr. Ministro da Marinha, fingindo não querer fazer politica, porque S. Exa. é muitissimo habil, e dizendo não querer maguar os seus adversarios, ousou lançar á publicidade a affirmação - de que ía augmentar 200:000$000 réis no rendimento do imposto do alcool em Africa? Esta insensata affirmação, a que me refiro porque a ella se referiu toda a imprensa, aonde foi discutida, causou tal effeito na assistencia, que um illustre parlamentar d'esse lado da Camara, enthusiasmado com a idéa de que entrariam mais 200:000$000 réis no Thesouro, e de que o Sr. Ministro da Marinha era o verdadeiro salvador das finanças de mar e terra, confundiu o monte do Vidago, das aguas, aonde tem brilhado o Sr. Ministro, com o promontorio de Sagres, e num rapto de deslumbrante oratoria, chamou-lhe o glorioso successor do Infante D. Henrique! (Riso}.

Mas em que ficaram os applausos de admiração e louvor, dados com tanto enthusiasmo ás levianas affirmações do successor do Infante D. Henrique, com desdouro para o antecessor o honestissimo e respeitado Sr. Villaça?!...

Em farrapos de espuma que se desfizeram, por completo, ao sopro da mais ligeira analyse!

Forque Sr. Presidente: se os centenares de contos de réis de economias feitas pelo Sr. Ministro da Marinha no seu Ministerio, são como elle e os seus louvaminheiros apregoam, como os taes 200:000$000 réis, a mais, no rendimento do alcool, desgraçadas economias!!... Infeliz sucessor do Infante, que tem de lhe ser retirado o titulo e a pasta, tendo de voltar para Vidago aonde continuará a sor mais afortunado!

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - V. Exa. faz o favor de dizer-me quanto se cobrava do alcool quando eu entrei para o Ministerio?

O Orador: - E V. Exa. diz-me de prompto quanto se cobra hoje, para eu lhe poder responder?!

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Fosso dizer a V. Exa. que se cobra mais de 400:000$000 réis.

O Orador: - Mas como é que V. Exa. sabe isso, se o seu regulamento provisorio para a cobrança, foi decretado em 23 de dezembro de 1901, em dictadura? V. Exa. julga que quando uso da palavra não me encontro habilitado para responder?

O Sr. Ministro da Marinha (Teixeira de Sousa): - Eu não venho aqui ensinar V. Exa., mas os impostos não se cobram pelo regulamento, cobram-se pelas leis.

O Orador: - A lei, ou antes o decreto dictatorial, para ella se poder pôr em execução no ultramar, e cobrar o imposto, é de 2 de setembro; e o regulamento de que dependia a sua execução que é de 23 de dezembro de 1901, ainda mal chegou aos pontos do seu destino, não podendo V. Exa. saber os resultados que dará.

Eu folgarei muito que o rendimento seja superior 400:000$000 réis, como V. Exa., sem o poder saber, já affirma, embora essa seja a cifra que estava garantida pelo seu digno antecessor. No dia em que V. Exa. me provar, não com palavras, nem com cifras, á moda das do Orçamento, mas com documentos verdadeiros e irrefuctaveis, que obteve mais 200:000$000 réis do que o seu antecessor, como prometteu na reunião da maioria, isto é, 600:000$000 réis, porque 400:000$000 réis já estavam garantidos, eu serei o primeiro a propor aqui um voto de louvor, justificado, e por acclamação a V. Exa. por esse motivo, com o que muito rejubilarei no interesse do pais; mas emquanto S. Exa. o não fizer, e só limitar como agora, a banaes affirmações baseadas em calculos phantasticos, que a realidade destruirá, nada se podendo saber de verdade senão quando o imposto for cobrado e o rendimento exacto conhecido, não conte com o meu applauso e tem de se contentar com a minha bem fundada duvida, e até com a merecida censura de nada ter feito, desde 26 de junho de 1900, em que suspendeu a portaria do Sr. Villaça, até 2 de setembro de 1901, mais de um anno, em que publicou o seu famoso decreto.

O regulamento provisorio que S. Exa. publicou é, como disse, de 23 de dezembro, e a lei ou decreto de 2 de setembro; mas como esta não foi executada sem aquelle e d'elle tem estado dependente, não ha, portanto, tempo, repito, para saber quaes os resultados que ella ha de dar. Não se vanglorie por consequencia por ora, o nobre Ministro; não venha pressuroso enfeitar-se com pennas de pavão, porque o acclamado successor do Infante pode ficar mal, e depois em nova reunião da maioria que se realizar, não ser mais applaudido, nem mais considerado como successor do grande vulto de Sagres, de gloriosa memoria.

Citando de memoria e sem o esperar, a lei e regulamento a que me referi, creio não ter errado as datas; é necessario que nos convençamos de que alguma cousa se aproveita quando a gente estuda e trabalha cumprindo o seu dever; e eu, trabalhando e habilitando-me para as discussões dos projectos, não faço mais do que S. Exa. fez neste logar; porque o Sr. Teixeira de Sousa foi um dos oradores que na opposição se tornou mais notavel pela maneira por que estudava os projectos, sendo uma das suas grandes recommendações, entre outras de valor, o ser energico e trabalhador. E aqui occorre-me um exemplo: S. Exa. não é faccioso, nunca o foi, repete agora a meudo; nós vimo-lo aqui, neste logar, todos os dias, quando lá fora se estava tratando do convenio por parte do Governo progressista, exigir que lhe dissessem o que faziam os emissarios do Governo, os pombos correios, em que estado iam as negociações, se empenhavam a patria, se perdiamos as colonias, etc., V. Ex.a lembra-se d'isso?

O Sr. Francisco Machado: - Os pombos correios não eram do Sr. Ministro da Marinha, eram do Ministro da China.

O Orador: - O Ministro da China creio que já não tinha assento nesta Camara, esse governou-se bem e sabe gozar.

Todos os dias S. Exa. aqui perguntava, sem a preoccupação patriotica que tem tido o partido progressista para não criar dificuldades ao Governo, qual o estado das negociações, queria saber tudo, ali, claro, por meudos; e neste ponto é conveniente frisar bem qual era a attitude do partido regenerador então, quando o progressista estava no poder, e a que tem tido a opposição progressista, agora.

O Sr. Ministro da Marinha, sem facciosismo, muito brandamente, mas algumas vezes em altos gritos, ás murraças á carteira, que felizmente não quebrou, vinha aqui pedir todos os dias contas ao Governo; umas vezes mostrando telegrammas do estrangeiro, outras vezes documentos que certo amigo, que felizmente já não tem assento nesta casa, lhe fornecia para atacar o Governo.

S. Exa. era implacavel, violento e irado e até facundo, com a sua grande figura de transmontano rude e a sua voz das indignações solemnes, tornava-se caustico, incommodativo, impertinente!

O Sr. Ministro da Marinha, a quem não agrada a mais simples censura feita agora aos seus actos e ao seu Governo, e que todo se irrita ao desculpar-se, deve recordar-se d'isto, e comparando o seu procedimento e dos seus collegas da opposição regeneradora, com o nosso, sendo aliás, agora, as circumstancias muito peores, porque o

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pais está receoso, afficto e não tem confiança nenhuma no Governo, deve estar contricto e arrependido.

A opposição progressita, correcta, numa linha de conducta, nobre e patriotica que se impôs, não tem criado a mais pequena dificuldade ao governo, a respeito do tão falado convenio (Apoiados).

Não tem confiança, nem esperança de boa. solução, mas tambem não quer ser impaciente e acoimada de facciosismo politico em questões internacionaes, que são e devem ser da nação e não dos partidos.

Á imprensa ministerial todos os dias informa, para inspirar confiança e insuflar esperança, que as negociações vão em bom caminho.

Mas que fé nos pode inspirar essa imprensa officiosa, se nos lembrarmos do que ella dizia antes da viagem aos Açores, na qual se gastaram centenas de contos de réis para o nobre Presidente do Conselho, á sombra do Chefe do Estado, estadear a sua gloriosa vaidade de ilheu afortunado?

Então, dizia-se na imprensa officiosa que a questão estava liquidada, que o negocio estava findo, que o Sr. Ministro da Fazenda tinha sido o primeiro financeiro da Europa!

Mas como é que se liquidou essa questão ? Que nos diz hoje a imprensa ministerial? Que fé nos pode, pois, inspirar essa imprensa?

E, no entanto, o pais tem visto a serenidade com que a opposição tem assistido aos preparos para as negociações, a esta luta de gigantes em que está talvez em jogo a nossa autonomia e independencia, sem uma accusação, sem uma revolta, sem proferir uma palavra inconveniente, aflicta mas resignada, não criando dificuldades, mas não assumindo tambem responsabilidades, aguardando o momento opportuno de dizer de sua justiça. Cumpre o seu dever. (Apoiados).

Desde que o Sr. Presidente do Conselho diz que é inconveniente tratar-se do assumpto, respeitamos a declaração, e fez-se silencio completo.

Mas a paciencia tem limites, e é necessario que o pais se convença de que não somos conniventes no que se está fazendo, porque não é verdade.

Isso é que a opposição progressista não quer de forma alguma.

O que a opposição faz é respeitar a conveniencia de não estar a exigir ao Governo respostas que possam comprometter as negociações pendentes. Ouve as declarações do Sr. Presidente do Conselho e espera.

Isto é um dever civico que temos cumprido, mas do cumprimento d'esse dever patriotico até á solidariedade pelo silencio, ha uma grande distancia. (Apoiados).

Protestamos energicamente contra essa solidariedade, deixando, a quem possa tocar, a responsabilidade da liquidação d'este grave conflicto, em que o pais tem sido enganado como o tem sido das outras vezes em que se dizia que estavam findas as negociações, não o estando. (Apoiados}.

Sr. Presidente: da finalização d'esse contrato não sei quaes as consequencias que resultarão para o pais) mas só quero pedir ao nobre Presidente do Conselho, que attente bem nellas e que não acceite clausulas ignominiosas para a nação, porque ella não as acceitará. Isto é o que pedimos ao nobre Presidente do Conselho, sem lhe exigirmos compromissos e sem lhe dizermos uma palavra que possa dificultar o andamento d'essas negociações.

Devo dizer de passagem, neste momento, que em assumpto tão momentoso, nós vimos com satisfação, que o Sr. ex-Ministro dos Negocios Estrangeiros Veiga Beirão, se tornou notavel na gerencia da sua pasta, quando se encetaram as negociações, e que o Sr. Arroyo, successor de S. Exa., nestas questões, como em outras tão graves e em conflicto aberto com uma nação nossa alliada, conflicto diplomatico que ameaçou quebrar as relações de amizade entre as duas nações, foi de uma prudencia e de um tino diplomatico que bem merece os louvores da nação. (Apoiados).

Folgo de fazer igual justiça aos dois ex-Ministros dos Negocios Estrangeiros, do partido progressista, e do regenerador. É assim que penso e digo, estabelecendo o confronto do procedimento tão differente, da opposição regeneradora, do da opposição progressista.

E voltando novamente ao assumpto em discussão, de que por instantes me desviei, vou dizer ao Sr. Ministro da Marinha, que louvo a iniciativa do seu projecto e votal-o-hia até com muito gosto, se as circumstancias do Thesouro o permitissem.
Mas o que não posso deixar de fazer, é combatê-lo, porque estou na orientação de combater todas as despesas que não repute de necessidade e urgencia inadiaveis, como já declarei e repito.

Não quero responder ás observações do illustre relator, um distincto profissional, senão num ponto; quando S. Exa. affirmava que este projecto tem opportunidade.

O pensamento do projecto é bom, a idéa é magnifica, se nós pudessemos realizá-la; mas neste momento não tem opportunidade, porque entendo que a orientação do Governo, para corresponder aos desejos do pais e para lá fora soar como um echo de moralidade, de boa administração, e de honra para nós, seria pôr de parte todos os projectos que tragam o minimo augmento de despesa, até ver se as condições economicas do país e a realização do convento nos podem deixar desafogo para fazermos alguns melhoramentos.

Mas se isto não pode ser, se não querem mudar de vida, se ninguém quer economias, se Governo e maioria estão de acordo em todos os augmentos de despesa, se é preciso, se é urgente, contentar a clientela exigente, o que se ha de fazer?

O Sr. Ministro da Marinha leva o seu projecto por deante, a sua independente maioria decerto o approvará, e S. Exa. imaginará ter cumprido um indeclinavel dever moral, como pomposamente escreveu no seu relatorio.

Concordo que a approvação d'este projecto seja o cumprimento de um indeclinavel dever moral, mas lembro ao nobre Ministro da Marinha, a indeclinavel necessidade do igualmente cumprir outros deveres, de onde resultem beneficios para o país, que igualmente são indeclinaveis deveres moraes.

Em actos de administração d'este Governo, não vejo que se respeite a moral e a moralidade, a não ser nos escritos dos Srs. Ministros, e nas palavras de defesa, com que os relatores e amigos beneficiados, sustentam os desregrados esbanjamentos que lhes aproveitam. De resto, nada. Estamos á espera e cousa nenhuma de real, de positivo, de verdadeiro, em administração e moralidade (Apoiados}.

Desejo ainda fazer uma observação ao nobre Ministro da Marinha, visto que não posso falar mais largamente do projecto, porque a hora vae adeantada e não posso referir-me a todas as minhas notas.

Se este projecto for approvado sem as modificações propostas pelos illustres oradores que me precederam, mesmo sem como eu, atacarem o projecto, entendia que em vez de se aproveitar o velho edificio da Junqueira, se deveria fazer uma edificação apropriada - como foi preconizado por este lado da Camara pelos meus prezados amigos e talentosos profissionaes, Srs. Moreira Junior e Egas Moniz.
Embora levasse mais algum tempo e se gastasse mais alguma cousa, o Sr. Ministro, se assim procedesse, tinha feito uma obra duradoura, e em termos de satisfazer ás condições exigidas em estabelecimentos modernos d'esta ordem. Ao menos que o dinheiro fosse bem gasto, e se evitasse a tempo, o termos mais um mau edificio em pessimas condições para o fim a que é destinado. Que o Sr. Ministro medite bem neste ponto importantissimo do projecto.

Resumindo as considerações que tinha a fazer, porque

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já deu a nora, direi que tambem entendo que devem ser supprimidas as escolas do Funchal e de Goa, o que dará uma boa verba para applicar ao novo Hospital Escola, ou como se chame, o que o projecto não diz, e acabará com a vergonha do actual ensino official naquelles dois estabelecimentos. A escola do Funchal, apenas com dois professores, custa annualmente 2:357$280 réis; e a de Goa, em gratificações aos lentes, que são facultativos do quadro de saude, com excepção de um antigo, e a um preparador, e mais despesas, custa 6:691 rupias, ou sejam em réis 2:676$400, como verifiquei oficialmente. Aqui tem pois p Sr. Ministro, uma receita de 5:033$680 réis, sem prejuizo de ninguem e sem mais gravame para o contribuinte. Aproveitando-a, não só arranja dinheiro sem sacrificio do Thesouro, mas presta um bom serviço á sciencia acabando com as referidas escolas, que hoje não tem nenhuma razão de ser.

Ha ainda um outro ponto para o qual chamo a attenção de S. Exa., embora seja propriamente do regulamento.

É com respeito ás bases 15.ª e 16.ª que dizem:

(Leu).

Como é que S. Exa. poderá executar a base 16.ª, tornando obrigatoria para os professores de instrucção primaria a assistencia aos cursos trimestraes?

E depois d'elles "orneados, ou antes, que hão de frequentar este curso? (Apoiados).

Este ponto passou um pouco despercebido, porque o illustre Ministro preoccupou-se mais com a questão scientifica, que era da sua competencia especial, e naturalmente não pensou no assumpto ao reler o seu trabalho.

Parece-me que deve merecer reparos o facto de tornar obrigatorio para os funccionarios ultramarinos, e para os pobres professores de instrucção primaria, a frequencia obrigatoria de um curso de tres meses. (Apoiados).

Á custa do quem é este curso?

Deve-se accrescentar uma emenda ao projecto, neste ponto ao menos, para salvar os interesses d'estes pobres funccionarios, os infelizes professores de instrucção primaria, sempre em tudo desprezados pelos poderes publicos,
mal remunerados e desattendidos em todas as suas tão justas reclamações.

Parece-me isto uma anomalia que S. Exa. poderá corrigir muito bem, estabelecendo por qualquer disposição regulamentar, que elles virão a este curso sem prejuizo dos seus interesses.

Não diz o projecto se elles virão ao curso depois de despachados ou antes de serem nomeados, nem fala na remuneração que tenham por perderem o seu tempo e terem maio um grande augmento de trabalho e exigencia de mais habilitações; ternos desprotegidos, bem dignos de melhor sorte, o que recommendo á benevolencia do nobre Ministro da Marinha.

Não comprehendo que se torne, por lei, obrigatoria a frequencia de um curso nas condições a que me refiro, sem se dizer qual a forma, ou o modus faciendi.

E agora não posso, para ser justo, deixar tambem de louvar uma disposição contida no projecto. É preciso, ao concluir, louvar alguma cousa tambem, não serem tudo censuras...

Ha aqui uma disposição na base 7.ª, que merece os meus louvores; é quando o nobre Ministro da Marinha estabelece que, o ensino theorico e pratico de medecina tropical, será professado em tres cadeiras: pathologia e clynica, hygiene e climalogia, bactereologia e parasitologia tropicaes.

Peço uma cousa ao sr. Ministro da Marinha: S. Exa. sabe muito bem que os laboratorios para estes estudos praticos, como S. Exa. os determina na base 8.ª, custam carissimos, e que toda a despesa calculada do projecto, nem para meio laboratorio chegaria. Mas entre todos elles, eu peco ao Sr. Ministro da Marinha, que não se esqueça da cadeira e do laboratorio de parasitologia, que são uma verdadeira necessidade publica. Para os outros estudo aproveite os laboratorios que já temos, mas o de parasitologia não deixe de criar, se não existe! Foi uma genial idéa! Esse por forma alguma se pode dispensar. É necessario um laboratorio especial para o estudo dos parasitas do orçamento, e seria tambem necessario um laboratorio e estudos especialissimos para ver se se descobre o meio de lhes dar caça e de se lhe acabar com a casta daninha e perigosa para o Thesouro e para o contribuinte. Peço-o, mas não me pareço, nem acredito, que seja este Governo que faça a descoberta contra o terrivel microbio devorador e proceda ao estudo, indispensavel e urgente, para debellar o grande bacillus que corroe e arruina as finanças da depauperada nação.

Tenho dito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem algumas emendas a mandar para a mesa?

O Sr. Oliveira Mattos: - Eu não as escrevi, mas creio que o Sr. Ministro da Marinha as tem de memoria.

O Sr. Presidente: - Não está mais nenhum Sr. Deputado inscripto.

O Sr. Almeida Dias (relator): - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Roqueiro a V. Exa. para que se vote o projecto independentemente das emendas apresentadas que deverão ir ás commissões. - O Deputado, Almeida Dias.

Posto á votação, foi approvado.

O Sr. Presidente: - Estando, como já disse, esgotada a inscripção, vae ler-se o projecto para se votar. São lidos 6 approvados os artigos 1.° e 2.º

O Sr. Presidente: - Amanhã ha sessão á hora regimental, sendo a ordem do dia a mesma que estava dada e mais o parecer n.° 12, sobre o Orçamento Geral do Estado.

Está levantada a sessão. Eram 21/4 horas da tarde.

Documentos enviados para a mesa nesta sessão

Relatorio e propostas de lei apresentados pelo Sr. Ministro da Fazenda

Situação financeira

Senhores. - Impõe-se-me repetir o que escrevi no meu anterior relatorio: - que se não é para despreoccupações tambem não é para desanimas a nossa situação financeira. Com effeito, os resultados confirmaram as minhas provisões. Sem augmentar os impostos, antes reduzindo alguns, sem exigencias que vexassem o contribuinte, antes facilitando-lhe por todas as formas o desonerar-se das suas obrigações para com o Thesouro, conseguiu-se um quantioso augmento das receitem publicas, e isto em periodo durante o qual varios incidentes, alguns de duradoiros effeitos e intensa acção, perturbaram a nossa vida economica. O parallelo das receitas cobradas nos periodos que vou considerar confirma o que deixe dito.

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Das contas dos tres exercicio de 1897-1898 a 1899-1900, com as correções resultantes de factos conhecidos posteriormente ao relatorio apresentado ás Camara, na sessão de 25 de fevereiro de 1891, apura-se:

Receitas totaes

[Ver tabela na imagem]
1897-1898 1898-1868 1899-1900

Despesas Totaes

[Ver tabela na imagem]
1897-1898 1898-1899 1899-1900

Em resumo:

[Ver tabela na imagem]
Ordinarias Extraordinaria Somma
Receitas arrecadadas : Ordinárias:

Abatendo, porem, das receitas extraordinarias, as que, por terem applicação especial, ou provirem de adeantamento de receitas, não podem entrar em confronto orçamental; taes como:

[Ver tabela na imagem]
1897-1898 1898-1868 1899-1900

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os resultados, feitas estas correcções, serão:

[Ver tabela na imagem]

Ordinarias Extraordinarios Somma

(a) Comprehende 2.419:046$080 réis proveniente da lei de 11 de abril de 1901.

(b) Comprehende 2.420:105$033 reis, proveniente da lei de 11 de abril de 1901.

Das contas das quatro ultimas gerencias, tambem correctas, obtem-se os seguintes numeros, em confronto as receitas com as despesas:

[Ver tabela na imagem]

Receitas Despesas Deficits Saldos

Excluidas tambem as receitas que representam emprestimos e outras que devam abater-se, taes como:

[Ver tabela na imagem]

Gerencias (1897-1898) (1898-1899) (1899-1900) (1900-1901)

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conclue-se;

[Ver tabela na imagem]

Gerencias (1897-1898) (1898-1899) (1899-1900) (1900-1901)

As receitas e despesas ordinarias repartem-se pela seguinte forma:

Receitas totaes

[Ver tabela na imagem]

Gerencias (1897-1898) (1898-1899) (1899-1900) (1900-1901)

Despesas totaes

[Ver tabela na imagem]

Gerencias (1897-1898) (1898-1899) (1899-1900) (1900-1901)

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[Ver tabela na imagem]

isto, pela comparação das receitas e despesas ordinarias e extraordinarias com as despesas igualmente ordinarias e extraordinarias; porque do confronto somente das receitas ordinarias com as despesas tambem ordinarias, resulta o saldo de réis 1.711:240$057

mas como o deficit entre as receitas e despesas extraordinarias é de réis 2.668:579$652

fica, como resultado final, o deficit acima de réis 947:339$495

A comparação das receitas ordinarias de anno para anno, bem como a das despesas ordinarias, tambem de anno para anno, dá os seguintes resultados, pelo que respeita:

1.° Ás differenças annuaes;
2.° Á differença media annual do quadriennio.

[Ver tabela na imagem]

São por si só bastante elucidativos estes algarismos, para que me detenha com longos commentarios.

Observarei, unicamente de passagem, que, sem metter em conta as despesas pagas mas não legalizadas e aã liquidadas e não pagas, a que se refere a lei de 11 de abril de 1901, ha na gerencia de 1900-4901, no serviço proprio dos Ministerios, a diminuição de réis 1.441:137$132 á qual, addicionando a que provém da citada lei de 11 de abril de 1901, na importancia de réis 2.419:046$089

dá, nas despesas ordinarias e proprias da gerencia, a diminuição de réis 3.860:183$221 addicionando ainda a esta a differença para menos nas despesas extraordinarias, que é, comprehendidas tambem a da citada lei de 11 de abril, de réis 2.124:710$079

Teremos na somma das despesas escripturadas, ordinarias, e extraordinarias, da gerencia de 190-1901 em relação á somma das da gerencia de 1899-1900, a diminuição de 5.984:893$300

Se, porem, ao deficit de 947:339$495

se addicionar, alem do menores verbas:

O que, sondo pago na gerencia de 1900-1901, não é despesa propria d'ella 1.026:534$876

Os adeantamentos e as quantias saídas até 30 de junho, mas só devidamente escripturadas depois d'esta data, o que sobe á importancia de 2.069:500$000

ou no total de 4.043:374$371

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explicado está o apparente desconfronto entre o deficit das contas da gerencia e o accrescimo da divida fluctuante, de 30 de junho de 1900 para 30 de junho de 1901, de 4.043:429$773 réis.

A conta da divida fluctuante nas ultimas gerencias dá os seguintes resultados:

[Ver tabela na imagem]

1898 1899 1900 1901

Se considerarmos ainda a divida fluctuante nas duas ultimas gerencias, o accrescimo d'essa divida na gerencia de 1900-1901 tem facil explicação e justificação.

Divida fluctuante na gerencia de 1899-1900:

Divida fluctuante 47.920:685$342

Saldos em cofre 3.688:295$369

44.232:389$973

Recursos extraordinarios 4.965:335$416 49.197:725$489

Gerencia de 1900-1901:

Divida fluctuante 51.964:116$115

Saldos em cofre 3.465:762$442

48.498:362$673

Recursos extraordinarios 918:946$540 40.417:309$213

O augmento, portanto, dos recursos ao credito na ultima gerencia foi de 219:583$724

mas, se se considerar que se pagaram na gerencia de 1900-1901 por conta de anteriores gerencia se por adeantamentos 1.557:767$971

haverá uma diferença de 1.338:174$247

para menos nas despesas proprias da actual gerência relativamente ás da gerencia anterior.

Mostra o Orçamento Geral do Estado, que tive a honra de apresentar-vos, comparado com as receitas e despesas auctorizadas para o exercicio anterior, por carta de lei de 12 de junho de 1901 e decretos de 16 e 18 do mesmo mês e anno, e com as receitas arrecadadas na gerencia finda, os seguintes resultados:

Receitas

[Ver tabela na imagem]

Orçamento para 1902-1903 Receita auctorizada para 1901-1902 Receitas arrecadadas em 1900-1901

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Despezas

[Ver tabela na imagem]

Orçamento para 1903-1905 Despesa auctorizada por decreto de 12 e 18 de junho de 1901

No relatorio que precede o mesmo Orçamento, no mappa comparativo das receitas e respectivas observações, e nas notas preliminares ao Orçamento dos diversos Ministerios, explicam-se clara e minuciosamente as origens dos augmentos e diminuições, que nelle se encontram.

Com excepção da receita dos cereaes e da dos correios e telegraphos, em que das cobranças do ultimo anno se abateu a somma de 705:349$286 réis; da dos impostos do sêllo em que se manteve a avaliação do anno anterior e da do imposto do real de agua que é elevada a 300:000$000 réis, pelo augmento provavel neste imposto, em vista da nova linha de circumvallação fiscal estabelecida na cidade do Porto, por decreto de 23 de maio de 1901, as demais receitas são em geral, avaliadas pelos rendimentos cobrados no ultimo anno, sendo a somma de todas as ordinarias inferior ao producto arrecado pelas de 1899-1900 em 356:890$870 réis.

Ha no total das despesas o augmento de 365:376$439

proveniente da differença para mais nas ordinarias de 485:226$439

e da differença para menos nas extraordinarias de 119:850$000

Considerando, porem, somente a despesa do serviço, proprio dos Ministerios, vê-se que, nas despesas ordinarias, ha o augmento de 463:934$256

Este augmento, porem, é simplesmente apparente e não real. Carece elle das seguintes correcções resultantes das reformas decretadas pelos seguintes Ministerios:

Fazenda:

Importancias com que, nos termos do artigo 32.° do decreto n.º l, de 24 de dezembro ultimo, a Caixa Geral de Depositos, as camaras municipaes e as receitas das extinctas juntas geraes dos districtos teem de contribuir para o fundo geral de quotas dos empregados de fazenda, importancias que, por estarem comprehendidas na despesa, se descrevem na receita, como compensação, na somma de 54:871$000

Reino:

Emolumentos de registo de diplomas de mercês honorificas e lucrativas, receita criada pelo decreto n.° l, de 24 de dezembro de 1901, na importancia de 20:000$000

Propinas de matriculas e cartas, augmento por estas proveniencias, em virtude do disposto nos decretos n.° 4, de 24 de dezembro de 1901, artigos 16.° e 34.° do de 2 de setembro do mesmo anno e n.° 5 tambem de 24 de dezembro, artigos 13.° e 14.° § unico, e artigo 17.°, em réis 10:300$000

Importancias com que a Camara Municipal de Lisboa é obrigada a concorrer para os serviços de saude e de beneficencia nos termos dos decretos de 17 de agosto de 1901 o artigo 341.° do de 24 de dezembro do mesmo anno, a qual se descreve na sua totalidade neste ministerio, tendo sido abatida na dotação consignada á mesma camara em encargos geraes, na somma de 208.430$100

Quotas com que a Camara Municipal e Governo Civil do Porto e as juntas geraes dos districtos do Funchal e de Ponta Delgada, teem de contribuir para as despesas dos serviços sanitarios nos termos do decreto de 24 de dezembro de 1901, numeros redondos 10:500$000

Emolumentos 2:730$000

Diversos 3:500$000

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Justiça:

Emolumentos judiciaes a quatro escrivães por pertencerem ao Estado em conformidade do artigo 44.º do decreto de 29 de novembro de 1901 4:000$000

314:331$100

E addicionando a este numero a differença para menos na despesa extraordinaria de réis 119:850$000

Será a importancia a abater de réis 434:181$100

Ficando assim o augmento nas despesas ordinarias e extraordinarias do serviço proprio dos Ministerios, reduzido a 29:753$156

A differença entre as receitas previstas 54.913:073$490.

E as despesas orçadas 65:861:937$628

Accusa o deficit 948:864$138

Este deficit será certamente coberto já pelo natural incremento das receitas já pelo augmento d'essas receitas proveniente das medidas tributarias e da administração de impostos approvadas na passada sessão legislativa e que só sortirão todos os seus effeitos no proximo futuro anno. Não deixa, porem, o Governo de vir apresentar algumas propostas que tendendo a regularizar a administração e a melhor retribuir o imposto darão proficuos resultados.

Procedendo como no seu anterior relatorio, mencionarei a importancia das despesas que pelo seu caracter especial importa bem conhecer.

Differenças de cambios pagas nas quatro ultimas gerencias

[Ver tabela na imagem]
1897-1898 1898-1899 1899-1900 1900-1901

Supplemento de Juros liquidados e pagos á Janta do Credito Publico, nas quatro ultimas gerencias

(Carta de lei de 20 de maio de 1893)

[Ver tabela na imagem]
1897-1898 1898-1899 1899-1900 1900-1901

Supplemento de juros pagos pela Janta do Credito Publico (contas da mesma Junta)

1897-1898 1898-1899 1899-1900 1900-1901

Garantias de juros

As importâncias, por garantias de juros, pagas até 31 do dezembro de 1901, foram:

Linha de Torres-Figueira e Alfarellos; desde 1888 1.244:065$591

Linha da Beira Baixa, desde 1891 3.625:124$329 4.869:189$920

Linha de Foz-Tua a Mirandella, desde 1887 771:867$101

Ramal de Santa Comba Dão a Viseu, desde 1890 659:837$562 1.431:704$663

Linha de Loanda a Ambaça, desde 1889 5.320:418$748

Linha de Mormugão, desde 1881 3.214:722$697 8.535:141$345

Cabo submarino até 1.982:945$841 16.818:981$769

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24 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Alem da importancia de 3.214:722$597 réis acima mencionada, foi paga pelo Estado da India, para complemento da garantia de juros do caminho de ferro de Mormugão, a de £ 517.423-8-9.

Ás garantias de juros pagas em 1900-1901 e no primeiro semestre da 1901-1902 foram:

[Ver tabela na imagem]
Anno de 1900-1901 Primeiro semestre de 1901-1902

(a) Alem d'esta Importancia foi paga paio Estado da India a do £ 254$496-15-9.

Classes inactivas

As importancias descriptas no Orçamento para pagamento ás classes inactivas sommam 2.146:191$1247

Abatendo o seguinte, constante das receitas do mesmo orçamento:

Importancia com que os officiaes do exercito e empregados civis, com graduação de official, contribuem para occorrer ao augmento de despesa resultante do systema de reformas, estabelecido pela lei de 22 de agosto de 1897 (artigos 13.° da lei citada e 160.º do decreto de 11 de abril de 1892) 32:600$000

Juros de 426:700$000 réis, que constituem o fundo permanente do cofre de pensões das extinctas companhias braçaes e que, nos termos do artigo 80.º, § l.4, da citada lei, ficaram pertencendo ao Estado 8:961$750

Montepio Militar (quotas) 500$000

Montepio de Marinha (lei de 16 de julho de 1885, artigo 2.º) 550$000 42:161$8750

Será o total da importancia no Orçamento para 1901-1902, para classes inactivas e subsidios a estabelecimentos officiaes que teem a seu cargo pensões, de 2.104:029$497

Funccionarios Secção criada pelo decreto n.° l de 17 de julho de 1886, conta geral desde a sua fundação até 30 de junho do

Receitas:

Importancias com que o Estado tem contribuido:

Subsidios 466:000$000

Juros do capital de 1.177:8500900 réis em inscripções cedidas pelo Estado 530:032$500

Importancia das quotas e outros descontos com que os funccionarios teem contribuido 2.128:381$632

Juros do capital convertido em inscripções para fundo permanente 414:630$706

Despesas:

Pensões pagas 2.732:518$486

Quotas restituidas 6:5280315

Inspecções medicas 13:258$065

Capital empregado na compra de inscripções 782:838$080 3.535:142$946

Saldo em 30 de junho de 1901

3:901$892

Clero parochial

Secção criada pela carta de lei de 14 de setembro de 1890, conta geral desde a sua fundação até 30 de junho de 1901:

Receitas:

Juros do capital de 1.300:000$000 réis em inscripções cedido pelo Estado 390:000$000

Importancia das quotas pagas pelos parochos 38:522$325

Juros do capital convertido em inscripções para fundo permanente e recurso extraordinario 100:413$318

528:936$643

Despesas:

Pensões pagas 258:518$843

Capital empregado na compra de inscripções 270:421$800 528:935$643

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SESSÃO N.° 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 25

Instrucção primaria

Secção criada pelo decreto n.° l de 22 de dezembro de 1894, conta geral desde a sua fundação até 30 de junho de 1901:

Receitas:

Subsidios pelo fundo de instrucção primaria 104:036$042

Importancia pelas quotas pagas pelos professores primarios 95:888$612

Juros do capital convertido em inscripções para fundo permanente 11:594$466
211:519$120

Despesas:
Pensões pagas 139:636$390

Capital empregado na compra de inscripções 66:779$690

Quotas restituidas 9$185 206:426$265

Saldo em 30 de junho de 1901 5:093$855

Camara Municipal de Lisboa

Secção criada por decreto de 8 de outubro de 1891, conta geral desde a sua fundação até 30 de junho de 1901.

Receitas:

Importancia das quotas pagas pelos empregados da Camara Municipal de Lisboa 61:319$730

Juros do capital convertido em inscripções para fundo permanente 2:866$531

64:186$261

Despesas:

Pensões pagas 10:927$447

Capital empregado na compra do inscripções 35:484$140 46:411$587

Saldo em 30 de junho de 1901 17:774$674

O fundo permanente das quatro anteriores secções era, no referido dia 30 de junho de 1901: Secção dos funccionarios civis:

Capital nominal cedido pelo Estado (artigo 27.° do decreto n.º l de 17 de julho de 1886) 1.177:850$000

Compra de inscripções effectuada com os saldos existentes no fim de cada anno economico 1.824:950$000

Total do fundo permanente - valor nominal 3.002:800$000

Secção do clero parochial:

Capital nominal cedido pelo Estado (artigo 1.°, § 19.°, da lei de 14 de setembro de 1890) 1.300:000$000

Compra de inscripções effectuada com os saldos existentes no fim de cada anno economico 778:900$000

Total do fundo permanente - valor nominal................... 2.078:900$000

Secção de instrucção primaria:
´
Compra de inscripções effectuada com os saldos existentes no fim de cada anno economico - valor nominal 198:550$000

Secção da Camara Municipal de Lisboa:

Compra de inscripções effectuada com os saldos existentes no fim de cada anno economico - valor nominal 96:900$000

O movimento na ultima gerencia pode resumir-se como segue:

Funccionarios civis:

Receita total 325:922$093

As pensões pagas 321:143$003

Saldo que passou para 1901-1902 3:901$892

Saldo que tinha passado de 1899-1900 12:810$302

Empregaram-se 12:7870500 réis que produziram, valor nominal, 33:000$000 réis em inscripções.

Clero parochial:

Receita total 67:591$566

Pensões pagas 66:628$709
Saldo que tinha passado de 1899-1900 4:454$643

Empregaram-se 4:417$500 réis que produziram, valor nominal, 11:400$000 réis em inscripções.

Instrucção primaria:

Receita total 48:346$454

As pensões pagas 43:246$383

Saldo que passou para 1901-1902 5:093$855
Saldo que tinha passado de 1899-1900 7:249$219

Empregaram-se 7:246$250 réis que produziram, valor nominal, 18:700$000 réis em inscripções.

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26 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Camara Municipal de Lisboa:

Receita total 19:382$795

Ás pensões pagas 1:633$326

Saldo que passou para 1901-1902 17:774$674

Saldo que tinha passado de 1899-1900 17:385$205

Empregaram-se 17:360$000 réis que produziram, valor nominal, 44:800$000 réis em inscripções.

Situação commercial

Para mostrar a evolução do nosso movimento commercial, considerarei separadamente, como no meu anterior relatorio, as mercadorias de mero consumo e as de capitalização, pelo que respeita ao que importamos, - as substancias alimenticias os artefactos e productos industriaes, no tocante á exportação, isto no ultimo decennio:

[Ver tabela na imagem]

Annos Total Exportação - Contos de réis Total Importação - Contos de réi

A importação, decompõe-se em:

[Ver tabela na imagem]

Annos Materias primas - Contas de réis Fios e tecidos - Contos de réis Machinas - Contos de réis

(a) O augmento foi principalmente nas seguintes mercadorias: carvão de pedra algodão em rama metaes e sementes oleosas.

Continuou, pois, um sensivel accrescimo na importação de materias primas, e importámos no periodo que abrangem os precedentes mappas, machinas no valor de 10.298:000$000 réis, sendo nu ultimo anno 1.814:000$000

A exportação total foi de mais 2.127:000$000 réis do que no penultimo dos annos considerados.

A importação de mercadorias de consumo augmentou no valor de 1.395:000$000 réis, e subiu o valor das mercadorias de capitalização de 7.6890000 réis, sendo, portanto, nestas o principal augmento da importação.

Os valores da exportação repartem-se pela forma seguinte:

Exportação nacional e nacionalizada, no anno economico de 1900
(Valores em contos de réis)

Classe I - Animaes
Vivos 3:846

Classe II - Materias primas 5:801

Pelles 266

Cortiça 2:464

Minerio do cobre 1:093

Borra de vinho 74

Outras mercadorias 1:904

Classe III - Fios o tecidos 2:542

Tecidos de algodão

Em Peça 1:845

Em obra 228

Outras mercadorias 649

Classe IV - Substancias alimenticias 16:368

Vinhos

Communs 3:958

Espirituosos 6:671

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SESSÃO. N.º 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 27

Conservas (de peixe e outras) 1:392

Fructas e legumes 1:486

Ovos 418

Outras mercadorias 2:443

Classe V - Apparelhos, instrumentos, machinas, etc 155

Classe VI - Manufacturas diversas 2:218

Rolhas de cortiça 862

Outras mercadorias 1:356

Total da exportação (excepto moeda e barra) 30:931

E se no ultimo augmentamos com 2.127:000$000 réis de exportação a riqueza publica temos reduzido, a partir de 1900, a nossa importação de 1.638:000$000 réis.

Differença entre a maxima Importação nos annos de 1890 a 1899 e a de 1900

(Valor em contos de réis)

[Ver tabela na imagem]

1880 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 Diferença

Continuam, porem, os deficits de producção a prejudicar estes resultados beneficos. Classificados nos quatro grupos em que, sob o ponto de vista da nossa economia, podem repartir-se apresentam, no ultimo decennio, os seguintes resultados:

[Ver tabela na imagem]

Annos I II III IV

Subiu de 904:000$000 réis o valor das importações do primeiro grupo; a 4.417:000$000 réis o valor das importações segundo; a 319:000$000 réis o valor das importações terceiro; a 129:000$000 réis o valor das importações do quarto, sendo neste o assucar de que foram importados mais 134:000$000 réis, o alcool tendo diminuido de 5:000$000 réis. Em todas as espécies do segundo grupo houve' augmento nos valores da importação, o que corrobora o facto já affirmado de um accrescimo de producção. Devemos esperar que o trigo a importar tenha sensivel diminuição. Ainda que o que se iniciou no anno cerealifero de 1901-1902 e se accentua no actual deu este anno cerealífero de 1902-1903, não deva servir de regra, é comtudo de esperar vejamos por este lado diminuir e bastante o exodo do ouro. Repito, porem, é para lastimar tenhamos ainda que em milho, fava arroz e linho importar por cêrca de 3.000:000$000 réis.

Mantem-se na melhoria adquirida o movimento commercial de escala.

Reexportação, baldeação e transito

(Valores em contos de réis)

[Ver tabela na imagem]

1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900

Página 28

28 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Que se decompõe para as nossas provincias ultramarinas em:

Movimento commercial entra a metropole e as provincias portuguesas ultramarinas

(Valores em contos de réis)

[Ver tabela na imagem]

Annos Reexportação Baldeação e transito Exportação nacional e nacionalizada Importação para consumo

Os resultados do ultimo anno confirmam as observações que no meu relatorio do anno passado tive occasião de apresentar com referencia ás condições do nosso commercio colonial em relação com a metropole.

O menino poderei dizer com referencia ao movimento maritimo. O numero de embarcações do vapor que transitaram pelos portos do continente foi em 1900 superior ao de 1809 de 620 embarcações a vapor com a tonelagem total do 1.455:000 toneladas, 599 d'estas embarcações sendo estrangeiras. Da navegação do vela a differença foi apenas de õ embarcações a mais no ultimo anno.

Navegação a vapor - 1900

[Ver tabela na imagem]

Bandeira Numeros Tonelagem mil toneladas Tonelagem media por navio

Navegação de vela - 1900

[Ver tabela na imagem]

Bandeira Numeros Arqueações - mil toneladas Arqueação media

E esta augmento no numero de embarcações corresponde a um effectivo movimento de carga tambem maior, o imposto de carga e descarga tendo augmentado de 1899-1900 a 1900-1901 de 35:000$000 réis.

Os rendimentos aduaneiros, com excepção dos cereaes (trigo) acompanham este desenvolvimento. Assim, a importação geral cresço de 450:000$000 réis.

Página 29

SESSÃO N.° 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 19

Rendimentos aduaneiros

[Ver tabela na imagem]

Rendimentos 1900 - Contos de réis 1901 - Contos de réis Diferenças (Para mais - Contos de réis) (Para menos - Contos de Réis)

A este movimento do commercio exterior corresponde parallelamente um accrescimo de circulação interior:

Nos dez annos de 1891 a 1900 augmentou no continente do reino de 184 o numero de kilometros explorados de caminho de ferro de interesse geral em leito proprio, sendo 177 kilometros de via larga e 7 de via reduzida.

Em toda esta ferro-viaria, o numero de passageiros mais que duplicou no mesmo periodo: subiu de 5.607:993 a 11.909.072. O transito de mercadorias passou de 1.972:089 a 2.703:581 toneladas; o rendimento kilometrico total do trafego augmenta de 724$788 réis a 1:568$123 réis; a relação entre as despesas e a receita de trafego baixou de 0.49 a 0.53.

O imposto de transito e o imposto do sêllo elevaram-se parallelamente: aquelle de 187:194$799 réis a 264:754$980 réis, isto é, de 33 por cento, este de 81:686$570 réis a 174:735$510 réis; ou de 42 por cento, principalmente nos ultimos quatro annos. Isto representa um accrescimo de circulação de capital, que produziu para a industria dos transportes em viação accelerada um augmento de receitas só liquidas de imposto de 2.160:026$773 réis, e para o Estado um accrescimo de rendimento de 170:609$121 réis, ou nos dez annos considerados um total de 2.330:635$894 réis, representado nos ultimos dois annos por um augmento de 492:376$580 réis no total dos rendimentos liquides do imposto, cujo augmento de 1898 para 1899 foi de 44:210$940 réis no sêllo e de 15:105$820 réis no transito, apresentando um total de 59:316$760 réis. D'estes augmentos pertencem aos caminhos de ferro de via reduzida 94:182$466 réis no trafego e 16:460$078 réis nos impostos; 10:361$828 féis nó transito e 6:0980250 réis ao sêllo. Do ultimo para o penultimo dos annos considerados os augmentos nestas linhas ferreas foram de 4:801$773 réis nos impostos e de 33:159$509 réis no trafego. O rendimento kilometrico total do trafego augmenta de 428$170 réis, o liquido de 2680897 réis.

Ao augmento de circulação interior e exterior ainda deve juntar-se o movimento resultante da permuta de encommendas postaes
1898 1899 1900

Encommendas permutadas no continente 167:202 172:271 206:753

Entre o país e as provincias ultramarinas 1:526 2:388 3:659

Entre o país e o estrangeiro 63:246 73:527 84:149

231:974 248:186 294:761

O que importa um rendimento de réis 47:991$517 51;072$737 60:500$000

A emissão de vales acompanha o desenvolvimento da circulação commercial.

Assim, em 189.9 o valor dos vales emittidos foi de 3.438:190$167 réis, mais 223:178$232 réis do que em 1898, produzindo o premio de emissão 38:649$650 réis, ou mais 2:066$450 réis que no anno anterior, e em 1900 aquelle valor foi de 3.565:151$529 réis e a totalidade do premio de emissão 38:733$500 réis, ou mais 126:961$362 réis de valores transferidos no ultimo anno, que pagaram de premio de emissão mais 85$850 réis.

Com o estrangeiro estas transferencias pelo correio foram em 1899 de 56:063$740 réis, e em 1900 de réis 84:640$352, ou para mais 28:576$642 réis.

O movimento telegraphico foi em 1900 o seguinte:

Numero de estações telegraphicas em 31 de dezembro 443

Kilometros

Comprimento das linhas 8:345

Comprimento dos fios 18:453

Numero de telegrammas:

Internos:

Recepção 1.153:162
Transmissão 964:449

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30 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Internacionaes:

Expedidos 207:350

Transito 862:533

Recebidos 232:959

1.302:842

1 Inclue as Ilhas, não as colonias portuguesas.

Construcções particulares para que foi concedida licença (a) em Lisboa, no anno de 1901

[Ver tabela na imagem]

Annos Bairros Construcções novas Ampliações de predios

(a) Os numeros que se encontram no mappa da pagina 38 do relatorio anterior referem-se com os d'este mappa, ás construcções para que foi concedida licença em cada um dos annos mencionados.

As construcções do ultimo anno levantaram a 1:326 o numero de predios construidos em Lisboa desde 1896, predios com a superficie habitavel de 542:642,5 metros quadrados e o valor total de 8.160:000$000 réis. Ampliaram-se, no mesmo periodo, 860 predios, com a superficie habitavel de 136:867,1 metros quadrados.

Estas condições economicas são acompanhadas de uma tendencia, ainda que pouco intensa, no entretanto, em alguns casos significativa, para uma tal ou qual iniciativa. Assim, em 1901 constituiram-se 11 sociedades anonymas com o capital de 3.330:000$000 réis, distribuidos pelo modo seguinte: l sociedade industrial, 602:000$000 réis; 4 coloniaes, 955:000$000 réis; 2 commerciaes, 18:000$000 réis; l de transportes, 50:000$000 réis. Emfim, são 3.330:000$000 réis entregues á industria ou ao commercio, capital desempenhando a sua funcção economica: i
incitando o trabalho.

Se crises intensas perturbaram durante o anno findo a nossa vida economica, as mais importantes provocadas pelo excesso de producção, continua não obstante a accentuar-se e a avigorar-se, o desenvolvimento do trabalho nacional: lenta, mas afigura-se-me que solidamente.

Situação do mercado

A situação do mercado monetario, indicada pelo curso dos cambios, affirma sensivel melhoria.

As medias mensaes, em 1900, oscillaram entre 36 l3/sa (janeiro) a 38 13/32 (julho), ou 2 7/32, com a minima de 36 e a maxima de 39 1/8 ou 3 l/8 de desvio absoluto.

Em 1901 as medias mensaes oscillaram entre 363/4 (março) e 39 11/32 (dezembro), ou 2 29/32, com o minimo de 361/2 (março) e o maximo de 393/4 (dezembro) ou um desvio absoluto de 3 1/2 .

Página 31

SESSÃO N.° 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 31

A minima do cambio sobre Londres foi, em 1901 superior de 1/2 á de 1900, e a maxima de mais 3/4 .

A media annual foi de 373/4 em 1901, e fôra 44/32 ou mais 40/32 no ultimo anno.

O cambio sobre Paris, em 1900, por mais favoravel media mensal 740(julho), e mais desfavoravel 789,75(janeiro), ou uma differença de 49,75, ou por franco 16,58 réis; em 1901 amais favoravel media foi de 727,5 (dezembro) e a mais desfavoravel de 777,5, ou uma differença de 50, ou por franco 16,66 réis.

O minimo do curso de cambios foi, em 1900, de 730: em 1901, de 720; o maximo foi, em 1900, de 792, e em 1901 de 786.

A media da situação mensal, em todos os bancos de Lisboa e Porto, denota igualmente que o movimento das operações commerciaes não afrouxou:

[Ver tabela na imagem]

Activo - Carteira comercial - Letras - Contos de réis Passivo - Contos de

A isto ha a accrescentar que o numero de depositos se elevou, no annos economivo de 1900 a 1901, na caixa Economica Portuguesa, a 19:365 ou mais 3:651 do que no anno anterior, representando uma existencia principio do anno de 3.899:875$635 réis, com uma media no fim de cada mês de 4.812:000$000 réis, e que no Monte-pio Geral esta media é de 12:133, o que perfaz um total de 16.945:000$000 réis de accrescimo de economias quantia não inferior a 2.000:000$000 réis do que no anno anterior.

A cotação dos titulos do Estado ou com garantia do Estado acompanha o desafogo que os numeros anteriores exprimem:

Maxima Minima

3 por cento perpetuo 23 1/2 27 1/2

4 por cento amortizavel 151,5 175

4 1/2 por cento amortizavel 180 190

Obrigações dos Tabacos 503 512,20

Interno 3 por cento perpetuo 40,3 37,1

Interno 4 por cento (1888) 20,5 18

Interno 4 por cento (1890) 52 45

Interno 4 1/2 por cento 59 45

Tabacos 4 1/2 por cento 130,8 124

A situação do mercado monetario vae-se tornando mais desafogada, e isto em presença de condições económicas que era de esperar antes a perturbassem que favorecessem.

Assim é que a proporção da emissão fiduciaria para o activo do Banco varia, em 1901, entre 220,6 e 229,4 por cento, e para a reserva metallica entre 17,5 e 20, tendo no anno de 1900 esta proporção sido para o activo 217,6 a 225,7 por cento e para a reserva metallica de 18,8 a 19,1. O maximo da emissão, foi em 1901 de 69.500:000$000 réis, isto é, apenas, mais de 46:000$000 réis do que o maximo de 1900.

A prata, cobre e bronze, cunhados e arrecadados na Casa da Moeda em 1901, foram na quantidade e valor de:

[Ver tabela na imagem]

Especiaes Quantidades Peso Importancias (Parcial) (Total)

(l) Lei de 31 de Julho de 1899.

(2) Moeda de bronze destinada ao Estado da India Portuguesa, mandada cunhar em 27 de outubro de 1900, por determinação de S. Exa. o Sr. Ministro do Marinha,

Acha-se em deposito na Casa do Moeda, por não haver sido mandada emittir.

(8) Lei de l2 de Junto de 1901.

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32 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Mantendo-me no ponto de vista que expus no meu anterior relatorio, e certo de que se conseguirá occorrer ao relativamente pequeno desequilibrio orçamental com o natural incremento das receitas, tanto mais com as medidas por vós approvadas na anterior sessão, como já tive occasião de o dizer, ainda não produziram os seus effeitos, até julgo que seja a occasião de procurar novas fontes de receita.

A quaesquer que recorresse, poderia isso, no momento que atravessamos, talvez trazer benefícios para o Thesouro, mas corria-se o risco de ir abalar o nosso modo de ser economico, perturbando-o na evolução por que passa: seria transitorio o beneficio, e como tal contraproducente. Deixe-se definir a situação, para nos abalançarmos a maiores emprehendimentos. Por isso me limito a sujeitar ao vosso exame as seguintes propostas de natureza quasi exclusivamente economica.

Real de agua

Com referencia a esta proposta, reporto-me, pelo que respeita ao pensamento que a inspirou, ás considerações que fiz no meu relatorio do anno anterior. Mantive na actual o mesmo pensamento e, portanto, o mesmo systema pelo que respeita á forma de cobrança d'este imposto. No tocante, porem, á forma do liquidação, pareceu-me mais equitativo estabelecer, não o systema propriamente de gremio, que com difficuldade distribuo sommas relativamente pequenas, e que muito mais teria na repartição de quantias avultadas.

O systema adoptado participa do gremio, em transformar o imposto por quota em imposto de repartição, afasta-se d'elle pelas entidades a que essa repartição é confiada e pela forma, da repartição. É por uma porcentagem, traduzindo a importancia do commercio de cada estabelecimento analogo para os effeitos da lei, que a distribuição se faz. Fixa-se um período para a permanencia d'essas percentagens de distribuição: não se alterarão fundamentalmente, no periodo que marco, de 3 annos, as circunstancias pelo que respeita á clientela e expansão commercial de um estabelecimento qualquer, mas dá-se, por esta forma, relativa estabilidade ás condições do commercio perante o fisco. Determina-se como elemento para o primeiro computo das percentagens de repartição, o que em cada localidade cada um dos estabelecimentos similares tiver anteriormente pago de imposto de real de agua. Não deve excluir-se, porem, para esse cômputo o conhecimento que directamente se possa ter da relativa extensão do commercio de cada um d esses estabelecimentos. Esta modificação parece-me ter melhorado a economia da proposta a que me refiro.

Projecto de pauta

Militam hoje em favor d'esta proposta as mesmas razões que me levaram a sujeitá-la, no proximo passado anno, ao esclarecido exame da Camara, accrescidas com a circumstancia de estarmos apenas a um anno da alteração, por que certamente vae passar o regimen commercial, principalmente na Europa. Additei a proposta das modificações que a commissão de fazenda, na sessão legislativa precedente, entendeu dever fazer-lhe e com as quaes por sem duvida concordareis. Representam ellas ou justos beneficios e compensações concedidos á industria, ou corrigem lapsos do projecto de pauta cuja approvação vos solicito.

Drawback

A proposta que sobre este assumpto vos submetto foi, tanto quanto pôde, por mim justificada no relatorio do anno anterior. Parece-me de incontestavel utilidade para a nossa industria e de indiscutivel vantagem para as operações aduaneiras. O regime actual é complicado e mau, impeditivo para o commercio, infiscalizavel em seus effeitos,

A estes inconvenientes me parece obvia o que vos proponho em substituição.

Imposto industrial

A facilidade da cobrança, já evitando, quanto possivel, vexames para o contribuinte e encargos para o Thesouro, já alliviando as repartições fiscaes de morosos trabalhos preparatorios que obrigam por vezes a retardar a abertura dos cofres e a complicar os processos de exacção dos impostos, aconselha adoptar, em tanto quanto possivel, a forma de licença fiscal para o recebimento de todas as contribuições a que tal forma possa ser applicavel. Já empregado este systema em parte da contribuição industriai, estão experimentados os seus effeitos, e os resultados convidam a que tanto quanto possivel se prosiga.

Por isso entendi dever tornar extensivo á 2.ª e 3.ª partes da tabella B, annexa á carta de lei de 31 de março de 1897, o systema de cobrança por meio de licença fiscal.

A forma de liquidação do imposto industrial, baseado nos indicadores mecanicos, traduz por sem duvida a feição d'este imposto, e extrema-o dos impostos de fabricação e consumo: não recae com effeito sobre 4 producção ou fabrico effectivo, mas sobre a capacidade, d'essa producção ou fabrico. Mas não é menos certo, que, justamente por isto, se procura proporcionar á possibilidade dos lucros, que d'essa capacidade poderão advir, o quantitativo do imposto, e quando occorrem circumstancias que notoriamente limitam a producção e inutilizam os reditos a esperar d'esses indicadores mecanicos, deixam elles de significar capacidade de beneficio e antes traduzem um duplo onus.

E acceitemos as cousas como ellas são.

Pode dizer-se que uma corrente de imitação lançou a industria textil, industria a que particularmente aliado, em caminho de exagerada producção; é no entretanto certo, que actualmente o seu beneficio fabril não corresponde e modo algum ao que pode inferir-se dos meios de trabalho representados pelos indicadores mecanicos. Carece de transformar-se, mas sem que para essa transformação tenha de passar pela ruina, em que o Estado seria o primeiro a perder. As considerações expostas justificam a proposta que tenho a honra de apresentar-vos.

Proposta de lei n.º 19-D

Imposto do real de agua

Artigo 1.° São sujeitos a um imposto de consumo, conforme a tabella que faz parte integrante d'esta lei, os generos seguintes:

Arroz descascado;

Azeite de oliveira e outros oleos comestiveis;

Bebidas alcoolicas, incluindo cremes, licores e productos semelhantes preparados com alcool ou aguardente de qualquer graduação;

Bebidas fermentadas, comprehendendo o vinagre;

Carnes verdes, sêccas, salgadas ou por qualquer modo preparadas;

Vinho de qualquer qualidade.

§ unico. Sobre as taxas d'este imposto não recaem quaesquer outros impostos, nem poderão incidir percentagens dos corpos administrativos.

Art. 2.° São obrigados ao pagamento do referido imposto os donos de armazens, lojas, depósitos ou estabelecimentos de qualquer natureza em que se vendam os géneros mencionados no artigo antecedente (exceptuando em Lisboa e Porto nas áreas que estejam ou venham a estar comprehendidas pela circumvallação fiscal, e nas outras terras do reino em que esteja estabelecido ou venha a estabelecer-se imposto de barreiras.

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SESSÃO N.º 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 33

§ 1.º Nas terras em que haja imposto de barreiras cobrar-se-hão as taxas do real de agua estabelecidas na lei vigente.

§ 2.° Os productores de vinho dentro da area fiscal da cidade do Porto pagarão a licença que lhes competir nos termos da tabella que faz parte d'esta lei.

Art. 3.º Uma commissão composta pelo escrivão de fazenda, o funccionario mais graduado do corpo de fiscalização dos impostos servindo no concelho e ura contribuinte indicado pela Camara Municipal, determinará, para cada um dos estabelecimentos, a que se refere o precedente artigo, a percentagem com que deve entrar jia repartição da somma das taxas, correspondente ao numero de cada uma das especies indicadas na tabella que faz parte integrante d'esta lei, e existentes em cada concelho ou freguesia consoante as condições locaes.

§ 1.° A somma das taxas a pagar, .pelos estabelecimentos comprehendidos sob o mesmo numero da tabella annexa á presente lei, não poderá ser inferior, em cada freguesia, á importancia total do real de agua paga por esses estabelecimentos no anno, dos tres ultimos, em que maior tenha sido.

§ 2.° Para o primeiro computo das percentagens de repartição de cada estabelecimento similar, ter-se-ha em vista a media do que tiver pago nos ultimos tres annos, ou desde que existe, quando tenha menos de tres annos.

§ 3.° Estas percentagens de repartição vigorarão durante tres annos e proceder-se-ha relativamente á ellas, pelo que respeita á publicação e recursos, nos termos do disposto para a repartição das collectas industriaes por meio de gremio.

Art. 4.° Os estabelecimentos que novo se abrirem em cada localidade pagarão no primeiro anno a parte da taxa correspondente ao tempo da sua existencia, mas nunca mais de metade d'essa taxa, e nos, annos seguintes, até á revisão a que se refere o artigo anterior, successivamente dois terços no anno seguinte e a totalidade no outro.

§ unico. A quota correspondente a cada estabelecimento que se fechar será repartida proporcionalmente pelos estabelecimentos similares.

Art. 5.º O imposto a que se refere o artigo antecedente será pago por meio de licença fiscal, passada pelo escrivão de fazenda do respectivo concelho, a; requisição verbal ou escrita do contribuinte, na qual se aporá sêllo de estampilha em importancia proporcional ao tempo de validade da referida licença.

§ l.° As licenças serão solicitadas antes de; serem vendidos ou expostos á venda os generos sobre que recae o imposto.

Art. 6.° A fiscalização d'este imposto compete em especial ao corpo da fiscalização das contribuições directas do sêllo e registo.

Art. 7.° São applicaveis a estas licenças as disposições estabelecidas na lei do sêllo para as infracções da mesma lei, e nas mesmas condições.

Art. 8.° Os individuos que deverem tirar as licenças fiscaes, nos termos da presente lei, se as não solicitarem e obtiverem em tempo, ou deixarem de apresentar aos agentes da fiscalização, incorrem nas penas que parallelamente estiverem estabelecidas para aã infracções das leis que regem o imposto, do sêllo.

Art. 9.º O Governo fará o regulamento para a execução d'esta lei.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria de Estado dos Negocios da fazenda, aos 28 de fevereiro de 1902. - Fernando Mattozo Santos.

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34 SESSÃO N.º 25 DE 28 DE FECEREIRO DE 1902

Tabella das taxas ao imposto do consumo que faz parte do decreto com força de lei d'esta data

[Ver tabela na imagem]

Ordem de terra (2.ª) (3.ª) (4.ª) (5.ª) (6.ª) (7.ª) (8.ª)

(a) Fazendo-se a renda em terra de ordem superior á designada na licença, pagar-se-ha previamente, por meio de revalidação, a differença de taxa.

Secretaria dos Negocios da Fazenda, aos 28 de fevereiro de 1902. = Fernando Mattozo Santos.

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O
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SESSÃO N.º 25 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1902 35

Proposta de lei n.° 19-B

Artigo 1.° É auctorizado o Governo a publicar uma nova edição da pauta das alfandegas, nos termos seguintes:

1.° Serão feitas na pauta actual as modificações propostas pelas commissões nomeadas por decreto de 8 de novembro de 1892 e portaria de 9 de outubro de 1900, nos termos do projecto da pauta annexa ao Relatorio de Fazenda de 1901.

2.° As taxas propostas pelas referidas commissões poderão ser augmentadas quando d'ahi resulte vantagem para as condições economicas, mas não poderão ser reduzidas sob qualquer pretexto.

3.° Independentemente do que fica disposto nos números anteriores, são desde já fixadas e serão incluidas na nova edição da pauta, as rubricas pautaes e respectivas taxas indicadas na tabella junta, que faz parte integrante d'esta lei.

§ unico. A nova edição da pauta será acompanhada das necessarias instrucções preliminares e novo indice remissivo.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Tabella a que se refere o n.°3.° do artigo 1.º

Pauta dos direitos de importação

CLASSE 2.ª

Vegetaes

Sementes oleosas, não especificadas, incluindo mancarra e copra - 100 kilogrammas, l real.

Metaes

Chumbo fundido, em bruto ou em metralha - kilogramma, 5 réis.

Productos chimicos

Carbonato de soda, crystalizado ou refinado, sêcco - kilogramma, l real.

CLASSE 3.ª

Fios, tecidos, feltres e respectivas obras

Fio simples ou torcido, enrolado em bobines, estampado, proprio exclusivamente para a tecelagem de tapetes, alcatifas e passadeiras (peso bruto da bobine)-kilogramma, 150 réis.

CLASSE 4.ª

Farinaceos

Arroz, em qualquer estados - kilogramma, 39 réis.

Diversas

Azeite de oliveira (peso bruto) - kilogramma, 150 réis. Banha e unto - kilogramma, 150 réis.

CLASSE 6.ª

Apparelhos, instrumentos, machinas e utensílios

Ceifeiras, gadanheiras, debulhadoras, apparelhos de lavoura proprios para serem movidos a vapor, corta-palhas, corta-raizes e quaesquer machinas e apparelhos agricolas privilegiados (não comprehendendo o motor) - kilogramma, 5 réis.

Chapas de vidro sensibilizadas para photographia (incluindo as taras) -kilogramma, 300 réis.

Redes de pesca e o fio da mesma natureza do das redes e que as acompanhe, simples ou entrançado, até 20 por cento do peso da respectiva rede - kilogramma, 120 réis.

Embarcações e vehiculos

Embarcações novas ou em estado de navegar, até 300 toneladas de arqueação - ad valorem, 30 por cento.

Embarcações novas ou em estado de navegar, com mais de 300 toneladas de arqueação - livres.

Velocipedes - um, 20$000 réis.

Velocipedes (quadrantes para) - um, 10$000 réis.

CLASSE 6.ª

Oleos de materias mineraes

Vidro em obra, chaminés para candieiros - kilogramma,

300 réis. Vidros e crystal em obra não especificada - kilogramma,

300 réis.

Obras de metaes

Prata e platina ou ligas que as contanham em quantidade igual ou superior á do toque legal para a prata - kilogramma, 35$000 réis.

Papel e obras de typographia, lithographia, pintura, etc.

Livros, folhetos e catalogos, em lingua portuguesa, brochados ou em papel, e atlas e mappas geographicos com dizeres em lingua portuguesa, de auctores residentes em para estrangeiro, cuja lingua Beja a lingua portuguesa - livres.

Papel em livros de mortalha (incluindo as taras) - kilogramma, 120 réis.

Diversas

Velas de qualquer qualidade para illuminação - kilogramma, 120 réis.

Pauta, dos direitos de exportação

Objectos artisticos, historicos ou archeologicos:

De origem nacional - ad valorem, 30 por cento. Secretaria de Estado dos Negocios da Fazenda, aos 28 de fevereiro de 1902. = Fernando Mattozo Santos.

Proposta de lei n.º 19-F

Artigo 1.° O Governo poderá conceder restituições, compensações de direitos ou premios de exportação correspondentes a estas, pelos artefactos de producção nacional que forem exportados para o estrangeiro.

§ unico. As concessões a que se refere este artigo poderão tornar-se extensivas aos artefactos que forem exportados para as provincias ultramarinas.

Art. 2.º As condições de cada especie de concessão serão definidas em decreto especial, tendo em attenção a indole e o modo de ser de cada industria, as materias primas que tem a importar, as quaes serão sempre especificadas, e bem assim a maior simplicidade e facilidade do processo, sem prejuizo dos interesses da Fazenda Publica.

§ unico. Para satisfazer ao disposto neste artigo, o Governo ouvirá as corporações ou repartições que tenha por coveniente.

Art. 3.° As concessões que forem estabelecidas nos termos d'esta lei, só poderão aproveitar aos exportadores que estiverem nas condições determinadas no respectivo regulamento.

Art. 4.°. Serão classificados sob a rubrica especial de "Receitas em deposito para compensação de despesa", os direitos cobrados pelas materias primas correspondentes aos artefactos para que haja sido estabelecida alguma concessão, nos termos d'este lei, sempre que essas materias primas forem importadas por aquelles a quem a concessão respeitar. .

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36 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 5.º As concessões estabelecidas nos termos do artigo 2.º serão obrigatoriamente revistas de tres em tres annos.

§ unico. Antes de findar o prazo marcado neste artigo, e se a pratica assim o aconselhar, poderá o Governo determinar qualquer modificação ou alteração nas condições das concessões decretadas,

Art. 6.° Se durante dois annos nenhum exportador se aproveitar do qualquer das concessões feitas nos termos d esta lei, considerar-se-ha como não existente tal concessão.

§ unico. A disposição d'este artigo não impede, que a concessão que haja caducado, se restabeleça tal como existia ou com quaesquer modificações que se julguem convenientes, mau para isso será necessario que novamente se decrete.

Art. 7.° O acto fraudulento ou a tentativa que tenham por fim illudir qualquer das disposições referentes á natureza dos artefactos a exportar, á qualidade e á quantidade d'elles, bem como ao pessoas a quem foi permittido aproveitar das concessões estabelecidas nos termos d'esta lei, serão respectivamente punidos com o maximo da pena applicavel ao descaminho de direitos, e com a perda do direito á concessão, independentemente da responsabilidade civil ou criminal que possa haver nos termos da legislação geral.

Art. 8.° (transitorio). O Governo procederá á immediata revisão dos drawbacks existentes, harmonizando com as disposições d'esta lei as concessões que haja de fazer aos artefactos que gozavam de taes drawbacks e que entenda que d'ellas carecem.

Art. 9.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria dos Negocios da Fazenda, aos 28 de fevereiro de 1902. = Fernando Mattozo Santos.

Proposta de lei n.° 19-G

Imposto industrial

Artigo 1.º O Governo poderá determinar o pagamento da contribuição industrial, por meio de licença, de todas as industrias ou profissões, alem das que trata o decreto de 31 de dezembro de 1897, comprehendidas na 2.ª e 3.ª parte, tabella B, annexa á carta de lei de 31 de março de 1896.

Art. 2.° As companhias fabris, sociedades anonymas ou outras que por lei sejam obrigadas á publicação de contas de gerencia e que trabalharem em materias textis, serão collectadas nos termos do disposto na tabella A, annexa á carta de lei do 31 de março de 1896, na parte em que a mencionada tabella se refere a Companhias de qualquer outra natureza, o producto, porem, da respectiva collecta nunca poderá ser inferior a 10 por cento dos lucros distribuidos no anno anterior, seja qual for o nome ou a forma por que sejam distribuidos.

Art. 3.° Os donos de estabelecimentos de que trata o artigo anterior, mas que não estejam nas condições mencionadas no mesmo artigo, poderão fazer sellar os indicadores mecanicos de que não queiram servir-se, e pedir ria collecta a correspondente reducção.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario. . Secretaria dos Negocios da Fazenda, aos 28 de fevereiro de 1902. = Fernando Mattozo Santos.

Foram enviadas á commissão de fazenda.

Representação

Da Camara Municipal do Concelho de Odemira, districto de Beja, pedindo a prohibição de saída para o estrangeiro de cortiça que não seja cozida, raspada e recortada; as todas as cortiças enguiadas, bem como dos pedaços que não attinjam 20 centimetros em quadrado; e a realização dos tratados de commercio tendentes a promover a introducção em países estrangeiros das cortiças portuguesas trabalhadas.

Apresentada pelo Sr. Deputado Sousa Tavares, enviada á commissão de agricultura, e mandada publicar no Diario do Governo.

O redactor interino = Albano da Cunha.

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