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SESSÃO N.° 25 DE 4 DE SETEMBRO DE 1905 5

mento do direito de caçar, direito tão legitimo como o de cultivar.

Vê-se, portanto, que contra o espirito e a letra da nossa legislação actual, na parte que respeita ao direito dos particulares, protestam o bom senso, a experiencia e a legislação de todos os paizes civilizados.

A unanimidade dos protestos não prova senão a extensão e a profundidade do mal, e a urgente necessidade de se lhe acudir com o remedio.

Obedecendo á convicção da inadiavel necessidade de uma lei que proteja a caça, definindo os direitos dos caçadores, sem offender os dos proprietarios, dando assim unidade á legislação cynegetica, apresentou aqui o meu amigo e collega José Capello Franco Frazão, na sessão de 4 de maio de 1899, um projecto de lei que a meu ver realizava os fins que pretendia attingir.

No relatorio que o precede explica o Sr. Franco Frazão os principios fundamentaes do seu projecto, dizendo que para evitar a diminuição da caça julgava conveniente adoptar o principio dos coutamentos.

Contra isto não protestaram os proprietarios, cujos direitos eram assim reconhecidos, mas insurgiram-se os caçadores, allegando que, no seu entender, isto seria um privilegio, e por isso antiliberal, um retrocesso nos tempos do absolutismo.

Embora, me pareça que os que tal affirmaram e affirmam confundem cousas differentes, como são coutos com coutadas, como no projecto alludido só se permitte o coutamento de predios cuja superficie seja superior a 100 hectares, chego a suppor que o privilegio se dava effectivamente a favor dos grandes proprietarios, guando, para o não haver, o mesmo direito se devia conceder aos pequenos.

Creio que a necessidade de guardar terrenos de abrigo para a caça é geralmente reconhecida e proclamada; a prova pratica d'esta verdade temo-la no facto publico de que uma das primeiras associações de caça de Portugal, cuja sede é em Lisboa, a Associação protectora da caça no tempo defeso, não podendo realizar no paiz as suas excursões venatorias com a certeza de encontrar caça, arrendou para esse fim os coutos da Gandara e Atalaia, em Hespanha. Se a encontrasse aqui na nossa terra, não iria procurá-la em paiz estranho; não obstante isto a commissão d'esta Camara modificou o projecto do Sr. Franco Frazão, retirando d'elle os coutamentos.

Não tendo sido submettidos á discussão os dois projectos, eu, em vez de renovar a iniciativa de qualquer d'elles, e com o consentimento do Sr. Franco Frazão, extrahi do seu projecto o que entendi mais pratico e conducente aos fins que tenho em vista, e que eu acceito, e, tirando do projecto da commissão as modificações feitas áquelle e que não são oppostas ao meu intento, resolvi formular um novo projecto em que, acabando com privilegios, e dando a todos a faculdade de defender os seus predios, e defendendo a caça, o tornasse pela justa e equitavel distribuição dos deveres e dos direitos uma lei verdadeiramente liberal.

Actualmente, senhores, o proprietario de um predio pode defendê-lo com a lei contra todas as invasões, menos uma, a dos caçadores. Desde que qualquer põe ao hombro uma espingarda, para elle não ha barreiras, a não ser a dos altos muros, que não possa transpor.

Quando o pode fazer, desmoronando-os e abrindo brecha como em praça inimiga, elle não recua, e só o receio de algum guarda destemido é que o fará retroceder.

O proprietario, o que possue, o que comprou, o que gasta e o que paga as contribuições, é posto de parte pelo caçador, este é que é o senhor absoluto da caça, elle e os seus cães matam, pisam, destroem, espantam, o que está e que está para vir! E a qualquer observação que se lhe faça poderá responder que está no seu direito, e que quem se julgar lesado, reclame nos tribunaes por perdas e damnos.

Pode continuar um tal estado de cousas?

De certo que não. - Os direitos de uns terminam onde começam os direitos dos outros - accrescendo a isto que esta é uma questão que interessa a riqueza publica, e os interesses do Estado, que, na vigencia d'essa lei e d'estes costumes, ha tantos annos que são prejudicados.

Lei verdadeiramente liberal é só aquella que reconhece por igual os direitos de todos.

O exemplo das nações estrangeiras, tantas vezes invocado por nós, devemos segui-lo tambem neste caso; lá ninguem pode caçar nos terrenos alheios sem licença do seu dono, o que lhes augmenta o valor, quer elle seja caçador e como tal os usufrua, quer alugue a outros o direito de nelle caçarem.

Embora fosse talvez mais justo propor disposições iguaes ás das leis estrangeiras sobre este direito de caçar nos predios alheios, não quiz ir de prompto contra costumes inveterados, - se bem que insustentaveis em face do direito - e por isso proponho uma transição ou meio termo acatando o direito de propriedade e dando ao proprietario a faculdade de prohibir, quando quizer, a caça nos seus predios, conseguindo assim que se respeite a propriedade quando o proprietario queira que ella seja respeitada.

Não supponham porém os caçadores que pelo facto de terem os proprietãrios a faculdade de prohibir que se cace nos seus predios, todos elles tornem effectiva essa prohibição.

Pela leitura do projecto que tenho a honra de apresentar poderão os caçadores ver que para que essa prohibição se torne effectiva são necessarias formalidades que obrigam a certas despesas, que nem todos poderão ou quererão fazer, o que portanto deixará ainda á sua disposição uma grande parte dos terrenos que elles estão, costumados a explorar.

Em Hespanha, na extensissima provincia de Badajoz, ha apenas seis coutos, que são, felizmente para os caçadores de lá, os viveiros com que se repovoam constantemente as regiões abertas e esgotadas.

Algumas coutadas no Alemtejo seriam uma riqueza a mais para essa provincia, para o paiz, para o Estado e para os caçadores.

Não entrarei em mais considerações porque me parece que o que fica exposto é sufficiente para mostrar a necessidade de alterar o actual regime de caça entre nós, o qual o presente projecto modifica, principalmente:

1.° Prohibindo o exercicio da caça em predios alheios sem licença do dono, quando este assim o queira;

2.° Prohibindo o exercicio da caça em predios alheios quando applicados á industria e renovação da caça;

3.° Exigindo licença para caçar.

Alem d'isso, senhores, estabelece elle tambem a protecção ás aves uteis á agricultura, em harmonia com o accordo acceite por nós no congresso internacional de Paris de 1895.

E finalmente uniformiza a legislação sobre caça em Portugal, o que se está tornando indispensavel.

A ordem da materia do projecto é a mesma da do Sr. Franco Frazão.

Diz-se primeiro o que seja caçar e quem pode caçar, depois onde se caça, em seguida como e quando se caça e finalmente trata-se do transporte, fiscalização, processo e penas.

Em harmonia com o que fica exposto, tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:

CAPITULO I

SECÇÃO 1.ª

Do direito de caçar

Artigo 1.° Caçar é o acto de procurar, perseguir ou apprehender os animaes bravios;