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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não a comprehendo muito bem, e por isso não sei se lhe responderei cabalmente.

Eu creio, sr. presidente, que nem v. ex.ª, nem nenhum dos membros d'esta camara, nem eu, estamos aqui em virtude de nenhuma operação financeira; todos nós estamos n'este logar em virtude de uma operação politica.

Esta assembléa é, creio eu, uma assembléa politica e não um areopago de financeiros e economistas.

Ensinaram-me os mestres com que aprendi, que todas as questões que se ventilavam n'esta casa eram questões politicas, e que a questão de fazenda tratada na camara dos senhores deputados é, e ha de ser sempre em toda a parte onde exista o systema representativo, uma questão politica.

Correu tambem o boato, se é que correu, de que eu pretendia fazer, ou vinha fazer um escandalo. A minha vida publica, a minha curta mas asseiada vida parlamentar, e a minha vida particular, desmentem categoricamente, na consciencia dos que me conhecem, similhante boato (apoiados).

Nunca fiz escandalo n'esta casa, nem o provoquei; pelo contrario, tenho-me levantado aqui e em toda parte contra todos os escandalos politicos que tenho presenciado (apoiados).

Tambem se segredou que eu vinha offender e atacar o sr. ministro da fazenda. S. ex.ª deve saber que, se eu alguma vez nas minhas palavras lhe fui desagradavel, do que me não lembro n'este momento, foi sempre em occasiões em que s. ex.ª estava para subir ao poder, mas no momento em, que está para saír d'elle não será da minha bôca que s. ex.ª póde esperar phrases desagradaveis.

Deve chegar no fim d'este mez o diploma de deputado ao cavalheiro que foi eleito em Angola em 28 de janeiro, e eu não desejava saír d'esta casa sem explicar o meu silencio ácerca dos importantes acontecimentos politicos que tenho presenciado em toda esta legislatura.

Aproveito portanto a occasião em que se discute este parecer, d'onde saíu, como eu previa, a questão de fazenda, e com ella a questão politica.

Não venho fallar em nome de nenhum partido, ainda que estou filiado em um partido, porque, quando os partidos fallam, costumam faze-lo pela bôca dos seus chefes. Eu não sou chefe de nenhum partido; mas, quando os partidos têem em si soldados, pouco disciplinados, como eu sou, estes soldados fallam muitas vezes ainda quando os partidos estão calados. É o que succede.

Eu nunca devi a minha entrada n'esta casa nem à iniciativa espontanea dos eleitores, nem ao favor dos governos, nem à influencia dos partidos.

Quando quiz ser deputado, pelo modo como eu entendo que se deve ser, fui eu mesmo propor-me aos comícios eleitoraes, e fui tres vezes derrotado. Nas duas primeiras vezes os nomes dos vencedores, os srs. Braamcamp e Pontes Pereira de Mello, honraram-me a derrota; na terceira ficaram a cidade e os eleitores humilhados com a victoria.

A minha vida parlamentar devo-a exclusivamente ao valimento de um amigo pessoal. Apraz-me confessar-lhe bem alto e bem publico esta divida, de que nunca me considerarei quite, mas que todos os dias procuro amortisar, não só com extremos de affecto, mas até com as sinceridades rudes de um caracter mais rude ainda.

Não me prenderão portanto nas considerações que vou fazer outras conveniencias senão as do respeito que devo a esta assembléa, as de fidelidade ao juramento que prestei nas mãos de v. ex.ª e as que me impõem a estima de mim mesmo, a dignidade d'esta tribuna e os meus deveres de empregado da nação.

D'este parecer da illustre commissão de fazenda, que eu vejo assignado por differentes modos pelos cavalheiros que a compõem, vou tirar corollarios, que hão de certo desagradar a todos os que andarem de má fé nas cousas publicas, ou que antepozerem os seus interesses pessoaes e mesmo os interesses partidarios, aos sagrados interesses da patria. Mas espero que hão de ser ouvidos com benevolencia por esta camara, sobre a qual paira, se bem me parece, já a sombra negra da morte; e que não quererá deixar de si memoria de pouco tolerante ou de pouco liberal.

Desde 1861, em que pela primeira vez que entrei na vida politica, até hoje tenho constantemente ouvido dizer aos homens publicos mais illustrados, que o estado do nosso thesouro é assustador, e que se não pozermos de parte todas as questões politicas, para exclusivamente nos occuparmos da resolução do problema financeiro, a nossa ruina e inevitavel.

Este convencimento dos homens publicos chegou a todos os cidadãos, e hoje diz se que o paiz de mais nada quer saber senão da questão de fazenda.

Depois de 1851 e antes de 1868 os negocios publicos eram tratados exclusivamente pelo governo e pelo parlamento. O resto do paiz gosando de commodidades que por muito tempo desconheceu, conservava-se completamente indifferente a tudo o que se passava no mundo politico.

Via, com prazer, apparecer os melhoramentos; assistia com jubilo à abertura das estradas, ao assentamento dos carris para o caminho de ferro, ao estabelecimento dos postes para os telegraphos electricos, e aos contratos que se faziam com companhias para a navegação; mas não indagava como se agenciavam os meios com que se havia de fazer face ás enormes despezas que estes melhoramentos demandam.

Davam lhe tantos beneficios e não se lhe pedia nada, e elle em vez de desconfiar de tanta generosidade, deixou-se adormecer no delicioso goso de taes melhoramentos, e quasi que amaldiçoava aquelles que antes d'esta epocha santa perderam o tempo em pugnas politicas.

Gosava do que nunca gosára, e não pagava mais; todas as investigações lhe pareciam curiosidade impertinente.

Em 1867 porém, quebrou-se o encanto, o encanto desappareceu. O governo de então, não podendo mais uma vez recorrer ao credito sem grande compromettimento, recorreu ao imposto, e pareceu-lhe tão natural este procedimento, que nunca suppoz encontrar resistencia o pedido de uma quota aos beneficiados para o pagamento dos beneficios gosados, e por isso entendeu que podia na mesma occasião reformar a administração e alterar a circumscripção territorial.

Erro gravissimo, duramente expiado! Para accordar o paiz bastava o imposto; tudo mais era já para fazer saltar fóra do leito.

Foi o que aconteceu.

No fim do anno de 1867 appareceram as resistencias. Não foi então só em Arada e Castro Daire; de todos os districtos, de todos os concelhos, de todas as freguezias acudiram a esta camara representações contra as medidas do governo.

Gostei e applaudi esse movimento, porque me pareceu ver n'elle indicio seguro de que o paiz sentia em si vida constitucional e que pretendia intervir como é mister, nos negocios da governação.

O parlamento e o governo não attenderam ás representações e as manifestações tornaram-se politicas. Os homens que as promoviam e os que as assignaram eram todos de opinião que era necessario mudar de systema e reformar profundamente a administração politica e economica do paiz.

Escreveram-se programmas, discutiram-se nos meetings, publicaram-se na imprensa, e as manifestações cresceram a ponto que o poder moderador entendeu que devia dar a demissão ao ministerio antes que reprimir pela força essas manifestações. Honra lhe seja.

Foi então que se chamou aquelle movimento — a revolução de janeiro de 1868. Era mais pomposo o nome que o facto, e ficou em completa discordancia com as consequencias d'esse facto.

A direcção da chamada revolução foi entregue a um homem dos mais distinctos d'este paiz, a um homem cuja pro-