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SESSÃO DE 11 DE FEVEREIRO DE 1876

Presidencia do ex.mo sr. Joaquim Gonçalves Mamede

Secretarios — os srs. Francisco Augusto Florido da Mouta e Vasconcellos

Barão de Ferreira dos Santos

SUMMARIO

Antes da ordem do dia teve segunda leitura uma proposta do sr. Paula Medeiros para que se estudasse de novo a lei do recrutamento; abriu se discussão sobre ella, em que fallaram o sr. ministro da guerra e differentes srs. deputados, e a final foi approvada, sendo reprovadas outras que durante o debate apresentaram os srs. Pinheiro Chagas e Mariano de Carvalho. Na ordem do dia foi approvado, depois de pequena discussão, o projecto n.º 8, creando uma caixa geral de depositos na junta do credito publico, sob a administração da mesma junta.

Presentes á chamada 66 senhores deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs.: Adriano Sampaio, Braamcamp, Pereira de Miranda, Avila Junior, A. J. Boavida, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Cunha Belem, Pereira Carrilho, Rodrigues Sampaio, Ferreira de Mesquita, Mello Gouveia, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Correia da Silva, Carlos Testa, Vieira da Mota, Conde de Bretiandos, Conde da Graciosa, Eduardo Tavares, Filippe de Carvalho, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Fonseca Osorio, Francisco Mendes, Mouta e Vasconcellos, Francisco Costa, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Quintino de Macedo, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Ferreira Braga, Barros e Cunha, J. M. de Magalhães, Vasco Leão, Gonçalves Mamede, J. J. Alves, Pereira da Costa, Figueiredo de Faria, Namorado, Moraes Rego, Pereira Rodrigues, Mexia Salema, Pinto Bastos, Julio de Vilhena, Luiz de Lencastre, Luiz de Campos, Camara Leme, Bivar, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Mello Simas, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Franco, Pedro Jacomo, Pedro Roberto, Julio Ferraz, V. da Azarujinha, V. de Carregoso, V. de Moreira de Rey, V. de Sieuve de Menezes, V. de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Rocha Peixoto (Alfredo), Antunes Guerreiro, Arrobas, Sousa Lobo, Illidio do Valle, Matos Correia, Dias Ferreira, Luciano de Castro, J. M. dos Santos, Freitas Branco, Marçal Pacheco, V. da Arriaga.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Agostinho da Rocha, Teixeira de Vasconcellos, Cardoso Avelino, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Augusto Godinho, Neves Carneiro, Forjaz de Sampaio, Camello Lampreia, Van-Zeller, Palma, Perdigão, Ribeiro dos Santos, Cardoso Klerck, Correia de Oliveira, Guilherme Pacheco, Nogueira, Lourenço de Carvalho, Faria e Mello, Rocha Peixoto (Manuel), Alves Passos, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Thomás Ribeiro, V. de Guedes Teixeira.

Abertura — A uma hora e meia da tarde. Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Communicação

Declaro que não tenho comparecido ás ultimas sessões por motivo justificado. = O deputado, Augusto Godinho.

Representações

1.ª Da direcção da associação dos funccionarios publicos, pedindo que sejam elevados os vencimentos das classes de funccionarios menos retribuidos. (Apresentada pelo sr. deputado A. Carrilho.)

2.ª Da camara municipal do concelho de Santa Cruz da Graciosa, contra o imposto lançado pela camara de Angra, sobre os vinhos da Graciosa exportados para a ilha Terceira. (Apresentada pelo sr. deputado Pedro Roberto.)

3.ª Da camara municipal do concelho da Villa da Lagoa da ilha de S. Miguel, contra a circumscripção comarca. (Apresentada pelo sr. deputado Paula Medeiros.)

4.ª Dos negociantes e fabricantes de cortumes, contra a proposta de lei do ministro da fazenda na parte relativa ao augmento de direitos que pretende impor ás pelles em bruto, seccas ou frescas, que forem importadas do estrangeiro. (Apresentada pelo sr. deputado Ferreira de Mesquita.)

5.ª Da camara municipal do concelho de Odemira, pedindo que na fixação dos contingentes da contribuição predial de 1876 se haja de attender ao transtorno que á vida economica d'este concelho póde trazer a falta de rectificação do contingente fixado sobre cada um dos dois districtos de Lisboa e Beja, e providenciar de sorte que não haja de considerar-se a freguezia do Cercal como que fazendo parte d'este concelho. (Apresentada pelo sr. deputado Ferreira Braga.)

As commissões respectivas.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara a nota da importancia dos impostos, predial e industrial, que foram lançados no anno proximo passado á freguezia do Cercal, que pertencia ao concelho de Odemira, districto de Beja, e por decreto de 21 de setembro de 1875 foi, para todos os effeitos, annexada ao concelho de S. Thiago do Cacem, districto de Lisboa. = O deputado por Mertola, João Ferreira Braga.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha e ultramar, seja remettida a esta camara copia:

I Do orçamento do edificio para a alfandega na ilha de S. Thomé;

II Da planta ou alçado do mesmo edificio;

III Do contraio de adjudicação da dita alfandega. =' Barros e Cunha.

Foram enviados ao governo.

A camara decidiu que fosse publicada no Diario do governo uma representação da associação dos funccionarios do estado, apresentada hontem pelo sr. Carrilho.

O sr. Secretario (Mouta e Vasconcellos): — O sr. Ricardo de Mello encarregou-me de participar á camara, que por incommodo de saude não tem comparecido ás ultimas sessões, e não comparecerá a mais algumas.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a seguinte proposta que ficou para segunda leitura.

Leu-se na mesa e entrou em discussão a seguinte

Proposta

Proponho que o governo, de combinação com a commissão de recrutamento d'esta camara, confeccione um projecto de lei sobre recrutamento, em que se removam os defeitos e introduzam os melhoramentos que reclama este importante ramo de serviço publico.

Sala das sessões, 9 de fevereiro de 1876. = O deputado, Paula Medeiros = José Joaquim Figueiredo de Faria.

O sr. Paula Medeiros: — Declaro que esta proposta não tem fim politico. Entendo que a lei do recrutamento carece de prompta reforma, e por isso estou no meu direito apresentando-a. (Apoiados.)

O Sr. Conde de Bretiandos: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Francisco de Albuquerque: — Tinha hontem

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pedido a palavra quando se discutia a portaria de 19 de | janeiro, sem que realmente sentisse grande desejo de fallar, mas por me parecer, que, tendo eu sido por bastantes annos funccionario administrativo, me corria o dever de expender a minha opinião sobre este assumpto, embora ella em nada concorra para illucidar a camara.

Hoje porém sinto desejo vehemente de entrai' na discussão da portaria ou portarias, porque são duas as que se devem discutir, porque só assim posso responder á maneira pressurosa, e talvez inconveniente, porque a maioria hontem julgou esta materia discutida, sem se lembrar, que hoje, e sempre a opposição está no seu direito, o talvez cumpra um dever, de levantar toda o qualquer questão que ella julgue conveniente não deixar abafada pelo numero de votos, sem que fique bem patente a antithese entre a força da rasão, e essa rasão numerica, que a ninguem convence. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu sou d'aquelles, que julgam, que, depois da publicação dá lei de 17 de abril de 1873, não se póde, sob qualquer pretexto, admittir uma substituição militar que não seja por meio de um substituto.

É certo que a lei de 27 de julho de 1855 não admittia remissões a dinheiro, e estabelecia a substituição por homem depois do assentamento da praça. Mas tambem é certo que esta regra tinha a excepção do caso de qualquer cidadão de 18 a 21 annos se ausentar para paiz estrangeiro, no qual o fiador se eximia da sua obrigação pagando o preço de uma substituição, que o governo devia fixar em 1 de janeiro de cada anno.

Portanto não se diga que esta lei não admittia em caso algum a substituição a dinheiro, que devia entrar nos cofres do estado.

A lei de 4 de junho de 1859 permittiu as remissões; ficou portanto de pé o disposto na lei de 1855 quanto ás fianças.

Veiu porém a lei de 1873, que aqui votámos, e o que diz ella? (Leu.)

É, portanto, claro que, desde que tão categorica e expressamente se diz que, depois da publicação d'esta lei, nenhum mancebo apto para o serviço militar se póde eximir d'elle, a não ser apresentando um substituto, quer antes quer depois do assentamento da praça, fica revogada a lei de 1855 na parte em que permittia ao fiador o pagamento do preço de uma substituição, regulado pelo governo no principio de cada anno. (Apoiados).

Argumenta-se: a lei de 1855 fica, em pleno vigor; a que deve considerar-se revogada é a de 4 de junho de 1859, porque esta é que estabelece ás remissões a dinheiro, e aquella não as admittia.

Nego. Admittia, embora em um caso particular; mas vós, se sois coherentes, haveis de chegar então á seguinte conclusão: ou a lei de 1873 revoga todas as substituições a dinheiro, e, portanto, a regra geral da lei de 1859 e a excepção da lei de 1855, ou então não revoga nenhuma. Pois como é que vós quereis que esta lei, que estabelece um principio geral, absoluto, que não póde admittir excepções, revogue a substituição por dinheiro da lei de 1859, e não se revogue a substituição por dinheiro da lei de 1855?! (Apoiados.)

Isto parece-me de primeira intuição.

Nem se diga que não póde por outra maneira tornar-se effectiva a fiança dos que se ausentam para paizes estrangeiros, porque póde, basta que nos termos da fiança o fiador se obrigue a apresentar o afiançado ou dm substituto. Se não apresentar o afiançado ou um substituto, regulo o governo a maneira de proceder em tal caso por si ou propondo o que julgar melhor; póde, por exemplo, o administrador do concelho contratar um substituto, exigindo do fiador o preço d'elle, que deve ser, não o que o governo marcar, porque hoje não póde tal fazer, mas áquelle por que contratar.

O que não póde admittir-se, o que a lei de 1873 prohibe é que nos cofres do estado entro mais quantia alguma a titulo do remissões, com o fim do o governo a applicar a contratar substitutos. (Apoiados.)

Mas, sr. presidente, eu ainda, por hypothese, concedo aos meus adversarios, que a minha argumentação não é verdadeira n'este ponto, como admittir-se a substituição a dinheiro de que nos falla a portaria de 19 de janeiro?!

Antes de fallar d'esta portaria direi que me parece illegal a outra a que ella se refere de 5 de maio de 1873, se me não engano.

Concede-se, por esta portaria, aos governadores civis a faculdade de darem oito dias de espera aos recrutas inspeccionados e julgados aptos para o serviço, que declararem que se querem substituir. Embora a lei de 1873 diga que os recrutas se podem substituir, quer antes quer depois do assentamento de praça, jamais se póde entender áquelle antes depois de inspeccionados e approvados pela junta.

O artigo 46.° da lei de 27 de julho de 1855 diz o seguinte. (Leu.)

Portanto aqui não se marca praso algum depois da inspecção, porque depois d'ella ao governador civil sómente cumpre mandar o inspeccionado com guia para o quartel general. (Apoiados.)

E não se diga que se não marca praso, tambem o não prohibe, porque tal praso só a lei o póde estabelecer e nunca o governo. De mais seguir-se-ía o absurdo de a lei permittir ao governo que introduzisse a desordem nas operações do recrutamento, podendo elle em vez do praso de oito, dias, conceder annos, o que seria irrisorio.

O artigo 46.º da lei de 1855 é claro.

Mas a portaria de 1873 não é só illegal, é perfeitamente inefficaz. Eu faço justiça ao sr. ministro do reino, attribuindo-lhe a melhor intenção ao publicar esta portaria, ao que talvez fosse levado, eu sei por bondade, e por desejo de favorecer os recrutas. Más s. ex.ª não reparou em que, alem de illegal, não chegava a ser favor esse praso estreito de oito dias que concedia aos recrutas para se poderem substituir.

Quem sabe o que são estes negocios, sabe tambem a quási impossibilidade do se arranjar um substituto em tão mesquinho espaço de tempo.

Ha um argumento muito forte para sustentar a doutrina da portaria que aqui nos apresentou o illustre ministro do reino, e é: o governo sanccionou uni facto, que os governadores civis todos os dias praticavam, com proveito para o serviço, porque em vez de mezes, como elles concediam, o governo só permitte oito dias, e na portaria ultima até se exigiu fiança para o desgraçado recruta poder usar d'esse tempo para arranjar substituto!

Já é força de argumentação!

Porque os governadores civis praticavam uma ilegalidade, o governo em vez de os fazer cumprir o seu dever, sancciona essa illegalidade! Porque os governadores civis praticavam uma illegalidade, que, se podia em algum caso ter justificação, só na mão d'elles podia dar-se; pratica ò governo a mesma illegalidade, dando na folha official ò exemplo do seu pouco respeito pela lei, e sem proveito algum, quer para a causa publica, quer para os proprios que se diz querer favorecer! (Apoiados.)

E pensa o sr. ministro do reino que os governadores civis, que até agora concediam esses prasos, os não continuam a conceder? Illude-se; pois se até aqui elles se não importavam com a lei, menos se importarão com a sua portaria; e quando for necessario fazer esse favor não é a portaria que lhes ha de obstar.

Disse eu que a poder justificar-se tal doutrina, era deixando essa faculdade aos governadores civis, porque, embora sem fiança, elles só concediam espera quando pelo conhecimento das pessoas que lhes pediam formavam a convicção, que era quasi certeza, de que o recruta apparecia quando se exigisse; e quando acontecesse o contrario, as operações do recrutamento continuavam, e o supplente,

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alem do direito de promover execução nos bens do refractario, podia exigir, em minha opinião, perdas e damnos do governador civil. Mas creia V. ex.ª que talvez me não engane asseverando que todas essas concessões dos governadores civis não davam em resultado mais de um refractario entre cem dos favorecidos.

De mais, os governadores civis só concediam em regra esses favores quando não prejudicavam o andamento das operações do recrutamento, e hoje são obrigados em muitos casos, a demora-las com grave inconveniente para o serviço, porque sempre os recrutas podem dar fiador, a pretexto de se substituirem, e depois podem mandar um substituto incapaz, e a portaria concede-lhes novo praso. (Apoiados).

Não são porém estes sr. presidente, os maiores inconvenientes da portaria.

Esta portaria é a destruição da lei que aqui votámos em 1873! (Apoiados.)

E o restabelecimento das remissões (apoiados), mas o restabelecimento illegal, contrario, perfeitamente opposto á lei!

De hoje em diante abundará o dinheiro nos cofres empoeirados das remissões, os ricos terão mais uma immunidade, e o exercito menos soldados!

Sei os resultados d'essa portaria illegal, absurda, inefficaz para o bem e efficaz só para mal! (Apoiados.)

Todos os recrutas, antes de apresentarem praça são inspeccionados pela junta de revisão, e como a portaria concede a todos indistinctamente o praso de oito dias para se poderem substituir, todos podem gosar do beneficio da portaria que diz: (leu).

Portanto o individuo que se quizer fazer substituir, e que não quizer incommodar-se a procurar substituto, e que não quizer desembolsar 300$000 réis...

Uma voz: — Ou 400$000 réis.

O Orador — Ou 400$000 réis, e olhe o collega que em algumas localidades, especialmente nas ilhas, não é exagerado o calculo. Dizia eu que o recrutado que quer eximir-se do serviço o sem o incommodo de procurar substituto e por um preço commodo, aproveita os oito dias da portaria, dá fiador e não comparece no praso, nem o fiador dá substituto, mas dá 240$000 réis, e satisfez. (Apoiados.)

O sr. Filippe de Carvalho: — E fica refractario perante a lei.

O Orador: — Não senhor. Não póde ser que fique refractario quem não fez mais do que executar a portaria. (Apoiados.) E se assim é, eu peço ao sr. ministro do reino que me diga se em sua opinião o recrutado no goso dos oito dias da portaria, que não compareceu nem deu substituto, mas que deu 240$000, ou o preço fixado no decreto do governo, é considerado como refractario.

(Pausa.)

Não póde ser. A portaria pecca em ser clarissima. O recrutado livra-se, ou comparecendo, ou dando substituto, ou pagando a somma necessaria para a substituição.

Creia o sr. Filippe de Carvalho que isso não póde ser.

O sr. Ministro da Guerra: — Peço a palavra.

(Pausai)

O Orador: — Respeito muito a intelligencia do sr. Filippe de Carvalho, assim como respeito e ha muito que admiro o illustre presidente do Conselho, mas..;

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Ainda não disse nadai

O Orador: — Peço perdão; ouvi qual a opinião de v. ex.ª, que é conforme com a do sr. Filippe de Carvalho, de que fica refractario 0 esperado por os oito dias quando não comparece ou dá substituto, embora dê a somma para a substituição. Ouvi e accentuo bem este ponto, o que significa que o sr. presidente do conselho revoga a portaria do Sr. Sampaio! (Apoiados.)

Ouvi bem V. ex.ª dizer, que o outro tambem ficava obrigado mesmo depois da paga da substituição; mas isto não póde ser! (Apoiados).

Sem que o sr. Sampaio revogue a portaria tal doutrina é absolutamente inadmissivel, a não ter eu perdido todas as noções de interpretação e de portuguez.

A portaria diz (leu).

Quer dizer, livra-se o fiador apresentando: 1.°, o afiançado; 2.°, com a apresentação do substituto; 3.°, ou apresentando a somma necessaria para contratar um substituto -

Isto é clarissimo (apoiados). Se não querem esta doutrina, escrevam outra cousa, revoguem a portaria. O que cá está escripto é isto, e não ha intelligencia alguma por mais aguda, capaz de alterar o sentido d'estas palavras (apoiados).

Tendo pois que se pagar a somma de que falla a portaria, cessou a obrigação do fiador e afiançado. (Interrupção),

Não póde ser. Então para que serve essa quantia que a portaria diz necessaria para contratar o substituto? Se fica refractario o afiançado e é agarrado, o que se faz a este dinheiro? A que titulo fica na mão do estado? E uma multa? Mas o governo póde estabelecer multas?

Tudo isto é um cahos!

Se o afiançado é refractario, é claro que se chama outro para o substituir.

Uma voz: — Chama-se outro.

O Orador: — E a quem fica pertencendo o dinheiro para a remissão? Então temos o governo o arrogar-se o direito de impor multas?

Isto é um perfeito absurdo e o contrario do que diz a portaria. (Apoiados.)

Antes de concluir ainda desejava perguntar que somma é essa de que falla a portaria para a substituição. Ainda aqui a desordem e a confusão! Uns entendem que essa somma é a estabelecida para o governo no decreto que fixa o preço das remissões ou substituição a dinheiro; outros dizem que é o preço por que se contratar o substituto. Nos tribunaes do Porto, segundo fui informado, julgou-se d'este ultimo modo, que em verdade é o que parece deduzir-se da portaria, se lhe não obstasse o decreto que fixa o preço das remissões.

Ora eis ahi esboçadas as bellezas da portaria!

Ainda bem que o sr. ministro da guerra é o primeiro a fulmina-la! Mas a sua opinião não basta, é necessario emendar a portaria. (Apoiados.)

Não foi o desejo de fazer opposição ao governo que me levou a tratar d'este assumpto, mas sim o interesse publico, que pede instantemente, que não se vá embaraçar mais o já embaraçado serviço do recrutamento.

Olhem pois os poderes publicos seriamente para este assumpto, e não anteponham ao bem da causa publica a velleidade ou capricho de qualquer ministro. (Apoiados.)

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, pensei que estavam todos de accordo, e enganei-me: entretanto o facto é, e assim se diz ha muito tempo, que quando todos estão de accordo é quando se discute mais.

O que está em discussão, se bem o entendo, é uma proposta do illustre deputado e meu amigo o sr. Paula Medeiros, o qual pede que a commissão de recrutamento, de accordo com o governo, apresente á camara as alterações ou modificações, que julgar conveniente fazer na lei do recrutamento, para obviar a quaesquer difficuldades ou inconvenientes que se tenham encontrado na pratica.

Pouco mais ou menos creio que a idéa é esta, e por parte do governo não tenho duvida alguma em que essa proposta seja admittida e acceite. A commissão examinará a lei do recrutamento nos pontos em que se reconheça que carece de ser examinada, e dará á camara um parecer para que ella em sua sabedoria, tendo em consideração as rasões que se apresentarem, proveja de remedio aonde for necessario remediar.

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Mas creio eu, pelo menos pelo que ouvi, porque não estive presente na ultima sessão, que a discussão que houve aqui, e os argumentos apresentados por parte dos srs. deputados da opposição, que tomaram parte no debate, encaminhavam-se para o mesmo fim, quero dizer, pretendiam que se visse, estudasse e se regulasse a lei do recrutamento. Julgava eu, portanto, que estavamos todos de accordo, opposição e maioria, que todos convinhamos em que a commissão de accordo com o governo, ouvindo, acolhendo os esclarecimentos necessarios, trouxesse á camara uma base para debate, d'onde podesse saír alguma cousa util, porque a não ser assim nada resultará d'esta discussão.

Uma voz: — Abafaram ante-hontem a discussão.

O Orador: — Perdão, eu não sei se abafaram a discussão, porque não estava cá. Eu sou parlamentar antigo, e estou costumado a ver abafar as discussões, e não me surprehende nada isso. (Apoiados.)

Quando me sentava nas cadeiras do lado esquerdo da camara, lembro-me bem que a maioria era numerosa, mas a opposição tambem era, e eu por muitas vezes pedi á maioria que passasse sobre nós, porque a maioria é que tinha o direito e o dever de governar. (Apoiados.)

Pedia-lh'o, e não era preciso pedir-lh'o muito, porque ella abafava constantemente a discussão. (Apoiados.)

Eu pela minha parte desejo sempre ouvir os illustres deputados da opposição, que esclarecem as questões com os argumentos que apresentam; desejo que a camara seja illustrada por elles, e eu sou o primeiro a sê-lo; mas não posso negar ás maiorias o direito de governar. Já se vê, portanto, que não volto á questão nem podia voltar, não tive parte na resolução da camara que terminou o debate; mas reconheço a sua omnipotencia sobre este ponto, por consequencia nada tenho que dizer a esse respeito.

Mas depois de se apresentar essa moção julguei que tinha terminado a questão; enganei-me, porém, revive o debate sobre a portaria. Eu não tenho tenção de fallar n'elle, e parecia-me que não devia reviver depois de ter a camara encerrado o debate.

Uma voz: — É o direito das minorias.

O Orador: — E um direito que ellas se arrogam, e que eu não contesto, mas que podia contestar, porque o direito da minoria não póde ser insurgir-se contra as votações da maioria. Sei que ha de haver um sophisma pelo qual se traga ao debate um assumpto que já foi vencido; mas restabelecer a discussão d'esse assumpto não é de direito. (Apoiados.)

Uma voz: — Ninguém no-lo póde impedir.

O Orador: — Sejamos claros. Se esse direito é inconcusso, é illimitado, então um deputado da minoria tem o direito de annullar uma assembléa parlamentar. O illustre deputado bem vê que isto não póde ser! A camara resolve um assumpto qualquer: ha um só deputado da minoria, mas este deputado da minoria trata todos os dias e constantemente do mesmo assumpto...

O sr. Luiz de Campos: — Antes da ordem do dia ninguem lh'o póde obstar.

O Orador: — Desde que se quer trazer a questão para este terreno, não se póde discutir. (Apoiados.) Isto é só subversivo!

Respeito os direitos da minoria: tenho sido tambem minoria, e talvez mais tempo minoria do que governo; mas isto é uma theoria subversiva que se não póde admittir. (Apoiados.)

Creio que se está em erro a respeito da portaria de 1866, e quando se suppõe que a lei de 1873 acabou com as fianças. Com o que a lei acabou foi com as remissões. Nas leis do recrutamento de 1855 e 1859 havia remissões, fianças e execução de bens dos refractarios. Todos estes elementos constituiam a receita chamada do cofre das remissões. Que tinha nome differente na lei, e significação differente, viu-se logo, porque na lei posterior se acabou com as remissões, mas não se acabou nem com as fianças, nem

com as substituições. Portanto, na lei é claro que não ficaram abolidas as substituições, e nem podia deixar de ser assim.

Uma voz — Tinha uma applicação diversa. O Orador: — Eu lá vou: eu não fujo ás questões, e tratarei dos diversos pontos apresentados pelo illustre deputado.

E devo dizer uma cousa, sem offensa de um cavalheiro que não vejo presente n'este momento, o sr. conde de Bretiandos, que hoje se estreiou n'esta casa, de que lha dou os meus parabens, porque é meu amigo, e porque pertence e uma familia á qual estive sempre ligado por estreitos laços de amisade; apesar do toda a sua argumentação, o illustre deputado que se senta no banco superior collocou a questão em terreno mais difficil para mim do que o sr. conde de Bretiandos. A lei de 1873 não acabou, nem podia acabar com as fianças, e basta que a camara se lembre do preceito estabelecido na lei de 1855, pelo qual ninguem póde saír do reino emquanto está obrigado ao recrutamento, para se ver que era necessario conservar a fiança; quando não todos os que estivessem comprehendidos no recrutamento saíam para fóra, indo sobrecarregar por este modo os seus vizinhos, que eram obrigados injustamente a vir tomar os seus logares.

D'entre todas as objecções e difficuldades que nascem da lei de recrutamento a que mais affecta o meu espirito e o meu coração, e mais me revolta, é a que em virtude de um sophisma quer nascido da má disposição da lei ou da sua má execução, possa fazer com que um homem que não tem obrigação de servir como militar seja obrigado a servir no exercito. Isto é a cousa mais repugnante possivel. (Apoiados.) Pois bem, o que tem querido o governo fazer? Pôde ter sido infeliz na realisação das suas idéas, e na execução das suas medidas não ter attingido bem o fim a que se propoz; mas o que tem querido o governo fazer? Tem querido por todos os modos ao seu alcance fazer com que áquelle que a lei chamou ao serviço militar o vá cumprir, e não vá ser compellido a esse mesmo serviço o seu vizinho que a lei tinha excluido completamente. (Muitos apoiados.) (Interrupção.)

É já alguma cousa, não sermos accusados de atacar intencionalmente a lei, e de termos desconhecido e calcado aos pés os direitos parlamentares. Tudo isto desaparece com a confissão feita pelo illustre deputado que se senta nos bancos superiores. (Apoiados.) (Interrupção)

Honro-me com essa opinião, se me dão licença. (Interrupção do sr. Boavida.)

Creio que a opinião do sr. deputado Boavida é individual; mas a minha não é individual, porque fallo em nome do governo. Nem posso, note o illustre deputado, fallar n'esta casa de outro modo. (Apoiados.) Por consequencia a minha opinião não é individual.

Uma voz — É individual, posto que mais auctorisada. O Orador: — O deputado falla sempre em seu nome, mas eu aqui quando fallo á camara, ou aos srs. deputados, fallo em nome do governo. Posso não merecer a approvação da assembléa, posso não ser considerado por ella, mas não é opinião individual a minha, é opinião do governo. (Apoiados.)

Digo eu, que o que o governo quiz foi acabar um meio de compellir o cidadão, chamado pela lei ao serviço militar, a ir cumprir o preceito da mesma lei, sem que fosse tão severo, tão rispido e tão inexoravel, que não deixasse ao menos alguns dias a esse cidadão para elle poder substituir-se, como a lei permitte.

Será um meio brando? Talvez. Seria melhor ser rigoroso fazendo com que o recruta depois de ir a junta de revisão, e ali ser apurado, siga immediatamente para o seu destino, com guia para assentar praça. Mas o facto é que se concediam dias. Esta era a pratica, e que os governa

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dores civis de todo o reino auctorisavam, pelas disposições que tomavam a esse respeito. Por consequencia, o governo não fez mais do que, por assim dizer, regular e tornar menos inconveniente uma pratica que o illustre deputado, e todos 08 illustres deputados não podem desconhecer, e contra a qual ninguem se insurgiu, que eu saiba. (Apoiados.)

Sendo isto assim o que fez o governo? O governo, vendo que não estavam extinctas as fianças pela lei de 1873, como não estavam, o governo vendo que não estava extincta a responsabilidade pelos bens dos refractarios, como não está, adoptou como expediente, que lhe não pareceu contrario á lei, o permittir que esta licença de oito dias, que se dava aqui, sem garantia alguma (apoiados), ao recruta para ir procurar um fiador ou um substituto, se desse como garantia para a moralidade, para a execução da lei e para o exercito. (Apoiados.) Para isso empregou o meio que lhe pareceu mais rasoavel. Dizer-se agora que em virtude da disposição da portaria de 1876, o recruta fica isento de toda a obrigação, peço licença para assegurar que isso nem se póde deduzir da letra da portaria, nem que se podesse, se devia fazer, porque seria alterar a disposição da lei. (Apoiados.)

(Interrupção.)

A portaria é um acto official que obriga dentro de certos limites, e peço que não a interpretem de modo que dê a annullação da lei, porque essa interpretação seria cerebrina, e contraria a todas as praxes.

O que é certo é que a portaria se entende assim, assim a faz entender o governo, e assim se póde ella interpretar; de outro modo nunca, porque levaria ao absurdo.

Quando todos estamos de accordo, os deputados que têem fallado contra, os que têem fallado a favor, e até o proprio governo; quando apparece uma proposta do sr. Paula Medeiros, que quer que uma commissão d'esta casa estude esta questão de accordo com o governo, que lhe merece confiança, e quando este diz que a acceita, quando tudo isto se dá, parece-me que só pelo amor da arte se póde insistir sobre o assumpto, que julgo esgotado, como me parece que o governo não póde ser accusado de ter faltado a nenhum preceito legal, nem ao fim que teve em vista.

E preciso que não confundamos, esta questão da substituição e da remissão. (Apoiados.) E sobretudo que não confundamos o principio em que se funda a alteração feita.

Ha duas questões a respeito do serviço militar, completamente distinctas, e das quaes uma d'ellas não é absolutamente applicavel á questão de que se trata, e que é a opinião dos que querem que o serviço militar não seja remido a dinheiro, nem substituido por modo nenhum, e que todos sejam obrigados a prestar serviço em favor do estado.

Declaro que respeito muito esta idéa, mas por ora não julgo opportuno propo-la ao parlamento.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Lamento que s. ex.ª diga isso...

O Orador: — Mas como eu não hei de estar sempre n'estas cadeiras, como o governo ha de ser substituido no seu dia e hora, porque ninguem prolongou por mais um dia o termo da sua vida, reservo-me para então applaudir o ministerio que apresentar essa proposta de lei, e desde já declaro que não a rejeitarei.

Preciso declarar que não julgo occasião opportuna para apresentar uma proposta de lei para estabelecer o serviço obrigatorio, pelas circumstancias em que se acha o paiz. Demais a repugnancia que vejo para a serviço militar, e a falta de receio que ha no espirito publico de que de um momento para outro appareça uma necessidade impreterivel que obrigue a pegar em armas, tudo isto leva a opinião a retrahir-se diante d'essa obrigação ou d'esse dever, e eu não quero contraria-la.

Póde ser que não veja bem clara esta idéa, mas antes quero governar com a opinião publica, do que contraria-la.

Estimaria que em Portugal se estabelecesse o principio do serviço militar obrigatorio, mas d'essa execução resultava uma grande resistencia, e a necessidade de um grande augmento de despeza, e eu não quero promover nem uma, nem outra cousa.

Não julgo as circumstancias actuaes no caso de poderem supportar essa medida, e apesar d'isso não deixo de julgar que é um preceito sagrado a que todos se devem submetter, porque pequenos e grandes, ricos e pobres todos são iguaes perante a lei.

Creio que no dia em que o paiz fosse seriamente ameaçado, esse dia seria o proprio para estabelecer-se o serviço obrigatorio.

A França estabeleceu o serviço obrigatorio debaixo da pressão de um desastre como não ha memoria na historia moderna.

O sr. Luiz de Campos: — Foi tarde.

O Orador: — Mas eu não tenho culpa de que a opinião do paiz me acompanhe. Tenho-me adiantado a ella muitas vezes, mas não o posso fazer sempre.

Por consequencia ha esta questão, mas ha outra, é a d'aquelles que querem que haja exercito, que o exercito tenha soldados, tenha homens para o serviço em logar de dinheiro.

Em nome d'esta idéa, o não da outra, é que se publicou a lei de 1873.

Não é a idéa de appellar para os sentimentos, como fez o meu amigo o sr. conde de Bretiandos, dizendo que fica mal aos que empunham as armas para a defeza da patria serem comprados por dinheiro; é outra idéa que se contrapõe á actual em nome do principio do serviço obrigatorio.

O sr. Conde de Bretiandos: — Qual é a idéa? Senão é a que eu dizia é outra.

O Orador: — Qual é a idéa? São as necessidades do exercito, é a necessidade de ter soldados e não dinheiro, com que muitas vezes se não podem obter.

E em nome d'esta idéa, e não em nome da idéa de que é "possivel substituir o serviço militar a dinheiro, porque no fim de contas substitue-se a dinheiro tanto pela remissão, como pela substituição.

E uma questão de interesse militar unica e exclusivamente, não é de disciplina. A, disciplina não tem nada com isto.

E o interesse da força numerica do exercito, porque o exercito é tão disciplinado tendo soldados provenientes da remissão a dinheiro, como da substituição em dinheiro. É a mesma cousa.

E o illustre deputado sabe que isto é uma cousa que não pertence sómente a Portugal.

Sem citar a Hespanha, porque está em circumstancias anormaes, citarei a Belgica, que é um paiz livre, que em muitas questões está á frente da civilisação da Europa. Lá tem essa pessima instituição do serviço substituido por dinheiro.

Nem o illustre deputado, nem a camara, nem ninguem pensa que isto é cousa exclusiva de Portugal.

Portanto desde que ha a substituição não se póde dizer que se acabou com a disposição de que falla a lei de 7 de julho de 1855 e a de 4 de junho de 1859, na parte em que restabeleceu a remissão.

Creio que tenho mostrado á camara que o pensamento da portaria de 1876 é perfeitamente em harmonia com as disposições da lei, sobretudo perfeitamente em harmonia com as conveniencias do serviço, e é a consequencia necessaria do desejo que o governo tem de tornar menos aspera, menos difficil para o recruta a sua posição diante do serviço militar.

Fez-se-lhe esta concessão, estabeleceu-se esta disposição que se póde considerar como regulamentar.

Se a camara quer que todas estas disposições e outras, que precisam modificadas na lei do recrutamento, sejam devidamente consideradas, approve a proposta do sr. Paula

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Medeiros, que eu não approvo com o voto porque não tenho voto n'esta casa, mas approvo com a palavra, porque sou o primeiro a reconhecer a necessidade de uma boa lei de recrutamento.

Vamos á commissão, estudemos o assumpto, tratemos de remover todas as difficuldades á execução da lei do recrutamento para que possa ser uma verdade, e cooperemos todos na obra em que estamos empenhados. Façamos isto, em logar de estarmos a fazer exame? rectrospectivos de uma portaria, que póde não satisfazer os nobres deputados, mas que foi promulgada nas melhores intenções, porque é antes um acto de benevolencia e de favor para com aquelles que tem de seguir a carreira das armas do que uma infracção da lei.

(Aparte.)

Se não é efficaz a acção do parlamento, não sei o que seja efficaz n'este mundo. (Apoiados.)

Vozes: — Muito bem.

(ti. ex.ª não revê os seus discursos.)

O sr. Mariano de Carvalho (sobre a ordem): — Mando para a mesa a moção de ordem que vou ler na conformidade do regimento. (Leu.)

Primeiramente devo declarar a v. ex.ª e á camara que d'esta questão não faço uma questão politica. (Apoiados.)

Eu entendo que da organisação da força publica não se deve nunca fazer uma questão politica. Quaesquer que sejam os principios, qualquer que seja a doutrina que cada um queira sustentar, eu não julgo que possa haver conveniencia em vir ao parlamento fazer questão politica da organisação da força publica. (Apoiados.)

Não quero acompanhar o sr. presidente do conselho de ministros nas variadissimas considerações que fez, procurando, com a consummada habilidade parlamentar que todos lhe reconhecem, tornear as difficuldades do assumpto. (Apoiados.)

Não quero discutir o que se passa na Belgica, posto podesse talvez discutir vantajosamente a este respeito com o sr. presidente do conselho de ministros.

Não quero mostrar a manifesta contradicção que ha entre o sr. presidente do conselho de ministros e o sr. ministro do reino, porque o sr. Fontes acaba de nos dizer que as remissões e as substituições são cousas muito diversas, e o sr. Sampaio sustentou hontem que as remissões e as substituições eram uma e a mesma cousa.

Vozes: — Não disse tal.

Outras vozes: — Disse, disse.

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Peço ordem.

O Orador: — Não vale a pena discutir isso. Todos ouviram, mas não vala a pena discutir similhante cousa, como não vale a pena discutir se as opposições têem ou não têem direito, e muitas vezes o dever de levantar constantemente as questões que as maiorias abafam a cada momento.

Desenganem-se as maiorias; tanto as questões, como os ministerios têem um momento de madureza, em que as questões cessam e os ministerios caem; é quando se abafam as discussões antes de terem chegado ao seu termo natural, não tanto pela vontade dos homens, como pela força imperiosa das circumstancias.

Não quero tambem discutir, não quero mostrar á camara quanto as fianças creadas agora pelo sr. ministro do reine e as fianças de que tratava a lei do recrutamento são diversas. (Apoiados.)

Não quero discutir nada d'isso; a questão de que me quero occupar é outra e muito simples.

O sr. ministro do reino promulgou uma portaria que estabelece de facto as remissões por dinheiro; o sr. ministro do reino concedeu aos recrutados direitos que nenhuma lei lhes concede; este acto, portanto, é illegal, mas eu nem quero discutir essa illegalidade, porque não quero, repito, levantar n'este momento a questão politica.

O que eu discuto agora é a questão dos inconvenientes,

e os inconvenientes resultam das proprias palavras do sr. presidente do conselho de ministros. (Apoiados.)

Não foi s. ex.ª mesmo que expoz ha pouco que as idéas do governo eram oppostas á letra e ao espirito da portaria? (Apoiados.)

Não disse s. ex.ª até que a portaria podia estar mesmo mal redigida? (Apoiados.)

Então, se assim é, qual vem a ser o remedio adequado? É revoga-la, ou modifica-la, porque para evitar 03 inconvenientes que podem provir d'ella, não basta a moção do sr. Paula Medeiros.

Pela moção do sr. Paula Medeiros a commissão competente tem que elaborar uma nova lei de recrutamento. A discussão de uma lei que se refira a materia de tanta gravidade, já na camara dos deputados não póde levar pouco tempo, depois ainda ha de passar para a camara dos dignos pares, e depois ha de ser sanccionada pelo poder moderador.

Entretanto continuam em vigor as portarias do ministro do reino que são contra a doutrina, muito bem apresentada pelo sr. presidente do conselho, e que o proprio sr. presidente do conselho confessa que estão mal redigidas, e continuam em vigor até ao momento em que se publique nova lei de recrutamento, quando feria melhor evitar effeitos d'esses documentos viciosos e inconvenientes. É isso que eu peço.

Tenho concluido.

(O sr. deputado não reviu as notas tachygraphicas.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, satisfeita com as explicações dadas pelo sr. presidente do conselho, convida o sr. ministro do reino a revogar ou emendar as portarias de 5 de maio de 1873 o 19 de janeiro de 1876.

Sala das sessões, 11 de fevereiro de 1876. = Mariano de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Corria o anno de 1825, e achava me na cidade de Braga. Assisti ás exequias de Senhor D. João VI, e não sei se estava vestido de uma túnica de christão, se de catholico, ou se de outra maneira. Lembro-me só que o thema do sermão que se pregou era, pouco mais ou menos, o seguinte, tirado da Escriptura: Volui lenitate gubernare subjectos ut optata cunctis mortalibus pace fruerentur.

O sr. Pedro Franco: — Amen (riso).

O Orador: — Já se vê que eu não esperava que o illustre deputado eleito por aquella cidade, viesse fulminar esta doutrina, e entendesse que tinha executado as leis com alguma, não sei se foi brandura, se foi severidade. Segundo a opinião do nosso illustre collega, o sr. Francisco de Albuquerque, creio que foi severidade. Diz elle que os governadores civis davam praso mais longo.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Davam, dão e continuarão a dar.

O Orador: — De accordo. Mas elle reconheceu nos governadores civis como uma necessidade, ou como um poder, o que no governo considera como uma illegalidade, e com uma violencia.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Como um abuso.

. O Orador: — Como um abuso? A mim parece-me que isto foi justiça.

Mas sendo eu condemnado por isto, que me parece justiça ou brandura, ou que mais me parece justiça que poder, tenho eu peccado em mais alguns pontos.

Quando apparecem algumas grandes difficuldades, e se ma vem pedir uma dispensa do lei para certo acto, dando-me um fiador de que em certo praso tambem satisfará certa obrigação, eu concedo-a, e declaro que se me pedirem por isso a responsabilidade, espero ter a meu lado para me de

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fender o illustre deputado, que me accusou com tanto rigor, visto que fizemos aquillo que eu creio ser um cumprimento da lei sem rigor e sem violencia, satisfazendo muitas vezes aos desejos de bons e excellentes corações. (Apoiados.)

Na interpretação da lei fui brando, infringi a lei, porque concedi um praso, e para esse praso pedi ou exigi garantias.

O illustre deputado disse que fóra rigoroso, porque dando os governadores civis mais tempo sem garantia nenhuma, eu de certo não fiz favor; restringi os favores, se os havia, e estou vendo se sou condemnado porque restringi aquillo que outros alongavam ou porque fiz um favor que a lei não permittia.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Não tinha que restringir; prohibir, porque era illegal.

O Orador: — Se tivesse de condemnar todos os governadores civis que tivessem feito isso, havia de começar agora a ser rigoroso; e creio que o illustre deputado não queria isso.

Uma voz: — Vinha a commenda.

O Orador: — A questão da commenda não é commigo, é entre os srs. Osorio de Vasconcellos e Boavida.

(Interrupção do sr. Osorio de Vasconcellos que se não percebeu.)

Sou amigo da concórdia, folgo com isso. Vejo ligados hoje em abraço fraterno os que na epocha da commenda tanto se gladiavam.

Sr. presidente, a legalidade ou illegalidade da portaria foi votada hontem e a camara não quer reconsiderar. A proposta está sobre a mesa e vae para a commissão; e se os illustres deputados que até combatem a lei vigente, a querem mais ampliada ou mais restringida, cada um tem a sua iniciativa e póde tambem apresentar um projecto de lei. (Apoiados.)

Pois se somos parlamento para a censura e se cada um julga representar aqui a opinião publica ou pelo menos a maioria da camara, não ha de ter força para apresentar um projecto que remedeie todas estas irregularidades e inconvenientes?

Por consequencia a proposta vae para a commissão e lá a discutiremos com os illustres deputados.

O sr. Pinheiro Chagas: — Mando para a mesa a minha moção de ordem. (Leu.)

Poucas palavras direi, desejo apenas fazer notar um equivoco em que está o sr. presidente do conselho.

Primeiramente disse s. ex.ª «que estavam todos de accordo, e comtudo cada vez se discutia mais». Effectivamente estamos todos de accordo, estavamos hontem tambem, e apenas a divergencia que houve foi na votação!

O unico membro da maioria que fallou, disse: «que reprovava completamente a portaria do sr. ministro do reino, e se fosse ministro, fazia uma portaria completamente diversa».

Se o sr. presidente do conselho estivesse presente, seria tambem do nosso parecer, porque elle ainda hoje confessou que a portaria do sr. ministro do reino se prestava a interpretações contrarias á lei, e quando se diz isso de uma portaria, condemna-se irrevogavelmente. Ora o que é verdade é que não só a portaria se presta a essas interpretações, mas que não é possivel interpreta-la de outro modo.

Disse mais s. ex.ª cujos altíssimos talentos todos nos conhecemos, que o sr. Francisco de Albuquerque o collocára n'um terreno difficil. Se para um orador como o sr. Fontes o terreno da verdade é sempre facil, é claro que este é difficil para s. ex.ª, porque está pugnando do encontro ás suas convicções e não póde senão com sofismas defender a causa que pretende fazer triumphar.

O sr. Mariano de Carvalho antecipou-me em quasi todas as considerações que tencionava fazer, e por consequencia sou obrigado a ser muito limitado na minha resposta.

Não quero tambem discutir a contestação do sr. Fontes ao direito que as minorias têem de fazer reviver as questoes debaixo de differentes formas sempre que ellas entendam que o devem fazer. S. ex.ª, que affirmava com tanta energia o direito que têem as maiorias a passar por cima das minorias, não podia negar a estas o direito do responder a este procedimento, fazendo reviver as questões quando ellas não são sufficientemente discutidas, quando apenas falla um deputado da maioria e a discussão é desde logo abafada.

Quando esse direito da maioria de que o sr. Fontes fez aqui a apologia se transforma em despotismo, a minoria revolta-se justamente contra as decisões oppressoras.

Eu tinha tenção do perguntar ao sr. Sampaio se o recruta afiançado, apesar de se perder a fiança, era considerado refractario.

S. ex.ª o sr. presidente do conselho teve a bondade de responder antecipadamente a esta pergunta, e declarou que o recruta, apesar de perder a fiança o fiador, era refractario. Creio que s. ex.ª disse isto...

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra: — Eu gosto de responder quando uso da palavra e não por meio do interrupções; mas por obsequio ao illustre deputado, que sempre me foi muito sympathico, apesar dos ultimos acontecimentos (riso), devo dizer-lhe que o recruta é obrigado a ser soldado em todo o caso, porque uma portaria do sr. ministro do reino, ou do governo, não póde dispensa-lo do serviço...

(Apoiados da opposição e interrupções.)

O sr. Presidente do "Conselho de Ministros: — Parece que eu disse algum disparate!

Vozes dos bancos da opposição: — Não senhor, muito bem,

O sr. Presidenta do Conselho de Ministros: — O que eu disse é que o governo não interpreta a portaria como tendo offendido a lei, porquanto para o individuo que é recrutado não póde prescrever a obrigação de servir pelo facto do fiador ter apresentado a fiança.

O Orador: — Muito bem. O cidadão recrutado que não cumpre a obrigação do recrutamento é considerado refractario; o recruta que não se apresenta no praso de oito dias, apesar do fiador perder a fiança, é refractario. O recrutado tem obrigação de apparecer; não apparece é refractario. A questão da fiança, como acabou de dizer o sr. ministro da guerra, não tem nada com isso. Mas diz aqui a portaria o seguinte. (Leu.)

Não se exige dinheiro, exige-se um fiador, e no fim de oito dias, o fiador é obrigado a apresentar ou o affiançado, ou um substituto, ou uma certa somma. O afiançado não apparece, o fiador dá a somma se não apresenta o substituto, e o recrutado fica considerado como refractario.

E essa somma qual é? Cá lemos o decreto de 1874. Diz o seguinte. (Leu.)

Por conseguinte parece que o fiador perde 240$000 réis, e o recruta fica sendo refractario.

Continua o decreto no artigo 2.° (Leu.)

Se, como diz o Sr. ministro da guerra, os recrutas tão refractarios em todos os casos, como é que, segundo as disposições do decreto, combinadas com as da portaria, perde o fiador. 240$000 réis no caso de não ser refractario o recruta, e 640$000 réis no caso de o ser? Se o recruta que não apparece, embora tenha fiador, é sempre refractario, como é que o decreto distingue para as fianças entre refractarios e não refractarios? Já se vê que o sr. Fontes não está só em contradicção com o sr. ministro do reino, está tambem em contradicção comsigo mesmo (apoiados}, porque este decreto é do ministerio da guerra.

Diz s. ex.ª mais ainda que esta portaria do sr. ministro do reino é apenas a manifestação de uma intenção benevola para com os recrutados, e ao mesmo tempo a cousa que mais horrorisa o sr. ministro da guerra é a obrigação em que um honrem se póde ver de ir assentar praça em logar de outro; mas se o homem que foi recrutado primeiro e que devia assentar praça não apparece no fim do praso

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de oito dias, é refractario, portanto vae fazer recaír o peso da lei sobre aquella que se lhe segue, e que estaria livre se tivessem feito assentar praça ao recruta sorteado, logo que elle se apresentasse. Por consequencia aquillo que mais horrorisa o sr. Fontes é exactamente o que resulta da portaria do sr. Sampaio (Apoiados.)

Segundo o sr. Fontes, a intenção do governo não foi contrariar a lei; o governo não quer por fórma alguma que sejam restabelecidas as remissões, o governo não quer que se interprete a portaria do sr. Sampaio senão no sentido absolutamente legal, por isso eu entendo que a moção de ordem que mandei para a mesa é altamente necessaria, para que se ponham de accordo o sr. ministro do reino e o sr. ministro da guerra, redigindo-se a portaria do sr. Sampaio de um modo claro bastante, para que não tenha as interpretações que o sr. Fontes receia, e que não quer que se lhe dêem. (Apoiados.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, emquanto não forem modificadas as leis actuaes do recrutamento, convida o sr. ministro do reino a emendar a sua portaria de 19 de janeiro de 1876, de accordo com a lei vigente. = Pinheiro Chagas.

Foi admittida.

O sr. Visconde de Arriaga: — Requeiro a V. ex.ª que consulte a camara sobre se julga sufficientemente discutida a proposta em discussão.

Consultada a camara decidiu afirmativamente.

O sr. Barros 6 Cunha: — (sobre o modo de propôr) Desejo muito votar de accordo com o governo n'este assumpto; entendo que a lei actual precisa de grandes reformas; mas antes de votar desejo saber qual é a significação do voto approvando a proposta do sr. Paula Medeiros, com a qual está d'accordo o sr. presidente do conselho assim como o sr. ministro do reino, que declarou terminantemente que o fim que o governo tinha tido em vista com a portaria, era evitar que sobre os supplentes do recrutamento fosse recahir a obrigação que tinham os primeiros numeros da lista dos obrigados ao serviço militar. Para garantia d'esses estabeleceu o sr. Antonio Rodrigues Sampaio na sua portaria a obrigação de se fazer um deposito em dinheiro aos que pedissem tempo a fim do tratarem da substituição. Mas eu vejo que áquelle que fizer o deposito em dinheiro perde o dinheiro e fica da mesma maneira obrigado ao serviço militar sem que o supplente fique isento.

A quem aproveita pois o favor?

Pergunto: a proposta do sr. Paula Medeiros remove esta difficuldade, que a portaria do sr. Antonio Rodrigues Sampaio veiu introduzir nas praticas abusivas da nossa legislação?

O sr. Paula Medeiros: — A minha proposta não tem effeito retroactivo.

O Orador: — Não tem effeito retroactivo? O illustre deputado é de tal maneira mystico na sua interrupção que a minha duvida subsiste da mesma maneira.

Eu desejo saber se o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, se o ministerio, se o poder executivo póde impor multas sem a approvação do parlamento; porque n'esse caso...

(Interrupção.)

Isto não é questão politica; mas se quizerem fazer questão politica, eu não tenho duvida em tomar a responsabilidade, e faço-a. E todos os dias estou a ser atormentado por individuos humildes e pobres, sujeitos á lei do recrutamento, que soarem com os abusos que se praticam com isenções do serviço sem fundamento legal, emfim com todas as qualidades de arbitrios que estão em pratica no paiz; e não desejo que a portaria do sr. ministro do reino venha juntar a estas difficuldades outras maiores, como é obrigar estes contribuintes a pagarem, alem do sangue, uma multa da qual não vem beneficio algum.

Pergunto, portanto, se a proposta do sr. Paula Medeiros, se a consulta que vae fazer-se ás commissões do parlamento tem por fim remover as difficuldades da portaria?

O sr. Presidente: — O que fica claro 6 que se for approvada a proposta, a commissão ha de avaliar as considerações do illustre deputado e a de todos os outros srs. deputados, e ha de propôr o que julgar conveniente.

O Orador: — Agradeço a explicação de V. ex.ª N'esse caso o que vae ser submettido á apreciação da commissão é se a portaria do sr. ministro do reino contém uma infracção das leis e da constituição.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Visto que ha duvidas, declaro, por parte do governo, que a proposta do illustre deputado significa que a camara quer estudar este assumpto de accordo com o governo, mas não altera nem revoga a portaria do sr. ministro do reino.

(Vários srs. deputados pediram a palavra.)

O sr. Presidente: — Peço aos srs. deputados que não renovem a discussão, que já está encerrada.

O sr. Mariano de Carvalho: — Não tenho duvida em votar a proposta do sr. Paula Medeiros, salva a redacção, que não acceito por fórma alguma.

O sr. Boavida: — Voto essa proposta desde que tem por fim o reformar...

O sr. Presidente: — A palavra para explicações dá-se depois da votação. O debate está encerrado. Vae votar-se.

Lida na mesa a proposta do sr. Paula Medeiros e posta á votação, foi approvada quasi unanimemente.

Em seguida foram rejeitadas as propostas dos srs. Mariano de Carvalho e Pinheiro Chagas, que só obtiveram 21 votos a favor.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia: os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem faze-lo.

(Vários srs. deputados mandaram papeis para a mesa.)

O sr. Carrilho: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o orçamento da despeza para o exercicio de 1876-1877.

O sr. Visconde da Azarujinha: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, relativo a ser o governo relevado da responsabilidade em que incorreu concedendo a emissão aos bancos mercantil e commercial do Porto nos annos de 1875 e 1876.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o projecto de lei n.º 8.

E o seguinte:

Projecto de lei n.º 8

Senhores. — Foi presente á vossa commissão de fazenda a proposta de fazenda n.º 4-G de 1876, relativa á creação de uma caixa geral de depositos, destinada a receber e a administrar todos os depositos em dinheiro effectivo ou em titulos de divida publica, que, nos termos das leis e dos regulamentos, podem ser ordenados, requeridos ou auctorisados por qualquer tribunal, auctoridade ou repartição do estado. A idéa fundamental d'esta proposta e, a exemplo da pratica, proficuamente estabelecida em outros paizes, dar unidade e homogeneidade ao nosso systema de depositos, tanto judiciarios como administrativos e fiscaes, e tornar utilmente productiva a importantissima somma de capitães, que esses depositos absorvem, sem prejuizo da segurança ou integridade dos mesmos depositos, e com manifesta vantagem dos depositantes, do publico e do estado.

É sabido o systema pelo qual são actualmente regulados os depositos. Repartições especiaes, denominadas do deposito publico, das cidades de Lisboa e do Porto; depositarios judiciaes, tambem designados por depositarios geraes ou thesoureiros da arca dos orphãos nas outras comarcas, e finalmente depositarios particulares e especiaes, escolhidos e nomeados ad hoc pelas auctoridades que or-

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denam os depositos, são as diversas entidades, que, entre nós, e desde muito tempo, por lei, uso ou costume recebem, guardam, e por vezes administram e usufruem os dinheiros e valores depositados. Sem nexo ou relação de especie alguma entre si, essas diversas entidades funccionam independentemente de qualquer acção central, que as subordine, uniformise, vigie ou fiscalise, e com a unica caução das suas respectivas e individuaes responsabilidades.

Os alvarás com força de lei de 21 de maio de 1751 e 25 de agosto de 1774, que estabeleceram e regularam as repartições do deposito publico em Lisboa e no Porto, em substituição dos officios de thesoureiros da corte e cidade, a que se referia a ordenação do livro 1.° titulo 28.°, foram providencias de incontestavel vantagem para aquellas epochas pelos muitos abusos, fraudes ou prevaricações que se haviam commettido com os dinheiros e valores depositados; mas nem foram providencias completas, porque não comprehenderam os depositos das outras comarcas e jurisdicções, nem verdadeiramente economicas, porque os depositos eram recebidos e guardados em especie, sem vantagem, antes com encargos para os depositantes, e com manifesto prejuizo da circulação monetaria. Obedecia-se no entanto a uma errada opinião de economia politica d'essa epocha.

E ainda que mais tarde, pelos decretos de 19 do dezembro de 1832, 24 de dezembro de 1836, 14 de janeiro de 1837, e ultimamente pelo de 31 de dezembro de 1868, foram reorganisadas aquellas repartições, em melhores e mais convenientes condições, continuou, não obstante, a exclusão das comarcas estranhas a Lisboa e Porto, de serem dotadas de qualquer providencia regulamentar n'este assumpto; mantiveram-se quasi todos os encargos que desde o principio se haviam estabelecido para os depositos, e não se aproveitou a vantagem que, desde tanto tempo em França e n'outros paizes, se tem tirado da prudente e centralisadora administração dos depositos publicos.

Em França a caixa geral dos depositos e consignações, estabelecida ou antes desmembrada da antiga caixa da amortisação pela lei geral de fazenda de 28 de abril de 1816, e regulada pelos decretos de 28 de maio e de 3 de julho do mesmo anno, subsiste desde essa data com toda a unidade e generalidade de acção e com todo o desenvolvimento de attribuições, que o interesse publico e particular reclamam no assumpto. Desde então que os depositos ficaram sujeitos a uma unica administração central com seus propostos em todas as sedes de tribunaes de primeira instancia (decreto de 3 de julho, artigos 1.° e 11.°), desde então que as despezas, encargos e riscos do deposito ficaram a cargo do caixa sem responsabilidade do depositante (artigo 12.°), e desde então que os depositos, alem de um certo praso, venceram juro (artigo 14.°). Pela mesma epocha foi estabelecido e regulado o serviço dos depositos voluntarios na caixa, completando-se por esta fórma a feição mais administrativa do que judiciaria d'esta instituição.

Análoga a esta, que com tanta vantagem e crescente credito tem medrado e prosperado em França, é, senhores, a actual instituição, que o governo, seguindo o exemplo de um seu illustrado predecessor, vos apresenta na alludida proposta. E creada uma caixa geral de depositos com delegações suas proprias e dependentes em todas as capitães dos districtos do reino e ilhas adjacentes.

Podem a prudente arbitrio do governo, de accordo com a administração da caixa, ser tambem os depositos feitos em quaesquer outras recebedorias de comarca.

Não seria conveniente generalisar desde logo esta faculdade.

N'essa caixa entrarão forçadamente todos os depositos em dinheiro effectivo e todos os valores de oiro, prata e pedras preciosas, os titulos de divida publica e quaesquer outros papeis de credito, depositos que hajam de ser feitos com intervenção da auctoridade publica, e tambem os que forem voluntariamente pactuados e constituidos pelas partes interessadas. Ao complexo serviço da caixa com arrecadação, movimento, guarda, administração e restituição dos depositos, proverá a administração da mesma caixa, que fica a cargo da junta do credito publico, por si e por intermedio das repartições de fazenda dos districtos, que, para tal effeito, como já para outros o são, se tornarão cofres delegados da mesma junta.

Por esta fórma se obvia á mais seria das difficuldades com que haveria a lutar para o estabelecimento d'esta instituição, quando porventura se pensasse em crear um largo quadro de funccionalismo especial, para a gerencia da caixa.

Os depositantes não só ficam isentos de todo e qualquer emolumento ou despeza, mas terão mesmo direito a perceber um certo juro dos seus depositos em dinheiro. As operações propostas para a caixa, quanto á administração e applicação dos dinheiros depositados, são tambem de manifesta e incontroversa segurança, mas ainda de notoria vantagem para o credito publico, pela qualidade das pessoas a quem essas operações immediatamente interessam e aproveitam.

Por ultimo, a applicação, que se propõe, para os lucros auferidos pela caixa, tanto no que respeita á satisfação das despezas feitas com a gerencia, como no que se refere á amortisação da divida publica consolidada, essa applicação parece-nos de todo o ponto recommendavel.

Sem querermos, porém, encarecer a previsão dos resultados a auferir com a creação da nova caixa, o que, pelo menos, é bem certo e incontestavel, é que se sujeita a um systema regular o que até aqui tem estado irregular e anarchicamente estabelecido, que se alliviam os depositos de deducções e despezas, em certos casos, superiores a 1 por cento dos mesmos depositos; que se assegura de modo indubitavel a integridade das quantias depositadas e que se abona aos depositantes interesse proporcional á duração do deposito e á natureza d'elle.

Por muito tempo foi duvidoso, a ponto de ter sido necessaria a expedição de algumas portarias sobre o assumpto, se os depositarios judiciaes das differentes comarcas tinham, ou não, direito ás percentagens e emolumentos estabelecidos para as repartições do deposito publico em Lisboa e Porto. Essa duvida, porém, cessou com vantagem dos depositarios e detrimento dos depositantes, pela lei de 10 de setembro de 1868, que ampliou a favor d'aquelles depositarios as regalias e proventos das repartições do deposito publico, com a unica excepção dos depositos orphanologicos.

Pôde, pois, dizer-se que o deposito necessario passa de ser gravoso e esteril a tornar-se rendoso para os depositantes.

Em regra, pequenas alterações fez a vossa commissão na proposta do governo, e essas são quasi todas mais de fórma que de essencia.

Supprimiu os artigos que explicavam o modo de effectuar os depositos, porque esse assumpto é puramente regulamentar.

Eliminou o § 2.° do artigo 12.° da mesma proposta, que determinava que nunca deixasse de haver em reserva o dinheiro effectivo correspondente á terça parte dos depositos, tambem em dinheiro effectivo, exigiveis á vista, porque tendo inserido no projecto a disposição terminante de que o thesouro proveria a caixa de todos os recursos necessarios para occorrer de prompto a todos os seus encargos, prescripção importantissima que assegura o immediato reembolso dos depositos, seria quasi um contrasenso a conservação na lei do paragrapho eliminado.

Estendeu a acção da caixa não só aos depositos em dinheiro e inscripções, mas aos valores de oiro, prata e pedras preciosas e quaesquer papeis de credito, porque não seria conveniente, nem teria mesmo explicação que valores da mesma natureza, que houvessem necessariamente de ser depositados, se dividissem por instituições diversas, sem

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vantagem nenhuma, quer para o estado, quer para os depositantes, antes com notoria desvantagem para estes.

Determina-se mais que todos os depositos necessarios existentes nos cofres publicos ou em poder de quaesquer depositarios, sejam immediatamente transferidos para a caixa, nos termos dos regulamentos que o governo deve fazer, e sem os quaes a lei não poderá ser executada.

N'esses regulamentos deve o governo attender á fórma do processo a seguir nas questões que se suscitarem sobre restituição d'esses depositos.

Necessariamente devia o governo ficar auctorisado a organisar os serviços da caixa, e para pagamento do respectivo pessoal lhe será fixada uma somma não superior a 5:000$000 réis, que a vossa commissão julga será sufficiente para o desempenho d'este serviço.

E do mesmo passo entende a vossa commissão que o governo deve ficar auctorisado. á reformação do quadro e vencimentos dos empregados da contadoria da junta do credito publico. Por causa do augmento do serviço, são ali ordinarios trabalhos fóra das horas do expediente, que não podem deixar de ser gratificados. Deve acabar um tal estado. Harmonise-se o serviço com pessoal bastante, e habilitado, retribua-se esse pessoal convenientemente, e acabemos com as gratificações extraordinarias pela realisação de serviço ordinario.

A vossa commissão julga que se póde obviar a esta irregularidade, que aliás não é unica nas repartições do estado, sem verdadeiro encargo para o thesouro. O que se paga, ha muitos annos regularmente como gratificação, addicionado á verba legal, bastará para dotar os serviços da contadoria da junta do credito publico, convenientemente reformados.

Por todas estas rasões e pelo mais que a reconhecida illustração da camara supprirá, a vossa commissão de fazenda, de accordo com o governo, tem a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° E creada uma caixa geral de depositos, que será administrada, nos termos d'esta lei, pela junta do credito publico.

§ 1.° Os cofres centraes dos districtos do continente do reino e ilhas adjacentes são considerados delegação da mesma caixa.

§ 2.° Podem comtudo os depositos tambem ser effectuados em qualquer recebedoria de comarca ou suas delegações, exceptuando as recebedorias das capitães dos districtos, observando-se n'esses depositos, não só o disposto n'esta lei, como o que sobre o assumpto se acha determinado no regulamento geral da administração da fazenda publica de 4 de janeiro de 1870.

Art. 2.° Na caixa geral de depositos, ou nas suas delegações, darão entrada todos os depositos em dinheiro, valores de oiro, prata e pedras preciosas, e quaesquer papeis de credito, que, pela legislação em vigor, se acham a cargo das actuaes repartições do deposito publico de Lisboa e do Porto, e de quaesquer depositarios judiciaes das outras comarcas; bem como os que se destinam a afiançar contratos, a servir de caução ao exercicio de qualquer emprego, e a habilitar concorrentes nas licitações em hasta publica, sobre quaesquer obras publicas, emprezas ou fornecimento» do estado.

Art. 3.° A caixa geral e as suas delegações restituirão os depositos, em conformidade das guias que os acompanharam e no praso de dez dias, a contar d'aquelle em que tiver sido apresentada a ordem legal ou precatoria para o levantamento do deposito.

§ 1.° O praso mencionado n'esta artigo póde ser augmentado, relativamente ás delegações da caixa geral dos depositos nas ilhas adjacentes.

§ 2.° A restituição dos depositos só póde ser reclamada no cofre onde os mesmos depositos houverem sido effectuados.

Art. 4.° Nenhum emolumento, gratificação ou retribuição de qualquer natureza poderá ser reclamado ou recebido das partes, quanto aos depositos que, nos termos do artigo 2.°, se effectuarem na caixa geral dos depositos e nas suas delegações.

Art. 5.° A caixa geral de depositos abonará o juro de 2 por cento ao anno a todas as quantias em dinheiro effectivo que, em cumprimento do artigo 2.°, derem entrada nos seus cofres, e n'elles se conservarem alem de sessenta dias completos. Esse juro será calculado desde esse praso até ao dia, inclusivè, em que se apresentar a ordem ou precatoria para o levantamento.

Art. 6.° A administração da caixa geral do depositos fica auctorisada a receber na mesma caixa quaesquer depositos em dinheiro effectivo, em titulos de divida consolidada ou quaesquer outros papeis de credito, que lhe forem voluntariamente offerecidos por qualquer pessoa, corporação ou associação legalmente constituida.

§ 1.° Em regra estes depositos só poderão ser realisados na caixa geral dos deposito?; mas o governo, ouvida a administração da mesma caixa, póde estender esta faculdade a quaesquer outros cofres.

§ 2.° Os depositos de que trata este artigo serão effectuados:

1.° Por determinado praso, alem de um mez;

2.° Sem praso, mas não podendo ser levantados sem haver aviso previo de quinze dias:

3.° Para serem levantados á vista.

§ 3.° E expressamente applicavel a estes depositos a disposição do § 2.° do artigo 3.° d'esta lei.

§4.° O governo, ouvida a administração da caixa, fixará, no principio de cada semestre, o juro que pela mesma caixa deverá ser abonado a estes depositos, quando sejam realisados em dinheiro effectivo.

§ 5.° Pelos depositos voluntarios, em quaesquer papeis de credito, cobrará a caixa uma commissão de meio por cento ao anno sobre a importancia dos juros ou dividendos que competirem aos mesmos titulos, em compensação do encargo com a sua guarda e segurança.

Art. 7.° O estado assegura contra todos os casos de força maior ou fortuita a restituição doa depositos, tanto necessarios, como voluntarios, effectuados na caixa geral dos depositos ou nas suas delegações, em conformidade com a presente lei.

§ unico. O thesouro proverá a caixa geral dos depositos, dos fundos necessarios para occorrer de prompto a todos os encargos da mesma caixa.

Art. 8.° Nenhum tribunal, auctoridade, repartição publica ou funccionario poderá ordenar ou auctorisar deposito, nos termos do artigo 2.º d'esta lei, fóra da caixa geral dos depositos ou das suas delegações, sob pena de nullidade do deposito e da responsabilidade por perdas e damnos dos funccionarios que contravierem a disposição d'esta lei.

Art. 9.º São operações da caixa geral do depositos, alem das que se referem á recepção, guarda e restituição dos depositos:

1.° Fazer adiantamentos de juros do quaesquer titulos da divida publica fundada interna ou externa;

2.° Fazer emprestimos a curto praso sobre penhor dos mesmos titulos;

3.° Fazer emprestimos ao thesouro publico, nos termos e com as condições que regulam para a divida fluctuante do mesmo thesouro.

§ unico. O juro, praso e demais condições d'estas transacções serão determinados, segundo as condições do mercado e estado da caixa, a prudente arbitrio da sua administração.

Art. 10.° Dos lucros auferidos pela caixa geral de depositos sairá a importancia das despezas feitos com a gerencia da mesma caixa. O saldo será empregado na amortisação da divida publica consolidada, pelo meio da com-

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pra de titulos no mercado, os quaes a junta do credito publico fará cancellar.

Art. 11.° A administração da caixa geral de depositos publicará todos os mezes o balanço da mesma caixa, e submetterá ao tribunal do contas os actos da sua gerencia annual.

Art. 12.° Fica auctorisado o governo:

1.° A fazer os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei, regulando especialmente a competencia e o processo a seguir na resolução das questões que se suscitarem sobre a restituição dos depositos;

2.° A organisar os serviços da caixa geral dos depositos, dando preferencia na admissão dos funccionarios da mesma caixa aos actuaes empregados da junta do deposito publico de Lisboa que tiverem habilitações e competencia para desempenharem os mesmos serviços. A despeza com esta organização não poderá exceder á somma de 5:000#000 réis annuaes;

3.° A reorganisar o quadro do pessoal da contadoria da junta do credito publico, não podendo comtudo a despeza com essa reorganisação exceder a que se faz actualmente.

Art. 13.° Todos os depositos da natureza dos que são mencionados no artigo 2.° d'esta lei, que existirem em qualquer cofre publico ou particular, ou em poder de qualquer depositario, serão transferidos para a caixa geral dos depositos ou suas delegações, nos termos d'esta lei.

Art. 14.° A presente lei começará a ser executada depois da publicação dos respectivos regulamentos, salvos os privilegios do banco de Portugal, emquanto existirem legalmente.

Art. 15.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, aos 29 de janeiro de 1876. = José Dias Ferreira = Joaquim José Gonçalves de Maios Correia =» Antonio José Teixeira = Antonio Afaria Barreiros Arrolas, vencido com relação aos depositos voluntarios = José Maria dos Santos = Visconde de Guedes Teixeira = Augusto Cesar Ferreira de Mesquita = Visconde da Azarujinha, vencido no que respeita ao artigo 6.° = Antonio José de Seixas = Manuel Maria de Mello e Simas = Antonio Maria Pereira Carrilho, relator.

Foi logo approvado na generalidade.

Entrou em discussão o

Artigo 1.°

O sr. Pereira de Miranda: — Eu mal podia imaginar que este projecto entrasse hoje em discussão. Elle prestava-se a amplo debate, porque, ligadas com elle, estão muitas e importantes questões do credito em geral. Não é intenção minha tratar esta questão largamente, nem eu hoje o' podia fazer em consequencia de estar bastante incommodado.

Approvei a generalidade do projecto, porque entendo, e creio que entendo bem, que o pensamento capital d'elle, Segundo a opinião do sr. ministro da fazenda, é a creação de uma caixa de depositos com o fim de aproveitar os depositos obrigatorios. Este é, no meu entender, o fim principal da lei..

O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.

O Orador: — Não tive duvida em votar a generalidade do projecto, porque eu sympathiso com esta idéa, acho-a muito louvavel e de grande utilidade, porque effectivamente o governo ha de tirar dos depositos obrigatorios, pelos quaes se responsabilisa uma grande vantagem, e dar ao mesmo tempo aos depositantes compensações que elles hoje não tinham. Por consequencia, já V. ex.ª vê que eu, comprehendendo a idéa do governo na apresentação do seu projecto de lei, não podia deixar de o approvar desde que estava de accordo no principio fundamental. Ainda assim levantam-se no meu espirito algumas duvidas sobre esta parte do projecto que a commissão e o governo tratarão de desvanecer.

Eu creio que este projecto não veio á camara sufficientemente estudado e meditado. Parece-me que, approvado elle, a junta do deposito publico fica em condições completamente diversas d'aquellas em que se encontra hoje. Eu julgava que era uma consequencia natural que na proposta do governo, ou em outra proposta do sr. ministro do reino, visto que aquella repartição dependo do seu ministerio, se fixasse quaes eram as attribuições da junta do deposito publico de Lisboa, a quem vamos tirar grande parte das que tem actualmente.

Nem posso comprehender como seja indispensavel, que ella continue organisada, nas proporções em que hoje a lei a colloca.

Tenho tambem algumas duvidas, mas nem a esse respeito faço proposta alguma, sobre a possibilidade com que podemos ir crear na junta do credito publico, instituição que foi estabelecida para um fim puramente especial, uma outra entidade, tão diversa nos seus fins, e nos meios que tem de empregar.

Tambem não sei como é que podemos exigir aos vogaes d'essa junta, dos quaes um só é de nomeação do governo, dois da nomeação do parlamento e dois da eleição dos juristas, um augmento de trabalho, de responsabilidade grande, sem augmentar-lhes a remuneração.

Considere-se que sobre os cavalheiros que hoje dirigem aquella importante repartição, pésa um enormissimo trabalho, e com um pequeníssimo vencimento, por isso que hoje póde dizer-se, sem receio de se errar, que o trabalho quintuplicou e não é com 600$000 que se póde pagar um serviço tão pesado e de tanta responsabilidade. (Apoiados.) Não sei, digo, como é que podemos ir exigir a esses cavalheiros, que são escolhidos por entidades diversas e para um fim muito especial, que tomem sobre os seus hombros mais esta encargo, que tambem não julgo de pequena importancia e responsabilidade.

Mas sobre este ponto não apresento proposta alguma. Limito-me a estas observações, que o governo e a commissão attenderão, se o julgarem conveniente. O meu fim, pedindo a palavra, foi unicamente apresentar uma proposta que vae tambem assignada pelo meu illustre collega e amigo, o sr. Pinto Bessa, da qual passo a dar conhecimento á camara.

O artigo 6.° do projecto tem por fim auctorisar a caixa de depositos, creada pelo governo, a receber os depositos voluntarios.

Esta é, quanto a mim, a disposição mais grave e mais seria que se encontra n'este projecto de lei (apoiados), que eu combateria com todas as forças, se não estivesse profundamente convencido, de que nem o governo faz questão politica d'este artigo, nem a commissão terá duvida em considerar qualquer proposta em relação a elle. O artigo 6.º importa a creação de um novo estabelecimento bancario, em condições excepcionaes.

Desde que o governo recebesse na caixa os depositos voluntarios, desde que lhe fixasse um juro, que claramente se vê ha de ser superior ao que hoje abonam os bancos aos seus depositantes, por isso que no projecto já vera indicado o de 2 por cento para os depositos obrigatorios, o se diz que o juro dos depositos voluntarios será fixado no principio de cada semestre; desde que o paiz tome a responsabilidade e responda por todos os depositos que entram na caixa; desde que essa caixa póde fazer transacções com o governo e com os particulares, adiactando-lhes o juro de titulos de divida publica, e emprestando sobre penhor do papeis de credito, temos um verdadeiro banco em condições excepcionaes, e que ha de obter preferencia a quaesquer outros estabelecimentos bancarios.

Os depositos encaminhar se-iam todos para o banco official, em primeiro logar, porque ninguem póde dar garantia superior á do paiz; em segundo logar, porque havia a perspectiva de um juro sempre mais convidativo. Ora do fugirem doa bancos actualmente existentes os deposites, para procurarem a caixa que se pretendo crear na junta do credito publico, vejamos, rapidamente, as deploraveis con-

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sequencias, consequencias que seriam não só desgraçadas para os bancos, mas perniciosas para o commercio e para a industria, e prejudiciaes e perigosas até para o thesouro.

As consequencias seriam desgraçadas para os estabelecimentos bancarios, porque eu posso dizer á camara que trinta e seis bancos do paiz, os mais importantes, e ainda hontem eu tive occasião de estar a examinar os seus balancetes, em referencia a 30 de novembro ultimo, tinham em deposito á vista e a praso 28.000:000$000 réis. Ora, d'esses 28.000:000$000 réis, pelo menos tres quartas partes ou mais (porque uma somma importante e de depositos a praso), vão juntamente com 03 capitães d'esses estabelecimentos empregar-se no commercio e na industria, auxiliar O desenvolvimento commercial e industrial do paiz, e todos podem avaliar o que succederia se os depositos fossem retirados d'esses estabelecimentos bancarios. Estes viam-se obrigados desde logo a restringir ou retirar a protecção e auxílio que até hoje têem prestado á industria e ao commercio, e para os que conhecem o desenvolvimento que estes dois ramos importantes de actividade têem tido nos ultimos tempos entre nós, facil é avaliar o transtorno geral que de tal facto resultaria. 03 bancos por sua parte teriam diminuição de interesses, e o thesouro veria immediatamente diminuir muito o imposto onerosíssimo e barbaro que hoje pésa, como não succede em parte alguma, sobre a industria bancaria; imposto que não exige despeza alguma de cobrança, e que vem calculado no orçamento do anno economico futuro, creio que em 150:000$000 réis. Dar-se-ia logo n'esse imposto uma diminuição extremamente sensivel. E que a diminuição do imposto ía mais longe que muitas pessoas podem suppor, é evidente, porque a importancia de 28.000:000$000 réis de depositos, a que ha pouco me referi, é muito superior a metade do capital realisado dos mesmos estabelecimentos. E quanto não soffriam o commercio e a industria! E o prejuizo que a medida lhes causava seria tanto mais sensivel quanto é notorio o seu desenvolvimento, devido exclusivamente á facilidade com que têem encontrado capital, nos ultimos tempos, nos numerosos estabelecimentos de credito de origem antiga e recente.

E se tantas industrias ficaram prejudicadas, perdia igualmente o thesouro e o paiz, porque este lucra com o desenvolvimento commercial e industrial.

Mas a medida tem um perigo para o governo. Este podia facilmente não se achar, em dado momento, habilitado a satisfazer os depositos, quando, por uma circumstancia qualquer, fossem retirados em larga escala, e não teria a quem recorrer, ao passo que os bancos estão sempre promptos, no seu proprio interesse, a auxiliar-se mutuamente.

Tem ainda a medida um outro perigo. Nós que estamos n'esta casa ha mais tempo, sabemos que de se discutir o orçamento, não resulta diminuição na despeza, mas, pelo contrario, augmento; e não poucas vezes dá-se o facto de diminuir tambem a receita.

Todos pedem melhoramentos, mas quando se trata de votar a receita necessaria para lhes fazer face, todos têem difficuldade em a votar.

De todos os lados se pedem estradas, caminhos de ferro, e outros melhoramentos publicos.

Os governos desejam attender taes pedidos, e não os censuro por isso. E se alguns, muitas vezes não satisfazem taes desejos, é porque não têem ao seu alcance meios com que fazer face aos encargos que esses melhoramentos exigem, e nem sempre é facil e possivel recorrer ao credito.

Ora eu receio que, quando o governo tiver á sua disposição sommas avultadas, não saiba resistir a exigencias, muitas vezes infundadas, e que emprehenda melhoramentos de duvidosa utilidade, encaminhando-nos para um abysmo, perto do qual já estivemos.

Estas são, mui resumidamente, as rasões que ácerca do assumpto que se debate eu tinha a apresentar.

Eu podia demorar-me muito fallando sobre a materia, senão fosse a rasão que dei do meu estado de saude m'o não permittir.

A minha proposta é para que se elimine o artigo 6.°, e, como consequencia que se eliminem no artigo 7.° as palavras tanto necessarios como voluntarios, e bem assim o n.º 2.° do artigo 9.°

Não posso agora fazer a comparação d'esta proposta com a que apresentou em 1870 o meu illustre collega e amigo o sr. Braamcamp; mas sempre direi que na proposta d'este illustre deputado não havia transacções ou emprestimos sobre penhores.

Tambem a proposta do sr. Braamcamp não mandava applicar os lucros da caixa á compra de titulos de divida publica para serem amortisados; e parece-me conveniente não dispor isso desde já, sem saber que importancia esta medida poderá vir a ter.

Mando para a mesa a minha proposta, e peço que ella vá á commissão, quando o parecer vier direi o mais que entender.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Propomos que do projecto de lei n.º 8 sejam eliminados:

1.° Todo o artigo 6.°;

2.° Do artigo 7.° as palavras: «tanto necessarios como voluntarios;

3.° O n.º 2.° do artigo 9.° = Os deputados, Pereira de Miranda = Pinto Bessa,

Foi admittida e ficou para ser considerada na discussão dos artigos 6.°, 7.º e 9.º, a que se refere.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): — Sr. presidente, ouvi com toda a attenção que me merece sempre o illustre deputado que me precedeu, e procurarei em poucas palavras dizer alguma cousa ácerca do assumpto principal das suas observações. E digo em poucas palavras, porque s. ex.ª mandou para a mesa uma proposta, a qual terá de ir provavelmente á commissão de fazenda, e quando de lá voltar com parecer, é então occasião propria para mais largamente ser debatida.

Disse o illustre deputado que era sua convicção que o assumpto não foi devidamente estudado. Eu posso dizer ao illustre deputado que a commissão de fazenda na sessão passada se occupou largamente e em repetidas conferencias d'este assumpto, e foi por esse motivo que só n'este anno e depois de novas discussões apresentou o seu parecer.

A commissão encarou o assumpto debaixo de todos os pontos de vista, e não lhe escapou a questão da actual junta do deposito, que naturalmente terá de ser reformada. Esta reforma porém não implica o adiamento d'este projecto.

Isto é, este projecto póde ser approvado, e com grande vantagem publica, embora traga como consequencia ter o governo de fazer algumas reformas na organisação da junta do depositos.

Depois direi ao illustre deputado que a questão da reforma do deposito publico não é de uma grande urgencia, porque este projecto não se póde executar plenamente, senão terminado o anno actual, não póde ter os seus effeitos senão quando acabar o privilegio do banco de Portugal, que termina no fim do anno corrente.

O illustre deputado duvida tambem que nós possamos crear na junta do credito publico uma caixa com fins especiaes, conferindo á junta attribuições muito importantes, augmentando os seus encargos, sem ao mesmo tempo augmentar um pouco a retribuição dos membros da mesma junta, parte dos quaes não são nomeados pelo governo.

Parece-me que esta questão, se tem toda a ligação com a materia do projecto, não deve ser motivo para o não approvar.

Não é a primeira vez que se incumbem aquella repartição

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serviços alheios á missão especial para que foi creada, por exemplo, a desamortisação (apoiados); entretanto estou de accordo com o illustre deputado. Quando a junta se incumbir a gerencia dos negocios da caixa, estou convencido que a retribuição que têem os membros d'aquella junta fica sendo insignificante, em relação ás funcções que têem hoje, mais trabalhosas do que quando esta instituição foi creada, e ás que lhe advém agora com a creação da caixa dos depositos. Mas nada impede que no futuro se remedeie este inconveniente.

O ponto principal para o illustre deputado é a questão dos depositos voluntarios. Parece esta ao illustre deputado a questão mais grave, e a mim parece-me um ponto accessorio. O principal fim do projecto é a creação do deposito obrigatorio; o deposito voluntario é ponto secundario. Não tenho os recursos que o illustre deputado tem a este respeito.

Não quero desenvolver agora esta materia, porque o illustre deputado declarou que se achava um pouco incommodado de saude, e portanto não desejo provocar-lhe a replica n'este momento, mesmo porque esta materia terá de renovar-se quando vier da commissão o parecer sobre as emendas apresentadas. Mas desde já digo ao illustre deputado que não tenho os seus receios a respeito do deposito voluntario.

N'este paiz receia-se muito a concorrencia; mas os factos vem provar que ella é vantajosa, não só para o publico, mas para os proprios que a receiam. Temos visto isso nos proprios bancos.

Durante algum tempo não havia em Portugal senão dois bancos, o de Lisboa, e depois de Portugal, e o banco commercial do Porto. Chegou depois uma epocha em que foram creados, com pequenos intervallos, dois bancos em Lisboa e cinco ou seis no Porto, sem fallar n'um banco estrangeiro que estabeleceu uma succursal em cada uma destas duas cidades. Nenhum dos dois bancos antigos foi affectado com a creação dos novos bancos, nenhum deixou de distribuir os mesmos ou maiores dividendos.

Ha pouco mais de um anno houve uma nova febre bancaria, crearam-se muitos bancos. O que vimos nós em janeiro d'este anno, quando os jornaes publicaram os relatorios e contas de gerencia d'esses bancos? Vimos que os bancos antigos não soffreram nada, e que deram dividendos, senão maiores, pelo menos iguaes aos que tinham anteriormente dado. (Apoiados.) Um estabelecimento houve, que não sei se se póde chamar banco, dos novamente creados, que deu um dividendo de 12 por cento. E os bancos antigos não foram prejudicados com esta concorrencia.

Em França existe a caixa de depositos, mais desenvolvida do que esta ha de ser, com mais amplas faculdades, e dispondo de um capital muito mais importante, e o que vemos nós? E que ali nunca ninguem se lembrou de dizer que pela concorrencia d'este vasto estabelecimento seria prejudicado o banco de França nem os outros bancos, não obstante a caixa ter ali muito maior importancia, porque administra não só os depositos obrigatorios e voluntarios, e os bens da legião de honra, mas os fundos de todas as caixas economicas, e sabe a camara a quanto montava a importancia do fundo das caixas economicas antes de 1848? Aquella importancia era de 400 milhões. A caixa de depositos em França tinha á sua disposição, para administrar e empregar nas suas operações, uma somma muito mais avultada, não só relativa, mas absolutamente fallando, do que ha de ter a caixa creada pelo projecto que se discute, e apesar d'isso não prejudicou os outros bancos.

Ainda ha pouco li um economista bem conhecido, mr. Coquelin, muito aferrado ás doutrinas que ha quarenta annos faziam o credo de todos os economistas — a maxima liberdade, a completa abstenção do estado nas attribuições da iniciativa individual, este economista, analysando a organisação da caísse de dépôts et consignations, enumerava entre as suas operações a recepção de depositos voluntarios, e não diz uma unica palavra contra ella, censurando unicamente a caixa por ella administrar os fundos das caixas economicas, mas censurava porque entende que aquella somma era demasiado avultada para ser convenientemente gerida por uma só administração.

Quem se lembrou de dizer nunca em França que a caísse de dépôts et consignations fazia concorrencia, e podia prejudicar a industria bancaria dos estabelecimentos particulares?

A concorrencia que por um lado parece que diminue os interessses dos que concorrem, por outro lado chama maior somma de capitães, e é por isso que não prejudica os outros bancos.

O illustre deputado disse que se deixava perceber do projecto que o governo, tendo de marcar cada semestre o juro dos depositos voluntarios, tinha por fim estabelecer um juro mais elevado do que os bancos.

Ora, o pensamento da lei não é esse, nem podia ser, porque os differentes estabelecimentos, cada um d'elles, não tem senão que defender os seus interesses contra os dos outros, embora os prejudique, emquanto que a caixa, que é administrada pela junta do credito publico e superintendida pelo governo, e sendo o governo que estabelece o juro, não póde terem vista prejudicar os outros estabelecimentos.

O pensamento do projecto não foi marcar um juro mais elevado para prejudicar os bancos, nem a elevação do juro é só o que póde attrahir os capitães para estes estabelecimentos.

Os capitães que são depositados temporariamente para ser levantados á vista ou a muito curto praso obedecem a outras indicações.

Não vemos nós o banco de Portugal não dar juro pelos depositos, e apesar d'isso ter as suas caixas sempre cheias com estes depositos, que poderiam, sendo depositados noutros bancos, obter um certo juro?

Assim tambem haverá capitães que hoje não vão depositar-se no banco de Portugal sem vencer juro, nem nos outros bancos, vencendo-o, e que irão á caixa dos depositos, quer seja grande ou pequeno o juro que se lhe estabeleça.

E outros capitães haverá que continuarão a ser depositados nos bancos, e que por caso nenhum irão á caixa dos depositos.

O que uns consideram como a maxima garantia, considerarão outros como falta de segurança.

Em todo o caso o novo estabelecimento chamará á vida, á circulação, principalmente nas localidades onde não chega a acção dos bancos, um certo capital hoje morto e improductivo, e com isto lucrará o paiz, e lucrarão até os proprios bancos.

A commissão ha de examinar este assumpto, em vista da emenda o das rasões do illustre deputado, e é possivel redigir-se o artigo de maneira, estabelecer condições taes, que se exclua claramente a idéa de que os bancos possam ser prejudicados. O mesmo direi a respeito dos emprestimos sobre penhores, que não são para a caixa uma cousa indifferente, mas que em todo o caso são uma operação subsidiaria. Entendi que isto não podia deixar de ir na lei, porque a administração da caixa ha de infallivelmente empregar o capital dos depositos para poder dar juros aos depositantes. Qual ha de ser o seu emprego? Aqui não ha senão tres operações permittidas: primeira emprestimos ao governo, segunda adiantamento de juros aos prestamistas, e terceira emprestimos sobre penhores.

Hoje toda a somma que a caixa póde ter em deposito obrigatorio pouco póde exceder a mil contos, quantia muito inferior á nossa divida fluctuante. Por consequencia nada sobraria d'esta applicação. Mas é possivel que um dia não haja divida fluctuante, é possivel deixar de a haver; e quando não a houver, aonde ha de ser empregado o dinheiro da caixa? Em adiantamentos de juros aos presta

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mistas da junta de credito? Em primeiro logar este emprego é restricto; e riem todos os prestamistas estão nas circumstancias de precisar d'esses adiantamentos. N'este caso era necessario que ficasse á faculdade de junta poder empregar os capitães d'esta especie de operações.

Se os illustres deputados entendem que póde ser redigido o artigo de maneira, que -esta operação apenas fique como subsidiaria, só para quando a junta não poder empregar de outro modo os capitães, isto é, quando não houver divida fluctuante ou numero de prestamistas que queiram adiantados os seus juros, creio que a commissão não terá duvida n'isso.

É verdade que os bancos pagam hoje um imposto elevadíssimo, não lhe chamo barbaro como o illustre deputado, mas é pesado, assim como estou de accordo que ha outros impostos que são pesados; mas isso acontece em toda a parte; são as circumstancias por que tem passado o paiz que nos tem levado a estabelecer alguns impostos um pouco mais gravosos. Mas se debaixo d'este ponto de vista a caixa geral dos depositos, que não tem que pagar impostos, póde fazer uma concorrencia, por assim dizer, privilegiada aos bancos, tambem por outra parte esta circumstancia fica sobejamente compensada por outras muitas vantagens que têem os bancos, e que não póde nem deve ter a caixa. Os bancos de desconto, como este nome o está indicando, occupam-se do desconto de letras, e isto é defezo á caixa) ha operações cambiaes, ha compra e venda de titulos, ha mil operações mais ou menos arriscadas, mas por Isso mesmo muito lucrativas, em que os bancos podem empregar os seus capitães, e que á caixa não são permittidos.

Não serei por agora mais extenso. Não tenho receio de que a caixa, recebendo depositos voluntarios, prejudique os bancos com a sua concorrencia. A caixa ha de chamar á circulação capitães hoje improductivos, e com isto, sem fallar nos depositantes obrigados, e sobre tudo nos orphãos que hoje pagavam em vez de receber juros pelos seus bens depositados, lucrarão todos, lucra o publico e hão de lucrar os proprios bancos.

Não tenho porém duvida em que as propostas do illustre deputado vão á commissão. Com a que pede a eliminação do artigo 6.° póde ir tambem á commissão esse artigo. E as outras, que importam apenas alterações, podem ir á commissão, votando-se os artigos a que se referem, sem prejuizo da resolução que a respeito d'ellas haja de vir a tomar-se.

Este projecto foi primitivamente da iniciativa do sr. Anselmo Braamcamp; fiz lha apenas algumas alterações, e a commissão fez-lhe alguns additamentos para tornar o projecto mais pratico, mais realisavel.

Quando se tratar d'essa materia, eu mostrarei qual o fim que o governo teve em vista quando fez alterações no projecto.

Esta idéa não é nova. Em outros paizes ha estabelecimentos analogos; Mas o que é novo e o que é a idéa importante, a idéa luminosa, perdoe-se-me a phrase, que posso applicar não a mim mas ao meu antecessor, a quem me estou referindo é o entregar esta caixa á junta do credito publico.

De se entregar á junta do credito publico resultam vantagens que não haveria se fosse entregue a uma direcção especial.

A caísse de dépôts et de consignations em França tem um agente junto de cada um dos tribunaes de 1.ª instancia, que são numerosissimos.

A junta do credito publico não tem necessidade de crear estes numerosos agentes, pois que a troco de uma pequenissima percentagem que se póde dar pela percepção dos dinheiros que entram nos cofres, tem agentes seguros nos recebedores das comarcas e nos seus propostos, e póde levar o beneficio da recepção dos depositos a todos os angulos do para onde os bancos não podem chegar com as suas agencias, alem do outras vantagens na maior facilidade das transferencias de fundos e outras;

A grande vantagem, pois do primitivo projecto foi exactamente esta idéa de entregar a administração da caixa dos depositos á junta do credito publico.

São estas as reflexões que me foram sugeridas pelas objecções do illustre deputado que me precedeu e em occasião opportuna, quando a commissão der o seu parecer sobre as emendas apresentadas, me occuparei de novo d'este assumpto se pelo parecer da commissão não podermos chegar a um accordo.

O sr. Arrobas: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Braamcamp: — Não quero alongar tambem a discussão. O ar. ministro da fazenda já declarou que acceitava a proposta do meu illustre amigo o sr. Pereira de Miranda para ser remettida á commissão e novamente ali estudada; limitar-me-hei portanto a muito breves reflexões.

Devo começar por agradecer, tanto ao sr. ministro da fazenda como á illustre commissão, as palavras lisonjeiras com que se referem a mim nos seus relatorios; e cumpre-me desde já declarar, que não tenho iniciativa n'este projecto. Não me cabe senão a satisfação de ter advogado e talvez introduzido em Portugal uma instituição geralmente aceite em todos os mais paizes.

Não peço para mim nenhuma outra intervenção n'este projecto; mas já que veiu á discussão, devo declarar que muito folgo de o ver approvado.

Todos estamos de accordo no principio fundamental do projecto emquanto aos depositos obrigatorios, havendo unicamente algumas duvidas relativamente a uma parte do projecto que se refere aos depositos voluntarios.

E a este respeito devo explicar a minha idéa.

Quando adoptei este pensamento, declarei á camara que não tinha, nem por sombras, idéa de fazer concorrencia aos estabelecimentos bancarios; O meu proposito era o de facilitar ás economias pequenas espalhadas pelo paiz um meio de poderem tirar algum lucro, era o de animar o espirito de economia, o de dar vida a todos esses pequenos capitães que hoje jazem desaproveitados em todo o paiz. (Apoiados.)

E o governo» a administração publica com todas as suas ramificações, é sem duvida quem póde dar uma satisfação completa a essa necessidade, tanto mais absoluta, quanto hoje já existe entre nós uma tendencia sempre crescente para aproveitar e congregar essas pequenas economias, que podem ser uma fonte de riqueza para o paiz, emquanto que espalhadas e divididas nada valem. (Apoiados.)

Este foi o motivo principal que tive em vista, e portanto já vê a camara que não ha concorrencia nenhuma feita aos bancos.

O sr. ministro da fazenda já demonstrou positiva e claramente, que não é sómente o maior ou menor juro que pagam os bancos que leva os capitalistas a irem ali depositar as sommas que por qualquer motivo tem em reserva; é tambem a maior ou menor confiança que elles têem nesses estabelecimentos, bem como muitas outras circumstancias, que seria longo referir. Por consequencia, entendo que não ha concorrencia nenhuma a receiar e alem d'isso o governo não póde, não deve querer fazer da caixa de depositos um objecto de especulação. Não nos illudamos; esta instituição tem de lutar com difficuldades, hão de decorrer muitos e muitos annos antes que ella crie raizes verdadeiras no paiz.

Não quero considerar esta providencia como uma panacea financeira; considero-a simplesmente como uma semente lançada á terra, que deve dar bons resultados, principalmente se o governo procurar por todos os meios facilitar aos pequenos capitães um emprego que seja retribuição do trabalho que elles custaram, promovendo assim o espirito de economia, que bem dirigido, constitue uma das

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grandes riquezas do paiz. Sob este ponto de vista unicamente é que o projecto tem alcanço financeiro.

Limito-me a estas breves considerações.

N'este projecto estou do lado do sr. ministro da fazenda, porque entendo que ao mesmo tempo que da providencia que se propõe não póde multar prejuizo algum, e que ella não vae fazer concorrencia aos bancos, convenço-me de que elle ha de produzir vantagens e vantagens poderosas para o paiz.

Aguardo a discussão que ha de ter logar n'esta casa depois de ser examinada pela commissão a proposta do meu amigo o sr. Pereira de Miranda, e n'essa occasião procurarei mais amplamente justificar quaes foram os fundamentos da proposta que apresentei, e quaes as rasões por que insisti novamente na sua approvação.

Vozes: — Muito bem.

Foi approvado o artigo 1°, e seguidamente sem discussão os artigos 2.°, 3.°, 4.° e 5.°

Artigo 6.º

O sr. Presidente: — A este artigo ha uma proposta do sr. Pereira de Miranda, para que seja eliminado; por consequencia está em discussão o artigo e a proposta.

O sr. Carrilho: — Pedia a V. ex.ª que tanto o artigo como a proposta fossem enviados á commissão e que os artigos seguintes fossem votados independentemente das emendas que a commissão houvesse de fazer em relação a este artigo.

O sr. J. J. Alves — Eu peço que os artigos 6.° e 7.° não sejam discutidos, sem que a commissão dê parecer sobre a proposta do sr. Pereira de Miranda.

O artigo 6.° foi remettido á commissão com a proposta do sr. Pereira de Miranda.

Foram approvados os artigos 7°, 8.° e 9.°, salvas as emendas do sr. Pereira de Miranda.

Foram tambem approvados os artigos 10.° e 11°

Artigo 12.°

O sr. J. J. Alves: — A proposito do artigo 12.° desejo fazer uma pergunta ao sr. ministro da fazenda para esclarecimento.

O § 2.° d'este artigo diz o seguinte. (Leu.)

Sr. presidente, eu já servi, na qualidade de delegado da camara municipal, á junta deposito publico, e conheço a sua organisação; sei tambem que ha receio da parte de alguns empregados de ficarem deslocados ou em condições desfavoraveis. Desejo, pois, que o nobre ministro da fazenda me certifique se as intenções são deixar aquelles empregados fóra do serviço, ou colloca-los a todos sem excepção, embora alguns não disponham de habilitações que podem exigir-se para os funccionarios de que trata este projecto.

O sr. Ministro da Fazenda: — A idéa do governo é não só attender todos os empregados que possam desempenhar qualquer serviço na nova caixa, mas tambem, como não é possivel deixar de reformar a actual junta do deposito publico, não prejudicar os outros. Alem d'isso o costume sempre seguido n'estes casos é não prejudicar empregado algum, embora haja quem não possa servir.

O sr. J. J. Alves: — Mas o sr. ministro refere-se a todos, sem excepção?

O sr. Ministro da Fazenda: — Refiro-me a todos.

O sr. J. J. Alves: — Bem; estou satisfeito. Foi approvado o artigo 12.° e os mais do projecto. O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que estava dada para hoje. Está levantada a sessão. Eram cinco horas da tarde.

Rectificações

Sessão de 8 de fevereiro

No discurso do sr. Illidio do Valle, pag. 300, lin. 51, onde se lê — medicamentos = deve ler-se = rendimentos =; dita pag. lin. 62, onde se lê = Tambem o creio? = deve ler-se = Tambem o creio. =; dita pag. lin. 68, onde se lê = com bem =» deve ler-se -- um bem =.

Sessão de 9 de fevereiro pag. 320, col. 1.ª, lin. 13, aonde se lê = um concelho = leia-se = um concelho ou uma freguezia =.

Pag. 316, col. 2.º, quando se dá conta de propostas apresentadas pelo sr. Cunha Monteiro, faltam as seguintes, que por engano se não publicaram então:

Artigos addicionaes ao capitulo 8.8:

Artigo... Os inspectores e sub-inspectores, que se houverem desempenhado com reconhecido zêlo, poderão ser reconduzidos por um triennio nos mesmos logares.

Art.... Junto da cada inspector haverá um secretario, que poderá ser um professor de ensino publico, e vencerá a gratificação de 90$000 réis por anno, e bem assim um continuo com o ordenado annual de 120$000 réis.

Art.... Os inspectores são equiparados, para os effeitos de representação, aos lentes de instrucção superior, e os sub-inspectores aos de instrucção secundaria. Para os effeitos, porém, da jubilação e aposentação serão uns e outros equiparados aos professores de instrucção secundaria.

Ao capitulo 10.°:

Art. 62.° São applicadas ás despezas obrigatorias das camaras municipaes com a instrucção primaria:

V. A percentagem de 10 por cento de todos os rendimentos das confrarias e irmandades do concelho, que não sustentarem hospitaes, ou escolas proprias com professor legalmente habilitado.

São applicadas ás despezas obrigatorias das juntas de parochia:

V. A percentagem de 10 por cento sobre todos os rendimentos das confrarias e irmandades da parochia, nos termos do n.º 5.°

§ unico. A nenhuma outra deducção ficam sujeitos os rendimentos das irmandades e confrarias, embora preceituados nos respectivos estatutos com applicação a beneficencia.

Art.... Os inspectores deverão sempre estar presentes no acto de serem examinados ou apurados os orçamentos das camaras, juntas de parochia, confrarias e irmandades, cumprindo-lhes o recurso com effeito suspensivo para o governo, no caso de não serem legalmente dotados e garantidos os encargos da instrucção primaria.

Disposições transitorias:

Art.... Em cada um dos actuaes districtos administrativos haverá um inspector, durante dez annos depois da promulgação d'esta lei. = Cunha Monteiro.

Sessão de 11 de fevereiro

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