428 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
d'este dever, em virtude de pertencerem ao artigo 15.°, e não ao artigo 10.°, os actos que estão envolvidos neste tratado, qual foi a rasão por que não cumpriu com o disposto no § 3.° do referido artigo 15.°, submettendo ás côrtes, logo que ellas se reuniram, as providencias que no interregno parlamentar havia tomado, e nem ao menos mandou a este parlamento a notificação que já havia tempo tinha sido feita ás nações estrangeiras? (Apoiados,)
Deixando por ultimo a questão de direito parlamentar e constitucional, o que foi o governo fazer a Dahomey? Que plano é o seu? Que problema a resolver da nossa política colonial teve em vista quando foi assumir a enorme responsabilidade de uma nova e custosa occupação? (Apoiados.)
Eis os pontos que é indispensável esclarecer por interesse do paiz e para decoro d'este proprio parlamento!
Eu não deixo a questão que se refere á primeira interrogação, porque não quero por fórma nenhuma que passe Bem protesto um precedente que seria fatal para os direitos d'esta camara, se nós houvéssemos de o acceitar sem restricções. Continuo a sustentar que o governo estava obrigado pelo preceito constitucional do artigo 10.° do acto addicional a apresentar o tratado de Dahomey ao parlamento.
O sr. ministro da marinha disse na sessão de hontem que o governo se julgava desobrigado desse dever, porque o tratado não passava de ser um acto de mera administração colonial, e que para o ultimar estava o governo investido de faculdades especiaes, que lhe eram conferidas pelas leis em vigor.
Logo tratarei d'este assumpto, sr. presidente, mas cumpre-me desde já dizer ao sr. ministro da marinha que se o procedimento do governo se não justifica, muito menos podem ser acceitas as rasões com que fundamentou tal procedimento, não digo já em presença dos preceitos mais treviaes do direito internacional, mas mesmo em presença dos simples preceitos do bom senso ou da bona fide, se quizerem em linguagem diplomatica.
O sr. ministro da marinha, até no seu furor de se desculpar perante a camara com o systema dos precedentes, systema que tão fatal tem sido a toda a nossa administração, (Apoiados.) mas systema que nada justifica, que de nada absolve, e que no caso presente tem o defeito alem d'isso de não poder servir, porque eu não tenho precedentes de vida publica; o sr. ministro da marinha, repito, no seu furor de buscar precedentes para se defender chegou a affirmar que eu mesmo, que agora levantava a minha voz para accusar o governo, eu mesmo era cumplice de igual delicto ao menos pelo meu silencio, por isso que no passado interregno parlamentar tambem se tinham realisado tratados analogos com os regulos ao norte do Chiloango, sem que esses tratados houvessem sido presentes á camara.
E disse-nos mais o sr. ministro da marinha e ultramar, para corrigir uma affirmação minha, que sem duvida foi mal interpretada ou mal comprehendida por s. exa., que a soberania das nações não se media pela sua força, nem pela sua extensão territorial, pois n'esse caso seria mais soberana a enorme Russia do que a pequena Suissa, que no entretanto é um dos estados mais respeitaveis perante o direito internacional.
Não foi isto o que eu disse, e desde já peço licença ao sr. ministro para rectificar a sua affirmação completamente infundada; mas tambem permitta s. exa. que lhe observe, que ninguém poderá acceitar como boa a sua definição de soberania.
S. exa. sustentou, para me corrigir, e para se desculpar, que a soberania se mede pelo grau de civilisação de um povo, e que por consequencia eram perfeitamente identicos ao rei de Dahomey os régulos ou sobas ao norte do Chiloango.
Ora, o sr. ministro da marinha, que é distincto ornamento de um estabelecimento scientifico superior do paiz, não pôde, perante um parlamento onde ha cavalheiros que se prezam de illustrados, dar similhante definição de soberania. A soberania de um estado não é uma questão de direitos mais ou menos theoricos; é uma questão de facto, de onde, é verdade, se dirivam mais tarde direitos para a legislação internacional.
Um povo é soberano, porque o é, porque conseguiu ter o poder de se estabelecer dentro de uma certa e determinada área, de dar a si próprio um certo numero de leis, de se regular por um certo numero de costumes, de impedir que os estrangeiros intervenham na sua administração interna e nas suas relações externas, a menos que não tenham para isso expresso consentimento.
Esta é a única definição que de soberania póde dar-se. Se o grau de civilisação fosse a característica da soberania de um povo, n'esse caso era mais soberana a pobre Polonia, quasi que sem autonomia propria, do que a muito menos civilisada Russia, cuja soberania, no entretanto, fortemente constituída, não é em cousa alguma inferior á das mais adiantadas nações do Occidente.
Veja o sr. ministro da marinha a que absurdos conduziria a sua definição.
Mas, voltando novamente á hypothese, que se discute, a prova de que o reino de Dahomey tem todas as condições de uma verdadeira soberania, barbara ou não barbara, isso nada agora importa para o caso, está em que n'elle se encontram reunidos todos os requisitos que, na opinião dos tratadistas de direito internacional, são apontados como os indispensaveis para que tal soberania exista. Assim, tem a antiguidade e a continuidade histórica, pois já no seculo XVI um auctor muito conhecido, o celebre Leão africano, citava esse reino; occupa uma vasta area, onde domina do modo o mais absoluto; possue uma população relativamente muito superior, á população sujeita a todos esses solas, regulos ou cabeceiras a que alludiu o sr. ministro da marinha; a sua capital, Abomey, conta um subido numero de habitantes, e até lhe não falta uma côrte apparatosa e um exercito dos mais aguerridos!
Tem, pois, o reino de Dahomey todos os carateristicos de um estado com o qual se póde tratar; e tanto assim o comprehendeu o sr. ministro da marinha, que no relatorio que precede as propostas de organisação do respectivo protectorado, dá s. exa. ao rei negro todos os títulos de um verdadeiro soberano, desde a magestade até ao titulo de poderoso déspota. Ora eu não supponho, nem póde admittir-se que os ministros d'estado em documentos officiaes façam estylo, com palavras alem disso que têem todas o seu peso e a sua competente significação na hierarchia politica. E pois o chefe do povo dahomeano um monarcha e um rei poderoso na phraseologia do sr. Pinheiro Chagas.
Como é pois possível a comparação de um tal potentado como os pobres e inoffensivos regulos do norte do Chiloango? Esses microscopicos reizetes são verdadeiros poderes fluctuantes, cujos estados nem têem estabilidade historica nem possuem fronteiras definidas, que hoje existem e ámanhã desapparecem envoltos no turbilhão das permanentes remodelações da Africa selvagem! Os tratados com taes reizetes não exigem grande dispendio de habilidade diplomatica, pois que elles, sem uma clara comprehensão dos seus interesses trocam quasi sempre por um prato de lentilhas o seu direito de primogenitura. (Apoiados.)
Não continue, portanto, o sr. ministro da marinha a insistir no que é uma heresia juridica sem chegar nunca a ser rasão admissível para exonerar o governo da grave responsabilidade de ter infringido, em assumpto de tão grande importancia, um preceito constitucional. (Apoiados.)
De mais eu vou mostrar ao sr. ministro da marinha como outras nações, como a nação mesmo a que pertence o tratadista do direito internacional a que s. exa. se refe-